O FUNK OSTENTAÇÃO NO UNIVERSO FEMININO: perspectivas das mulheres paulistas nos pólos da produção e da recepção

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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING (ESPM – SP) GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL COM ÊNFASE EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

Camilla Rodrigues Netto da Costa Rocha

O FUNK OSTENTAÇÃO NO UNIVERSO FEMININO: perspectivas das mulheres paulistas nos pólos da produção e da recepção

São Paulo 2 / 2014

Camilla Rodrigues Netto da Costa Rocha

O FUNK OSTENTAÇÃO NO UNIVERSO FEMININO: perspectivas das mulheres paulistas nos pólos da produção e da recepção

Projeto de Graduação Monográfico apresentado à Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP) como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda Orientadora:

Profª.

Marcelino

São Paulo 2/2014

Rosilene

Moraes

Alves

A todos aqueles que estiveram ao meu lado, com apoio e incentivo, ao longo do caminho. A todos os que fizeram essa monografia possível. Dedido à vocês a chegada: é fruto nosso.

AGRADECIMENTOS Ainda que o trabalho individual seja parte constitutiva de sua natureza, na prática, a monografia só se concretiza quando da comunhão de muitos. Temos o nós a falar ao invés do nosso miúdo eu e não é assim à toa. No meu caso, não fosse a disponibilidade de muita gente e o empenho de uma em especial, essa pesquisa não teria sido tão prazerosa e enriquecedora quanto mostrou-se ser. Agradeço primeiramente a minha professora orientadora Rosilene Moraes Alves Marcelino quem, desde muito tempo, tem me dado todo o suporte e o apoio necessários para que a imersão no universo acadêmico, em especial, no universo do funk ostentação, fosse realizada com olhos atentos e ouvidos abertos. Seu apoio ao longo de toda a trajetória foi crucial para que estas páginas fossem construídas e minha gratidão aos seus ensinamentos e toda a sua dedicação é eterna. Desde o embrião, com suas aulas sobre o funk, passando pelo apoio firme e decisivo nos momentos em que tudo parecia estar de cabeça para baixo, até a alegria de comemorar junto os pequenos passos dados, constroem uma palavra, pequena por fora e prenha de significados por dentro: obrigada, professora! Quero agradecer também à Bruna, ao Nando e à Morena, que me colocaram em contato com o universo do funk de um modo muito especial. A paixão de vocês me contaminou; juntos, fizemos essa monografia. E posso dizer que ao longo dela ganhei um presente: ter conhecido vocês. Obrigada por toda a colaboração, disponibilidade e parceria. Bruna, obrigada especialmente a você, por suas composições. Obrigada também a duas pessoas que se mostraram muito especiais ao longo da jornada: Carla e Geovana. Foi incrível a acolhida que conferiram a mim e à pesquisa; obrigada por toda a disponibilidade e o carinho de vocês. E à todas as professoras com quem conversei na EMEF Machado de Assis: obrigada por suas singulares contribuições. Foi de uma riqueza imensurável escutar cada uma de vocês. Agradeço também a todos os professores que ao longo dessa trajetória estudantil tem me contaminado com sua paixão pelo saber. Vocês me inspiraram e inspiram. Obrigada aos meus parceiros de jornada monográfica, Bia, Isa e Guti pela ajuda e apoio e também a todos os que fazem a ESPM ser a faculdade de excelência que é, funcionários e professores. E o meu agradecimento especial a quem me aguentou ao longo deste período, acompanhando e incentivando sempre; com muito amor e carinho: obrigada.

“É necessário certo grau de cegueira para poder enxergar determinadas coisas. É essa talvez a marca do artista. Qualquer homem pode saber mais do que ele e raciocinar com segurança,

segundo

a

verdade.

Mas

exatamente aquelas coisas escapam à luz acesa.

Na

escuridão

tornam-se

fosforescentes” (Clarice Lispector) O menino de boina teria que ter sido mesmo muito diferente de mim mesmo para escolher o outro rumo, da maneira como desejo hoje. Depois, então, sendo outro, não teria se tornado aquele que, mais tarde, desejou voltar para a mesma encruzilhada. Posso querer ser esse menino? (Pascal Mercier)

ROCHA, Camilla Rodrigues Netto da Costa. O funk ostentação no universo feminino: perspectivas das mulheres paulistas nos pólos da produção e da recepção. São Paulo: Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), 2014, 150p. RESUMO Nesta pesquisa objetivamos compreender o funk ostentação a partir da perspectiva do feminino, sob os vieses da produção e da recepção. Para tal, com intuito de estudar o cenário no qual o funk ostentação encontra-se inserido, em especial o paulista, lançamo-nos em pesquisa de inspiração etnográfica, participando de um baile funk; pesquisas qualitativas por meio do uso da técnica de entrevista em profundidade com dois jovens inseridos no universo do funk; além de pesquisas bibliográfica e documental, quando mobilizamos autores como Essinger e Vianna, ao trazermos o perscurso histórico do funk; Adorno, Horkheimer, Rudiger e Cohn, ao abordar Indústria Cultural; Kellner e Silverstone, ao falar de cultura da mídia, consumo e mídia; Matterlart e Escosteguy para estudos culturais; Miller, Canclini, Slater, McCracken, Douglas & Isherwood, Rocha, entre outros, em relação ao consumo; Orlandi, Brandão e Baccega, ao abordarmos a análise de discurso de linha francesa; Simionatto, Matterlart, Escosteguy, Martino no que concerne aos estudos de comunicação; OrózcoGómez, Baccega, Citelli para analisarmos os campos da educação e comunicação; Gomes, Orózco-Gómez, Baccega e Fígaro nos estudos de recepção. Como recortes, detemo-nos, de um lado, na investigação da produção feminina do funk ostentação na região paulista, nos valendo, para tanto, da análise de discurso das composições de uma aspirante a MC profissional (MC Bruninha_SP). E, de outro, concentramo-nos nas mulheres paulistas que recebem o funk ostentação, buscando entender como esse produto cultural é por elas apropriado e ressignificado. PALAVRAS-CHAVE: Comunicação e práticas de consumo; estudos de recepção; análise de discurso; funk ostentação; gênero feminino.

ABSTRACT This research aimed to understand the ostentation funk from the perspective of the female, on the biases of production and reception. In order to study the scenario where the ostentation funk is inserted in, especially in the state of São Paulo, we conducted an ethnographic research, participating in a funk party; qualitative researches using the in-depth interviewing technique with two young people inserted in the funk universe; in addition to bibliographical and documentary researches where we mobilized authors such as Essinger and Vianna, by bringing the funk´s historical background; Adorno, Horkheimer, Rudiger and Cohn, by approaching the Cultural Industry; Kellner and Silverstone by talking about the media culture, consumption and media; Matterlart and Escosteguy for cultural studies; Miller, Canclini, Slater, McCracken, Douglas & Isherwood, Rocha and others, concerning consumption; Orlandi, Brandão and Baccega by approaching the French line speech; Simionatto, Matterlart, Escosteguy, Martino concerning the communication studies; Orózco-Gomez, Baccega and Fígaro by studying reception. We focused, on one side, on the investigation of the female production of ostentation funk in the state of São Paulo area, making use of the speech analysis of the compositions of a female aspirant to become a professional MC (MC Bruninha_SP) and, on the other hand, we focused on the state of São Paulo´s women who receive the ostentation funk, seeking to understand how this cultural product is adapted and reframed by them. KEY-WORDS: Communication and Consumption Practices; Reception Studies; Speech Analysis; Ostentation Funk; Female Gender.

LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Esquematização do plano de pesquisa ................................................................... 22   Figure 2 – Captura de tela com a data da criação do grupo no Whatsapp................................ 29   Figure 3 – Manual de estilo: por MC Pocahontas .................................................................... 34   Figure 4 – Quadro esquemático: MC_Bruninha_sp e DJ Nando_zl ........................................ 35   Figure 5 – Panicats do programa Pânico .................................................................................. 56   Figure 6 – Discursos das professoras sobre o funk .................................................................. 79  

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13 1.1 – Contextualização ......................................................................................................... 13 1.2 – Objeto .......................................................................................................................... 20 1.3 – Problema ...................................................................................................................... 20 1.4 – Objetivo Geral ............................................................................................................. 20 1.5 – Objetivos Específicos .................................................................................................. 21 1.6 – Metodologia ................................................................................................................. 21 1.7 – Quadro Referencial Teórico ........................................................................................ 22 2 A COMPREENSÃO DO FUNK PARA ALÉM DA MÚSICA............................................ 24 2.1 Aproximação do funk ostentação: trasladar social ......................................................... 24 2.2 Mulheres: qual o espaço ocupado pelo feminino no universo do funk ostentação?....... 27 2.3 Entrevista em profundidade: nossa aproximação do funk através de quem o vivencia . 30 2.4 A Indústria Cultural e a contemporaneidade .................................................................. 36 2.5 Os Estudos Culturais ...................................................................................................... 40 2.6 A Cultura da Mídia ......................................................................................................... 42 2.7 O consumo, suas práticas e os sentidos comunicados .................................................... 44 2.8 O que verificamos? ......................................................................................................... 47 3 O FUNK OSTENTAÇÃO EM SUA PRODUÇÃO: ANÁLISE DAS COMPOSIÇÕES DE UMA ASPIRANTE A MC ....................................................................................................... 49 3.1 Caminhos da pesquisa: da produção profissional para a aspiracional ............................ 49 3.2 Discurso: Análise de Discurso de Linha Francesa ......................................................... 50 3.2.1 Categorização teórica: dispositivos norteadores da análise ..................................... 52 3.2.2 Categorização empírica: nossos dispositivos analíticos .......................................... 52 3.2.2.1 Poder ................................................................................................................. 53 3.2.2.2 Retratação do Masculino .................................................................................. 54 3.2.2.3 Ostentação ........................................................................................................ 55 3.2.2.4 Identidade ......................................................................................................... 56 3.3 Construções de uma aspirante a MC: o que verificamos? .............................................. 58 4 O FUNK OSTENTAÇÃO E SUA RECEPÇÃO ENTRE MULHERES PAULISTAS ....... 61 4.1 Caminhos da pesquisa: das moradoras de comunidades paulistas até as professoras .... 61 4.2 Das visitas realizadas na EMEF Machado de Assis ....................................................... 63 4.3 Um olhar sobre os campos da comunicação e da educação ........................................... 63 4.4 Primeira visita à EMEF Mcahado de Assis: o funk para a coordenadora e uma professora – etapa qualitativa da pesquisa ............................................................................ 66 4.4.1 O olhar para a música: do bom gosto ao funk ......................................................... 67 4.4.2 A realidade dentro e fora da escola ......................................................................... 69 4.5 O funk para as professoras da EMEF Machado de Assis: etapa qualitativa da pesquisa .............................................................................................................................................. 72 4.6 Segunda visita à EMEF Machado de Assis: uma introdução sobre a recepção das composições da MC_Bruninha_sp pelas professoras – etapa qualitativa da pesquisa ......... 80 4.7 Dos estudos de recepção ................................................................................................. 81 4.8 Segunda visita à EMEF Machado de Assis: grupo de discussão sobre a recepção das composições da MC_Bruninha_sp pelas professoras ........................................................... 82 4.9 O que verificamos? ......................................................................................................... 87 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 89

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 92 6.1 LIVROS .......................................................................................................................... 92 6.2 ARTIGOS ....................................................................................................................... 93 6.3 TESES/DISSERTAÇÕES .............................................................................................. 94 6.4 Sites ................................................................................................................................ 95 ANEXOS ................................................................................................................................ 100 ANEXO A: QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE REALIZADA COM A MC_BRUNINHA_sp E O DJ NANDO_zl .......................................................... 100 ANEXO B: TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA EM PROFUDIDADE REALIZADA COM A MC_BRUNINHA_sp E O DJ NANDO_zl .......................................................... 101 ANEXO C: COMPOSIÇÕES DA MC_BRUNINHA_sp .................................................. 113 ANEXO D: QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE REALIZADA COM A COORDENADORA E UMA PROFESSORA DA EMEF MACHADO DE ASSIS ............................................................................................................................................ 115 ANEXO E: TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE REALIZADA COM A COORDENADORA E UMA PROFESSORA DA EMEF MACHADO DE ASSIS ............................................................................................................................................ 116 ANEXO F: TRANSCRIÇÃO DO GRUPO DE DISCUSSÃO REALIZADO COM AS PROFESSORAS NA EMEF MACHADO DE ASSIS ...................................................... 127 ANEXO G: PESQUISA ETNOGRÁFICA REALIZADA NO BAILE FUNK...............  133   ANEXO H: ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO SOBRE AS COMPOSIÇÕES DA MC_BRUNINHA_sp, REALIZADO NA EMEF MACHADO DE ASSIS..................... 138 ANEXO I: TRANSCRIÇÃO DO GRUPO DE DISCUSSÃO SOBRE AS COMPOSIÇÕES DA MC_BRUNINHA_sp, REALIZADO NA EMEF MACHADO DE ASSIS............................................................................ 140

 

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1. INTRODUÇÃO

1.1 – Contextualização Para iniciar nosso trabalho monográfico, traçamos um percurso histórico do movimento1 do funk, por ser daí que se originam os recortes que nos propomos a investigar. Esse percurso tem por intenção compreender o trasladar do funk do cenário internacional da música para o nosso contexto nacional. A origem do funk remonta aos Estados Unidos, na década de 1960. Esta palavra, que até então era a gíria dos negros (funky)2 para expressar mau cheiro, ancora suas raízes em uma música que misturava o blues3 – desde sua fase primária, constituída pelos lamentos negros e rurais americanos, até o rhythm’n’blues, já presente nos grandes centros e com uma marcação rítmica mais vigorosa e eletrizante – e no soul que, desdobrando-se a partir do rhythm’n’blues, ganha apuro melódico, emprestado das igrejas batistas, e esmero instrumental (ESSINGER, 2005). O soul permeou a década de 1960 como trilha sonora para o movimento dos direitos civis e para a reivindicação destes direitos no dia a dia, por parte dos negros norteamericanos. Perde sua força em 1968, quando passa a ser conhecido por black music, e é atacado por alguns músicos negros por seu viés comercial (VIANNA, 1988). A partir deste momento, a gíria funky deixa de ter um significado pejorativo e instaura-se como símbolo para o orgulho negro: falar, andar, se vestir, tocar uma música pode ser funky. Em 1988, o antropólogo Hermano Vianna realiza um estudo que chama a atenção do Rio de Janeiro para os bailes que aconteciam na cidade há quase vinte anos. Isso porque, na década de 1970, o funk chega ao Brasil e, ao contrário do que poderíamos inferir, dado ser o funk um movimento suburbano, os primeiros bailes tiveram lugar na Zona Sul, sob a organização do discotecário Ademir Lemos e do animador e locutor de rádio, Big Boy. Esses bailes, conhecidos como Bailes da Pesada, aconteciam aos domingos no clube carioca Canecão e reuniam creca de 5.000 pessoas (VIANNA, 1988). 1

O movimento funk está sendo considerado neste trabalho como uma manifestação cultural popular, em consonância com os termos da legislação carioca. Disponível em: http://govrj.jusbrasil.com.br/legislacao/819271/lei-5543-09. Acesso em mai. 2014. 2 Webster Dictionary: funky = “foul-smelling”; “offensive”. Disponível em: http://www.merriamwebster.com/dictionary/funky. Acesso em ago 2014. 3 Estilo de música que faz uso de notas graves e se pauta na repetição. Disponível em: http://www.brasilescola.com/artes/blues.htm. Acesso em out 2014.

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Por volta do ano de 1975, a equipe Soul Grand Prix ganha notoriedade ao trazer bailes com outros elementos que não só a música, tais como a inserção de cenas de filmes e de novos visuais adotados pelos dançarinos, a fim de introduzir a cultura negra através de linguagens já conhecidas (VIANNA, 1988). O funk, assim, deixa de ficar restrito somente aos Bailes da Pesada, dando início a uma nova fase do movimento no Rio de Janeiro, rotulada pela imprensa como Black Rio: Enquanto o público estava dançando, eram projetados slides com cenas de filmes como Wattstax (documentário de um festival norte-americano de música negra), Shaft (ficção bastante popular no início da década de 70, com atores negros nos papéis principais), além de retratos de músicos e esportistas negros nacionais ou internacionais. Os dançarinos que acompanhavam a Soul Grand Prix (e também a equipe Black Power) criaram um estilo de se vestir que mesclava as várias informações visuais que estavam recebendo, incluindo as capas dos discos. Foi o período dos cabelos afro, dos sapatos conhecidos como pisantes (solas altas e multicoloridas), das calças de boca estreita, das danças à la James Brown, tudo mais ou menos vinculado à expressão “Black is Beautiful’ (VIANNA, 1998, p. 55)

Esse movimento, que conclama os negros para a luta ressaltando a igualdade e, portanto, a conscientização quanto ao fim de qualquer discriminação, espalha-se por demais localidades brasileiras como Minas Gerais, Porto Alegre e São Paulo. Mas inciando-se a década de 1980, a chamada causa negra vai, aos poucos, esmoecendo. A imprensa perde o interesse pelo Black is Beautiful (O Negro é Bonito) e os bailes já não lotam como antes. Essa realidade só muda em 1986 quando os veículos de comunicação então redescobrem os bailes suburbanos, que passam a constituir diversas matérias em jornais e revistas, bem como a ganhar espaço na FM Tropical. Com a diferença, porém, de que já não se imprime a temática do orgulho negro como antes (VIANNA, 1988). O resgate do funk encontra sentido no estilo charme, “um funk mais ‘adulto’, melodioso, sem o peso do hip hop” (VIANNA, 1988, p. 62). É importante que se traga a contribuição de um dos expoentes do funk no Brasil, o DJ Malboro, cujo percurso inicia-se nessa década de 1980, mais precisamente em 1982, quando ele percebe que, além de fazer discotecagem, precisaria se apoderar do microfone para agitar o público. Daí, até o lançamento de seu primeiro disco, Funk Brasil, Malboro vai percorrer um caminho para marcar a história (VIANNA, 1988). E neste momento, tendo em vista o recorte do nosso objeto de estudo em torno do universo feminino no funk ostentação, é importante voltar nosso olhar para a presença da mulher em uma das primeiras letras do DJ Malboro que, como dissemos, torna-se tempos depois, um ícone do funk no Brasil (ESSINGER, 2005).

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Uma de suas músicas iniciais, consagradas nas paradas de sucesso e nos bailes, traz como tema justamente o gênero feminino. O Melô da Mulher Feia, adaptação da música Do Wah Diddy, dos americanos do 2 Live Crew, foi o pontapé inicial e, como explica Malboro, traz uma abordagem apolítica: ‘tinha um refrão no baile, o pessoal gritava ‘mulher feia chupa pau e dá o cu’. Aí pensei, vou botar ‘mulher feia cheira mal como urubu’ – aquele outro não ia dar pra botar...’. Assim, surgiu uma letra que, passando bem longe da correção política, fala do sujeito que subitamente se vê às voltas no baile com aquele verdadeiro jaburu em forma de gente (ESSINGER, 2005, p. 85)

O Melô da Mulher Feia se transforma em fenômeno nos bailes cariocas e cai no gosto de muitos artistas como, por exemplo, Fernanda Abreu, garota da Zona Sul, cantora, que se mais tarde tornaria embaixadora do funk carioca. Ela ancora suas raízes na música a partir de artistas como James Brown – cantor, dançarino, compositor e produtor musical norteamericano, considerado uma das figuras mais influentes no cenário musical do século XX – e Toni Tornado – Antonio Viana Gomes, ator e cantor brasileiro (ESSINGER, 2005). A par das aparições femininas isoladas, como no caso de Fernanda Abreu que abraça o funk como uma causa e o encampa no circuito da música, essa vertente musical era predominantemente masculina, ou seja, marcada por cantores homens. Restava às mulheres, portanto, serem retratadas nas letras, sob a visão daquele que comandava o microfone: o cantor, fosse ele o marido, o amante, o namorado, o pegador, o machista ou o liberal (ESSINGER, 2005). Foi também o DJ Malboro, com o seu disco Funk Brasil, quem trouxe diversos artistas, cada um com sua contribuição e, dentre estes, encontrava-se Guto & Cia, com o Melô do bicho que inauguraria o que viria a ser conhecido como funk proibidão. Este disco ganhou expressão entre o público da época, como nos conta Essinger (2005), com as palavras dele e de Malboro: De fornada em fornada, Funk Brasil acabou batendo a marca de 250 mil cópias vendidas – e virou o orgulho da gravadora em 1989. ‘Aí todo mundo virou pai. O cara que não queria que colocasse o nome dele no disco reclamou que o nome dele não estava lá’ (ESSINGER, 2005, p. 93)

Era por volta de 1992, e uma nova época do funk carioca tinha início com o festival do Baile do Mauá, quando a música Rap do Pirão, de um DJ desconhecido, D’Eddy, se consagra vencedora. É aí que surge uma concepção que se tornaria marca do funk: qualquer um pode cantar e se tornar um artista, fazendo da música não só o seu ganha pão, mas um trampolim para sair do anonimato (ESSINGER, 2005).

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Mas com o desenrolar dos acontecimentos, muitos chegaram a acreditar que o funk não percorreria o seu caminho até o fim, devido à presença massiva da violência, que tomava conta dos bailes, e do corredor que era uma espécie de radicalização das brigas: Tão rapidamente quanto chegou, a onda do funk de 1995 quebrou na arrebentação. Por um lado o movimento deixou de ser um estranho no meio da indústria fonográfica – mesmo que isso implicasse ser tratado como um gênero de segunda ou terceira classe. Por outro lado, uma vez passado o ‘armísticio cultural’ daqueles tempos felizes de Chapéu Mangueira, o signo da violência e do crime voltou a marcar a cena dos bailes – que é onde o funk nasce, cresce e morre (ESSINGER, 2005, p. 183)

Os bailes então passam a receber atenção da mídia sob o viés negativo, o que culmina, no ano de 2000, na Lei Estadual do Rio de Janeiro, nº 3.410, que, estabelecendo uma série de exigências, vem regulamentar os bailes no estado carioca (ESSINGER, 2005). E nesse mesmo ano, quem se destaca no cenário do funk carioca é uma mulher, Verônica Costa, conhecida como a Mãe Loura. Ela e o marido, Rômulo Costa, um artista que propagava o funk do bem, viram alvo das manchetes policiais, em meio às confusões que tomam conta dos bailes. Rômulo é acusado pelos crimes: apologia ao crime, corrupção de menores e falsidade ideológica. A Mãe Loura indo atrás de justiça, consegue a liberação do marido. Depois desse episódio, é eleita vereadora do Rio de Janeiro pelo Partido Liberal (PL), com 37 mil votos (marca que lhe garante o quarto lugar entre os mais votados). Ainda contextualizando o funk em seu percurso histórico no Brasil e pincelando em paralelo algumas aparições femininas, a fim de tangenciarmos o universo do nosso objeto de estudo, chegamos no ano de 2001, que busca concretizar a frase entoada um ano antes: “o ano que vem não vai ser como o que passou” (ESSINGER, 2005, p. 199). Temos em 2001, nas palavras de Essinger (2005), uma odisséia do funk, com a explosão do Bonde do Tigrão, grupo formado por quatro meninos dos morros cariocas, que introduzem as famosas expressões tchuchuca, cachorra e preparada. E esse mesmo autor complementa, no que pertine à participação feminina: “Até 2001, raríssimas eram as figuras femininas no funk carioca. Com atitude então, muito raras” (ESSINGER, 2005, p. 216). Mas ainda que raras, havia mulheres no funk como podemos ver com os sucessos de uma voz feminina: MC Beth, uma professora carioca que, tendo começado a cantar como tratamento terapêutico para ajudar na perda de memória, compõe canções como Tapinha4 e a

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“dói, um tapinha não dói, um tapinha não dói”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=OjqqCITdIYU. Acesso em mai. 2014.

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Dança da Motinha5. Este seu primeiro sucesso vai parar nos palcos no Rock In Rio 36, no ano de 2001, quando Paula Toller, do Kid Abelha, entoa versos da música Tapinha. Além disso, a própria MC Beth vira febre no carnaval de Salvador daquele ano (ESSINGER, 2005). Ainda iria demorar cerca de uma década para o funk se instalar em São Paulo. Advindo do Rio de Janeiro onde já estava estabelecido, como verificamos com o panorama acima traçado, o funk se instaura na Baixada Santista e de lá vem para a capital paulista com o sucesso Mégane, do cantor Boy do Charme (ANTONACCI; MARCELINO, 2013). Em relação à região paulista, o movimento “deixa de lado o funk romântico, o consciente, o pornográfico e o proibidão” (ANTONACCI; MARCELINO, 2013, p. 2) e inaugura um novo subgênero, denominado funk ostentação. Em 2011, mais de 70 (setenta) clipes já haviam sido colocados na web7 e muitos deles ultrapassaram a marca dos 20 milhões de visualizações no YouTube8. As autoras Marcelino e Antonacci, em artigo acadêmico apresentado ao Comunicon de 2013, intitulado Comunicação e Práticas de Consumo: Em Perspectiva, o Funk Ostentação9, nos situam cronologicamente quanto à criação da vertente musical e nos dizem, com base em reportagem da Revista Época10 que: o funk paulista praticamente se limitava aos funkeiros da Baixada Santista. A principal inspiração eram os cariocas MC Frank e Menor do Chapa, astros do proibidão, gênero que faz apologia das armas e do crime. ’Em junho de 2011, o MC paulistano Boy do Charme lançou no YouTube a canção ‘Mégane’, referência à marca de um carro. Imagina eu de Mégane (...) invadindo os bailes/Não vai ter pra ninguém, diz a letra. Os 3 milhões de acessos no YouTube chamaram a atenção de outros funkeiros de São Paulo, e a ostentação converteu-se em regra’ (ÉPOCA, 2012, apud ANTONACCI, MARCELINO, 2013, p. 2)

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“dança da motinha / as popozudas perde (sic) a linha”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=wvvrPXK_lRY. Acesso em mai. 2014. 6 O Rock In Rio é um festival de música nascido no Brasil e hoje consagrado como o maior do gênero. Existe há 30 anos e já foi realizado 14 vezes. Disponível em: http://rockinrio.com/rio/rock-in-rio/historia/ . Acesso em ago 2014. 7 A web compreende um espaço dentro do ciberespaço que pode ser descrito como sendo as “Funções comunicativas pós-massivas que permitem a qualquer pessoa, e não apenas empresas de comunicação, consumir, produzir e distribuir informação, sob qualquer formato em tempo real e para qualquer lugar do mundo sem ter de movimentar grandes volumes financeiros ou ter de pedir concessão a quem quer que seja” (LEMOS, LEVY, 2010, p. 25) 8 “Fundado por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, ex-funcionários do site de comércio on-line PayPal, o site YouTube foi lançado oficialmente sem muito alarde em junho de 2005. A inovação original era de ordem tecnológica (mas não exclusiva): o YouTube era um entre os vários serviços concorrentes que tantavam eliminar as barreiras técnicas para maior compartilhamento de vídeos na internet”. (BURGESS; GREEN, p. 17). 9 ANTONACCI, Andréa; MARCELINO, Rosilene. Comunicação e Práticas de Consumo: Em Perspectiva, o Funk Ostentação. In: COMUNICOM, 2013, São Paulo, SP. 10 Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/cultura/noticia/2012/09/o-funk-da-ostentacao-em-saopaulo.html. Acesso em abr. 2014.

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O funk ostentação se diferencia dos demais subgêneros do movimento por fazer apologia ao consumo. Algumas letras já mencionavam o ato de consumir, porém, na ostentação, é esse o fulcro de todas as músicas. Além disso, não há a presença excessiva de palavrões, pornografia, apologia ao crime, que são traços comuns no funk pancadão, pornográfico e proibidão. Outras características que podemos apontar com relação a esse subgênero do funk: os funkeiros da ostentação chamam seus carros de luxo de naves e ressaltam a importância de ostentar o kit, ou seja, os acessórios de vestuário que, segundo acreditam, conferem status e prestígio social. Importante ressaltar que, desde 2008, o funk é reconhecido no Estado do Rio de Janeiro como movimento cultural popular11, por meio da Lei nº 5543/200912 e, em São Paulo, por sua vez, ainda existem tentativas para desconsiderar a sua existência legítima. As justificativas repousam em uma possível associação com a violência e a bagunça. Existe, por exemplo, a lei nº 15.777/13, conhecida como “Lei dos Pancadões”, que proíbe a emissão de ruídos sonoros enquadrados pela legislação como de alto nível, pelos veículos automotores. Se em dezembro de 2013 o prefeito da cidade de São Paulo, Fernando Haddad, sancionou a “lei dos pancadões”, em 08 de janeiro de 2014, vetou projeto de lei que pretendia proibir a realização dos bailes funks na capital paulista, apresentando como justificativa que “o funk é uma expressão legítima da cultura urbana jovem, não se conformando com o interesse público, à toda evidência, sua proibição de maneira indiscriminada nos logradouros públicos e espaços abertos”13. Por ora, o funk resiste, tanto nos sucessos de seus expoentes paulistas quanto nas decisões do poder executivo. Como nosso recorte repousa sobre o funk predominante no Estado de São Paulo, o subgênero que nos interessa pesquisar é, portanto, o funk ostentação. E, dentro dele, voltamos nosso olhar para a mulher: interessa-nos investigar como que essa se insere no polo da produção no Estado de São Paulo e, ainda, como elas, também paulistas, recebem esse funk ostentação cantado por mulheres. Para tanto, no segundo capítulo, nos aproximamos do universo do funk ostentação, adotando como metodologia, em um primeiro momento, a pesquisa documental; buscamos compreender o panorama do funk ostentação e o trasladar social propiciado pelo movimento. 11

Não adentraremos na problemática política, por muitos debatida, no que concerne ao reconhecimento do funk como cultura, se isto é ou não é uma decisão com finalidades outras que não a que se apresenta. O que interessa, para esse estudo, é compreender o panorama do movimento, desde seus primórdios até os dias atuais, contextualizando-o para que os recortes propostos possam ser realizados. 12 Disponível em: http://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/819271/lei-5543-09. Acesso em mai 2014. 13 Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/haddad-veta-projeto-de-lei-que-proibia-bailes-funk-em-sp11246735. Acesso em mai. 2014.

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Indagamos, a partir desse cenário, qual o espaço do feminino e, a partir desta indagação, realizamos uma entrevista em profundidade com a aspirante a MC (MC_Bruninha_sp) e com um DJ de funk, DJ Nando_zl. Também realizamos uma pesquisa etnográfica, em um baile funk, buscando conhecer in loco a sua dinâmica. Uma vez compreendido o cenário do funk ostentação e o lugar que a mulher ocupa nele, passamos a refleti-lo enquanto produto cultural, intersectando-o com aos conceitos de indústria cultural, cultura da mídia, estudos culturais, com a comunicação, o consumo e suas práticas; nos valendo, para tanto, nesse segundo momento, de pesquisas bibliográficas a partir de autores como Adorno, Horkheimer, Cohn, Silverstone, Kellner, Canclini, Slater, Rocha, Baudrillard, Miller, McCracken, Baccega, Melo Rocha, Simionatto, Matterlart, Escosteguy, entre outros. Para o terceiro capítulo buscamos nos aproximar do nosso segundo objetivo específico: entender, a partir da análise de discurso de linha francesa (ADF), a produção feminina no funk ostentação. Nossa aproximação com a mulher que produz o funk ostentação, acontece por intermédio da aspirante a MC, conhecida como MC_Bruninha_sp, que nos forneceu 3 (três) composições de sua autoria. A partir destas, e tendo por aporte metodológico a análise de discurso de linha francesa, anconrando-nos em Orlandi e Brandão, para investigarmos o discurso da MC_Bruninha_sp a partir de 4 (quatro) categorias empíricas: poder, retratação do masculino, ostentação e identidade. Intentamos, nesse capítulo, verificar quais as construções feitas por uma mulher que produz funk ostentação. É nesse momento também que delineamos o porquê de estarmos analisando composições da Bruna, uma aspirante a MC: quais são os sentidos que, a partir daí, aportam e passam a constituir nossa pesquisa. E, por fim, no quarto capítulo, buscamos contemplar nosso terceiro objetivo específico, qual seja: desenvolver um estudo de recepção do funk ostentação entre mulheres paulistas. Propomos-nos aqui, a compreender, majoritariamente por meio dos aportes metodológicos bibliográficos, com os estudos de recepção e por meio de pesquisas exploratórias qualitativas por meio das técnicas de entrevista em profundidade e grupos de discussão, como as professoras da escola pública municipal de Taboão da Serra, a EMEF Machado de Assis, recebem esse funk ostentação cantado por mulheres (na presente pesquisa, pela MC_Bruninha_sp). Realizamos duas visitas na escola, sendo que, na primeira, entrevistamos a coordenadora e uma professora, bem como realizamos um grupo de discussão com 12 (doze) professoras a respeito do funk. Em uma segunda visita, já com as composições da MC_Bruninha_sp em mãos, realizamos, com os aportes dos estudos de recepção, um grupo

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de discussão com 4 (quatro) professoras a fim de verificarmos de que modo elas recebem e ressignificam o funk ostentação cantado por uma mulher paulista. Em nossas considerações finais resgatamos os principais pontos articulados ao longo da pesquisa, nos propondo a novos desafios para investigação posto que acreditamos serem, as presentes e as novas reflexões, motores que alimentam o campo do conhecimento. A seguir, apresentamos nosso objeto, problema, objetivos geral e específicos, e um esquema que apresenta os processos metodológicos.

1.2 – Objeto O objeto eleito para nossa pesquisa versa sobre o gênero feminino no funk ostentação do Estado de São Paulo (polos da produção e da recepção), detendo-nos, de um lado, na análise das composições de uma aspirante a MC (MC_Bruninha_sp), através das ferramentas da análise de discurso de linha francesa, e, de outro, na compreensão de como as professoras da rede pública municipal de ensino recebem esse produto cultural, por meio dos estudos de recepção.

1.3 – Problema A problemática que definimos como ponto de abordagem na presente monografia, que inspira e origina este trabalho, consubstancia-se no seguinte questionamento: no cenário paulista, quem é a mulher que canta o funk ostentação e como a própria mulher paulista o recebe?

1.4 – Objetivo Geral Temos como objetivo geral compreender o funk ostentação no Estado de São Paulo, detendo-nos, mais especificamente, ao gênero feminino, sob os vieses da produção e da recepção.

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1.5 – Objetivos Específicos Para alcançar o entendimento pretendido, elencamos os seguintes objetivos específicos: 1. Realizar uma aproximação do universo do funk ostentação, observando-o à luz de teorias. 2. Entender, a partir da Análise de Discurso de Linha Francesa, a produção feminina no funk ostentação. 3. Desenvolver um estudo de recepção do funk ostentação entre mulheres paulistas.

1.6 – Metodologia A estratégia multimetodológica apresenta-se transversal ao nosso projeto, uma vez que acreditamos não ser possível isolar somente um método de pesquisa, devendo o pesquisador valer-se dos instrumentos metodológicos que se mostrem necessários e relevantes ao longo de sua jornada de investigação. Portanto, empregamos a pesquisa exploratória, por meio da qual tornaremos nosso problema de pesquisa mais explícito, bem como nos aproximamos de nosso objeto de pesquisa, de maneira a aprofundá-lo; da pesquisa descritiva, através da qual detalhamos o fenômenos observados e da pesquisa explicativa que nos auxilia a perceber os fatores envolvidos no acontecimento do fenômeno. Como mencionamos acima, os capítulos da presente monografia demandaram o aporte de procedimentos metodológicos específicos, em diferentes momentos da pesquisa, detalhados no início e ao longo de cada capítulo. Todavia, para que fiquem claros os instrumentais que utilizamos, trazemos na figura 1, uma esquematização de como se encontra estruturada a nossa pesquisa:

Mediações:

Referencial teórico

Panorama funk

Classificação:

Pesquisa bibliográfica

Pesquisa documental Pesquisa qualitativa

do

Composições Bruna

1ª visita EMEF Machado de Assis (coordenadora e professor)

1ª visita EMEF Machado de Assis (doze professoras)

2ª visita EMEF Machado de Assis (quatro professoaras)

Pesquisa documental

Pesquisa qualitativa

Pesquisa qualitativa

Pesquisa qualitativa

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Técnica qualitativa:

Trabalho de campo Entrevista em profundidade

Tratamento de dados:

Etnografia Transcrição da entrevista Relatório pesquisa etnográfica

Entrevista em profundidade

Grupo de discussão (GD)

Grupo de discussão (GD)

Categorização empírica

Transcrição da entrevista

Transcrição do GD

Transcrição do GD

Análise de discurso de linha francesa (ADF)

Análise de discurso de linha francesa (ADF)

Análise de discurso de linha francesa (ADF)

Análise de discurso de linha francesa (ADF)

Figura 1: Esquematização do plano de pesquisa14

1.7 – Quadro Referencial Teórico Comunicação e Educação

MARTIN-BARBERO, Jesus. A comunicação na educação. p.7-42. São Paulo: Contexto, 2014. SENA, Ercio. Comunicação e educação: imaginário e conflito nos discursos de alunos e professores na escola pública. p. 1-40. São Paulo: Annablume, 2008.

Comunicação e Consumo

BACCEGA, Maria Aparecida (org.). Comunicação e culturas do consumo. São Paulo: Atlas, 2008. ROCHA, Rose de Melo. Comunicação e consumo: por uma leitura política dos modos de consumir. In: BACCEGA, Maria Aparecida (org.). Comunicação e Culturas do consumo. p. 119-131. São Paulo: Atlas, 2008.

Consumo

ALONSO, Luis Enrique. La era del consumo. p. 30-40. Espanha: Siglo, 2006. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. p. 9-19. Lisboa: Edições 70, 2010. CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. p. 11-73. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. p. 100-101. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2013. MILLER, Daniel. Trecos, troços e coisas: estudos antropológicos sobre a cultura. p. 7-20. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. McCRACKEN, Grant David. Culture and Consumption. p. 94-100. Midland: USA, 1990. SLATER, Don. Consumer culture & modernity. EUA: Blackwell Publishing Inc, 2008.

Cultura Mídia

Discurso

da

SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2002. KELLNER, Douglas. A cultura da Mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. p. 9-43. São Paulo: EDUSC, 2001. BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2ª Edição. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004. ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 9ª ed. Campinas: Pontes, 2010.

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Esquema inspirado na dissertação de mestrado de MARCELINO, Rosilene. Comunicação, educação e consumo: a circulação de práticas de consumo na intraficção e a sua apropriação por estudantes. 2012. 276 fls. Tese (mestrado em comunicação e práticas de consumo) – Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo, SP.

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Estudos Culturais

ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Os estudos culturais. p. 151-170. In: HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C. (org.). Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. 12ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. MATTERLART, Armand e MATTERLART, Michelle. História das teorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 1998. SIMIONATTO, Ivete. Sociedade civil, hegemonia e cultura: a dialética gramsciana entre estrutura e superestrutura. In: BACCEGA, Maria Aparecida (org.). Comunicação e Culturas do consumo. p. 88-104. São Paulo: Atlas, 2008.

Funk

ESSINGER, Silvio. Batidão: uma história do funk. Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 2005.

Gênero

LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: permanência e revolução do feminino. p. 231239. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo educado. Pedagogias da sexualidade. p. 07-34. 2ª ed. Belo Horizonte: Autentica, 2000.

Identidade

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. p. 7-22. 10ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

Indústria Cultural

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. p. 11-17; p. 99-139. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. COHN, Gabriel. Indústria Cultural como conceito muldimensional. In: BACCEGA, Maria Aparecida (org.). Comunicação e Culturas do consumo. p. 65-75. São Paulo: Atlas, 2008. RUDIGER, Francisco. A Escola de Frankfurt. In: HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C. (org.). Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. 12ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

Recepção

FERREIRA, Giovandro Marcus. As origens recentes: os meios de comunicação pelo viés do paradigma da sociedade de massa. p. 99-118. In: HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C. (org.). Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. 12ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. GOMES, Itania. Efeito e Recepção: A interpretação do processo receptivo em duas tradições de investigação sobre os media. Rio de Janeiro: Editora E-papers Serviços Editoriais, 2004. OROZCO-GÓMEZ, Guillermo. Educomunicação: recepção midiática, aprendizagem e cidadania. São Paulo: Paulinas, 2014.

Mediações

MARTÍN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 7. Ed. URFJ: Rio de Janeiro, 2013.

Web

GREEN, Joshua; BURGESS, Jean. YouTube e a revolução digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. p. 17. São Paulo: Aleph, 2009. LEMOS, André, LEVY, Pierre. O Futuro da Internet. p. 25. São Paulo: Paulus, 2010.

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2 A COMPREENSÃO DO FUNK PARA ALÉM DA MÚSICA Contextualizamos, acima, o movimento do funk, trazendo-o desde sua origem internacional até a atualidade, em âmbito nacional. Este capítulo se propõe a realizar uma aproximação ao universo do funk ostentação, mais especificamente, na cidade/estado de São Paulo. Neste momento, em consonância com o nosso primeiro objetivo específico, nos propomos, portanto, a partir dessa aproximação, investigar a presença das mulheres no cenário paulistano do funk ostentação. Nos valendo de uma entrevista em profundidade realizada com dois jovens envolvidos com o funk – a MC_Bruninha_sp e o DJ Nando_zl –, procuramos verificar como, na perspectiva deles, as mulheres paulistas/paulistanas se integram nesse universo do funk ostentação. Nossa opção pela pesquisa preliminar neste ponto deve-se à ausência de fontes – documentais e bibliográficas – sobre o tema. E, em um segundo momento, procuramos olhar para o funk ostentação à luz das teorias da Indústria Cultural, dos Estudos Culturais, da Cultura da Mídia, bem como refleti-lo enquanto produto cultural que se consome e que pulsa consumo. Para tanto, mobilizamos majoritariamente, nesta etapa, pesquisa bibliográfica, recorrendo a autores como Adorno, Horkheimer, Matterlart e Cohn para discorrer sobre a Indústria Cultural; Kellner e Silverstone para pensarmos em Cultura da Mídia; Matterlart e Escosteguy para Estudos Culturais; Slater, McCracken, Rocha, Baccega, Baudrillard, Slater, Miller, Douglas, Isherwood e Canclini, para sustentarmos as reflexões sobre o consumo e suas práticas.

2.1 Aproximação do funk ostentação: trasladar social A vertente do funk a ser analisada neste trabalho monográfico é a ostentação, originada e predominante no Estado de São Paulo. Podemos de início, constatar uma distinção entre os polos paulista e carioca: enquanto o primeiro é considerado o palco da ostentação, o segundo caracteriza-se como sendo o da paquera e da sensualidade (SANTOS; PAIVA, 2013). Em contrapartida, identificamos um ponto convergente entre o funk paulista e o carioca: a plataforma web, na qual clipes são veiculados e visualizados por milhares de internautas15. O MC16 Guimê, por exemplo, com a música Plaquê de Cem tem 46.764.06817 15

Nome dado ao usuário da internet. Disponível em: http://www.torque.com.br/internet/glossario.htm#I Acesso em set. 2014 16 A expressão MC’s significa “masters of ceremony” e tem sua historicidade ligada à região norte de Nova York, o gueto negro caribenho, conhecido como Bronx. Vindo da Jamaica para o Bronx, no final dos anos 60,

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de acessos no YouTube e o MC Boy do Charmes com a composição Onde Eu Chego Paro Tudo atingiu a marca de 27.301.404 visualizações18. No Rio de Janeiro o funkeiro MC Menor da Chapa, com o clipe da música Firma Milionária, tem 2.190.588 acessos19 e o MC Nego do Borel, tem a marca de 765.163 acessos com o clipe Eu Gasto Mesmo20. O funk ostentação surge em 2008, mas só se consolida em meados de 2011, tendo a internet como motriz para o seu apogeu: por meio do YouTube, os MC’s “se tornaram conhecidos através dos seus discursos de ‘preços altos’: motos e carros de luxo, jóias, roupas e tênis de grife e bebidas importadas” (FREIRE, 2012, p. 3). A reportagem da Revista Época, de 08 de setembro de 201221, intitulada O funk da ostentação em São Paulo: jovens MC’s transformam o estilo criado no Rio de Janeiro num hino à exaltação da riqueza, nos mostra o trasladar social trazido pelo funk ostentação à vida dos MC’s, que deixam de exercer funções como a de office boy e receber a remuneração de um salário mínimo ao mês, para a protagonização de aproximadamente 50 (cinquenta) shows mensais e um cachê que oscila entre 5 mil e 30 mil reais por show. Podemos observar esse trasladar nas histórias de vida dos principais expoentes do funk ostentação da atualidade: MC Guimê, MC Lon e MC Gui, que tiveram a entrada no mundo do funk ostentação possibilitada pelos MC’s Boy do Charmes e Daleste, percussores do subgênero musical. Wellington França, conhecido sob a alcunha de MC Boy do Charmes, consagrou-se com a canção Mégane, conforme mencionado no capítulo anterior. Wellington nasceu em 1985 na comunidade do Charmes, em São Vicente e, antes de ser cantor e compositor de funk, exerceu as funções de porteiro, servente de pedreiro e faxineiro. Na entrevista que concedeu ao site globo.com22, pode-se perceber o trasladar social do MC e sua opção por morar na comunidade para servir de exemplo de trabalho e de fé (conforme ele mesmo diz), aos mais jovens. Na metade de 2013, o artista se apresentou nos Estados Unidos, Suíça e em pelo disk-jockey Kool Herc, a técnica do “sound system”, marcou uma reação autêntica do black: não se tocavam discos apenas mas usava-se o aparelho de mixagem para a construção de novas músicas. Daí é que se originou o “scratch” (arranhar do vinil com a agulha no sentido anti-horário), introduzido por Grandmaster Flash (um dos discípulos de Herc). Além dessa técnica instrumental, Flash “entregava um microfone para que os dançarinos pudessem improvisar discursos acompanhando o ritmo da música (uma espécie de repente-elétrico que ficou conhecido como rap – os ‘repentistas’ são chamados de rappers ou MC’s, isto é, ‘masters of cerimony”. (VIANNA, 1988, p. 46). 17 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=gyXkaO0DxB8. Acesso em: abr. 2014. 18 Disponivel em http://www.youtube.com/watch?v=M095niM05iw. Acesso em abr. 2014. 19 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=k2fS8L7o4LE. Acesso em mai. 2014. 20 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=B9DEyi0ehgs Acesso em mai. 2014. 21 Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/cultura/noticia/2012/09/o-funk-da-ostentacao-em-saopaulo.html. Acesso em abr. 2014. 22 Disponível em: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/jornal-tribuna-1edicao/videos/t/edicoes/v/conheca-ahistoria-do-mc-boy-do-charmes/2541837/. Acesso em: mai. 2014

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Portugal. Além de Mégane, outra música que lhe garantiu projeção foi Onde eu chego eu paro tudo, que atingiu quase 30 milhões de visualizações no YouTube23. Outro precursor do funk ostentação foi o artista assassinado em julho de 2013, Daniel Pedreira Senna Pellegrine, conhecido como MC Daleste. O início de sua carreira, aos 17 anos, foi marcado por letras que exaltavam o crime, como por exemplo Apologia24. Em 2012, MC Daleste passa a cantar a ostentação, ajudando a popularizar o subgênero com canções como Ostentação Fora do Normal25, Deusa da Ostentação26, Mais Amor Menos Recalque27, entre outras. Ele, no auge de sua carreira, chegou a faturar 200 mil reais mensais, realizando em média 40 (quarenta) shows. Na nova geração do funk ostentação, que também marca o subgênero e o projeta tanto nacional quanto internacionalmente, estão, como mencionado acima, MC Guimê, MC Lon e MC Gui, sendo que o MC Guimê é hoje considerado o maior nome do funk ostentação. Nascido em Osasco, em 1992, Guilherme Aparecido Dantas, trabalhou em uma quitanda dos 13 aos 16 anos, quando começou a cantar. Ele realiza em torno de 50 (cinquenta) shows por mês, o que lhe garante uma renda de 500 mil reais mensais28. Os clipes que produz para o YouTube tem como marca as visualizações na casa dos milhões. Sua canção, Plaque de 100, foi uma dos mais vistas no canal em 201229. É em decorrência deste sucesso, que Guimê hoje está frequentemente na mídia, tendo inclusive uma de suas músicas, País do Futebol30, como tema de abertura da novela das sete da emissora de televisão Rede Globo (que pertence ao grupo das Organizações Globo Roberto Marinho e é hoje a segunda maior do mundo)31. Junto ao MC Guimê no sucesso e na projeção está o MC Lon. Airon de Lima, nascido no Pernambuco, na cidade de Belo Jardim, em 1992, chegou ao sucesso logo após o seu primeiro clipe Novinha vem que tem, que ultrapassou a marca de trinta e cinco milhões de visualizações no youtube32. Antes do funk, MC Lon era cabelerereiro e ganhava 3 reais por

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Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=M095niM05iw. Acesso em: mai. 2014 Disponível em: http://letras.mus.br/mc-daleste/1655703/. Acesso em: mai. 2014 25 Disponível em: http://letras.mus.br/mc-daleste/ostentacao-fora-do-normal/. Acesso em: mai. 2014 26 Disponível em: http://letras.mus.br/mc-daleste/deusa-da-ostentacao/. Acesso em: mai. 2014 27 Disponível: http://letras.mus.br/mc-daleste/mais-amor-menos-recalque/. Acesso em: mai. 2014 28 Disponível em: http://g1.globo.com/musica/noticia/2013/05/mc-de-funk-ostentacao-de-sp-faz-maratona-deate-50-shows-por-mes.html. Acesso em: mai. 2014. 29 Disponível em: http://entretenimento.r7.com/musica/fotos/confira-os-dez-videos-mais-vistos-da-semana20120909-5.html. Acesso em: mai. 2014 30 Disponível em: http://g1.globo.com/musica/noticia/2013/11/mc-guime-lanca-clipe-completo-de-pais-dofutebol-com-neymar-veja.html. Acesso em: mai. 2014 31 Disponível em: http://top10mais.org/top-10-maiores-emissoras-tv-mundo/. Acesso em: out. 2014. 32 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=HB68xTF7k7M. Acesso em: mai. 2014 24

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corte de cabelo. Hoje está na mídia em emissoras de televisão como Rede Globo33, Rede TV34, entre outras. Outro expoente deste subgênero que não podemos deixar de mencionar é o MC Gui, atualmente com 15 anos. Guilherme Kaue Castanheira Alves, nascido em São Paulo, no bairro Vila Carrão, alcançou notoriedade com sua música Ela Quer35. Em participação no programa Esquenta, da Rede Globo, MC Gui contou à apresentadora Regina Casé que suas fãs se autodenominam guináticas e que ele conta hoje com 28 (vinte e oito) fã clubes36. Diante desses números (das mais diferentes ordens): shows, fãs, cachês e visualizações de clipes, podemos verificar que o funk ostentação cresceu e assumiu espaço. Antes que os apressados busquem condená-lo como pornografia, máfia, escória, mau gosto, tomamos a liberdade de trazer a conceituação de cultura, segundo a autora Simionatto (2008): “Entendida de forma crítica, a cultura é instrumento de emancipação política das classes subalternas, o amálgama, o elo de ligação entre os que se encontram nas mesmas condições e buscam construir uma contra-hegemonia” (SIMIONATTO, 2008, p. 94). Partindo, portanto, deste entendimento quanto ao papel do funk ostentação na contemporaneidade, adentramos ao exame da inserção das mulheres neste universo. No que diz respeito ao nosso objeto de pesquisa, nos atemos ao Estado de São Paulo posto que, no Rio de Janeiro, a configuração do funk é outra e o subgênero que lá predomina não é o da ostentação.

2.2 Mulheres: qual o espaço ocupado pelo feminino no universo do funk ostentação? Quando iniciada a pesquisa documental, em busca de informações sobre a presença das mulheres no funk ostentação no Estado de São Paulo, nos deparamos com a escassez de subsídios. Pudemos coletar informações e, com estas, concluir pela predominante presença masculina nesse universo – tal como verificamos acima. No que concerne às mulheres, no entanto, não foi possível localizar informações que nos permitissem compreender a produção feminina profissional do funk ostentação em São Paulo – quando nos referimos ao termo profissional, remetemos àquelas pessoas que tem no 33

Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/altas-horas/v/mc-lon-se-apresenta-no-programa-altashoras/2781108/. Acesso em: mai. 2014 34 Disponível em: http://www.redetv.uol.com.br/Video.aspx?39,9,356564,entretenimento,redetvientretenimento,mc-lon-coloca-as-novinhas-para-requebrar-5. Acesso em: mai. 2014 35 Disponível em: http://letras.mus.br/mc-gui/ela-que/. Acesso em: mai. 2014 36 Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/esquenta/v/com-apenas-15-anos-mc-gui-conta-comoentrou-no-funk/2691970/. Acesso em: mai. 2014

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funk a sua fonte de renda. Na região paulista, não localizamos nenhuma artista feminina profissionalizada desse subgênero. Descobrimos, assim, a incipiência de nosso objeto. O que de início sugeriu fragilidade, de outro lado, nos motivou pela oportunidade de transitar por um terreno ainda pouco explorado. E, ainda, a pesquisa, desde sua incipiência, já nos trouxe de valoroso a percepção quanto à dificuldade da inserção feminina neste universo do funk ostentação em São Paulo. Se nossa intenção é a de olhar as mulheres, a pesquisa começa por nos mostrá-las: estão a margem. Na tentativa de localizarmos MC’s profissionais do sexo feminino, realizamos pesquisas na internet em sites como o Google, Google Acadêmico e o youtube, por exemplo, com os termos de pesquisa “mulheres no funk ostentação”; “artistas paulistas/paulistanas de funk”; “MC’s paulistas/paulistanas”, entre outros. Encontramos apenas a Mulher Pimenta, cujo subgênero não é o funk ostentação, mas sim o pornográfico. Com o decorrer dessas pesquisas documentais, verificamos que as mulheres, no cenário do Estado de São Paulo, emergem como dançarinas, frequentadoras de baile ou mesmo como cantoras do subgênero erótico. Temos como exemplo a Mulher Pimenta, que leva à sua plateia letras e performances que, por vezes, denotam o ato sexual37. Ou seja, aqui, em São Paulo, não localizamos uma MC profissional do subgênero que nos propusemos a pesquisar: o da ostentação. No Rio de Janeiro, em contrapartida, a mulher se faz presente: como a Valesca Popozuda, a MC Pocahontas, a MC Marcelly, a MC Filet, a MC Britney, entre outras. Vale ressaltar que, dentre as artistas mencionadas, apenas a MC Pocahontas canta o funk ostentação. A verificação de alguma mulher que pudesse subsidiar nosso estudo passa então ao campo de nossos contatos sociais já que a pesquisa documental mostrou-se infrutífera. Conversamos com uma colega e um colega de trabalho, residentes no Capão Redondo (e frequentadores de bailes funk), e ambos nos passaram os telefones de alguns produtores de artistas do funk. Ligamos, porém nenhum deles soube indicar nomes de artistas femininas paulistas/paulistanas. Os produtores disseram trabalhar apenas com cantores homens quando se trata do estado/cidade de São Paulo. Já que não era possível encontrar, nos contatos telefônicos realizados, nomes de cantoras paulistas/paulistanas (os produtores eram unânimes em afirmar que não trabalhavam com mulheres nessa região), começamos a ligar para as casas noturnas com o intuito de

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Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MkxghnMTkIE. Acesso em: mai. 2014

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pesquisar algum baile para, a partir dali, podermos estabelecer contatos e localizar alguma mulher que tivesse relação profissional com o funk ostentação. Em busca de bailes, também entramos em contato com nossa rede de amigos, acionando inclusive o Facebook38, na tentativa de conseguirmos alguma informação que pudesse subsidiar nosso estudo. Porém, antes mesmo de irmos a um baile, conseguimos localizar pessoas que poderiam contribuir com nossa pesquisa. Ligamos para um número que a princípio seria de uma casa noturna de funk, conhecida como Casarão. Porém quem nos atendeu foi o DJ Nando_zl, que nos informou que a casa noturna havia sido fechada. No entanto, nos escutou acerca da pesquisa e ficou de entrar em contato caso duas conhecidas suas topassem participar da entrevista que havíamos proposto. No mesmo dia, recebemos um convite para participar de um grupo de Whatsapp39 chamado MC’s Mulher. Quem estava formando o grupo era o próprio DJ Nando_zl, com quem havíamos conversado naquela manhã. No grupo criado por Nando entraram duas jovens aspirantes a MC – que viemos a descobrir mais tarde serem irmãs – a MC Bruninha_sp, de 18 anos, a MC Morena, com 17, eu, e o próprio DJ Nando, que tem 28 anos. Em questão de instantes incorporamos ao grupo a professora orientadora desta pesquisa, Rosilene Marcelino.

Figura 2 – Captura de tela com a data da criação do grupo no Whatsapp 38

Na definição de Cascaes (2013), o “Facebook é uma rede social online criada em 2003 por quatro amigos da universidade de Harvard com o propósito de colocar os estudantes daquela instituição em contato uns com os outros, de acordo com suas afinidades” (CASCAES, 2013, p. 12) 39 “WhatsApp Messenger é um aplicativo de mensagens multiplataforma que permite trocar mensagens pelo celular sem pagar por SMS. Está disponível para iPhone, BlackBerry, Android, Windows Phone, e Nokia e sim, esses telefones podem trocar mensagens entre si! Como o WhatsApp Messenger usa o mesmo plano de dados de internet que você usa para e-mails e navegação, não há custo para enviar mensagens e ficar em contato com seus amigos. Além das mensagens básicas, os usuários do WhatsApp podem criar grupos, enviar mensagens ilimitadas com imagens, vídeos e audio”. Disponível em http://www.whatsapp.com/?l=pt_br. Acesso em set. 2014

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Fonte: Celular da própria autora Foi assim que descobrimos a existência de uma jovem que aspira se tornar MC, a Bruna. Nessa condição, ainda não têm clipes produzidos e batalha por DJs e produtores que possam fazê-la estourar no YouTube, nas palavras de um de nossos entrevistados, o DJ Nando_zl40. Estava formada, portanto, a equipe que nos conduziria a novas descobertas. A troca de informações por Whatsapp, tanto de pensamentos quanto de áudios e fotos, permitiu uma maior aproximação do grupo. Em princípio as conversas foram tímidas. Enquanto o DJ Nando_zl enviava logo cedo os seus bom dia galera, bora trabalhar, a MC_bruninha_sp se manifestava a tarde nos contando que tinha acabado de acordar. Bastou o tempo para que todos, confortáveis, usufruíssem (como atualmente o fazemos), do grupo. No dia 07 de maio de 2014, o encontro para a entrevista foi marcado no shopping Itaquera. Nele, comparecemos eu e a professora orientadora desta pesquisa, Rosilene Marcelino, o DJ Nando_zl e a MC Bruninha_sp. A MC Morena, também integrante do grupo do Whatsapp, não pôde estar presente naquela data. Assim, os caminhos apresentados pela pesquisa nos conduziu à possibilidade de traçarmos considerações acerca do funk ostentação no cenário paulista/paulistano e da inserção das mulheres no mesmo, a partir de uma entrevista em profundidade realizada com o DJ Nando_zl e com a MC Bruninha_sp. Ou seja, a partir do lugar de fala deles, pudemos nos aproximar do nosso objeto de pesquisa.

2.3 Entrevista em profundidade: nossa aproximação do funk através de quem o vivencia O DJ Nando_zl declara-se um apaixonado por música. Em suas palavras: “minha vida é a música”. E o mesmo se dá para a MC Bruninha_sp, com uma diferença: enquanto para o Nando a apreciação vai desde o Black, Rap, Soul, para a Bruna, o que a fascina mesmo é o funk. Quando perguntada sobre o que representa ser cantora de funk, sua resposta foi: “Tudo. É um sonho, desde pequena. Sempre”. E esse amor pelo funk, que vem da infância, recebeu influência da família, pois, “a convivência da família sempre foi funk”. Porém a Bruna nos disse que a mãe, embora sempre 40

Entrevista realizada no dia 07/05/2014, com a presença da Professora Rosilene Marcelino, orientadora desta pesquisa. Entrevistamos Fernando Henrique Pereira da Cunha e Bruna Caroline da Costa Sousa, com a devida autorização de ambos (Íntegra da Entrevista nos Anexos A e B)

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tenha gostado de funk, “na verdade (...) hoje é evangélica”. É de se notar que a religião, no caso da mãe da Bruna, pode ter influído para que se distanciasse do funk. Além disso, a Bruna nos disse que seu irmão mais velho, hoje com 22 (vinte e dois) anos, foi concebido em um baile funk, de forma a verificarmos que, em um dado momento, esse ambiente fazia sentido à mãe da Bruna e, em um seguinte, já não o faz. Podemos perceber que o sonho da Bruna para se tornar uma artista do funk ostentação não pulsa isolado: quando ela nos diz sobre o baile, deixa claro que: “É uma felicidade. Quando eu estou no meio do baile funk, meu Deus do céu, esqueço todos os problemas”. Também é essa a opinião do DJ Nando ZL sobre como se sente quando vai a um baile: você está dentro do baile funk, você não está preocupado com os problemas. Você esquece tudo. Você está ali pra curtir. Você quer beber, não se preocupa com filhos, com casa, com carro que está sendo roubado lá na rua. Se alguém está vendendo droga do seu lado você não liga. Você quer curtir, quer ouvir a música. Eu mesmo quando escuto a música viajo.

Percebemos aí, a intensidade com que significa o funk na vida desses jovens. Para além de gosto, eles se sentem distantes de seus problemas; respiram de sua realidade. Dada a paixão com que o Nando e a Bruna nos narraram acerca da experiência de se estar em um baile funk, bem como, por tratar-se este gênero musical do nosso objeto de estudo, resolvemos nos aproximar, indo a campo. Assim, através de uma pesquisa etnográfica, nos propusemos a observar as dinâmicas de um baile. Tal pesquisa41 teve lugar no dia 11 de junho de 2014, quando participamos do show do Mr. Catra42, um artista do funk em sua vertente pornográfica. Inicialmente queríamos conhecer a atmosfera de um baile do funk ostentação mas um colega de faculdade, que tem proximidade com uma comunidade local de Santos informou que aqueles que nos receberiam no baile pararam de se comunicar com ele e optamos por retornar em um momento posterior, junto com alguém da comunidade. De qualquer forma, ter ido a campo, ainda que em um baile da vertente pornográfica, nos traz como consequência uma possível melhor compreensão do que dizem os entrevistados Bruna e Fernando quando afirmam que “dentro do baile funk, você não está preocupado com os problemas”. Como relatamos no anexo G, a pesquisa etnográfica mostrou-se importante

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A etnografia é definida como “um método científico de pesquisa empírica, pelo qual partimos do observável para chegar aos sentidos do que é observado. Para isso, leva-se em consideração tudo que é expresso pelo grupo estudado e permite construir o significado, ou seja, a interpretação do pesquisador” (COSTA, 2010, p. 29) 42 Essa pesquisa etnográfica culminou no artigo “Funk, academia: Da sala de aula para a quebrada, um percurso de inspiração etnográfica” (MARCELINO; ANTONACCI; ROCHA), submetido e aprovado no GT 08 – Comunicação, educação e consumo – do Comunicon 2014. Trazemos no anexo G o trecho presente no artigo que descreve a pesquisa realizada no baile.

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para que nossa aproximação com esse universo se desse para além dos muros da escola. E, além disso, culminou no artigo “Funk, academia: Da sala de aula para a quebrada, um percurso de inspiração etnográfica” (MARCELINO; ANTONACCI; ROCHA, 2014), submetido e apresentado no Grupo de Trabalho 08 (comunicação, educação e consumo), coordenado pela professora Baccega, no Congresso Internacional de Comunicação e Consumo (Comunicon 2014). Como o nosso interesse de pesquisa gravita em torno da ostentação, indagamos à Bruna sobre sua produção nesse subgênero. Muito embora ela ainda não tenha clipes no YouTube, já compôs cerca de 30 (trinta) músicas, e todas sobre a ostentação. Seus temas, em suas palavras, giram em torno de: “carro, moto, praia, essas coisas assim”. Ela nos conta que faz cerca de três shows por semana, recebendo um cachê em torno de 700 (setecentos) reais por cada apresentação e está em atividade há cerca de 5 (cinco) meses. Participa de um grupo de funk que faz apresentações a partir da vertente pornográfica e, dos 20 (vinte) integrantes, ela é a única do sexo feminino, de modo que, nessa condição, chama a atenção no baile (porque ao público interessa ver a mulher dentro da vertente pornográfica). O início de sua aspiração a MC se deu pelo Whatsapp: um DJ que estava no mesmo grupo de Bruna gostou de suas músicas e se interessou por seu trabalho. Estava iniciada a busca do sonho da MC Bruninha_sp, que hoje não mais trabalha como caixa de um bar de açaí. Dedica seu tempo à composição, mas diz que sabe ainda ser cedo para viver somente do funk. Enquanto não chega o seu momento para tornar-se conhecida – e para isso tanto o Nando quanto a Bruna nos afirmaram que basta uma música que toque sem parar nas rádios –, situações, que podem até ser consideradas suspeitas, acontecem. Uma dessas, que Bruna nos narrou, diz respeito a um homem que, na qualidade de empresário do funk queria que ela fosse morar em Santo André. A proposta era para que ela larguasse tudo e fosse morar com ele para que assim, tivesse seu sucesso como artista garantido. Quando questionada sobre o que entende por funk ostentação, MC Bruninha_sp afirma: “Para mim fala de luxúria, carro, de valores muito grandes, carro, moto, praia, é o que eu entendo”. Ela considera luxúria, “carros importados, casas, mansão”. O sentido da ostentação, portanto, está abrigado na opulência dos bens materiais que são de valores “muito grandes”. O luxo, não apropriado em suas práticas, distante de sua realidade, é confundido com luxúria. De fato, ostenta-se sensualidade, no funk ostentação, mas os objetos que perfazem o signicado de luxúria, quando da fala da Bruna, estão a indicar um luxo que permeia somente seu universo imagético, dando-lhe o sentido do que vem a ser ostentação.

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O DJ Nando_zl, pegando a ponte com o que Bruna disse sobre a ostentação, afirma que: “Luxúria e ostentação pra mim é você poder chegar em um lugar e não precisar perguntar o preço. Isso é luxúria. Você chegar em qualquer coisa, não precisar saber o valor. O que quer é seu. Isso é ostentação; isso é você ter”. Nando está a nos dizer de acesso, livre acesso ao que ele quer ter. Quer ver realizados seus desejos, que, entendemos, hoje estão insatisfeitos diante de sua realidade (ele, que aos 28 anos trabalha no almoxarifado de um canal de televisão, aufere um salario mínimo e sustenta dois filhos, um de oito anos e outro recém nascido, além de ajudar os irmãos e a mãe, para quem está construindo uma casa). O subgênero da ostentação percorre aí, mais do que as letras, trata de uma aspiração: esses jovens manifestam aquilo que querem pra eles; sentem-se pertencentes ao universo que desejam cantando os seus códigos. E o subgênero da ostentação, vai para além das composições: permeia a postura para cantar, dançar e também define o jeito que a mulher se veste. Comparando duas cantoras do funk, a carioca MC Pocahontas, da ostentação e MC Britney, que canta o funk erótico, esta diferença ressalta aos olhos. A MC Bruninha_sp se inspira na MC Pocahontas. Inclusive o seu figurino, quando for profissional, será de acordo com o estilo dessa funkeira, conhecido como skatista: “É usar boné, salto às vezes, ah, e tem shortinho”. Nos bailes paulistas, as mulheres se vestem mais como a MC Britney, como nos faz compreender a Bruna: “Britney mesmo. É difícil você ver uma Pocahontas lá. Você falou de baile funk, é roupa curta, shorts curto. É difícil você ver uma pessoa de calça no baile funk”. Nos dizeres de Nando, o visual é: “vestidinho propaganda”.

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Figura 3 – Manual de estilo: por MC Pocahontas43 Fonte: Página Ego do site da globo.com De acordo com a percepção da Bruna, o “povo” (referindo-se aos frequentadores do baile paulista), espera uma atitude da funkeira mais voltada para o erótico do que para a ostentação, que fica posto como um subgênero do funk a ser cantado pelos homens. Segundo ela: “Na verdade o povo é assim: quando mulher canta eles querem que a mulher canta mais no estilo Britney que é mais o lado de putaria. Funk ostentação é mais para o lado de homem”. Como exemplo de putaria, ela nos trouxe a letra da MC Britney, Hoje na casa do seu Zé44. Para Nando também: “os homens querem ver as mulheres no palco cantando putaria”. Ou seja: a mulher está a margem, no campo da produção do funk ostentação, como verificamos. E essa margem a que nos referimos tem contornos, tem forma: nossa pesquisa nos leva a acreditar que a mulher, em São Paulo, é para ser vista. Enquanto mulher, ela pode curtir o baile, pode dançar, pode ser bailarina, como de fato muitas o fazem e são. Mas, em querendo atuar profissionalmente, ainda é exigido dessa mulher que se associe ao pornográfico, à putaria. O público quer que o conteúdo de suas músicas esbanjem o sexual e o sensual e não a ostentação.

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Disponível em: http://m.ego.globo.com/famosos/noticia/2014/04/comparada-anitta-mc-pocahontas-despontano-funk-ostentacao-carioca.html Acesso em: set. 2014. 44 Disponível em: http://www.vagalume.com.br/mc-britney/hoje-na-casa-do-seu-ze.html. Acesso em: mai. 2014.

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Julgamos pertinente trazer, através do quadro esquemático abaixo, as falas que articulam os principais pontos abordados por Nando e Bruna em seus discursos, ao longo da entrevista em profundidade (anexo B): Principais pontos:

MC_Bruninha_sp

DJ Nando_zl

Música

Baile funk



“A convivência da família sempre foi funk”



“Minha vida é a música”



“É uma felicidade. Quando eu estou no meio do baile funk, meu Deus do céu, esqueço todos os problemas”



“Você está dentro do baile funk, você não está preocupado com os problemas. Você esquece tudo. “Você quer beber, não se preocupa com filhos, com casa, com carro que está sendo roubado lá na rua” “Se alguém está vendendo droga do seu lado você não liga” “Você quer curtir, quer ouvir a música. Eu mesmo quando escuto a música viajo” “Luxúria e ostentação pra mim é você poder chegar em um lugar e não precisar perguntar o preço. Isso é luxúria” “Você chegar em qualquer coisa, não precisar saber o valor. O que quer é seu. Isso é ostentação; isso é você ter” “Os homens querem ver as mulheres no palco cantando putaria”



• • Ostentação

Mulher



“Para mim fala de luxúria, carro, de valores muito grandes, carro, moto, praia, é o que eu entendo”





“carros importados, casas, mansão”





“Na verdade o povo é assim: quando mulher canta eles querem que a mulher canta mais no estilo Britney que é mais o lado de putaria” “Funk ostentação é mais para o lado de homem”





Figure 4 – Quadro esquemático: MC_Bruninha_sp e DJ Nando_zl Fonte: Entrevista em profundidade Bruna e Fernando (Anexo B) Portanto, sem prejuízo algum – ao contrário, somente com contribuições frutíferas –, nossa pesquisa nos conduziu ao encontro com o Nando, DJ, e com a Bruna, que aspira ser MC profissional cantando o funk ostentação. E é a partir dela, e de suas composições que, no próximo capítulo, pretendemos verificar como é a produção feminina no subgênero do funk ostentação. Que mulher é essa que fala e sobre o que nos diz através do funk ostentação?

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2.4 A Indústria Cultural e a contemporaneidade Na primeira metade do século XX, dois pensadores alemães, Theodor Adorno e Max Horkheimer, cunham o conceito da indústria cultural a fim de sintetizar, neste, suas reflexões acerca das influências do sistema capitalista na sociedade da época. Estes autores faziam parte da Escola de Frankfurt, originada do Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt. A Escola era composta por outros pensadores como Marcuse, Habermas e Benjamin, por exemplo. Para Adorno e Horkheimer a cultura foi convertida em mercadoria; não existiria, no entender deles, a aura da arte mas sim uma padronização dos produtos culturais, fruto de uma produção cultural orientada para o mercado. Neste sentido, os produtos tais como o rádio e o cinema distanciam-se da ideia de singularidade pois são produzidos em série. Para estes autores “A indústria cultural fixa de maneira exemplar a derrocada da cultura, sua queda na mercadoria” (MATTELART, Armand e MATTELART, Michelle, 1998, p. 78). A época em que Horkheimer e Adorno cunham este conceito tem como marca a Segunda Guerra, que estava em curso. Destacam-se ambos na elaboração de uma teoria crítica45 da sociedade, pois, diferentemente dos demais integrantes da Escola de Frankfurt, voltam sua atenção para o fato de que “(...) a população é mobilizada a se engajar nas tarefas necessárias à manutenção do sistema econômico e social através o consumo estético massificado articulado pela indústria cultural” (RUDIGER, 2012, p. 133). Percepção esta que se torna a tônica de suas críticas ao sistema produtivo capitalista em suas intersecções com a cultura. Ainda que considerada a incipiência dos meios da época (se comparamos aos dias de hoje), nos apoiamos em Cohn (2008) para justificar a apropriação deste conceito por também acreditarmos que “aquilo que temos hoje não altera, no essencial, o objeto da reflexão da teoria crítica em meados do século passado” (COHN, 2008, p. 70). No entendimento de Horkheimer e Adorno, as consequências do modo capitalista de produção se estende, portanto, aos indíviduos, colocando-os em uma posição massificada. Sob esta perspectiva, os consumidores deixam de portar, por eles mesmos, senso crítico e capacidade reflexiva. É neste sentido que dizem os autores: “A produção capitalista os

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Esbarramos, nesta pesquisa, em uma pequena faceta do que pode ser considerada uma teoria crítica, de modo que não nos cabe propor uma reflexão mais extensa sobre o tema

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mantém tão bem presos em corpo e alma que eles sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido” (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 110). E tal compreensão se resvala para a relação desses consumidores com a própria cultura: deixa de existir a arte séria, aquela que se propõe à reflexão dos indivíduos e passa a existir o propósito da indústria cultural onde “o espectador não deve ter necessidade de nenhum pensamento próprio, o produto prescreve toda reação” (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 113). Portanto, para a indústria cultural, os produtos frutos da cultura, fossem eles filmes, músicas, revistas, só para mencionar alguns, ganham todos a mesma roupagem, estritamente pautada em um caráter objetivo. Obedecendo à lógica industrial, e rigorosamente a um pensamento capitalista, as fórmulas passaram a ser replicadas e implementadas, deixando em suspenso a arte séria para tornar-se a indústria da diversão. Temos, por outro lado, uma visão distinta por parte do pensador Walter Benjamin (apud RUDIGER, 2008), que, contemporâneo a Adorno e Horkheimer, e ao lado de Kracauer, propunha o que denominava de revolução das massas, a partir dessa nova configuração que as tecnologias da comunicação estavam produzindo: “Para ambos, o capitalismo criara sem querer as condições para uma democratização da cultura, ao tornar os bens culturais objeto de produção industrial” (apud RUDIGER, 2012, p. 135). Neste sentido podemos depreender que para estes autores a reprodutibilidade criticada por Horkheimer e Adorno não se apresenta como negativa mas sim como uma abertura que possibilitaria mais acesso à cultura. Também trazemos as contribuições de Cohn (2008) para reafirmar que o conceito indústria cultural não deixa de existir, mas, quando refletido atualmente, merece ser considerado dentro de certas circunstâncias. Uma delas é a questão da multiplicidade de sistemas, pois com o advento do que podemos chamar de Era da Informática, a indústria cultural torna-se um subsistema que integra um sistema maior: É claro, todavia, que a sua aplicação às condições nossas contemporâneas exige, se não uma correção, pelo menos uma restrição básica. É que, apesar da persistência da estrutura básica à qual Adorno se referia, é preciso reconhecer desde logo que o sistema que ele procurava designar pela expressão indústria cultural já não é a instância mais abrangente na produção e difusão de cultura. Constitui um subsistema de um complexo maior, que incorpora todos os resultados do desenvolvimento da informática (COHN, 2008, p. 66)

Ou seja, há outras questões em jogo atualmente quando falamos em cultura e na apropriação/fruição desta por parte dos consumidores. Tanto o que se consome como o modo pelo qual a cultura passou a ser consumida (vide a capilarização da internet), há que ser

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levado em consideração. Castro (2008), quanto a esse aspecto, nos traz como contribuição a lembrança de que: “Desde os pioneiros teóricos da Escola de Frankfurt, percebe-se que os fenômenos de midiatização e mercantilização da cultura andam de mãos dadas” (CASTRO, 2008, p. 135). O que muda, na contemporaneidade, é a possibilidade de serem consideradas outras facetas destes mesmos fenômenos. Como, por exemplo, a questão embrionária proposta por Adorno quando diz que a indústria cultural imprime um padrão ao produzir cultura, tanto na forma quanto no conteúdo dos produtos culturais. Cohn (2008) vai nos dizer ser insuficiente restringir na contemporaneidade a análise dos pensadores alemães ao seu ponto de partida, qual seja, o fato dos produtos culturais terem se tornado mercadorias. Isso porque, pondera o autor: “(...) se ficarmos nisso, correremos o risco de cair numa concepção crítica um tanto rasteira do processo cultural nas sociedades contemporâneas, que pode se esgotar na constatação lamentosa de que o mercado tomou conta de tudo” (COHN, 2008, p. 68/69). Atualmente, são muitos os que criticam os pensadores alemães por considerarem que eles tolhiram, com o seu conceito, as capacidades de escolha dos receptores. Mas Cohn (2008) ressalva que os autores voltaram-se mais à produção em si do que à recepção dos produtos culturais. É ainda necessário contextualizar que, à época, prevalecia o entendimento da corrente Mass Communication Research – sobre a qual falaremos alhures – em sua primeira fase, com a abordagem ancorada na recepção direta, fruto da dicotomia estímuloresposta. Portanto, precisamos de cautela a fim de não afirmarmos as ideias de Horkheimer e Adorno como verdades absolutas, nem tampouco delas nos desfazermos como se despidas de qualquer significado. É com esta ponderação que nos propomos a refletir sobre a produção e a recepção do produto cultural funk ostentação. Ao longo deste trabalho monográfico temos nos aprofundado no movimento cultural do funk, tanto por meio de pesquisa bibliográfica, quanto etnográfica e também, pela atenção à sua presença no contexto midiático atual. Decorre destas observações a suposição de que o funk ostentação nos dá pistas de se constituir em uma tentativa de fazer diferente dentro do sistema fonográfico. Isto porque, ainda que de origem periférica46, o movimento atinge públicos diversos da região paulista e não faz uso da indústria da música – no modelo como a 46

“Importante esclarecer que ao recorrermos à expressão periferia em nossa reflexão, entendemo-la como espaço que amálgama pertencimento territorial, produção artística e cultural. Portanto, não nos referimos a um lugar em oposição ao centro, mas um lugar no qual gravitam tanto recursos materiais como simbólicos”. Artigo: Funk, academia: Da Sala de Aula para a Quebrada, um Percurso de Inspiração Etnográfica, apresentado no GT 08 – Comunicação, educação e consumo do Comunicon 2014 (MARCELINO, Rosilene; ANTONACCI, Andrea; ROCHA, Camilla).

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conhecemos – para tanto. Os artistas têm como marca registrada não produzirem CD’s ou DVD’s e lançarem-se pelo YouTube. Mas como a própria expressão registrada acima denuncia, essa tentativa de diferenciar-se pode trazer em seu bojo as marcas do mesmo sistema que quer deixar para trás: as suas regras se transformam em um padrão de funcionamento que passa a espelhar, em grande medida, a engrenagem principal da qual se dissociou. No universo do funk já existe uma estrutura tanto para produtores – voltados somente para a confecção de videoclipes – como para o lançamento e assessoria dos artistas. É o caso, por exemplo, do Kondzilla, a quem é atribuído o título de o monstro dos clipes47. E refletimos então, a partir da assertividade de Horkheimer e Adorno, quanto à potência da máquina produtiva no que se refere a cultura: é industrial o modelo que perpassa a contemporaneidade em todas as iniciativas de produção artística? Outro aspecto que merece ser trazido é a posição do funk dentro do discurso social contemporâneo. No senso comum, se apresenta como objeto de julgamentos apressados, como por exemplo: música sem conteúdo, que não ensina nada e que traz palavrão, pornografia. Por vezes, nos deparamos com estas críticas quando mencionamos nosso tema de estudo, bem como quando nos cercamos de informações por meio de veículos de comunicação, tal como a Veja SP, que, em reportagem de 2001 acusa o funk de: “com suas letras desbocadas e denúncias de relações sexuais anônimas nos bailes, o funk incomoda até mentalidades liberais”48. Podemos relembrar o que mencionamos na parte introdutória deste trabalho que, em São Paulo, o atual prefeito Fernando Haddad vetou projeto de lei que proibia a realização de bailes funks em locais públicos. E no Rio de Janeiro, o funk está instituído como cultura, pois é considerado movimento cultural popular, por meio da Lei Estadual nº 5543/0949. É dizer: se faz necessária a autoridade dos âmbitos político e legislativo para resguardar o movimento do funk no Brasil. Em nosso entendimento o movimento do funk ostentação é um composto onde aparecem dança, música, sons e batidas, estilos de ser e de se vestir; é parte de comunidades periféricas que a ele atribuem sentidos e dele extraem seus sentidos. E, também, transborda indo para as escolas, a compor trilhas sonoras de seus bailes – tal como veremos adiante.

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Disponível em http://manualdohomemmoderno.com.br/comportamento/kondzilla-o-monstro-dos-clipes Acesso em set. 2014 48 Disponível em: http://veja.abril.com.br/280301/p_082.html . Acesso em ago. 2014. 49 Disponível em: http://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/819271/lei-5543-09. Acesso em mai 2014.

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Mostra-se, além disso, transclassista por manifestar algo construído relacional, dialógica e dialeticamente. É sob esta perspectiva que o consideramos mais do que um gênero musical eivado de palavrões e o colocamos no lugar de manifestação cultural popular – por ora sustentado neste lugar de cultura por decreto. Nos apoiamos em Simionatto (2008) que, ao se referir a Gramsci (apud SIMIONATTO, 2008), conceitua o lugar da cultura para aquele autor: “Entendida de forma crítica, a cultura é instrumento de emancipação política das classes subalternas, o amálgama, o elo de ligação entre os que se encontram nas mesmas condições e buscam construir uma contra-hegemonia” (SIMIONATTO, 2008, p. 94) Para Gramsci, a sociedade civil é “representada pelos ‘aparelhos privados de hegemonia’ (escolas, universidades, meios de comunicação em geral), portadores materiais de visões de mundo e de projetos societários em disputa” (apud SIMIONATTO, 2008, p. 89) sendo possível às massas, ao terem contato com estes aparelhos, elaborarem suas reflexões, manifestarem o seu grito, seu canto e, por que não, sua cultura. O funk seria, neste sentido, essa cultura, “que possibilite realizar crítica às ideias, valores e práticas impostos às classes subalternas, especialmente pela chamada ‘alta cultura’” (SIMIONATTO, 2008, p. 101). Reconhecer o funk como produto cultural, portanto, é assentir quanto a sua independência, por um lado, e proeminência, por outro, nos espaços onde o seu sentido é construído e onde sua expressão significa, que é a periferia.

2.5 Os Estudos Culturais A partir da investigação realizada acerca da temática da indústria cultural, desde a concepção do conceito até a sua atualização na contemporaneidade, chegamos ao funk ostentação como um produto cultural. E realizado este movimento, pode-se perceber que a temática da cultura posta pelo funk traz implícita a questão da hierarquização cultural, onde justamente reside o embrião do debate que passamos a estudar, denominada de Estudos Culturais, originada em 1960, na Inglaterra. O Centro de Estudos Culturais Contemporâneos foi fundado em Birmingham (CCCS) no ano de 1964, por meio das obras fundadoras de Hoggart, Thompson e Williams; propunhase a estudar as formas, as práticas e as instituições culturais em sua relação com a sociedade (MATTERLART, 2012). Temos em Hoggart, por exemplo, a sua própria origem operária como influenciadora de sua obra, The Uses of Literacy, na qual predomina a crítica à cultura comercial em contraponto ao elogio à cultura da classe da qual ele proveio, a fim de

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demonstrar que o popular não se resume à submissão, sendo uma possibilidade para a resistência. A despeito desse olhar reflexivo para a sociedade, semelhante à percepção que vimos acima de Adorno e Horkheimer, os autores que propõem os Estudos Culturais vão se distanciar da ótica marxista que entende a cultura como fruto de um determinismo social e econômico, “pondo em seu lugar uma definição antropológica: a cultura é o processo global por meio do qual as significações são social e historicamente construídas” (MATTERLART, 2012, p. 105). Os Estudos Culturais definem, portanto, um lugar de autonomia para a cultura, constituída para além de textos e produções, mas também por práticas; e, faz isso a partir da atenção que coloca nas expressões culturais populares que se constituem, para esses estudos, para além da posição de inferioridade, assumindo um caráter reflexivo, uma possibilidade de intervenção (MATTERLART, 2012). A par de ter seu núcleo de pesquisas voltado para análises que iam desde ficção até revistas femininas, consideramos importante ressaltar a preponderância das contribuições dos Estudos Culturais em sua função para além dos limites da teoria. Nas palavras de Escosteguy (2012): “Os Estudos Culturais construíram uma tendência importante da crítica cultural que questiona o estabelecimento de hierarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir de oposições como cultura alta/baixa, superior/inferior, entre outras binariedades” (ESCOSTEGUY, 2012, p. 157). Voltamos assim, ao exame de Gramsci (apud MATTERLART, 2012), cujo pensamento influenciou os estudos do Centro de Birmingham. Este pensador vislumbrou a possibilidade do deslocamento da hegemonia da classe dominante – ao separar as esferas Estado e sociedade civil – para o grupo social que assumisse a direção intelectual e moral sobre a sociedade: a hegemonia também se coloca num novo campo de lutas, de alianças, de construção/desconstrução de saberes e experiências, pois, antes de mais nada, ‘toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica’ (GRAMSCI, 1999, p. 399), uma vez que encerra em si possibilidades de emancipação coletivas, não só para determinados indivíduos, mas para toda a sociedade (SIMIONATTO, 2008, p. 89)

Concordamos com Freire (2012), quando esta afirma que “Se é sabido que cultura é tudo que é especificamente humano, precisamos pensar o funk - e seus subgêneros - como cultura, analisando o fluxo de significados a partir dos discursos presentes, e em como estas manifestações se apresentam carregadas de sentidos” (FREIRE, 2012, p. 7).

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2.6 A Cultura da Mídia Neste subitem nos voltamos aos estudos da cultura da mídia, mídia e consumo, que perfazem, hoje, o pano de fundo do contexto onde esse produto cultural, o funk ostentação, encontra-se inserido. Kellner (2001) em sua obra A cultura da mídia demarca a cultura em seu sentido mais amplo como “uma forma de atividade que implica alto grau de participação, na qual as pessoas criam sociedades e identidades. A cultura modela os indivíduos, evidenciando e cultivando suas potencialidades e capacidades de fala, ação e criatividade” (KELLNER, 2001, p. 11). Dada ser esta uma definição em sentido amplo, nos cabe aprofundar, ainda segundo este autor, para o que vem a ser a cultura da mídia. Kellner (2001) a define como sendo aquela veiculada pelos meios de comunicação. Podemos verificar que tanto uma – em sentido amplo – como a outra – a da mídia –, tem como consequência comum a influência que exercem na formação das identidades. Portanto, levando-se em conta a presença dos meios de comunicação em nosso dia a dia, é de se supor a importância dos estudos sobre a mídia na contemporaneidade. É este o pensamento de Kellner (2001), que aponta também outro fundamento que justifica tal relevância, qual seja, o de que não podemos considerar os textos veiculados pela mídia como espelhos da idelologia dominante nem tampouco descartá-los como puro entretenimento, despidos de significação e influência. E no que concerne ao presente trabalho monográfico, esta relevância repousa também no fato de ser necessário compreender, a partir da análise do funk ostentação, quais os significados dali emergentes posto que “entender o porquê da popularidade de certas produções pode elucidar o meio social em que elas nascem e circulam, podendo, portanto, levar-nos a perceber o que está acontecendo nas sociedades e nas culturas contemporâneas” (KELLNER, 2001, p. 14). Em síntese, reconhecemos, nesta pesquisa, a importância dos estudos da cultura da mídia tanto para propiciar reflexões, tal como Kellner (2001) nos propõe, de modo a não condenar nem tampouco inocentar os meios de comunicação sumariamente e, também, a fim de compreender o meio social onde o funk nasceu e por onde circula.

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E nos deixamos guiar pelo ensinamento de Silverstone (2011), ao nos lançarmos nesses estudos. Diz este autor ser nosso dever, se queremos entender o que a mídia faz, estudá-la para além de números, para além da superfície: precisamos perceber sua onipresença em nosso cotidiano, de maneira a depreender sua importância. Este autor nos traz a noção da mídia como parte do que ele denomina textura geral da experiência, referindo-se àqueles aspectos corriqueiros de nossas experiências mas que mesmo assim devem subsistir a fim de possamos viver e nos comunicar (SILVERSTONE, 2011). E adentrando ainda mais em seu raciocínio, para além do que ele considera como necessário compreender a mídia por constituir-se esta, parte de nossa experiência, está a crítica que o mesmo elabora quanto ao pensamento de parte de nossos autores sobre a contemporaneidade. Para alguns, esse tempo seria pós-moderno50 e, nessa qualidade, fonte para fissuras identitárias, instanteidades, liquidez, exacerbação de desejos. Silverstone (2011) nos coloca que: Não posso negar tudo isso, mas penso que muita coisa aí é fantasia: uma projeção irônica e irreflexiva que ignora, principalmente, a materialidade tanto do símbolo como da sociedade. Ela compreende mal a capacidade dos textos de convencer, moldar significado, propiciar prazeres, criar comunidades; também compreende mal as realidades da produção de significado e os prazeres reivindicados e sustentados diferentemente, é claro, conforme a classe, a idade, o gênero e a etnicidade, mas, ainda assim, reais para todos (SILVERSTONE, 2011, p. 84)

É importante, portanto, compreendermos as considerações de Kellner (2001) e Siverstone (2011) no que diz respeito ao papel do sujeito quando se depara com a mídia. Assim podemos, a partir dos indivíduos, refletir acerca das consequências advindas das produções sobre o meio social, nos dizeres de Kellner (2001) e sobre as comunidades que se formam e as reivindicações que ali são feitas, como nos ensina Silverstone (2011). Kellner (2001) inspira-se nos pensadores Adorno e Horkheimer, como ele mesmo afirma, na medida em que nos convoca, quanto ao seu livro, que “este estudo deve ser lido como exemplo de crítica cultural a fornecer fragmentos de uma teoria crítica da sociedade e – esperemos – alguma inspiração para uma nova política futura de libertação” (KELLNER, 2001, p. 20). No entanto, a despeito dessa inspiração, Kellner (2001) difere dos pensadores alemães ao permitir a existência do paradoxo do sistema; para ele “não é um sistema de doutrinação ideológica rígida que induz à concordância com as sociedades capitalistas existentes, mas sim os prazeres propiciados pela mídia e pelo consumo” (KELLNER, 2001, p. 50

Não vamos nos lançar, neste estudo, à consideração das diferentes investidas acerca do conceito de pós modernidade; por isso nos limitamos a colocar o tema, sobre o qual repousam diversos entendimentos conceituais, em itálico.

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11). E complementa, mais adiante, que cabe ao público o poder de resistir às mensagens dominantes, de modo a “criar sua própria leitura e seu próprio modo de apropriar-se da cultura de massa, usando a sua cultura como recurso para fortalecer-se e inventar significados, identidade e forma de vida próprios” (KELLNER, 2001, p. 11). É sob esta perspectiva que Kellner (2001) concebe a mídia como aquela que oferece significados: “As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos” (KELLNER, 2001, p. 9). É o que Silverstone (2011) nos traz com o conceito de mediação, que é a própria circulação de significados entre vidas mediadas e a mídia viva (SILVERSTONE, 2011, p. 32). Percebemos que para Silverstone (2011) vigora as possibilidades a partir da mídia, ou seja, não somos reféns dos meios de comunicação, pois que podemos participar a partir da mídia assim como esta participa para construção da nossa experiência. O autor traz o senso comum como sendo um elemento ao qual a mídia recorre mas, em contrapartida, reivindica a capacidade reflexiva do público diante da tessitura dele nas narrativas veiculadas. A propósito também nos alerta que precisamos estar atentos a fim de identificarmos falhas na mediação realizada pela mídia, em seu poder de persuadir, o que reclama de nós, nos dizeres do autor, “atenção e resposta” (SILVESTONE, 2011, p. 43). O movimento do funk ostentação comunga, em nosso entender, o duplo aspecto que ventilamos com os autores acima mencionados, qual seja, traz o caráter reivindicatório destes jovens da periferia – funcionando aí como um recurso a contribuir para o fortalecimento deste grupo social –, além de mostrar-se uma construção midiática (posto ser via web). Isso evidencia um caráter participativo tanto no pólo da produção, quanto em relação ao público (vide milhares de acessos dos clipes) e demonstra ser o funk ostentação parte da mídia assim como a mídia é parte do movimento do funk ostentação.

2.7 O consumo, suas práticas e os sentidos comunicados Uma vez visto, no subitem acima, o funk ostentação permeando e sendo permeado pelo contexto midiático, passamos a examiná-lo nesse subtítulo enquanto um produto cultural cujo consumo enseja determinadas práticas e cujas composições, por outro lado, despertam reflexões acerca do próprio consumo. Nossa investigação vai de encontro com perspectivas de senso comum circulantes na cultura de massa que vislumbram o consumo como “simples cenário de gastos inúteis e

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impulsos irracionais” (CANCLINI, 2008, p. 14). Colocamos-nos contrários àqueles que apressadamente condenam o consumo, tal como nos aponta Rocha (2005) como o causador de todo o mal social (visão moralista). Da mesma forma não assentimos com o pensamento voltado ao consumo como aquele que nos conduz à felicidade, na visão hedonista e, por fim, não depositamos no consumo a função de contribuir para um aumento de vendas, que atribui ao mesmo uma função utilitária. Ao contrário, nos debruçamos em teorias do consumo que buscam, nas palavras de Canclini (2008) reconceitualizá-lo “como espaço que serve para pensar e no qual se organiza grande parte da racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica nas sociedades” (CANCLINI, 2008, p. 14). Compreendemos, a partir de Slater (2008), que o consumo é sempre um processo cultural, porém, no que tange a cultura do consumo, devemos afirmar ser esta única e específica, pois que designa o modo de reprodução cultural dominante que vem sendo desenvolvido no Ocidente ao longo da modernidade (SLATER, 2008). Não é porque ela é redescoberta a cada tempo que tenha deixado de existir em algum momento. Isso porque, complementa Slater (2008), alguns autores (tal como Baudrillard, que cunhou o conceito de sociedade do consumo e Bauman), entendem que a cultura do consumo é um fenômeno da pós-modernidade. No entanto, nos diz o autor, a cultura do consumo não é uma consequência tardia da modernização industrial e comercial, mas sim parte constituinte da própria modernidade (SLATER, 2008). Podemos verificar, voltando para o período compreendido entre 1850 até 1870, que desde aquele tempo havia a denominada cultura do consumo. Esta provinha dos espetáculos, nos remetendo ao consumo das experiências – verificado em Baudelaire – e, ao mesmo tempo, nos próprios lares, quando a domesticação do consumo toma forma – bebidas, jogos e prostituição que afastam os homens do espaço público (SLATER, 2008). Em 1920, a incitação não se reduz no consumo: extrapola para o consumismo. Agora a produção tem norma definida, é em larga escala, sob determinada padronização, a baixo custo e mediante divisão técnica da mão de obra. Já em 1980, o consumo se transforma em um agente potente perante a sociedade, desta vez por outro sentido: incentivado por Reagan e Thatcher, em seus respectivos países, os indivíduos eram tidos como prioritários, junto de sua família, em relação à sociedade. Tal postura abria espaço e solidificava a preponderância da livre escolha no ato de consumir que se tornaria padrão social obrigatório a expressar dinamismo cívico e liberdade (SLATER, 2008). Atualmente, o que vemos emergir, especialmente no campo acadêmico, é uma divisão entre autores que, filiados ao que denominam como pós-modernidade – cujo aprofundamento

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não realizaremos nessa pesquisa –, compreendem a cultura do consumo enquanto um sistema de signos (ou códigos) que determinam os significados das mercadorias, passando a constituir as pessoas através das subjetividades que são construídas quando da leitura desses textos. (SLATER, 2008). Neste sentido, o consumo se efetiva em signos e não em coisas posto que estas deixam de fazer sentido em razão de sua utilidade, passando a ter valor somente enquanto signo. Compra-se, assim, todo um sistema de significados e não um bem em si: transformou-se a relação do consumidor ao objeto: Já não se refere a tal objecto na sua utilidade específica, mas ao conjunto de objectos na sua significação total. A máquina de lavar roupa, o frigorífico, a máquina de lavar louça, etc., possuem um sentido global e diferente do que têm individualmente como utensílios (BAUDRILLAD, 2010, p. 15-16).

Todavia, nos filiamos a outra corrente que entende o consumo como aquele que “afirma-se como referente fundamental para a conformação de narrativas sobre si e sobre o outro e compõe universos simbólicos repletos de significado, dos mais aterradores aos mais inspiradores” (MELO ROCHA, 2008, p. 129). Na mesma linha temos Slater (2008), para quem a questão do consumo não tem nada de trivial ou banal, tal como rotulam há pelo menos meio século; mais do que isso, traz consigo declarações sociais e políticas: as vontades estão para além daquele bem ou serviço e trazem embutidos desejos por um determinado estilo de vida, por engajar-se nas relações sociais. No âmbito da uma comunidade, nos diz o autor, a reinvindicação perpassa inclusive pela esfera jurídica: há o direito em se ter acesso aos recursos materiais e simbólicos que sustentam a vida (SLATER, 2008). Também comungamos do entendimento de McCracken (1990) que atribui ao consumo relevância muito maior do que a simples redução dele a um caráter utilitário ou mercantil; ao contrário, nos diz o autor, o consumo nos traz signicados culturais (McCRACKEN, 1990). Cultura, para ele, tem um duplo aspecto: fornece significado ao mundo, seja enquanto uma lente – de modo a determinar como o mundo é visto pelos indivíduos–, seja por influenciar no modo como os indivíduos constituem o mundo (McCRACKEN, 1990). E, ainda, em sintonia com Alonso (2006), temos que o consumo “pero sobre todo es, a la vez e indisolublemente, una producción simbólica: depende de los sentidos y valores que los grupos sociales dan a los objetos y las atividades de consumo” (ALONSO, 2006, p. 30). Podemos depreender e concluir que, ao nos referirmos a consumo, estamos a falar, portanto, de fenômenos socioculturais complexos, nas palavras de Melo Rocha (2008). Em uma visão que comunga consumo e cultura, temos que, ao consumirmos interferimos na cultura, de modo a configurá-la: “o consumo é a própria arena em que a

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cultura é objeto de lutas que lhe conferem forma” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 100101). Como exemplo, Douglas e Isherwood (2013) nos trazem as escolhas que uma dona de casa realiza quando de sua chegada ao lar com as compras, designando parte para o marido, parte aos filhos, bem como ao deliberar o que servir aos convidados. Vemos aí sentidos sendo manifestados, ou seja, “essas escolhas exprimem e geram cultura em seu sentido mais geral” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2013, p. 101). Nesta circulação de significados que o consumo opera, entre indivíduos e mundo, onde identidades são assumidas e lugares são reivindicados, recorremos a Baccega (2008) que, reconhecendo também a complexidade do ato de consumir, afirma: “A linguagem do consumo transformou-se numa das mais poderosas formas de comunicação social” (BACCEGA, 2008, p. 3). É neste sentido que temos em Melo Rocha (2008) a reflexão quanto às consequências advindas desta intersecção entre comunicação e consumo: Interessa pensar o consumo através dos impactos socioculturais que se revelam nos fluxos de sentido e de sensação articulados pela produção e pela recepção de produtos midiáticos e dos significados grosso modo políticos da apropriação – particularmente juvenil – de alguns destes produtos e dinâmicas de consumo cultural (MELO ROCHA, 2008, p. 122)

É a partir desta perspectiva do consumo que articulamos o funk ostentação. O consumo deste produto cultural enseja práticas das mais variadas por parte de funkeiros(as) e MC’s, como nos propomos a verificar, no que tange ao gênero feminino, com a análise das composições da MC_Bruninha_sp e mediante um estudo de recepção com mulheres paulistas/paulistanas.

2.8 O que verificamos? Inciamos este capítulo demonstrando a aproximação que realizamos do universo do funk ostentação, da região paulista/paulistana, quando mobilizamos, majoritariamente, pesquisa documental. Pudemos verificar que, a dimensão atual do funk ostentação, tanto foi a possibilitadora do trasladar social de alguns meninos, hoje MC’s, quanto também ganha impulso a partir do sucesso deles. Em nossa pesquisa fica claro que o panorama é dominado por homens, o que nos conduziu então a um segundo momento, em que procuramos verificar, através de contatos com nossa rede de conhecidos/amigos que fossem íntimos ao funk, quanto a existência de uma MC profissional mulher a cantar o funk ostentação na região paulista. De um lado, não conseguimos alcançar o que inicialmente traçamos, mas, de outro conseguimos nos aproximar da MC_Bruninha_sp e do DJ Nando_zl, por meio de quem

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pudemos confirmar a posição marginalizada que é designada para a mulher atualmente no funk ostentação, em São Paulo. Mulher, quando canta, é para cantar putaria. Adentrando ainda mais nesse universo, fomos conhece-lo in loco, quando então realizamos uma pesquisa etnográfica em um baile funk. O artista, Mr. Catra, homem, trouxe também homens ao palco. E às mulheres, estava designado (permitido), o lugar da dança, enquanto plateia. Feita essa aproximação e, constantando o lugar da mulher – que foi por nós eleita como objeto de pesquisa dentro do universo do funk ostentação em São Paulo –, à margem do pólo da produção desse produto cultural, o levamos então ao exame das teorias. Verificamos, com as articulações dos autores e as reflexões empreendidas, que o funk enquanto fluxo de significados e manifestação de sentidos, é cultura. Assim, é também produto cultural, quando pensado dentro de uma indústria que produz cultura. E, enquanto tal, se constitui independente e proeminente em um espaço que aqui denominamos periférico, posto ser aí que o seu sentido é construído e onde sua expressão significa. O funk ostentação, também inserido no contexto midiático, da forma e pelos meios que está, configura-se como um recurso a contribuir para o fortalecimento deste grupo social. Ele é, portanto, parte da mídia e a própria mídia o impulsiona. Por fim, mas não menos importante, verificamos que as composições do funk ostentação comungam articulações respaldadas pelo consumo, que constitui, em nosso entender, uma ferramenta para que compreendamos os códigos e as práticas desse grupo social periférico, a quem o funk significa. No próximo capítulo, nos aproximamos da produção da MC_Bruninha_sp a fim de entendermos, por meio da análise de suas composições, como se constitui a produção feminina nesse subgênero.

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3 O FUNK OSTENTAÇÃO EM SUA PRODUÇÃO: ANÁLISE DAS COMPOSIÇÕES DE UMA ASPIRANTE A MC Discorremos acima sobre o cenário do funk ostentação, concluindo acerca do lugar, à margem, designado às mulheres, no âmbito da produção, quando se trata da região estadual de São Paulo. Analisamos, ainda, esse produto cultural à luz de teorias a fim de delinearmos seus sentidos. Neste capítulo, em sintonia com o segundo objetivo específico definido para esta pesquisa, pretendemos entender a produção feminina no funk ostentação. Para tanto, nos valendo dos instrumentais e dos aportes teóricos da Análise de Discurso de Linha Francesa (ADF), nos propomos a examinar as seguintes composições da MC_Bruninha_sp: Portando os kits, No Estilo Panicat e Forgando de camarote. Deste modo, apoiamo-nos em pesquisas bibliográficas de onde extraímos os fundamentos teóricos articulados pelas autoras Brandão, Orlandi e Baccega; e documental, com a análise das letras e demais fontes tais como sites e notas de aula.

3.1 Caminhos da pesquisa: da produção profissional para a aspiracional Como mencionamos no capítulo anterior, a intenção inicial da pesquisa trazia como norte a produção profissional de MC’s paulistanas que nos pudessem contar, a partir do seu lugar de fala, sobre o feminino no palco. É dizer, intentávamos saber como esse subgênero do funk ostentação, presente em São Paulo, era trazido a esse cenário pelas mulheres. Todavia, ao invés do nome de uma MC profissional, a pesquisa nos trouxe a constatação quanto à dificuldade de inserção, pela figura feminina, neste universo do funk ostentação. No Rio de Janeiro, há que se mencionar, muitos são os nomes de MC’s mulheres, sendo uma delas, a MC Pocahontas, do subgênero ostentação. Mas em São Paulo, o berço dessa vertente, a figura da mulher não aparece enquanto profissional, na qualidade de MC. Essa constatação, ao invés de impossibilitar que nossa pesquisa prosseguisse, nos encorajou a avançar; imergimos no universo do funk a fim de que, deste, pudesse surgir algum contato a nos indicar uma mulher paulista envolvida com o funk ostentação. E, como já discorremos anteriormente, encontramos o DJ_Nando_zl e a MC_Bruninha_sp, que nos auxiliaram a tornar essa pesquisa possível. Após a entrevista em profundidade, realizada no shopping Itaquera, com o Nando e com a Bruna, acertamos que ela nos mandaria suas 30 (trinta) composições a fim de que pudéssemos, em analisando-as, compor o que tínhamos traçado como segundo objetivo específico. A única diferença passaria a ser, portanto, quanto à profissionalização das

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composições: as da Bruna ainda não estão circulando no mercado. O contato com o Nando e com a Bruna tem sido mantido via o grupo de Whatsapp, desde 30 de abril de 2014. Pudemos estar juntos mais uma vez quando de nossa ida ao baile funk, do Mr. Catra, ocasião em que contamos com a presença da Bruna e de sua irmã, Jaqueline (também aspirante a MC, com a alcunha de MC Morena). Em maio, quando da entrevista e em junho, quando de nossa ida ao baile, a Bruna nos prometeu que mandaria suas 30 (trinta) composições. E, se não contávamos com todas, esperávamos receber boa parte delas. O que antes era só uma questão de mandar no dia seguinte, passa a ganhar contornos outros: Bruna nos informa que precisa antes, falar com o seu empresário. Ele precisa autorizar que as composições sejam compartilhadas. Vemos aí uma insegurança da parte dela; uma suspeita e um receio de que pudéssemos prejudicá-la: ela passa a nos questionar sobre o que se trata a pesquisa – embora tivéssemos esclarecido, quando da entrevista realizada meses antes –, elucidamos mais uma vez a finalidade acadêmica, despida de qualquer apelo comercial e muito menos antiético. Diante do silêncio do empresário, nos propomos a conversar com o mesmo: seja via Whatsapp, por telefone ou presencialmente. Ele não pode, pois, nos dizeres de Bruna, “está ocupado”. Após algumas semanas de espera obtemos dela a notícia de que ele aprovou e poderemos receber as composições. Ela nos pede mais um tempo e passados alguns dias nos envia 3 (três) composições. Antes de lamentarmos o número mínimo – se comparado com o que havia sido combinado, em torno de 30 (trinta) –, agradecemos o fato de que tínhamos material para nos debruçarmos. Assim, ainda que poucas, realizamos a análise em cima das 3 (três) composições que a Bruna nos enviou. Isso implica em um capítulo não tão extenso, posto haver uma quantidade bem enxuta de material a embasar nosso estudo. Porém, acreditamos que, de toda a forma, cumpre com o que nos propomos em nosso segundo objetivo específico já que conseguimos entender, através dessas três letras de música, a produção feminina do funk ostentação.

3.2 Discurso: Análise de Discurso de Linha Francesa Temos em Saussure a origem dos estudos de linguagem e, frente a dicotomia entre língua e fala, a exclusão desta última dos estudos linguísticos por parte deste pensador. Saussure elege a língua como objeto de estudo, considerando-a como um sistema ideologicamente neutro, sem sujeito. Bakhtin vai refletir a língua de outro modo: a considera

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um fato social e concreto, fruto da necessidade da comunicação. E além disso, por meio do que cunha como enunciação, o autor propõe as relações entre o linguístico e o social, emergindo daí os vínculos entre linguagem e ideologia (MARCELINO, 2012, p. 70). A ideologia encontra repouso na palavra que a manifesta. Isto porque a palavra expressa, enquanto signo que é, diferentes modos de significar a realidade, carregando a ideologia daqueles que as pronunciam, de modo a aportá-la no mundo. A partir daí, temos em Brandão (2004), ser a linguagem o “lugar em que a ideologia se manifesta concretamente, em que o ideológico, para se objetivar, precisa de uma materialidade” (BRANDÃO, 2004, p. 9). Para a Análise de Discurso, a linguagem – que traz em si a ideologia, como vimos acima –, é a medição que se faz necessária, entre o homem e a realidade natural e social. E essa mediação é o próprio discurso. É por meio do discurso que o homem pode tanto permanecer e continuar quanto se deslocar e se transformar na realidade em que vive (ORLANDI, 2013). Podemos trazer, quanto às origens do que se constitui como Análise de Discurso, duas linhas distintas: a americana e a europeia. Para a primeira, a Análise de Discurso é uma extensão da linguística, ou seja, o que se analisa são os elementos constitutivos do texto; e para a segunda, a Análise de Discurso necessariamente passa pelo contexto externo, incorporando-o (BRANDÃO, 2004). Adotamos na presente pesquisa a corrente europeia, que podemos considerar como sendo de linha francesa; esta aprofunda e define o discurso, como visto, para além da linguística. Para a Análise de Discurso de linha francesa (ADF), a linguagem não é transparente e reside aí um de seus movimentos importantes: a busca por identificar como cada texto significa. E então, o “que temos, como produto da análise, é a compreensão dos processos de produção de sentido e de constituição dos sujeitos em suas posições” (ORLANDI, 2013, p. 72). Ou seja, a composição entre a linguagem, o social, o histórico e a ideologia, garantem um lugar de fala ao sujeito, a ser desvelado pela Análise de Discurso, tanto nos sentidos produzidos, quanto nos lugares ocupados, como nos faz perceber Orlandi (2013). A fim de apreendermos como as letras das músicas, escritas pela MC Bruninha_sp, significam, optamos por adotar um sistema de categorização que tem por intuito viabilizar a análise que nos propomos realizar. Nos amparamos, para tanto, em Orlandi (2013), que nos ensina acerca das categorias teóricas, fundamentadas na ADF.

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3.2.1 Categorização teórica: dispositivos norteadores da análise Consideramos as categorizações teóricas, construídas a partir dos pressupostos da ADF, em consonância com o que nos ensina Orlandi (2013), como aquelas que já nos são dadas; diferentemente das categorias empíricas que são elaboradas pelo analista. Elencamos algumas delas: os sujeitos e a situação, como o que a autora entende compreender serem as condições de produção (ORLANDI, 2013, p. 30); o interdiscurso que traz a denominada memória discursiva (ORLANDI, 2013), ou seja, “aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente” (ORLANDI, 2013, p. 31) e o intradiscurso que se refere ao que é dito no momento (ORLANDI, 2013, p. 33). O esquecimento, por sua vez, concerne à realidade de sermos colocados em discursos em andamento, ou seja, nos iludimos por acreditar originário aquilo que dizemos, quando não o é (ORLANDI, 2013, p. 34). A paráfrase, em seu turno, nos remete ao que se mantém, e “representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer” (ORLANDI, 2013, p. 36) e, em contraposição, temos a polissemia, que joga com a paráfrase no sentido de trazer o “deslocamento, a ruptura de processos de significação” (ORLANDI, 2013, p. 36). A metáfora nos remete à considerar as formações discursivas nas quais estão inscritas as palavras de modo a absorver seu significado em cada situação pois uma mesma palavra pode significar diferente (ORLANDI, 2013, p. 44). Nesta pesquisa monográfica, nossa análise não compreende a identificação dessas categorias teóricas no discurso – aqui materializado em três composições de funk ostentação – da MC Bruninha_sp. Todavia, temos os pressupostos acima trabalhados como norteadores de nossa reflexão.

3.2.2 Categorização empírica: nossos dispositivos analíticos Com o propósito de encontrar os fios discursivos constituintes51 da composição artística da adolescente Bruna, a fim de contemplarmos um dos objetivos específicos desta pesquisa, lançamo-nos à elaboração de categorias empíricas que nos auxiliem na análise. Isto porque, como nos ensina Orlandi (2013), cabe a cada pesquisador, de acordo com as perguntas que formula, a construção do seu dispositivo analítico. Assim, tomando por base as

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Notas de aula ministrada pela professora Rosilene Marcelino para o sétimo semestre na disciplina de PGEMonográfico, no dia 26.08.2014, na ESPM.

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três letras52 sobre as quais refletimos, Portando os kits, No Estilo Panicat e Forgando de camarote, detemo-nos em quatro categorias empíricas: (a) poder; (b) retratação do masculino; (c) ostentação; e (d) identidade.

3.2.2.1 Poder A MC_Bruninha_sp nos traz evidências de seu poder nas três letras analisadas quando se coloca para além de uma jovem: ela se enxerga como uma mulher que está sempre bem vestida, toda trajada bem perfumada, com o batom brilhando e que chega para causar. Isso significa que ela cria, através do seu feminino, uma atmosfera com a sua presença que deixa as recalcada53 em choque quando nosso bonde chega. Além de promover esse recalque nas oponentes do mesmo sexo, ela as deixa sem vez, porque ela é a mais top. Também o seu kit excita54 as novinhas que fica a mil. E não é só em relação ao sexo feminino que percebemos o poder da MC_Bruninha_sp a compor seus fios discursivos. Ela anuncia que o novinho – que reflete o jovem a quem se dirige nas composições e, tal como vemos alhures, é submisso às suas vontades – vai se apaixonar por ela. E ela o avisa que não se iluda porque ela só vive de ostentar. Ela se coloca nessa condição de quem sabe o efeito que provoca como quando afirma que a bolsa é lowis vitton e a sandália é Valentino, pra ganhar um presente desses só basta me ver sorrindo. Dois itens de grife que compõem o imaginário de luxo de algumas mulheres são trazidos pela MC_Bruninha_sp na condição de presentes fáceis, que lhe custam pouco: basta o seu sorriso. E se em muitas o ato de sorrir passa desapercebido, o sorriso dela é tudo; é sorriso capaz de arrebatar objetos de desejo, caros e exclusivos. O mesmo se dá diante do chefe: ela chega no estilo panicat, chamando atenção do chefe e ela sabe que vai conquistar o patrão. E quando a MC_Bruninha_sp afirma para o novinho que tu só botou porque eu dexei, podemos perceber, através do não-dito, de que nos fala Orlandi (2013), uma mulher fazendose senhora de si: ela deixa, ela permite, ela é dona do seu próprio corpo e se o homem botou, 52

Vide anexo C com a íntegra das composições Muitas músicas – especialmente do gênero funk – adotam o termo recalcada para designar aquela mulher que inveja a oponente por não portar certo atibuto que esta crê possuir. Um exemplo para o termo pode ser encontrado na música da MC Pocahontas com o título Recalcada cujo início diz: Tá ligado naquela mina que não gosta de você? Fala mal do teu cabelo, fala mal da tua roupa Sabe o que que é isso? Recalque. Disponível em: http://letras.mus.br/mc-pocahontas/recalcada/ Acessada em set. 2014. 54 O emprego da expressão excitar pela MC_Bruninha_sp, detona sua intenção em demonstrar que as mulheres – a quem ela chama de novinhas – ficaram entusiasmadas com o seu kit. Este, como mencionado ao final da contextualização, designa os acessórios de vestuário que as(os) MC’s e funkeiras(os) imputam a habilidade de conferirem status e prestígio social. 53

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foi porque ela autorizou. Tal empoderamento nos remete a certos artigos acadêmicos que investigam a influência deste sobre os discursos de artistas do funk – como por exemplo, da Valesca Popozuda55: as artistas do funk têm incorporado que as mulheres são donas de si e de seu próprio corpo tal como os homens; nos dizem, muitas delas, que à eles não encontram-se submetidas, mas antes, em situação de paridade56. As letras nos mostram ainda que o poder não se concentra só em relação ao outro(a) mas com relação ao espaço configurado pelo camarote, pela área vip. Para compor o seu espaço reservado, ela convida os mais top pra enfeitar a balada. É ela quem tem controle do camarote e pode convidar os outros que enfeitam a cena que ela protagoniza. Ela diz que ta patrocinando e que no seu camarote são as mais tops que tão forgando. Nada menos que top é permitido em seu território e o poder de patrocinar é dela.

3.2.2.2 Retratação do Masculino O masculino é articulado, na maior parte do tempo, na qualidade de novinho, como visto acima. Para além de sua soberania em relação a esse masculino (que no diminutivo ressalta a preponderância dela), vimos que quando o assunto é poder a MC_Bruninha_sp domina o sexo oposto e conquista tanto o patrão quanto o novinho. Percebemos que ela se coloca como aquela mulher que pode dominar/conquistar o homem, qualquer que seja ele, mais novo, mais velho, aquele sobre o qual ela tem poder de mando ou aquele que manda nela, ao menos na realidade do trabalho. Ressalva seja feita que o poder de mando a que a MC_Bruninha_sp se refere nesse contexto, ou seja, aquele poder masculino capaz de mandar nela, está restrito ao âmbito profissional. O homem manda, porém na qualidade de chefe, e naquilo que pertine às suas atribuições enquanto tal.

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Disponível em: http://m.extra.globo.com/noticias/brasil/valesca-popozuda-vai-pagar-viagem-de-professoraque-citou-em-trabalho-academico-congresso-nos-eua-13406981.html http://marivedder.files.wordpress.com/2013/04/marianagomescaetano_projeto_de_mestrado_ppcult_2013.pdf http://blogueirasfeministas.com/2013/04/papo-de-academia-lattes-que-eu-to-passando/ http://blogueirasfeministas.com/2014/08/funk-e-feminismo/ Acesso em ago. 2014 56 Sonho com o dia que vão parar de rotular as mulheres de puta ou piranha por causa de sua postura de vida, por causa de um determinado trabalho, como é o meu caso. Ninguém tem que julgar ninguém por causa do seu corpo. Por que a mulher que beija dois é piranha e o cara que beija duas é garanhão? / Sempre fui independente, paguei minhas contas e na relação homem e mulher não é diferente. Nunca abaixei minha cabeça para homem, nem deixo mandar em mim. Também nunca deixei ninguém me encostar, nunca dei confiança e se encostar, bato também. Trechos da fala da Valesca extraídos do blog: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2012/06/as-declaracoes-feministas-de-valesca.html. Acesso em ago. 2014. Verificamos que a autora do artigo não considera a Valesca como uma artista que incorpora o feminismo em todas as suas manifestações porém reconhece algumas de suas contribuições para o empoderamento das mulheres com quem dialoga.

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E ela também canta para aquele homem bonito, para o gato, pedindo pra ele a bancar. Nesse momento utiliza de sua sensualidade e diz vai fazer gostozo só pra te satisfazer [o homem gato]. Para conseguir o que quer oferece suas artimanhas: vou rebolando mais um pouco. Ou seja, de maneira direta a MC_Bruninha_sp nos diz qual é o seu real interesse: se o homem sustentar suas vontades ela rebola; ela lhe propicia prazer da ordem do sensual. Vemos aí uma mulher rebolando para ter aquilo que quer. Ela não é objeto sexual, dominada pelo homem, mas ao contrário, oferece o que ele quer para obter o que deseja.

3.2.2.3 Ostentação A ostentação dá nome ao subgênero do funk que investigamos. Segundo nos conta Freire (2012, p. 4), MC Guimê, ao ser questionado por Danilo Gentili no programa Agora É Tarde, em 2012, sobre o que é o funk ostentação, afirma: “realidade de alguns e vontade de outros”. Mais adiante em seu artigo, a autora nos diz que, ao analisar a canção Imagine eu de megane (do MC Boy do Charmes), constata que neste subgênero encontramos “elementos que expressam alcance de certo status social, como por exemplo, a marca do carro, a posse de moedas como dólar e euro, o relógio, o tênis e o perfume de grife internacional” (FREIRE, 2012, p. 5). Portanto, as letras que partem desse subgênero contêm todas elas essa característica que lhes é peculiar: a de ostentar e as da MC_Bruninha_sp não fogem à regra. Ela se identifica com o estilo da mulher panicat, que se refere às assistentes de palco do programa Pânico57 veiculado atualmente pelo canal televisivo da Band. No entanto, por ser ela uma aspirante a MC no subgênero da ostentação, suas letras não trazem um estilo definido quando fala das marcas que usa/gosta. Seguindo o conceito de ostentação, ela se identifica como aquela que gosta (e pode gastar). Por isso, exibe um perfume que considera como sendo o mais caro (Egeo, do Boticário), além de nos trazer marcas de roupa (Abercrombie, Lacoste e Hollister) e dois modelos de tênis (12 molas e 1.000), respectivamente das marcas Adidas e Mizuno. Também aparecem as marcas Maria Gueixa – voltada para o público feminino, aposta em mulheres sexy – e Lui Lui – com uma abordagem mais para o estilo moda praia, surfista. E ainda Louis Vuitton e Valentino, com preço que ultrapassa as demais. Percebemos que as marcas mencionadas não se encontram em paridade de preço, nem de status, nem se direcionam para o mesmo público-alvo. Além disso, destacamos a presença do tênis esportivo, por vezes, e de sapatos, em outros momentos, o que já traz mostras de um 57

Disponível em http://entretenimento.band.uol.com.br/paniconaband/ Acesso em set. 2014.

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estilo não coeso. O mesmo se dá com os veículos automotores: vão desde as motos Hornet e R1, além dos carros Camaro e HB20. Temos ao mesmo tempo um carro na faixa de R$200.000,0058 e outro na faixa de R$35.000,0059.

Figura 5 – Panicats do programa Pânico60 Fonte: site R7 da globo.com É dizer, portanto, que os elementos estão aí: MC_Bruninha_sp fala das marcas, das variedades das categorias, e assume seu lugar como portadora desse kit. Mas permanecemos com a percepção de que não existe – ao menos nestas composições – um estilo único a definir quem seja, a Panicat MC_Bruninha_sp. Atribuímos, e isso em nosso entender, tal indefinição ao fato de ser a Bruna uma aspirante a artista. Uma jovem de 18 anos que sonha em se tornar uma MC mas que ainda não o é. E essa condição espelha suas composições. Para além disso podemos articular como possibilidade, o entendimento de que há um distanciamento entre o discurso presente nas composições analisadas e a apropriação deste enquanto parte constitutiva da mulher Bruna. Sob esta perspectiva, as marcas passam a compor universos que são distantes da MC_Bruninha_sp. Talvez sejam universos almejados, como vimos, mas não incorporados em uma apropriação material capaz de configurar sentidos.

3.2.2.4 Identidade Nesta categoria empírica, pretendemos observar quais os elementos constitutivos da identidade da MC_Bruninha_sp. Atemo-nos aqui, à concepção pós-moderna de Hall (2005) quanto a não fixação em uma única identidade, pois reconhecemos, em consonância com o 58

Disponível em: http://www.chevrolet.com.br/carros/camaro.html Acesso em ago. 2014 Disponível em: http://www.hyundai.com/br/pt/Showroom/Cars/HB20/PIP/index.html Acesso em ago. 2014 60 Disponível em: http://entretenimento.r7.com/blogs/fabiola-reipert/panico-pretende-colocar-panicats-para-secomerem-vivas/2013/01/30/ Acesso em set. 2014 59

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autor que “Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” (HALL, 2005, p. 13). O autor nos fala de identidades possíveis ao invés de identidades imutáveis; o que perpassa o discurso da MC_Bruninha_sp na sua condição de aspirante a artista. Obervamos, em momentos distintos, seja na apropriação de elementos artíticos de cantores já profissionais – como é o caso dos títulos das músicas que remetem a composições ja existentes61 –, seja na sua definição em relação ao seu estilo, que a MC_Bruninha_sp não se resume a uma só. Ela perfaz essa condição da qual nos fala Hall (2005) e afasta-se da comodidade, cunhando-se e transformando-se continuamente a fim de constituir a sua história. Em suas composições ela nos fala sobre causar e zoar: é mulher que chega para impressionar e que altera o ambiente por qual passa. Zoar, no sentido que enxergamos, de bagunçar, traz uma MC_Bruninha_sp se colocando em posição ativa, para além de timidez ou recalque: ela quer desordenar as coisas. Em outra passagem nos diz que chega de pulo do gato, o que complementa nossa percepção de que ela se assume esperta, malandra, como aquela que quando menos esperam aparece e vem para causar, vem para zoar. Tais impressões nos fazem presumir também que a MC_Bruninha_sp não carrega dúvidas consigo: ela sabe onde e como chegar: na transparência, afirma. Percebemos aí uma valoração atribuída à honestidade, indicativo de uma construção positiva de caráter. E, como vimos, a MC_Bruninha_sp também afirma a sua identidade perante um outro a quem chama de novinho. Ela nos conta sobre o menino, que ele vai se apaixonar, e sobre ela mesma, que ela é quem causa esta paixão. Ela, portanto, se identifica como sujeito que causa desejo no menino mais novo. E mais, avisa para que ele não se iluda, porque casamento não é o seu dilema: ela vive mesmo é de ostentar e gosta de ser solteira. MC_Bruninha nos conta sobre aquilo que aprecia (ostentar) e nos mostra com isso, para além de seus gostos, o seu estilo de vida. Aliás, ela não se contenta com pouco, seu negócio é ostentar. Temos aí um indicativo de quem ela é, neste momento de sua vida: uma mulher que quer muito e para além de ter esse

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Portando os kits é uma música do MC Thiaguinho. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=O0EzkgfvS3A Acesso em ago. 2014 Forgando de camarote é uma música do MC Dinho. Disponível em https://soundcloud.com/emicifernandinho/mc-dinho-cba-forgando-de Acesso em ago. 2014 No Estilo Panicat é uma canção da dupla Rodrigo e Led, com participação do Mr. Catra: Disponível em: http://www.vagalume.com.br/rodrigo-e-led/estilo-panicat.html Acesso em ago. 2014

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muito, quer mostrar, quer ostentar. Faz disso o seu negócio. Atribui, portanto, significado e importância para a ostentação, tal como se fosse uma profissão. A ostentação enquanto característica constituinte de sua identidade aparece mais uma vez em sua terceira música: Se o lema é ostentaçao pode pá que nois roba a cena, chega na pura humildade ha! Esse é o dilema. Ostentar é tido como seu lema: a MC_Bruninha_sp precisa mostrar aos outros o que possui para sentir-se sendo MC_Bruninha_sp. É sua atividade fim; é parte de quem ela é. Referenciada pelo outro, ela atribui significado a si mesma. E como vimos, ela nos conta do seu estilo Panicat. Além de referir-se à figura da mulher midiática, MC_Bruninha_sp está a nos afirmar que se enxerga dentro dos padrões sociais/midiáticos que exaltam e promovem a mulher com curvas e gostosa.

3.3 Construções de uma aspirante a MC: o que verificamos? Em sua obra acerca da questão do corpo, em que Louro (2000) nos transmite ensinamentos sobre pedagogias da sexualidade, ela nos coloca a condição do sexo feminino para além da norma definida socialmente, qual seja, o homem branco, heterossexual, de classe média e cristão. À parte disto, nos diz a autora, encontram-se os demais e inclusive as mulheres. Em sua concepção, a estas cabe a representação do segundo sexo assim como aos homossexuais, o rótulo de desviantes da norma sexual tida como normal (LOURO, 2000, p. 9). Buscando compreender a hierarquização da qual nos fala Louro (2000), encontramos em outro autor, Lipovetsky (2000), um panorama daquilo que ele cunha como primeira, segunda e terceira mulher. Advindo da concepção de que a era contemporânea inaugura um novo tempo para a mulher, o autor conceitua as três fases do feminino que vislumbra ao longo da História: a figura da primeira mulher, que perdura até o século XIX, crava-se como um “mal necessário, confinado nas atividades sem brilho, ser inferior sistematicamente desvalorizado ou desprezado pelos homens” (LIPOVETSKY, 2000, p. 234). A concepção da segunda mulher, surgida já desde a Idade Média e que paulatinamente substitui a primeira, traz a idolatria como atmosfera que cerca o feminino: ao invés de demonizadas, elas são idolatradas, sacralizadas: “nunca a mulher foi tão venerada, adorada, idealizada: criatura celeste e divina, ‘objetivo do homem’ (Novalis), mãe sublime, ‘futuro do homem’ (Aragon),

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musa inspiradora, ‘mais alta possibilidade do homem’ (Breton)” (LIPOVETSKY, 2000, p. 235). A terceira mulher, o autor considera como sendo a que prevalece na sociedade atual descrevendo-a como aquela “sujeita de si mesma” (LIPOVETSKY, 2000, p. 237) e complementa: Ali onde as determinações eram mecanicistas, há lugar agora para escolhas e arbitragens individuais. Antes os modelos sociais impunham imperativamente papéis e lugares, agora já não criam mais que orientações facultativas e preferências estatísticas. Aos papéis exclusivos sucederam as orientações preferenciais, as escolhas livres dos protagonistas, a abertura das oportunidades (LIPOVETSKY, 2000, p. 239)

Concordamos com Louro (2000) quanto à norma social vigente, assim como assentimos com as concepções de Lipovetsky (2000), especialmente no que tange a terceira mulher. Inclusive, o que apreedemos do discurso da MC_Bruninha_sp nos faz acreditar em sua inserção, enquanto aspirante a artista e na sua condição de mulher, nesta representação do feminino cunhada pelo autor. Isto porque, nas categorias empíricas trabalhadas, se faz presente uma variedade de papéis e lugares ocupados pela MC_Bruninha_sp, indo desde a mulher que se empodera em relação às outras como em relação ao próprio homem. Mulher que se coloca no lugar de oferecer ao novinho o seu camarote mas que também aceita dele, a preço de só um sorriso, uma bolsa ou um sapato de grife. Às outras, MC_Bruninha_sp atribui a rivalidade como tônica em seu discurso: se vê como a mais top e as coloca na posição de recalcadas. Suas preferências também deixam transparecer uma mulher almejando sentir-se bonita, atraente, ao invés de se preocupar em imprimir um estilo coeso e unitário nas marcas que opta por ostentar. Quanto ao homem, vemos MC_Bruninha_sp colocando o gênero feminino tanto no lugar daquela que domina o parceiro quanto daquela que se permite ser útil a este, se ele lhe bancar, nos mostrando haver aí escolhas livres, sobre as quais nos refere Lipovetsky (2000). E ainda, de acordo com o que nos ensina Hall (2000) sobre as identidades possíveis, a MC_Bruninha_sp nos diz sobre uma mulher forte, que chega nos lugares para causar. E, por fim, é, ela mesma, uma mulher que enfrenta um preconceito, ainda que opaco, na medida em que São Paulo abre espaço aos homens, e não à ela(s). Feita a análise do discurso da MC_Bruninha_sp e, retomando os entendimentos aos quais nos filiamos no momento em que refletimos sobre consumo, temos em Slater (2008) que quando um indivíduo consome ele realiza declarações sociais e políticas. Suas vontades, como vimos, estão para além daquele bem específico pois a relação que estabelece ao

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consumir expressa desejos impingidos. O indivíduo deseja se engajar em uma determinada relação social, em um determinado estilo de vida. Podemos observar que a MC_Bruninha_sp, ao nos dizer a respeito das marcas, sem comungar em seu discurso uma preferência coesa, a definir-lhe um determinado estilo de vida, está a nos demostrar duas coisas: (i) para além de marcas e estilo, interessa-lhe sentir-se bonita, atraente e (ii) há um distanciamento entre a realidade cantada e a apropriação material desta realidade. Sua declaração social e política, no caso, não está em consumir a marca que canta (consumo este simbólico, posto estar inserido na letra da música), mas sim em manifestar seu desejo por este consumo. E, em sintonia com o autor, imaginar-se nesse lugar, daquela que consome as marcas das quais nos fala, traz à MC_Bruninha_sp uma construção de um estilo de vida almejado e a possibilidade de uma outra inserção social. A música está a nos mostrar, portanto, o paradoxo do sujeito contemporâneo articulado por Hall (2000), a quem é possível alternar escolhas e constituir, a partir de um leque variado de opções, a sua identidade. Aqui também podemos dizer, nos ancorando em McCracken (1990), que as composições da MC_Bruninha_sp deixam transparecer mais do que uma jovem: é uma mulher que se coloca perante o mundo, independentemente diante de qual gênero. É sua marca colocar-se na realidade e apresentar-se como a mais top dentro desta. Além disso, observamos que ostentar é sua atividade constitutiva primária, quase como se fosse uma profissão. No que pertine as relações amorosas, é o seu status, e por escolha, ser solteira. Acreditamos ser através desses elementos que a MC_Bruninha_sp vai constituindo o mundo e se constituindo com ele. Uma vez compreendido o funk ostentação no viés da produção feminina, nos propomos, no próximo capítulo, a desenvolver um estudo de recepção deste funk ostentação composto pela MC_Bruninha_sp, conduzindo, junto a um grupo de mulheres paulistas, entrevistas em profundidade e grupos de discussão a fim de verificarmos de que modo esse produto cultural é por elas recebido e ressignificado.

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4 O FUNK OSTENTAÇÃO E SUA RECEPÇÃO ENTRE MULHERES PAULISTAS No capítulo anterior, nos aproximamos das composições da MC_Bruninha_sp a fim de entendermos a mulher na condição daquela que produz o funk ostentação. Neste momento, buscando perfazer o nosso terceiro objetivo específico, qual seja, o de desenvolver um estudo de recepção desse produto cultural, voltamos nosso olhar também para as mulheres – força motriz a conduzir nossa pesquisa. Temos por intenção compreender, junto às mesmas, como se apropriam e ressignificam os sentidos manifestados pelo funk ostentação e, em especial, no que concerne a produção da MC_Bruninha_sp. Qual o diálogo que se estabele entre a mulher que canta e a mulher que escuta o funk ostentação? As mulheres de quem nos aproximamos para os estudos de recepção têm, como característica em comum, o fato de trabalharem em um escola da rede pública do ensino fundamental de Taboão da Serra, o que se encontra justificado no subitem abaixo. E, por esta razão, introduzimos nesse capítulo o exame de mais dois eixos teóricos: comunicação e educação – além dos estudos de recepção que já o compunha. Para tanto, mobilizamos pesquisas bibliográficas a partir dos autores Martín-Barbero, Canclini, Orózco-Gómez, Baccega, Melo Rocha, Citelli, Fígaro, Sena, Gomes, entre outros; bem como nos valemos, dos instrumentos da pesquisa qualitativa tais como a entrevista em profundidade, realizada com a coordenadora e uma professora da escola EMEF Machado de Assis, e de um grupo de discussão sobre o funk, realizado com doze professoras. E, em uma segunda visita, dessa vez com nosso olhar voltado aos estudos de recepção, apresentamos a quatro professoras as três composições da MC_Bruninha_sp.

4.1 Caminhos da pesquisa: das moradoras de comunidades paulistas até as professoras Depois de iniciada nossa pesquisa, com o olhar voltado para a mulher no funk ostentação, duas direções distintas daquelas incialmente pensadas se apresentaram, tanto na produção quanto na recepção. Já mencionamos o encontro com a MC_Bruninha_sp e, neste subitem nos propomos a discorrer sobre como se deu e quais motivos nos levaram até a coordenadora e as professoras da escola pública de ensino fundamental de Taboão da Serra, a EMEF Machado de Assis. Nosso intuito inicial era o de investigar a apropriação e a ressignificação do funk ostentação por parte das mulheres, moradoras de comunidades paulistas. Todavia, ao longo do mês de setembro de 2014, quando iniciamos nossos esforços para a construção deste capítulo,

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no qual proporíamos um grupo de discussão às mesmas, nos deparamos com a resistência (e posterior negação) das mulheres em aderir à pesquisa. Atribuímos essa resistência/negação ao imaginário que circula no universo do funk que traz a ideia de que “mulher para casar vai em baile sertanejo” – fala que provém, inclusive, de uma das possíveis entrevistadas quando de sua justificativa em não aderir ao grupo de discussão proposto. Ou seja, nos vimos mais um vez em um contexto onde a própria alteração nos caminhos da pesquisa nos indicava um sentido. Neste caso, estava expresso: o homem, quando quer mulher “direita” (e por direita entenda-se ajuizada, comportada, boa para casar), não a procura em um baile funk. Tanto essa fala provinda de uma mulher com quem estabelecemos contato para possível participação no grupo de discussão, quanto a negação de todas as outras a quem propusemos a conversa, deixam evidente que perpassa em parte do universo feminino a vergonha em participar/gostar de baile funk, face um preconceito velado que permeia esse universo. De novo, vemos repetido aqui o lugar de margem que verificamos no polo da produção: se para produzir a elas fica designado o papel do pornográfico e da putaria, aqui, quando queremos escutá-las, as vemos se manifestando justamente a partir desse lugar que os homens/sociedade as colocam: o lugar do silêncio. Assumir gostar de funk seria pretexto para associá-las a uma fama negativa – em seu entender. E, o que está a falar aí é o preconceito, o medo e a moral vigente, que, com seus discursos, não permitem seja o funk reconhecido publicamente como parte do universo cultural dessas mulheres. Tivemos outras situações no decorrer da pesquisa a indicar que, para determinadas mulheres (e, em nosso caso, para todas que abordamos), o funk é motivo de vergonha. É assunto que deixa na mulher a marca da putaria, daquela que não serve para casar. Um desses exemplos diz respeito a uma jovem, com quem buscamos informações sobre bailes funk, logo no início de nossa aproximação ao objeto estudado. Assim o fizemos porque em seu facebook era possível vê-la em bailes de funk. Porém, a jovem ficou ofendida e armou-se, em sua defesa, dizendo que “não tem e nem nunca teve contato com este tipo de música”, que o que ela frequenta é “o baile sertanejo”. Imaginou, inclusive, que fosse uma “armadilha da tia”, que nos passara o telefone, querendo se intrometer em sua vida para vigiá-la. Quando nos vimos, já em outubro, sem nenhuma mulher de comunidades paulistas, com quem pudéssemos conversar e dar continuidade a pesquisa, recorremos a uma visita, que tínhamos realizado no dia 3 de setembro deste ano, à escola EMEF Machado de Assis, em razão de nosso interesse voltar-se, também, aos campos da comunicação e da educação.

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4.2 Das visitas realizadas na EMEF Machado de Assis Fomos à escola em dois momentos distintos. Em um primeiro, como dissemos, no início de setembro, quando a finalidade não dizia respeito especificamente a este trabalho monográfico. Em virtude das contribuições obtidas, acreditamos, com a entrevista em profundidade realizada com a coordenadora e uma professora, bem como com o grupo de discussão, realizado com doze professoras, acerca do funk, funk ostentação, e funk no ambiente escolar e, considerando ainda, que não dispúnhamos de mulheres paulistas moradoras de comunidades, para realizarmos um estudo de recepção acerca das músicas da MC_Bruninha_sp, incorporamos este material na presente monografia. De forma que então, realizamos articulações em torno dos eixos da comunicação e da educação, para posteriormente analisarmos a entrevista em profundidade e o grupo de discussão. Já em outubro, mais especificamente, dia 18 de outubro de 2014, conseguimos, junto a coordenadora da EMEF Machado de Assis, a liberação para mais uma visita quando então pudemos levar as 3 (três) composições impressas da MC_Bruninha_sp e lá, realizamos um estudo de recepção com quatro professoras – diferentes de quando da primeira visita –, acerca da produção da Bruna, utilizando, para tanto, a técnica do grupo de discussão. Deste modo, o presente capítulo conta com a mobilização de articulações teóricas sobre os eixos da Comunicação e da Educação, seguidas das análises do material obtido quando da primeira visita e, em um segundo momento, com articulações teóricas acerca dos estudos de recepção, com a posterior análise da recepção das composições da Bruna pelas professoras presentes no grupo de discussão.

4.3 Um olhar sobre os campos da comunicação e da educação Nessa pesquisa nos apoiamos, como ponto de partida – tal como visto no segundo capítulo –, na necessidade de se enxergar para além da realidade posta pelas fronteiras do senso comum, que reduz o consumo, via de regra, ao consumismo. Somente compreendendo o consumo como “um processo em que os desejos se transformam em demandas e em atos socialmente regulados” (CANLINI, 2008, p. 65) podemos vislumbrar significados a partir dos discursos contidos no funk ostentação.

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Neste sentido, trazemos Melo Rocha (2008) para quem consumir “é muito mais do que mero exercício de gostos, caprichos ou compras irrefletidas, mas todo um conjunto de processos e fenômenos socioculturais complexos” (MELO ROCHA, 2008, p. 120). O consumo, nos diz a autora, permite ao jovem a construção de um universo imagético, a partir do qual podem se constituir suas identidades (MELO ROCHA, 2008). Temos nas palavras de Baccega (2012) que “comunicação e consumo formam um todo indivisível, interdependente. Estão juntos na mídia em geral e/ou na comunicação interpessoal” (BACCEGA, 2012, p. 253). Consideramos, a comunicação, como uma condição da sociedade contemporânea que permeia, na qualidade de protagonista, suas transformações (ORÓZCO-GÓMEZ, 2014). Se a comunicação não pode ser afastada do consumo, tampouco é passível de desconsideração quando do exame transdisciplinar da realidade. Quando mencionamos comunicação, estamos a falar na dimensão do que nos aponta Citelli (2010) como sendo, esta: “estratégica para o entendimento da produção, circulação e recepção dos bens simbólicos, dos conjuntos representativos, dos impactos materiais” (CITELLI, 2010, p. 15). E a comunicação, estratégica para que entendamos o contexto social por onde circulam os bens e por onde circulamos, pode ser articulada a partir dos meios de comunicação, que despontam como agência socializadora – e não mais somente a família, a escola e a igreja, isto é, as agências tradicionais. Os meios de comunicação estão a disputar espaço para exercer papel na formação dos valores dos sujeitos, para a construir sentidos na sociedade (BACCEGA, 2009) na medida em que: “com ou sem a presença física de aparelhos de mídia, todos participamos da cultura que os meios de comunicação ajudam a construir” (BACCEGA, 2008, p. 1). Entendemos, portanto, que os meios de comunicação de massa (rádio, TV, cinema) aliados ao consumo, trazem possibilidades para os sujeitos não somente de se inserirem no mundo como primordialmente reconhecerem-se enquanto sujeitos: Nas chamadas sociedades midiáticas, estruturadas em torno das redes de comunicação massivas e segmentadas, determinadas lógicas de consumo dependem visceralmente da cultura da visualidade, do espetáculo e da ideologia do entretenimento. A sociedade do consumo é também uma sociedade do consumo da comunicação (MELO ROCHA, 2008, p. 129)

Neste ponto, retomamos Baccega (1999) que nos mostra o lugar da comunicação então como a mediação necessária entre os indivíduos e o mundo. Para que tal aconteça, rememora a importância da linguagem (em todas as suas manifestações) a aportar e elucidar significados nas e das realidades cotidianas (BACCEGA, 1999).

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Como ilustra Martín-Barbero (2014): “Pensar a linguagem como mediação é pensá-la ao mesmo tempo como feita de signos e prenha de símbolos” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 31, grifos do autor). E prossegue: “A aproximação à vida profunda da linguagem como comunicação nos descobre feito de perguntas essencialmente ansiosas de resposta” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 31, grifos do autor). Poranto, falar em comunicação é também falar sobre o que Paulo Freire (Apud MarínBarbero, 2014) denomina de estrutura dialógica. Ou seja, temos nosso olhar voltado para a linguagem, que esboça em cada um (e traz de cada um), a potência de constituir o seu lugar no mundo: “é certo que, sempre que um homem fala, ele utiliza um código que partilha com outros, mas de onde fala, com quem e para quê?” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 29, grifos do autor). Ou seja, a comunicação desvela linguagens que, por sua vez, desvelam sentidos e sujeitos. Com Baccega (2009) também aprendemos sobre a edição do mundo que é apresentado nas telas e notícias, através dos meios de comunicação e das mediações da realidade. Nos é dado a conhecer aquilo que é selecionado para tanto. Sem reduzir a capacidade da audiência – ao contrário, incentivando a mesma -, a autora enxerga na intersecção da comunicação com a educação, a possibilidade de instrumentalização dos indivíduos para um olhar reflexivo sobre essa realidade editada (BACCEGA, 2009). Os encontros, entre os campos da comunicação e da educação não se reduzem a questão da presença (ou não) das tecnologias em sala de aula. Como vimos, quando pensamos em comunicação estamos a falar tanto dos meios de comunicação quanto de uma estrutura dialógica de modo que passa a ser um “desafio do campo da comunicação/educação levar a saber ler e interpretar o mundo que, metonimicamente, nos é passado como sendo a totalidade e conseguir reconfigurar essa totalidade” (BACCEGA, 2009, p. 23). E nessa leitura de mundo encontra-se incluída a leitura que fazemos da mídia, através da mídia e com a mídia. Ela, que exerce papel fundamental na cultura, relembra o lugar prioritário da comunicação/educação no campo de pesquisa da comunicação (BACCEGA, 2009). Quando a comunicação e educação permitem ao indivíduo colocar-se, bem como compreender a si e aos outros no mundo, constituem-se pontes para o olhar e a postura reflexiva diante da realidade. É a partir desse olhar que passamos às análises da entrevista em profundidade e dos grupos de discussão realizados na EMEF Machado de Assis, tendo como temática o funk ostentação, a partir das perspectivas femininas da coordenadora e de professoras da escola da rede pública municipal de ensino fundamental.

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4.4 Primeira visita à EMEF Mcahado de Assis: o funk para a coordenadora e uma professora – etapa qualitativa da pesquisa Desde o primeiro momento em que nos aproximamos da escola EMEF Machado de Assis, fomos bem recebidas. A qualidade de pesquisadora não constituiu empecilho para que a escola pública municipal, de Taboão da Serra, nos abrisse seu espaço. Chegada a data marcada, nos deslocamos para a escola e, já no caminho fomos nos deparando com uma realidade outra, distinta daquela que prevalece ao redor de escolas e faculdades particulares. O espaço que se descortinava aos nossos olhos, por si só, conferia sentido a nossa pesquisa. Conforme adentrávamos na comunidade que abriga a escola, nos aprofundávamos no espaço de uma favela e o que visualmente se anunciava naquele momento, seria percebido (sentido) nas falas da coordenadora da escola e da professora, com quem estabelecemos um primeiro contato. Quando chegamos à EMEF Machado de Assis, notamos os seus contornos a darem sentidos: de um lado, toda gradeada, transmite a sensação de aprisionamento. De outro, as grades simbolizam também a separação do espaço do saber, cercado, protegido. O mesmo paradoxo notamos com as flores: por fora, no jardim, rosas, vivas. Dentro do ambiente escolar: flores de plástico, que não morrem. Na parede um quadro de Machado de Assis a nomear e referenciar o espaço. Os minutos de espera foram mínimos e, sem que a tivéssemos visto sequer uma vez, a coordenadora nos recebe com um abraço caloroso. Adentramos na escola e percebemos algumas crianças, poucas, no páteo. Presumimos estarem nas salas de aula. Sentadas nas mesas, coletivas, estavam funcionárias da escola, acreditamos que da cozinha. Uma senhora separava feijão. E ao lado, na cozinha especificamente, havia mais algumas, e uma delas cortava legumes. A cozinheira, o feijão, os legumes, o fazer, indicavam um espaço de acolhimento, de infância que recebe, ainda que só na escola, merenda e cuidado. Fomos então conduzidas a uma sala de reunião, para uma conversa com a coordenadora e uma professora. Elas teriam um pequeno intervalo antes de as professoras do próximo turno assumirem, de modo que poderíamos conversar. A sala, ampla, contava com uma mesa comprida no centro e estava circundada por computadores que pareciam não ser usados. Eram monitores aos montes, todos encostados.

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Ali estava o saber em forma de tecnologia, que, naquele espaço e contexto, demonstrava-se sem uso e inacessível. Antes de iniciarmos a entrevista, a coordenadora nos pede sigilo dentro da pesquisa. Teme possíveis consequências caso seja identificada pois, esclarece, estamos em uma escola que precisa estabelecer diálogo com o tráfico da comunidade e tem autorização, deste, às vezes tácita, outras manifesta, para ocupar aquele espaço; sendo então impensável que se divulgue seu nome ou o de qualquer professora. Portanto, a ela atribuímos aqui o nome de Coordenadora – e a professora de educação física denominamos Professora EF, buscando, com isso, preservá-las. Entramos em contato, a partir do lugar de fala delas, com o funk no ambiente escolar e com o funk na sala de aula, mas, para além disso, com a infância que vive naquela região e com a realidade de uma escola de dentro da periferia. A entrevista em profundidade ultrapassa os limites da música e dá espaço para que sentidos outros se manifestem. Desde as denúncias do que a escola é obrigada a fazer até a relação com o tráfico, passando pelo desmoronamento emocional da Coordenadora quando nos narra as histórias do aluno 1 e do aluno 2, vemos, a todo instante, a instabilidade do tecido social a permear a realidade daqueles alunos, pais, coordenadora, professores, e por que não, da própria escola.

4.4.1 O olhar para a música: do bom gosto ao funk Quando do início da entrevista, a Coordenadora se afirma como uma pessoa “eclética” mas ao mesmo tempo com “um bom gosto musical vindo de MPB, daquela coisa de raiz, de Milton, de Chico”. Diz tentar trabalhar em sala de aula com “coisas assim como Adoniran Barbora, Chico Buarque de Holanda, trazer coisas boas para os alunos, porque é um universo que eles desconhecem, né?”. Vemos aí pistas da ideia de que existe uma alta e uma baixa cultura: uma que seria boa, enriquecedora e outra que seria desqualificadora. Nos valemos de um texto de Da MATTA (1981) para elucidar que o funk, seja ele ostentação ou de qualquer outra vertente, na ótica da Coordenadora, é oposto a cultura que enobrece: Todas as formas culturais ou todas as ‘sub-culturas’ de uma sociedade são equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto importante que não pode ser esgotado completamente por uma outra ‘sub-cultura’. Quer dizer, existem gêneros de cultura que são equivalentes a diferentes modos de sentir, celebrar, pensar e atuar sobre o mundo e esses gêneros podem estar associados a certos segmentos sociais. O problema é que sempre que nos aproximamos de alguma forma de comportamento e de pensamento diferente, tendemos a classificar a diferença hierarquicamente, que é uma: forma de excluí-la (Da MATTA, 1981, p. 2-3)

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A referência da Coordenadora para o que é de boa qualidade repousa na MPB, naquilo que tem longevidade e tradição: “quando você pega um aluno que conhece uma música de MPB você fala caramba, o pai e a mãe, o avô e a avó já ouviam”. É a solidificação ao longo do tempo, proveniente da tradição instaurada, que confere, para ela, valor à música e não ao funk, que tem origem e diálogo com a comunidade. Esse gênero musical foi introduzido no universo da Coordenadora por seu filho, um jovem de 19 anos, que passou a escutar funk a partir de um amigo carioca. Ela considera como sendo “coisa de baixo nível mesmo” e, por trabalhar em uma escola que está inserida em uma comunidade “meio barra pesada” ela acredita que a escola tem que lidar com autoridade. Seu discurso é marcado pela imposição que a escola faz aos alunos em forma de proibição: a gente tem o cuidado de não tentar impregnar a sala de aula principalmente, então quando a gente já vê um aluno pá, pá, pá, querendo começar, a gente já corta. É um boicote mesmo. Muitas vezes a gente não sabe a letra, então eles começam e a gente fala, hum é funk, dá uma ouvida e dá uma cortada

Vemos palavras fortes tal como o verbo impregnar: é como se o funk fosse mesmo uma peste a contaminar a escola, a sala de aula, os seus alunos. A postura da Coordenadora é bem clara nesse início de entrevista: ela quer banir o funk da escola. Embora algumas professoras introduzam esse gênero musical em sala de aula, o que percebemos em seu discurso é a negação deste enquanto instrumento pedagógico. Ao seu ver, o funk não tem potencial para estabelecer a estrutura dialógica entre os alunos e os professores; entre os estudantes e os conteúdos que devem ser transmitidos. E nos valemos, nesse ponto, de Paulo Freire (apud SENA, 2008), para lançar a reflexão de que: A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se na compreensão dos homens como seres ‘vazios’ a quem o mundo ‘encha’ de conteúdos (FREIRE Apud SENA, 2008, p. 37).

Sem buscar por respostas definitivas, nos questionamos se repudiar o funk seria uma forma de fazer valer como realidade única a condição vazia das crianças, entendendo-as como vasos prontos a receber conteúdos avaliados pelos adultos, e não trazidos por elas, como pertinentes e contributivos, para o seu aprendizado. Como dissemos, nos vasos-crianças da EMEF Machado de Assis não brotam flores com adubo de funk. Para a Coordenadora, esse “tipo de música está impregnado”. É difícil lutar contra mas, tal como um detetive, ela está de olho: seja na escola ou no Facebook fica atenta no relacionamento dos alunos com o funk e se verifica muita “baixaria” ameaça: “olha vou ligar para a sua mãe”.

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Percebemos aí, além do controle, evidente, uma preocupação com a formação do caráter das crianças e em como o funk estaria influenciando negativamente, como nos fazem ver as suas palavras: a batida do funk realmente é algo que atrai mas eu acredito que muito daquilo que eles cantam eles não sabem o que é (...) tinha uma aluna cantando dá a xeca no chão. Eu fiquei apavorada, eu não acredito que a criança está cantando isso, será que ela sabe o que é xeca? (...) de repente não sabe, pensa que é uma pessoa ou personagem.

Mesmo o funk ostentação, ainda que ela ache “mais acessível”, afirma que “não sei o que cria dentro de uma criança isso também”. Percebemos que, por um momento, ela se questiona quanto a sua postura: “eu falo caramba, eu preciso até abrir um pouco porque eu sou de repente até muito arcaica né?” mas logo retoma a aversão ao funk e o autoritarismo misturados com a preocupação que tem em bem zelar pela formação do caráter das crianças, que permeiam seu discurso: mas eu vejo ele [o funk] com essa questão da sensualidade, da vulgaridade de mulher mesmo, de dizer que ‘ah mulher, te jogo na parede, pego ali, chupa ali’, é o que a gente ouve a meninada falar, e está complicado.

4.4.2 A realidade dentro e fora da escola A EMEF Machado de Assis é uma escola pública municipal, que vai até o quinto ano do ensino fundamental. Seus alunos compreendem, em média, a faixa etária dos 6 aos 11 anos. Moram na comunidade que existe ao redor da escola pública do município de Taboão da Serra, sendo que “muitos são filhos de traficantes”. A comunidade, como obervamos enquanto nos aproximávamos, e também pelas janelas da escola, é uma favela. As condições precárias predominam e a maior parte das moradias são barracos e pequenas casas na laje, todas grudadas uma nas outras. A Coordenadora deixa antever que o trabalho junto aos alunos é árduo por conta da realidade enfrentada no local: O que a gente enxerga na comunidade de frente é o tráfico que a gente sabe que acontece. Muitos pais e mães constantemente sendo presos pelo tráfico, ex-alunos que já estão com 18 anos, 19 anos, até menos um pouco. O uso de drogas dos pais também, bebida... A gente sabe que isso é frequente

A partir deste panorama, relata o caso de um aluno da escola, o aluno 1: “nós perdemos um aluno recentemente de 12 anos, e dizem que ele morreu de overdose de misturar lança perfume com bebida alcoólica”. Quem informou a escola disso foi a policial militar do PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas), que faz um trabalho com os alunos de prevenção ao uso das drogas:

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ela [a policial] soube que ele estava devendo na boca, que ele fazia o aviãozinho e era um ex-aluno do ano passado. Um menino carinhoso, que a gente chamava a atenção, aparentemente uma certa inocência, mas por trás a gente não sabia o que pegava

As circunstâncias que foram aos poucos sendo trazidas pela Coordenadora no dia a dia da EMEF Machado de Assis, deixam antever que a escola hoje exerce um papel para além daquele de ensinar um conteúdo ou mesmo de formar um cidadão reflexivo. A escola vem se constituindo como a agência que se responsabiliza pelo ser humano sob sua tutela em todos os aspectos que as demais agências socializadoras (tal como a família), deixam de cuidar: a gente sabe que hoje em dia a escola deixou de ser só essa coisa voltada para o estudo, ao conhecimento. Nós somos totalmente assistencialistas. Se a criança chega com fome, é você que tem que dar comida, se chega com frio, você tem que dar uma blusa, se surta, é você que tem que correr para o médico, se acidenta também (...) é um descaso muito grande, está ficando cada vez mais difícil

Depreendemos essa realidade a que a Coordenadora se refere enquanto ela contextualizava o dia a dia da escola. Ainda que ela tente se distanciar, acontecimentos a rememoram das condições que perduram ali: “é que como a gente já está há algum tempo a gente não tem mais esse estranhamento. Um caso ou outro que você fica abalada, mas para a gente já é mais natural”. Essa amortização de que nos conta a Coordenadora, no entanto, não é impenetrável. A história sobre o aluno 2, que teve lugar na semana anterior à da nossa visita, deixou a Coordenadora abalada: é um caso de um aluno que ele tem uma deficiência física [Como ele] faz uso do transporte cedido pela prefeitura, a gente não conseguia contato com a mãe, porque a gente mandava recado, a mãe não respondia, a gente tentava ligar e não conseguia contato.

Quando a mãe apareceu – depois da Coordenadora ter ameaçado ir à casa dele com a Ronda –, ela disse ser analfabeta (daí não ter respondido aos recados antes). Passado esse episódio, na segunda-feira o aluno 1 “chegou muito agitado, muito agitado mesmo e ele teve um surto psicótico na escola”. A Coordenadora acionou o SAMU que se encarregou de encaminhá-lo para um hospital pois ele já não reconhecia ninguém, nem sua mãe. Ficamos em silêncio após a sua fala, que terminou em lágrimas. Assim como essa história, a Coordenadora nos narrou outras que dão conta da realidade em que vivem os alunos da EMEF Machado de Assis: padrasto que está espancando a criança, avó que a gente sabe que espanca criança porque a mãe está presa, fica na guarda da avó e ela espanca a criança (...) a gente tem casos de crianças assim, maus tratos, estupro, que acontece com o padrasto e a mãe está sendo esfaqueada pelo padrasto.

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Muitos deles, na faixa dos 9 anos de idade, são os responsáveis por cuidar de todos os irmãos menores. Em todos esses casos, e em outros, não transcritos mas trazidos na entrevista, a escola denuncia ao conselho tutelar para que a guarda seja retirada e as crianças são removidas para abrigos da prefeitura. Quando estamos a compreender os sentidos do discurso da Coordenadora, retomamos Martín-Barbero (2014) a fim de voltarmos nosso olhar para as questões que nos propõe: “de onde fala, com quem e para quê?” (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 29, grifos do autor). De onde fala, com quem e para que são proposições que influenciam no modo como direcionamos nossas reflexões acerca não só do modo como o funk é visto por ela dentro do ambiente escolar mas, para além disso, qual o papel do educador; quais são seus desafios diante da realidade lhe é apresentada? Ao nosso ver, a Coordenadora fala, tanto na condição de desabafo – como percebemos quando do seu choro e quando das narrativas acerca das dificuldades que vê presentes nas vidas dos alunos e o quão impotente se sente para resolver todos os seus problemas – como na condição de denúncia: a ambulância vai e a gente desaba né. Porque a gente não é de ferro. Tem coisas assim que você lida que você fala nossa meu pai, me junta aqui porque tá difícil, não é fácil não (...) têm crianças que a gente pega, chama a atenção e fala: ‘filho, você sabe que sou só eu e você, que se eu chamar seu pai ele vai te bater de fio, ele vai te espancar’

“Pai, me junta aqui”. O pedido para que alguma força, da ordem do sobre-humano, junte seus pedaços, se transforma em súplica: ela recorre a Deus. Ao sagrado é confiada a missão de juntar-lhe dos pedaços que sente ter-se estilhaçado. É nessa condição, é desse lugar que a Coordenadora vem nos falar, ao longo da entrevista. Retomando Orlandi (2013), a análise do discurso da Coordenadora nos gera, como produto analítico, a compreensão “dos processos de produção de sentido e de constituição dos sujeitos em suas posições” (ORLANDI, 2013, p. 72). Se no começo notávamos nesse sujeito Coordenadora as marcas do autoritarismo, ao longo da entrevista esse sujeito Coordenadora foi se partindo em pedaços. E pedindo, na nossa frente, para que Deus a juntasse. Está também a chamar a nossa atenção nessa sua fala, a atenção que a Coordenadora chama da criança para evitar que em casa, o pai “lhe bata de fio”, para evitar o espancamento. É dessa infância, e dessa criança que a Coordenadora nos fala: com as marcas da violência infantil estampadas em seus corpos e nos discursos. Por vezes, a Coordenadora diz que os professores apelam para a memória do aluno 1, que morreu por overdose, aos 12 anos, “para ver se mexe alguma coisa”. E nesse apelo pra

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memória, notamos, mais uma vez, Deus a permear seu discurso: “tem horas que você fala até de Deus. ‘Deus me ajuda aqui. Quem é Deus pra você?’ Pra ver se a criança se sensibiliza’”. O sagrado é invocado na escola, quando a situação se mostra demasiadamente desumana. Vimos que transparece uma intenção por parte da Coordenadora em tratar as crianças com afeto: “aqui eles não são números”. Essa palavra afeto é trazida por ela e narrada em variadas situações: o que a gente quer é que eles se sensibilizem. Eu preciso me enxergar como ser humano, para poder enxergar o outro, essa coisa do amor mesmo (...) a gente tenta essa corrente humanista constantemente dentro da escola. Porque quando a gente começa a estudar pedagogia a gente acha que o Paulo Freire é um grande sonhador. Eu lembro que quando eu fazia magistério, muito novinha, nossa, esse velho sonha, mas é isso mesmo, é o amor, a gente tem que conseguir pelo amor, porque pelo outro jeito dói demais.

Há uma aproximação, em seu discurso, com uma educação permada por afeto, cuidado e zelo. A Coordenadora nos fala do amor: do seu desejo em educar através do amor. Mas, por outro lado, como percebemos no começo da entrevista, sua fala nos traz também as marcas de um autoritarismo e de imposições, a cercear as asas dos alunos. Uma dessas asas, vimos, é o próprio funk. Nos perguntamos: qual seria o destino dessas crianças-passarinhos se lhes fosse permitido alçar vôos? Enquanto pesquisadora, depois da análise do discurso da Coordenadora, nos restam mais questionamentos do que conclusões. Identificamos momentos de fala que trazem um sujeito com posições distintas: uma posição a princípio autoritária que proibe e corta o funk, que vigia os alunos e os monitora, que investiga e fica em cima e, outra, de um sujeito que, imerso naquele universo onde o espancamento infantil, a morte precoce por overdose, o ataque epilético, o abandono dos pais, o estupro, entre outras marcas, estão a estilhaçar-lhe e o apelo que se faz possível, é aquele dirigido à Deus.

4.5 O funk para as professoras da EMEF Machado de Assis: etapa qualitativa da pesquisa Terminada a entrevista em profundidade com a Coordenadora e a Professora EF, ficamos aguardando na mesma sala pois ali seria realizada uma reunião com as professoras do próximo turno e poderíamos, antes que a reunião começasse, realizar o grupo de discussão acerca do funk. Convidamos todas então a participarem do grupo, evidenciado que não teria certo ou errado em suas falas, mas sim a contribuição do relato de cada uma para a pesquisa.

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Perguntamos a elas: como enxergam o funk e o funk ostentação, tanto do ponto de vista do professor quanto em relação aos alunos? Dentre as doze docentes, quatro não se manifestaram ao longo da discussão. Quanto às demais, identificadas aqui como professoras A, B, C, D, E, F, G e H, temos o seguinte: (i)

B foi a mais participativa com oito interações;

(ii)

A, D e G interagiram quatro vezes;

(iii)

H, duas vezes;

(iv)

C, E e F, apenas uma vez.

A Coordenadora esteve presente ao longo da discussão mas não interagiu na qualidade de participante neste momento. Sua presença nos indica, antes, que estava ali para monitorar o que lá seria dito. Como confirmamos ao longo do grupo de discussão, há intenções por parte das professoras de que o funk seja valorizado e a consciência, por parte delas, de que a escola é contra essa valorização. Inclusive achamos que se a Coordenadora ali não estivesse, outras falas poderiam ter emergido. Apenas para que fique mais clara a fala de cada professora, optamos por analisar cada uma separadamente procurando, com isso, preservar os a contribuição do relato de cada uma. E, ainda, esclarecemos tratar-se de um grupo de professoras polivalentes, é dizer, que ensinam todas as matérias para o mesmo grupo de alunos (não há rodízio entre as salas: é uma professora com uma mesma sala ao longo de todo o ano). Professora A: o grupo a designou, entre brincadeiras, para que iniciasse a conversa. Disseram que ela deveria ser a primeira a falar, por ter afinidade com a temática. Em seu discurso, percebemos uma ligação com a história da música pois rememorou os tempos de Claudinho e Buchecha, quando “o funk tinha uma outra conotação. Ele não tinha essa questão pornográfica que tem hoje”. Mais de uma vez traz que o funk é uma realidade e que “não dá para a gente fingir que ele não está, tem que trabalhar isso”. Em sua prática pedagógica, nos conta, introduz o subgênero musical como por exemplo fez para explicar o ângulo de 360 graus através da música 360 O arrocha do poder62, do cantor Thiago Brava: “não dancei de forma pornográfica, mas girei e aí lógico que todo mundo veio cantar (...) então a gente tem que trazer um pouco para a sala de aula”.

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Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=eBOUKTTcEQE. Acesso em: out. 2014.

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Percebemos que, apesar de considerar importante levar para a sala de aula, a Professora A não simpatiza com o funk, pois afirma “parece que veio para ficar né, porque a tendência é piorar”. Ou seja, se trabalha com esse subgênero musical é em virtude da demanda dos alunos. Vemos isso também quando ela nos conta do projeto de MPB iniciado pela escola, que tem a intenção de demonstrar outros cantores para os alunos – formas outras de música que conduzem, essas sim, ao conhecimento: a gente está tentando trabalhar de forma diferente outras músicas para que eles possam ter conhecimento. Então, é engraçado que eles estão pesquisando Luiz Gonzaga, mas eles também querem que a gente fale da Anitta, do MC Gui e querem que a gente fale de outros MC’s que tem por aí

A professora A traz em sua fala essa demanda dos alunos por trabalhar o funk em sala de aula e nos diz como se coloca diante da mesma: “não dá para não falar. Só que tem que mostrar essa questão do certo e do errado”. A Professora A, em seu discurso, e a escola, em sua intenção de trabalhar com outras vertentes musicais que não o funk (tal como a MPB, em acreditando que através desta se transmite conhecimento/cultura), estão a evidenciar onde está o certo e onde está o errado. O que as crianças querem, errado, o que a escola propõe, certo. A Professora A não se mostra, todavia, completamente fechada a questão do funk. Ela o utiliza em sala de aula, como vimos. Inclusive mais adiante na discussão, quando a professora E problematiza a questão de se utilizar o funk em sala de aula, colocando para o grupo se “a gente vai ter que toda hora só ficar fazendo música? Só ficar fazendo batida de funks com as teorias?”, a professora A se coloca afirmando que “não precisa a todo momento, mas tem momentos que dá pra tentar né”. Professora B: em sua fala inicial no grupo, depreendemos uma defesa no sentido de que o funk deve ser introduzido no ambiente escolar: “não dá para fugir, porque existe o protagonismo juvenil, e não só a questão do protagonismo, é a bagagem que o aluno traz para dentro da escola, que tem que ser como [a professora A] falou, respeitada mesmo”. Ela nos conta de seu conflito quando vai selecionar as músicas para a festa de Hallowen da escola ou para o festival de carnaval: “chega um momento que eu penso assim, eles não vão aguentar, não vão escutar até a terceira. Porque eles sentam em volta de quem está operando o som e eles não deixam, a festa não acontece”. Depreendemos daí a presença do funk na EMEF Machado de Assis, a contagiar o imaginário, o gosto, o universo dos alunos dessa escola. E o conflito que gera nos professores, que se vêem obrigados a atender essa demanda, ainda que a contra-gosto.

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Apesar de defender a introdução do funk no ambiente escolar, a professora B também deixa transparecer que não é afeita a esse subgênero musical e que, atavés dele, não se transmite cultura: “eu sou rock mas eu tenho minha colega que gosta de um samba, então são as culturas, e são poucos os alunos que o pai transmite o rock, transmite o samba. Eles não sabem quem é Martinho da Vila”. Mais uma vez aparece, portanto, a ideia de que existe música boa, cultural, e música ruim, de baixo nível (sendo o funk a segunda delas). Ela separa o seu universo do universo dos alunos “inclusive quando saiu na mídia nossa filósofa, pensadora contemporânea” – e nesse momento as professoras se agitam contra essa afirmação – para a professora B se justificar: “mas gente, não é mentira, ela é a pensadora contemporânea da realidade deles”. A referência aqui é feita à Valesca Popozuda, artista carioca do funk que, como visto acima, encampa o empoderamento da mulher em suas letras e tem sido, por muitas vezes, associada como importante para a causa do feminismo junto às mulheres de baixa renda. As professoras, no entanto, não recebem bem o título de pensadora contemporânea atribuído à Valesca Popozuda. Um aspecto que somente encontramos em seu discurso, e mais de uma vez, relacionase com a mídia. Para a professora B a mídia é um agente de influência sobre as crianças, assim como o são seus pais e a comunidade em que vivem. Todavia, ela vai destacar a mídia como sendo a preponderante, quase que onipotente: a influência já vem de cima, vem da mídia e a escola brigar contra isso é difícil (...) Então a gente luta contra a família, que não para nem pra pensar, que coisa linda meu filho de 8 anos batendo as partes ínitimas com a filha do outro, ou com a irmã, vai saber. Aí vem a mídia em cima; porque hoje não tem mais seleção na rádio (...) Então a mídia quer vender, é lucro a visão da mídia.

Ao associar a mídia ao capitalismo e trazer a família como esse grupo que nada vê e nada faz a respeito, coloca-se como parte do grupo que arca com as consequências desses fluxos que, na sua visão de mundo, explicam a realidade: “enquanto isso nós estamos aqui na escola tentando mostrar, mesmo eu não gostando. As colegas sabem, eles pedem e eu coloco. Eu fico escutando para ver se não tem palavrão e eles pedem e eles trazem”. Tal como a professora A, ela, particularmente, não é afeita ao funk, mas traz, em razão da demanda dos alunos. O capitalismo, segundo acredita, está na descoberta das empresas que “através de uma letra de funk eles vão vender mais”. Traz o caso da associação da marca Red Bull com o

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grupo Pacificadores, autores da música do gênero rap chamada Só whisky e Red Bull63. Segundo nos conta seu “primo tinha um comércio, e ele ainda tinha uma venda de quatro paletes de Coca-Cola por semana e quando começou a música whisky e Red Bull ele vendia oito paletes de Red Bull e dois de Coca-Cola”. A professora B associa o funk, portanto, como fato posto/imposto: como algo sobre o qual não se pode lutar contra, assim como a mídia e o capitalismo, as consequências devem ser experenciadas e aceitas. Traz também a religião, ao explicitar o caso de crianças que, por conta de seu credo, não podem cantar parabéns mas na escola, não podem escutar a música Quadradinho de 864, do Bonde das Maravilhas, que já querem dançar. Por fim, a professora B manifesta sua opinião de que, na EMEF Machado de Assis, o funk não é proibido, “é temido, é diferente”. O que ela considera como uma situação ruim, que não deveria acontecer. Esse temido faz referência a postura da escola em vetar o funk. Talvez essa sua fala, de não ser o funk, proibido, mas temido, tenha se dado em razão da presença da Coordenadora: ao invés de colocar a escola como aquela que proíbe, a professora B a coloca como aquele que tem medo. E termina dizendo algo que permeou bem pouco as suas falas anteriores que é a ideia de que as crianças não entendem o funk, dançam porque acham contagiante. E no mesmo momento se coloca em posição diferente, como alguém capaz de tal empreitada como percebemos na sua afirmação no sentido de que: quando começou aquela história de só as cachorras, gente eu não admito, eu não vou entrar nisso, eu não vou dançar isso aí e as meninas entraram por causa da batida, da letra, só as cachorras... Elas nem pararam pra pensar, ah eu estou sendo chamada de cachorra. O que é ser cachorra, né? O cachorro bicho, a cachorra atitude, a desocupada... Eles não pensam nisso.

Professora C: se manifesta uma única vez e segundo acredita, o funk “é o fim (...) não transmite conteúdo algum”. Professora D: ela coloca como sendo o grande desafio da escola e dos educadores, a forma como vão trabalhar essa realidade das crianças/jovens de periferia, “que está meio intrínseco neles”, como vão “pegar isso e canalizar para algo que seja proveitoso para eles, pra algo que possa finalizar em algo bom”. Daí depreendemos que, segundo concebe, a realidade desses jovens não apresenta o que é bom, cabendo a escola essa transformação. 63 64

Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ryxnQpg_2qQ. Acesso em: out. 2014. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ArlxGDdhL3w. Acesso em: out. 2014.

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Ela traz a questão da sexualidade, através da referência que faz a um vídeo que viu no Facebook, com um menino de 11 e uma menina de 8 anos e eles estavam dançando “batendo as partes íntimas e “várias pessoas ao redor assistindo aquilo”. Ela se questiona: “Meu Deus, onde vamos chegar? (...) à destruição dos nossos jovens”. Coloca como desafio da escola, resgatar essa infância perdida, “de maneira a não deixar que eles queimem uma etapa da vida deles, que é a etapa da infância, da inocência, e acabam com eles vivendo precocemente algo que nem deveria viver naquele momento”. Em outro momento da discussão, coloca que também através do Facebook, entrou em contato com um vídeo que trazia a experiência de um professor que “estava ensinando física com a batida do funk e foi muito interessante. Ele dando as teorias e as regras e a sala totalmente envolvida”. A partir disso ela refletiu sobre o papel que o funk pode desempenhar na sala de aula, enquanto ponto de partida para o aprendizado: “eu fiquei pensando, eles vão lembrar disso, porque estava dentro do que é comum para eles musicalmente. Foi envolvente, tinha tudo a ver com o conteúdo. Foi dinâmica a aula, todos participaram”. E ela conclui: “acho que ele conseguiu atrelar (...) o que está na vida deles com o objetivo que nós queremos”. Mas será ela, a professora D, a questionar se então a todo momento terão que se apropriar das batidas do funk com as teorias. Professora E: é nesse momento, sendo o único, em que essa professora se manifesta no sentido de apoiar o funk produzido no ambiente escolar, com os conteúdos das matérias: “tem a paródia dos ossos também, com o show das Poderosas”. Ela pesquisou e achou, com a ajuda da professora de informática, o “show dos ossos no YouTube”. Sua experiência foi muito positiva, como podemos perceber quando ela nos conta da experiência “foi muito legal e eles ficam até hoje, maxilar e a mandíbula ficam perto da clavícula. Então ficou na cabeça deles”. Mostra-se interativa com os meios de comunicação, especialmente com a internet onde achou também o “arrocha do digestório e eles amaram escutar”. A professora E concorda com a professora D, que elas conseguem (e devem) transformar a realidade dos alunos “prum lado positivo”. Professora F: se coloca uma única vez para responder a pergunta que a Coordenadora lança ao grupo sobre o projeto da MPB que está sendo desenvolvido com os alunos do 5º ano. A professora F afirma que a MPB “para eles é um mundo estranho”. Vemos a intervenção da Coordenadora trazanendo à discussão a MPB, puxando o grupo em um sentido diferente do que vinha permeando até o momento, que condizia com o tema proposto: o funk ostentação.

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Professora G: ela nos traz sua posição consolidada quanto a não acreditar no trabalho junto aos alunos através do funk – diferente das outras professoras que não apreciam o funk mas acreditam que pode ser inserido no contexto de sala de aula, por ser uma demanda dos alunos. Ela acredita que “não pode subestimar a criança; não pode achar que aquilo [o funk] é a única coisa que ele gosta e que a gente tem que trabalhar aquilo porque é aquilo que tem servido para eles”. Ela introduz em suas aulas outros artistas (exemplifica o Cartola) e nos conta que os alunos comentam com ela caso verifiquem o conteúdo trabalhado na mídia: “nossa professora a senhora viu um documentário sobre fulano, na TV Cultura? A senhora viu no Fantástico, passou sobre fulano que a gente trabalhou aqui?”. Em sua opinião, “eles estão achando bem interessante esse projeto [o de MPB] que a gente está trabalhando dentro da sala de aula”. O seu discurso, vem em resposta à pergunta da Coordenadora, quanto ao projeto de MPB da escola. Ou seja, ainda que suas palavras possam ser fruto de uma supervisão velada, a professora G evidencia sua opinião no sentido de que “se a gente conseguir trazer para eles outro tipo de música, um outro conhecimento musical, eu acho que o gosto deles vai ficar variado também”. E se justifica: “Eu não trabalho funk, não é porque sou tradicional nem nada, mas se eu acho outra coisa para oferecer para eles eu não vou oferecer o que eles já conhecem; vou oferecer algo novo (...) então eu posso vir e trazer um outro tipo de cultura”. Essa novidade que ela menciona repousa no caráter de uma letra “mais saudável e que vá influenciar na vida deles de alguma forma”. Professora H: manifesta sua opinião no sentido de que “eles se prendem no som da música; não é o funk, não é o rap, o MPB, a questão é a letra da música”. De início, pensamos que o eles designasse os alunos. Somente após a leitura da transcrição das falas do grupo de discussão, percebemos que eles é a escola. A professora H invoca Roberto Carlos para expressar que na época da ditadura, em seu entendimento, ele se utilizava das letras de suas composições para dizer o que precisava ser dito. Então, conclui “até hoje em dia a MPB também tem umas letras que não é bom se utilizar; então não é questão do som da música, do ritmo da música, mas da letra”. Sua fala vem logo após a manifestação da professora B no sentido de que a escola teme o funk, o que, como vimos, em sua opinião, “não deveria”. As 12 (doze) professoras, considerando especificamente as 8 (oito) que se manifestaram, trouxeram, cada uma delas, diferentes percepções acerca do funk, e do funk

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ostentação, no ambiente escolar. Em comum, apresentam a particularidade de, pessoalmente, não serem fãs desse gênero musical. A professora A, a quem o grupo atribuiu tal gosto, veio, ela mesma, declarar que não aprecia. A seguir, na figura 3, mostramos algumas da principais falas das professoras que contam sobre o que pensam e vivem na sala de aula, quando o assunto é funk: Professora A

B

Principais percepções •

“não dá para a gente fingir que ele não está, tem que trabalhar isso”



“não dá para não falar. Só que tem que mostrar essa questão do certo e do errado”



“não dá para fugir, porque existe o protagonismo juvenil, e não só a questão do protagonismo, é a bagagem que o aluno traz para dentro da escola, que tem que ser como [a professora A] falou, respeitada mesmo”



“a influência já vem de cima, vem da mídia e a escola brigar contra isso é difícil”

C



“é o fim (...) não transmite conteúdo algum”.

D



“pegar isso e canalizar para algo que seja proveitoso para eles, pra algo que possa finalizar em algo bom”



“Meu Deus, onde vamos chegar? (...) à destruição dos nossos jovens”



“estava ensinando física com a batida do funk e foi muito interessante (...) Foi dinâmica a aula, todos participaram”

E



“tem a paródia dos ossos também, com o show das Poderosas”



“foi muito legal e eles ficam até hoje, maxilar e a mandíbula ficam perto da clavícula. Então ficou na cabeça deles”

F



“[a MPB] para eles é um mundo estranho”

G



“não pode submestimar a criança; não pode achar que aquilo [o funk] é a única coisa que ele gosta e que a gente tem que trabalhar aquilo porque é aquilo que tem servido para eles”



“se a gente conseguir trazer para eles outro tipo de música, um outro conhecimento musical, eu acho que o gosto deles vai ficar variado também”



“Eu não trabalho funk, não é porque sou tradicional nem nada, mas se eu acho outra coisa para oferecer para eles eu não vou oferecer o que eles já conhecem; vou oferecer algo novo (...) então eu posso vir e trazer um outro tipo de cultura”

H



“até hoje em dia a MPB também tem umas letras que não é bom se utilizar; então não é questão do som da música, do ritmo da música, mas da letra” [em alusão ao que a escola permite ou não]

Figura 6 – Discursos das professoras sobre o funk Fonte: Professoras da EMEF Machado de Assis

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Em suma, percebemos a professora A com a constatação de que o funk está presente e deve ser trabalhado, quer a escola e/ou os professores gostem ou não. A professora B retoma essa posição e acrescenta a mídia que, em seu discurso, aparece como vilã contra quem elas, na qualidade de professoras, têm de travar uma batalha em prol dos alunos. A professora C, ao lado da professora G, rechaçam o funk. Enquanto a primeira apenas afirma que não transmite nenhum conteúdo, a segunda justifica que não se utiliza do funk porque acredita ser o seu dever levar ao conhecimento dos alunos “letras de músicas saudáveis” que lhes sejam desconhecidas, para, com isso, ensinar-lhes alguma coisa. A professora D é a que demonstra maior conflito: muito embora acredite que o que os alunos trazem deve ser considerado – tal como o funk – e transformado positivamente, coloca em questão a possibilidade de que tal aconteça quando nos exemplifica crianças com menos de 10 anos de idade dançando músicas eróticas (e batendo suas partes íntimas). Ela se preocupa com a infância que pode estar perdida e com a juventude, que pode estar sendo destruída. A professora E é a única que, com suavidade, nos traz exemplos de como trabalhou o funk em sala de aula e dos resultados positivos que obteve, tal como quando da paródia do ossos, canção que, ritmada ao som do funk, é lembrada até hoje por seus alunos. As professoras F e H nos dizem somente acerca do projeto de MPB desenvolvido na escola: para a primeira, a MPB é um mundo estranho e, para a segunda, a estranheza desse mundo é também pertinente porém em relação a instituição e não aos alunos.

4.6 Segunda visita à EMEF Machado de Assis: uma introdução sobre a recepção das composições da MC_Bruninha_sp pelas professoras – etapa qualitativa da pesquisa Quando de nossa primeira ida à EMEF Machado de Assis, não tinhamos as letras da Bruna em mãos. Quando, em início de outubro, nos vimos sem a aderência das mulheres de comunidades paulistas com quem pudéssemos realizar um grupo de discussão com base nas composições da MC_Bruninha_sp, pensamos na alternativa de realizar então, esse estudo de recepção junto às professoras da EMEF Machado de Assis. Isso porque, o material que lá obtivemos, quando de nossa primeira visita, trouxe contribuições valorosas para nossa pesquisa fazendo-se mister fosse então incorado à mesma, além de que as professoras, enquanto mulheres paulistas, perfaziam o fio condutor do nosso terceiro objetivo específico. Assim, entramos em contato com a coordenadora da EMEF Machado de Assis e, após a impossibilidade de visitarmos a escola na começo de outubro, em razão de a mesma ser colégio eleitoral, assim o fizemos no sábado, dia 18 de outubro. A coordenadora abriu, em

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caráter de exceção, a possibilidade para que fôssemos em um dos sábados letivos, conversar com as professoras encarregadas das aulas de reforço. Devido ao calendário apertado de final de ano e as atividades da escola, ela considerou ser o dia 18 de outubro desse ano, a única data possível para que nos aproximássemos novamente da escola. E assim o fizemos, de modo que pudemos levar as composições da MC_Bruninha_sp e verificar, junto às 4 (quatro) professoras que lá estavam, quais as apropriações e as ressignificações que elas fazem do funk ostentação composto por uma mulher. Para que possamos analisar o grupo de discussão relizado com as professoras, em torno das composições da MC_Bruninha_sp, trazemos antes, no subitem que segue, os aportes teóricos que estão a sustentar nossas reflexões sobre os estudos de recepção. Nos apoiamos, para tanto, em pesquisas bibliográficas mobilizando autores como Gomes, OrózcoGómez e Baccega.

4.7 Dos estudos de recepção Proveniente dos Estudos Culturais, os estudos de recepção podem ser observados em dois pensadores desta corrente, Williams, em sua obra Culture and Society, e Hall, que, embasado em Bakhtin, Barthes e Eco, “sistematizou um modelo de investigação que tornava possível a investigação empírica da recepção” (GOMES, 2004, p. 171). Ainda hoje “os Estudos Culturais continuam interessados em como grupos com menos poder desenvolvem, na prática, suas próprias leituras e usos dos produtos culturais” (GOMES, 2004, p. 190). Nos aproximamos de Gomes (2004) quanto ao entendimento de que os estudos de recepção procuram compreender o receptor no processo comunicativo não como uma tábula rasa, passivo e sujeito a receber todo e qualquer efeito, mas a partir da perspectiva da sua atividade (GOMES, 2004): “os estudos de recepção baseiam-se em dois pressupostos. Primeiro, o de que a audiência é sempre ativa; segundo, o de que o conteúdo dos meios é polissêmico – o que tem sido entendido como sua abertura a diferentes interpretações” (GOMES, 2004, p. 175). A partir do momento em que se torna participante de qualquer processo comunicativo, portanto, o indivíduo se torna receptor e os estudos de recepção não intecionam verificar se houve a apreensão dos sentidos transmitidos pelos meios de comunicação/textos midiáticos, mas sim procuram trazer os diferentes sentidos que a audiência constrói (GOMES, 2004). Orozco-Gómez (2014) nos fala de uma condição comunicacional a marcar a contemporaneidade. Segundo o autor, esta habilita os sujeitos-audiências não somente para

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reinterpretar as informações que recebem mas lhes permitem modificá-las. No âmbito das telas, este autor nos diz que os sujeitos não são passivos, mas para além de ativos: são interativos (OROZCO-GÓMES, 2014). E estes sujeitos, como articula Gomes (2004) não ficam nos limites do textual pois que encontram-se inseridos em uma determinada sociedade e dentro de um processo histórico e cultural a contornar-lhes seus trajetos. Baccega (2006) nos lembra que, consideramos, no processo comunicativo, os dois polos: o da emissão e o da recepção. Tanto aquele que fala, produz, escreve, quanto aquele que escuta, assiste, lê, “só tem sua completude sacramentada, só significam pela via desse diálogo” (BACCEGA, 2006, p. 11). Diálogo esse, que é a confluência dos variados discursos constituintes tanto do emissor quanto do receptor, imersos em um dado contexto cultural. Ou seja, podemos dizer que a recepção é, ela mesma, um ato cultural que interfere na construção de uma dada realidade social pois os sujeitos, apropriando-se ou incorporando, determinados discursos, constroem suas realidades (BACCEGA, 2006). E trazem suas marcas tanto para a construção quanto deixam suas marcas após construí-las (BACCEGA, 1998): O significado da comunicação, as significações dos produtos culturais, incluindo os produtos dos meios de comunicação, relacionam-se com o cotidiano do sujeito receptor, com suas práticas culturais, com as marcas que influenciam seu modo de ver e praticar a realidade, e que são aquelas que lhe dão segurança necessária para estruturar, organizar/reorganizar a percepção dessa realidade, reconstruindo-a, com destaques ou apagamentos, de acordo com sua cultura (BACCEGA, 1998, p. 9)

É deste modo que a recepção – um processo longo, que leva tempo e não pode ser aferido com bases quantitativas – entretece a realidade social, na medida em que “o receptorsujeito vai ressignificar o que ouve, vê ou lê, apropriar-se daquilo a partir de sua cultura, do universo de sua classe, para incorporar ou não a suas práticas” (Baccega, 2006, p. 410).

4.8 Segunda visita à EMEF Machado de Assis: grupo de discussão sobre a recepção das composições da MC_Bruninha_sp pelas professoras Nossa pesquisa filia-se a essa linha, qual seja, a dos estudos de recepção pois buscamos compreender como as mulheres – 4 (quatro) professoras da EMEF Machado de Assis –, recebem o funk ostentação – delimitado, neste recorte, nas composições da MC_Bruninha_sp.

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No início de nosso grupo de discussão65 contávamos com 3 (três) professoras, que designaremos aqui como professoras A1, B1, C1 e, ao longo da discussão uma nova integrante foi incorporada ao grupo, quem denominamos de professora D1. As três professoras com quem conversamos desde o início, moram na região Sul da cidade de São Paulo, sendo que a professora A1 tem 26 anos e é casada, a professora B1 tem 45 anos e é solteira, mora sozinha e a professora C1, também casada, tem 31 anos. No que diz respeito ao consumo de música, a professora A1 faz do rock mais do que um gosto musical, pois o incorpora como elemento que compõe sua identidade: “é mais que um estilo de música, é uma educação que eu tive dentro de casa que é o rock (...) e que procuro seguir”. O que esse estilo musical lhe possibilita, mais inteligência e criticidade, segundo define, ela acredita não receber de nenhum outro. Já a professora C1, ainda que esboce sua preferência por MPB, demonstra ter um gosto eclético. O contato da professora B1 com a música, suscita mais do que uma afirmação de um gosto, evoca uma memória: a primeira música que eu comecei a realmente curtir foi o bendito Roberto Carlos que depois eu eliminei da minha vida, porque minha irmã que me ensinou a música, só que minha irmã ela tinha alguns preconceitos. Então eu vi o Roberto Carlos, eu sonhava em ter todos os discos dele, aí eu cresci, descobri que eu não quero nenhum disco dele, porque ele falava de amor, ele enganava. Ele foi de uma época que enquanto a ditadura estavam questionando o mundo ele estava fazendo música de amor do lado das pessoas que convinham, interesses

Para ela, percebemos, a música está inserida em um contexto histórico, assim como a as escolhas que faz a partir desse, enquanto “cresce”. Depois do cantor Roberto Carlos – e dessa vez por influência do irmão menor –, ela passa a gostar de Raul Seixas. A professora B1 deixa claro o que a atrai na música: “eu gosto de música que pensa, que faça a gente pensar, porque já basta a gente já não ter acesso a muita coisa né?”. Na sua própria história, percebemos, sua mãe e seu pai são semi-analfabetos e ela enxergou/enxerga na música uma porta de acesso para aquilo que a família não teve condições de lhe trazer. A música, para a professora B1, foi (e ainda é), um instrumento de ajuda. As três composições da MC_Bruninha_sp, Portando os kits, No estilo Panicat e Forgando de camarote, foram então lidas pelo grupo. Já de início, o que pudemos observar foram risadas de uma e de outra, conforme se identificavam com os produtos que compõem o

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Vide na íntegra o roteiro do grupo de discussão (Anexo H) e a transcrição do grupo de discussão (Anexo I)

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universo da MC_Bruninha_sp, tal como o perfume do Boticário EGEO: duas, as professoras A1 e D1 afirmaram possuir este item. A professora B1 afirmou que ela não tem nada “dali” (referindo-se ao universo material da MC_Bruninha_sp colocado nas composições). Mas no instante seguinte ela reconhece que tem sim, um Adidas. Ou melhor, corrige, ela tem um Mizuno, que “é 90% (...) daqueles do modelo passado”, diz. Logo de início, portanto, vemos a professora B1 se colocando à parte do universo material da MC_Bruninha_sp, ao afirmar que dos produtos que ela apresenta em suas composições, ela tem apenas um e ainda, não é o modelo mais novo. E complementa, já antecipando a crítica que faria ao funk ostentação: “fica difícil alguém querer saber ler”. Vemos que a professora B1 dissocia as composições do funk ostentação das possibilidades das crianças/jovens, construírem um caminho na vida. Isso porque eles são educados “pensando no ter sem querer fazer nada, sem conquista. Os filhos são criados assim, em obter produtos apenas produtos sem nenhuma conquista, sem ler um livro de qualidade, porque o livro não se oferece, se oferece produtos, marcas”. Para professora B1 as crianças e os jovens trocaram o gosto de ir à escola por tecnologias (ela exemplifica como alguns são viciados em produtos eletrônicos). O que chama a atenção na fala das professoras, é uma aproximação imediata com os produtos para depois se aproximarem da esfera comportamental da MC_Bruninha_sp. Elas se mencionam o perfume EGEO logo de início e em seguida indagam o que seria vestido Maria Gueixa (que é uma marca feminina de roupa). A professora B1, sem conhecer, identifica o perfil da marca: “sedutora provável (...) estou falando pelo contexto, não que eu conheça. Muito pelo contrário, não conheço”. E partindo da sexualidade que elas identificaram a partir do vestido, se colocaram em uma relação comparativa, mais favoráveis ao funk que denominam de “podre” ante ao funk ostentação. O funk “podre”, segundo concebem, é aquele funk que traz a sexualidade da mulher. E para a professora B1, como as pessoas ainda têm medo de falar de sexo, o funk ostentação passa a ser mais “preocupante”. Percebemos que sua fala parte da perspectiva da influência: os sujeitos-receptores, na condição de passivos, estariam mais aptos a sofrerem das más influencias do funk ostentação (que os conduziria ao mundo material) do que daquelas advindas do funk “podre” pois a sexualidade, ainda que manifestada, é velada na sociedade. O que prepondera nas falas é a questão da influência pois “o jovem é usado, ele não faz porque ele quer isso aqui, ele é manipulado, existe as rádios que oferecem e ele quer ter,

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claro, natural que todo mundo queira ter”. O papel da mídia, nesse caso, não é refletido, é dado como naturalmente opressor diante de um jovem que ainda está em “processo de formação”. Fica ressaltado, na leitura delas, que o funk ostentação, produto midiático que é, conduz as crianças/jovens ao “querer ter”. Para elas, é com isso que criança e jovens se preocupam: “o que eu preciso ter? Uma roupa de marca, o que vai fazer de mim uma pessoa melhor é uma roupa de marca, ter”. A oposição que colocam é “essa questão do ser, de se trabalhar valores, formação está se perdendo demais, está fugindo”. Especialmente a professora B1 associa com as poucas oportunidades – em razão de uma educação de baixa qualidade – o motivo de tantos jovens verem, na gravação de CD’s, uma oportunidade. As professoras consideraram as letras da MC_Bruninha_sp “doces” em comparação com o funk “pesado” que escutam “por aí”. E quando pedimos para que imaginassem como seria a MC_Bruninha_sp, a professora D1 a imaginou tal como a Valesca, referindo-se a mesma como “essa tal de popozuda”. A professora A1, por sua vez, nos revela não ser possível, em sua opinião, afirmar que porque a MC_Bruninha_sp canta sobre determinadas marcas, as utiliza para compor seu estilo no dia-a-dia. A fala da professora C1 manifesta um viés mercadológico, quando nos conta que a MC_Bruninha_sp pode exagerar nos erros ortográficos e inclusive compor a música em determinado sentido a fim de com isso, atrair mais público. E, para a professora B1, a MC_Bruninha_sp, é, em síntese, uma jovem em busca de si. Atenta a um possível preconceito, ela compara a Bruna com os seus alunos e enxerga no funk ostentação um instrumento: eu consigo ver uma menina que está tentando se achar no mundo, uma pessoa que às vezes a gente vê com preconceito, como se fosse uma menina aquilo e outro, mas às vezes essa mesma menina é a mesma que você tem na sala de aula, dócil, carinhosa, ela está no meio apenas tentando se posicionar no mundo e ai o que ela tem é isso

Quando perguntadas sobre a MC_Bruninha_sp relação ao homem, a professora A1 nos diz que: “é como se se vendesse, tipo eu sou bonita, sou assim, assim, e por isso eu consigo isso e isso. Isso pra mim é se vender”. Essa super exposição, nos diz, desvaloriza a figura da mulher. A professora B1 não concorda com a professora A1 pois para ela, “essa menina é diferente da mulher do passado, por mais que ela faça errado, essa menina tem alguns valores”. A professora C1 não se atém especificamente à MC_Bruninha_sp mas sim ao

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espaço que através da música, especialmente através do funk, a mulher logrou conquistar na sociedade. E ela acredita que ainda pode conquistar mais. E nessa etapa da discussão, quando tínhamos o foco voltado para a MC_Bruninha_sp em relação ao masculino, a professora A1 retoma a questão de o verbo “ter” lograr êxito sobre o “ser” - que mostra-se a tônica do grupo. Ela faz uma descrição da MC_Bruninha_sp, que, na sua opinião, preocupa-se em alimentar seu ego: Eu percebo que nas letras que há uma grande necessidade de alimentar o ego né? De mais assim, eu sou nova, sou bonita, eu consigo ter coisas de marca, sabe? Aonde eu chego eu consigo entrar em lugares VIP’s, carros, mansões, ou seja, o fato de eu ser jovem, bonita e ai entra de novo naquela questão, até que ponto vai isso? Você só ter, cadê o ser.

Em sua percepção, a ostentação marca o que ela considera como “alimentar o ego”. É como se a MC_Bruninha_sp estivesse cantando para sentir-se bem e para mostrar aos outros o quão bonita, nova e poderosa ela é. A categoria empírica do poder que identificamos no discurso da Bruna, quando na análise de suas composições no capítulo anterior, não vem explicitamente no grupo de discussão. Acreditamos que o mesmo é reconhecido como existente a partir do momento que a jovem MC se coloca hábil para “ter coisas de marca, (...) carros, mansões” Além de “aonde eu chego eu consigo entrar em lugares VIP’s” e o “fato de eu ser jovem, bonita”, porém associado a uma necessidade de “alimentar o ego”. E, por fim, a professora D1 enxerga “liberdade sexual” quando a Bruna afirma que “vida de casada não é o seu dilema” pois ela gosta de ser solteira. A professora C1, nesse ponto, vê “a chegada do funk com grande força” possibilitando à “mulher mudar o seu ponto de vista, seu padrão de comportamento”. Já a professora A1 considera a opção por parte da mulher, em ser solteira, como uma evolução do século XXI: “a mulher está mais independente, não precisa casar para formar uma família, ela tem agora uma opção, casar ou ficar solteira”. E justifica: “ela [mulher] trabalha, se mantém. Hoje em dia as mulheres estão tendo mais estudo do que os homens”. A professora B1, por sua vez, diz que não se trata apenas de liberdade sexual, mas de evolução histórica para a mulher. Tanto que afirma: “ela [MC_Bruninha_sp] pode não ter a consciência, ela pode fazer hoje o papel do funk, mas enquanto mulher é uma grande evolução”. Portanto aqui ela separa a mulher, quem aufere essa conquista, da aspirante a MC que, nesta qualidade, representa o papel do funk, sem ter a consciência da conquista que manifesta em sua atitude.

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4.9 O que verificamos? Nos detemos nas categorias empíricas que identificamos quando da análise das composições da MC_Bruninha_sp, a saber, (i) identidade; (ii) poder; (iii) retratação do masculino; e (iv) ostentação, para neste subitem nos aproximarmos dos principais pontos trazidos no grupo de discussão que demonstrem de que modo as professoras da EMEF Machado de Assis receberam e ressignificaram as três letras No Estilo Panicat, Forgando de camarote e Portando os kit da MC_Bruninha_sp. Na categoria empírica identidade, trazemos a colocação da professora B1. Ela não gosta do funk, e o considera, no subgênero ostentação, uma influência para as crianças/ jovens pior do que o “funk podre” (que articula como sendo o funk pornográfico). Ela está a nos dizer, portanto, que esse gênero musical (o funk, em especial o subgênero da ostentação), tem influência na formação das identidades das crianças/jovens que estão em fase de formação e são manipulados pela mídia. No tocante a recepção da professora B1 das composições da MC_Bruninha_sp, categoria identidade, percebemos que ela se afasta das construções ativas que identificamos no discurso da Bruna – por intermédio do funk, vimos, ela se afirma forte, se sente bonita e atraente, se determina em relação às outras e aos homens e, se impõe quando chega em um lugar, sentindo-se a mais top. E, ainda, em consonância com a professora B (presente no grupo de discussão quando de nossa primeira visita à escola), a professora B1 se aparta dos estudos de recepção contemporâneos que enxergam nos sujeitos-audiências, indivíduos ativos, capazes de reinterpretar e modificar as informações que recebem. Elas se atêm àqueles estudos de recepção que tiveram lugar quando do início do Mass Communication Research. Como por exemplo a teoria hipodérmica que, aliada a teoria psicológica (o homem se comporta mediante estímulo/resposta) e a teoria social (indivíduos atomizados e isolados), concebia a ação dos meios no vazio deixado pelas tradições e, assim, com suas informações, passariam a ditar respostas/comportamentos para as audiências (FERREIRA, 2001). Se afastam também do que apreendemos a partir de Kellner (2001) e Silverstone (2011), para quem a mídia oferece significados, “recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos” (KELLNER, 2001, p. 9). E assim, a partir dessas possibilidades não seríamos reféns dos meios de comunicação, pois que podemos participar a partir da mídia assim como esta participa para construção da nossa experiência.

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Quanto ao poder, acreditamos que essa categoria empírica se funde com a da ostentação, na fala da professora A1. Em nenhum momento as professoras trazem o poder de maneira a vislumbrá-lo nas atitudes da MC_Bruninha_sp. Porém, a professora A1 entende a ostentação como uma tentativa, por parte da Bruna, de “alimentar o ego”: possuir objetos/roupas de marca; ser jovem e bonita; conseguir chegar onde quiser e ser VIP, portanto, alimentariam o ego da aspirante a MC. Em nosso entender, vislumbramos aí, ainda que implicitamente, também o reconhecimento por parte da professora A1 de que há uma esfera de poder a permear as atitudes da Bruna. A ostentação permeou o grupo de discussão em quase todo o seu desenrolar. As professoras são unânimes em afirmar que as crianças/jovens se preocupam em demasia com o fato de que precisam possuir coisas (visão hedonista do consumo), e colocam esse desejo a dificultar que as crianças/jovens construam seus caminhos. Elas não trazem em suas falas o consumo enquanto um ato a propiciar apropriações material e simbólica que configurem sentidos e contribuam na construção da identidade do jovem. Ao contrário, quando mencionam o “ter” em oposição ao “ser”, estão a dizer que não reconhecem no consumo e na ostentação uma possibilidade de formação de identidade, de sentido do eu. Ademais, o fato de as crianças/jovens quererem possuir e ostentar, afirmam, lhes retira o interesse pela escola, pelos livros, pelo saber. As professoras se ativeram especialmente nesse aspecto, o da ostentação que permeia as composições da MC_Bruninha_sp, para manifestar suas críticas a esse movimento musical e coloca-lo no lugar de “má influência”. Com relação a retratação do masculino, observamos no grupo de discussão como as professoras ressignificaram a posição da MC_Bruninha_sp diante da figura do homem. A professora A1, no que concerne a aspirante a MC, afirma que ela se vende pois se atribui qualidades tais como: “eu sou bonita, sou assim, assim” e, em razão delas, consegue o que quer (atenção dos homens e acesso VIP a camarotes, por exemplo). No entanto, ela enxerga, a partir da opção da MC MC_Bruninha_sp em ser solteira, um avanço para as mulheres no século XXI, que hoje, afirma, “está mais independente, não precisa casar para formar uma família, ela tem agora uma opção, casar ou ficar solteira”.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Todo o transcorrer da pesquisa foi marcado por um mergulho no universo do funk, em especial, do funk ostentação. Se, por um lado, respondíamos a nossa problemática e para tanto empreendíamos esforços a fim de desvelar o panorama feminino do subgênero na região paulistana, de outro, nos embrenhávamos em teorias a fim de investigar o que, afinal, esse fenômeno teria a nos revelar quando articulado à luz das mesmas. Quais eram os sentidos que esse movimento musical estaria a reverberar? Desde o primeiro momento a pesquisa exploratória qualitativa revelou-se um instrumento importante em nosso trajeto monográfico. Na ausência de fontes bibliográficas que nos indicassem o panorama para a mulher no funk ostentação no Estado de São Paulo, o construímos a partir do lugar de fala da MC_Bruninha_sp e do DJ Nando_zl, por meio de uma entrevista em profundidade, bem como através de pesquisas documentais. Ainda nesse primeiro momento, participamos de um baile funk a fim de nos aproximarmos para além dos livros, do objeto estudado. E pudemos constatar, desde o início, a baixa representatividade da mulher no funk ostentação quando o foco é o Estado de São Paulo. Ao refletirmos sobre indústria cultural, em nosso primeiro capítulo, a partir de pesquisas bibliográfica e de inspiração etnográfica, nos questionamos se o funk ostentação poderia ser considerado como uma subversão em relação aos moldes do sistema fonográfico. Explicamos: ainda que de origem periférica, o movimento atinge vários públicos e não se articula nos moldes indústria da música – no modelo como a conhecemos. Os artistas têm como marca registrada não produzirem CD’s ou DVD’s e lançarem-se pelo YouTube. No entanto, concluímos que nessa tentativa de subeverter o sistema posto, criou-se um outro sistema, o próprio. E este, a partir de suas regras, já impõe competitividade e demanda – ainda que em menor escala – investimentos para que os artistas possam se adequar à essa nova indústria a fim de lançarem seus sucessos. Portanto, reconhecer o funk como produto cultural é assentir quanto a sua independência, por um lado, e proeminência, por outro, nos espaços onde o seu sentido é construído e onde sua expressão significa, que é a periferia. Porém, que a ressalva seja feita: já há regras a circunscreverem sua produção e a ameaçar a sua independência, inclusive nos espaços periféricos. Quando circunscrevemos nosso objeto de estudo no contexto midiático atual, percebemos que o movimento do funk ostentação comunga o duplo aspecto que ventilamos com os autores estudados, qual seja, traz o caráter reivindicatório de jovens da periferia –

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funcionando aí como um recurso a contribuir para o fortalecimento deste grupo social –, além de mostrar-se uma construção midiática (posto ser via web). Isso evidenciou um caráter participativo tanto no pólo da produção, quanto em relação ao público (vide milhares de acessos dos clipes no YouTube) e demonstrou ser o funk ostentação parte da mídia assim como a mídia é parte do movimento do funk ostentação. Ainda no primeiro capítulo, a partir dos estudos empreendidos acerca do consumo, verificamos que as composições do funk ostentação comungam articulações respaldadas pelo ato de consumir. Aliás, têm nessa atividade o seu mote, sendo ela que o diferencia dos demais subgêneros do funk. E, em nosso entender, o consumo se evidencia como uma ferramenta para que compreendamos os códigos e as práticas especialmente desse grupo social periférico, a quem o funk significa de maneira proeminente. Em nosso terceiro capítulo, já adentrando ao recorte proposto, qual seja, o funk ostentação a partir da perspectiva do gênero feminino, nos detivemos na análise das composições da MC_Bruninha_sp, nos valendo dos instrumentais da análise de discurso de linha francesa (ADF). Definidas nossas categorias empíricas pudemos observar que para além de marcas e estilo, interessa à MC_Bruninha_sp sentir-se bonita, atraente e também, constamos existir um distanciamento entre a realidade cantada e a apropriação material desta realidade. O que se realiza no plano simbólico e produz sentidos a jovem, inclusive o de pertencimento, não repercurte com a mesma eficácia no plano material. Sua declaração social e política, no caso, não está em consumir a marca que canta (consumo este simbólico, posto estar inserido na letra da música), mas sim em manifestar seu desejo por este consumo. MC_Bruninha_sp também coloca a mulher tanto no lugar daquela que domina o parceiro quanto daquela que aceita ser útil ao mesmo, barganhando, neste caso, que o homem lhe sustente. Além disso, suas composições deixam transparecer mais do que uma jovem: é uma mulher que se coloca perante o mundo, independentemente diante de qual gênero. É sua marca colocar-se na realidade e apresentar-se como a mais top dentro desta. Chamou nossa atenção que ostentar é sua atividade constitutiva primária, quase como se fosse uma profissão. Na escola pública municipal de ensino fundamental, EMEF Machado de Assis, pudemos constatar a prevalência do funk no universo dos estudantes. O funk é mais do que simplesmente a música do momento; parece constituir-se, na perspectiva das professoras, o momento com roupagem de eternidade. No pólo da recepção, quando levamos as composições da MC_Bruninha_sp para as professoras, identificamos dissonâncias entre o discurso de quem produz o funk e o modo como ele é ressignificado por quem o recebe. Às professoras não faz sentido ser o funk

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ostentação aquilo que é para Bruna: parte constitutiva de sua identidade, que a faz sentir-se viva, potente e feliz. O consideram em sintonia com a perspectiva trazida por quem vê no consumismo a expressão que traduz o consumo. O que vêem nas composições da jovem, reflete aquilo que pensam do funk, em especial o funk ostentação: por mais que tenha conferido maior poder e autonomia à algumas mulheres, está longe de ser um produto cultural que traz (ou trará) benefícios aos seus alunos. Partimos para a pesquisa motivados por nosso interesse no gênero feminino quando de sua apropriação do funk ostentação e o que pudemos constatar foi um universo bem além de nossa pretensão inicial. Esta pesquisa monográfica reflete e refrata o conflito que o próprio funk ostentação produz na sociedade: é motivo de alegria e empoderamento, de sentido, para alguns, e motivo de asco, medo e distanciamento, para outros. Nestas páginas, não foi diferente: ainda que algumas receptoras desse produto cultural mantenham-se abertas ao funk ostentação, o fazem em consideração ao aprendizado de seus alunos. O significado e a apropriação deste, ao menos no campo simbólico, existe para os jovens, tanto para a aspirante a MC, quanto para os alunos da EMEF Machado de Assis. Não acreditamos serem definitivas as conclusões a que chegamos, ao contrário, são antes janelas a abrirem-se para novos horizontes, permeados por indagações: há de ser obrigatoriamente industrial o modelo que perpassa a contemporaneidade em iniciativas de produção artística a fim de que essas possam fazer-se visíveis ao grande público? Como conferir o alcance que os meios de comunicação de massa têm às produções e aos movimentos locais, que não se inserem na veiculação massificada por não comportar a atratividade necessária para tanto? A partir do plano simbólico, quais são os sentidos que o funk ostentação suscita e que compõem o universo imagético da MC_Bruninha_sp? Em que medida a não apropriação, no plano material, dos objetos ostentados, contribui para que ela se sinta excluída da sociedade de consumo? A quais caminhos o funk ostentação conduz esse jovens, quando o tema é a sociedade de consumo: podemos falar em incluídos ou excluídos? É possível ressignificar a palavra consumo a partir das práticas articuladas nas composições da ostentação?

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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

6.1 LIVROS ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. p. 11-17; p. 99-139. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. ALONSO, Luis Enrique. La era del consumo. p. 30-40. Espanha: Siglo, 2006. BACCEGA, Maria Aparecida (org.). Comunicação e culturas do consumo. São Paulo: Atlas, 2008. BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. p. 9-19. Lisboa: Edições 70, 2010. CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. p. 11-73. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. COHN, Gabriel. Indústria Cultural como conceito muldimensional. In: BACCEGA, Maria Aparecida (org.). Comunicação e Culturas do consumo. p. 65-75. São Paulo: Atlas, 2008. DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. p. 100-101. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2013. ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Os estudos culturais. In: HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C. (org.). Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. 12ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. ESSINGER, Silvio. Batidão: uma história do funk. Rio de Janeiro e São Paulo: Record, 2005. GOMES, Itania. Efeito e Recepção: A interpretação do processo receptivo em duas tradições de investigação sobre os media. Rio de Janeiro: Editora E-papers Serviços Editoriais, 2004. GREEN, Joshua; BURGESS, Jean. YouTube e a revolução digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. p. 17. São Paulo: Aleph, 2009. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. p. 7-22. 10ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. KELLNER, Douglas. A cultura da Mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. p. 9-43. São Paulo: EDUSC, 2001. LEMOS, André, LEVY, Pierre. O Futuro da Internet. p. 25. São Paulo: Paulus, 2010. LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: permanência e revolução do feminino. p. 231239. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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6.2 ARTIGOS ANTONACCI, Andréa; MARCELINO, Rosilene Moraes Alves. Comunicação e Práticas de Consumo: Em Perspectiva, o Funk Ostentação. In: COMUNICOM, São Paulo, SP, 2013.

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(mestrado em comunicação e práticas de consumo) – Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), São Paulo, SP. VIANNA, Hermano Paes. O Baile Funk Carioca: Festas e Estilos de Vida Metropolitanos. 1988. 108 fls. Tese (mestrado em antropologia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. 6.4 Sites BLOG ESCREVA LOLA ESCREVA Disponível em: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2012/06/as-declaracoes-feministasde-valesca.html. Acesso em ago. 2014. BLOG WORDPRESS. PROJETO DE MESTRADO “MY PUSSY É O PODER” Disponível em: http://marivedder.files.wordpress.com/2013/04/marianagomescaetano_projeto_de_mestrado_ ppcult_2013.pdf Acesso em ago. 2014. CLIPE DA MÚSICA “PLAQUE DE CEM” DO MC GUIMÊ Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=gyXkaO0DxB8. Acesso em abr. 2014. CLIPE DA MÚSICA “ONDE EU CHEGO PARO TUDO” DO MC BOY DO CHARMES Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=M095niM05iw. Acesso em abr. 2014. CLIPE DA MÚSICA “TAPINHA NÃO DÓI” DA MC BETH Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=OjqqCITdIYU. Acesso em mai. 2014. CLIPE DA MÚSICA “FIRMA MILIONÁRIA” DO MC MENOR DA CHAPA Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=k2fS8L7o4LE. Acesso em mai. 2014. CLIPE DA MÚSICA “EU GASTO MESMO” DO MC NEGO DO BOREL Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=B9DEyi0ehgs Acesso em mai. 2014. CLIPE DA MÚSICA “DANÇA DA MOTINHA” DA MC BETH Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=wvvrPXK_lRY. Acesso em mai. 2014. CLIPE DA MÚSICA “NOVINHA VEM QUE TEM” DO MC LON Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=HB68xTF7k7M. Acesso em mai. 2014. CLIPE COM APRESENTAÇÃO DA MULHER PIMENTA

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Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MkxghnMTkIE. Acesso em mai. 2014. CLIPE DA MÚSICA “SÓ WHISKY E RED BULL” DOS PACIFICADORES Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ryxnQpg_2qQ. Acesso em out. 2014. CLIPE DA MÚSICA “QUADRADINHO DE OITO” DO BONDE DAS MARAVILHAS Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ArlxGDdhL3w Acesso em out. 2014. LEI nº 5543/09 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Disponível em: http://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/819271/lei-5543-09 Acesso em mai. 2014. PÁGINA INSTITUCIONAL DO WHATSAPP Disponível em: http://www.whatsapp.com/?l=pt_br. Acesso em set. 2014. PORTAL REVISTA ÉPOCA. O funk da ostentação em São Paulo. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/cultura/noticia/2012/09/o-funk-da-ostentacaoem-sao-paulo.html. Acesso em abr. 2014. PORTAL G1. Conheça a história do MC Boy do Charmes. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/jornal-tribuna1edicao/videos/t/edicoes/v/conheca-a-historia-do-mc-boy-do-charmes/2541837/. Acesso em mai. 2014. PORTAL G1. MC de funk ostentação de São Paulo faz maratona de até 50 shows por mês. Disponível em: http://g1.globo.com/musica/noticia/2013/05/mc-de-funk-ostentacao-de-spfaz-maratona-de-ate-50-shows-por-mes.html. Acesso em mai. 2014. PORTAL G1. MC Guimê lança clipe completo de país do futebol com Neymar. Disponível em: http://g1.globo.com/musica/noticia/2013/11/mc-guime-lanca-clipe-completode-pais-do-futebol-com-neymar-veja.html. Acesso em mai. 2014. PORTAL R7. Dez vídeos mais vistos da semana. Disponível em: http://entretenimento.r7.com/musica/fotos/confira-os-dez-videos-mais-vistosda-semana-20120909-5.html. Acesso em mai. 2014. PORTAL R7. Letra música Hoje na casa do seu Zé da MC BRITNEY. Disponível em: http://www.vagalume.com.br/mc-britney/hoje-na-casa-do-seu-ze.html. Acesso em mai. 2014.

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WEBSTER DICTIONARY. Disponível em: http://www.merriam-webster.com/dictionary/funky. Acesso em: ago. 2014.

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ANEXOS ANEXO

A:

QUESTIONÁRIO

DA

ENTREVISTA

EM

PROFUNDIDADE

REALIZADA COM A MC_BRUNINHA_sp E O DJ NANDO_zl 1. Nome: 2. Idade: 3. Onde mora. Com quem mora: 4. Tem irmãos; quantos: 5. O que gosta de escutar de música: 6. Como passou a escutar funk: 7. De quais cantores(as) mais gosta no funk: 8. Qual o funk que mais curte. Por que: 9. Quem na família também escuta funk: 10. Vai com que frequência a bailes funk: 11. O que acha legal no baile funk. Por que: 12. O que não acha legal no baile funk. Por que: 13. Quais artistas de São Paulo conhece/gosta: 14. O que acha do funk de São Paulo: 15. Quais artistas do Rio conhece/gosta: 16. O que acha do funk do Rio: 17. Ser cantora de funk é _________________ 18. Como surgiu a ideia de se tornar funkeira: 19. Como é compor as próprias músicas: 20. Sobre o que você mais gosta de falar nas suas músicas: 21. Quantas músicas já estão prontas: 22. Tem previsão de quando terá clipe pronto: 23. Quais são as dificuldades para a mulher se tornar cantora de funk em SP: 24. Quais são as facilidades: 25. O que pensa da mulher funkeira: 26. É diferente mulher e homem no funk. Por que. Em que: 27. O que é o funk ostentação pra você: 28. Pra você ostentar é:

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ANEXO B: TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA EM PROFUDIDADE REALIZADA COM A MC_BRUNINHA_sp E O DJ NANDO_zl Rosilene - A gente é da escola ESPM e a Camila está desenvolvendo um projeto em cima do funk ostentação, olhando a mulher dentro desse cenário do funk ostentação, esse é o 7º semestre que ela está eu sou orientadora dela e a gente está fazendo essa pesquisa sobre o funk ostentação e também com o rap. No primeiro momento eu escutei apenas as letras de música de alguns mc’s e escutei também o rap do Racionais. Então a gente quer entender agora (inaudível 00:41) e a Camila tem essa pesquisa que é bem legal, de olhar a mulher, de falar do gênero feminino dentro do funk ostentação, e ela começou a procurar e foi muito difícil, e ai ela foi atrás da Erica que trabalha com ela até chegar em um menino que foi super gentil e que colocou todo mundo em contato. Essa nossa conversa vai ser sobre esse projeto e eventualmente nós utilizamos algum (inaudível 01:16) nós estamos avisando tudo a vocês, estamos conectados pelo WhatsApp, pelo Facebook e vamos trocando figurinha, porque nós sentimos que falta uma relação mais próxima com as pessoas que vem para contar como que é à (inaudível 01:34) e é nisso que vocês vão ajudar muito a gente. A Camila vai conversar com vocês, eu vou até pegar o celular dela para ela ficar mais tranquila e ir filmando se ela preferir para ir conversando. Ela fez aqui algumas perguntas e ai no final se vocês quiserem passar o nome completo de vocês e o RG porque é questão de direito de imagem e de som para a gente poder registrar. Meu nome completo é Rosilene (inaudível 02:11) está exatamente assim no Facebook e no Instragram. Camila – Eu preparei umas trinta perguntas, a ideia inicial é realmente perguntar para a Bruna, mas como nós vimos que você tem bastante conhecimento de músicas se quiser falar e complementar também será utilizado na pesquisa. Me fala o seu nome completo, depois seu nome artístico e depois o RG? Bruna - O RG eu não lembro. É Bruna Caroline da Costa Sousa e meu artístico McBruninhasp. Camila – E de onde surgiu o Brininhasp? Bruna – Foi um empresário que me deu esse nome porque já existe uma mc Bruninha então eu tive que colocar o SP para mudar. Camila - E ela é de São Paulo essa outra mc Bruninha? Bruna – Eu não sei. Camila - E o que você acha legal do baile funk de São Paulo?

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Bruna - Tudo, eu amo tudo, para mim tudo é bom no funk. Camila - Porque você acha tudo bom? Bruna - Por eu gostar. Camila - Mas são as músicas, é o jeito que o pessoal conversa, é a atmosfera, do lugar, que você pode beber muito, dançar muito, paquera? Bruna - É um pouco de tudo. Camila - Como que você passou a escutar o funk? Bruna - Na verdade desde criança, eu gosto muito, já a convivência da família sempre foi funk. Camila - Seus pais sempre escutavam? Bruna - Na verdade minha mãe hoje é evangélica, só que ela sempre gostou de funk. Rosielene - E como é essa relação sua mãe hoje evangélica e você? Bruna - No começo era difícil, agora ela está aceitando mais, porque tem empresário, DJ. Rosilene – Quando você fala que funk é bom assim, mentaliza que você está em um baile funk, procura descrever para a gente essa sensação. Bruna - É uma felicidade, quando eu estou no meio do baile funk meu Deus do céu, esqueço todos os problemas, pelo menos eu sou assim. Rosilene - E você Nando? Nando – Na realidade é o que ela falou mesmo, você está dentro do baile funk você não está preocupado com os problemas, você esquece tudo, você está ali para curtir, você quer beber, não se preocupa com filhos, com casa, com carro que está sendo roubado lá na rua, se alguém está vendendo droga do seu lado você não liga, você quer curtir, quer ouvir a música. Eu mesmo quando escuto a música viajo. Camila – Bruninha, porque você acha que a mulher se sobressair, virar funqueira aqui em São Paulo, sendo que no Rio de Janeiro a gente tem a Valesca, funqueiras conhecidas, porque aqui em São Pualo a gente não tem funqueiras conhecidas? Bruna – De verdade não sei. Camila – Para você, ser cantora de funk é? Bruna – Tudo; é um sonho desde pequena mesmo, sempre. Camila – E você compõe as suas próprias letras? Bruna – Eu mesma, todas as letras, não teve nenhuma cantada que alguém fez para mim, eu mesma. Camila – E como que é isso, você se fecha no quarto, você escreve como é esse processo?

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Bruna – Ah sei lá, vem do nada, às vezes eu estou dormindo vem a musica na cabeça e eu já acordo para escrever. Camila – Mais ou menos quantas músicas você já tem? Bruna – Eu tenho 20, 30 mais ou menos, eu não tenho muito tempo para escrever assim, tem que lançar uma por uma, não adianta você colocar um monte de música e não valer nada, então eu vou fazendo aos poucos. Ontem mesmo eu fiz duas. Rosilene – Sobre o que fala essas músicas? Bruna – Sobre ostentação mesmo. Carro, moto, praia, essas coisas assim. Rosilene – Você compõe Nando? Nando – Eu não componho, como eu sou DJ minha área é outra, só montar os kit’s para o pessoal cantar e só dançar. Camila – E o que você pensa das mulheres funqueiras? Das artistas e das que frequentam o baile? Bruna – Mesma coisa que eu penso que gostam muito de funk e tal, para mim é a mesma coisa que eu assim. Rosilene – O visual? Bruna – Eu gosto. Camila – E os homens assim, você acha que tem diferença entre o mc Guimê que canta o funk ostentação e outra funqueira mulher que cante funk ostentação tem diferença? Bruna – Para mim nenhuma diferença, é a mesma coisa para mim, a mesma visão, não muda em nada. Camila - E você tem opinião sobre o funk do Rio de Janeiro? Quando você escuta funk você sabe identificar, ah esse aqui é de São Paulo? Bruna – Para mim o funk de São Paulo e do Rio de Janeiro são os melhores de todos. Camila – O que você não acha legal no baile funk? Bruna – Muita droga essas coisas assim, não gosto muito. Eu gosto mais pelo ritmo assim, as músicas, mas quando cai no baile funk é muita droga, muita sabe? Camila – Aqui em São Paulo, nos bailes? Bruna – Principalmente. Rosilene – E você Nando? Nando – Como eu disse, está um pouquinho você ir para o baile funk e não ver duas ou três pessoas usando, sempre tem alguém usando, pode ser a casa mais rigorosa que tem, vai passar, alguém vai passar ali com alguma coisa no bolso, no sapato e vai usar mesmo, mas é aquilo, eu mesmo no meu caso não vou ali para usar droga, vou ali para curtir se eu estou a

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trabalho eu estou a trabalho, se estou ali para curtir vou para curtir, minha meta é essa. Tem gente que vai ao baile funk para usar, tem gente que vai para se divertir, tem uns que vai para pegar mulher e tem uns que vai para curtir mesmo. Camila – E a gente está falando de quais drogas? Nando – Baile funk rola bastante o lança perfume, maconha mesmo, você não vê farinha ou balinha, é mais o lança perfume mesmo, o pessoal gosta do lança perfume. Bruna – Mesmo eles revistando eles ainda conseguem entrar com a droga, não sei como, mas conseguem. Camila – A gente não tem noticia assim de... Nando – Às vezes até os donos da casa que vendem, já vi muitos, às vezes eles proíbem um de entrar, mas tem esquema com um, tem esquema com os seguranças mesmo. Camila – Mas vocês acham que tem alguma ligação com o tráfico com o funk? Bruna – Não. Nando - Já foi muito, o “proibidão” antigamente, mas hoje em dia não, o funk é para se divertir mesmo, conhecer pessoas, nada disso. Camila – Você vai com que frequência para baile? Bruna – Agora muito pouco, eu vou mais para cantar, para trabalho, porque antigamente era todo final de semana eu estava lá, foi assim que foram me incentivando a virar MC assim, para falar a verdade eu sempre quis, mas eu não tinha contato com DJ’s nenhum, com MC’s, não tinha conhecimento com nada, foi ai que eu conheci o DJ Thiago, que foi meu primeiro DJ, depois eu fui conhecendo mais DJ’s, tanto que eu conheci o DJ do Bonde das Maravilhas, ele se ofereceu a ser meu DJ também, ai eu comecei a fazer mais músicas, comecei a cantar em mais bailes, normal. Camila – E quando você está cantando que parte as pessoas gosta mais das suas músicas? Você está falando sobre o que? Bruna – Na verdade o povo é assim, quando mulher canta eles querem que a mulher canta mais no estilo Britney que é mais o lado de putaria, funk ostentação é mais para o lado de homem. Eu não vejo por esse lado, mas é o que os homens mais... Camila – Mas o que seria putaria? Bruna – Cantando putaria, dançando no palco também chama a atenção. Camila – Mas cantar putaria em que sentido assim? Fazer a letra da música? Bruna – Só a letra, que nem a Britney “Na Casa do seu Zé” está estourando essa música, e ela canta com muita putaria. Camila – E você tem letra com putaria?

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Bruna – Eu já cheguei a fazer, mas não cantei ainda não. Camila – E você coloca a mulher como assim? A mulher domina o homem, o homem domina a mulher? Bruna – Eu coloco os dois lados, eu vejo o que o povo vão pensar, não adianta colocar qualquer putaria, que nem ela, ela coloca coisas absurdas. mas mesmo assim ela está bem famosa. Camila – O que o pessoal do baile gosta mais, quando a putaria é a favor da mulher e a mulher dominando ou a favor do homem, do homem dominando? Bruna – Para o lado dos homens os homens dominando, para mim para as mulheres dominando o homem, então... Camila – Eu já ouvi falar que antes a mulher ficava com muito medo do marido e depois do funk ela passou a ficar mais livre, mais solta, o que você acha disso? Bruna – Isso ai é realidade mesmo, desde sempre, depois do funk que mulher começou a cantar funk mudou muito. Rosilene – Nando como que você vê essa questão das letras cantadas pelas mulheres, com outro apelo que a Bruninha está falando? Nando – O que eu acho como ela mesma disse, os homens querem ver as mulheres no palco cantando putaria, eu já vejo por outro lado, eu gosto de ver as mulheres no palco com as músicas que ela sabe cantar, que a voz dela via ficar boa, não adianta chegar lá no palco e ficar aquela coisa forçada, você faz aquela coisa forçada que não é para você não adianta, no baile funk a gente está lá para curtir todos os tipos de músicas, a gente vai curtir a putaria e o funk ostentação, mas se ela vai subir no palco o que ela cantar a gente vai estar ouvindo, vai dela querer ou não, como eu já disse antes para vocês, tudo precisa de uma música para estourar, não importa se você vai estourar com a música de putaria ou com o funk ostentação, o que importa é você se manter depois, ai você vai escolher o lado que você quer jogar da moeda. Ou nos dois ou em um só. Camila – Como surgiu essa ideia de ser funqueira? Bruna – Para falar a verdade desde pequena mesmo, para mim sempre gostei de funk, já compunha música desde sempre, mas eu não cantava, tanto que eu já tenho músicas gravadas, foi por isso ai que eu falei, não conhecia um DJ na minha vida, então para mim era difícil mesmo, mas eu nunca deixei de sonhar mesmo, sempre quis ser MC. Rosilene – Como você chegou mesmo a isso? Bruna – DJ’s. Ele foi morar onde eu moro, o DJ, ai pelo WhatsApp ele queria me escutar cantando, ai eu cantei uma música para ele mas sem pensar que tinha um DJ lá no grupo, ai

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ele perguntou quem era a menina que estava cantando, ai ele disse, parabéns, a partir de hoje sou seu DJ. Foi ai que começaram a me incentivar, fazer mais letras, cantar em vários lugares. Camila – E qual o próximo passo agora? Bruna – Por enquanto não sei. Rosilene – Você faz quantos shows por semana? Bruna – Por enquanto três vezes por semana, semana passada eu cantei em Santo André. Rosilene – E você recebe pelo show? Bruna – O cachê está R$700,00 por show, eu comecei agora, faz cinco meses a cantar mesmo. Camila – Você consegue se sustentar com shows já? Bruna – É que eu moro com minha mãe é mais por diversão por enquanto, é mais por divulgação, eu não penso em dinheiro não, quando estiver conhecida mesmo, para mim estar cantando já está ótimo que é o que eu gosto. Rosilene – E fala para a gente como que vocês se conheceram que isso é bacana de registrar. Nando – Foi através de grupo de WhatsApp mesmo, uma amiga de amiga que me conheceu colocou eles no grupo, ela cantou, eu deixei o contato dela salvo, qualquer coisa eu chamo, ai vocês pediram... Bruna – Ai conheceu minha irmã e nem sabia que era minha irmã. Nando - Eu conheci elas e deixei salvo, qualquer coisa eu falo com elas, mas até então não conversava bastante, é muita coisa no WhatsApp você esquece das coisas, às vezes você manda um oi e fica por isso mesmo. Camila – O que você acha que é o funk ostentação para você? O que você entende por funk ostentação para você? Bruna – Para mim fala de luxuria, carro, de valores muito grandes, carro, moto praia, é o que eu entendo. Rosilene – Você falou em luxuria, para você luxuria? Bruna – São carros importados, casas mansão. Rosilene – Para você o que é ostentação? Nando – Luxuria e ostentação para mim é você poder chegar em um lugar e não precisar perguntar o preço. Isso é luxuria, você chegar em qualquer coisa, não precisa saber o valor, o que você quer é seu, isso é ostentação, isso é você ter. Camila – Dos artistas qual você mais gosta de São Paulo e qual você mais gosta do Rio de Janeiro? Bruna - Nem sei quem é do Rio de Janeiro e quem é de São Paulo.

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Rosilene – Nando, se você quiser ajudar ela. Nando – Magrinho, Nego do Boréu. Bruna – Não gosto do Magrinho, ele é muito desumilde. Nando – GW é de São Paulo. Bruna - Não, eu tenho vários, eles têm meus contatos, tenho eles no WhatsApp, só que não sei de onde é se é do Rio de Janeiro ou é de São Paulo, mas eu converso com eles. Bruna – Eu sei que o Catra é do Rio de Janeiro, porque ele já me falou que está estourando agora, mas eu não curto muito porque ele é muito putão mesmo, tanto que fechou um baile de tanta putaria que ele cantava lá em Mogi, foi fechado um baile de tanto que ele cantava, ele é proibidão mesmo, aquele ali só por Deus, não gosto muito não. Camila – Ele pega mulherada geral no palco? Bruna – Ele tem 21 filhos com cinco mulheres, ele é casado com cinco mulheres ele falou para mim, falou que não aguenta mais filho não, mas também, pelo amor de Deus. Camila – Quem mais? Bruna - Eu gosto muito mesmo do (inaudível 20:08). Mulher mesmo a única que eu me inspiro mesmo é a MC Pocahontas, que é estilo skatista que é o que vamos vestir agora, o figurino agora vai ser estilo Pocahontas, mas é a única mulher para mim, agora homem são vários. Camila – A Pocahontas ela canta ostentação né? Bruna – Ela é só ostentação, por isso que eu gosto dela. Nando – Ela é bonita. Camila – E ela se veste como skatista? Bruna – Skatista, é o estilo dela, é o estilo que eu quero seguir. Camila – Que é o que esse estilo de skatista? Bruna – É usar boné, salto às vezes, ai tem shortinho. Nando – Na verdade ela puxou das americanas, se você ver as americanas no Black, a Pocahontas no Brasil é no funk elas procuram as tendências lá fora. Bruna – A Pocahontas canta ostentação e se veste bem. Camila – E no baile as mulheres se vestem mais como Britney ou Pocahontas? Bruna – Britney mesmo. É difícil você ver uma Pocahontas lá. Você falou de baile funk é roupa curta, shorts curto, é difícil você ver uma pessoa de calça no baile funk. Nando - Vestidinho propaganda. Bruna – Tem umas que dançam daquele jeito, mas é assim. Rosilene – Você se conecta com todos eles pelo WhatsApp e eles são disponíveis.

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Bruna - Nem sempre é disponível. Camila – Mas tem fácil acesso, não é uma coisa de outro mundo. Bruna – Hoje em dia está mais fácil mesmo. O Mc Pedrinho, ele está fazendo sucesso está cantando putaria, 12 anos, eu conheci ele pessoalmente, no dia da gravação do meu grupo ele estava lá. Só tem eu de mulher. Camila – Fala um pouco do seu grupo para a gente. Bruna – A gente começou agora com essa equipe, então fazendo camisa, várias coisas, é bom que quando marca show vão todos os MC’s entendeu? Já fecha o pacote. Rosilene - Vocês ensaiam, como que é? Bruna – Geralmente a gente ensaia, a gente marca para ensaiar no estúdio onde a gente grava todo mundo grava junto, a gente faz tudo junto. Camila – E ai quando é contratado para show vai a equipe inteira? Bruna – Vai a equipe inteira, tanto que em Santo André cantaram trinta MC’s, chamou eu, que sou a única mulher. Eu passei até mal de tanta gente que tinha lá, quase que não consegui entrar, mas eu entrei. Camila – Coragem eih? Bruna – Coragem, porque é a única mulher e chamou a atenção do baile todo. Rosilene – Será que vocês poderiam fazer uma gentileza para a gente? De quando for gravar mandar imagens para a gente? Brunas – Geralmente sempre gravo. Eu tenho vários vídeos, só que não está aqui comigo, depois eu posso mandar para vocês, está com a fotógrafa, ele fez o vídeo, vai jogar no Youtube também, está a maior correria. Camila – Mas se tiver fácil acesso pode mandar via WhatsApp. Rosilene – Me conta uma coisa Nando, você trabalha na produtora que você estava falando... Nando – Não eu trabalho na TV agora, meu ramo é TV, mas como eu pego festas e eventos para tocar, hoje eu não posso ficar acompanhando os MC’s por causa desse meu outro trabalho, porque se eu pudesse estar acompanhando eu acompanhava todo mundo, marcando show, mas como eu tenho outro trabalho, não posso mais. Camila – Eu vou cumprir as perguntas que eu bolei aqui e vou passar as que eu estão faltando tá bom? Onde que você mora e com quem você mora? Bruna - Por enquanto eu moro com minha mãe, meu padrasto e cinco irmãos, mas eu vou morar sozinha agora. Camila – Essa ida para Santo André vai ser...?

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Bruna – Vai ser tudo diferente, párea mim principalmente. Camila – Você tem qual idade mesmo? Bruna – Vou fazer 19 anos. Já era para eu estar morando sozinha, eu voltei para a casa da minha mãe tem pouco tempo, eu morava com minha avó, ai eu sai do serviço e estou recebendo seguro desemprego agora, tem mais dois meses para receber, mas eu pretendo arrumar um serviço também, não vou ficar só nessa vida de MC, só quando estourar mesmo que eu vou sair. Camila – Você trabalhava com o que? Bruna – No AçaiBeach, eu ficava no caixa cobrando em Mogi das Cruzes, eu morava com minha avó, mas eu trabalhava a noite, era difícil porque eu tinha que ir embora de ônibus, era só eu no ônibus, eu andava mais 15 minutos, era difícil, tive que pedir as contas, mas ai ele entendeu o meu lado e fez um acordo, agora eu estou recebendo o seguro. Por enquanto eu estou de boa em casa, só com isso. Camila – Até acabar o seguro você fica de boa. Bruna - Mas eu não gosto de ficar e4m casa não, eu gosto de trabalhar. Rosilene – Você vai mudar para Santo André, e hoje você mora em? Bruna – Jundiapeva, Mogi das Cruzes. Rosilene – E você Nando? Nando – Moro no Jardim Campos, perto do Romano. Rosilene – Com quem você mora? Nando – Eu como separei então voltei para a casa da minha mãe. Eu estou ajudando ela a construir porque ela mora na minha casa, a casa é minha, agora eu estou ajudando ela a construir a casa dela, e ai eu fico com a minha casa. Camila - Você tem irmãos Nando? Nando – Tenho 11 irmãos, eu sou o mais velho, mais o meu pai que tem outra mulher, mais 3 filhos, mas dentro da minha casa mesmo são 9 com a minha mãe e meu padrasto. Camila – O que você gosta de escutar de música além do funk? Bruna – Eu gosto de sertanejo, eletrônico bastante, gosto de pagode, mais pela família do meu pai que é pagodeiro, mas nada tira da minha cabeça que eu amo funk. Para escolher entre todos os estilos eu prefiro funk, só não gosto de rock, não suporto. Rosilene – Se você tivesse que escolher uma música representa quem eu sou? Bruna - Agora você me pegou porque eu gosto de muita música. Rosilene – Dá alguns exemplos para a gente? Bruna – Vários.

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Rosilene – Você estava falando que levou 1 hora para chegar aqui de trem? Brunas – De carro seria mais rápido, mais é melhor de trem porque é rapidinho, mas se fosse de ônibus muito tempo eu iria levar. Rosilene – Enquanto ela pensa Nanda conta para a gente algumas músicas que representem quem você é? Nando – Ai você pegou legal, é uma pergunta muito difícil de ser respondida, se eu for lembrar das músicas para dizer quem eu sou, eu vou começar das antigas mesmo, se eu não me engano tem uma música do Lon também, Prejudicado Pobre e Preto, fala da realidade do preto mesmo, que é pouco visto, a gente tem o racismo em alta, então essa música do lon é minha definição. Rosilene – Você lembra o nome dela? Nando – Partido P. E tem do Racionais que é o Nego Drama. Bruna – Muitas músicas me deu um branco. Nando – Se você for pegar lá do rap já começa na ostentação do rap com o Racionais que é o Vida Loca, ali começa ostentação, Vila Loca um e a parte dois. Eu acho que todo MC que começou na ostentação começou com Racionais. Bruna – O Mc hoje em dia mesmo que fala que é fã vem de lá de traz. Nando – Têm que escutar Racionais para poder ver esse mundo de ostentação, eles foram os primeiros a cantarem. Todo MC começa no rap, se você pegar os MC’s da antiga mesmo mc esmeralda, chapa, Catra mesmo, começaram tudo no rap e ai vem. Camila – E porque você acha que distancia, porque o rap ele tem um viés muito social, ele fala muito da realidade, porque o funk vai fugir desse apelo social? Nando – Como eu falei o rap fala da realidade do brasileiro mesmo, de como esta vivendo na favela, tudo isso, o funk ele está fugindo desse contexto, ele está falando que o cara da favela vai poder se levantar, ele pode se levantar através da música, do futebol, o cara da favela vai conseguir a ostentação, só determinação, começar a cantar e vai embora, nenhum MC fica rico da noite para o dia. Nenhum DJ vai ficar milionário, se você não batalhar e correr atrás, não vai para frente, como eu disse, sempre precisa de uma música para estourar. Bruna – Tipo, Don Don, não tem nada a ver se você parar e pensar, eu estava aqui no baile escutando aquele som, estourou, você tem que produzir alguma coisa pensando no que eles vão ouvir também. Nando – É o famoso dingo, você tendo o seu dingo pronto, MC Pedrinho, Don Don Don. Gruda que nem chiclete, todo MC está cantando agora. Quem está divulgando bastante a

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música dele agora é o (inaudível 31:29) cantou a música dele e pronto, estourou mais ainda, ele cantava lá no proibidão antigamente. Bruna – E eu acho que essa música Don Don que ele canta ele não canta sozinho, canta com um famoso, então ajudou bastante, ele canta com o magrinho. Nando – Mas a parceria dele é com o Flavinho, depois o Magrinho se intrometeu, o Magrinho viu que tinha futuro e abraçou o moleque. Bruna – Ai a música estourou. Isso porque ele tem duas ou três músicas que ele estourou por enquanto, só putaria. Nando – Fez com o GW um dos reis da putaria, ele canta putaria até umas horas. Eu acho que os MC’s que eu adoro escutar de putaria é Magrinho e GW, não pode faltar o GW, se não colocar o pessoal te esculacha bastante, então você tem que conhecer, como o MC tem que saber a música que ele vai cantar o DJ tem que saber qual música ele vai tocar. Não adianta falar nada, eu toco todos os gêneros de música, porque como eu pego balada, show e eventos eu tenho que conhecer tudo então eu vou do rock ao sertanejo, até evangélico eu escuto, tem funk evangélico, então eu tenho que conhecer todos os tipos de músicas. Não adianta você me contratar e Fernando eu gosto de sertanejo e eu, ah eu não toco sertanejo. Eu sou DJ cara, se eu quero ganhar dinheiro é com isso, é isso que traz meu salário no final do mês entendeu? Eu não nego festa, pode ser até o cara da macumba, vamos tocar no velório, to indo cara, o que me move é o dinheiro. Rosilene – Vocês estudaram até que série? Bruna – Eu terminei ano passado graças a Deus. Nando – Eu terminei também, fiz alguns cursos por ai, estou hoje em dia correndo atrás de cursos, mas estou esperando meu filho nascer, na hora que ele nascer ai desaperta o bolso... Porque enquanto não nasce à gente gasta dinheiro para comprar as coisas, quando nasce é as coisas básicas, mas ai eu vou começar a fazer meu curso de sonoplastia mesmo, minha área entendeu? Rosilene – Você tem o Matheus e agora? Nando – Vai ser o Luigi agora. Camila – Nossa, mas você é novinho e já tem dois filhos? Nando – Novinho só na aparência, graças a Deus. É bom ser negro por isso ai, você não envelhece. Camila – Vocês comentaram da música, como escreve e tudo mais, sobre preconceito vocês já enfrentaram alguma situação?

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Nando – Já enfrentei de preconceito quando era mais novo, tinha um rapaz da minha rua que me chamava de café, eu odiava isso, isso é chato, você ser julgado pela sua cor, meu pai é branco, minha mãe é negra, eu nasci moreno, é minha cor, amo minha cor, sou mais ser negro do que ser branco, eu acho que se você pegar no passado, quem era escravo na Roma antiga eram brancos, tinha negro escravo, mas se você pegar na Roma antiga os próprios brancos eram escravos, a raça mais dominante da Terra não é o branco é o negro, o negro sofre o negro apanha e o negro está de pé, ele acorda cedo todo dia para batalhar o pão dele de todo dia. Te garanto que uma Terra de sol quem sobrevive é o negro, o branco vai sofrer e eu estou aqui de boa, o branco vai queimar e o negro vai ficar mais moreninho, então quem é a raça mais dominante, você acha que é o branco? Para mim é o negro, mas eu ponho isso lado a lado, todo mundo tem que caminhar junto. Bruna – Graças a Deus não, tranquilo. Camila – Nome completo e RG? Nando - Fernando Henrique Pereira da Cunha, portador do RG 49.364.092-07. Camila – Qual o seu telefone para contato para as gatinhas? Nando – 95901-6553 Bruna – O RG eu não tenho aqui agora, mas meu nome é Bruna Caroline da Costa Sousa. MCBruninhasp. Nando – Meu Google é DJNandozl

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ANEXO C: COMPOSIÇÕES DA MC_BRUNINHA_sp 1. 'P0rtando os kits ' V0u mandando um papo reto ,novinho vou te falar ,Sou a mc bruninha e vim aqui para cantar ! Toda Trajada bem perfumada hoje eu vou causar ,perfume exalando e o baton brilhando aonde noís chega ,noís sabe zoar De pulo do gato , EGEO* é o mais caro ,nois ta podendo gastar , Recalcada fica em choque quando nosso bonde chega,noís nao precisa pagar é só chegar na transparência Com o bonde das Alerquinas voce vai querer brizar , com a mc bruninha chegando pra ostentar POde ser a HOllyster,lacoste ou abercrombie o importante dessa coisa, é fechar com o bonde Adidas é 12 molas ,o mizuno que é de 1.000 é só chegar com os kit ,que as novinha fica á mil Forgando entao vem novinho, que tu vai se apaixonar , só nao se ilude noís só vive de Ostentar Os novinho troca ídeia mas eu curto ser solteira ; Vida de casada nao é o meu dilema mc bruninha_sp * perfume do Boticário - R$84,00 2. ' NO Estilo panicat ' Chego no estilo panicat , chamando atençao do chefe ,vestido maria guecha*, e montada na Hornet* ,A sandalía é da luí luí* , e no pescoço um cordaõ . OLha só que coisa louca Eu vou conquistar o patraõ De longe eu avistei os novinho tudo pousado,Quando passo na Hornet ou dentro de um Camaro A bolsa é lowis vitton e a sandalia é valentino , Pra ganhar um presente desses só basta me ver sorrindo Nao me contento com tao pouco , meu negocío é ostentar ,na garupa da R1* de HB20 é nois que ta Final de semana o piaõ é de jet,na praia de guarujá , Ospedada no lazer ,na mansaõ a beira mar

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Pras amigas eu passo um rádio ,chega fardada que hoje tem e os novinho chega pesado portando mercedes bem ,nextel ta na cintura, pode crer que a noite é nossa ,depois do piaõ pesado no resumo nois encosta Mas gato vou falar pra tu, banca que eu faço gostozo só pra te satisfazer vou rebolando mais um pouco É só chegar com as bebida no resumo nois encosta ,nas festinha de lazer ,tem o Wisk e tem a vodka,absolut é no gelo só pra dar uma forgada ,Olha como é que nois ta , vou dar um piaõ de sonata Mas olha só que coisa louca falou que eu já gamei ,Mas eu vou falar uma coisa ; (2×) Tu só botou porque eu deixei! mcbruninha_sp * loja de roupas femininas que apostam em mulheres sexy: http://www.mariagueixa.com.br * moto Honda +/- R$35.000,00 * sandálias moda surf * moto Yamaha R$65.500 3. ' Forgando de camarote ' EU chego no camarote área vip é reservada ,convido os mais top pra enfeitar a balada ,é só de área vip trás chandon desse o wisk ,trás o baúde de gelo que os novinho nao resiste Ha! Se destacando como a mais top recalcada nao tem vez e já fica tudo em choque ,Tiro um lazer na garupa da 1.100,pode pá que hoje nao tem pra ninguem Se o lema é ostentaçao pode pá que nois roba a cena,chega na pura humildade ha! Esse é o dilema Ta ligado a firma é forte ostenta no lazer , que a humildade prevalece , isso voce pode crer Entao vem novinho que nois ta patrocinando só chegar no camarote que as mais tops tao forgando Encosta que hoje tem ,nosso bonde tem capitiva,cavazak e a 1.100 Nosso bonde tem capitiva ,cavazak e a 1.100 mcbruninha_sp

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ANEXO

D:

QUESTIONÁRIO

DA

ENTREVISTA

EM

PROFUNDIDADE

REALIZADA COM A COORDENADORA E UMA PROFESSORA DA EMEF MACHADO DE ASSIS Sobre a escola: 1. Existe há quanto tempo 2. É de qual esfera do poder publico 3. Horário das aulas 4. quantidade de alunos e de professores 5. Como é o ambiente em geral: para alunos e professores Sobre a escola e o entorno: 6. Atividades extracurriculares 7. Relação dela com o bairro 8. Relação dela com a esfera pública 9. Espaço físico 10. Papel da escola na formação do jovem 11. Escola enquanto ambiente de trabalho para os professores Sobre o jovem: 12. Quem são/ Realidade desses jovens 13. Perspectivas 14. Relação com a escola; colegas; professores Sobre funk: 15. Objeto de pauta de reunião pedagógica 16. Como vêem o funk: alunos, professores e coordenação 17. Presença da música na escola

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ANEXO E: TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE REALIZADA COM A COORDENADORA E UMA PROFESSORA DA EMEF MACHADO DE ASSIS Coordenadora e docente: Entrevistada 1 - Eu sempre tive resistência porque eu sou eclética, mas eu tenho um bom gosto musical vindo de MPB, daquela coisa de raiz, de Milton, de Chico né? Então de repente você se depara com funk. Então, o Gustavo que me introduziu, meu filho que hoje tem 19 anos, então ele ouvia, tinha um amigo carioca, e vinha com aquelas letras, e eu achava um absurdo, meu Deus, rebola, desce na boquinha, faz isso, faz aquilo, e assim, sempre tive essa coisa dessa análise musical, de tentar quando estou em sala de aula trabalhar coisas assim como Adoniran Barbosa, Chico Buarque de Holanda, trazer coisas boas para os alunos, porque é um universo que eles desconhecem né? Quando você pega um aluno que conhece uma música de MPB você fala caramba, o pai e a mãe, o avô e a avó já ouviam, e assim, como é que eu vejo trabalhando aqui? Porque aqui a gente está em uma comunidade que ela é meio barra pesada, a gente é muito bem visto porque já está aqui há muito tempo, mas no começo do ano a gente tem aquele cuidado de apresentar todos os professores que estão chegando para ficar conhecido na comunidade. E o que você vê, a gente tem o cuidado de não tentar impregnar a sala de aula principalmente, então quando a gente já vê um aluno pá, pá, pá, querendo começar a gente já corta, é um boicote mesmo, porque a gente sabe que eles ouvem aquela coisa de baixo nível mesmo, que a gente tem contato com a meninada pelo Facebook, então a gente sabe o que eles publicam, muitas vezes é aquele baixaria, eu até chamo a atenção deles pelo Facebook mesmo ou por aqui, olha vou ligar para a sua mãe. Para ver que a gente está atenta, mas quando a gente vem de carro, muitas vezes no final de semana a gente vê a meninada no meio da rua com o som ligado alto, dançando aquela coisinha até o chão, e é desde o pequenininho até a grandona né? Você vê que é a influência realmente, e não adianta falar que o funk não está impregnado né... Isso é a meu ver, eu falo caramba, eu preciso até abrir um pouco porque eu sou de repente até muito arcaica né? Mas eu vejo ele com essa questão da sensualidade, da vulgaridade da mulher mesmo, de dizer que "a mulher te jogo na parede, pego ali, chupa ali", é o que a gente ouve a meninada falar, e está complicado. Moderadora - Até a questão que a Professora EF me falou que um professor propôs uma atividade com funk e ai...?

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Entrevistada 2 - Na verdade ele estava trabalhando uma música para uma apresentação, só que nesses intervalos ele punha outras músicas para a meninada ficar dançando, e a gente escuta a música, porque ele fica ali no pátio e as professoras tudo, eu não lembro direito qual era a música, a gente até questionou o som alto e ainda põe aquelas músicas que eles adoram e ai a gente tenta... Na verdade a discussão foi do barulho primeiro e rolou um assunto sobre o funk, mas não diretamente voltado para um funk para apresentação, não, era uma música da Shakira. Entrevistada 1 - Eu acredito que muitas crianças entram na inocência, porque a batida do funk realmente é algo que atrai, não adianta falar que... Por exemplo, aquele ta-ra-ta-ta eu acho maravilhoso, a batida, mas quando eles começam a cantar, eu acredito que muito daquilo que eles cantam eles não sabem o que é, igual à Gabi no HBTC passado ele estava falando que tinha uma aluna que estava cantando, dá a xeca no chão, eu fiquei apavorada, eu não acredito que a criança está cantando isso, será que ela sabe o que é xeca, ali toda a concordância que a xeca, faz, do que ela está fazendo, de repente não sabe, pensa que é uma pessoa ou personagem. Entrevistada 2 - Foi uma criança do 2º ano que a Gabi levantou. Entrevistada 1 - Mas algumas músicas a melodia eles pegam, fazem refrão trazendo para a disciplina que eles estão estudando, até o 5º ano com a Vivi eles tem o hábito de fazer isso, mas assim, a gente realmente boicota, se a gente vê um aluno... Muitas vezes a gente não sabe a letra, então eles começam e a gente fala, hum é funk, dá uma ouvida e dá uma cortada. Moderadora - Porque tem as vertentes pornográficas e tem o ostentação que não tem essa carga pornográfica de palavrão etc. Mas tem aquela coisa de ostentar, de se vincular a bens materiais etc. Entrevistada 1 - O Gustavo hoje estava cantando de Land Rover é fácil, quero ver pegar a gata de Fiorino e ele está com uma Fiorino trabalhando, e eu falei que quero ver a gata entrar na sua Fiorino. O ostentação eu acho mais acessível, mas eu não sei o que cria dentro de uma criança isso também. Entrevistada 1 - Ainda mais nessa comunidade em relação a valores materiais. Como que é essa comunidade, de que comunidade que a gente está falando? Entrevistada 1 - Olha a gente está falando de uma comunidade que tem bocas e mais bocas por todos os lados. Moderadora - Tem o tráfico que domina, tem que dar satisfação? Entrevistada 1 - Tem, tem. Tem a menina que faz aviãozinho.

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Entrevistada 2 - Na verdade a gente dá aula para essa comunidade aqui, muitos são filhos, filhos de traficantes, então a ostentação na verdade já acontece no meio da comunidade. E você vê a molecada, às vezes eu saio daqui, tem um caminho por dentro quando eu vou embora da escola e eu vejo uma molecada na esquina, com o que eles chamam de bombeta, corrente. Moderadora - O que é bombeta? Entrevistada 2 - Boné de marca. Camiseta, John John, eles estão se vestindo com roupa de marca de marca, eu vejo bastante isso aqui. Entrevistada 1 - Até a meninada vem com aqueles correntões mesmo de aço mesmo, ostentando a correntona. Moderadora – Aqui não tem uniforme? Entrevistada 2 - Tem, é que a gente solicita também que eles estarem sempre uniformizados, mas se deixar aberto, você vê as meninas com calcinha agarradinha, mais decotada. Moderadora - Eles personalizam o uniforme? Entrevistada 2 - Não personalizam não. É porque é de 1º a 5º ano, então o controle a gente consegue fazer mais acirrado, então é de 6 anos a 11, no máximo 12, então a gente consegue um controle mais acirrado, agora a Fundamental 2 a coisa já complica, porque são jovens mesmo de 15 a 18 anos. Moderadora – E eles vão para outra escola depois desse período? Entrevistada 1 – Isso, eles vão para escola do Estado. Moderadora - É aqui no bairro também? Entrevistada 1 – Tem duas pertinho, eles saem daqui e são remanejados para lá. Moderadora - E quando vocês falam que enxergam o tráfico na comunidade, pra além do trafico o que mais vocês enxergam? Tem projetos, tem movimentos? Entrevistada 1 - O que a gente enxerga na comunidade de frente é o trafico que a gente sabe que acontece. Muitos pais e mães constantemente sendo presos pelo tráfico, ex-alunos que já estão com 18 anos, 19 anos, até menor um pouco; o uso de droga dos pais também, bebida a gente sabe que isso é frequente, mas é complicado, porque como eles são pequenos não sabem muito bem o que está acontecendo, nós perdemos um aluno recentemente com 12 anos, e dizem que ele morreu de overdose de misturar lança perfume com bebida alcoólica, mas nós temos o PROED que é um programa de prevenção às drogas que a polícia militar faz aqui com todos os 5º anos todos os anos, e ela soube que ele estava devendo na boca, que ele fazia o aviãozinho e era um ex-aluno do ano passado, um menino carinhoso, que a gente chamava a atenção, aparentemente uma certa inocência, mas por tras a gente não sabia o que pegava. A

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mãe já naquele descontrole tremendo, porque tem muitos pais que chegam e falam, ah eu não sei o que eu faço com meu filho, e é a gente que tem que dar uma sacudida né? Tem que fazer isso com seu filho e a gente sabe que hoje em dia a escola deixou de ser só essa coisa voltadas para o estudo, ao conhecimento, nós somos totalmente assistencialista, se a criança chega com fome é você que tem que dar comida, se chega com frio você tem que dar uma blusa, se surta é você que tem correr para o médico, se acidenta você também, muitas vezes a gente não consegue o contato nem com o pai, a criança sofre acidente aqui a gente corre com a criança e tenta ligar para que o pai vá ao pronto socorro e muitas vezes não encontra. É um descaso muito grande, está ficando cada vez mais difícil. Moderadora - É como que se a responsabilidade passasse a ser integral com a escola. Entrevistada 1 - E nós temos alunos que a gente conversa bastante e a gente fala, olha esse aluno é seu, e elas já sabem, muitas vezes a gente fala, liga para o pai, ixi Giovanna, não adianta que essa mãe ai não sabe... Entrevistada 2 - As próprias professoras já sabem que não vai adiantar. Entrevistada 1 - Tem criança que já perdeu a guarda para o conselho, voltou para abrigo, denúncia que a gente tem que fazer. Moderadora – Denúncia, que tipo de denúncia? Entrevistada 1 - Olha, por exemplo, criança que não vem pra escola 1 mês consecutivo ai a frequência à gente tem que zelar, mas, por exemplo, padrasto que está espancando a criança, avó que a gente sabe que espanca criança, porque a mãe está presa, fica na guarda da avó e ela espanca a criança, então a gente realmente tem que denunciar. A gente tem casos de crianças assim, maus tratos, estupro, que acontece com o padrasto, e a mãe está sendo esfaqueada com padrasto... Tinha até aquele caso daquela menina que foi até morar com a irmã que ela era da Claudia Fant, a mãe veio na escola porque foi toda esfaqueada pelo padrasto e nós que tivemos que encaminhar para o conselho para morar em abrigo, com proteção, são casos complicados que quando a gente se depara a gente fala ih caramba o que nós vamos fazer. Entrevistada 2 - Até de abandono também, tem crianças sozinhas, tem 8 anos e vive na rua, falta muito, fica uma semana, duas e ai do nada aparece, a gente chama a mãe ou o responsável, mas não aparece então a gente acaba tendo que recorrer ao conselho, porque está abandonada. Entrevistada 1 - Vários casos a gente tenta resolver aqui mesmo. Entrevistada 2 - Tentamos auxiliar, até onde a gente pode. Entrevistada 1 - Mas a gente sabe que tem mãe e pai ali que desde o primeiro ano você chamou a atenção, e ele já está no 4º, 5º ano e é um processo, irmão cuidando de irmão, tem

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casa que o irmão mais velho de 9 anos cuida de todos os irmãos, complicadíssimo. É que como a gente já está há algum tempo a gente não tem mais esse estranhamento, um caso ou outro que você fica abalada, mas para a gente já é mais natural. Moderadora - O que te abala? Entrevistada 1 - Me abalou nessa semana, foi quinta-feira né, o Washington, eu fiquei abalada. É um caso de um aluno que ele tem uma deficiência física, mas a gente já sabe que muitas vezes a deficiência física muitas vezes já está acompanhada de alguma deficiência psicológica né, alguma coisa orgânica, a gente sabe que algumas vezes já está acompanhado. É uma criança que ela já está no 4º ano, ela tem que fazer o acompanhamento com a AEE que é um atendimento educacional especializado que a gente tem aqui na escola, com uma professora própria para isso, mas essa criança ela faz uso do transporte cedido pela prefeitura, a gente não conseguia contato com a mãe, porque a gente mandava recado a mãe não respondia, a gente tentava ligar e não conseguia contato com a mãe com família, com ninguém, e daí eu peguei esse aluno uns 15 dias pra cá e disse: Washington eu preciso falar com a sua mãe, ele com 12 anos consegue entender perfeitamente, eu falei, se você não avisar para a sua mãe que a gente precisa falar com ela eu vou com a ronda escolar na sua casa. E daí ele ficou meio amedrontado e a mãe veio, e falou: Ah ele ficou amedrontado e eu falei: mas é só assim né mãe? Porque a senhora vê a gente mandando recado a senhora não retorna, a gente manda convocação a senhora não vem, ai ela falou é que eu não sei ler nem escrever direito. Eu falei a senhora é analfabeta? Sou. Mas se a senhora está vendo um monte de letra no caderno da criança, papel, pede para alguém ler, liga para saber o que está acontecendo, e foi a sorte, porque daí a gente conseguiu contado, telefone tudo. Segunda feira ele chegou muito agitado, muito agitado mesmo e ele teve um surto psicótico na escola, ele chegou ao ponto de não reconhecer ninguém, e a gente ligou para a mãe, ela estava vindo, e eu vi que a coisa foi piorando, eu liguei para o SAMU, quando o SAMU chegou à mãe chegou também. Quando a mãe chegou ele já não reconhecia mais a mãe. Então a gente que tem muito contato é... É, porque assim, você que fica na área da educação você tem a criança com outro olhar, você sabe várias síndromes que vão acontecendo, vários processos que vão fugindo do controle então essa criança foi o primeiro surto de esquizofrenia. E a gente sabe que a esquizofrenia ela acontece uma primeira vez e é constante na vida da pessoa, então assim é difícil porque você vê a criança ali, vai fugindo do seu controle e não tem o que fazer. Eu fico muito emotiva várias vezes porque são coisas que fogem e a gente sabe que é uma mãe que não dá toda assessoria que essa criança precisa, que é uma mãe que não vai trabalhar as

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habilidades que essa criança precisa trabalhar para que ela se desenvolva então você fala: Caramba, quem é que vai cuidar dessa criança agora. Entrevistada 2 - Ele sempre foi muito independente, ele vai embora sozinho, a gente não consegue contato com a mãe e eu fiquei sabendo que ele vai embora sozinho... Entrevistada 1 - O perueiro deixa ele em uma ponte porque é limite de São Paulo e Taboão da Serra e ele atravessa essa ponte e vai sozinho. Entrevistada 1 - Ele tem uma deficiência de mobilidade para se locomover e a gente sabe que se vira sozinho. E daí a mãe veio ainda e nervosa, e a gente não mãe, porque na hora a gente é tudo firme né, pode parar de chilique, você que tem que socorrer seu filho, força, firmeza, mas a ambulância vai e a gente desaba né, porque a gente não é de ferro né, tem coisas assim que você lida que você fala nossa meu pai, me junta aqui porque tá difícil, não é fácil não. Então são casos assim, de crianças que você sabe que está sendo violentadas, espancadas, tem crianças aqui que a gente pega e chama atenção e fala, filho você sabe que sou só eu e você, que se eu chamar seu pai ele vai te bater de fio, ele vai te espancar, são coisas assim. Entrevistada 2 - A gente tenta não tirar da escola, não sair daqui, a gente tenta resolver o máximo porque a gente sabe que lá fora a criança vai sofrer demais, vai ser punida de uma forma que vai ser violenta. Entrevistada 1 - E têm crianças que a gente tem que sacudir mesmo, que nem o Caíque, o Caíque ele vem de uma família que mãe tem 9 filhos; ela nem sabe o nome dos filhos, a idade dos filhos; é uma pessoa que você conversa e é totalmente aérea, inocente, alienada, é um misto de eu estou aqui do jeito que Deus quer, igual dona Neusa, e daí um dos meninos uma vizinha viu e disse, deixa criar para ter ajudar – ele chama de vó – só que a avó está doente, está de cama, é só ela e a criança, ela já está perdendo o controle, daí a gente sabe que fica um bom tempo na rua, daí veio uma prima de 16 anos conversar porque não tinha um adulto responsável pela criança, e ele aprontando na escola e eu chamei Caíque, o que você está querendo filho? Porque você sabe que sua mãe não tem condições, mas você sabe que ela te ama não sabe? Não eu sei. Você sabe que sua mãe não te abandonou num sabe? Não, eu sei. Porque ele precisa ter isso firme dentro dele. Você sabe que você tem sua mãe e sua avó que é sua mãe de criação né? Não, eu sei. Então porque você está aprontando? O que você está querendo Caíque? Porque você vai se perder para a rua, para a bandidagem, para as drogas, porque a partir de um momento que você tem um adulto que não está conseguindo cuidar de você, você vai ser perder, e daí infelizmente a gente tem que usar a memória do Vinicius que

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era próximo deles para ver se mexe alguma coisa, tem horas que você fala até de Deus, Deus me ajuda aqui. Quem é Deus para você? Para ver se a criança se sensibiliza. Moderadora - E tem algum movimento paralelo a escola que procure também resgatar essa infância? Entrevistada 1 - O que a gente tem é o PROERD que a policial Raquel todo ano vem fazer um trabalho com as crianças de 5º ano sobre prevenção do uso de drogas, de maneira geral, é uma policial que ela está há muito tempo, então os pequenos já conhecem até os grandes né? Nós estamos fazendo um curso pela Universidade Federal de Brasília que é de formação para professores para tentar brecar o uso de drogas, porque a gente tem problemas aqui com o EJA à noite. Eu só sou coordenadora do pessoal do diurno, mas o EJA também tem um transtorno com a meninada que vem usando drogas. Usam maconha no pátio, então a diretora tem que ficar circulando, pedindo para, por favor, não usar. Entrevistada 2 - E tem aquela assistência que a gente às vezes manda o CRAS. Entrevistada 1 - Que é o centro de referência de assistência social que é do município, então quando a gente vê que tem esses casos a gente encaminha, pede uma ajuda, o conselho tutelar que está ai para ajudar... Moderadora - E a assistente social vem aqui para ajudar? Entrevistada 1 - Vem se for necessário vem, ou a gente encaminha para fazer visita e ela vai direto. E projeto, a gente tem um projeto que a gente tenta trabalhar os espaços escolares, juntamente com os valores que a escola passou por uma reforma grande, para que a gente trabalhe essa questão do respeito e amor ao próximo. Agora que a gente está começando com o primeiro grupo de manhã, então eles estão visualizando os ambientes, vendo o que precisa ser melhorado, e como que eles vão interagir com os colegas, e as professoras sempre trabalham essa questão da leitura voltada aos valores né? Entrevistada 2 - Na minha aula eu faço a maior parte dentro da sala de aula, eu não estou levando algumas turmas principalmente do 4º ano que são os maiores desse nosso horário trabalhar exatamente isso, esse respeito, os cuidados que eles têm que ter com a escola, por conta de alunos que destroem, eles não preservam, para eles entenderem isso, estou trabalhando em sala de aula com eles. Eu ainda não peguei o 2º ano, mas 3º e 4º anos eu estou dando aula dentro da sala de aula. Falo de como cuidar da sala, dos materiais, da cadeira, mesa, lousa, lixo, então eu estou trabalhando isso com eles e não estou trabalhando a prática na quadra porque eu quero entrar junto com o projeto da escola para ajudar nisso. Entrevistada 1 - Porque é uma meninada de uma geração muito complicada, eles são muito acelerados e eles não param para te ouvir, eles são muito agitados e, por exemplo, estão

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correndo e derrubam um colega, passam direto, não tem o cuidado de oh levanta, então a gente tenta sempre trabalhar essas sanções educativas, não estamos aqui para brigar com você e mostrar o que está errado, a gente não quer assim no futuro, o que passou, passou, muitas vezes vão à diretoria por briga, porque deu pedrada, e daí um fica jogando culpa no outro e muitas vezes você tem que chamar a sala toda para saber o que aconteceu, para resolver, então o que a gente quer é que eles se sensibilizem, eu preciso me enxergar como ser humano para eu aprender a enxergar o outro, essa coisa do amor mesmo, tem amor próprio para amar o outro, não para eu sou melhor do que você. São coisas meio deturpadas, até a questão da psicologia que hoje em dia a gente é euista, mas o euista ele está amarrado ah eu vou ver o meu lado, totalmente egoísta, não quero saber do próximo, e não é isso que a gente busca, a gente busca o reconhecimento do eu para poder se amar e poder passar. Então a gente tenta essa corrente humanista constantemente dentro da escola. Porque quando a gente começa a estudar a pedagogia a gente acha que o Paulo Freire é um grande sonhador, eu lembro que quando eu fazia magistério, muito novinha, nossa, esse velho sonha, mas é isso mesmo, é o amor, a gente tem que conseguir pelo amor, porque pelo outro jeito dói demais. Aqui eles não são números, o que a gente passa para eles, tanto o inspetor de aluno, como o diretor todo mundo conhece ele por... Moderadora - São quantos alunos? Entrevistada 1 - Quase 1300 alunos. Então eles são conhecidos pelo nome, então se a gente não sabe o nome, vem cá meu amor, minha paixão, minha florzinha, meu anjo, algum adjetivo que levante o ego, e eles são sempre amparados com muito amor e carinho, olha você não pode por causa disso e daquilo, pode acontecer isso e aquilo, você entendeu? Entendi. Então vem cá e me dá um beijo e a gente sabe que tem uns que a gente ganha. Sempre aquela coisa, estou de olho e você. Entrevistada 2 - Eles precisam muito disso, essa criançada aqui da escola a gente vê que são muito carentes, então a gente tenta trazer eles para a gente, o máximo, vamos fazer alguma coisa aqui porque lá na rua eles estão um pouco fora do nosso alcance. Moderadora - E tem algum movimento do próprio bairro da comunidade? Entrevistada 1 - Eu desconheço. Entrevistada 2 - Eu também. Entrevistada 1 – Olha, eu sei até que tem alguns polos, porque aqui a prefeitura aqui na mesma rua tem o 2º Tempo que é um local onde a criançada pode jogar bola, fazer tudo isso... eu sei que tem também o centro de capoeira que no desfile de 7º de setembro... Entrevistada 2 - Eu não conheço muito aqui, eu sei chegar à escola e só.

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Entrevistada 1 - Na gestão passada nós tínhamos visita em casa, que o professor fazia visita na casa do aluno, então ai a gente tem mais acesso a comunidade, agora seriam as festas para poder trazer essa comunidade, festa da família, reunião de pais, quando foi agora dia dos pais a gente fez uma gincana para os pais virem brincar junto, então a gente tenta através desse movimento trazer a comunidade para cá, mas a gente sabe que isso aconteceria mais aos finais de semana mesmo, mas no calendário escolar nós temos dois, três finais de semana letivos, salvo agora que a gente está fazendo reposição. Então é difícil trazer a comunidade para a escola, porque é um movimento grande que a gente tem que fazer. Mas a gente pensa, de repente trazer o pessoal da área da saúde, para orientar as mulheres para essa questão de doenças, da questão da saúde, porque a gente sabe que tem muitas crianças com a saúde debilitada, tem criança aqui que logo, logo a gente tem que dar banho; a gente já corta a unha, dar banho é rapidinho. Entrevistada 2 - Troca de roupa muitas vezes. Porque tem muitos que esquecem, então a escola vai guardando porque sabe que está sempre precisando. Entrevistada 2 - Mas movimento que aconteça na comunidade, não. Entrevistada 2 - É muito isolado, eu sei que tem a mãe de umas alunas que são gêmeas, eles são bem religiosos, então pelo Facebook eu acompanho, porque eu tenho essa mãe no Facebook, mas é muito isolado, é a família que vai até um lugar ou entre a própria família que eles fazem, mas para a comunidade no geral eu desconheço. Entrevistada 1 - Porque assim, o que a gente sabe é que a prefeitura ela tem vários locais que hoje em dia se trabalha a cultura, arte, dança, então se buscar tem alguns pólos, mas não algo que tenha surgido na comunidade e todo mundo tenha. Moderadora - A prefeitura que é desse viés assistencialista, ONG, alguma coisa assim? Entrevistada 1 - Eu acredito que não tenha, porque como a gente tem muito aluno pelo Facebook, sabe que o Face hoje em dia tudo o que se faz se posta né, até o que não se deve posta também, a única criança que a gente acompanha que estava no 6º ano que hoje em dia não está mais era a Domênica que eu sei que ela faz parte de um grupo musical algo afro, mas não sei se realmente tem algum projeto, alguma ONG, alguma coisa. Moderadora - Vocês têm 1400 alunos e quantos professores? Entrevistada 1 - De sala a gente tem 36 que seriam esses que dão aula de 1º a 5º ano, mais os especialistas então acredito uns 50 e poucos por ai. Moderadora - Do ponto de vista dos professores, como que é esse espaço, a relação deles quanto ao ambiente de trabalho, como que é trabalhar nisso, perspectiva? Entrevistada 1 - Mas referente ao quê?

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Moderadora - A dinâmica entre os professores, eles vem à escola como um ambiente positivo de trabalho, como uma possibilidade de... Entrevistada 1 - Todo ano nós temos um sério problema porque essa escola ela tem três períodos, então o que os professores querem? As pontas porque eles pegam outras prefeituras ou até estado para dobrar. Manhã e vespertino, ou das 7h às 11h ou das 15h às 19h, então esse horário do meio ele sempre quebra, é para quem está começando agora, não tem outra rede, não tem uma pontuação muito boa quando vai escolher a classe no final do ano, então a gente tem um grupo que ele permanece há muito tempo aqui que é do vespertino, que é um grupo até meio resistente a quem chega, e de manhã nós temos algumas, então o grupo novo ele sempre chega em peso ao intermediário e de manhã, então tudo o que você trabalha durante todo esse ano se perde e tem que começar de novo, então eles só mantém nas pontas, então é pessoal que vem de outras escolas, até estar engajado como essa comunidade trabalha, qual o perfil da escola, e jamais a gente agrada a todos, porque nós temos professores muito novos, que não tem experiência nenhuma na área da educação, que você fala, meu Deus como pode ser professor, infelizmente é assim, professor que não sabe fazer um plano de aula. Não tem postura de professor, muitas vezes a gente fala professor, não pode sentar na mesa, como é que você vai sentar na mesa e não querer que seu aluno sente também né? Porque a gente sabe que o domínio da sala de aula é algo complexo que vem com o tempo mesmo, não adianta a gente querer comparar a Carlinha que já está há muito tempo como professora de educação física com professor que está chegando agora, ela tem domínio geral, mesmo ela falando baixo, porque é a conduta do professor, então isso é difícil, você conseguir trabalhar o grupo todo e professor é uma classe desunida, é incrível porque muitas vezes eu penso, eu já trabalhai em grandes empresas, e nas grandes empresas a gente sabe que tem aquela coisa de puxar o tapete porque eu quero uma promoção, eu trabalho na área de vendas, eu quero virar um supervisor, encarregado, e aqui não tem isso, porque você perfeitamente pode virar... A gente não tem um concurso, é nomeado para ser um coordenador, um vice diretor ou diretor, a gente sabe que se você fizer um bom trabalho, desenvolver um bom trabalho, levar o seu curriculum para o secretário ele vai pegar com muito carinho, mas porque a gente sempre perde professores para a prefeitura de São Paulo que paga muito melhor, então precisa ter essa rotatividade. Mas é uma concorrência desgramada, de o que eu sei é meu e não vou dividir com ninguém, então a gente tenta isso, o professor ele trabalha bem assim, eu fechei minha porta e quem manda sou eu, é o meu mundo, meu hemisfério, aqui só sou eu, e é da maneira que eu quero. Muitas vezes a gente vê reclamação vinda de pais de alunos, quando se acompanha semanário de professor você sabe perfeitamente o que ele está fazendo dentro de

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sala de aula, por incrível que pareça você cria um olho clínico e você sabe dizer se o professor está conseguindo dar conta do recado e quando você pega o material dele que ele desenvolveu e vai ver aquilo de perto realmente condiz à teoria e a prática. Ou tem uns que floreia de mais, e quando você vai olhar meu Deus não é nada disso; porque estudou tanto a parte teórica. Mas infelizmente é um grupo muito desunido, a gente tenta frequentemente trazer o grupo fazer com que realmente eles trabalhem em equipe, porque a gente está aqui pelos alunos, não é por pai, por mãe, por nada, esse bem maior é o aluno, a preocupação toda é com ele. Moderadora – Eu acho que nós abusamos do horário de vocês. Entrevistada 1 - Na verdade nós vamos subir com o grupo, se vocês quiserem conversar com as meninas. Tem um grupo de professores que elas vêm agora, e eu preciso descer. Moderadora - Se vocês não se importarem de marcar um outro dia, porque a Camilla tem essa pesquisa dela, mas eu estou pensando em fazer meu doutorado voltado para essa questão de trazer a mídia, a música essas coisas para debater, para que as crianças tenham essa leitura critica. Entrevistada 1 - Eu achava legal, se vocês puderem voltar em outro instante a gente pega os monitores da Mais Educação que é um projeto que ele é do governo federal e ele acontece em algumas escolas aqui do município, que eles trabalham essa questão da arte, da música, dança, e esses professores eles estão em várias outras escolas e eles estão há um bom tempo disso, então eles tem uma outra visão dessa comunidade e muitas vezes eles estão inseridos, igual o Richard a gente já sabia que ele fazia parte do movimento de hip hop. O professor de dança também o Roberto.

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ANEXO F: TRANSCRIÇÃO DO GRUPO DE DISCUSSÃO REALIZADO COM AS PROFESSORAS NA EMEF MACHADO DE ASSIS Moderadora – Qual a opinião de vocês sobre o funk, e o funk ostentação, tanto pra vocês professoras quanto em relação aos alunos Entrevistada 1 - O que eu acredito é que não dá para fechar o olho para a questão do funk, aqui no Brasil. Nós tínhamos, eu me lembro de antigamente, da época do Claudinho e Buchecha, da Xuxa, o funk tinha uma outra conotação, ele não tinha essa questão pornográfica que tem hoje; mas hoje já que ele está ai não dá para a gente fingir que ele não está, tem que trabalhar isso. Recentemente eu falei daquela musica 360 para explicar ano. É um funk que dá meia volta então eu até fiz o gesto da volta na sala para que a criança estendesse as voltas do ângulo 360. Não dancei de forma pornográfica, mas girei e ai lógico todo mundo veio cantar a música 360 para explicar o ângulo, o grau, 360 graus, então a gente tem que trazer um pouco para a sala de aula. Nós estamos fazendo um projeto MPB aqui com os 5º anos, e a gente está tentando trabalhar de forma diferente outras músicas para que eles possam ter conhecimento. Então, é engraçado que eles estão pesquisando Luiz Gonzaga, mas eles também querem que a gente fale da Anita, do MG Gui, e querem que a gente fale de outros MC’s que tem por ai, não dá para não falar. Só que tem que mostrar essa questão do certo e do errado. Então na minha sala eu tenho um aluno que canta funk o tempo inteiro, eu vivo mandando ele cantar no palco da escola né. E é isso, eu acho que não dá para fingir que o funk não está, parece que veio para ficar né porque a tendência é piorar. Aí vem as meninas, aí vem o quadradinho de oito... Se você colocar uma música decente em uma festa da escola eles não estão nem ai, ah professora, põe o quadradinho de oito que elas vão até o chão. Entrevistada 2 - É a grande dificuldade quando nós montamos um projeto, que eu sei que vou montar a trilha sonora do halloween ou do festival que nós fazemos do carnaval, eu sento, monto e começo a baixar as músicas, chega um momento que eu penso assim, eles não vão aguentar, não vão escutar até a 3ª. Porque eles sentam em volta de quem está operando o som e eles não deixam; a festa não acontece. Mas assim, como a (entrevistada 1) falou, não dá para fugir, porque existe o protagonismo juvenil, e não só a questão do protagonismo, é a bagagem que o aluno traz para dentro da escola, que tem que ser como ela falou respeitada mesmo. Eu por exemplo, eu sou rock, mas eu tenho minha colega que gosta de um samba, então são as culturas, e são poucos os alunos que o pai transmite o rock, transmite o samba, eles não sabem quem é Martinho da Vila, eles vieram conhecer nosso colega que faleceu recentemente o Jair Rodrigues. E só vieram a conhecer por que? Porque ele morreu, entrou na mídia e

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estava na mídia e eles aceitaram a música melhor porque estava na mídia. Michael Jackson... quantas das nossas crianças conheciam o Michael Jackson antes dele morrer? Então a mídia ela é uma grande influência, o que o pai transmite. E eu vejo as nossas crianças no fundamental 1 e o trabalho que eu faço no fundamental 2, às vezes elas não param para refletir o que aquela letra transmite. A batida do funk a gente não pode negar que ela é contagiante, envolvente, e elas param para dançar porque o que elas veêm na comunidade, dentro de casa a mãe dança isso, a roupa que elas usam para ir para o passeio é a própria mãe que compra então a influência já vem de cima, vem da mídia, e a escola brigar contra isso é difícil. Mas como a (entrevistada 1) falou, o nosso papel é apresentar as outras possibilidades, por isso que eu não desisto de baixar umas quatro ou cinco, pra tentar umas marchinhas de carnaval, as musiquinhas de halloween, ai eles ficam persistindo e nós insistindo em apresentar as possibilidades, mas é protagonismo deles, e a gente tem que respeitar. Inclusive quando saiu na mídia nossa filósofa, pensadora, a Valesca, pensadora contemporânea, mas gente não é mentira, ela é a pensadora contemporânea da realidade deles. Entrevistada 3 - Quando eu falo é o fim, é porque não transmite conteúdo algum né? Entrevistada 2 - Na nossa visão não transmite, mas quando um aluno trouxe pra mim ano passado o funk da escola, não é nem funk ostentação, ele é um menino que canta uma parte que fala “estudar, o papai e a mamãe, e o professor, eu devo respeitar” é uma criança, de onde que ele trouxe aquilo lá? Alguém trouxe para ele, porque eu duvido que ele pense daquela forma, então fizeram uma letra, o menino trouxe para mim, eu não conhecia essa letra, e eu acredito que na escola não colou porque a batida não era contagiante. Entrevistada 4 – Então isso que eu queria falar, relacionando com o que você falou que é assim, eu acho que o grande desafio nosso de escola, educadores, enfim, é como que nós vamos pegar essa realidade deles, principalmente de periferia, não só de perfiferia mas principalmente de periferia que está meio que intrínseco neles, como pegar isso e canalizar para algo que seja proveitoso para eles, pra algo que possa finalizar em algo bom. Porque querendo ou não, um fator que é bem preponderante, principalmente no funk ostentação é a questão do poder, do dinheiro, do status e também da criminalidade. Você vê, por exemplo, existem letras que citam nomes de armas, e às vezes a gente pega aluno pequeno que já tem todo esse conhecimento por conta dessas letras. E ai como que nós vamos fazer sabendo que a sexualidade ela está no ser humano desde bebê, mas como que nós vamos fazer para que eles entendam que não é naquele momento, os nossos por exemplo, 10, 9, 8. Ontem eu vi um vídeo, era um menino de 11 anos e uma menina de 8 anos e eles estavam dançando, tinham publicado no Face, aí eu vi. Ai a menina dançava e se batia no menino e o menino se batia

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nela, as partes intimas deles, e várias pessoas ao redor assistindo aquilo, e quem publicou colocou assim, aonde vamos chegar? A destruição dos nossos jovens. Então eu acho que a nossa grande dificuldade na escola é como que nós vamos fazer para trabalhar com essa realidade de maneira a não deixar com que eles queimem uma etapa da vida deles, que é a etapa da infância, da inocência, e acabam com que eles vivendo precocemente algo que nem deveria viver naquele momento. Entrevistada 2 - O nosso grande desafio que vem agora que é assim que as empresas descobriram que através de uma letra de funk eles vão vender mais. Teve a época que vendeu mais whisky e Red Bull do que a época da música do whisky e Red Bull? Meu primo tinha um comércio, e ele tinha uma venda de quatro palets de Coca-Cola por semana e quando começou a música do whisky e Red Bull ele vendia oito palets de Red Bul e dois de ColaCola. Entrevistada 5 (Coord.) - Eu só não posso comprar um Camaro ainda, mas... Entrevistada 2 - O Camaro amarelo eles não conseguiram atingir ainda, mas assim, as empresas descobriram, tem marca de boné que está vendendo a rodo, e marca de roupa que faz um funk que se estourar eu vou vender. Então a gente luta contra a família, que não para nem para pensar, que coisa linda meu filho de 8 anos batendo as partes intimas com a filha do outro, ou com a irmã, vai saber. Aí vem à mídia em cima, porque hoje não tem nem mais seleção de rádio; eu escuto a Rádio Rock tocou um funk hoje de manhã e eu vim escutando no caminho. Então a mídia quer vender, é lucro a visão da mídia, então nós vamos lutar contra a família que nem a própria mãe pensa no que está passando para o filho e para a filha, a mídia e essa questão capitalista, as pessoas querem vender, querem lucro e enquanto isso nós estamos aqui na escola tetando mostrar mesmo eu não gostando, os colegas sabem, eles pedem e eu coloco, eu fico escutando para ver se não tem palavrão, e eles pedem, e eles trazem, eu peço ajuda para a minha amiga (entrevistada 1) que gosta de movimento, de uma música e ela tem contato e transmite. Mas é difícil, porque nós temos questões religiosas dentro da escola também, que a menina às vezes não canta nem parabéns em casa porque na religião não pode comemorar nem aniversário, e chega aqui na escola começa a tocar uma musiquinha mais agitada ela cola na outra e vai tentar fazer quadradinho de oito, é difícil também brigar contra isso. Entrevistada 4 – Eu também assisti um vídeo no também Facebook esses dias de um professor que ele estava ensinando física com a batida do funk e foi muito interessante, ele dando as teorias e regras e a sala totalmente envolvida, e eu fiquei pensando, eles vão lembrar disso, porque estava dentro do que é comum para eles musicalmente, foi envolvente, tinha

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tudo a ver com o conteúdo, foi dinâmica a aula, todos participaram e eu acho que ele conseguiu atrelar, que era o que a gente estava falando, o que está na vida deles com os objetivos que nós queremos. Entrevistada 6 - Isso ai eu acho bacana, que nem tem a paródia dos ossos também, com o show das Poderosas tem, o nome de todos os ossos do corpo, mas nesse ritmo do show das Poderosas. Eu achei o show dos ossos no Youtube, está com a Letícia da informática, foi muito legal e eles ficam até hoje, maxilar e a mandíbula fica perto da clavícula, então ficou na cabeça deles. A gente conseguir reverter isso aí como a (entrevistada 4) está falando, utilizar isso que faz parte do cotidiano deles, mas prum lado positivo é bacana. Eu achei ontem na internet também o “Arrocha do Digestório” e eles amaram escutar. Entrevistada 4 - Mas ai é um problema, a gente vai ter que toda hora só ficar fazendo música? Só ficar fazendo batida de funk com as teorias? Entrevistada 1 - Você não precisa a todo momento, mas tem momentos que dá para tentar né Entrevistada 2 – Eles são elétricos. Quando nós tínhamos a idade deles, a mãe ia comprar o cd para a gente, e hoje eles pegam o celular da mãe e eles têm acesso aos funks pelo celular, então essas crianças enquanto nós mandávamos bilhetinho pro outro embaixo da mesa eles mandam torpedo, eles comentam o que aconteceu na escola o dia inteiro. Eles saem da escola e ficam lá no Facebook, no whatsapp e eles são dinâmicos. Já foi gente, quando nós estudávamos tinha um estudo que dizia que nós só absorvíamos 30% de uma aula, hoje eles absorvem 10%, os outros 90% que a gente fala é perdido, então olha como é dinâmico o negócio, é difícil a gente acompanhar essa geração porque eles são diferentes, quando nós nascíamos nós éramos embolados em (Inaudível). As crianças hoje nascem com o olho aberto, então é a evolução, caiu o siso, então perdendo apêndice e... (áudio encerra aqui) Entrevistada 1 - O filme do Ted lá que tinha um ursinho maconheiro, e foi um absurdo, e eu tive que chegar e dar uma bronca bem grande e proibir o uso daquele filme, como que a mãe compra um filme daquele e deixa assistir um filme daquele. Se bem que quebra a fantasia que o ursinho representa né? É um ursinho pornográfico, um ursinho drogado e não dá para você fingir que isso é bom, que isso é legal, e eles gostam desse filme, até hoje eles falam desse filme. Até hoje as crianças falam desse filme Ted, que é um ótimo filme e não é um ótimo filme. Entrevistada 5 (Coord.) - E a questão do 5º ano que vocês estão trabalhando com a MPB? Como é introduzir a MPB para galera que só gosta de funk? Entrevistada 7 - Para eles é um mundo estranho.

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Entrevistada 8 - Eu acredito que até certo ponto eles não gostam porque não conhecem, então quando a gente começou a trabalhar o projeto MPB, nós trouxemos tipos de musicas variado dentro da MPB brasileira, justamente por isso, porque muitas dessas musicas chegam do outro lado, o que sobra para cá para as comunidades mais pobres é funk, é essas músicas que... arrocha. Porque eles acham que tem que ser isso, tem que ser isso que está aqui para eles e é o que tem para oferecer para eles, então com o projeto MPB o que acontece, a gente trouxe resgate de outros ritmos, de outros tipos de músicas, então eles começaram, pelo menos os meus, eles começaram a ver a música de uma outra forma. Hoje eles me pedem cantores centenários, então assim, você fica imaginando, não pode subestimar a criança, não pode achar que aquilo é a única coisa que ele gosta e que a gente tem que trabalhar aquilo porque é aquilo que tem servido aqui para eles, então eu acho que se a gente conseguir trazer para eles um outro tipo de música, um outro conhecimento musical, eu acho que o gosto deles vai ficar variado também, porque todas as vezes que eles ouvem falar ai fora de algum artista que eu trabalhei dentro de sala no outro dia eles chegam e falam nossa professora a senhora viu um documentário sobre fulano, Cartola, nossa gente eu trabalhei cartola, olha isso... a senhora viu o documentário sobre o Cartola na TV Cultura? A senhora viu no Fantástico passou sobre fulano que a gente trabalhou aqui? Legião Urbana vai lançar um cd não sei onde, eles começam a pesquisar sobre as outras coisas e os outros ritmos, então eu acho que... Eu não trabalho funk, não é porque sou tradicional nem nada, mas se eu tenho outra coisa para oferecer para eles eu não vou oferecer o que eles já conhecem, vou oferecer algo novo e que eu possa trazer uma letra mais saudável e que vá influenciar na vida deles de alguma forma. Assim, é minha visão, eu acho que eles já escutam funk todos os dias e todos os momentos, eles já sabem todas as letras, eles usam a letra dentro da vida deles, e muitas vezes insirem as letras, o que acontece dentro da letra do funk dentro da vida deles sem atéeles quererem, eles não querem, mas está presente todos os dias, na família, na comunidade, nas ruas, então se eu posso vir e trazer um outro tipo de cultura, mostrar uma outra letra, um outro ritmo, por que que eu vou mostrar o que eles já conhecem? O que eles já conhecem eles me trazem e a gente questiona o que é certo e o que é errado, e agora eu quero passar para eles um pouco do que a gente conhece e um pouco do que eles deixaram de viver e o que não chega aqui. Então eu acho que eles estão achando bem interessante esse projeto que a gente está trabalhando dentro da sala de aula. Moderadora - Que idade tem os seus alunos? Entrevistada 8 - 5º ano entre 10 e 11 anos, e eles estão adorando.

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Entrevistada 2 - Transmitir com paixão né? Quando a gente mostra com paixão em alguma coisa eles se interessam. Porque será que ela gosta disso? E eles gostam do novo sim, é porque depende como a gente apresenta, como coloca, eu jogar uma mésica na festinha da escola que eles não conhecem, eles não vão... Agora se você antes trabalha, fala olha o carnaval antigamente era assim, é vender o peixe para eles e o pior é que um professor vem me procurar, olha eu quero trabalhar (de filosofia) uma letra de uma música, vocês autorizam, trouxe documento para autorizar, eu disse: Não professor. É porque dentro da escola isso é proibido. Não, não é proibido, é temido, é diferente. E o pior é temido pela escola, não deveria. Eu acho como eu falei no começo, eles dançam porque é contagiante, eles nem param para refletir a música. Quando começou aquela história de só as cachorras, gente eu não admito, eu não vou entrar nisso eu não vou dançar isso aí, eu não sou cachorra, e as meninas entraram por causa da batida, da letra, só as cachorras.... Elas nem pararam para pensar, ah eu estou sendo chamada de cachorra, o que que é ser cachorra né? O cachorro bicho, a cachorra atitude, a desocupada... Eles não pensam nisso. Moderadora – E eles têm essas condições de pensar a partir disso? Entrevistada 2 - É então, essa é a questão, o papel do professor. Entrevistada 9 - Eles se prendem no som da música, não é o funk, não é o rap, o MPB, é a questão da letra da música; que nem eu peguei o Roberto Carlos, a letra dele tem uma variação desde de lá de 1960 mais ou menos, até agora, que muda demais, então eu apresentei, nossa eu quase chorei apresentando as baleias, a música. Porque fala do problema da questão do extermínio das baleias já em 1980, então já tinha uma preocupação com a natureza, com a vida na natureza e tudo, então assim emociona muito, e ele tem umas fases que está dentro da história. A questão da democracia agora, da ditadura, então ele tinha o tempo rebelde então assim ele vai acompanhando, então não é só questão do som, do funk, mas a questão da letra. Porque até hoje em dia a MPB também tem umas letras que não é bom se utilizar, então não é questão do som da musica, do ritmo da música mas a letra. Entrevistada 8 - Mas é legal até trabalhar a letra mesmo para eles descobrirem as diferenças Entrevistada 9 – É retratar a história também Entrevistada 8 ou 4 ou outra? - Porque a música ela trabalha muito as diferenças sociais, dentro da letra mesmo, muitas vezes (inaudível), mas você ouvindo, você tentando transmitir dessa forma, nesse foco eles começam a perceber, quando você traz uma letra vamos supor do Cazuza você tem que ter um cuidado, porque o Cazuza tem umas coisas que ele fala lá, é uma MPB, uma música boa, mas tem esse lado, o funk nos mostra a sexualidade, talvez nas músicas do Cazuza é explícito de outra forma, e aí dá para trabalhar essa diferença: olha, essa

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música aqui fala sobre isso, mas já fala em outro foco, de outro jeito, eu acho legal isso, eu trabalho bastante essa parte ai, como que foi a história, como surgiu a história, por que o cantor fala isso na musica? O que você acha que significa esse trecho dessa música? É você trabalhar desse jeito, eu acredito que dá certo se for assim. Pegar essa música atual que é apresentada a essa comunidade e as outras e pegar uma música que é apresentada a um outro tipo de sociedade, mas que dá para comparar com as mesmas palavras que talvez tenha nas duas. Eu acho que dá para fazer isso, ai vai ficar legal. Entrevistada 2 - Só sei que depois da Boca da Garrafa o negócio desandou inexplicavelmente. Entrevistada 5 (Coord.) - O gostoso do trabalho desse grupo é que é um grupo assim muito criterioso; elas procuram a coisa assim com muita qualidade, da maneira muitas vezes que ela fala pô, se eu tenho um filho eu quero que ele aprenda determinada coisa, ou pô se eu tivesse no 5º ano eu gostaria de estar aprendendo isso. Então você vê uma preocupação muito grande mesmo, vai preparar uma aula vai estudar, vai ler, vai procurar vídeo, de vez em quando você com umas coisas que eu falo meu Deus, de onde apareceu? Mas assim, o bacana é isso, elas realmente têm muito critério na escolha e a gente sabe que fica tudo diferente quando é assim nessa preocupação de eu levar para os meus alunos uma coisa boa, além do excelente gosto que elas têm. A (entrevistada 8) namora músico, então é uma outra realidade, a (entrevistada 1) gosta de passear muito, é bem viajada, então cada uma se a gente for pegar assim tem aquele nicho da coisa que vai né? Que realmente se faz transbordar.

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ANEXO G: PESQUISA ETNOGRÁFICA REALIZADA NO BAILE FUNK66 O baile funk visitado foi marcado para uma data que antecederia a comemoração do dia dos namorados e a abertura da Copa do Mundo no país, 11 de junho de 2014. Teve lugar no Carioca Club, uma casa noturna localizada Avenida Atlântica, em Interlagos, na capital paulista. O acesso ao local não foi difícil. Fomos de carro e havia vários estacionamentos que permitiam estacionar e levar a chave. O preço para a noite inteira era de R$20,00, valor baixo comparado às baladas caras de São Paulo, cujos parkings exigem o dobro. Essa balada funk, com ingresso antecipado, custou R$20,00 para mulheres e R$ 25,00 para os homens. Já na porta do estabelecimento, constatamos que os valores mudaram, respectivamente, para R$30,00 e R$40,00. Não havia muita movimentação na Avenida. Logo ao lado do estacionamento havia um restaurante e a casa noturna, do lado oposto, tinha como vizinha outra casa de shows, igualmente ampla e sem filas. Predominavam, no lugar de pessoas e movimentação, carrinhos de pequeno comércio com comidas e bebidas. Já na fila para a retirada dos ingressos, pudemos observar que predominam no traje feminino os vestidos justos e curtos (muitas vezes em sua versão “tomara que caia”), que, em sua maioria, exibiam deliberadamente certas partes do corpo. Não havia ali, notamos, preocupação com seios a mostra, pernas e contornos em evidência; independente de biotipo. Os saltos são, em sua maior parte, altos e de agulha. Há também muitas mulheres que fazem uso de mini saias e mini shorts, com blusas justas. Algumas com barriga de fora e piercing em evidência. A minoria trajava calça. Quando o fazia, eram justas e com blusas também coladas ao corpo. Os homens, por sua vez, trajavam calças jeans, camisetas (esportivas e com logos), tênis e alguns usavam bonés e bermudas. Notamos acentuada diferença do universo masculino para o feminino no que tange ao uso das marcas: os tênis eram, na maior parte, estilo esportivo das grifes Nike, Puma e Adidas, por vezes da Osklen. Enquanto as mulheres acentuavam seus corpos com sua indumentária, os homens exibiam correntes de ouro, anéis e grifes.

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Essa pesquisa etnográfica culminou no artigo “Funk, academia: Da sala de aula para a quebrada, um percurso de inspiração etnográfica” (MARCELINO; ANTONACCI; ROCHA; MARIANO), submetido e aprovado no GT 08 – Comunicação, educação e consumo – do Comunicon 2014.

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O Carioca Club nos espantou por seu tamanho: consideráveis metros quadrados. Iluminado com luzes verde e roxa, podíamos ver um deck ao lado de fora, terraço na parte de cima e um esquema de segurança típico de baladas. Em se tratando de shows de duas “tribos” diferentes (estavam marcados para aquela noite o funk com o Mr. Catra e o rap com o Brown), imaginamos que notaríamos a olhos nus essa diferença no público e que a identificaríamos no estilo de se vestir de cada uma. No entanto, a impressão que tivemos é de um estilo único prevalecendo tanto no feminino quanto no masculino. Com predominância, no feminino, do justo, curto, colado, decotado, no salto, e, no masculino, da aparência despojada com a calça, a camiseta, o tênis, o boné e as grifes. Antes de adentrarmos ao baile permanecemos em frente à balada para vender os ingressos ainda em nosso domínio67 – que seriam descartados – e em nenhum instante houve qualquer estranhamento entre o nosso grupo e os frequentadores do Carioca Club (ainda que houvesse nítidas diferenças em nossos trajes e olhares que eram um misto de curiosidade com desconfiança). Se havia algum olhar dirigido ali era predominantemente do mundo masculino para – supomos – as curvas do feminino. Nossa primeira (e única) dificuldade da noite deu-se quando da entrada na balada: foram exigidos os documentos e uma integrante de nosso grupo não os tinha para apresentar. A gerente do lugar, com a justificativa de que “se a fiscalização baixasse a casa levaria multa”, não mostrou qualquer sensibilidade ditando sua regra: “barrados e ponto final”. O grupo ficou um pouco tenso e, de início, desacreditado. Depois, uma conversa com um dos seguranças fez acontecer a noite. Entramos. A revista para entrar foi bastante leve de modo que poderíamos ter ingressado com qualquer substância ou objeto – o que de fato aconteceu – no local, constatamos o uso de maconha e pinos para usar com a cocaína. Já passava de meia noite e o lugar (em formato de U, sendo o palco na extremidade aberta do U), ainda estava vazio. Os camarotes eram na parte superior e, até determinado momento, todos podiam circular pelo local. Aos fundos, na extremidade oposta do palco, estavam os banheiros, masculino e feminino. Ao lado deles havia uma escada que conduzia para os camarotes e, ao lado direito da escada, sentido palco, havia o bar e logo após os guichês para se comprar fichas. Observamos a predominância do consumo de “baldes” contendo uma garrafa de vodca (Smirnoff) e energético (RedBull), no lugar de cervejas e caipirinhas. Comidas tais como lanches e petiscos, ainda que oferecidos no cardápio, não foram vistos nas mesas. Do que 67

O excedente de convites refletia a nossa preocupação de ter em mão ingressos para outros estudantes que desejassem acompanhar a nossa incursão de inspiração etnográfica.

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consumimos pudemos constatar preços razoáveis se considerarmos tratar-se de uma casa noturna: água (R$ 3,50), suco Del Valle (R$ 6,50), dose de whisky (R$17,00), dose de energético Redbull (R$17,00), Smirnoff Ice (R$10,00). Logo de início, buscamos por uma mesa e – notaríamos com o passar das horas – ainda que já parecesse cheio, o lugar estava bastante vazio. A noite estava só começando. O som, altíssimo, trazia músicas de pagode, em sua maioria, e alguns sambas. A pista reinava vazia. Já as mesas estavam todas ocupadas com pessoas animadas, em sua maioria bebendo e dançando em seus lugares. O ambiente apresentava meia luz – nem muito escuro e nem muito claro. Músicas muito conhecidas eram cantadas em coro e a sensação, já naquele momento, era de alegria. A hospitalidade do ambiente aliada à atmosfera e às músicas provocavam pequenas danças, e batuques em nosso grupo. Para conversar, no entanto, era preciso gritar. De fato, o espaço dava lugar a outro tipo de linguagem: a do corpo. A conversa, em forma de diálogo verbal, era inviabilizada tanto pelo som alto, quanto pela dinâmica do lugar. Lá é com o corpo todo que se aproxima e se interage. É com o olhar, com a dança e com o toque que se constitui presença na balada funk. Como vivência sensória deste movimento trazemos o “esbarrar” que foi corriqueiro enquanto nos movíamos de um lugar ao outro. Não precisávamos pedir desculpas por termos encostado nas pessoas que cruzávamos ao longo do caminho: a “trombada” estava no rol dos acontecimentos comuns (e porque não, dos necessários?). Ainda antes de iniciado o show, um DJ começou a animar a balada e neste momento, na pista, ou mesmo em volta dela, as mulheres dançavam as coreografias do funk: descendo até o chão, empinando a bunda, rebolando de ladinho, “sensualizando”. Os homens, quando queriam paquerá-las “chegavam junto”, corpo a corpo, dançando. Pudemos apreender o consenso existente entre os corpos: se as mulheres sensualizavam era porque os homens se aproximavam e vice-versa. Não notamos qualquer invasão ao espaço do outro mas, antes, uma comunhão na dança e na sensualidade. Aliás, reparamos que os movimentos são, em sua maioria, coreografados, e trazem uma infinidade de posições sensuais (por vezes sexuais, eróticas) como, por exemplo, “encoxadas”, movimentos de lap dance68, além de danças onde os homens rebolam em pé, de olho nas mulheres que descem até o chão. Ficou evidente porque o Mr. Catra é conhecido sob a alcunha de “rei da putaria” no meio do funk: a atmosfera é, de fato, erótica e quanto mais pornográfica a letra do funk, mais atrativa se tornava a pista. 68

Estilo de dança erótica, comum em clubes de strip-tease, em que dançarina se aproxima do homem (cliente) e se movimenta em posições sensuais.

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Já passavam das 2 horas da manhã quando teve início o show do Mr. Catra. Pudemos perceber, ao lado da “putaria” a que atribuem seu sucesso, um discurso consciente e verdadeiro para aqueles que o seguem, incentivando o trabalho honesto, a perseguição dos sonhos, o cultivo da fé. Fisicamente, a figura é de uma opulência não só em tamanho como em seus milhares de acessórios dourados: três anéis, um relógio, várias pulseiras e, no pescoço, uma corrente com a mão da sorte (hamsá) imensa (espécie de amuleto do Judaísmo e Islão usado contra mau olhado). Ele entrou entoando “bem devagar, bem devagar, bem devagar”. E aí gritou com força, estendendo as palavras: Amor, Saúde e Fé. Depois disse: “a festa vai começar porque o papai chegou” e o público entoou várias vezes “uh, uh, o papai chegou”. Percebemos Catra imerso no show. Fechava os olhos, parecia sentir cada palavra. Ele ainda disse algumas vezes: “vamos começar do jeito certo, do jeito que tem que ser”. Estendeu a mão e gritou: “Que Deus abençoe a todos” para começar a cantar “O Senhor é meu pastor” e o público a repetir “e nada me faltará”. E chama: “aquele que acredita em Deus grita eu” e o público responde em coro “eu”. Sua voz é absurdamente forte e assume dois tons bem diferentes (ele brinca com essa variância a todo momento). Cantou algumas músicas, inclusive Tim Maia (a quem homenageou) e um pouco de reggae, trazendo Bob Marley. Passado um tempo, Mr. Catra dá início a “putaria”. Ele mesmo grita: “agora é a hora de começar a putaria”. Canta algumas músicas mais sensuais e vem ao palco três artistas em começo de carreira, bem jovens que continuam na mesma toada. Pudemos perceber a alucinação das mulheres ali presentes com os meninos artistas, com o Catra, com o show. A atmosfera ficou tomada por uma energia sensual e libertadora, manifestada em casais que sensualizavam em movimentos corporais de dança até o chão, em pé, nas mais variadas coreografias. Em um único momento escutamos os seguranças gritarem: “trenzinho, tá tendo trenzinho”69 mas nada que tirasse a atenção do show ou que promovesse maiores preocupações. Somente quando finalizada a apresentação do Mr. Catra, é que o clima pareceu esquentar um pouco: a atmosfera já estava mais agitada e por passar das 3 horas da manhã, decidimos não ficar para o show do Brown. Em nossa atividade de imersão no baile funk, pudemos constatar o universo do consumo perpassando todos os momentos – seja nos códigos presentes nas roupas e acessórios dos participantes (tanto homens quanto mulheres), seja na própria música, – que 69

“Trenzinhos” são filas indianas formadas pelos frequentadores dos bailes, em ordem intercalada entre homem e mulher, de modo a ser realizado o “ato sexual coletivamente”.

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ora exalta a sensualidade, ora a ostentação de objetos como correntes de ouro e tênis de marcas reconhecidamente “caras” –, seja na própria colocação da sexualidade como objeto de consumo. Consumir é palavra de ordem. Sentimentos, sensações, corpos e movimentos são elementos ofertados numa verdadeira vitrine. No universo dos jovens frequentadores dos bailes, colocar-se como objeto e enxergar outras pessoas na mesma situação é algo, notamos, recorrente.

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ANEXO H: ROTEIRO DO GRUPO DE DISCUSSÃO SOBRE AS COMPOSIÇÕES DA MC_BRUNINHA_sp, REALIZADO NA EMEF MACHADO DE ASSIS Introdução - nome - idade - onde e com quem mora - desde quando está na EMEF Machado de Assis - para que turma dá aulas/idade dos alunos - Para você educar é... Consumo de música - escuta música? Com que frequência? - onde escuta? Rádio, qual? Shows, quais? - quais os tipos preferidos? - por que, o que te atrai nesse tipo de música? - Qual a música de que mais gosta? - Qual o cantor/ra que mais admira? Passar as três músicas da Bruna (em texto) O que você achou das músicas? De qual gostou mais? Por que? De qual vertente musical é esta música? O que lhe chama mais à atenção nas letras? Como você percebe a retratação das mulheres nessas letras? (Dê um tempo e pergunte: concorda com essa retratação?) Há algo nessas letras que lhe passe a ideia de poder? Pelas letras das músicas, ostentar é... Como, nessas letras, você percebe que o homem é retradado? Pensando na autora das músicas, se vocês pudessem me contar sobre essa mulher (quem ela é, qual seu estilo e do que ela gosta), o que me contariam? Pensando que estas letras foram preparadas por um compositor, quais traços de sua identidade você consegue captar? Essas músicas têm traços de que seja funk ostentação? Quais? O compositor das letras dá importâncias e conhece marcas? E para bens materiais? Por que? Das marcas ditas aí, vocês conhecem/usam alguma? O que vocês acham do fato de ela não querer casar? Como essa artista vê as outras mulheres? Sobre o funk - Para você o funk é... - escuta funk? Se sim, em que ocasiões? - costuma ir a bailes? E a shows de funk? - quais os artistas prediletos? Por que?

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- tem contato com alguém que escuta? - o funk está presente no seu dia-a-dia de alguma forma? Se sim, como? Sobre o funk ostentação - o que acha do funk ostentação? - sobre o que acha que dizem as letras deste tipo de funk? - o que acha que o funk ostentação tem de diferente dos outros tipos de funk? - quais os artistas (homens e mulheres) que mais gostam no ostentação? Por que? Sobre as mulheres Como vocês acham que as mulheres aparecem/são retratadas nas letras do funk de maneira geral? E nas letras do funk ostentação? - e os homens, como aparecem? - e sobre ser artista: tem diferença entre homem e mulher nesse mercado do funk? Quais são elas? - como vocês se sentem, enquanto mulheres, escutando o funk? - o que acham das expressões, cachorras, preparadas, popozudas, etc? - e sobre recalcadas, alguém já foi chamada ou já chamou alguém assim? O que significa pra vocês este termo? - sobre as marcas que o pessoal canta nas letras: quais são as que vocês mais gostam? Usam essas marcas? - o que vocês acham que o funk mudou na vida das mulheres?

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ANEXO I: TRANSCRIÇÃO DO GRUPO DE DISCUSSÃO SOBRE AS COMPOSIÇÕES DA MC_BRUNINHA_sp, REALIZADO NA EMEF MACHADO DE ASSIS Moderadora – Então a gente está aqui na EMEF Machado de Assis, a gente vai fazer um grupo de discussão com a Gisele, Maria e Camila. Sobre funk ostentação e sobre as musicas da rua. Então só para a gente esquentar um pouquinho eu queria saber de vocês nome, idade, onde mora e com quem? Entrevistada 1 – Camila, tenho 26 anos, moro com meu marido, moro na zona Sul de São Paulo. Moderadora – Você está aqui desde quando sendo professora? Entrevistada 1 – Nessa unidade, esse ano. Moderadora – E você dá aula para que idade de alunos? Entrevistada 1 – 3º ano. Moderadora – E para você educar é? Entrevistada 1 – É um leque de coisas ai, educar é um principio, uma iniciação, independente de que, pra que; é uma iniciação. Moderadora – Maria? Entrevistada 2 – Meu nome é Maria, moro só, 45 anos, moro no extremo da zona Sul, não tenho filhos, é isso. Moderadora – Você está aqui na MF Machado de Assis desde quando? Entrevistada 2 – Também esse ano. Moderadora – Seus alunos tem que idade? Entrevistada 2 – 3º ano, 9 anos. Moderadora – E para você educar é? Entrevistada 2 – Para mim educar primeiro principio é conscientização porque muita coisa é complexa, mas pelo menos isso a gente consegue chegar a algum ponto, se eu não faço nada... Mas pelo menos uma coisa eu consigo, que é buscar a consciência alguma coisa assim. Moderadora – Você vê isso nos seus alunos? Entrevistada 2 – Devagar, muito lentamente, mas a gente vê uma luz no fim do túnel, bem no fim. Moderadora – Gisele, nome e idade? Entrevistada 3 – Eu tenho 31 anos, sou casada e moro com meu marido, trabalho nessa escola há 1 ano, moro na zona Sul também. Moderadora – E para você educar é?

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Entrevistada 3 – Que tipo de pessoas que a gente quer formar? É difícil, não depende só da gente. O nosso trabalho... Moderadora – Você acha que depende do que também? Entrevistada 3 – Estrutura. Eu acho que hoje em dia a tecnologia está acima de tudo, inclusive devido aos valores que tem se perdido muito. Isso eu percebo, a família joga para a escola, a escola não tem como dar conta porque não dá mesmo, tem coisa que eu acho que tem que vir de casa e ai fica, o aluno é meio que um ping pong, ele vai pra lá e pra cá, então que tipo de pessoas que a gente pode ajudar a se formar né? Eu acredito que a gente até faz milagre, porque não é um trabalho fácil. Moderadora – Para a gente começar a falar um pouco de musica então, no funk ostentação. Agora eu faço as perguntas e vocês podem ir falando livremente sem precisar dividir. Se você costuma ouvir musica, que tipo de musica gosta, porque e o que te atrai? O que mais gosta de cantor assim, então mergulha na musica e puxa da memória o que gosta. Entrevistada 1 – Meu estilo de música, é mais que um estilo de música, é uma educação que eu tive dentro de casa que é o rock, eu vejo que vai além de ser só um estilo musical, foi uma instrução que eu tive dentro de casa e que procuro seguir. Escuto com muita frequência no carro e em casa. Moderadora – Seus pais escutam rock? Entrevistada 1 – Não, na verdade é estimulo do meu irmão. Moderadora 1 – E o que você gosta no rock? O que ele te faz sentir assim? Entrevistada 1 – Ele me faz me sentir um pouco mais inteligente, mais critica, foi isso que eu consegui ter essa propriedade, que eu acho particularmente que eu não teria em outros estilos musicais. Ele me proporciona isso. Moderadora – Do rock o que você gosta? Vai em show essas coisas? Entrevistada 1 – Também, eu gosto mais dos clássicos, algo que não é da minha idade, mas que eu tive o acesso Led Zeppelin, Iron Maiden, clássico mesmo. Entrevistada 2 – Eu comecei ouvindo, a primeirqa musica que eu comecei a realmente curtir foi o bentidto Roberto Carlos que depois eu eliminei da minha vida, porque minha irmã que me ensinou a música, só que minha irmã ela tinha alguns preconceitos, então eu vi o Roberto Carlos, eu sonhava em ter todos os discos dele, ai eu cresci, descobri quye eu não quero nenhum disco dele, porque ele fala de amor, ele enganava, ele foi de uma época que enquanto a ditadura estavam questionando o mundo ele estava fazendo música de amor do lado das pessoas que convinham, interesses, então pra mim o cantor tem que ter algo mais do que

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apenas a música, e a maioria dos caras que fazem músicas de amor ele não quer questionar outras coisas, então eu não gosto de nenhuma música de amor, romantismo demais, exagerado, eu gosto de música que pensa. E ai eu eliminei aquela coisa de Roberto Carlos da minha irmã e comecei a gostar de Raul Seixas, porque meu irmão era bem molequinho, ele tinha 10 anos começou a andar por amigos dele, tocando violãozinho no meio da rua, no interior de Minas Gerais em cima do caminhão, e aquela música fazia eu pensar, ai pra mim Raul Seixas virou ídolo, e eu comecei a gostar de Raul Seixas, de MPB, mas eu gosto de música que pensa, que faça a gente pensar, porque já basta a gente já não ter acesso a muita coisa né? A música traz isso igual a Camila falou a música tras isso pra gente de uma outra forma, que as vezes você não teve acesso, a familia as vezes não tem, minha mãe é semianalfabeta, meu pai é semi-analfabeto, ai a música vem e te ajuda, então eu gosto de música, pra mim é isso. Agora assim, eu sou aclética, eu danço tudo qualquer porcaria; meu pai atrás de mim queria quebrar minhas canelas, dancei lixo, Moderadora – O que é lixo? Entrevistada 2 – São essas músicas que todo mundo fala, o mais velho critica, eu dancei, porque eu gosto de dançar, gosto de sacudir o esqueleto, então ai quando é para dançar qualquer lixo vai, mas para ouvir não. Ai eu dançava os lixões que hoje eu não danço porque eu tenho idade, mas até entendo quando você não tem acewsso você vai ouvir isso ai, não tem amplitude de música, é o que te oferece. Entrevistada 3 – Eu gosto muito de MPB, adoro gosto também de rock, para dançar eu gosto um samba rock, samba de gafienra, na minha adolescência eu aprendi muito com meus primos, então… É isso, às vezes eu gosto de ouvir um forrózinho, mas isso é mais para dançar também, mas no ritmo da Maria, entrar no meio da bagunda, do pessoal. Moderadora – Tem um artista ou uma banda que você curta? Entrevistada 3 – Olha eu gosto muito de Titãs, Legião Urbana, MPB tem vários que eu gosto. Eu escuto muito MPB, até tem aquela Nova Brasil, nossa eu fico horas escutando asism, gosto bastante. Entrevistada 2 – Ana Carolina tomou conta dela, da rádio, é ela sozinha. Entrevistada 3 – Eu quase não escuto ela tocar na Nova. Pra mim MPB é uma maneira de poetizar o mundo através da música, e o rock é uma maneira de buscar uma consciência mais aflorada sobre todos os acontecimentos, pra mim a visão que eu tenho é essa. Eu acho que a vida sem musica não tem muita graça, é mais agradável com musica.

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Moderadora – Agora eu vou passar as letras da Bruna só dá uma lida, são três letras e depois a gente conversa sobre elas rapidamente, são três letras, uma chama “Portando os kit’s” a outra “No estilo Paniqcat” e a terceira “forgando de camarote”. Do que vocês estão rindo? Entrevistada 1 – Do EGEO eu tenho ele. Entrevistada 3 – Eu também. Entrevistada 2 – Aqui eu não tenho nada. Só Adidas né? Mizuno. Mesmo assim Mizuno aquele dos 90%. Mizuno do modelo passado. Moderadora – Oi, eu estou fazendo uma pesquisa sobre funk ostentação, você quer participar com a gente? Entrevistada 4 – Pode ser. (Explicações Moderadora) Entrevistada 2 – Fica difícil alguém querer saber ler. Moderadora – Por quê? Entrevistada 2 – Porque já se criam pensando no ter sem querer fazer nada, sem conquista, os filhos são criados assim em obter produtos apenas produtos sem nenhuma conquista, sem ler um livro de qualidade, porque o livro não se oferece se oferece produtos marcas, ontem eu estava em um salão de beleza, que eu detesto, é um lugar que eu não gosto de ficar muito tempo, e os filhos da mulher, você observa aqueles óculos, aqueles funk, e ai as crianças, a maioria não consegue, a maioria esta conversando comigo e não gostam de ler nada, não gostam de ir para a escola, mas as crianças estão sempre muito bem arrumadas, com óculos caro, com coisas caras, com Tablet’s, e não é o ter que é ruim o ter é legal, mas é a forma que ostenta, não tem um objetivo para chegar lá. Chega a doer a barriga. Entrevistada 3 – Eu tenho uma curiosidade nesse mundo se eles escrevem errado propositalmente, ou se realmente... Entrevistada 2 – Se escreve como fala. Entrevistada 3 – É só uma dúvida, como que esse vestido Maria existe? Que vestido é esse. Moderadora – Alguém conhece o vestido Maria Gueixa? Entrevistada 2 – Sedutora provável. Vem da gueixa da japonesa, de sedução, assim, estou falando pelo contexto, não que eu conheça. Muito pelo contrário, não conheço. É ostentação, é sexualidade, de uma forma sem nenhuma credicidade né? Não é ser... Isso aqui não tem como você não falar né? É o que a gente está sempre repensando sobre. Entrevistada 3 – Não tem certo nem errado, é o que cada um sente e pronto. É sentir mesmo. Entrevistada 2 – A ostentação eu acho até pior, até do que o funk podre ultimamente eu acho.

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Moderadora – Do que o funk...? Entrevistada 2 – Do funk podre que a gente fala, porque tem a liberdade sexual da mulher que o funk conseguiu aquele podre, e esse é material. Moderadora – E porque você acha esse pior? Entrevistada 2 – Acho que domina até mais do que o sexo, porque as pessoas morrem de medo da questão sexual, principalmente professor porque a gente foi criado em outra época. Mas se for pensar na mulher que mudou, uma mulher que mudou é menos preocupante do que a ostentação, agora se analisando os dois eu me preocupo mais com esse funk da ostentação do que da sexualidade. Entrevistada 1 – Eu acho que linguagem do funk assim, eu falei pelo pouco que eu vivenciei da adolescência do meu mais novo, houve uma época que ele só escutava funk, e as letras eu achava muito pesadas, e assim, eu até cheguei há pesquisar um pouco sobre quando surgiu o funk e se você ver a diferença das letras de quando surgiu para agora pra mim é como se saísse totalmente do contexto, porque as letras no inicio na época de Claudinho e Bochecha, por exemplo, não tem nada a ver com o que você ouve hoje e eu percebo que as letras de hoje, essa daqui está super leve, está doce até, assim, diante de algumas que eu já escutei, mas ainda sim olhando pra mim é como se passasse a mensagem que o importante é você ter e não ser. Em primeiro lugar é ter, ter, ter, sabe? Então eu percebo que hoje em dias as pessoas, as comunidades, a criançada mesmo se preocupa muito mais em o que eu preciso ter? Uma roupa de marca, o que vai fazer de mim uma pessoa melhor é uma roupa de marca, ter... (Todas falam ao mesmo tempo) Entrevistada 3 – Ele não está incluído na sociedade, ó que o que eu percebo, que essa questão do ser, de se trabalhar valores, formação está se perdendo demais, está fugindo. Moderadora – Vocês acham que tem esse domínio do ter, das marcas? Entrevistada 2 – Total. Eu acho que tem influencia, e ainda acho que o jovem é usado, ele não faz porque ele quer isso aqui, ele é manipulado, existe as rádios que oferecem e ele quer ter, claro, natural que todo mundo queira ter, então a única forma que ele tem é essa, ele já tem uma educação precária, ele só sobra às cadeias, nós trabalhamos em condições lamentáveis, que não oferece uma educação de qualidade, a gente sabe disso, e ai o que ele vê? Opção nisso, e as rádios o que oferece? Só isso, gravar cd’s e ele vai mesmo. Entrevistada 1 – E ganha-se muito dinheiro né? Entrevistada 3 – E ele está em processo de formação, é espaço, é uma alienação, é mais fácil à manipulação, então é o publico alvo mais atingido mesmo que...

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Entrevistada 1 – E ai eu pergunto: Imagina o cara da periferia que mora em um barraquinho de madeira, ele se envolve nesse mundinho do funk ostentação, como que ele vai ganhar dinheiro fácil, família desestruturada, a educação não é tão boa assim, vai trabalhar para ganhar um salário mínimo, será que ele consegue comprar um tênis desse de marca? Não consegue. Então qual a maneira melhor de conseguir dinheiro, de ostentar? Ganhar dinheiro de uma outra maneira, busca outros recursos que a gente já sabe bem quais são. Então o que eu quero dizer é na verdade não é o funk que tem a culpa toda sobre isso, mas... Moderadora – Seria o crime que você está falando? Entrevistada 1 – Tudo, o crime entre outras coisas, o que eu quero dizer é que o funk está inserido no capitalismo, é só uma maneira de inserir a pessoa, o funk de hoje, lá no inicio eu acho que... Entrevistada 2 – É só mais um recurso, porque tem vários. Entrevistada 1 – Tanto que hoje em dia eu até tenho um certo preconceito com relação às letras de funk porque eu acho muito pesadas, hoje quando você me apresentou e eu olhei, nossa está doce até, por que... Moderadora – Vocês conseguem imaginar a Bruna que escreveu essas letras enquanto uma mulher, quem ela é por essas letras? Entrevistada 1 – Eu consigo imaginar essa menina, eu imagino ela sendo tipo essas que aparece na televisão, essa Popozuda, a Waleska. Moderadora – Pra você ela parece a Waleska? Entrevistada 1 – Difícil saber por que assim, ela pode se vestir da maneira que ela coloca as musicas ou não, não sei. Entrevistada 3 – E de repente sabendo que o comércio compra esse tipo de musica, eu posso vir a escrever uma letra assim, com erros de ortografia, com que o publico alvo quer escutar e não ser realmente o que está escrito, se é esse o objetivo eu posso sim. Entrevistada 2 – Eu não sei se eu lido com jovem há muito tempo, eu consigo ver uma menina que está tentando se achar no mundo, uma pessoa que às vezes a gente vê com preconceito, como se fosse uma menina aquilo e outro, mas às vezes essa mesma menina é a mesma que você tem na sala de aula, dócil, carinhosa, ela está no meio apenas tentando se posicionar no mundo e ai o que ela tem é isso, que todo mundo busca, principalmente na adolescência, a gente fica assim, o que eu vou fazer, de que forma eu consigo ter algo e fazer algo, e pra ela o que ela tem é isso.

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Moderadora – E como mulher, vocês olhando ela como adolescente foi o que a Maria falou, mas e como mulher em relação ao homem, vocês acham que ela se coloca em relação ao homem de alguma forma aqui nessas músicas? Entrevistada 1 – Eu acho que a imagem sai bem desvalorizada. Porque é como se se vendesse, tipo eu sou bonita, sou assim, assim, e por isso eu consigo isso e isso. Isso pra mim é se vender. Eu acho que é muito bom quando você tem tudo isso, e não precisa se vender, se expor a tanto, eu acho que desvaloriza a figura da mulher. Moderadora – Ela está se desvalorizando na sua opinião ai? Entrevistada 2 – Eu acho que essa menina é diferente da mulher do passado, por mais que ela faça errado, essa menina tem alguns valores. Entrevistada 3 – Eu acho que tanto o funk como várias músicas conseguiram ingressar mais a imagem da mulher, eu acho que a mulher já conquistou um grande espaço, ainda precisa conquistar ainda mais, mas nesse sentido mesmo de se valorizar, às vezes eu escuto mulheres falando assim, ah às vezes eu vou para um barzinho, para algum lugar, mulheres solteiras e encontra, conhece alguns homens e às vezes a imagem que eu tenho é que eu sou só mais uma como mulheres que se sentem desvalorizadas entende? E ai eu percebo que muitas vezes a música promove isso também, eu não acho errado você se ser solteira, ir para uma balada, dançar, ficar com algumas pessoas, se você é solteira você tem o seu livre arbítrio, não tem problema nenhum, mas é que às vezes a maneira de se exibir mesmo, através de uma música como o funk, eu percebo que hoje em dia às vezes eu vejo, próximo da minha casa já teve esses pancadão em rua, vão me desculpar, parece que estão fazendo, o que às vezes me parece é que as pessoas estão tendo relação, você entende? Ao ar livre, eu vou para o bar sem calcinha, porque a saia é aqui, e não é uma dança, dança você entende? Entrevistada 3 – O gesto que eles fazem né? Parece que estão praticando. Moderadora – E o que vocês acham da mulher quando ela se coloca ou quando ela vive isso no baile? Alguém já foi em baile funk? Entrevistada 1 – Eu nunca fui. Entrevistada 3 – Eu já fui uma vez. Moderadora – E o que você achou? Entrevistada 3 – Foi na minha adolescência assim, uma única vez, me assustou, não cabe a mim julgar, mas quando eu olhei eu falei gente, primeiro, se a pessoa já se identifica com a batida, e eu acho assim, pra que tanto? Para mim é um exagero muito grande, e é todo repertório, não é a batida em si, a batida em si eu até gosto sinceramente, mas é todo repertório, o estilo da roupa, muitas meninas vão para o baile sem calcinha e isso é bem visto,

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com as saias muito curtas e na dança com rapazes é muito envolvente, e já se viu casos até de pessoas terem mesmo relação no baile funk, então assim, é a mulher se expor? É a mulher se expor, infelizmente é. Entrevistada 2 – É uma liberdade de expressão né? Entrevistada 1 – Liberdade sexual. Não gosto. Entrevistada 3 – Mas é ai que está, não cabe a mim julgar, mas da mesma maneira que não cabe a mim julgar eu também questiono, poxa vida, muitas mulheres que vão ao baile funk se sentem desrespeitadas, tipo, ah porque hoje em dia está difícil você ter um companheiro porque a figura da mulher é desvalorizada, e eu não estou querendo dizer que tem que voltar lá atrás e a mulher ser como era antes, isso não, de jeito nenhum. Entrevistada 1 – Teremos muitos avanços e temos mais é que continuar. Entrevistada 2 – Mas eu acho que tem que saber dosar, a partir do momento, desculpa, mas se eu quiser ter vários? Entrevistada 3 – Se você quiser ter vários Entrevistada 2 – O que eu estou querendo dizer é, quando a gente fala que a menina está errada porque para ter um companheiro eu preciso estar concorrendo com essa menina, eu estou me desvalorizando como mulher, meu pensamento, tudo bem que a gente discorda de várias coisas do funk, eu detesto, mas eu tento compreender que são mudanças, assim como eu dancei a dança da galinha, que o meu pai ia atrás de mim quebrar minhas canelas porque era música de puta entendeu? Só que pra época era absurdamente, hoje se você colocar essa musica ele doce para os ouvidos do meu pai, só que os processos eles vão mudando. o que mais me preocupa é o domínio dessa juventude com algum modelo e essas pessoas não tem consciência de nada que faz. Está lá no meio sem saber o que está fazendo, mas elas não sabem. A minha preocupação é estou fazendo consciente ou não? Eu acho que não tem essa consciência, e isso é complicado, é o que ela falou, é o que está a mercê deles. Ai vem o capitalismo de novo, dominando enquanto mulher, desvalorizando a mulher em um ponto, e ai é meio complicado nesse ponto. Moderadora – Deixa perguntar para vocês da Bruna. Das letras das musicas da Bruna. Vocês deram risada do Egeo sem olhar nas letras, vocês lembram de marcas que ela tenha falado e vocês tem contato com alguma dessas marcas? Entrevistada 2 – Eu nenhuma. Entrevistada 1 – Eu só lembrei do Egeo que eu também já usei. Entrevistada 2 – Não sei nem o que é isso. Eu vi um nome aqui que eu acho que eu sei. Entrevistada 1 – Lacoste. A moto 1100.

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Entrevistada 3 – Eu não foquei tanto nas marcas, mas eu si nos erros, porque você Le e rele novamente porque são coisas incoerentes. Eu foquei mais nos erros porque eu lia e relia para ver se era quilo mesmo, mas no que nas marcas. Entrevistada 1 – Mas nas grandes periferias eu percebo que essa que é a linguagem. O que para nós não é certo para eles é. Entrevistada 3 – É isso que eu me pergunto é realmente uma realidade ou eles têm a intenção de escrever errado, é uma duvida minha. Entrevistada 2 – Nem sempre, porque nesse caso pode até ser, eu estudei filosofia, enquanto linguagem eu acho que a favela, como um dia eu quase apanhei quando falei favela e minha colega disse que é Favo de Mel, mas é besteira essa tal de comunidade, porque Favo de Mel como a diz Vivi são pessoas muito próximas uma da outra, olha que bonitinho que agora não pode mais falar, quase apanhei na loja porque eu disse minha favela. Ai no caso eu dando aula de filosofia, os muleques até falam assim, mas também escrevem assim que é o problema, porque se eles falassem como forma de comunicação só tudo bem, mas escrever corretamente estava bom. Evolução. Entrevistada 3 – Mas é como você falou, será que estão lá por alienação ou porque querem estar lá? Essa é uma preocupação. Entrevistada 1 – Eu percebo que nas letras que há uma grande necessidade de alimentar o ego né? De mais assim, eu sou nova, sou bonita, eu consigo ter coisas de marca, sabe? Aonde eu chego eu consigo entrar em lugares VIP’s, caros, mansões, ou seja, o fato de eu ser jovem, bonita e ai entra de novo naquela questão, até que ponto vai isso? Você só ter, cadê o ser. Entrevistada 2 - Qual a valorização do idoso, somente dos jovens, o idoso é passado na rua, não tem valor, porque é um pais onde tudo que pé belo é bom, e tudo que passou não servem mais, então tudo tem a ver com processo histórico de como a gente valorizou o idoso, todas meninas enquanto é jovem, tem essa de você é velha, você é feia, então posso pegar o menino que eu quero, eu posso dançar do jeito que eu quero e ai vem. Agora o que eu queria falar é do recalque, é uma coisa que eu não suporto nas musicas. Uma coisa que me incomoda muito nessas musicas é a palavra recalque. Eu costumo pensar nos tempos atrás, mesmo as pessoas mais estudadas, até na Globo, a Ana Maria Braga, essas mulherzinhas fúteis, que são tão fúteis tanto quanto qualquer pessoas de periferia, pelo menos é o que mostra pra gente, as musicas que falam de recalque, pra mim aumenta uma violência, porque tudo é recalque, aqui tem uma parte que fala do recalque, como se fosse uma concorrência de menina para menina, estimulando a violência, estimulando eu vestir melhor do que a outra, isso trás briga na escola, na comunidade.

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Moderadora – O que é recalque? Entrevistada 2 – O recalque é inveja, que eles retratam como inveja, ai é “beijinho no ombro” e a outra tem inveja de mim, e pra que a gente ficar alimentando isso, eu não sou contra a menina ter feito uma musica, mas isso virou política, todo mundo fala, desde a mídia mais alta até professores, e recalque se tornou algo bonito, e é uma inveja do outro, não é uma violência, as meninas brigam por menino o tempo todo na escola, porque dá palavra recalque, então eu acho que vira uma coisa meio... Moderadora 1 – As meninas brigam? Entrevistada 2 – Sim. Entrevistada 3 – Sim. Entrevistada 2 – Elas brigam desde o 5º ano, porque chamou a outra de recalcada, e a gente também produz isso porque depois dessa musica tudo é recalque. Entrevistada 1 – Tudo é recalque, na linguagem delas tudo é uma competindo com a outra e isso virou geral. Entrevistada 2 – Eu vejo mãe de amigas minhas de professora, quando a gente fala alguma coisa é recalque, eu não gosto da frase, no meu vocabulário, até escrevi um dia sobre isso, que minha amiga pegou e falou como c não gosta da palavra recalque? Eu não gosto, porque pra mim é estimulador, eu não preciso ficar brigando se você vai usar uma roupa diferente. Moderadora – O que você acha Camila? Entrevistada 1 – Eu acho isso também, é um estimulo, no nosso contexto escolar não é viável, ontem mesmo teve uma agressão por conta de roupa, uma que se sentiu inferior e ai eu acho que acaba estimulando mesmo esse tipo de agressividade. Entrevistada 1 – Elas estão o tempo todo querendo competir uma com a outra, se uma vem vestida um pouquinho melhor, a outra se sente menos valorizada. Entrevistada 1 – A questão do cabelo. Entrevistada 2 – Isso estimula uma violência na porta da escola, essas brigas que existem uma matar a outra que a gente já viu várias situações, a partir do 5º ano é muito mais claro criança jogar querosene na outra e por fogo por causa de menino. Moderadora – Essa situação toda vocês trazem elas através da letra da Bruna? Vocês acham que nas letras da Bruna tem uns traços de que isso esteja acontecendo com ela, se colocando em relação à mulher? Entrevistada 2 - Para mim é um produto disso, faz isso sem consciência, mas faz. Entrevistada 3 – Pode vir a acontecer, é um estimulo também.

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Entrevistado 1 – E a letra do funk, eu falo isso na minha sala que eu tenho mais meninas do que meninos chega a ser, eu sinto como se processa algumas coisas mais precocemente, por exemplo, a questão da sexualidade, eu tenho uma menina na minha sala que é um doce, muito educada, super inteligente, um dia desses ela chegou na sala na segunda-feira morrendo de sono, então coleguinha, você dormiu tarde ontem? Ah professora eu cheguei em casa 5 horas da manhã, fui pro baile funk com minha mãe. Moderadora – Quantos anos? Entrevistada 3 – 9 anos. E assim, às vezes eu vejo quando as meninas se reúnem na hora do recreio, quando tem festinha na escola, elas dançam assim, não vou falar que é ruim, é uma maneira de se expressar, mas eu acho que é muito precoce porque se você for perceber as musicas que elas cantam aqui não é uma música como essa, muito mais pesada, e às vezes eu falo pra elas, vocês sabem o que estão cantando? Ah eu sei, e fala, demonstra através da dança e através de gestos, nós já tivemos casos de meninas e meninos no banheiro se tocando. Entrevistada 3 – É então eu acho assim,que isso tudo estimula, querendo ou não estimula, porque as letras do funk hoje em dia são assim só não entende quem não quer, nesse ponto da criança é muito pior, inda mais quando você fala da questão do sexo eu acho que é muito claro assim. Moderadora – O que vocês acham do fato da Bruna mencionar aqui que não quer casar? Entrevistada 4 – Pra mim é liberdade sexual. Entrevistada 2 – Sexual também e evolução da historia, enquanto mulher eu acho evolução, ela pode não ter a consciência, ela pode fazer hoje o papel do funk, mas enquanto mulher é uma grande evolução. Entrevistada 3 – Uma opção de vida. Assim foi se transformando, a gente pode ver com a chegada do funk hoje com grande força e porque não da mulher mudar o seu ponto de vista, seu padrão de comportamento. Entrevistada 1 – É uma evolução do século XXI né? A mulher está mais independente, não precisa casar para formar uma família, ela tem agora uma opção, casar ou ficar solteira, é uma opção, ela trabalha se mantém hoje em dia as mulheres estão tendo mais estudo do que os homens, então é uma opção, um ponto de vista.

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