O fundo Marqueses de Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal

June 4, 2017 | Autor: Tiago de Louriçal | Categoria: Manuscript Studies, Portugal (History), Personal and Family Archives, Cascais
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Esta separata foi editada graças à cortesia da Câmara Municipal de Cascais. Todos os exemplares desta edição foram numerados e assinados pelo autor. A este exemplar corresponde o n.º

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Amicitia vera similis est consanguinitati proximiori

Dedico aos meus amigos, Pierantonio Assolari, Laura Riva, ao Alberto e ao Guido, este modesto contributo para a história de Cascais, que trazem sempre no coração, e que adoptaram como morada. O autor, grato pela amizade que lhe dedicam.

Dedico ai miei amici, Pierantonio Assolari, Laura Riva, Alberto e Guido, questo modesto contributo alla storia di Cascais, che portate sempre nel Cuore ed avete adottato come residenza. L’autore, grato dell’amicizia a Lui dedicata.



ARQUIVO DE CASCAIS HISTÓRIA | MEMÓRIA | PATRIMÓNIO

1. P  ormenor das Armas Louriçal/Cascais que correspondiam às armas de uso da última Marquesa de Cascais [Arquivo da Casa de Louriçal]

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O FUNDO MARQUESES DE CASCAIS NO ARQUIVO DA CASA DE LOURIÇAL Tiago Henriques1

UM RÁPIDO OLHAR SOBRE A SUA INCORPORAÇÃO

Na manhã do dia 2 de Maio de 17402, no Palácio do Couto de S. Mateus3, “que estava magnificamente armado”4, celebrou-se o casamento de D. Francisco Xavier Rafael de Menezes, sexto Conde da Ericeira, com D. Maria José da Graça Castro de Noronha Ataíde e Sousa. Na solene ocasião foi madrinha, a cunhada, D. Joana Perpétua de Bragança5, deu o braço à noiva o Marquês de Cascais seu pai e foi caudatário seu irmão, o quarto Marquês de Cascais6. No mesmo dia, antes de “jantar, passaram os noivos para o Palácio do Conde da Ericeira, em cujo Oratório se celebraram [...] os desposórios da Senhora D. Constança de Menezes, filha do mesmo Marquês de Louriçal com José Félix da Cunha de Menezes”7. Socorrendo-nos da Gazeta de Lisboa, somos informados de que: “Estas funções dos dois recebimentos fez o Excelentíssimo, e Reverendíssimo Senhor Principal Manoel: 1

Responsável pelo Arquivo da Casa de Louriçal.  azeta de Lisboa, nº 19. Lisboa: Na Officina de Antonio Correa Lemos, 1740, p. 227. G ARAÚJO, Norberto — Peregrinações em Lisboa, vol. III. Lisboa : Vega, 1992, p. 80. Este palácio localizava-se ao nascente do Rossio, em Lisboa, entre as actuais ruas do Amparo, dos Canos e do Poço do Borratém, ao Rossio. A denominação “Palácio do Couto de S. Mateus” surge em diferentes documentos existentes no Arquivo da Casa de Louriçal. 4 Gazeta de Lisboa, nº 19, p. 227. 5 “No dia 21 de Junho, que é o maior do ano, porque o Sol nele chega ao Trópico de Câncer, fez Sua Majestade às Famílias do Duque de Lafões, e Marquês de Cascais, a honra de declarar o Casamento da Excelentíssima Senhora D. Joana Perpetua de Bragança com o Conde de Monsanto, beijando por este motivo toda a Nobreza a mão a Sua Majestade.”, veja-se MENEZES, D. Francisco Xavier de — Templo de Neptuno, Epithalamio no felicissimo casamento da Excelentíssima Senhora D. Joanna Perpetua de Bragança com o Excelentíssimo Senhor D. Luiz Joseph de Castro Noronha Ataide e Sousa, Marquez de Cascaes. Lisboa: Na Officina Sylviana, da Academia Real, 1738, f. 7. 6 D. Luís José de Castro Noronha Ataíde e Sousa, quarto Marquês de Cascais, recebeu a mercê do título no dia do seu casamento, em vida do próprio pai, veja-se MENEZES, D. Francisco Xavier de — Templo de Neptuno…, p. 8. 7 G  azeta de Lisboa, nº 19, p. 227. 2

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o jantar, e a ceia, em que houve muitos Senhores, e Senhoras convidados, foram abundantíssimos de todo o género comestível, e tudo delicado, e de muitas frutas, doces e bebidas geladas de toda a sorte”8. Da primeira união supracitada, a 12 de Abril de 17529, nasceu D. Ana Josefa Maria da Graça de Menezes e Castro, sexta e última Marquesa de Cascais10. No primeiro dia de Novembro, dia de Todos os Santos, do ano 1755, no rescaldo do terramoto de Lisboa, sua mãe: “D. Maria da Graça de Castro, Marquesa do Louriçal, tendo escapado do primeiro perigo, e estando de joelhos dando a Deus as graças por lhe livrar da morte a sua filha herdeira de poucos anos, caindo de repente as duas paredes da casa ficou mortalmente ferida e maltratada, de sorte que dentro em poucos dias expirou na Vila de Cascais na flor da idade.”11 A segunda Marquesa de Louriçal veio efectivamente falecer apenas a 13 de Novembro de 175512 na Quinta de Val-Verde13, manifestando aos que assistiram ao seu passamento o desejo que tinha de que a filha casasse com o cunhado, D. Henrique de Menezes e Toledo14, como o próprio um ano após a tragédia testemunha em carta, afirmando que: “a ambição do Marquês de Louriçal, lhe fez esquecer de tudo o que se deve a Si, à Sua Casa, a mim, à memória de Sua mulher, e ao que ela lhe recomendou poucas horas antes de morrer, que queria absolutamente que sua filha casasse comigo”15. Na mesma ocasião, D. Henrique de Menezes escreve ao Principal Almeida dando-lhe parte de que “é sem dúvida notório, a loucura de querer por-se em risco de separar duas Casas, que meus Pais desejaram sempre unir”16. Este momento de tensão descrito por D. Henrique de Menezes, surgiu após o Marquês de Louriçal ter, presumivelmente, contrariando a vontade da mulher, tendo acordado com o Marquês de Angeja desposar em

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G  azeta de Lisboa, nº 19, p. 228. O Principal Manoel que oficiou a cerimónia, foi D. José Manoel da Câmara, filho do Conde da Atalaia, nascido em 25 de Dezembro de 1686, veja-se, Codex Titulorum S. Patriarchalis Ecclesiae Lisbonensis, Pontificia, et Regia. Lisboa: Typis Regalibus Sylvianis, Regiaeque Academiae, 1746, p. 51. 9 SOUSA, D. António Caetano —Memorias Historicas, e Genealogicas dos Grandes de Portugal. Lisboa: Na Regia Officina Sylviana, e da Academia Real, 1755, p. 476. 10 A primeira mulher do segundo Marquês de Louriçal é referida como Marquesa de Cascais em ACL, Externos / Cascais / Administração / maço 2 / n.º 4, Contas da Consignação 1754. A filha também é denominada do mesmo modo em Arquivo Histórico Ultramarino, AHU_ACL_CU_015, Cx. 82, D. 6800. 11 PEREIRA, Antonio — Comentario Latino e Portuguez sobre o terremoto e incendio de Lisboa. Lisboa: Na Officina de Miguel Rodrigues, Impressor do Emin. S. Card. Patr., 1756, p. II 12 ANTT, Registos Paroquiais / Paróquia de S. Vicente de Alcabideche / Óbitos, Livro 2, fl. 105-105 v. Certidão de óbito da Marquesa de Louriçal, D. Maria Josefa de Castro Noronha Ataíde e Sousa. 13 “Não conseguimos localizar essa propriedade; inclinamo-nos, contudo, a que dela sejam as ruínas que ainda se vêem à saída da estrada de Penha Longa” in ANDRADE, Ferreira de — Cascais vila da corte…, p. 245, na mesma obra, é citada uma carta de Jorge de Moser, na p. 468 e é dito que “com respeito à Quinta de Valverde, que pertenceu aos Condes de Monsanto, Marqueses de Cascais. Conforme já tive ocasião de referir, situa-se no lugar de Bicesse, com largo portão abrindo sobre a estrada, à direita de quem vem do Estoril e pertence hoje à família Abreu Valente”. Em GAMA, Filipe José da — Panegyrico da Ilustrissima e Excelentissima Senhora D. Maria Joseph da Graça e Noronha, Marqueza do Louriçal. Lisboa: Na Officina dos Herdeiros de Antonio Pedrozo Galram, 1746, p. 1, a quinta é novamente referida, Recitado na sua quinta de Val-Verde, junto a Cascais, sem ser dada outra indicação que não seja a descrição física dos jardins da propriedade. 14 Em 1755, D. Henrique de Menezes e Toledo, último filho do primeiro Marquês de Louriçal, era cónego da Patriarcal de Lisboa. 15 ACL, Correspondência / Copiadores / Paris / maço 2 / n.º 5. Carta de D. Henrique de Menezes e Toledo datada de Paris a 21 de Novembro de 1756, dirigida a Gonçalo Xavier da Alcáçova. 16 ACL, Correspondência / Copiadores / Paris / maço 2 / n.º 4. Carta de D. Henrique de Menezes e Toledo, datada de Paris a 21 de Novembro de 1756, dirigida ao Principal Almeida do Patriarcado de Lisboa.

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O fundo Marqueses de Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal

segundas núpcias a filha deste, e dando a mão da própria filha, a “Condensinha de Monsanto”17, ao filho varão do Marquês de Angeja. Do projecto ambicionado pelo segundo Marquês de Louriçal, apenas se concretizou o do primeiro matrimónio, de onde nasceu uma menina morta, e dias depois a mesma sorte atingiu a própria mulher, que faleceu na sequência de complicações do parto18. A jovem Marquesa de Cascais, contando dez anos, faleceu no Convento de S. Francisco de Tavira em 1762 - não sem que antes disso D. José I a tivesse dispensado da lei mental e “esta menina, é quem ao presente goza do Senhorio da terra [de Cascais]”19, encontrando-se a esse tempo a Casa de Cascais em administração20 do Marquês de Louriçal “o qual ao presente está de posse da dita Casa como Tutor de sua Filha Dona Ana Josefa Maria da Graça”21. A esse tempo já o quarto Marquês de Cascais tinha falecido sem descendência. No decurso das nossas investigações verificámos que a Gazeta de Lisboa noticiou que D. Luís José de Castro Noronha Ataíde e Sousa, “Na noite de sábado para domingo 14 do corrente faleceu de uma apostema na sua quinta de Aramenha, limite do lugar do Cartaxo”22, no entanto, no treslado autêntico da sua certidão de óbito, requerido pelo segundo Marquês de Louriçal, e de que existem três cópias no Arquivo da Casa de Louriçal, o pároco da freguesia de Santa Justa de Lisboa, afirma que “Aos 15 dias do mês de Julho de mil setecentos quarenta e cinco anos, faleceu na rua do Poço do Borratém o Excelentíssimo Senhor D. Luís José Tomás Leonardo de Castro e Noronha Ataíde e Sousa, duodécimo Conde de Monsanto e quarto Marquês de Cascais”23. Na sequência desta morte, a Marquesa de Louriçal sucede na Casa de Cascais.

UMA ENCAMPAÇÃO DO PRIMEIRO CONDE DE MONSANTO E UM ALVARÁ RÉGIO DE 1677

Entre a documentação existente proveniente do Arquivo da Casa de Cascais exis-tem dois documentos que nos esclarecem sobre os motivos que tornam particularmente raros os documentos anteriores a 1755: “Como o Arquivo da

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Ibid. ACL, Administração / Cartas (gaveta 23) / AM / nº 5.1, Cartas do Senhor Marquez D. Henrique a Antonio José Delgado, e deste para o dito Senhor e de Amaro Barão sobre objetos de Sua Casa. A carta está datada de Palhavã, a 24 de Dezembro de 1771 e o testamento em ACL, Particulares / TESTAMENTOS E CERTIDÕES DE BAPTISMO, E DE OBITO DE ALGUNS SENHORES DA EX.MA CAZA DO LOURIÇAL / MAÇO 12º / n.º 3. Este maço encontra-se no armário dos Eclesiásticos. 19 ANTT, Memórias Paroquiais / Paróquia de Nossa Senhora da Assunção / resposta n.º 1. 20 MONTEIRO, Nuno Gonçalo — O Crepúsculo dos Grandes: A Casa e o Património da Aristocracia. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2003, p. 378. 21 ANTT, Memórias Paroquiais / Paróquia da Ressurreição de Cristo / resposta n.º 2. 22 ANDRADE, Ferreira de — Cascais vila da corte : oito séculos de história. Cascais: Câmara Municipal de Cascais, 1964, p. 121. 23 ACL, Administração / Cascais / Maço 16 / nº 7a. Certidão de óbito do Marquês de Cascais. 18



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Casa de Cascais, se incendiou”24, e se inundou25 com o “Terramoto, e incêndios que resultaram, e fizeram impossível a existência deles”26. Por este motivo, decidimos destacar dois documentos que consideramos particularmente relevantes atendendo às circunstâncias que concorrem para a sua existência: a “Escritura de Encampação de Foro, que fez Catarina Afonso, Viúva de Álvaro Anes da Cidade de Lisboa, em seu filho Fernão Álvares, de uma vinha e Courela de pão na Ameixoeira, que era foreira ao Conde D. Álvaro de Castro; em 21 de Novembro de 1460”27, que em seguida se reproduz, e o “Alvará para o Marquês de Cascais D. Luís Álvares de Castro poder vender dois mil cruzados de juro com a condição de retro aberto, consignando os bens da Coroa e Ordens; de 15 de Dezembro de 1677”. O suporte do primeiro documento é pergaminho, e com forte probabilidade será proveniente do fundo inicial legado por Fernão Álvares d´Andrade à sua filha, que veio a casar com o segundo Conde da Ericeira; sustentamos esta ideia na franca impossibilidade de o documento pertencer ao remanescente do fundo Cascais, atendendo aos motivos já expostos - no entanto não subsistem indícios suficientes que possam esclarecer de forma definitiva a proveniência, e a sobrevivência deste documento relativo ao primeiro Conde de Monsanto28. O segundo documento, datado de 1677, encontra-se em suporte de papel, possuí assinatura autografa de D. Pedro II, e descreve com detalhe o modo pelo qual o Marquês de Cascais se deveria reger para efectuar uma venda para a qual havia feito petição, pois entre estes bens encontravam-se bens de morgado e da coroa. O documento reveste-se de interesse não pelo seu conteúdo, mas sim por se tratar de um Alvará Régio original, e não um treslado autêntico, e ao tomarmos como certa a informação constante nos documentos já citados anteriormente, será dos poucos que resistiram ao Terramoto - salientamos o facto de o documento

não

possuir

cêndio

ou

exposição

nenhuma a

marca

elevados

de

níveis

destruição de

provocada

humidade,

como

por

in-

sucede

com alguma da documentação posterior a 1677, mas anterior a 1755. Exceptuando os dois documentos apresentados, até ao presente nenhum outro foi detectado no restante arquivo, que apresentem indícios indiscutíveis de serem provenientes do Arquivo da Casa de Cascais, e que sejam anteriores a 1755. 24

ACL, Administração / Externos - Cascais (gaveta C do armário n.º 6) / maço 4 / nº 6, f. 1. Ibid. ACL, Administração / Externos - Cascais (gaveta C do armário n.º 6) / maço 4 / nº 7, f. 1 v. 27 A ficha de inventário que este documento apresenta é uma das que subsistem da organização do arquivo levada a cabo entre o final do século XVIII e inicio do século XIX, no entanto no reverso do documento existem vestígios que indicam uma inventariação anterior, ACL, Administração / (gavetão 7) maço 8º / letra M. D. Álvaro de Castro, 1º Conde de Monsanto (1420-1471), ascendente dos Marqueses de Cascais. 28 D. Álvaro de Castro (1420-1471), primeiro Conde de Monsanto, ocupou os cargos de Camareiro-Mor, Fronteiro-Mor e Alcaide-Mor de Lisboa. Recebeu a mercê de primeiro Conde de Monsanto de D. Afonso V por carta de 21 de Maio de 1460. Acompanhou o monarca a África na expedição da Conquista de Arzila, onde foi vítima de uma seta a 24 de Agosto de 1471. Aproximadamente em 1440, casou com Isabel da Cunha, segunda senhora das vilas de Castelo Rodrigo, Tarouca e Valdigem, segunda senhora de Cascais e seu termo, do Reguengo de Oeiras, das dízimas das sentenças condenatórias de Évora, da jurisdição da Lourinhã e das rendas da portagem de Beja, neta do Infante D. João de Portugal, Duque de Valência de Campos, filho ilegítimo d’El-Rei D. Pedro I, e do Doutor João das Regras, pelo casamento de D. Afonso, filho do Infante, com D. Branca da Cunha, senhora de Cascais, filha do jurisconsulto. 25

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O fundo Marqueses de Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal

2. Escritura de encampação de foro, 21 de Novembro de 1460 [Arquivo da Casa de Louriçal]



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A GESTÃO PATRIMONIAL: OS RENDIMENTOS E AS OBRIGAÇÕES DA CASA DOS MARQUESES DE CASCAIS

O maior volume de documentação representada neste fundo diz respeito à gestão patrimonial dos bens que durante um curto período de tempo, que não conseguimos precisar com exactidão, foram administrados pela Casa de Louriçal. Entre esta documentação destacamos um conjunto de três relações de rendimentos, e despesas, sobre as quais o segundo Marquês de Louriçal manifestava: “remorso na minha consciência, a respeito da Administração da Casa de minha Filha, sobre o poder aplicar em comum, como tenho feito até agora, igualmente os Bens do Morgado, e os Castrenses: Pretendo emenda-lo para o futuro, fazendo um estabelecimento das ditas rendas, de forma que seja inalterável o propósito, principiando por mostrar o que necessito em cada ano para a minha Casa, e Família.”29 Pelas relações existentes, podemos verificar quais eram os bens detidos e administrados pela Casa de Cascais, quanto rendiam anualmente e quando deveriam ser cobrados os pagamentos dos rendimentos dos mesmos bens. Os bens encontram-se enlencados do seguinte modo: Morgados de Ançã, Baía, Paul do Boquilobo, Penalva e Foz30; Comendas de S. Lourenço do Bairro, Vila de Rei, Pereiro e Segura; Senhorios da Baía, Cascais, Castelo Mendo, Lourinhã, Monsanto, Pernambuco e a Alcaiadaria Mor de Lisboa e Tenças e juros da Casa das Carnes e da Casa da Cotovia31. Os mesmos documentos apresentam com algum detalhe as despesas em que a Casa de Cascais incorria para a sua decente sustentação, os valores são enumerados singularmente, são descritos os gastos com a “cozinha cada mês”, “folha dos moços”, “gasto da cavalariça”, “para librés”, “para Oficiais”, entre outros. Porém, verifica-se que foram omitidos os valores a que a Casa se encontrava obrigada após 1745, as despesas surgem descritas num fólio solto sem denominação32, onde estão inscritos os gastos supridos pela administração conjunta da Casa de Louriçal/Cascais, que seriam encargos exclusivos da Casa de Cascais: Tenças de duas religiosas no Convento da Castanheira, tença de uma religiosa no Convento de Almoster, cinco Capelas do Morgado de S. Mateus, duas festas da instituição do Morgado de S. Mateus e Santo Eutrópio, uma festa no Senhor das Alcáçovas do Castelo de Lisboa, uma festa a Santo Inácio, uma festa a S. Leonardo, uma festa a Nossa Senhora, uma capela no morgado, duas capelas no Convento do Buçaco, arras devidas à quarta Marquesa de Cascais e, finalmente, uma parcela relativa a alimentos que não é evidente onde deveria ser aplicada33. 29

 CL, Administração / Cascais / Maço 13 / n.º 2, Contas da administração da Casa de Cascais. A Este morgado incluía a Quinta da Aramenha, em Santarém, veja-se ACL, Administração / Externos - Cascais (gaveta C do armário n.º 6) / maço 3 / s. n. 31 Ibid. 32 O documento será posterior a esta data, pois já tem inscrito o valor das arras que deveriam ser pagas à quarta Marquesa de Cascais, D. Joana Perpétua de Bragança, por morte do marido. 33 ACL, Externos / Cascais / sem número. 30

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O fundo Marqueses de Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal

Cada um dos morgados descritos nas relações de rendimentos incorporava bens em diferentes localidades, como era frequente suceder em circunstâncias semelhantes. Nas “Forças de escritura de quitação, consignação, obrigação e transação, que faz a Ilustríssima e Excelentíssima Senhora D. Joana Perpétua de Bragança, com os Ilustríssimos e Excelentíssimos Senhores Marqueses de Louriçal”34 podemos encontrar uma relação de imóveis, que deveriam servir para com os seus rendimentos suprir os valores das arras de D. Joana de Bragança35, que não encontramos referidos na restante documentação, onde surgem descritos os bens que se encontravam debaixo da administração da Casa de Cascais.

O SENHORIO DE ANÇÃ E OS ESCRAVOS DA TERCEIRA MARQUESA DE CASCAIS

O Senhorio de Ançã que pertenceu à Casa de Cascais, e que veio a ser incorporado nos bens da Casa de Louriçal, possui algumas singularidades que o fazem destacar-se dos restantes. A vila de Ançã, administrativamente dependente de Coimbra, é com toda a certeza, entre os extintos morgados que pertenceram à Casa de Cascais, o que actualmente melhor preserva a memória dos antigos senhores. Esta memória manifesta-se nos monumentos que actualmente ainda se mantêm de pé, ornados com as armas dos Castros, armas que foram reconvertidas e actualmente servem a heráldica da própria freguesia. As lendas populares da terra, muitas delas criadas na sequência da estadia de D. Álvaro Pires de Castro, primeiro Marquês de Cascais, que ali viveu exilado alguns anos, por se ter envolvido em questões políticas no reinado de D. Afonso VI, de quem era acérrimo defensor, tendo na manhã de 23 de Novembro de 1667, sucedido que: “Entrando na antecâmara disse aos Moços da Guarda Roupa que queria falar a El Rei, e respondendo lhe eles que estava ainda recolhido, bateu altamente na porta da câmara de sorte que o despertou, porém se o estrondo o fez acordar do sono em que dormia, a inércia fez que ficasse adormecido no desacordo com que se inabilitava, chegou o Marquês à cama de El Rei e com ardentíssimo zelo e reverente liberdade entre outras cousas que não podemos escrever (…) lhe disse que era tempo de acordar, não de dormir, porque se não despertasse do letargo em que vivia em breves horas perderia o Reino que arruinava, pois era inábil para o governo e inútil para o matrimónio”36.

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ACL, documento sem inventário, possivelmente por se tratar de um rascunho do documento final.  ntre estes bens encontramos umas “Casas de S. Mamede” e os “foros de Colares”. E FARIA, Leandro Dorea Cáceres e — Catastrophe de Portugal na deposição de el Rei D. Affonso o Sexto, e subrogaçao do Princepe D. Pedro o Unico. Lisboa: A custa de Miguel Manescal mercador de livros na Rua Nova, 1669, p. 228.

11 §

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3. Alçado do Solar dos Marqueses de Cascais, em Ançã [AHMCSC/AESP/CALM/B-B/031]

No seguimento da morte de D. Afonso VI, D. Álvaro Pires de Castro é desterrado para Porto de Mós de onde mais tarde se retira para o seu Solar de Ançã, do qual ainda se podem apreciar importantes vestígios. Um dos aspectos mais interessantes que ressaltam na consulta da documentação relativa ao Senhorio de Ançã, é o facto de se verificar que de forma contínua os proventos auferidos daquele Senhorio terem sido utilizados como garantia. Em documento posterior a 1762, Amaro Barão de Laguar37 informa-nos de que: “O último Marquês de Cascais D. Luís José de Castro, faleceu a 15 de Março de 1745, e por sua Mãe, Irmã, e Mulher, não aceitarem a Sua herança, ficou esta jacente, e foi nomeado Curador o Doutor Manuel Madureira de Sousa, contra o qual é que obteve a Sentença o Credor Domingos da Cunha Lima. Pela dita Sentença foi fazer penhora a Ançã”38. O parecer citado presta alguns esclarecimentos sobre os pagamentos de arras da quarta Marquesa de Cascais, justificando que D. Joana Perpétua de Bragança “do primeiro de Janeiro de 1758, em diante, deixando as rendas de Ançã”39, terá tomado para os seus pagamentos outros rendimentos, e dessa data em diante, verifica-se que Ançã passa a servir como garantia para os pagamentos de arras das futuras Marquesas de Louriçal. Encontramos referências à gestão dos rendimentos de Ançã em todos os acordos nupciais que se realizaram na Casa de Louriçal de 1755 até 177840, sendo a primeira testemunha do procedimento que referimos um acordo concluído entre 37

 m dos oficiais ao serviço da administração da Casa de Louriçal. U ACL, Administração / Cascais / Maço 45 / n.º 6, f. 1, Parecer de Amaro Barão de Laguar sobre rendimentos da Casa de Cascais. 39 Ibid., f. 1. 40 Entre 1755 e 1778 ocorreram três casamentos. 38

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O fundo Marqueses de Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal

D. Joana Perpétua de Bragança e os segundos Marqueses de Louriçal, em data que se ignora, onde a primeira se demitia “da posse, e Cabeça de Casal; Enquanto as Arras que se havia ajustado amigavelmente com os Ilustríssimos e Excelentíssimos Marqueses do Louriçal e tomar para pagamento delas as rendas de Ançã”41; um outro documento declara que “As rendas de Ançã (…) cobrava a dita Senhora, para satisfação dos seus alfinetes”42; em 1773 surge novamente Ançã como garantia, sendo dito pelo Marquês de Angeja que “como também desiste de todo o Direito que lhe possa competir pela referida rematação dos bens citos na Vila de Ançã”43, de acordo com o que havia sido acordado para se concluírem as segundas núpcias do segundo Marquês de Louriçal com D. Josefa Xavier do Carmo e Noronha, que faleceu em 1771. Conhecemos mais exemplos da utilização dos rendimentos de Ançã para o mesmo fim, que se encontram documentados, no entanto com a morte do terceiro Marquês de Louriçal não verificamos a existência qualquer outro documento que refira Ançã. Não dispomos de informação suficiente que permita compreender de forma clara em que circunstâncias o bens de Ançã tenham transitado para a Casa de Louriçal, e porque motivo a 15 de Outubro de 1799, o Príncipe Regente, mais tarde D. João VI, fez doação do Senhorio de Ançã e de S. Lourenço do Bairro44 a D. Carlota Joaquina, sua mulher, tendo sido esta Rainha de Portugal a última Senhora de Ançã. Mereceu a nossa atenção a “Escritura de Cessão e Consignação, e obrigação, que fez a Marquesa de Cascais a seu Genro, e Filha, Marqueses do Louriçal, do Dote, Arras etc. com as condições que nela se declaram”45, documento que se reproduz parcialmente em seguida, lavrado no Palácio do Couto de S. Mateus em 17 de Agosto de 1748, “nos aposentos da Ilustríssima e Excelentíssima Senhora Marquesa de Cascais, D. Luísa Maria Helena de Noronha”. A Marquesa de Cascais manifesta no documento, repetidamente, uma interessante prova de estima que dedica a alguns dos escravos da Casa de Cascais, pela pouca frequência de testemunhos da mesma natureza no mesmo período histórico. Entre as várias obrigações estipuladas pela Marquesa de Cascais, esta decidiu que: “lhe dariam os mesmos Ilustríssimos e Excelentíssimos Senhores Marqueses seu genro e filha, umas casas em que habitasse com sua família, e com todas as alfaias, e ornato preciso para a sua decência, assim de móvel como de alguma prata de serviço ordinário”46 e apelando a que: “se obrigam os mesmos Ilustríssimos e Excelentíssimos Senhores Marqueses do Louriçal a comporem à herança dos Ilustríssimos e Excelentíssimos Senhores Marqueses D. Manuel e Dom Luís, o valor de dois 41

 CL, documento sem inventário, possivelmente por se tratar de um rascunho do documento final. A ACL, Externos / Cascais / Maço 13 / n.º 9, Rol das rendas escolhidas e consignadas para pagamento de doze mil cruzados em cada um ano das arras da Senhora D. Joana Perpétua de Bragança. 43 ACL, Administração / Maço 102 / n.º 7, Instrumento de transação e composição amigável entre o Marquês de Louriçal e o Marquês de Angeja. 44 BENEVIDES, Francisco da Fonseca — Rainhas de Portugal: Estudo histórico com muitos documentos, vol. II. Lisboa: Typographia Castro Irmão, 1879, p. 216. 45 ACL, Administração / Cascais / Maço 8 / n.º 2, f. 1. 46 Ibid., f. 3. 42

13 §

4. Escritura de cessão, consignação e obrigação, 17 de Agosto de 1748 [Arquivo da Casa de Louriçal]

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escravos, um chamado João, e outro Vicente, a quem a Ilustríssima e Excelentíssima Senhora Marquesa de Cascais dá liberdade para que fiquem desde logo livres da escravidão, ficando porém obrigados a servir a eles Senhores Marqueses do Louriçal enquanto houverem por bem servir-se deles, sem que possam ser vendidos, nem de algum modo alienados para que sejam obrigados a servir a outrem. E que a preta Isabel por ser um presente que o Senhor Marquês de Angeja mandou da Baía à Ilustríssima e Excelentíssima Senhora Marquesa de Cascais sua filha, a qual a possuiu sempre como sua, e por isso não foi lançada em inventário, desde logo ficará livre, e se lhe dará sua carta de alforria, para que fique em sua Liberdade, e para este efeito eles Senhores Marqueses do Louriçal desistem de todo o direito que podem ter a respeito da dita escrava para ficar livre de toda a escravidão”47.

A PRATA DO MORGADO CASCAIS E O TERRAMOTO DE LISBOA

Após a incorporação dos bens dos Marqueses de Cascais, em consequência da morte do quarto Marquês de Cascais, a Marquesa de Louriçal, sua irmã, herdou a prata vinculada48 aos morgados em que sucedeu. Uma carta remetida por um dos letrados49 ao serviço da Casa de Louriçal em 1766 informa-nos que, verificando-se ser “notório incendiar-se a sua casa [a do Marquês de Louriçal] no incêndio subsequente ao Terramoto do primeiro de Novembro de 1755, sendo a primeira que nesta Corte experimentou aquela fatalidade e ruína”50. Entre os maços de correspondência particular recebida pelo segundo Marquês de Louriçal existe um parecer jurídico remetido por José Gil Tojo Borja e Quinhones,51 datado de 1763, onde este presta alguns esclarecimentos sobre o modo como, em seu entender, a prata vinculada à Casa Cascais deveria ser separada da prata pertencente à da Casa de Louriçal. Esta questão ocorreu no ano imediato à morte da filha única dos Marqueses de Louriçal, que, com a morte da mãe no Terramoto, se tornou a herdeira da referida prata e que, com a morte desta, não deveria reverter a favor da Casa de Louriçal. 47

Ibid., fls. 5 v., 6. Tratava-se da prata que se encontrava vinculada ao morgado, isto é, aquela da qual não se podia livremente dispor sem licença régia. 49 “(…) com este título se levantaram os Juristas, e particularmente os advogados”, BLUTEAU, Rafael — Vocabulario Portuguez e Latino, vol. V. Lisboa: Na Officina de Pascoal da Sylva, 1716, p. 90 50 ACL, Administração / Cascais / maço 17 / n.º 2, Sentença a favor do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Marquês, contra as Religiosas de Odivelas que pediam certo juro, que a Casa de Cascais noutro tempo lhes pagava com cuja contenda representou o dito Senhor por cabeça de sua filha a Marquesa de Cascais. 51 Doutor José Gil Tojo Borja e Quinhones, membro do Desembargo do Paço, em 1772, foi Corregedor da Comarca de Coimbra, conforme é dito por LEMOS, Francisco — Relação do estado geral da Universidade (1777). Coimbra: Por ordem da Universidade, 1980, p. 261, e em MATOS, Joaquim António de Sousa Teles de; RIVARA, Joaquim Heliodoro da Cunha — Catalogo dos manuscriptos da bibliotheca publica Eborense, vol. II. Lisboa: Imprensa Nacional, 1869, p. 470, encontramos nova referência ao mesmo remetente, com correspondência expedida de Portimão e Mértola, em 1781, e 1782 respectivamente. 48

15 §

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O documento, remetido de Tavira, local da morte da sexta e última Marquesa de Cascais, começa por afirmar que todas as peças que tivessem sobrevivido ao terramoto, e mantivessem a mesma forma, e que antes do Terramoto eram “próprias de Vossa Excelência, nelas não há questão”52, e sobre as pratas vinculadas à Casa Cascais, é dito que “se devem restituir absolutamente”53. O remetente faz uma relação da prata que se salvou, na forma original, e pertencia ao vínculo Louriçal, “a água às mãos, e as cangalhas de azeite e vinagre”54. Acerca da restituição da prata aos herdeiros do vínculo Cascais, esclarece o autor da carta que a Casa de Louriçal não estava obrigada a ressarcir pela perca e diminuição que houve na baixela vinculada à Casa de Cascais, pois a mesma tinha sido fruto: “de um caso notoriamente fortuito, que não podia precaver-se”55, e que o Marquês de Louriçal tinha a justa intenção de “restituir a cada um o que é seu, e nunca foi o seu ânimo adquirir domínio em toda [a prata]”56. O mesmo letrado acrescenta que: “deve sair da mesma prata, ou para melhor dizer, deve o sucessor do Morgado pagar a despesa que se fez em a reduzir à nova forma, que hoje tem, porque é uma verdadeira benfeitoria, em perpétua utilidade do vínculo, e Seus possuidores”57. Finalmente o autor da carta apresenta a sua opinião enquanto jurista, do modo mais justo a que se deveria recorrer para que fosse feita a divisão da prata, atendendo a que era impossível fazê-la voltar ao estado que tinha antes do terramoto. No entanto, deixa entrever o principal problema: a prata devolvida à Casa de Cascais deveria corresponder ao justo valor em que a mesma ficou após o terramoto, que a tinha reduzido a uma “massa informe”, referindo que “Toda a dificuldade consiste em averiguar-se quanta era a que pertencia a cada uma das Casas” e para isso deveriam servir as informações prestadas pelos criados da Casa de Louriçal/ Cascais que a tinham visto antes e depois do terramoto. A única relação que se conserva no Arquivo da Casa de Louriçal que diz respeito à prata pertencente ao vínculo dos Marqueses de Cascais não discrimina objectos, exceptuando “cinquenta e oito facas”58. A mesma relação de gastos efectuados com a prata “e seu feitio” afirma que “pesou toda a prata, com a do toucador”59, 16 arrobas e 4 arratéis, que actualmente corresponderia a cerca de 236,8 quilogramas. Não encontramos até ao momento outro documento que esclareça o modo como tenha sido feita a divisão da prata e em que ocasião se tenha concluído a diligência de partilhas.

52

 CL, Correspondência / Maço 78 / n.º 18. Carta de José Gil Tojo Borja e Quinhones ao segundo Marquês de Louriçal. A Ibid. Ibid. As peças que se salvaram, e mantiveram a antiga forma, foram um gomil e o galheteiro para azeite e vinagre. 55 Ibid. 56 Ibid. 57 ACL, Correspondência / Maço 78 / n.º 18. Carta de José Gil Tojo Borja e Quinhones ao segundo Marquês de Louriçal. 58 ACL, Administração / Cascais / (gaveta C do armário n.º 6) / maço 5 / n.º 2. 59 I bid. 53

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§ 16

O fundo Marqueses de Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal

5. Castelo e Palácio de Cascais representado numa planta da vila, de 22 de Janeiro de 1594 [Archivo General de Simancas]

UM CONTRIBUTO PARA A HISTÓRIA LOCAL: O PALÁCIO DE CASCAIS E A QUINTA DA MARINHA

Após a morte da última Marquesa de Cascais, pretendeu o segundo Marquês de Louriçal que lhe pertencessem alguns bens localizados em Cascais. Entre os bens patrimoniais detidos pelos Senhores de Cascais, Condes de Monsanto e Marqueses de Cascais contava-se o Palácio de Cascais, edificado na actual Avenida D. Carlos I, e a Quinta da Marinha. A pretensão do Marquês de Louriçal fundava-se na ideia de que o Palácio de Cascais fosse um bem livre, e não vinculado a nenhum morgado, no qual poderia não suceder “como herdeiro da Senhora Marquesa sua filha”60, por existirem parentes mais habilitados para os sucederem. Para um futuro estudo dedicado a esta residência, onde presumivelmente terá pernoitado Filipe I de Portugal61, e da qual actualmente não restam vestígios visíveis à superfície, exceptuando uma pedra de armas em posse da Câmara Municipal de Cascais, no entanto, subsistem alguns documentos que podem prestar alguns esclarecimentos sobre a história desta propriedade. Num dos documentos

60 61

ACL, Administração / Externos - Cascais (gaveta C do armário n.º 6) / maço 4 / n.º 6. ANDRADE, Ferreira de — Cascais vila da corte, p. 121.

17 §

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relativos à gestão dos bens localizados em Cascais, é dito que: “Mas em alguns papéis que escaparam do Incêndio se acha um Índex da Letra do Senhor Marquês de Cascais D. Luís Alvares de Castro, e outro da Letra do seu Secretário Luís Alvares de Carvalho, em que na Letra A. dizem o seguinte: Alvará de confirmação de uma escritura pela qual se unirão, e anexarão ao Morgado da Casa, as casas nobres do Castelo da Vila de Cascais, e Quinta da Marinha do termo da mesma vila.”62 Para prestar os esclarecimentos necessários sobre as dúvidas que surgiram pela inexistência dos documentos que se perderam, o mesmo documento relata as diligências levadas a cabo para a clarificação da questão: “Pretende-se saber do Senhor Salvador Soares Cotrim, o que sabe nesta matéria, se tem lembrança de ver este Alvará, ou Escritura, a quem foi passado, e em que ano pouco mais ou menos, e da mesma sorte a Escritura, e onde foi Lavrada, se em Lisboa, ou em Cascais. Que Quinta é a da Marinha, ou se é a mesma Marinha?”63 No verso do mesmo documento, encontram-se as respostas às questões colocadas, com letra que pertence a Salvador Soares Cotrim, que tinha sido secretário do terceiro Marquês de Cascais64, onde este declara que: “O Palácio de Cascais e a Quinta da Marinha, que é aquela parte em que há um Pinhal, e alguma terra, e matos maninhos, que cuido tiveram dimensão, e marcos (…) São certamente vinculados ao Morgado principal da Casa de Monsanto; não só porque nunca jamais entraram em partilhas, e foram possuídos pelos Senhores da Casa, mas porque no Arquivo dela vi, e li muitas vezes o alvará de confirmação de que se acha lembrança. Mas não a tenho da escritura, isto é, de onde, por quem, e em que ano foi feita. Parece-me porem, que esta escritura era dotal de uma das Senhoras Condessas de Monsanto, ou da Senhora D. Inês Pimentel, ou da Senhora D. Mécia de Noronha, e mais me capacito a que o dito vínculo se fez pelo dote desta. Na Torre do Tombo se acharia o Regimento do Alvará, e nele se insinuará a Escritura, cujo treslado estava cozido ao Alvará, que estava em uma das gavetas do Arquivo”65. Não foi possível detectar entre a documentação identificada como proveniente do fundo remanescente dos Marqueses de Cascais nenhum outro documento que permita compreender de forma definitiva em que termos se concluiu a questão supracitada. Em carta de Amaro Barão de Laguar a D. Henrique de Menezes, datada de

62

 ACL, Administração / Externos - Cascais (gaveta C do armário n.º 6) / maço 4 / n.º 6, f. 1. ACL, Administração / Externos - Cascais (gaveta C do armário n.º 6) / maço 4 / nº 6, f. 1. RAU, Virgínia — Os manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil, vol. II. Coimbra: Por Ordem da Universidade, 1956, p. 292 e também em ALMEIDA, M. Lopes de — Catálogo da colecção de miscelâneas: Teatro. Coimbra: Publicações da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, p. 44. 65 ACL, Administração / Externos - Cascais (gaveta C do armário n.º 6) / maço 4 / nº 6, f. 1. 63

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§ 18

O fundo Marqueses de Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal

6. Retrato de D. Henrique de Menezes, 3º Marquês de Louriçal. Pintura a óleo sobre tela de Gaspar Landi, datada de 1781. Museu Nacional de Arte Antiga [Foto de José Pessoa, 2008. DGPC/ADF]

19 §

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quatorze de Setembro de 1767, este informa sobre a mesma questão o seguinte: “Vossa Excelência sabe que se tomou posse do Palácio de Cascais, na falta da notícia que fosse vinculado, depois a houve em documento, sobre o que se mandou ouvir Salvador Soares, que afirmou o mesmo: e como isto se não devia ocultar, nem cabia nas razões de um criado, entrei a divulga-lo, e sendo perguntado por alguns dos interessados, respondi o que havia. Neste tempo estava Sua Excelência no Algarve, onde estava tratando uma sub-rogação, sem eu o saber, mais que depois da sua vinda. Sendo chamado sobre o referido, contei o caso, e estando presente o dito Medianeiro, disse que muito desacomodava isto a Casa de Vossa Excelência, a que tornei que não sabia como se pudesse acomodar bem com o alheio”66. O documento supracitado descreve uma série de calúnias levantadas contra a posse do Palácio de Cascais por parte da Casa de Louriçal, que partiam de editais afixados em locais públicos, que não eram assinados, terminando o administrador o relato afirmando que “Logo é Vossa Mercê Ladrão, pois quer [que] se furte o alheio: sem que nomeasse ninguém, por não saber de onde isto se espalhava: e a quem servir a carapuça, ponha-a na cabeça, que por mim respondeu S. Paulo: Si male locuntus suum, vos me coigisti ”67. Não se verifica a existência de documentos que permitam esclarecer o que sucedeu nos anos subsequentes, no entanto, em documento onde é referida a data de 1770, encontra-se um averbamento relativo “às obras da Foz e Cascais”68, possivelmente na sequência do terramoto de 1755, que terá causado grandes danos no palácio, derrubando a própria torre do relógio, que matou vinte e duas pessoas. É Manuel Joaquim de Sousa, procurador do terceiro Marquês de Louriçal que nos apresenta novos dados sobre a posse do Palácio de Cascais, no entanto não é óbvio o que sucedeu no período intermédio entre as primeiras notícias para a posse do palácio e as notícias que surgem a partir de 1784. Nas diferentes missivas remetidas para Madrid, onde o Marquês de Louriçal se encontrava como Embaixador, o procurador presta as seguintes informações: “Dou parte a Vossa Excelência que nas circunstâncias da carta que me dirigiu Paulo Jorge, e da resposta que lhe dei, me repetiu a inclusa reportando-se à outra que vinha para mim, do Desembargador Alexandre Nunes de Gusmão, o seu contexto era que como Luís de Miranda se opunha aquela Ordem para se por em arrecadação tudo o que pertencia ao Palácio, e para a mesma oposição invocava o auxílio do Senhor Manuel da Cunha, ele não se queria embaraçar com estes Fidalgos, e que cui-

66

 CL, Administração / Cartas (gaveta 23) / AM / n.º 2, Cartas do Senhor Marquez D. Henrique a Antonio José Delgado, A e deste para o dito Senhor e de Amaro Barão sobre objetos de Sua Casa. Ibid. Na sequência de várias tentativas de contextualização da citação que Manuel Joaquim de Sousa fez de S. Paulo, verificamos que a mesma não existia, e poderá ser fruto de algum equívoco no autor. 68 ACL, Administração / Externos - Cascais (gaveta C do armário n.º 6) / maço 3 / s. n. 67

§ 20

O fundo Marqueses de Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal

dasse eu na mesma arrecadação. Como isto me é impossível, desembaracei dar uma carta a Paulo Jorge para que houvesse assim as chaves onde quer que estivessem, até eu falar com o Desembargador, e catequizalo para ver se com efeito quer debaixo da sua Inspeção a guarda, e arrecadação do mesmo Palácio, antes que o ponham nos alicerces, visto que tudo o mais se tem furtado”69. Podemos encontrar a identificação do referido Luís de Miranda que se encontrava “governando o mesmo Palácio” nas memórias de William Beckford70, que o identifica como Coronel do Regimento de Cascais. Luís de Miranda Henriques, nascido em 1726, era natural de Setúbal e filho do segundo Conde de Sandomil. Foi promovido a tenente-coronel em 24 de Setembro de 1762, e posteriormente como coronel comandou o regimento de Infantaria de Cascais, tendo sido feito terceiro Conde de Sandomil por D. Maria I em 1790 71. A 3 de Fevereiro do mesmo ano, é justificado que: “Quanto ao Palácio de Cascais, já disse a Vossa Excelência que o Desembargador Alexandre Nunes Leal de Gusmão não se quer embaraçar com Luís de Miranda que está inteiramente governando o mesmo Palácio, e que eu não posso lá ir, e só continuar com instâncias ao mesmo Desembargador afim de se desembaraçar, e dê ordem de Vossa Excelência pôr tudo fora, e tomar conta do que ali existir, porém para estas instâncias me têm embaraçado o cruel tempo, que tem corrido, e corre, presentemente. Enfim verei o que nesta parte posso conseguir do mesmo Desembargador”72. A 24 de Fevereiro, encontramos a última referência à actuação de Luís de Miranda Henriques: “enquanto a Cascais, tenho conferido com o Desembargador Alexandre Nunes Leal de Gusmão, que como Luís de Miranda foi quem por palavras expressas mandou ao Juiz da terra que não executasse a ordem que se lhe dirigiu da nossa Comissão, será preciso tirar disto mesmo uma Certidão, e com ela requerer à Rainha, que mande providenciar aquele caso, porém nada disto se pode fazer, sem voltar a Corte”73. Até ao momento não detectámos outros documentos onde existam referências ao Palácio de Cascais ou à Quinta da Marinha, no entanto, não negamos que entre a correspondência possam ser encontradas mais informações relativas às restantes diligências levadas a cabo para ser tomada posse efectiva do edifício.

69

 CL, Administração / Cartas (gaveta 23) / n.º 2, Correspondência Epistolar de Manuel Joaquim de Sousa com o A Senhor Marquês de Louriçal D. Henrique de Menezes estando por Embaixador em Madrid. Carta datada de Lisboa, a treze de Janeiro de 1784. 70 BECKFORD, William — Italy, with Sketches of Spain and Portugal. London: Richard Bentley, New Burlington Street, 1834, p. 186. 71 ZÚQUETE, Afonso,dir.; CARLOS, João,il.; SILVA, J. Ricardo da, il. - Nobreza de Portugal e do Brasil, vol. III. Lisboa: Editorial Enciclopédia, 1961, p. 286 e também em BORREGO, Nuno Gonçalo Pereira — Mordomia-Mor da Casa Real: Foros e Ofícios (1755-1910), vol. I. Lisboa : Tribuna da História imp., 2007, p. 325. 72 ACL, Administração / Cartas (gaveta 23) / n.º 5, Correspondência Epistolar de Manuel Joaquim de Sousa com o Senhor Marquês de Louriçal D. Henrique de Menezes estando por Embaixador em Madrid. 73 Ibid., n.º 8.

21 §

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O remanescente do fundo relativo à Casa de Cascais, existente no Arquivo da Casa de Louriçal, encontra-se muito fragmentado e sem fio condutor que permita uma reconstrução arquivística de toda a documentação produzida para a gestão patrimonial ocorrida na ocasião da administração conjunta de ambas as Casas até meados de 1763. O autor optou por diferentes temáticas que pudessem ter maior interesse para as áreas abrangidas pelo actual Concelho de Cascais, ou por assuntos mais abrangentes para a historiografia. Não existiu qualquer intenção de esgotar os temas tratados em cada um dos capítulos pois a documentação permite aprofundar qualquer uma das matérias abordadas no presente artigo. Os temas abordados podem ser complementados com a informação existente na correspondência da administração da Casa de Louriçal, onde os assuntos sobre os quais versam os pareceres, escrituras e acordos, são tratados individualmente. Não obstante, a escassez de documentos, a amplitude da informação que os mesmos contêm e o facto de se encontrarem inéditos, este fundo contribuirá decisivamente para o aprofundamento da história da gestão patrimonial dos Condes de Monsanto e Marqueses de Cascais. Toda a documentação descrita no texto, exceptuando a correspondência de Manuel Joaquim de Sousa, ficará disponível em depósito digital por particular diligência do Dr. João Miguel Henriques, Chefe de Divisão dos Arquivos da Câmara Municipal de Cascais, junto da Casa de Louriçal, que deste modo tornará possível o seu livre acesso à comunidade científica.

§ 22

O fundo Marqueses de Cascais no Arquivo da Casa de Louriçal

D. Francisco Xavier José de Menezes

D. Joana Madalena de Noronha

D. José Rodrigo da Câmara

7.º Senhor do Louriçal e 2.º Senhor de Ansião 4.º Conde da Ericeira

1673-1727

2.º Conde da Ribeira Grande

Princesa Constance Emilie de Rohan 1667-1709

D. Luís Álvares de Castro Ataíde de Noronha e Sousa

D. Maria Joana Coutinho ?-1700

7.º Conde de Monsanto 2.º Marquês de Cascais

1665-1724

1673-1743

D. Pedro de Noronha Albuquerque e Sousa

D. Isabel Maria Antónia de Mendonça

2.º Conde de Vila Verde 1.º Marquês de Angeja

?-1725

1683-1731

1644-1720

D. Luís Carlos Ignácio Xavier de Menezes

D. Ana Xavier de Rohan 1686-1733

5.º Conde da Ericeira 1.º Marquês de Louriçal Vice-Rei da Índia

D. Manuel José de Castro Noronha Ataíde e Sousa

D. Luísa de Noronha 1685-?

3.º Marquês de Cascais e 8.º Conde de Monsanto 1666-1742

1689-1742

D. Francisco Xavier Rafael de Menezes 8.º Senhor do Louriçal 6.º Conde da Ericeira 2.º Marquês de Louriçal

D. José Vicente Xavier de Menezes

D. Joana de Menezes

1713-1723

1715-1716

D. Luís José Tomás de Castro

D. Fernando de Menezes

D. José Maria Leonardo de Castro

1725-1740

10.º Conde de Monsanto

11.º Conde de Monsanto 4.º Marquês de Cascais

1714-1716

1717-1745

1711-1781

D. Maria José da Graça Castro 12.ª Condessa de Monsanto 5.ª Marquesa de Cascais 2.ª Marquesa de Louriçal 1718-1755

s.g. D. Constança Xavier Domingas Aureliana de Menezes 1712-?

D. José Félix da Cunha e Menezes 1712-? c.g.

D. Henrique de Menezes e Toledo 9.º Senhor do Louriçal 7º Conde da Ericeira 3.º Marquês de Louriçal

D. Maria da Glória da Cunha e Menezes c.g.

D. Joana Perpétua de Bragança 1716-1785

1748-1825

1727-1787 1

2

D. Ana Josefa Maria da Graça de Menezes e Castro

D. Josefa Xavier do Carmo e Noronha filha do 2.º Marquês de Angeja

s.g.

1739-1771

Senhora de Cascais 13.ª Condessa de Monsanto 6.ª Marquesa de Cascais 1752-1762

D. Ana José Lobo da Silveira 3

filha do 2.º Marquês de Alvito

s.g.

?-1781

Legenda Casados s.g. Sem geração c.g. Com geração

23 §

Edição Especial Comemorações do 650.o Aniversário da Vila de Cascais

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