O ganho de capital nas operações societárias de incorporação de ações

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INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO  Curso de Atualização em Direito Tributário – Módulo II    Rodolfo Isper Favaretto  Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de  Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo  ­FDRP/USP    Orientador:​  Prof. Leonardo Aguirra de Andrade    O ganho de capital nas operações societárias de incorporações de ações    Resumo:  O  presente  estudo  objetiva  verificar  a  existência  de  ganho  de  capital,  passível  de  tributação  pelo   Imposto  de  Renda  de  Pessoas Físicas ­ IRPF ­, auferido pelos acionistas  nas  operações  de  incorporações de ações. A questão atualmente suscita controvérsias na  doutrina  e  jurisprudência,  especialmente  no  CARF.  Para  tanto,  serão  analisados  conceitos  e  institutos  jurídicos  do  Direito   Societário  e  Tributário,  bem  como  os  respectivos  entendimentos  doutrinários  e  jurisprudenciais  sobre  o  tema,  a  fim  de  precisar  o  tratamento  tributário  adequado  da  incorporação   de  ações  à  luz  de  uma  interpretação sistemática da atual conformação do ordenamento jurídico brasileiro.    Palavras­chave:  ​ IMPOSTO  DE  RENDA;  PERMUTA  INCORPORAÇÃO DE AÇÕES; GANHO DE CAPITAL.  

DE 

AÇÕES; 

  Abstract:    This  study  aims to verify the existence of earned capital gain by shareholders, subject to  taxation  by  the  Individual  Income  Tax  ­ PIT ­ in the merger of shares transactions . The  question  raises  controversy  in  doctrine  and jurisprudence , especially in the CARF . For  this,  we  analyzed  concepts  and  legal  institutions  Corporate  and  Tax  Law  ,  s  their  doctrinal  and  jurisprudential  understandings  on  them  there  ,  in  order  to  clarify  the  tax  treatment that the merger of shares owned in the current law.    Keywords:  ​ INCOME  TAX;  REPLACEMENT OF SHARES; MERGER OF SHARES;  CAPITAL GAIN.         

Introdução:    No  meio  empresarial,  é  frequente  a  realização  de  operações  de  reorganizações  societárias,  as  quais  podem  ser  instrumentalizadas  de  diversas  formas  e  abranger  variados  negócios  jurídicos  na  sua   estruturação,  cuja  escolha  de  uns  e  outros  depende  das circunstâncias, os objetivos e as conveniências de cada caso concreto.  Dentre  os  instrumentos  de  reorganização  societária  acima  destacados,  abordar­se­á  no  presente  estudo  a  incorporação  de  ações,  disciplinada  no  artigo  252  da  Lei  nº  6.404,  de  15  de  novembro  de  1976  (“Lei  de  S/A”),  a  qual  constituí  uma  importante  inovação  trazida  ao  nosso  direito  societário,  importada  da  prática  norte­americana, onde é conhecida como “mergers with shares”.  A  incorporação  de  ações  desfruta  de  notória  relevância  no  meio  jurídico  empresarial,  tendo  em  vista  que,  no  cenário  econômico  brasileiro  contemporâneo,  tal  operação  tem  se  tornando  cada  vez  mais  utilizada  em  empreendimentos  de  reorganizações  societária,  podendo­se  destacar,  pela  sua  notoriedade,  a  integração  das  1 antigas BOVESPA e BM&F, que resultou na atual BM&F BOVESPA ​ .   Tendo  isso  em  mente,  o  presente  estudo  se  propõe  a  analisar  as  consequências  tributárias  decorrentes  da  operação de incorporação de ações, especificamente a suposta  incidência  Imposto  de  Renda  de  Pessoa  Física  –  IRPF  –  sobre  eventuais  ganhos  de  capitais auferidos pelos acionistas da companhia incorporada.   Na  seara   fiscal,  tanto  em  sede  administrativa  quanto em sede judicial, a discussão  sobre  as  implicações  fiscais  da  incorporação  de  ações   é  ainda  mais  delicada,  dado que,  na  sua  função  fiscalizatória,  a  Administração  Tributária  tem  autuado  cada  vez  mais  contribuintes  pela  falta  de  recolhimento  do  Imposto  de  Renda  de  Pessoa  Física  (IRPF)  2 sobre o suposto ganho de capital obtido nas incorporações de ações ​ .  Neste  sentido,  o  presente  artigo  visa  perquirir  a  questão sobre se há ou não ganho  de  capital  dos  acionistas da companhia incorporada quando recebem, em substituição às  suas  antigas  participações  societárias,  ações  da  companhia  incorporadora, no âmbito da  operação de incorporação de ações, a justificar a tributação pelo IRPF.   Para  tanto,  serão  trabalhadas  as  noções  essenciais de direito privado,  relativas aos  instrumentos  de  reorganização  societária  de  incorporação  de  sociedades  e  de  incorporação   de  ações,  respectivamente  disciplinadas  nos  artigos  227  e   252   da  Lei  de  S/A,  para,  subsequentemente,  serem  examinados  os  conceitos  teóricos  do  Direito  Tributário  que  possibilitem  verificar  qual  o  tratamento  tributário  adequado  que  a  incorporação   de  ações  deve  receber  do  ordenamento jurídico pátrio, considerando a sua  causa e e efeitos jurídicos.          OLIVEIRA,  Ricardo  Mariz  de.  ​ Incorporação  de  Ações  no  Direito  Tributário:  Conferência   de  bens,  permuta, dação em pagamento e outros negócios jurídicos​ . São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 31.  2   A questão  da  incidência do  IRPF  sobre o suposto ganho de  capital obtido pela acionista em decorrência  de   operações  de  incorporação  de   ações  tem  sido  objeto  de  inúmeras  discussões,  tanto  administrativas  quanto  judiciais,  as  quais  foram  apreciadas  nas  decisões  paradigmáticas representadas  pelo  Acórdão  nº  9202­003.579,  do  Conselho  Superior  de  Recursos  Fiscais,  e  pelo  Acórdão  da  2ª  Turma  do  TRF  da 4ª  Região, proferido nos autos do processo de nº 5052793422011404700.   1



 

1.

Considerações preliminares: 

  Antes  de  perquirir  o  tratamento  tributário  que  a  incorporação  de  ações  possui em  face  às  normas  do  ordenamento  jurídico  brasileiro,  mister  se  faz compreender o regime  jurídico da incorporação de ações dentro do âmbito do direito privado.  Isso  porque  as  obrigações  tributárias  derivam,  inicialmente,  de  fenômenos   econômicos  decorrentes  das  atividades  humanas  regidas  pelo  direito  privado,  que  denotam  a  existência  de  capacidade  contributiva  de  determinado  sujeito  ­  no  caso,  o  contribuinte ­ em virtude da alteração da sua esfera de direitos patrimoniais.   É  por  conta  dessa  sistemática  que  RICARDO  MARIZ  DE  OLIVEIRA  assevera  que  o  Direito  Tributário  é  um  direito  de  sobreposição3,  e  que,  ao  disciplinar  os  efeitos  tributários  dos  fenômenos  econômicos,  deve­se  respeitar  os  princípios  gerais  de  direito  privado  que  delimitam  o  conteúdo   e  o  alcance  dos  seus  institutos,  conforme  declara   o   artigo 109 do CTN.  Superadas  essas  premissas,  cabe­nos  entender  no  que  consiste  a  incorporação  de  ações,  isto  é,  qual  a  sua natureza, causa e consequências jurídicas, para a partir de então  examinarmos  o  seu  tratamento  tributário  perante  o  Imposto  de  Renda  sobre o ganho de  capital. Assim, vejamos.   

2.

A incorporação de ações: 

  A  incorporação  de  ações  é  uma  operação  societária,  pela  qual  uma  sociedade  incorpora  ao  seu  patrimônio  todas  as  ações  de  outra  companhia,  esta  denominada  incorporada,  convertendo­a,  desse  modo,  em  subsidiária  integral4,  cuja  existência  é  plenamente  aceita  pelo  ordenamento  jurídico  brasileiro,  ​ ex   vi  do  artigo  251  do  mesmo  5 Diploma .  Ela  se  encontra­se  disciplinada  no  artigo  252  da  Lei  nº  6.404/76,  cujo  ​ caput  dispõe:    Art.  252.  A incorporação de todas as ações do capital social ao  patrimônio de  outra  companhia  brasileira,  para  convertê­la  em  subsidiária  integral,  será  submetida  à deliberação  da assembleia  geral  das  duas  companhias mediante   protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225.  § 1º  A  assembléia­geral da  companhia incorporadora, se aprovar  a operação,  deverá  autorizar  o  aumento  do  capital, a  ser  realizado  com  as  ações  a serem  incorporadas  e  nomear  os   peritos  que  as  avaliarão;  os   acionistas  não  terão  direito  de  preferência  para  subscrever  o  aumento  de  capital,  mas  os   dissidentes  poderão  retirar­se   da  companhia,  observado  o  disposto  no  art.  137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230.  §  2º  A  assembléia­geral  da  companhia  cujas  ações  houverem  de   ser  incorporadas  somente  poderá   aprovar  a  operação  pelo  voto  de  metade,  no   mínimo,  das  ações  com  direito  a  voto,  e se a aprovar, autorizará a diretoria a  3

 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. p. 40.   As subsidiárias integrais são sociedades que têm como único acionista uma sociedade brasileira.  5  ​ Art.  251.  A  companhia   pode  ser  constituída,  mediante  escritura   pública,  tendo  como  único  acionista  sociedade   brasileira.  §  1º  A   sociedade  que  subscrever  em  bens  o capital  de  subsidiária  integral  deverá  aprovar o  laudo  de  avaliação  de  que trata  o  artigo  8º,  respondendo  nos  termos  do  §  6º  do  artigo  8º  e  do  artigo  10  e  seu  parágrafo  único.  §  2º  A  companhia pode  ser  convertida  em subsidiária integral mediante  aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252.  4



subscrever  o  aumento   do  capital  da  incorporadora,  por  conta  dos  seus  acionistas;  os  dissidentes  da  deliberação  terão  direito  de  retirar­se  da  companhia,  observado   o  disposto  no  art.  137,  II,  mediante  o  reembolso  do  valor de suas ações, nos termos do art. 230.  § 3º  Aprovado  o  laudo  de avaliação  pela  assembléia­geral da incorporadora,  efetivar­se­á   a   incorporação  e  os  titulares  das  ações  incorporadas  receberão  diretamente da incorporadora as ações que lhes couberem.  §  4o  A Comissão  de  Valores  Mobiliários  estabelecerá  normas  especiais  de  avaliação  e  contabilização  aplicáveis  às  operações  de  incorporação  de  ações  que envolvam companhia aberta. 

 

De acordo com as lições de NELSON EIZIRIK6 ,     A  incorporação  de  ações  constitui  a  operação  pela  qual  uma  sociedade  anônima  é convertida em subsidiária integral de outra companhia brasileira,  estando expressamente prevista no artigo 252 da Lei n. 6.404/1976. 

  Diante  disso,  pode­se  dizer  que  a  incorporação de ações se caracteriza como um  dos  instrumentos  legais  disponibilizados  pela  Lei  Societária  destinado  à  formalizar  e  disciplinar  a  reorganização  societária  de  duas  sociedades,  uma  das  quais  se  tornará  subsidiária integral da outra.   Considerando  a  causa   a  que  se  destina,  o  referido  autor  ainda   destaca  que,  ao  contrário  do  que  defendem  algumas  vertentes,  a incorporação de ações não se confunde  com  os  institutos  de  incorporação  de  sociedades,  de  aumento  de  capital  e   o   de  subscrição de capital.  No  que  diz  respeito  à  incorporação  de  sociedades,  ALBERTO  XAVIER  pontua  bem  a  diferença  existente  entre  esta  operação  e  a  incorporação  de  ações,  ao  consignar  que,    [...]  As  características  essenciais  da  incorporação  de  sociedades  consistem  na   transmissão   do  patrimônio  da  incorporada   para  a  incorporadora,  ocorrendo  uma  sucessão a  título universal  (art. 227, “caput”), bem como na  extinção  da  sociedade  incorporada¸  sem  liquidação,  a   qual   ocorre   precisamente  em   decorrência  da  transmissão  do   seu  patrimônio  a  título  universal (art. 227, § 3°).  Na   figura  da  incorporação   de  ações  não  ocorre  nenhum  dos  traços  essenciais da incorporação de sociedades.  Não  ocorre  a  transmissão  de  um  patrimônio  líquido  global,   como  universalidade,  mediante  sucessão   a  título   universal,  mas  simplesmente   uma  operação  que  tem  por  objeto, não  a  totalidade  de um patrimônio¸ mas  tão  somente  a  totalidade  das  ações   do  capital  de  uma  companhia  pré­existente.  Não  ocorre  também  a  extinção  da  sociedade  cujas  ações  são  objeto  da  “incorporação”  a  que  se refere o  art.  252,  precisamente  porque  a  operação  tem  o  objetivo  oposto  de  manter  a  respectiva  personalidade  jurídica,  pressuposto  lógico  necessário  da  conversão  da  sociedade  pré­existente  em  subsidiária integral da “companhia incorporadora” das ações.  Pode,  pois,   concluir­se  não  existir  qualquer  relação  de  identidade  nem  sequer  de  analogia  entre  a figura da incorporação de ações,  regulada no art.  252, e a figura da incorporação de sociedades, regulada no art. 227. 

      EIZIRIK, Nelson. ​ Incorporação de ações: aspectos polêmicos. ​ São Paulo, Editora Quartier Latin, 2009,  p. 78­99.  6



A  partir  dessas  lições,  de   pronto  se  verifica  que  a  incorporação  de  ações,  disciplinado  no  artigo  252  da  Lei  nº  6.404/76,  não  se  identifica  com  o  ato  jurídico  de  incorporação   de  sociedades,  este,  por  sua  vez,  previsto  no  artigo   227   do   mesmo  diploma, tendo em vista as diferenças acima destacadas.   Já  com  relação  ao  aumento  de  capital,  RICARDO  MARIZ  DE  OLIVEIRA7  pontua  que  este  não  passa  de decorrência inerente  à operação, de modo que não se pode  dizer  que  a  incorporação  de  ações  se identifica ou sujeita ao regime jurídico ditado pelo  artigo 170 da Lei n. 6.404/76.  Isto  porque  a  operação  se  destina  a  um  objetivo  ulterior,  qual  seja,  a   transformação   da  sociedade  incorporada  em  subsidiária  integral  da  incorporadora,  conforme  referido  anteriormente,  de  forma  que  o  aumento  de  capital  da  sociedade  incorporadora,  atende  à  finalidade  distinta  do  ato  de  aumento  de   capital  puro  e simples  previsto  no  artigo  170  da  Lei  nº  6.404/76,  o  qual  visa,  tão  somente,  o  incremento  da  8 capitalização de uma única sociedade ​ .  Neste  sentido,  não  se  pode  olvidar   que,  na  operação  de  incorporação  de  ações,  a  transferência  das  ações  incorporadas  para  a  integralização  do  aumento  de  capital  da  incorporadora  faz  parte  de  um  ato  jurídico  mais  complexo,  cuja  finalidade  é  a  transformação da sociedade incorporada em subsidiária integral9.  Por  fim,  para  diferenciar  a  incorporação  de  ações   do   instituto  da  subscrição  de  capital, NELSON EIZIRIK argumenta que    [...]  Na  incorporação  de  ações,  por  outro  lado, é  estabelecida uma relação  entre  duas  sociedades  –  a  incorporadora  e  aquela  cujas  ações  serão  incorporadas.  Verifica­se, assim,  a  convergência  de  vontades  entre  as duas  companhias,  cujas  assembleias  aprovam  a   operação  de  incorporação  de  ações pode ser deliberada por maioria, não exigindo a unanimidade.    [...]  Uma  outra  diferença  entre  a  subscrição   e  a  incorporação  de   ações  centra­se  no  elemento  vontade.  Com  efeito,  na  subscrição,   o  subscritor  manifesta  sua   vontade  de  se  tornar  sócio  da  companhia.  Trata­se  de  ato  unilateral  e  voluntário,  pelo  qual  a  pessoa que  deseja se tornar acionista  da  sociedade   manifesta  a  sua  vontade  de  contribuir  para  o  capital  social,  obrigando­se por determinado número de ações.    7

 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. p. 54­57.    Art.  170.  Depois  de  realizados  3/4  (três  quartos),   no  mínimo,  do  capital  social,  a  companhia  pode  aumentá­lo  mediante subscrição pública ou particular de ações. §1º O preço de emissão deverá ser fixado,  sem  diluição  injustificada  da  participação  dos  antigos  acionistas, ainda que tenham direito de  preferência   para  subscrevê­las,  tendo  em  vista,  alternativa  ou  conjuntamente:  I  ­  a  perspectiva de  rentabilidade  da  companhia;  II  ­  o  valor  do  patrimônio  líquido  da ação;  III ­  a cotação de suas ações em  Bolsa de  Valores  ou  no mercado  de  balcão  organizado,  admitido  ágio  ou  deságio  em  função  das  condições do mercado. §  2º  A  assembleia  geral,  quando  for  de  sua  competência  deliberar  sobre   o  aumento,  poderá  delegar  ao   conselho  de  administração a fixação  do  preço  de  emissão  de ações a serem distribuídas no mercado. § 3º  A  subscrição  de  ações  para  realização  em  bens será  sempre procedida  com  observância  do  disposto  no  artigo  8º,  e  a  ela  se aplicará  o  disposto  nos  §§  2º  e  3º  do artigo 98.  §  4º  As entradas  e  as  prestações  da  realização  das  ações  poderão  ser recebidas pela companhia independentemente de depósito bancário. § 5º  No  aumento  de  capital  observar­se­á,  se  mediante  subscrição  pública,  o  disposto  no   artigo  82,  e  se  mediante  subscrição  particular,  o  que  a  respeito  for deliberado pela assembleia geral ou pelo conselho de  administração,  conforme  dispuser   o  estatuto.  §  6º  Ao  aumento  de  capital  aplica­se,  no  que  couber,  o  disposto  sobre  a  constituição da  companhia,  exceto na parte final do § 2º do  artigo 82. § 7º A proposta de  aumento  do  capital  deverá  esclarecer  qual o critério adotado, nos termos do § 1º deste artigo,  justificando  pormenorizadamente os aspectos econômicos que determinaram a sua escolha.  9  OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. p. 59.  8



Na   incorporação  de  ações,  ao  contrário,  prescinde­se  da  vontade  do  acionista  da  companhia  cujas  ações  serão   incorporadas.  A  operação  é  aprovada  por  maioria  e  independentemente  da  vontade  do  acionista  minoritário,  cabendo­lhe,  apenas  no  caso  de  dissidência,  o  exercício  do  direito de recesso.    Na  incorporação  de ações, assim, haverá subscrição, independentemente da  vontade  do  acionista  minoritário,  de ações da sociedade incorporadora com  a  totalidade  das  ações  do  capital  social  da  companhia  cujas  ações  serão  incorporadas.    [...]  Na  incorporação  de   ações,  assim  como  ocorre  na  incorporação  de  sociedades,  os  acionistas  da  companhia  incorporada  perdem  a  titularidade  das  ações  de  sua  propriedade  e,  em  contrapartida,   recebem  ações  de  emissão da incorporadora.    Contudo,  a  operação  de  incorporação  de  ações,  prevista  no  artigo  252  da  Lei Societária, não se confunde com a incorporação de sociedades. 

    Por  fim,  na  ambição  de  facilitar  a  compreensão  do procedimento da incorporação  de  ações,  vejamos,  no  modelo  ilustrativo  a  seguir,  como  se  sucede  a  sua  operacionalização:                              Delimitados  os  contornos  básicos  do  ato  jurídico  de  incorporação  de  ações,  o  próximo  passo  consiste  em  analisar  os  critérios  da  regra  matriz de incidência do tributo  de  Imposto  de  Renda  de  Pessoas  Físicas,  para  que,  ao  final,  seja  possível  analisar  se  o  acionista  da  incorporada,  ao  receber  ações  em  valor  superior  àquelas  que  detinha  na  incorporada, obtém ganho de capital tributável pelo referido imposto.     

3.   

O conceito constitucional de renda e os limites à sua tributação: 

Delimitados  os  contornos  básicos  do  ato  jurídico  de  incorporação  de  ações,  o  próximo  passo  consiste  em  analisar  a  situação  de  fato  que  faz  surgir  a  relação  jurídica  tributária,  pela  qual  o  sujeito   passivo   fica  obrigado  a  recolher  o  Imposto  de  Renda  aos  cofres da União, ou seja, o fato gerador do tributo.  A  tributação  consiste  em  invasão  do  patrimônio  do  contribuinte,  relativizando  o  seu  direito  de  propriedade  ­  artigo.  5º,  XXII,  da  CF/88  ­,  que  destaca  parte  da  sua  5 

riqueza  e  a  entrega  ao  Estado,  como  forma  de  abastecimento  dos  cofres  públicos  e  concretização dos valores constitucionais perseguidos pela sociedade.  Esta  invasão,  entretanto,  deve  possuir  respaldo  constitucional,  e  observar  as  normas  que  delimitam  a  competência  tributária  de  cada  ente  federativo,  os  princípios  gerais  de  direito  tributário  e,  por  último,  os  limites  do  poder  de  tributar,  previstos  nos  artigos 145 e seguintes da Constituição Federal de 1988.  Para  a  exigência  de  um  tributo,  é  necessário  que  se  concretize  no  plano  fático  todos  os  critérios  que  compõem   a  regra­matriz  de  incidência   da  referida  exação.  No  caso  do  Imposto  de  Renda,  o  inciso  III  do  artigo  153  da  Constituição  da  República  de  1988,  outorga  competência  à  União  para  instituir  tributo  sobre  a  “renda  e  proventos  de  qualquer natureza”10 .  No  mesmo  sentido,  o  legislador  complementar,  no  artigo  43,  incisos  I  e  II,  do  CTN, definiu a materialidade do conceito de renda da seguinte forma:    Art.  43.  O  imposto, de competência  da União, sobre a renda e proventos de   qualquer  natureza  tem  como  fato  gerador  a  aquisição  da  disponibilidade  econômica ou jurídica:  I  ­  de  renda,  assim  entendido  o  produto  do  capital,  do  trabalho  ou  da   combinação de ambos;  II  ­  de  proventos  de  qualquer  natureza,  assim  entendidos  os  acréscimos  patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. 

  Assim,  para  a  exata  delimitação  da  materialidade  do  tributo,  é  de  suma  importância  definir  o  conceito  de  ​ renda  e  proventos  de  qualquer  natureza​ ,  cuja  aquisição dará ensejo à incidência tributária do Imposto de Renda.  Para  JOSÉ  ARTHUR  LIMA  GONÇALVES11  “o  conteúdo  semântico  mínimo  do  conceito  constitucional  pressuposto   de  renda”  pode  ser  traduzido  da  seguinte forma:  (i)  saldo  positivo  resultante  do  confronto  entre  certas  entradas  e certas saídas, ocorridas ao  longo de um dado período.    De  acordo com o escólio de ROBERTO QUIROGA MOSQUERA12 , tomando por  base  um  determinado  patrimônio  de  uma  pessoa  (física  ou  jurídica),  verifica­se  a  configuração   de  renda  se  ocorrer  um  acréscimo  ao  patrimônio  originalmente  considerado,  observado  um   intervalo  de  tempo  suficiente  a  que  se  proceda  o  efetivo  cotejo entre determinados ingressos e desembolso, entradas e certas saídas.  Noutras  palavras,  pode­se  entender  por  “renda  e  proventos  de  qualquer natureza”  todo  o  acréscimo  patrimonial  definitivo  no  patrimônio  do  contribuinte,  resultante  do  saldo  positivo  entre  receitas  e  despesas,  verificado  num  dado  período  de  tempo,  seja  decorrente   do   produto  do  capital,  do  trabalho  ou  da  combinação  de  ambos,  ou  seja  decorrente   de  outras  fontes  que  não  o  capital  ou  o  trabalho,  como  alugueis,  ​ royalties,  ganho de capital, dentre outros.  Em  linhas  gerais,  só  há  de  se  cogitar  a  respeito  de  tributação  sobre  renda  se  estivermos  diante  de   acréscimo  patrimonial,  o qual decorre da materialidade da conduta  de  auferir  renda  e  proventos  de  qualquer  natureza,  tal  como  previsto  nos  dispositivos   supracitados.  10

   ​ Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) III ­ renda e proventos de qualquer natureza.    GONÇALVEZ,  José Arthur  Lima. ​ Imposto sobre  a  Renda  ­  Pressupostos  Constitucionais. São Paulo:  Malheiros, 1997, p.179.  12   MOSQUERA,  Roberto  Quiroga.  Renda e Proventos de Qualquer Natureza. O  Imposto  e Seu Conceito  Constitucional. ​ São Paulo: Dialética,1996, p. 48­70.  11



Não  obstante,  conforme  preceitua  a  parte  final  do  ​ caput  ​ do  artigo  43  do  CTN,  é  importante  destacar  que  o  acréscimo  patrimonial  só  ocorre   quando  o  contribuinte  adquire  a  disponibilidade  econômica  ou  jurídica  sobre  a  renda  ou  os  proventos   de  qualquer natureza.  Ou  seja,  para  que  se  viabilize  a  incidência  do  tributo,  é  necessário  que  o  contribuinte  adquira  esta  disponibilidade  e manifeste capacidade contributiva  para arcar  com a carga tributária que lhe será imposta em razão do acréscimo.  Analisados  os  contornos  tributários  que  permeiam  o  objeto  deste  estudo,  cumpre­nos,  por  derradeiro,  definir  se  a  incorporação  de  ações  enseja  ganho  de  capital  aos  acionistas  e  se,  portanto,  se   amolda ao critério material da hipótese de incidência da  norma tributária do Imposto de Renda de Pessoas Físicas.    

4.

A  inexistência  de  ganho  de  capital  tributável  nas  operações  de  incorporação de ações: 

  A  relevância  do  ato  de  incorporação  de  ações  para  a formação do fato gerador do  Imposto  de  Renda  depende  dele  acarretar,  ou  não,  aumento   no   patrimônio  do  acionista  cujas  ações  tenham   sido  incorporadas,  compatível  com  o  conceito  de  renda  insculpido  na  Constituição  Federal  e no Código Tributário Nacional, o que, se verificado, ensejaria  caracterizaria o critério material da hipótese de incidência do Imposto de Renda.  Para tanto, é decisivo saber se a referida operação  societária equipara­se, ou não, à  uma  alienação de bens ou direitos por meio de subscrição de ações, conforme o disposto  no artigo 3º, §3º, da Lei nº 7.713/88.  Para  bem  ilustrar  essa  questão,  tomar­se­á  por  base  o  Acórdão  nº  nº  9202­003.57913 ,  lavrado  em  2015,  pela   Câmara  Superior  de  Recursos  Fiscais  ­  CSRF  ­  do  Conselho  Administrativo  de  Recursos  Fiscais  ­  CARF  ­,  no  qual  foi  julgado  o  Recurso  Especial  interposto  pela Fazenda Nacional, cujo caso tratava­se, justamente, da  incidência  do  IRPF  sobre  o  suposto ganho de capital auferido por um acionista que teve  suas ações substituídas numa operação de incorporação de ações.   No  caso  em  apreço,  a  empresa  “A”  teve  as  suas  ações incorporadas pela empresa  “B”,  tornando­se  a   primeira subsidiária integral da última, conforme o artigo  252  da Lei  nº 6.404/76. Durante o procedimento de incorporação  e em cumprimento aos §1º e 3º do  artigo  252  da  Lei  nº  6.404/76,  as  ações  da  empresa  “A”  foram  avaliadas  pelo seu valor  de  mercado,  passando  de  R$  45.000.000,00  (quarenta  e  cinco  milhões  de  reais)  para  aproximadamente  R$  290.000.000,00  (duzentos  e  noventa  milhões  de  reais),  para  serem,  subsequentemente,   substituídas  por  ações  da  empresa  “B”,  correspondentes  ao  mesmo valor.   A  seguir  serão  abordados  as   posições  diametralmente  opostas  da  Fazenda   e  do  Contribuinte  confrontadas   no   caso  trazido  à  análise,  o  que  tornará  perceptível  a  controvérsia da temática em estudo. Se não, vejamos:   

4.1

Posição do Fisco:  

  No entender da Fazenda, a incorporação de ações teria resultado em um acréscimo  patrimonial  dos  acionistas  da  empresa  “A”  (incorporada),  pois  teriam  supostamente  13

  BRASIL.  Conselho  Administrativo  de  Recursos  Fiscais.   2ª  Turma  da  Câmara  Superior  de  Recursos  Fiscais.  Acórdão nº 9202­003.579. Recorrente: Fazenda Nacional. Interessado: Newton Cardoso. Relatora  Maria Helena Cotta Cardozo. Brasília, 3 de março de 2015. 



experimentado  um   ganho  de  capital  sujeito  à  incidência  do  IRPF,  em  decorrência  da  alienação  das  suas  respectivas  participações  societárias  à  empresa  “B” (incorporadora),  por valor superior ao valor contábil originário das mesmas.  Nas  suas  razões,  a  Fazenda  sustentou  que,  à  luz  da  legislação  tributária,  na  incorporação   da  empresa  “A”  pela  empresa  “B”,   houve  uma  alienação  das  ações  da   primeira  ao  capital  da  segunda,  a  qual  teve  como  contraprestação  a  emissão  de  novas  ações, subscritas e integralizadas pelos antigos acionistas da empresa “A”.  Aos  olhos  da  Fazenda,  muito  embora  não  tenha havido pagamento em dinheiro, a  alienação  das  ações  da  empresa  “A”  a  empresa  “B”  gerou  um  ganho  de  capital  de  aproximadamente  R$  245.000.000,00  (duzentos  e  quarenta  e  cinco  milhões  de  reais),  correspondente  à  diferença  entre  o  preço  de  custo  de  aquisição  e  o  preço  de  alienação  das ações, no caso concreto.  Dessa  forma,  defendeu  o  posicionamento  de  que,  segundo  a  legislação  tributária,  as  operações  que  importem  alienação  de  bens  e  direitos,  dentre   as  quais,  a  permuta,  estão  sujeitas  à  apuração  do  ganho  de  capital,  devendo  o  acionista  da empresa “A” que  alienou  a  sua participação societária à empresa “B”, a título de integralização de capital,  por  valor  superior àquele constante na declaração de bens, será tributado pelo IRPF, nos  termos  do  que  dispõe  o  artigo  3º,  §3º,  da  Lei  nº  7.713/88,  e  o  artigo  23,  §2º,  da  Lei  nº  9.249/95, ​ in verbis​ :    Art. 3º O  imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução,  ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei.   § 3º  Na  apuração  do  ganho  de  capital  serão  consideradas  as operações que  importem  alienação,  a  qualquer  título,  de  bens  ou  direitos  ou  cessão  ou  promessa  de  cessão de  direitos  à  sua  aquisição, tais como as realizadas por  compra  e  venda,  permuta,  adjudicação,  desapropriação,  dação  em  pagamento,  doação,  procuração  em  causa  própria,  promessa  de  compra e   venda,  cessão  de   direitos  ou  promessa  de  cessão   de  direitos  e  contratos  afins.  Art.  23.  As  pessoas  físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de  integralização  de  capital,  bens e  direitos  pelo  valor  constante da respectiva  declaração de bens ou pelo valor de mercado.  §1º  Se  a  entrega  for  feita  pelo  valor  constante  da  declaração  de  bens, as  pessoas  físicas  deverão  lançar  nesta  declaração  as  ações   ou  quotas  subscritas   pelo   mesmo  valor  dos  bens  ou  direitos  transferidos,  não  se  aplicando  o  disposto no art. 60 do Decreto­Lei nº 1.598, de 26 de dezembro  de   1977,   e  no  art.  20,  II,  do  Decreto­Lei  nº   2.065,  de  26  de  outubro  de  1983.  §  2º  Se  a  transferência   não  se  fizer  pelo  valor constante  da  declaração  de  bens, a diferença a maior será tributável como ganho de capital. 

  4.2

Posição dos Contribuintes: 

  Em  sede  de  contrarrazões,  o  Contribuinte  defendeu  a  sua  pretensão  asseverando  que  a  incorporação  de  ações,  disciplinada no artigo 252 da Lei nº 6.404/76, ao contrário  do  que  alega  a  Fazenda,  não  constitui  modalidade  de  alienação  de  bens e direitos, mas,  sim,  uma  uma  mera  substituição  de ações, pelo que inexistiu ganho de capital tributável  pelo IRPF ­ leia­se, acréscimo patrimonial.  Sustentou  que,  diferentemente  da  incorporação  de  sociedades,  prevista  no  artigo  227  da  Lei  nº  6.404/76, na incorporação de ações, a sociedade incorporada não deixa de  



existir,  havendo,  tão  somente,  a  transferência das ações para a sociedade incorporadora,  que se tornara única sócia da subsidiária integral resultante da operação.  No  caso  em  apreço,  a  empresa  “A”  teve  a  integralidade  das  suas  ações  incorporadas  pela empresa “B”, a qual, em contrapartida, emitiu novas ações, que foram  subscritas  e  integralizadas  pelos  antigos  acionistas  da  incorporada.  Assim,  a  empresa  “A”  continuou  a  existir,  tornando­se  subsidiária  integral  da  empresa  “B”,  ao  contrário  do  que  ocorreria  na  hipótese  da  incorporação  de  sociedades,  conforme  demonstrado no  item 1.1 supra.   Assim,  segundo  o  Contribuinte,  a  operação  consistiu  numa  mera  substituição  de  ações,  vez  que  na  sua esfera patrimonial houve a simples permuta das ações da empresa  “A”  por  ações  da  empresa  “B”,  pelo  mesmo  custo  de  aquisição  daquelas,  qual  seja, R$  45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais).   Alegou,  ainda,  que  a  avaliação  das  ações  da  empresa  “A”,  por  exigência  da  legislação  societária,  e  sua  incorporação  ao  valor  de  mercado  pela  empresa  “B”,  também por imposição legal, não teria o condão de ensejar acréscimo patrimonial para o  acionista  que  teve  as  suas   ações  substituídas,  pois  a  operação  ocorre  em   virtude  da  deliberação  das pessoas jurídicas envolvidas, sendo irrelevante a vontade dos acionistas,  os quais receberão novas ações em substituição daquelas incorporadas14.  Por  fim,  argumentando  se  tratar  de  uma  simples  substituição  de  participações  societárias,  que  não  envolveu  a  transferência  de recursos,  o  Contribuinte consignou que  não  houve  ganho  de  capital  tributável  pelo IRPF, sendo inaplicável, portanto, os artigos  3º, §3º, da Lei nº 7.713/88 e 23. §2º, da Lei nº 9.249/95 invocados pela Fazenda.   

4.3

Decisão do CARF: 

  Em  03  de  março  de  2015,  por  meio  do  Acórdão  nº  9202­003.579,  a  2ª  Turma  do  Câmara  Superior  de  Recursos  Fiscais  negou provimento ao Recurso Especial interposto  pela Fazenda Nacional nos autos do processo nº 10680.726772/2011­88, declarando que  a  incorporação  de  ações  não  gera  ganho  de  capital  tributável  pelo  IRPF,  haja  vista  se  constituir  em  mera  substituições  de  ações,  razão  pela  qual  cancelou  o  lançamento  tributário  efetuado  no  caso  em  exame,  conforme  se  pode  vislumbrar  na   ementa  abaixo  colacionada:    IMPOSTO  SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA ­ IRPF Exercício: 2008  IRPF  ­  OPERAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DE AÇÕES ­ INEXISTÊNCIA  DE  OMISSÃO  DE   GANHO  DE  CAPITAL.  A  figura  da  incorporação  de  ações,  prevista  no  artigo   252  da  Lei  n°  6.404/76,  difere  da  incorporação  de  sociedades e da  subscrição de capital  em bens. Com  a incorporação de ações,   ocorre  a  transmissão  da  totalidade  das  ações  (e  não  do  patrimônio)  e  a  incorporada passa  a ser subsidiária integral da incorporadora, sem  ser extinta,  ou  seja,  permanecendo  com  direitos  e  obrigações.  Neste  caso,  se  dá  a  substituição no  patrimônio do sócio, por idêntico valor, das ações da empresa  incorporada  pelas  ações  da  empresa  incorporadora,  sem  sua  participação,  pois  quem  delibera  são   as  pessoas  jurídicas  envolvidas  na   operação.  Os  sócios,  pessoas  físicas,  independentemente  de  terem  ou  não  aprovado  a  operação  na  assembleia  de  acionistas  que   a  aprovou,  devem,  apenas,  promover  tal  alteração  em   suas  declarações  de  ajuste  anual.  Ademais,  nos  termos  do  artigo  38,  §  único,  do  RIR/99,  a  tributação  do  imposto  sobre  a    Segundo a  parte  final do §2º, do artigo 252 da Lei nº 6.404/76,  ​ os acionistas dissidentes  da deliberação   que  decidir  pela  incorporação  de  ações  terão  direito de  retirar­se  da companhia, observado o disposto  no  art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230.  14



renda  para   as  pessoas  físicas  está  sujeita  ao  regime  de  caixa,  sendo que,  no   caso,  o  contribuinte  não  recebeu  nenhum  numerário  em  razão   da  operação  autuada.  Não  se  aplicam  à  incorporação  de  ações  o  artigo 3°, § 3°, da  Lei n°  7.713/88,  nem  tampouco  o   artigo  23  da   Lei  n°  9.249/95.  Inexistência  de   fundamento legal  que  autorize a exigência de  imposto de renda pessoa física  por  ganho  de  capital  na  incorporação   de  ações  em  apreço.Recurso  especial  negado.  (CARF,  Acórdão  nº  9202­003.579,  Rel.  Maria  Helena  Cotta  Cardozo, Sessão 03/03/2015).  

  Nos  fundamentos  da  decisão,  a 2ª Turma da CSRF, dando provimento à prentesão  do  Contribuinte,  concluiu  não  se  tratar  a  incorporação  de  ações  de   uma  modalidade  de  alienação  de   bens  e  direitos,  porquanto  seu  efeito  equipara­se  ao  de  uma  permuta  de  ativos  no  patrimônio  do  sócio  da  incorporada,  que  não  enseja  o  acréscimo  patrimonial   necessário à incidência do IRPF no caso concreto.    Ao  entender dessa forma,  o  órgão julgador consignou que a incorporação de ações  não  se  confunde  com   a  incorporação  de  sociedades  e,  muito  menos,  com  o  instituto  da  subscrição  de  capital em bens, vez que por meio dela ocorre, tão somente, a substituição  no  patrimônio das ações da incorporada pelas ações da incorporadora, por idêntico valor  contábil,  razão  pela  qual  não  se  aplicariam  os  artigos  3º,  §3º,  da  Lei  nº  7.713/88,  e  23,  da Lei nº 9.249/95, supracitados.  Ainda,  o  colegiado  entendeu  que,  independentemente  de  se  tratar de alienação ou  permuta  de  participações  societárias,  no  caso  em  apreço,  o  Contribuinte  que  recebeu  ações  com  sobrevalor  em  relação  ao  seu  custo  de  aquisição,  mesmo  assim  não  está  sujeito  à tributação pelo IRPF, pois, segundo o artigo 39, parágrafo único, do RIR/99, as  pessoas físicas estão sujeitas à tributação pelo IR no regime de caixa.  Como  o fato gerador do IR é a aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica  da  renda  ou  proventos  de  qualquer  natureza,  no  caso,  a  tributação  pelo  imposto  só  ocorreria  se,  e  quando,  o  Contribuinte  efetivamente  alienasse   as  ações  e,  assim,  realizasse o ganho de capital, em decorrência do que prescreve o artigo 43 do CTN.  Logo,  ainda  que  a  operação  acarretasse  ganho  de  capital,  a  2ª  Truma  da  CSRF  entendeu  ser  inconcebível  a  tributação  pelo  IRPF,  uma  vez  que  não   houve  disponibilidade  efetiva  do  ganho  de  capital  supostamente  experimentado  pelo  Contribuinte na operação incorporação de ações praticada.   

4.4 O  tratamento  tributário  da  incorporação  de  ações,  perante  o  entendimento doutrinário e jurisprudencial pátrio:    O  assunto  ora  em  estudo  é ainda novo no âmbito  do  CARF e dos Tribunais, o que  justifica  a pouca jurisprudência sobre o assunto. Também em sede doutrinária, a matéria  é  controversa,  de  modo  que  existem  argumentos  jurídicos  sólidos  para  sustentar  simultaneamente a orientação da Fazenda e a do Contribuinte.  Não  obstante  existirem   doutrinadores  de  peso  que  defendam  o  contrário15,  a  jurisprudência  e  a  doutrina  majoritária  sobre  a  questão  encontram­se  alinhadas,  justamente,  ao posicionamento adotado na decisão acima retratada, cuja interpretação se 

  Destaco,  por  todos,  entre  aqueles textos favoráveis ao entendimento da Fazenda, o artigo ​ Incorporação  de   ações:  natureza  jurídica  societária   e  efeitos  tributários​ ,   publicado  em  co­autoria  por  Luís  Eduardo  Schoueri  e  Luiz  Carlos   de  Andrade  Jr.  (​ in  Revista  Dialética  de  Direito  Tributário,  nº  200, São Paulo,  Dialética, maio/2012, pp. 43­72).  15

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dá  no  sentido  da  inexistência  de  ganho  de  capital  nas  operações  de  incorporações  de  ações.  Para  a  corrente  majoritária,  na  qual  se  encontram  BULHÕES  PEDREIRA,  NELSON  EIZIRIK,  ALBERTO  XAVIER,  citados  por  RICARDO  MARIZ  DE  OLIVEIRA,  não  há  ganho  de  capital  tributável  pelo  IRPF  nas  incorporações  de  ações,  vez  que  nela  se  opera  uma  permuta  de  participações  societárias,  a  qual, por sua própria  natureza, não implica acréscimo patrimonial.     Sustentando esse posicionamento, RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA16 equipara  os  efeitos  da  incorporação  de  ações  aos  da  permuta  sem  torna,  invocando  para  tanto  sólidos argumentos jurídicos. Neste sentido, vejamos:    Começando  pela  troca  de  ações,  sob   o  ponto   de  vista  dos  tributos   sobre  a  renda,  a  situação   de  substituição  ou  troca  das  ações,  derivadas  do  ato  de  incorporação  regido pelo  art.  252  da  Lei  n.  6404,  acaba  sendo a mesma que   se tem na permuta de bens sem torna.  Não  há  a  mínima  contradição   entre  o  que  estou  dizendo  e  afirmações  anteriores   de  que  cada  ato  ou  negócio   jurídico  tem  identidade   própria  e  regime jurídico próprio, com as respectivas causas de atribuição patrimonial.  Não  há  contradição  porque,  como  também  vimos,  as  distintas  naturezas  jurídicas  dos  atos  ou  negócios  não  eliminam  a  possibilidade  de  que  dois  ou  mais deles apresentem alguns efeitos iguais ou semelhantes.  E  é  isto  que   ocorre   entre  a  incorporação  de  ações  e  a  permuta, a partir  da  prescrição,  ​ expressa  na  lei, de  que as ações incorporadas são substituídas  por  outras  emitidas  no  ato​ .  ​ Assim, o efeito comum aos dois atos distintos  está  em  que,  no  ato  jurídico  de incorporação  de  ações,  as  titularidades   das  ações  são  transferidas  elas  por  elas,  ações   incorporadas  por  ações  emitidas  em  substituição, sem  pagamento  em  dinheiro,  tanto  quanto  na  permuta  sem  torna  as  propriedades   dos  bens  são  transferidas  eles  por  eles, sem pagamento de preço​ . (Grifo nosso) 

  Ao  equiparar  os  efeitos  da  incorporação  de  ações  aos  do  negócio  jurídico  de  permuta,  o  autor  concluí  não  inexistir  acréscimo  patrimonial  suscetível  de  tributação,  uma  vez  que,  na  permuta,  existe  equivalência  entre   os  custos  dos  bens  envolvidos   na  troca,  de  modo  que  permanece  intacto  o  valor  indicado  na   declaração  de  bens  do  acionista que teve as suas ações substituídas. Se não, vejamos17:    Ora,  nas  permutas  sem  torna  não  há  aumento   patrimonial  tributável,  devendo­se  atribuir  ao   bem  recebido  em  permuta  o  mesmo  valor  que,  no  balanço  patrimonial  da  pessoa  jurídica,  ou  na  declaração  de  bens  da  pessoa  física,  tinha  o   bem  dado  em  permuta,  porque,  para  ter  o  novo  bem,   o  permutante  não  incorre  em  qualquer  outro  custo  além  daquele  que teve para  adquirir  o  bem dado em permuta, ou seja, o custo para ter o bem recebido em  permuta é  o  custo  do bem que  foi dado em  troca.  E  se  o  custo  permanece o  mesmo, não há aumento patrimonial.  Por   isso,   na  permuta  as  partes  não  devem  atribuir  (não  podem,  porque  não  incorreram  em)  novo  valor  ao  bem  que  cada  uma  adquire,  observando­se  que,   no  caso   de  estar  envolvido  investimento  registrado  perante  o  Banco  Central  do  Brasil, há  emissão  de  novo  certificado  de  registro que consigna a  participação  societária  recebida  em   permuta  da  que  constava anteriormente  do registro, mas sendo mantido o mesmo valor deste em moeda estrangeira.  Em   tais  circunstâncias,  e  enfatizando  que,  para  efeitos  ficais,  devem  ser  mantidos  os valores que correspondiam ao custo das ações incorporadas, ​ não  16

 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. p. 89­90.   OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. p. 90­91. 

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haverá  incidência  do  imposto  de  renda  nem  da  CSL sobre os acionistas,  ainda  que   a  incorporação  tenha  sido   feita  a  valor  maior  no  âmbito  da  sociedade  incorporadora,  segundo  o  respectivo  laudo   de  avaliação  ou  o  critério econômico adotado. (Grifo nosso) 

  Na  visão  do  doutrinador,  a  possível  disparidade  de  valores  na  relação  de  troca  é  irrelevante  para  ensejar  a  tributação,  dado  que   constituí  formalidade  da  lei  societária  para  que  haja  justo  ingresso  dos  titulares  dessas  ações  no  capital  da  sociedade  incorporadora.   Ou  seja,  a  avaliação  não  serve  para  a  fixação   de  um  preço,  mas,  sim,  para  o  estabelecimento  de  justa  relação  de  troca  entre  as  companhia,  por  exemplo:  se  o  valor  da  companhia  incorporada  for  três  vezes  superior  ao  da  companhia  cujas  ações  estão  sendo  incorporadas,  os  acionistas  desta  devem  receber  um  terço  das  ações  totais  que  resultarão  no  capital  social  da  incorporadora  após  a  incorporação,  de  forma  que  no  patrimônio  do  acionista  continua  a  haver  o  mesmo  valor  que  havia  antes  da  incorporação.  Deste  modo,  sob  a  perspectiva  do  autor,  a  avaliação  de  ações  para  fins  de  incorporação   visa,  tão  somente,  a  comutatividade  ínsita  à  permuta,  de  modo  que,  “​ não  havendo  torna,  a  permuta  se  perfaz  independentemente  do  valor  que  as  coisas  possam  ter por qualquer critério de avaliação”18​ .  Diante  disso,  o  autor  concluí  que, assim como na permuta, a substituição de ações  decorrentes  da incorporação não acarreta para o acionista a realização do valor atribuído  às  suas  ações,  na   mesma  medida  em  que  na  permuta  não  há  realização  de  qualquer  ganho pelo simples fato de haver identificação de valores dos bens permutados19 .  À  conclusão  semelhante   chegou  a  2ª  Turma  do  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região,  no  Acórdão  que   julgou  o  recurso  de  Apelação/Reexame  Necessário  de  nº  5052793­42.2011.4.04.7000/PR, cuja ementa transcrevo a seguir:    TRIBUTÁRIO.  SOCIETÁRIO.   IMPOSTO  DE  RENDA.  PESSOA  FÍSICA.   SUBSTITUIÇÃO  DE   AÇÕES  NA   CONVERSÃO  EM  SUBSIDIÁRIA  INTEGRAL.  GANHO   DE  CAPITAL.  OMISSÃO  DE  RENDIMENTOS.  INEXISTÊNCIA.  AUSÊNCIA  DE  RECEBIMENTO  DE  VALORES.   HIPÓTESE  DE  NÃO­INCIDÊNCIA.  IRRELEVÂNCIA  DE  SE  CONSIDERAR  A  HIPÓTESE  COMO  ALIENAÇÃO.  DIVERGÊNCIA  DOUTRINÁRIA  E  JURISPRUDENCAL.  DECISÃO  POR  MAIORIA.  (...) 2. No  caso  dos  autos,  a parte autora detinha 92% das  ações   da  empresa   incorporada,   transferidas  à  incorporadora,  que,  em   contrapartida,  entregou  aos  acionistas   da  incorporada  a mesma  proporção   de   ações  que  estes  detinham  antes.  Na  prática,  as  ações  da  parte  autora  subrogaram­se  nas  novas  ações,  tendo  sido  matido,  na  sua  declaração  de  bens,  o  valor  de  custo  das  ações  e  não o valor da avaliação mercadológica,  esta  imposta  pela  Lei  das  Sociedades  Anônimas.  (Lei  .  6.404/76)  3.  Hipótese  em que  a  mais  valia  decorrente  da avaliação  das  ações  dadas em  substituição,  determinada  pelo  art.  252  e  §§  da  Lei  das   Sociedades   Anônimas,  não  está  sujeita  à  incidência   do  Imposto   de  Renda  da  Pessoa  Física,  mormente  se  a  pessoa  física manteve  em  sua  declaração  de  bens  o  valor  de  custo  das  ações.  (...)  7.  Sentença  de  procedência  mantida,  inclusive  quanto  aos  ônus  sucumbenciais,  por  maioria,  e,  nessa  linha,  afastada  a  autuação  fiscal.  (TRF4,  APELREEX 

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 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. p. 95.   OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. p. 97. 

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5052793­42.2011.404.7000,  Segunda  Turma,  Relator  p/  Acórdão  Otávio   Roberto Pamplona, juntado aos autos em 12/10/2015)   

Logo,  sob  a  ótica  da  doutrina  e  da  jurisprudência  administrativa  e  judicial  predominantes, a avaliação de ações realizada no bojo  da incorporação, é decorrência de  uma  mera  imposição  legal20 ,  que  serve  exclusivamente  para  a  estabelecer  a  relação  de  troca  entre  as  ações  envolvidas  na  operação,  cujos  efeito,  por  se  identificar  a  de  uma  permuta, não gera ganho de capital tributável pelo IRPF.     

4.5

A realização da renda e o ganho de capital: 

  Conforme  visto  no  tópico  acima,  na  incorporação  de  ações,  trocam­se   títulos   por  outros  títulos,  em  nada  interferindo  o  fato  das  novas  ações  possuírem  valores  eventualmente  superiores  ao  valor  de  aquisição  das  ações  substituídas,  o  que, por si só,  não  induz  à  existência  acréscimo  patrimonial  tributável  pelo  IRPF,  a  qual  depende  da  realização efetiva da renda.  Para  ilustrar  este  ponto,  retomemos  o  caso  analisado  no  tópico  3:  naquela  situação,  as  ações  da  empresa  “A”  foram  avaliadas  e  substituídas por ações da empresa  “B”  pelo  valor  de  R$  290.000.000,00  (duzentos  e  noventa  milhões de reais), sendo que  o  seu  valor  de  aquisição  foi   de  R$  45.000.000,00  (quarenta  e  cinco  milhões  de  reais).  Houve,  portanto,  uma  suposta  “valorização”  positiva de R$ 245.000.000,00 (duzentos e  quarenta e cinco milhões de reais) do patrimônio dos acionistas da incorporada.  Ocorre  que,   muito  embora  tenha  existido  diferença  positiva  entre  os   valores  das  participações  societárias  envolvidas  na  operação,  a  2ª  Turma  da  CSRF  decidiu  por  afastar  a  incidência  do  IRPF  sobre  o  “ganho”  do  acionista  cujas  ações   foram  substituídas,  consignando  que,  à  luz  do  artigo   43   do   CTN,   a  tributação  da  renda  só  é  possível  quando  configurada  disponibilidade  econômica  ou  jurídica  que  denote  capacidade contributiva por parte do contribuinte.  Para  o  órgão  julgador  do  Ministério  da  Fazenda  e  para  parte  predominante  da  doutrina  analisada,  o  ganho  verificado  em  virtude  da  substituição  de  participações  societárias,  bem  como  em  virtude  de  qualquer  espécie  de  permuta,  é,  a  princípio,  meramente  potencial,  sendo  assim  até  o  momento  da  efetiva  realização  da  renda21,  que  ocorrerá  somente  se,  e  quando,  as  ações  recebidas  na   troca  forem  alienadas  por  preço  maior do que o custo das que foram incorporadas.   No  teor  do  voto  vencedor,   foi  consignado  pelo  Conselheiro  Redator,  Manoel  Coelho Arruda Junior, que    ainda  que  se  possa  aceitar  a  ocorrência  de  uma  transferência de ações (dos  acionistas   da  incorporada  à  incorporadora),  não  há  recebimento  de  preço  pelos  títulos,  mas  sim  de  novas  ações,  cujo  valor  total,  ainda  que  superior,   poderá ser momentâneo, diante das variáveis acima mencionadas22.    20

 Art.. 252, § 1º, da Lei 6.404/76.    Renda realizada, segundo RICARDO MARIZ DE  OLIVEIRA, é aquela  que já entrou na titularidade do  contribuinte,  em  caráter  definitivo  e  sem  se   submeter  a  qualquer  condição  ou  evento  futuro   e  de  acontecimento incerto.  Em  outras palavras, corresponde à direito definitivamente adquirido, mesmo que a  termo (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. p. 98­99.)  22   BRASIL.  Conselho  Administrativo  de  Recursos  Fiscais.   2ª  Turma  da  Câmara  Superior  de  Recursos  Fiscais.  Acórdão nº 9202­003.579. Recorrente: Fazenda Nacional. Interessado: Newton Cardoso. Relatora  Maria Helena Cotta Cardozo. Brasília, 3 de março de 2015. p.55.  21

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De  fato,  pois,  conforme   o   já  analisado  artigo  43  do  CTN,  somente  é  possível  a  incidência  do  IRPF  quando  houver  ganho  de  capital  realizado,  cuja  disponibilidade  econômica  ou  jurídica  tenha  sido  adquirida,  pois  se  deve  ter  em  conta  que  a incidência  do tributo em questão depende da existência de renda efetivamente auferida.  Nos  dizeres  de  ALCIDES  JORGE  COSTA23  a  valorização  das  ações  decorrente  da  incorporação  simboliza  uma  renda  meramente  “virtual”,  ou  seja,  incerta  e pendente,  e  que,  portanto,  ainda  não  é  capaz  de  denotar  capacidade  contributiva  passível  de  tributação24.  Na  mesma  linha,  RICARDO  MARIZ  DE  OLIVEIRA,  sustenta  que ​ a tributação, 

pelo  IRPF,  da  simples  mais­valia  das  ações  recebidas  na incorporação  da  ações  pelo  acionista  da  incorporada  ofenderia  o  princípio  da  capacidade  contributiva,  haja vista que, nas suas palavras25 ,    [...]  a  renda  realizada  é  a  renda  cuja  disponibilidade  econômica ou jurídica  já  tenha  sido  adquirida,  ou  seja,  não  é  apenas  esperada  ou  meramente  virtual,  mas,  sim,   concretizada.  E  isto   é  assim,  porque  ela  poderá  não  se  concretizar  se  o  mercado  se  inverter  ou  se  outros  fatores  adversos  impedirem  a sua  realização,  ou  até mesmo  se  o  proprietário  não  encontrar  comprador para o  bem, ou  se  o comprador  não quiser  pagar o  valor que se  estima valer o bem.  Destarte,  não  havendo  alienação  do  bem,  o  proprietário  ainda  não  tem  renda,  e  não  tem  como  atribuir  imposto  à  renda  auferida,  vale  dizer,  não  detém  capacidade contributiva em relação ao imposto de renda. Igualmente,  se  alienar o bem por determinado valor, este será o limite máximo de ganho  possível de tributação, ainda que teoricamente pudesse obter melhor preço.  Não  há, pois, confusão possível entre a simples valorização do patrimônio e  a  disponibilidade econômica de aumento patrimonial, inclusive porque,  se a   simples  valorização  pudesse  ser  tributada,  o  imposto  teria  que  ser retirado  do patrimônio, e não de um aumento realmente ainda não existente. 

  Neste  sentido,  admitir  a  tributação  pelo  IRPF  do  acionista  que  teve  as  suas ações  substituídas  por  outras,  ainda  que  de  valor  superior  ao  de  custo  daquelas  dadas  em  substituição,  é  o  mesmo  que  admitir  a  tributação  de  renda  meramente  potencial  ou,  noutras  palavras,  renda  “virtual”,  em  clara  violação  ao  princípio  da  capacidade  contributiva26 .  Sobre  este  assunto,  o  Superior  Tribunal  de   Justiça,  mais  de  uma  vez,  declarou  a  impossibilidade  da  tributação  de   ganhos  meramente  potenciais,  afirmando   que  o  fato  gerador  do  imposto  de  renda  é  o  acréscimo  patrimonial  mais  a  respectiva  23

 COSTA, Alcides Jorge. ​ Anais das XI Jornadas do Instituto Latino Americano de Derecho Tributario.  Rio de Janeiro, 1983, p. 166.  24   Neste  sentido,  o  autor  preleciona  ainda   que:   “Parece  importante  esta  conceituação  pois  ela  afasta,  desde  logo,  a  tributação   de  renda  virtual   ou  ainda  não  realizada.  Assim,  a valorização  de imóveis  não  pode  ser  tributada  senão  quando  a  renda  dela  decorrente  possa  ser  utilizada, empregada,  etc., o  que só  acontece  quando  ela  deixa  de  ser  virtual  e  se  torna  efetiva,  como  numa  alienação de  imóvel. Ou,  em  se  tratando de sociedade, através de uma reavaliação, em que a disponibilidade ocorre indiretamente, através  das ações que o acionista recebe gratuitamente.  25   OLIVEIRA,  Ricardo  Mariz  de.  ​ Regime  tributário  da  compra  vantajosa  ­  questões  fundamentais.  ​ In:  Controvérsias  Jurídico­Contábeis  ­  Aproximações  e  Distanciamento.  v.  4,  São  Paulo,  Editora Dialética,  2013, p. 251.  26   POLIZELLI,  Victor  Borges.  ​ O  princípio   da  realização  da   renda  ­  Reconhecimento  de  receitas  e  despesas para  fins do IRPJ. ​ São Paulo, Editora Quartier Latin, 2012, ​ apud  OLIVEIRA, Ricardo Mariz de.  Op. Cit. p. 104. 

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disponibilidade  jurídica  ou  econômica,  as  quais  só  ocorrem  quando  houver  real  acréscimo  patrimonial,  não  cabendo  a  tributação  sobre  mera  expectativa  de  ganho  futuro e em potencial27 .  Outrossim,  cumpre  citar  o  parecer  PGFN/PGA  nº  452/92,  que, ao tratar do ganho  de  capital  na  permuta  sem  torna,  consignou  que  “criar­se,  fictamente,  na  permuta  de  bens,  um  ganho  de  capital  é  violar  o  próprio  patrimônio.  A  sua tributação configuraria,  por  conseguinte,  imposto  sobre  a  propriedade  e  não  sobre  a  renda  e  proventos  de  qualquer natureza.”  Por  fim,  seguindo  o  mesmo  posicionamento,  a  2ª  Turma  do  Tribunal  Regional  Federal  da  4ª  Região,  no  julgamento  do  Acórdão  acima  citado,  asseverou que a admitir  a  tributação  da  renda  virtual,  além  de  violar o princípio da realização da renda, também  ofenderia  a   regra  a  sistemática  da  tributação  pelo  regime  de  caixa,  ao  qual  se  sujeita  o  contribuinte  pessoa física do IRPF, prevista no artigo 38, parágrafo único, do RIR/99, ​ in   verbis​ :    Art.  38.  A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou  direitos,  da  localização,  condição  jurídica  ou   nacionalidade  da  fonte,  da  origem dos bens produtores da  renda e  da forma de percepção das rendas  ou  proventos,  bastando,  para  a  incidência  do  imposto,  o  benefício  do  contribuinte por qualquer forma e a qualquer título.  Parágrafo   único.  ​ Os  rendimentos  serão  tributados  no  mês  em  que  forem   recebidos,  considerado  como  tal  o  da  entrega  de  recursos  pela  fonte  pagadora,  mesmo  mediante  depósito  em  instituição  financeira  em  favor  do  beneficiário.​  ​ (Grifo nosso) 

  Assim,  na  incorporação   de  ações  dá­se  o  mesmo  fenômeno  que  ocorre  na  permuta,  a  qual,  por  acarretar  uma  mera troca de ativos sem acréscimo patrimonial, não  gera  efeito  tributário  (se  não  houver  recebimento  de  torna),  pois  a  eventual  renda  que  ela  pode  propiciar   é  meramente  potencial,  quando  o  bem  recebido  tiver  maior  valor  do  que  o  custo  do  bem dado em permuta,  somente sendo possível a tributação no momento  em  que  esse  ganho potencial se concretizar em ganho efetivo  e definitivo pela alienação  do  bem  recebido  em  troca  do  que era tido, em decorrência do princípio da realização da  renda e da regra geral do regime de caixa acima tratados.    5. Conclusão​ :    Tendo  em  vista  os  conceitos  jurídicos,  as  interpretações  jurisprudências  e  os  entendimentos  doutrinários  apresentados  neste,  pode­se  concluir,  em  apartada  síntese,  que:    A. A  incorporação  de ações prevista e disciplinada no artigo 252 da Lei  nº 6.404/76  não  se  confunde  com   a  incorporação  de  sociedades,  com a subscrição de capital  em  bens  e  com  o  instituto  do  aumento  de  capital,  vez  que,  na  incorporação  de  ações,  ocorre  a  transmissão  da  totalidade  das  ações  da  incorporada  para  a  incorporadora,  de  modo  que  a  primeira  se  torna  subsidiária  integral da segunda,  sem  ser  extinta,  ou  seja, permanecendo com direitos e obrigações. Ato contínuo,  a  incorporadora  aumenta  o  seu  capital  e  emite  novas  ações   em  substituição  àquelas detidas pelos acionista da incorporadora;   A este respeito, ​ vide ​ o Recurso Especial nº 320455­RJ, julgado em 7 de junho de 2001, pela 1ª Turma. 

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B. Neste  sentido,  a  incorporação  de  ações  implica, tão somente, na substituição, no  patrimônio  dos  sócios  da  incorporada,  por  idêntico valor, das ações desta última  por  ações  da  sociedade  incorporadora,  sem  sua participação, pois quem delibera  são as pessoas jurídicas envolvidas na operação;  C. Pelas  características que compõem a sua natureza, resta claro que a incorporação  de  ações  não  representa  uma  modalidade  de  alienação,  mas,  sim,  uma  simples  troca  ou  substituição  de   participações  societárias,  cujos  efeitos  são equiparáveis  aos  de  uma  permuta  e   que,  portanto,  é  incapaz  de  gerar  ganho  de  capital  tributável  pelo  IRPF,  nos  termos  dos  artigos  3º,  §3º,  da  Lei  nº   7.713/88,  e  23,  §2º, da Lei nº 9.249/95;  D. Por  se  tratar  de  mera  substituição  patrimonial,  o  custo  de  aquisição  originário  das  ações  recebidas  não  é  alterado  em  razão  da  incorporação,  servindo  a  avaliação  das  ações  apenas  para  a  obtenção  de  uma  justa  relação  de  troca,  em  cumprimento à imposição legal da lei societária;  E. Ainda  que  as  ações recebidas na operação contenham  uma valorização, tal renda  é  meramente  potencial  e  não  representa  acréscimo  patrimonial  efetivo  ao  patrimônio  do  acionista,  de  modo  que  inexistente  a  materialidade  indispensável  à  configuração  do  fato  gerador  da  obrigação  tributária  do  IRPF,  à  luz  do  que  determina o artigo 43 do CTN;  F. Eventual  tributação  pelo  IRPF,  na  hipótese,  representaria  tributação  de  renda  virtual,  transformando­se  em  tributação  sobre  o  patrimônio  e  não  sobre  renda   efetivamente  auferida,  ofendendo,  ainda,  o  princípio  da  capacidade  contributiva  e a regra do regime de caixa do IRPF.    Assim,  à  luz  das  premissas  estabelecidas  e  dos  conceitos  firmados,  é  forçoso  concluir  que  os  acionistas  da  incorporada  não  experimentam  ganho  de  capital  e,  portanto, não realizam o critério material da norma de incidência do IRPF  Dessa  forma,  ainda  que  as  novas  ações  denotem  um  acréscimo  em  relação  às  anteriormente  detidas,  ele  é  meramente  potencial,  porquanto   dependente  de  efetiva  aquisição  da  disponibilidade  econômica  ou  jurídica  da renda. Neste sentido, o ganho de  capital  somente  será  verificado  no  momento  da  alienação  das ações detidas, mediante o  recebimento  do  preço  ajustado,  o  qual  poderá,  inclusive,  ser  inferior,  em  razão  das  variações  do  mercado.  Eventual  tributação  deste  sobrevalor  potencial  implicaria  violação  direta  ao  conceito  constitucional  de  renda  insculpido  no  artigo  153,  III,  da  CF/88,  bem como aos princípios da capacidade contributiva e da legalidade, por sua  vez  previstos nos artigos 145, §1º, e 150, I, ambos da CF/88.   

REFERÊNCIAS    BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 2ª Turma da Câmara Superior  de Recursos Fiscais. Acórdão nº 9202­003.579. Recorrente: Fazenda Nacional.  Interessado: Newton Cardoso. Relatora Maria Helena Cotta Cardozo. Brasília, 3 de  março de 2015.    BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 2ª Turma da Câmara Superior  de Recursos Fiscais. Acórdão nº 9202­003.579. Recorrente: Fazenda Nacional.  Interessado: Newton Cardoso. Relatora Maria Helena Cotta Cardozo. Brasília, 3 de  março de 2015.  16 

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EIZIRIK, Nelson; CARVALHOSA, Modesto. ​ Incorporação de Ações. Natureza  Jurídica e Principais Características​ . In: Estudos de Direito Empresarial. São Paulo:  Saraiva, 2010.  GONÇALVEZ, José Arthur Lima. ​ Imposto sobre a Renda ­ Pressupostos  Constitucionais​ . São Paulo: Malheiros, 1997.  MOSQUERA, Roberto Quiroga.​   Renda e Proventos de Qualquer Natureza. O  Imposto e Seu Conceito Constitucional​ . São Paulo: Dialética,1996.  OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. ​ Fundamentos do Imposto de Renda​ . São Paulo:  Quartier Latin, 2008.  OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. ​ Incorporação de Ações no Direito Tributário:  Conferência de bens, permuta, dação em pagamento e outros negócios jurídicos​ .  São Paulo: Quartier Latin, 2014.    OLIVEIRA,  Ricardo  Mariz  de.  ​ Regime  tributário  da  compra  vantajosa  ­  questões  fundamentais.  In:  Controvérsias  Jurídico­Contábeis  ­  Aproximações  e  Distanciamento​ . v. 4, São Paulo, Editora Dialética, 2013.   

POLIZELLI, Victor Borges. ​ O princípio da realização da renda ­ Reconhecimento  de receitas e despesas para fins do IRPJ​ . São Paulo, Editora Quartier Latin, 2012,  apud OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. In: ​ Incorporação de Ações no Direito  Tributário: Conferência de bens, permuta, dação em pagamento e outros negócios  jurídicos​ . São Paulo: Quartier Latin, 2014.   

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