O FUTURO DO CRISTIANISMO. UM DEBATE COM A PÓS-MODERNIDADE

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PAOLO CUGINI, O FUTURO DO CRISTIANISMO. UM DEBATE COM A PÓS-MODERNIDADE, Ed CRV, Curitiba 2012

INDICE

INTRODUÇÃO

PRIMERIA PARTE A ORIGEM E OS RUMOS DA PÓS-MODERNIDADE

Capitulo 1 A CULTURA PÓS-MODERNA 1. O começo de uma nova hera 2. O pensamento fraco de Gianni Vattimo 3. Tendências atuais da cultura pós-moderna 4. Conclusão Capitulo 2 A FILOSOFIA DA CHARLES PEGUY. ÀS ORIGENS DA CULTURA PÓS-MODERNA 1. Péguy e Bérgson 2. Experiência, razão e realidade 3. A critica ao mondo moderno 4. Critica ao intelectualismo e ao método moderno 5. Conclusão

SEGUNDA PARTE POR DENTRO DO DEBATE DA PÓS-MODERNIDADE Capitulo 3 IDENTIDADE, AFETIVIDADE E A MUDANÇAS RELACIONAIS NA MODERNIDADE LIQUIDA NA TEORIA DE ZYGMUNT BAUMAN 1. Um mundo liquido 2. Amor e afetividade liquidas

3. A nova identidade e as figuras liquidas a. O refugo b. Turista e vagabundo 4. Verdade e religião: líquidos também? 5. Conclusão Capitulo 4 RELIGIÃO NA PÓS-MODERNIDADE O CRISTIANISMO NIILISTA E SECULARIZADO DE GIANNI VATTIMO 1. O cristianismo entre morte de Deus e enfraquecimento do ser 2. Encarnação e Kenosis como chaves de leitura da modernidade secularizada 3. A época do Espírito 4. Rumo a um novo cristianismo? 5. Conclusão

TERCEIRA PARTE DAQUILO QUE NÃO PODEMOS ABRIR MÃO NA PÓS-MODERNIDADE

Capitulo 5 A MISTICA DO AMOR EM SIMONE WEIL 1. Do lado dos mais pobres 2. O caminho do amor a. O amor de Deus e a infelicidade b. Formas do amor implícito de Deus 3. Conclusão

Capitulo 6 A RELIGIÃO COMO CAMINHO DE LIBERDADE NA REFLEXÃO DE ABRAHAM JOSHUA HESCHEL

1. A crise da religião e a busca do seu verdadeiro sentido 2. Vida interior caminho para liberdade 3. O canto da liberdade 4. Conclusão

CONCLUSÃO O CRISTIANISMO TEM FUTURO? 1. Uma tríplice crise 2. Algumas tentações 3. A cultura pós-moderna: uma oportunidade para o cristianismo do terceiro milênio

BIBLIOGRAFIA

INTRODUÇÃO

Abordar o tema da cultura pós-moderna para mostrar a interligação com a sorte de uma religião, neste caso o cristianismo, é um pouco arriscado, pois se trata de dois elementos culturais extremamente complexos. Por isso, logo no começo, queremos dizer que aquilo que estamos apresentando, longe de ser um trabalho exaustivo, é uma contribuição para apontar e salientar itinerários de reflexão, que possam contribuir no debate atual. De fato, é grande a bibliografia seja sobre o tema da pós-modernidade, que sobre o destino do cristianismo nesta fase delicada da história. Além do mais, os capítulos do presente livro nasceram na sala de aula, em contato com estudantes, acatando assim as análises críticas, as sugestões que surgiram no momento da exposição do tema. Não se trata, portanto, de um trabalho sistemático, mas sim de um estudo

cientifico sobre alguns autores que a nosso ver contribuíram e estão contribuindo a destrinchar o tema em questão. Talvez a originalidade deste trabalho esteja na escolha dos autores, visando criar um diálogo cultural com pensadores de épocas e linhas de pensamento amiúde diferentes. É o diálogo o caminho mais propício para descobrir a profundeza dos eventos que estão a caminho e que estão modificando o quadro da nossa visão do mundo. Dizia Habermas que num contexto como é o nosso no qual não é mais possível fazer apelo para uma autoridade moral ou religiosa, torna-se não apenas importante, mas necessário se reunir ao redor de uma mesa para dialogar e buscar um consentimento comum. Esta imagem da mesa parece ser o ícone que visualiza o sentido deste trabalho, o esforço de procurar um entendimento sobre o futuro do cristianismo neste delicado período da história.

Quando se aborda a estrutura de uma cultura, como é o caso da cultura pós-moderna, sobretudo quando se trata de uma cultura em andamento, ou seja, em formação, todo cuidado é pouco. O debate sobre a cultura pós moderna é em andamento e as considerações são amiúde divergentes. Não é fácil definir algo que está se manifestando no plano da história. Sem dúvida, a atual conjuntura cultural apresenta elementos suficientes que permitem esboçar algumas análises que apontam para uma mudança de época. Os problemas começam a surgir quando se tenta definir o rumo desta mudança, as perspectivas futuras que a pós-modernidade está apontando. As elaborações filosóficas realizadas nesse sentido dependem do horizonte filosófico de proveniência e isso influencia bastante a maneira de ver e interpretar o objeto de estudo em questão. Dizendo isso, estamos já apontando uma dificuldade objetiva: escolhendo a analise de um autor estamos já indicando a orientação da pesquisa. Por isso, será importante sempre contextualizar o autor analisado e esboçar uma crítica a mais possível objetiva para não corrermos o risco de afetar a pesquisa em orientações filosóficas unilaterais. Além do mais, nesse caso específico e tendo presente os problemas apontados, serão apresentados autores de diferentes orientações filosóficas, levando em conta a positividade de cada contribuição e tomando a liberdade em fase de conclusão de apresentar as nossas análises. A filosofia oferece um esquema de referências significativo e bastante equipado para penetrar, entender e explicar os dinamismos de uma cultura. A história da filosofia Ocidental é caracterizada por esse esforço de análise estrutural das culturas que se sucederam ao longo dos séculos. O problema, neste tipo de análise, surge a partir do método de análise que se decide utilizar

na pesquisa. A época moderna, que a pós-modernidade está questionando, utilizou em prevalência métodos de tipo dedutivo, produzindo toda uma série de análises sistemáticas, caracterizando, dessa forma, a cultura moderna como uma cultura sistemática. Nessa altura podemos nos perguntar: é o que um sistema? O sistema é uma produção cultural onnicomprensiva, que visa oferecer uma explicação completa e exaustiva do objeto analisado, seja ele qual for. A busca de um discurso sistemático, que caracterizou de forma contundente a cultura Ocidental na época moderna, aborda a realidade com um esquema de referência pré-compreensivo, interpretando a realidade a partir deste esquema. O resultado desse processo filosófico é um produto cultural de grande espessura especulativa, mas pouco aderente à realidade. A produção filosófica elaborada na época moderna apresentou sistemas extremamente articulados, que interpretaram a realidade, antes de escutá-la. Foi esta a crítica que a partir do existencialismo de Kierkegaard e Nietzsche foi manifestada contra o pensamento moderno. Famosas se tornaram as invectivas de poeta e filósofo frances Charles Péguy, que analisaremos ao longo do trabalho, contra toda a modernidade incapaz, a seu ver, de raciocinar respeitando a realidade. Nasce com essa impostação o método cientifico moderno, moldado pela maneira cartesiana de entender a relação entre sujeito e objeto. De agora em diante as teorias cientificas são elaboradas a partir de um experimento que confirma a hipótese previamente intuída e elaborada. O debate epistemológico contemporâneo moveu duras críticas a esse suposto método científico, quando, para demonstrar a verdade da hipótese, força o experimento e, então, manipula a realidade. Este é o grande foco do debate da cultura moderna: afinal de conta, é o que a realidade? Até que ponto deve chegar a interpretação e, sobretudo, quem é que estabelece os critérios da mesma? O problema evidenciado na cultura moderna é o relacionamento do homem com o mundo e podemos interpretar o percurso da filosofia moderna como uma série de interpretações dedutivas do mundo. O questionamento não está na interpretação, mas sim na maneira de considerá-la. De fato, assistimos na época moderna a uma serie de narrações sistemáticas, cada uma com a presunção de ser a definitiva, a última, a mais certa. Podemos entender, dessa forma, os sistemas iluminista, kantiano, hegeliano, fictiano, shelingiano, marxista, etc. A época moderna se autopercebeu com a missão de explicar a mundo, o sentido da realidade, não a partir da mesma, mas a partir de esquemas de referencias previamente construídos. Os problemas que em campo epistemológico são levantados sobre o pensamento

moderno visam questionar a maneira não apenas de entender a realidade, mas, sobretudo, de considerá-la. Toda vez que o pensamento antecipa a realidade para interpretá-la a deturpa. Infelizmente o espetáculo negativo que estamos assistindo hoje em muitos setores da sociedade pós-moderna é o resultado de séculos de aplicação do método moderno à realidade. Poluição, crises financeiras, mudanças climáticas, exploração selvagem do subsolo, desmatamentos e tudo mais são aos olhos dos pesquisadores, nada mais que a conta que a natureza e, assim, a realidade, está apresentando depois de séculos de imposição de métodos considerados inquestionáveis. O foco do questionamento é a realidade e, de conseqüência, a natureza. A história do pensamento Ocidental pode ser lida, nessa perspectiva, como a história de um diálogo entre homem e natureza que não aconteceu, ou melhor, de um monólogo muitas vezes prepotente e agressivo.

Sabemos que essa maneira de abordar a realidade foi estimulada por toda uma série de fatores culturais, que incentivaram a confiança extrema e exacerbada nas capacidades do homem. Estes fatores se formaram lentamente também sobre os destroços da época medieval, ou seja, sobre o lento apagamento de uma visão religiosa distorcida, que colocava os homens e a humanidade toda de baixo dos pés de Deus. Sem mais sentir a necessidade de um Deus, ou simplesmente relegando-o no âmbito restrito de um sagrado entendido como espaço radicalmente separado do profano, o homem se capta como fonte de capacidade elevadas, que nenhum ser vivente possui, sentindo-se apto para interpretar a realidade, explicá-la e orientá-la. É com esta impostação cultural que o Ocidente entrou em contato com as novas terras americanas e com as culturas que ali encontrou com o triste êxito que conhecemos, ou seja, o aniquilamento das culturas indígenas. Quem se acha o dono da verdade e o único interprete dela, não entra em diálogo com ninguém. A violência que ao longo da época moderna foi derramada no mundo todo é um dos frutos desta cultura forte, sistemática, que não admite questionamentos, mas somente obséquio e submissão. Aquilo que aconteceu no plano político e social é assim explicável com referência às filosofias envolvidas. Este dado motiva ainda mais o nosso trabalho: quanto mais conhecemos a fonte que gerou toda uma série de situações nefastas, melhor poderemos proceder no presente e no futuro, confirmando, dessa maneira, as idéias de Mircea Eliade, o qual afirmava que para nos orientarmos no presente da nossa história precisamos ter uma clara noção daquilo que aconteceu no passado.

O nosso trabalho não se coloca no plano da história dos eventos, mas sim na análise crítica de teorias filosóficas pós-modernas, que pensamos nos poderão ajudar a entender o futuro do cristianismo.O cristianismo que se desenvolveu no mundo Ocidental na época moderna, viveu e se alimentou desta cultura. Não é difícil encontrar nas páginas dos teólogos modernos esforços para sistematizar a teologia. A mesma doutrina cristã pode ser lida como o esforço constante de dar objetividade e espessura racional ao próprio credo. Tudo isso não é para ser olhado de forma negativa, mas sim para mostrar o influxo de uma cultura, as influências recíprocas das diferentes disciplinas, que vão se condicionando e amoldando paralelamente. Além do mais, é importante um esclarecimento em sede de introdução. Uma coisa é afirmar que a fé e a razão andam juntas, e que a história do cristianismo é a historia de uma religião que constantemente pensa o conteúdo daquilo que acredita. Toda outra questão é entender de que razão se trata e que tipo de razão pode abordar os mistérios de Deus, aliás, os mistérios de um Deus que se revelou, que entrou na história e que falou. Este é, a nosso ver, o grande foco do problema que a cultura pós-moderna permite de levantar com um novo olhar. A pós-modernidade não questiona a razão, o raciocínio, mas sim o tipo de razão. Trata-se, afinal de conta, de um problema epistemológico, de método. Nunca, então, como neste período é possível aprofundar o tema do relacionamento fé e razão, tema clássico não apenas da filosofia, mas sim, também da teologia, a partir de novas perspectivas. Trata-se, por isso, de uma grande chance, que nem poucos autores apontaram, para o cristianismo e, sobretudo, para os teólogos, de rever os seus métodos de abordagem ao texto Sagrado e, de uma forma mais abrangente, de rever a maneira de acompanhar a manifestação da Verdade no mundo. Este é centro do debate, pois o cristianismo não é o anúncio de uma doutrina apenas passada, que ficou no passado da história, mas sim é o anuncio de Deus que entra na história e caminha com o homem e a mulher de todos os tempos. Como dar conta deste mistério e como apresentá-lo sem correr o risco de deturpá-lo ou, às vezes, de manipulá-lo, distorcendo o âmago da sua mensagem. Este trabalho que estamos apresentando quer oferecer um material crítico também neste sentido, ou seja, abrindo caminhos para uma nova abordagem da mensagem da Salvação. O pensamento forte de cunho moderno moldou o pensamento teológico cristão e, sobretudo, a estrutura eclesial que em seguida foi chamada cristandade. Esta “força” moderna, filosófica e teológica, foi se impondo a diferentes níveis e, sobretudo, a diferentes culturas em detrimento da possibilidade da convivência da pluralidade cultural e religiosa. O questionamento

nessa altura, que será levantado em sede de análise critica, é entender se o método moderno respeita ou deturpa os dados do Evangelho, que o cristianismo tem a tarefa histórica de divulgar. Entre política, filosofia, ciência, literatura e arte o cristianismo foi se moldando na modernidade assumindo uma forma sempre mais conforme ao pensamento sistemático e forte que a modernidade estava elaborando. A época da cristandade, que veio se formando desde a época medieval, recebeu na modernidade uma forma definitiva. Não é um caso que autores cristãos, como Mounier afirmavam que era necessário voltar ao renascimento para refazer o cristianismo, influenciando demais, ao seu ver, pelo influxo da modernidade. Refazer o renascimento, ou como diria Maritain alguns anos depois, voltar a época medieval para reconstruir o cristianismo a partir dos destroços deixados pelo pensamento moderno assimilado do cristianismo. Se o cristianismo ao longo da modernidade se envolveu em situações ambíguas, que nada tem a ver com o Evangelho chamado a anunciar e testemunhar, talvez seja também por causa do método moderno que assimilou com excessiva extravagância. Nesta análise introdutória ao nosso trabalho, parece já bem claro qual é a nossa posição sobre o pensamento moderno: extremamente negativa. A modernidade é, a nosso ver, responsável por uma série impressionante de fracassos que levaram ao aniquilamento de cultura e estão levando o planeta na beira do desfecho total. Dizendo isso não queremos imediatamente concluir sobre a positividade da atual cultura pós-moderna. Pelo menos, porém, temos consciência de que algo de novo está no horizonte e que é possível esperar num mundo diferente e, sem duvida nenhuma, muito depende também de nós.

No começo desta nossa obra gostaríamos de agradecer aos estudantes do curso de Filosofia da Religião da Faculdade Arquidiocesana de Feira de Santana-Bahia, que nestes anos assistiram às aulas e que, de certa forma, provocaram as paginas deste livro. Além disso, o meu agradecimento é pelas professoras Hilda Requião e Zildene Dias da Silva Almeida que leram e corrigiram o texto, fazendo com que esta obra saísse mais elaborada.

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