O futebol da ciência

June 14, 2017 | Autor: M. Vieira de Carv... | Categoria: Portuguese Studies, Neoliberalism, Scientific policy
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46 | PÚBLICO, TER 22 SET 2015

O futebol da ciência Debate Política científica Mário Vieira de Carvalho

N

o início do seu mandato, dizia o ex-presidente da FCT, perante um auditório de sábios, que era preciso introduzir na ciência em Portugal regras idênticas às que vigoravam no estrangeiro. Como no futebol. Se não podíamos “competir” no futebol usando campos, balizas ou equipas com dimensões diferentes das praticadas por esse mundo fora, também nas arenas da ciência teríamos de “jogar” segundo regras universalmente aceites. Que regras seriam essas? Não dizia quais. Mas era evidente que tinham de ser diferentes das regras de avaliação internacional que já tinham sido introduzidas havia muito pelas reformas — essas, sim, estruturais — de José Mariano Gago. Para o porta-voz da política científica do Governo da direita, era evidente que o enorme salto nos indicadores do potencial científico nacional e da sua internacionalização em todos os domínios resultava de uma espécie de batota que o Estado se permitira introduzir no sistema para vencer um atraso secular e nos aproximar da Europa. Por isso, já depois do inenarrável caos nas avaliações, em finais de julho de 2014, a presidência da FCT ainda clamava, qual rana rupta antes do estoiro final: “É verdade que este é o primeiro exercício de avaliação em que todas as unidades de I&D são avaliadas de forma competitiva.” É preciso ter lata! A equiparação entre ciência e futebol (a eureka! deste Governo) não passava de uma fórmula vazia que varria para debaixo do tapete o lixo estrutural do país. Basta lembrar os milhões que sobram à iniciativa privada para investir em clubes de futebol e a escassez dos meios que a mesma investe em “modernização”, inovação ou recrutamento de mão de obra qualificada e bem paga — isto é, paga pelo seu justo valor (nada de excessivo, certamente, quando cotejado com salários de jogadores e treinadores). Um estudo comparativo deste tipo de correlação na OCDE talvez levasse à conclusão de que a iniciativa privada, em Portugal, por tanto querer “competir” no futebol, pouco se tem esforçado por “competir” em esferas estruturantes e estratégicas da economia. Eis o que até parece ser incentivado pelo Governo, ao pretender diminuir agora ainda mais os “custos” do trabalho: mais lixo estrutural, em vez de uma economia verdadeiramente “competitiva” na sociedade do conhecimento!

Devbhum Como se viu, porém, ao longo deste penoso consulado, o futebol de que falava o presidente da FCT não tinha paralelo nos anais do desporto. Mudavase de regras a meio do jogo, entregavase a arbitragem a quem desconhecia a matéria em competição, alteravam-se por decisão administrativa — enfatizo — resultados cientificamente validados por painéis internacionais, cometiam-se, enfim, inomináveis atropelos às mais elementares regras de transparência e isenção. Já para não falar da legalidade — coisa que nunca preocupou esta direção da FCT, useira e vezeira em ignorar recursos de decisões de avaliação (ou, após muita insistência, em recusar-se a fundamentar cientificamente o seu nãoprovimento), em desrespeitar prazos para responder a reclamações e em dispensar-se de corrigir erros informáticos e outros lapsos grosseiros mesmo quando estes inquinavam o processo de avaliação. Marcas de uma gestão discricionária, à margem do Estado de direito. As consequências estão à vista. No futebol continuamos, mais ou menos, na mesma. Na ciência ficámos com equipas enfraquecidas ou destruídas. Antes altamente internacionalizadas, atrativas para investigadores de excelência em todos os domínios científicos, perderam centenas dos seus melhores elementos, forçados a emigrar, a regressar ao estrangeiro ou a desbaratar no desemprego e subemprego o seu saber e capital de experiência. Por fim, na despedida, o árbitro inventou a regra de que também podia jogar numa das equipas: e marcou um golo! Espanta-nos que um cientista reconhecido pela sua investigação em cegueira tenha demonstrado uma tão confrangedora falta de visão em matéria de política científica! Mas é um facto — mais uma vez comprovado pela experiência de quatro anos de governo da direita — que a cegueira ideológica cega mais do que a visual.

No futebol continuamos, mais ou menos, na mesma. Na ciência ficámos com equipas enfraquecidas ou destruídas

Professor catedrático jubilado (FCSH-UNL)

Debate Economia e socieda José Miguel Pinto dos Santo

A

miséria existe sob muit formas. Há a miséria m Há a intelectual. Pode e miséria nas relações so apesar de muitos a neg também a miséria mor a mais miserável? O Uttarakhand, um e Norte da Índia, nos Him é também conhecido c Devbhumi, literalmente, o País dos A paisagem montanhosa e arboriza magnífica, a urbana é deprimentem pobre e suja. O grosso da população constituído por castas baixas, “os v na designação usada, até há bem po língua local. Sem terra nem capital, por cima analfabetos, viveram dura séculos na dependência dos brahm [brâmanes], a casta dos proprietári endinheirados e intelectuais. Os seu caciques eram mais que os represe dos deuses, eram alter-egos dos pró deuses, na sua natureza um 16 avos no restante, humanos. Curiosamente para uma economi agrária, e ainda por cima com uma tão marcante entre os que têm tudo que não têm nada, no País dos Deus havia assalariados: um costume pec permita um homem receber de out em troca de trabalho. No entanto, e permitido que se trabalhasse para o se fosse para saldar uma dívida. Ass subsistir, os vencidos tinham de con um empréstimo, ainda que simbólic Depois trabalhavam como campone cozinheiros, pedreiros e carpinteiro os seus credores, recebendo não di mas abrigo e alimentação para si e p famílias pelo período que levavam a dívida: uma vida. O curioso deste arranjo social era pobres não precisarem de dinheiro viver: bastava-lhes terem uma dívid arranjar trabalho e comida. Só prec de dinheiro numa situação: para ca uma filha. O costume imemorável d dote impunha que os vencidos, sem impecuniosos, tivessem de pedir emprestado a um brahmin a quanti necessária, que nunca era simbólica casos era-lhes exigido penhora. À fa melhor alternativa, era a própria no era penhorada: era esperado que no seguir ao seu casamento se apresen na residência do credor. Aí servir-lh de concubina até que ele se fartasse depois enviada para os acampamen de madeireiros como prostituta até que a obrigação familiar fosse salda Recuperava então a sua “liberdade” regressava para o seu marido para c a vida familiar, trabalhando ambos

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