[O FUROR.com] O Virtual Antropomórfico e a Privacidade

September 24, 2017 | Autor: Louise Marie Hurel | Categoria: Privacy, Cybersecurity, The digital panopticon, Privacidade, Segurança Cibernética
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O Virtual Antropomórfico e a Privacidade

Certa vez, o renomado físico Stephen Hawking destacou que uma das semelhanças entre o funcionamento do computador e da mente humana é o fato de ambos estarem baseados em alguma forma de programação. A existência de características compartilhadas entre o mundo virtual e o mundo "real" apontada pelo cientista, também pode ser reafirmada ao olharmos para a privacidade como um espaço e como algo que se relaciona diretamente à informação.
Os ouvidos captam sons, ruídos, melodias, a boca transmite mensagens entre pessoas através de códigos (mais conhecidos como linguagem) e os olhos tiram retratos e filmam o dia a dia. Todas essas ações são armazenadas no cérebro. Não tão diferente, o computador é capaz de realizar funções parecidíssimas às descritas. Esta ferramenta e a internet proporcionaram a criação de um espaço largamente supraterritorial que incorpora não só o armazenamento e transmissão de informações, mas também um local onde pessoas são capazes de se relacionar. Tendo isso em mente, podemos compreender a relação entre o social e o virtual em meio ao anseio pela privacidade.
George Orwell em seu livro 1984 retrata uma sociedade submetida a extrema vigilância, e portanto a uma grande repressão da vida privada:
Winston olhou em torno do quartinho mal ajambrado sobre a loja do sr. Charrington. Ao lado da janela, a cama enorme fora feita, com cobertores esfarrapados e um travesseiro sem fronha. O relógio antigo, de mostrador de doze horas, tiquetaqueava na lareira [...] Loucura, loucura,. dizia-lhe o coração; loucura consciente, gratuita, suicida. De todos os crimes que um membro do Partido podia cometer, este era o mais difícil de ocultar [...] A possibilidade da solidão, disse ele, é muito valiosa. Todo mundo quer um lugar onde possa ficar só.
Recentemente, Glenn Greenwald - jornalista amplamente conhecido por ter contribuído para a publicação das revelações de documentos secretos da Agência de Segurança Nacional dos EUA proporcionados por Edward Snowden - argumentou em seu TED Why Privacy Matters? que todos nós queremos ter um espaço onde possamos estar livres dos julgamentos dos outros sobre aquilo que escondemos.
Há diversas coisas que fazemos e pensamos, que contaríamos ao nosso médico, ao nosso advogado, ao nosso psicólogo, ao nosso cônjuge, ao nosso melhor amigo, mas que teríamos pavor de que todo mundo soubesse. Todos os dias, ponderamos as coisas que dizemos, pensamos e fazemos, que contaríamos a outras pessoas, e coisas que dizemos, pensamos e fazemos que queremos que ninguém mais saiba.
Podemos ver a privacidade como um elemento fluido e líquido que perpassa diferentes ambientes sociais. Semelhantemente ao cérebro, o computador surge como essa memória/"arquivão" deslocado fisicamente do cérebro humano e que continua se tornando e se legitimando como um canal onde os fluxos de informação são cada vez mais intensos. É possível compreender o anseio pela privacidade dentro desse espaço cibernético como a reprodução de algumas características que surgiram antes da introdução do computador.
Não é preciso voltar muito, chaves, lacres, cofres e códigos são/eram alguns dos mecanismos utilizados para proteger o privado. O computador e o desenvolvimento das suas capacidades funcionais permitiu um aprimoramento dos modos de controle sobre o acesso e o não-acesso daquilo considerado privado. Sendo o espaço cibernético um ambiente grandemente informacional, as chaves, lacres, cofres, códigos também se encontram lá. Senhas para emails, camadas de proteção, anti-vírus, criptografia computacional são algumas das ferramentas que foram elaboradas em meio aos desafios da segurança da informação/espaço privado.
O cabo de guerra entre privacidade e vigilância reflete um desejo humano socialmente construído de demarcar o público e o privado. Tendo-se em vista que esses espaços abarcam trocas, conexões, desligamentos, rupturas, tensões e resistências, esse ambiente, independente do seu espaço específico, é informacional. O publico é construído um espaço mais abrangente com informações que não necessariamente possuem um grau de importância tão grande. O privado, por sua vez, é tomado em larga escala como um espaço contraído, lacrado, de difícil acesso pois as informações que ali residem, possuem alto valor de sigilo.
Fluindo desde algoritmos que possibilitam a troca de informações dentro do espaço cibernético, até a brincadeira do "telefone sem fio" (o que não deixa de ser uma transmissão de informações), o embate entre esses dois elementos perpassa diferentes espaços. Desde sociedades fictícias do livro 1984 até as recentes revelações de Edward Snowden transitamos entre o permitido e o não permitido dentro ambiente informacional (independente se ele é ou não no espaço virtual).
Por que manter algo privado?
Por que essa linha é traçada e retraçada constantemente?
Até que ponto pode-se ir sem "ultrapassar a linha" entre o privado e o público?
Não existe uma resposta absoluta para essas questões, especialmente quando fala-se de espionagem. Assim como o infame programa PRISM (permitiu sigilosamente o acesso da NSA aos conteúdos específicos das grandes corporações no ramo das comunicações digitais tais como Yahoo!, Google, Facebook, Skype, Youtube, Microsoft), o esforço da vigilância estatal instrumentalizada pela tecnologia pode ser vista caricaturadamente como se alguém entrasse na sua casa sem que você soubesse (mas estivesse ciente dessa possibilidade) e pudesse revistar todos os cômodos.
Como acontece com diversos mecanismos, vê-se no mínimo dois lados: a utilidade e os riscos do desenvolvimento tecnológico. No caso do avanço tecnológico para a vigilância, o risco foi reafirmado pelas revelações de Edward Snowden. A tecnologia é útil mas também abre espaço para (não que ela seja o único fator a ser levado em consideração) a perpetuação de um modo de vigilância. Os olhos que veem e ouvidos que ouvem são reproduzidos e instrumentalizados tecnologicamente permitindo que haja um distanciamento do local a ser vigiado e até a possibilidade de se "voltar no tempo" através de gravações. Acompanha e age-se com distância.
Um Show de Truman?
Uma Teletela?
Não.
Ainda tenho esperanças na resistência e transparência dos mecanismos de vigilância exercidos pelos Estados.


REFERÊNCIAS:

http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-2428014/The-everlasting-life-Stephen-Hawking-says-brain-like-programme-copied-computer.html

GREEDWALD, Glenn. TED: Why Privacy Matters? 2014. Disponível em: . Acesso em: 24 de outubro de 2014.

GREENWALD, G. Sem Lugar para se Esconder. Primeira Pessoa. 2014







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