O Fundamentalismo e a Modernidade

June 2, 2017 | Autor: Jovanir Lage | Categoria: Cristianismo, Modernidad, Fundamentalismo
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O Fundamentalismo e a Modernidade
A constante tensão entre a reação e a identidade dos grupos religiosos, políticos e sociais aos tempos modernos.

Falar de fundamentalismo, torna-se sempre um exercício de reflexão. Principalmente sobre as questões que envolvem a cultura e vida em sociedade. O conceito de fundamentalismo tem sua origem na palavra fundamento, deste modo, não há casa que possa ser construída sem fundamento, não há argumento que possa ser formulado sem fundamentos, não há existência humana sem fundamento.
O problema surge quando pessoas, grupos eu determinadas organizações tomam para si estes fundamentos com o caráter de verdade incontroversa e os fazem absolutos para expressar o seu ponto de vista.
Segundo o teólogo Leonardo Boff, fundamentalismo não é uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista, que se sente portador de uma verdade absoluta e sendo assim, não pode tolerar outra verdade. O seu destino é a intolerância que gera o desprezo do outro.
Para a maioria das pessoas, ser fundamentalista está associado, quase sempre, a uma atitude arcaica, impositiva e extremista, que invariavelmente nos remete ao modelo de estrutura de civilizações da Idade Média. Porém, ao aprofundarmos a compreensão deste tema, ganhamos a chance de perceber uma constante tensão entre reação e identidade, que os movimentos fundamentalistas têm com a modernidade e o desejo de construir sempre, uma nova sociedade. O tempo presente nos coloca perante um fenômeno ambivalente, que apresenta simultaneamente estes sentimentos conflitantes de oposição e ao mesmo tempo de apoio às questões da modernidade, desde que ajude a promover os fundamentos de determinado grupo, sejam eles, religiosos, políticos ou sociais.
Sem ignorar as circunstâncias sociais que produzem os movimentos extremistas, o sociólogo inglês Steve Bruce considera que os elementos religiosos do fundamentalismo, estão particularmente voltados para uma resposta reacional a fatores sociais, políticos e econômicos que reduzem o papel da religião na vida pública, desenvolvendo alternativas para uma democracia liberal e secularizada.
Neste sentido, fica claro que há uma diferenciação entre os valores e procedimentos das principais religiões, em relação ao contexto social, à modernização e fragmentação das instituições sociais. Dentre estas religiões, as que se tornam mais proeminentes no contexto do fundamentalismo, são as que apresentam um padrão monoteísta com clara estrutura dogmática. Segundo Bruce, isto parece indiscutível, pois as religiões monoteístas, alegam seus fundamentos na crença que há apenas um Deus e por isto todos precisam aceitá-lo. Elas também são dogmáticas e acreditam que é possível expressar a natureza e a vontade de Deus como algo completo e específico para o qual todos devemos concordar. Ambas as coisas parecem ser condições necessárias para o fundamentalismo.
A inovação religiosa, desenvolvida pela Reforma Protestante, desempenhou um papel particular na desmistificação do mundo e influenciou, de forma considerável, a liberdade de pensamento e o desenvolvimento da chamada modernidade. A desmistificação em um conjunto de crenças, desenvolvido com os eventos da Reforma e posteriormente com a Revolução industrial, rompeu o poder a Igreja e abriu caminho para uma variedade de pensamentos e questionamentos da tradição.
O desenvolvimento das propostas fundamentalistas torna-se um constante apelo contra o dano que os efeitos da modernidade e secularização podem causar na sociedade. A modernização se torna alvo de acusações de fragmentação da ordem moral e sobrenatural. A modernidade se torna, portanto, a grande vilã, pois o foco geral da revolta fundamentalista está no desenvolvimento da cultura secular e nas democracias industriais modernas do Ocidente.
Por outro lado, os argumentos do século XIX entre Darwinistas e líderes da Igreja podem ter tomado as classes médias, mas dificilmente penetrado nas classes comuns.
De qualquer forma, insistir em um conjunto de crenças perdeu popularidade, pois provou-se que o errado é perder a diferenciação entre verdade e plausibilidade. Há várias formas de isolar nossas crenças contradizendo as provas. Podemos evitar ouvir evidências problemáticas, ou podemos rejeitá-las, colocando em dúvida o caráter daqueles que trazem a "má notícia". Por exemplo, muitos fundamentalistas americanos acusam os evolucionistas de serem sexualmente promíscuos e de esquerda, como estratégia neutralizante de suas ideias, a fim de exigir o apoio social.


O Fundamentalismo religioso
O fundamentalismo religioso se distingue de outras formas de fundamentalismo não somente por seu discurso sobre a fé ou sobre a reivindicação da volta dos fundamentos e ou à fidelidade aos dogmas de determinada tradição religiosa. O elemento fundamental para este conjunto de reservas de sentido está na referência constante e insistente a um livro sagrado. A relação direta que se cria entre o primado do livro e o ideal do movimento religioso, é o que caracteriza de forma clássica, o perfil do fundamentalismo religioso.
É importante também ressaltar a relação complexa que os movimentos fundamentalistas têm com a tradição. O fundamentalismo não é nem tradicional e nem conservador. A tradição é um elemento essencial para o fundamentalismo, mas os fundamentalistas deparam-se continuamente com cenários da vida presente que impõem o desafio de preservar a tradição e, ao mesmo tempo, buscar nela respostas para situações concretas. Neste sentido, não é incorreto afirmar que o fundamentalismo é também moderno, uma vez que depende da modernidade para existir.
Neste sentido, o fundamentalismo religioso torna-se uma espécie híbrida entre o novo e o arcaico.
Os problemas do fundamentalismo religioso
O rótulo do Fundamentalismo é um termo de fácil utilização quando se pretende classificar algum movimento que geralmente se encontra fora do contexto ou do padrão já estabelecidos. Basta identificar algum movimento religioso que apresente sinais de regressão aos primados da religião, ou questões de fanatismo religioso, ou mesmo o discurso de apelo moral e retorno aos fundamentos da fé.
Porém, o termo fica desgastado, impossibilitando a identificação das características específicas que este fenômeno religioso manifesta na sociedade contemporânea.
O certo é, que o conceito de fundamentalismo não está fechado em si mesmo, como um padrão estabelecido de regras comum a todos os movimentos, grupos e organizações extremistas, mas conforme as diferentes expressões culturais e religiosas de cada grupo é que este fenômeno vem apresentando diversos contextos, identificando tipos de fundamentalismos.
Quando se tenta reduzir a complexidade do fundamentalismo às manifestações mais radicais que se desenvolvem em determinados contextos, como é o caso do extremismo religioso de algumas vertentes do cristianismo e do islamismo, criamos o problema da rotulação.
Os movimentos fundamentalistas, com efeito, não são formas abstratas de fé religiosa ou slogans violentos. Pelo contrário, são pessoas de carne e osso que se identificam com uma doutrina religiosa ou tradição sagrada e a reinterpretam. Em alguns casos, reinventam, dando vida a repertórios de ação coletiva que devem ser estudados como tal.
As formas de ação dos movimentos fundamentalistas religiosos assemelham-se, aos movimentos políticos e sociais, que apresentam uma estrutura de liderança, apoiada na modalidade de gestão do relacionamento do indivíduo com as estruturas dominantes.
Enzo Pace e Piero Stefani em seu trabalho sobre o fundamentalismo religioso contemporâneo, ressaltam que os movimentos fundamentalistas nascem no seio das grandes religiões mundiais, como o Cristianismo, o Islamismo e o Hebraísmo.
Os autores identificam elementos que estão presentes em todas as formas defundamentalismo religioso, como por exemplo, o fato de que, o fundamentalismo sempre propõe um retorno do discurso religioso à esfera das discussões políticas. Se, no ocidente, havia até recentemente uma forte percepção de que a religião já havia se distanciado das questões políticas, os movimentos fundamentalistas, em quaisquer das grandes religiões, trazem de volta o discurso religioso, impedindo seus interlocutores de ignorá-lo. Este retorno do discurso religioso à cena política, pode ser relacionado com a reatividade típica do fundamentalismo, que ocorre diante de uma marginalização da religião.
Um movimento fundamentalista pode almejar controlar o Estado, uma vez que o poder sobre o Estado é o instrumento ideal para seus propósitos de combater a secularização. Assim, o discurso religioso na política é, pois, elemento que não se pode desassociar do aspecto reativo dos movimentos fundamentalistas.
Diante do exposto, a análise que se faz do conceito de fundamentalismos que durante muito tempo marcam presença no desenvolvimento da pol tica e da religião, é que, para a modernidade este tema continua vivo e em constante desenvolvimento.
É bem verdade que costumeiramente somos tendenciosos em taxar ou classificar conceitos, e neste sentido, fundamentalista passa a ser uma etiqueta que define e delimita o modo de ser de um determinado grupo.
O que percebemos é que os vários movimentos fundamentalistas, ainda que partam de pressupostos teológicos diferentes, propõem o mesmo fundamento, no qual se expressa o desejo de regresso da religião ao contexto político, com base nas acusações de degradação moral e ética, promovendo a desconfiança no sistema político.
Por isso não há uma universalidade do fundamentalismo, no que diz respeito a sua padronização confessional ou religiosa. O fundamentalismo não é específico de uma religião que o monopoliza e sim uma forma fragmentada de um grupo que procura o desenvolvimento de sua fé com bases em verdades inegociáveis.
Assim, no conceito geral do termo, todos somos fundamentalistas, pois, como já afirmamos, não há vida e não há existência humana sem fundamento. Também não há alguém que seja totalmente fundamentalista, pois a estrutura de modernidade não permite esta forma unificada e sim o fornecimento de uma percepção socialmente mediada por questões relativas ao mundo e a si mesmo.
Por fim, fica-nos a ideia de que estes movimentos radicais se encarregam de refletir sobre a crise da sociedade moderna e seu aparente descaso em relação a Deus e aos seus valores últimos.
Neste contexto de dificuldade cultural e estratificação social, estes movimentos tornam-se verdadeiros referenciais, por se reafirmarem como a "solução" a partir do elemento sagrado, unido à vida política, e assim, não é por acaso, que este projeto também não deu certo, pois os que chegaram ao poder não conseguiram imprimir uma prática integralmente ética, inspirada na religiosidade.


Box: As origens do fundamentalismo religioso protestante, se posicionam ao final do século XIX, nos Estados Unidos da América, quando um debate teológico entre liberais e conservadores, que concentrava-se nas modalidades de interpretação da Bíblia, ultrapassou as fronteiras da teologia e ganhou notoriedade entre as igrejas protestantes, se transformando num conflito ideológico e político de interesse nacional, onde surgiram movimentos coletivos de fundamento religioso.
O termo Fundamentalismo tem sua origem no Ocidente cristão e é fruto e decorrência da oposição aos movimentos caracterizados pela confiança no progresso, na razão e incentivo à liberdade de pensamento e liberdade política, moral e religiosa. A este conjunto de ideais de liberdade se convencionou chamar de modernidade.

Ao mesmo tempo que é contra a modernidade, o movimento fundamentalista pode se tornar a favor, desde que consiga defender o seu interesse de manter em "ordem" aquilo que estabeleceu como fundamento.


Ambivalência é um estado de ter, simultaneamente, sentimentos conflitantes perante uma pessoa ou coisa. De outro modo, ambivalência é a experiência de ter pensamentos e emoções simultaneamente positivas e negativas em relação a alguém ou alguma coisa. Um exemplo comum de ambivalência é o sentimento de amor e ódio por uma mesma pessoa.
Secularizado: aquilo que rejeita, exclui ou é indiferente à religião e a ponderações teológicas
Expressão do grego, "mono = um" "theos = deus" – Aquele que defende ou é adepto a um só deus.
Refere-se à mistura de dois ou mais elementos diferentes. Que não tem regularidade e nem segue um padrão de normalidade.

Do inglês, "lema", "frase de efeito". Artifício muito usado em contexto político, religioso ou comercial, como expressão fácil e repetitiva de ideias que remetem a objetivos, alvos ou mesmo para lançar um produto.


O socialmente mediado é aquilo que construímos em nossa sociedade, ou assumimos como prioridade para nós, a partir da convivência e conciliação com outras culturas.

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