O gesto corporal na performance coral: estudo de dois grupos corais Thays Peneda Simoes

August 1, 2017 | Autor: Thays Simoes | Categoria: Performance Studies, The Body, Choir, Children's Choirs
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Universidade de Aveiro 2012

THAYS PENEDA SIMÕES

Departamento de Comunicação e Arte

O gesto corporal na performance coral: estudo de dois grupos corais.

Universidade de Aveiro 2012

THAYS PENEDA SIMÕES

Departamento de Comunicação e Arte

O gesto corporal na performance coral: estudo de dois grupos corais.

Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em MúsicaVertente Performance em Canto, realizada sob a orientação científica da Prof. Dra. Maria do Rosário Correia Pereira Pestana, Professora Auxiliar Convidada do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro

Dedico este trabalho à minha família, ao meu noivo Éric e aos meus alunos do Coral Os Canarinhos de Itabirito.

o júri Presidente

Professora Doutora Maria do Rosário Correia Pereira Pestana Professora auxiliar convidada do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro

Profrofessor Doutor Evgueni Zoudilkine Professor auxiliar do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro

Professora Doutora Maria de São José Côrte-Real Professora auxiliar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

agradecimentos

Agradeço a Deus pela força de todos os dias, por me dar coragem para enfrentar os novos desafios e por estar sempre ao meu lado. A minha família pelo amor e apoio incondicional. Ao meu pai Ivacy por ter me proporcionado todas as “indas e vindas” a Portugal e me deixar realizar este sonho. A minha mãeTeka por estar sempre ao meu lado mesmo de longe, por todo o carinho e apoio de sempre. As minhas irmãs Laysa e Chrystiane por me manterem sempre perto da família e por serem tão queridas para mim. Ao meu noivo Éric por suportar a distância, por ter se dedicado tanto a mim e aos meus sonhos. Pela confiança de todos os dias,por me apoiar, me mandar forças, secar as minhas lágrimas de aflição e saudades e por querer tanto quanto eu mais essa vitória. A Sirlei, Hélio, Shirliane e Nilson por me acolherem nesta família maravilhosa e rezarem sempre por mim. Aos amigos que fiz em Portugal e que deram um gostinho maior a minha vida e são mais do que especiais para mim: Flávia, Marilda, Moacyr, Luís, Dany, Ângelo, Agneska, Ludovick e Hugo e os companheiros do DECA. Agradeço também a minha família portuguesa tios e tias, primos e primas que tive a honra de conhecer. Pessoas maravilhosas que jamais vou esquecer. Agradeço ainda a minha orientadora Rosário, que me acolheu de braços abertos e esteve sempre disposta a me orientar, agradeço por todo o conhecimento e por ter esse coração bom que faz toda a diferença! Agradeço também minha professora Isabel Alcobia, por acreditar que eu seria capaz e me ensinar tudo o que sei. Ao Coro Infantil da Universidade de Lisboa e em especial a maestrina Erica Mandillo por abrirem as portas para minha pesquisa e abrir também os meus olhos e ouvidos para uma arte musical e visual tão bela. Ao Coral Os Canarinhos de Itabirito pela confiança em meu trabalho. Aos jovens por aceitarem este desafio e tomarem tanto gosto a ele. A Miso Music Portugal por ter cedido a autorização do vídeo do qual foi retirado muitas das imagens ilustrativas desta pesquisa o que a tornou mais rica. Enfim, o meu muitíssimo obrigada a todos que colaboraram e tornaram o meu maior sonho possível. Amo vocês!

palavras-chave

resumo

Canto coral, gesto, performance musical, corpo.

Este estudo propõe uma reflexão em torno das potencialidades do gesto na performance coral. Parte da discussão do termo “gesto”, a partir de contributos teóricos de diferentes disciplinas, para a definição de uma tipologia que permita sistematizar os gestos explorados por dois grupos corais. Contextualiza historicamente esse fenómeno no quadro da prática do canto em coro na “música ocidental”. Através do trabalho de campo e da pesquisa ação, desenvolve um estudo em torno dos grupos corais: o Coro Infantil da Universidade de Lisboa localizado em Lisboa - Portugal, que associa gestos corpoais dinâmicos e diversas disposições em palco na performance vocal, configurando uma “nova abordagem” performativa ao canto coral; e o Coral Os Canarinhos de Itabirito localizado na cidade de Itabirito, Minas Gerais - Brasil que adota o modelo “tradicional” de coro priorizando o gesto estático na performance vocal. O trabalho de campo desenvolvido junto do primeiro coro visou compreender como o gesto e a disposição em palco contribuíram para o todo da performance deste grupo. Considerando o corpo como parte fundamental da performance musical, foi desenvolvida uma pesquisa ação junto do último coro, no sentido de explorar o impacte da inclusão do gesto na percepção musical, na técnica vocal, na expressividade e na motivação dos elementos do coro. A pesquisa ação transformou o modelo performativo que o coro adotava, na re-interpretação músico-corporal da peça Liberdade do compositor Ronaldo Miranda a partir do poema homónimo de Fernando Pessoa. O que é gesto? Quais as os sentidos e alcances do gesto gesto na prática coral? De que modo podemos correlacionar a géstica com a performance vocal? Como a géstica pode auxiliar na performance vocal? Porquê utilizar gestos na performance vocal? São questões que enformam esta dissertação em música, na vertente da performance em canto.

keywords

Gesture, Sing, Choir, Performance.

abstract

This present study proposes a reflection on the potential of the gesture in choral performance. Part of the discussion of the term "gesture", from the theoretical contributions of different disciplines, to the definition of a typology that allows systematize gestures exploited by two groups corals. Historically contextualizes this phenomenon within the framework the practice of singing in a choir in "occidental music”Through the work of field and the action research, develops a study around groups of corals: the Child Choir of the University of Lisbon located in Lisbon - Portugal, which associates gestures corporals dynamic and various provisions on stage in vocal performance, configuring a "new approach" performative to choral singing; and the Coral Os Canarinhos de Itabirito located in the city of Itabirito, Minas Gerais, Brazil that adopts the model "traditional” chorus prioritizing the static gesture in vocal performance. The field work developed from the first chorus aimed to understand how the gesture and the provision on stage have contributed to the whole of the performance of this group. Considering the body as a fundamental part of musical performance, was developed an action research to the last chorus, in the sense of exploring the impact of the inclusion of gesture in music perception, in vocal technique, in expressiveness and motivation of the elements of the choir. The action research has transformed the performative model which the choir was, in re-interpreting musician-body of musical piece Liberty of the composer Ronaldo Miranda from the poem namesake of Fernando Pessoa. What is gesture? What the senses and ranges of gesture in practice coral? That way we can correlate the gestica with the vocal performance? As the gestica can assist in vocal performance? Why use gestures in vocal performance? These are issues which underpin this thesis in music, in the area of performance in the sing.

Sumário Introdução ..................................................................................................................................... 1 Problemática e metodologia ...................................................................................................... 5 Capítulo I – Revisão da literatura relativa ao gesto: em torno de um conceito ......................... 13 1.1 Teorização e definição de gesto: a conceituação de gesto. ............................................... 13 1.2 O gesto enquanto expressão de um corpo consciente ....................................................... 18 1.3 O gesto como comunicação e linguagem: possibilidades acerca da relação comunicativa através do gesto. ...................................................................................................................... 22 1.4 O corpo no processo de ensino e na aprendizagem musical: o gesto como elemento facilitador nas práticas pedagógicas musicais ......................................................................... 25 1.4.1 O corpo no processo de ensino e aprendizado do canto: o gesto como apoio para o trabalho de técnica vocal ......................................................................................................... 28 1.5 O gesto como coreografia: aplicações do gesto coreográfico na performance musical .... 30 1.6 O corpo na performance musical: o gesto como elemento facilitador de aspectos técnicos vocais e musicais. .................................................................................................................... 33 1.6.1 O gesto na regência coral e instrumental: a relação corpo- música. .............................. 34 1.6.2 O gesto com função comunicativa: possíveis relações de comunicação no ato performativo ............................................................................................................................ 36 1.6.3 O corpo na performance vocal: o gesto potencializando a performance vocal .............. 40 Em síntese ............................................................................................................................... 42 Capítulo II – Grupos corais amadores: contextualização histórica do objeto de estudo ............ 44 2.1. O coro amador no contexto da música ocidental: breve síntese histórica ....................... 44 2.2. A distribuição das vozes na classificação dos coros ........................................................ 50 2.3 A construção do canto coral secular: Grupos corais ocidentais emergidos no século XVIII ................................................................................................................................................. 51 2.4 Do modelo “tradicional” às “novas abordagens” do canto em coro ................................. 59 Em síntese ............................................................................................................................... 61 Capítulo III – O Coro Infantil da Universidade de Lisboa: o modelo de canto coral plural. ..... 63 3.1 O Coro Infantil da Universidade de Lisboa: Compreendendo a história e a forma de trabalho músico corporal. ........................................................................................................ 64 3.2 Processo de constituição do gestos durante os ensaios ..................................................... 69 3.3 A peça modelo demonstrativa de gestos corporais: a suite Trava lengas e lenga línguas 72 3.3.1 Contextualização da suíte Trava lengas e lenga línguas............................................... 73 3.3.1.1 Coro Infantil da Universidade de Lisboa: Análise e descrição dos gestos utilizados na performance do primeiro andamento da suite Trava lengas e lenga língas I ......................... 77

3.3.1.2 Coro Infantil da Universidade de Lisboa: Análise e descrição dos gestos na performance do quinto andamento da suíte Trava lengas e lenga língas ............................... 84 Em síntese ............................................................................................................................... 88 Capítulo IV – Coral Os Canarinhos de Itabirito: o coro “tradicional” e o trabalho de pesquisa ação. ............................................................................................................................................ 90 4.1 Coral Os Canarinhos de Itabirito: breve histórico do coro. ............................................ 90 4.2. O trabalho de pesquisa ação no Coral Os Canarinhos de Itabirito: modificando o modelo performativo do coro. .............................................................................................................. 95 4.3 Contextualização e analise musical da peça Liberdade .................................................... 97 4.3.1. A performance do Coral Os Canarinhos de Itabirito sobre a peça Liberdade .......... 101 4.3.2.Um outro olhar sobre a performance do Coral Canarinhos de Itabirito: Auto-etnografia da performance sobre a peça Liberdade de Ronaldo Miranda e Fernando Pessoa ............... 102 4.3.2.1 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance - Seção A........................................................................... 105 4.3.2.2 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance - Seção B ........................................................................... 108 4.3.2.3 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance - Seção C ........................................................................... 109 4.3.2.4 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance - Seção B´ e B” ................................................................. 110 4.3.2.5 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance – Seção D .......................................................................... 111 4.3.2.6 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance – Seção E .......................................................................... 114 4.3.2.7 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance – Seção A .......................................................................... 115 4.4 Considerações sobre a construção e escolha dos gestos utilizados na performance da peça Liberdade .............................................................................................................................. 117 Em síntese ............................................................................................................................. 122 Capítulo V – Considerações Finais ........................................................................................... 123 Referências Bibliográficas: ....................................................................................................... 130 Anexos....................................................................................................................................... 142 Anexo 1- Termo de consentimento Coro Infantil da Universidade de Lisboa ..................... 142 Anexo 1- Termo de consentimento Coral Os Canarinhos de Itabirito ................................. 143 Anexo 3 - Relação gênero, data de nascimento e naipe do Coro Infantil da Universidade de Lisboa .................................................................................................................................... 145 Anexo 4- Listagem concertos ano 2011- Coro Infantil da Universidade de Lisboa............. 146 Anexo 5- Repertório e Programa do Sexto concerto de aniversário do Coro Infantil da Universidade de Lisboa......................................................................................................... 147

Anexo 6- Programa de Concerto 5. aniversário do Coro Infantil da Universidade de Lisboa (capa e contra capa) ............................................................................................................... 148 Anexo 7- Capa DVD 6. concerto de aniversário do Coro Infantil da Universidade de Lisboa ............................................................................................................................................... 149 Anexo 8- Relação elemento, idade e instrumento segundo entrevista do Coro Infantil da Universidade de Lisboa......................................................................................................... 150 Anexo 9 - Texto Trava lengas e lenga línguas ...................................................................... 151 Anexo 10- Repertório do Coral Os Canarinhos de Itabirito no ano de 2011....................... 152 Anexo 11- Relação nome, data de nascimento e naipe Coral Os Canarinhos de Itabirito. Ano letivo 2010/2011.................................................................................................................... 153 Anexo 12- Programa do concerto Sonhos (capa e contra- capa) Coral Os Canarinhos de Itabirito ................................................................................................................................. 155 Anexo 13 – Uniforme de gala feminino Coral Os Canarinhos de Itabirito ......................... 156 Anexo 14 – Uniforme de gala masculino Coral Os Canarinhos de Itabirito ....................... 156 Anexo 15 – Uniforme litúrgico soprano e contrato Coral Os Canarinhos de Itabirito ........ 156 Anexo 16 – Uniforme litúrgico tenores e baixos Coral Os Canarinhos de Itabirito ............ 156 Anexo 17– Uniforme informal Coral Os Canarinhos de Itabirito ....................................... 157 Anexo 18 – Uniforme de frio do Coral Os Canarinhos de Itabirito..................................... 157 Anexo 19 - Quadro de docentes do Coral Os Canarinhos de Itabirito................................. 157 Anexo 20- Guião Oficina de Canto e Expressão Corporal ................................................... 158 Anexo 21- Relação ensaio e conteúdos programáticos Pesquisa Ação................................. 159 Anexo 22 - Síntese gestual da peça Liberdade ...................................................................... 161 Anexo 23- Poema Liberade, Fernando Pessoa ...................................................................... 163 Anexo 24- Excerto da partitura Liberdade, Ronaldo Miranda .............................................. 164 Anexo 25- Excerto do periódico O Liberal ........................................................................... 165 Anexo 26- Comentário sobre o espetáculo Sonhos. Web Site da Prefeitura Municipal de Itabirito .................................................................................................................................. 166

Índice de Figuras Figura 1 - Uniforme Coro Infantil da Universidade de Lisboa. Bata vermelha com calça preta e sapato preto. ........................................................................................................ 68 Figura 2- Uniforme alternativo do Coro Infantil da Universidade de Lisboa. Calça branca, camisa de malha colorida, sem calçado. ............................................................ 68 Figura 3- Disposição inicial da suíte ............................................................................. 78 Figura 4- Caminhada dividindo o grande grupo em dois e o grupo de trás caminhando para frente. ...................................................................................................................... 78 Figura 5- Cortejo de reis e rainhas.................................................................................. 78 Figura 6- Gesto para "pescar sardinha" .......................................................................... 79 Figura 7- Gesto de puxar o anzol. .................................................................................. 79 Figura 8- Gesto para significar "estar preso pelo nariz" ................................................. 80 Figura 9- Palma quando cantam a palavra “salta” e posteriormente “pulo”. ................. 80 Figura 10- Gesto dinâmico das mãos e braços simulando o que a pulga realiza. .......... 81 Figura 11- Gesto para o interlúdio instrumental............................................................. 81 Figura 12- Apontar o dedo e fazer o gesto dinâmico com o braço indicando "os cavalos a correr" .......................................................................................................................... 82 Figura 13- Fazendo um desenho de onda com o pulso e com as mãos. ......................... 82 Figura 14- Gesto para a frase “qual será a mais bonita”. ............................................... 82 Figura 15- Gesto para esconder o rosto .......................................................................... 83 Figura 16- Gestos iniciais deste andamento musical. Observa-se crianças fazendo movimento simulativo da velha, do juiz e da mosca. ..................................................... 84 Figura 17- Gesto Final .................................................................................................... 88 Figura 18- Distribuição inicial da peça Liberdade- Ronaldo Miranda. Mãos em gancho e disposição em “U”. ....................................................................................................... 105 Figura 19- Joelhos flexionados plano baixo, mãos em gancho e olhares direcionando a mensagem para público e pessoas ao lado.................................................................... 106 Figura 20- De pé ou na ponta dos pés, mãos em gancho e olhares direcionando a mensagem para público e pessoas ao lado.................................................................... 106 Figura 21- De frente para o público com mãos e braços esticados. ............................. 107 Figura 22- Joelhos flexionados plano baixo, mãos em gancho. ................................... 107 Figura 23- Plano alto, de pé ou na ponta dos pés, mãos em gancho. ........................... 107 Figura 24- Posição relaxada das mãos e braços. .......................................................... 108 Figura 25- Gesto estático. ............................................................................................. 108 Figura 26- Joelhos flexionados ..................................................................................... 109 Figura 27- Tombamento para o lado esquerdo. ............................................................ 109 Figura 28- Tombamento para o lado direito. ................................................................ 110 Figura 29- Pernas fechadas com mãos fechadas. ......................................................... 110 Figura 30- Gesto do braço direito para cima e para baixo............................................ 111 Figura 31- Gesto do braço revezando entre direito e esquerdo para cima e para baixo simulando tocar um tambor. ......................................................................................... 111 Figura 32- Jovens dão as mãos e sobem na ponta dos pés. .......................................... 112 Figura 33- Movimento do braço de oferecer e mostrar. ............................................... 112 Figura 34- Gesto corporal que significa “são as crianças” onde os jovens esticam o braço, representando o tamanho de uma criança. ......................................................... 113 Figura 35- Gesto de mãos e braços que significa “são flores” o gestual é de colher com as mãos uma flor e cheirá-la. ........................................................................................ 113

Índice de tabelas Tabela 1- Categorização de gesto ................................................................................... 16 Tabela 2- Categorização e tipologia do gesto associado a performance ........................ 17 Tabela 3- Relação texto literário e classificação da forma musical peça Liberdade ...... 98

Introdução Esta pesquisa insere-se no âmbito dos estudos em música e centra-se na relação entre canto coral e gestos corporais que podem ser explorados em palco, nos grupos corais infantil e infanto- juvenil1, fora do contexto do ensino regular. Temporalmente, situa-se entre 2011 e 2012. A pesquisa começou a ser elaborada no curso de mestrado em música da Universidade de Aveiro, na disciplina de Metodologia da Investigação2 no Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro. Ainda na Universidade de Aveiro as disciplinas de Estudos em Performance II3, ministrada pelo professor António Chagas Rosa e a disciplina Música e Medicina I4, ministrada pela professora Felipa Lã foram essenciais para a construção do tema e do desenvolvimento deste estudo. O canto em coro é uma prática disseminada em diversas localidades do mundo. Integra profissionais e amadores de diferentes níveis etários, género e perfil social. A prática coral está presente em contextos espontâneos e formais. Este estudo refere-se a uma parte desse fenómeno: a prática coral amadora, em vigor na Europa desde o século XVIII e a partir daí expandido para outras localidades do mundo. Contudo, dada a extensão desse primeiro recorte, o foco foi remetido para a prática coral infantil e infanto-juvenil, em Portugal e no Brasil, nos anos 2011 e 2012. Todavia, considerando que a prática musical está inevitavelmente inscrita num consenso social historicamente construído (Rice 1993), foi trazido à análise o contexto em que emergiram os grupos corais que configuraram os modelos corais em estudo5.

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Segundo a pesquisadora brasileira Patrícia Costa o “coro juvenil” é um grupo formado por cantores adolescentes e jovens, entre 12 e 20 anos, aproximadamente. Coro infantil portanto é aquele que é formado por cantores com idade abaixo de 12 anos (2009, 64). 2 No âmbito do projeto de pesquisa realizado para a disciplina Metodologia da Investigação realizei as primeiras leituras em torno da temática do gesto corporal. 3 Nesta disciplina foi trabalhada a relação entre personagem e performer. Através da criação e inserção de gestos corporais nas peças estudadas com a função de mimetizar o texto ou o sentido textual. No decorrer da disciplina observei que era possível aplicar os gestos de forma a realçar outros aspectos para além dos interpretativos como a técnica vocal. Surgiram então, as primeiras indagações sobre a utilização do gesto em diversas áreas do conhecimento como a comunicação, a dança e como elas poderiam se adequar à performance vocal. 4 Na disciplina de música e medicina foi possível compreender a relevância do corpo para o performer, no que se refere a saúde do músico, quanto à conscientização do corpo para a performance musical. 5 Considerando que não existe uma categoria diferenciadora deste modelo de prática coral, passarei a designar a realidade em análise por “canto em coro”, “canto coral” ou “grupos corais”.

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A partir da observação do trabalho musical e corporal de diversos coros, que exploram gestos corporais dinâmicos6 e não somente o gestual estático durante a performance vocal, que optei por focar esta pesquisa em grupos corais amadores. Esta forma de trabalho músico- corporal que venho a referir, configura-se como um modelo performativo de coro que, apoiada em Zanatta (2008), designarei “nova abordagem performativa” do canto coral, por oposição a um modelo que, conforme sustentarei adiante, considero ser “tradicional”. Tal como irei documentar ao longo deste estudo, a “nova abordagem performativa” prioriza o corpo no ato performativo, e que se torna cada vez mais difundida entre coros amadores principalmente coros infantil e infantojuvenil. É possível observar que um grande número de coros, adotam essa “nova abordagem” performativa dentre os quais destaco: o Coro Infantil da Universidade de Lisboa (Portugal)7 ,Coral Infantil Escola Municipal de Música de São Paulo (Brasil)8 , Coral São Vicente a Capela (Rio de Janeiro- Brasil)9 , Leioa Kantika Korala (Espanha)10 , SottoVoce (França)11, Coral Colegio Humboldt (Venezuela)12 , Tapiola Choir (Tailândia)13 , Cantabile Youth Singers (Rússia)14 , Libera (Inglaterra)15, dentre outros.

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No capítulo I deste estudo, serão exploradas as várias valências do termo “gesto corporal” em duas classificações: estático e dinâmico (Ferreira 2004). 7 O Coro Infantil da cidade de Lisboa tem seis anos de fundação e, em todos os seis anos utiliza gestos corporais dinâmicos e distintas disposições em palco nas performances vocais. Referência áudio-visual extraída da plataforma web YouTubehttp://www.youtube.com/watch?v=IHgO8TcQNfQ&feature=related dia 05/10/2011 às 10h. 8 Coro da Escola Municipal de Música de São Paulo (EMMSP), O coro é infantil e utiliza gestos corporais dinâmicos, na performance vocal com os membros do coral. Referência áudio-visual extraida da plataforma web YouTube dia 05/10/2011 às 10h15: http://www.youtube.com/watch?v=XgY4-PYu_ek 9 Formado por alunos e ex alunos do colégio São Vicente de Paulo, fundado em 1999 no Rio de Janneiro é um coro juvenil. O coro utiliza de gesto dinâmico e elementos cênicos durante a performance vocal. Referência áudio-visual extraida da plataforma web You Tube dia 05/10/2011 às 10h40 http://www.youtube.com/watch?v=VKkuSPDqHq8 10 Coro fundado em 2001 no Conservatório Municipal de Leioa, País Basco. Leioa Kantika Korala recebeu várias premiações e também utiliza gestos dinâmicos, associados à performance vocal. Referência áudio-visual extraida da plataforma web You Tube dia 05/10/2011 às 11h: http://www.youtube.com/watch?v=DrSiklgsx-A&feature=related 11 É um coro infanto juvenil francês, utilizado como coro modelo para coros escolares de toda a França. O coro utiliza gestual corporal dinâmico e distintas disposições em palco durante a performance vocal. Referência áudio-visual extraida da plataforma web YouTube dia 05/10/2011 ás 12h15: http://www.youtube.com/watch?v=g9IexFLuwx4&feature=related 12 Coro infantil fundado em 1998, oferecido de forma extra classe aos alunos do Colégio Humboldt, também utilizam de gestos corporais dinâmicos durante a performance vocal. Referência áudio-visual extraida da plataforma web You Tube: http://www.youtube.com/watch?v=Ze_Tt9IUgfg acedido em: 05/10/2011 às 12h35. 13 Fundado em 1963 na Finlândia. O coro utiliza de gestos dinâmico,e diferentes disposição ao palco. O coro recebeu vários premios inclusive o “Prêmio UNESCO” para premiação das artes cênicas. Referência áudio-visual extraida da plataforma web You Tube: http://www.youtube.com/watch?v=w5MGoEvedjA&feature=related acedodo em 05/10/2011 ás 13h20

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Entre os inúmeros grupos corais amadores e escolares em atividade em Portugal e no Brasil, centrei esta pesquisa nos corais infantil e infanto-juvenil. Esta circunscrição justifica-se com o meu percurso pessoal. Após o término da licenciatura em Música, no ano de 2009, dirigi o coro preparatório16 da ACCCI o Canarinhos Postulantes, que na época se chamava Intermediário Canarinhos. Nesta mesma instituição atuei como cantora no Madrigal Canarinhos. De facto, a escolha do tema eclodiu também da minha experiência e interesse de trabalho artístico com dança e música17. Para a realização deste estudo, selecionei dois coros, um em Portugal e outro no Brasil: o coro Coro Infantil da Universidade de Lisboa (CIUL)18 foi integrado nesta pesquisa devido à forma como explora os gestos dinâmicos e estáticos, e altera a distribuição em palco dos elementos do coro, durante a performance;

o coro Os

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Canarinhos de Itabirito , com o qual trabalho desde 2006 e que, até à realização desta pesquisa, foi escolhido porque, contrariamente ao primeiro, adotava o modelo “tradicional” de canto coral.

Tomei conhecimento do CIUL durante a pesquisa

preliminar que efetuei na Internet, através da ferramenta de busca google quando pesquisava corais portugueses infantis20. A primeria performance do CIUL que pude visionar foi o Trava lengas e lenga línguas do compositor Vasco Negreiros, performance essa que será alvo de análise mais adiante. O Coro Infantil da 14

Coro juvenil com oito anos de existência. O coro recebeu váios prêmios e utiliza de gestos corporais dinâmicos durante à performance vocal.Referência áudio-visual extraida da plataforma web You Tube: http://www.youtube.com/watch?v=XKN4h0f9zHE&feature=player_embedded acedido dia 05/10/2011 ás 13h 30 15 Coro infanto juvenil, com sede em Londres, formado unicamente por meninos. Utilizam de distintas distribuições dos coristas em palco durante a performance vocal. Referência áudio-visual extraida da plataforma web You Tube http://www.youtube.com/watch?v=Di6JGLpukkI&feature=related acedido em: 05/10/2011 ás 13h 40 16 A ACCCI possui três coros: o coro principal - Coral Os Canarinhos de Itabirito, e dois outros coros Coral Pequeninos Canarinhos que agrega crianças de cinco a oito anos e o Coral Canarinhos Postulantes que agraga crianças dos nove aos doze anos. Estes dois coros funcionam como coros de base/ preparação, como exemplo, no caso dos cantores do Coro Canarinhos Postulantes, quando apresentam um nível vocal e musical mais elevado do que o nível técnico do coro em que está o cantor passa a integrar o coro principal Coral Canarinhos de Itabirito. 17 Estudei ballet clássico e jazz desde criança e lecionei iniciação musical e flauta de bisel na Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito, instituição com 38 anos de tradição musical vocal e instrumental situada na cidade de Itabirito, Minas Gerais, Brasil. 18 O Coro Infantil da Universidade de Lisboa não ministra aulas, sendo que a toda a aprendizagem do repertório é feita ao longo dos ensiaos. Posteriormente, no capítulo III será apresentado um breve histórico do coro. 19 O Coral Os Canarinhos de Itabirito, sediado na cidade de Itabrito, Minas Gerais, região Sudeste do Brasil, está integrado numa escola de ensino de música que não confere diploma nem profissionaliza os seus integrantes. Posteriormente, no capítulo II será apresentado um breve histórico do coro. 20 A pesquisa resultou em três tipos de documentação: videográfica (encontrei três vídeos corais, um do CIUL, e dois vídeos do Coro infantil e juvenil de São Cristóvão de Ovar); pequenas notícias com sínteses históricas (como o Coro Infantil do Santuário de Fátima, Portugal, o Coro Infantil do Colégio Portugal dentre outros); e redes sociais (a página do facebook e o perfil do my space do CIUL).

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Universidade de Lisboa, a meu ver, revelava um excelente nível técnico vocal e musical, especialmente por se tratar de um coro infantil. O outro coro em estudo – Os Canarinhos de Itabirito21 - tem uma vasta experiência artística e musical (trinta e oito anos de atuação coral). Trata-se de um coro situado na minha cidade natal - Itabirito. Nessa seleção, tive presente o fato de a proximidade que tinha anteriormente com o coro poder ser um elemento facilitador no desenvolvimento da pesquisa que pretendia efetuar, a qual será descrita adiante. Apesar de desenvolverem modelos performativos distintos, os dois coros apresentavam algumas características semelhantes, tais como: ambos integram um projeto coral vasto, que consiste na articulação funcional entre três grupos sendo um principal e outros dois preparatórios de formação musical; os elementos dos dois coros possuem idades compreendidas entre nove a dezoito anos; os dois coros possuem um número de coralistas semelhante- cerca de 45 crianças dirigidas por maestros jovens; ambos conquistaram reconhecimento no meio coral nacional (Portugal e Brasil) e possuem repertórios variados desde música renascentista a música contemporânea passando por canções populares, sacras e internacionais; os coros integram o ensino musical e vocal, com aulas e ensaios dedicadas a este feito, direcionando, também, seu trabalho para apresentações em público como em salas de concerto. Conforme será desenvolvido nos dois primeiros capítulos, a literatura relativa ao canto coral é vasta e privilegia (1) a vertente diacrónica com particular ênfase nos tópicos da história do canto em coro e na discussão crítica de apropriações ideológicas da prática coral; (2) o interesse didático-pedagógico do canto coral. Relativamente à vertente sincrónica os estudos são mais escassos e, no que se refere ao estudo dos modelos performativos e do papel do corpo na performance, são ainda mais raros. Como pude constatar na pesquisa bibliográfica efetuada, são poucos os estudos que buscam refletir sobre os contributos do corpo na prática coral (através da exploração de gestos e de disposições em palco). Este estudo procura dar um contributo nesse sentido, através da observação de modelos que apostam na “nova abordagem” performativa e da realização de uma pesquisa ação. Pretendo refletir sobre os condicionalismos históricos e sociais que enformam os modelos vigentes de prática coral, discutir novas abordagens

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Foi selecionado o Coral Os Canarinhos de Itabirito, sediado na cidade de Itabrito, Minas Gerais, região Sudeste do Brasil, pois se enquadra no recorte desta pesquisa. Posteriormente, no capítulo IV serão descritas as características relevantes para a escolha deste grupo.

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ao canto coral e compreender como o corpo pode configurar-se como elemento performativo.

Problemática e metodologia A pesquisa preliminar revela que apesar de a maior parte dos coros assumir em palco uma postura corporal estática, existem coros, como o CIUL, que vêm a reformular essa atititude corporal, incluindo gestos e distintas disposições em palco. Qual o impacte da exploração da dimensão corporal e géstica em palco na performance coral? O que é gesto? Quais as os sentidos e alcances do gesto gesto nesse contexto? De que modo podemos correlacionar a géstica com a performance e em especial, a performance vocal? Como a géstica pode auxiliar na performance vocal? Que tipo de gestos integram a performance do CIUL? Porquê utilizar gestos na performance vocal? Quais as suas aplicabilidades e funções? A predominância de um modelo performativo que, visualmente, se traduz pelo estaticismo gestual, numa disposição paralela dos elementos do coro (que frequentemente seguram um pasta com ambas as mãos) conduziu à formulação de outro conjunto de questões: Que tipos de grupos corais podemos identificar? Em que medida correspondem a uma tradição inscrita na história da música ocidental22? Quais os principais modelos performantivos de canto coral? Que funcionalidades alcançaram? Estas questões, dentre outras secundárias envolvem tanto aspectos técnicos vocais, quanto componentes históricos, expressivos e interpretativos ligados ao canto e a prática da performance coral que serão abordadas e discutidas neste estudo a partir de um conjunto de metodologias adiante explicitadas. Como referi na Introdução, esta pesquisa decorreu de um estudo em torno dos grupos Coro Infantil da Universidade de Lisboa (Lisboa- Portugal) e Coral Os Canarinhos de Itabirito (Minas Gerais- Brasil), entre os meses de julho de 2011 e fevereiro de 2012. A seleção da unidade de pesquisa em grupos corais ao invés da performance individual decorreu das potencialidades do primeiro em relação ao segundo: a performance coral oferece a possibilidade de compreender tanto as 22

Apesar de estar consciente das limitações da categoria “música ocidental”, que decorrem, entre outros, de uma visão eurocêntrica do mundo, recorro a esta designação sustentada nos contributos de Bruno Nettl (2005) e Richard Taruskin (2005). O problema da categorizaçãoo musical, explorado por diferentes autores como a etnomusicóloga São José Côrte-Real (1991), escapa ao âmbito deste estudo.

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participações individuais como as coletivas, ou seja, é possível ter uma visão mais global de várias pessoas fazendo um mesmo gesto, ou ainda, gestos semelhantes em simultâneo. A presente pesquisa insere-se no quadro dos estudos qualitativos (Coutinho 2011). Segundo Coutinho nos estudos qualitativos o pesquisador realiza descrições objetivas dos fenômenos estudados e que foram explorados no procedimento da pesquisa, procurando penetrar o mundo conceitual dos sujeitos para compreender o significado que constroem dos acontecimentos das suas vidas sem a presença de ideias pré-concebidas (Ibid., 289). Optei, por adotar o método qualitativo pelo fato do mesmo adotar uma posição relativista, segundo uma epistemologia subjetivista que valoriza o papel do investigador no próprio processo da pesquisa. No quadro deste modelo qualitativo, serão acionadas diferentes metodologias, desde a pesquisa bibliográfica ao trabalho de campo, passando pelo estudo de caso, pela pesquisa ação e pela auto-etnografia como será descrito adiante. 1) Levantamento e revisão bibliográfica: decorreu nos meses de junho de 2011 a fevereiro de 2012 a fim de embasar a pesquisa e selecionar as principais fontes primárias e secundárias. Para o levantamento bibliográfico foram realizadas consultas a biblioteca da Universidade de Aveiro, na biblioteca da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Federal de Ouro Preto (Minas Gerais), em portais e web sites de pesquisa acadêmicos23. Para recolha das fontes secundárias da pesquisa – partituras recorri ao compositor da peça “Trava lengas e lenga línguas” Vasco Negreiros que gentilmente cedeu uma partitura para o único fim de pesquisa. Foi consultado também o acervo de partituras da Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito onde me foi disponibilizada a partitura da peça “Liberdade” do compositor Ronaldo Miranda. 2) Pesquisa de campo: Concomitante ao levantamento e à revisão bibliográfica foi realizada entre os meses de agosto de 2011 a fevereiro de 2012, a pesquisa de campo nos coros acima referidos nas cidades de Lisboa, Portugal e Itabirito, Minas Gerais, Brasil. A seleção deste método de estudo sustenta-se no fato de o trabalho de campo, como sustenta Helen Myers, nos revela o que só pode ser compreendido a partir do contato direto com as pessoas, tal como o conhecimento inscrito na cultura em estudo e o modo como a prática musical ganha sentido. (Myers 1992,21-22). Segundo Jeff Todd Titon o trabalho de campo não é visto apenas como o trabalho de observar e

23

Como o google scholar e plataformas de pesquisas de universidades brasileiras e portuguesas.

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coletar, embora tenha estas ações envolvidas no processo, mas ressalta que quando se vivencia o ambiente é possível compreender de uma maneira mais eficaz a realidade em estudo (Titon 1997,87). Nesta etapa foram selecionados dois grupos corais infantil e infanto-juvenil anteriormente apresentados Coro Infantil da Universidade de Lisboa e o Coral Os Canarinhos de Itabirito, onde foi realizado o trablho de campo. Este consistiu na observação de ensaios do CIUL (e junto do Coral Os Canarinhos de Itabirito desenvolvi também observação participante) registrando os dados não só nos cadernos de campo como também em suportes digitais visuais, audiovisuais e sonoros (para a gravação em formato de vídeo e fotos em formato digital, gravação em formato áudio). Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas a componentes de ambos os coros e seus maestros. As entrevistas foram gravadas em formato de áudio e transcritas, foi realizada também uma entrevista ao compositor da peça portuguesa estudada Trava lengas e lenga línguas de Vasco Negreiros, a fim de coletar a visão do compositor sobre a inserção de gestos na peça. Considerando que o

trabalho de campo

proporciona uma profunda

transformação na relação entre o pesquisador e à realidade com que vai trabalhar, proporcionando a interação com os participantes ativos no estudo adotando uma visão mais ética sobre o meio (Barz e Cooley 2008, Titon 2008; Coutinho 2011, 290). 3) Estudo de caso: O estudo de caso realizado para esta pesquisa esta direamente ligado ao trabalho de pesquisa de campo e tem na observação a principal técnica de recolha de dados (Ibid., 296). Este método visa envolver o estudo detalhado de uma entidade ou grupo (Ibid., 293). No caso desta pesquisa, o “caso” é um grupo coral citados anteriormente o Coro Infantil da Universidade de Lisboa. O estudo de caso desta pesquisa é do tipo instrumental, onde o “caso” serve como instrumento para compreender outros fenômenos (Ibid..). O principal objetivo do estudo de caso nesta pesquisa consistiu em descrever o ambiente e a forma de trabalho coletiva do coro selecionado para compreender a utilização de gestos e movimentos corporais e seus possíveis contributos na performance vocal (Ibid.). Segundo Yin o estudo de caso vem a ser a estratégia de investigação mais adequada quando queremos saber o “como” e o “porquê” dos acontecimentos, dos quais o pesquisador tem pouco ou nenhum controle (Yin 1994, 9 apud Coutinho 2011, 294). No que se refere a esta pesquisa foi necessário fazer o estudo de caso para compreender o como e o porquê da utilização de gestos corporais na perfomance vocal no CIUL.

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4)Trabalho de pesquisa ação: Para alcançar os objetivos propostos, desenvolvi um trabalho de investigação ação, junto do Coral Os Canarinhos de Itabirito, com a peça Liberdade. Dentre os autores que utilizam e definem a pesquisa ação, destaco Elliot, Kemmis, Lomax e Bartolomé (Coutinho 2011, 312). Dos autores anteriromente citados Laomax define a investigação ação como “uma intervenção na prática profissional com a intenção de proporcionar uma melhoria” (1990 apud Ibid.). O processo metodológico compreendido por pesquisa ação aplicado a este estudo, consistiu em mediar e transformar a realidade do que vem a ser feito no trabalho corporal durante a performance vocal do Coral Os Canarinhos de Itabirito (Santos 1987 apud Aguiar 2003). O que se coloca em questão na investigação ação é a construção de uma "atitude de pesquisa" que irá radicalizar a idéia de interferência na relação sujeito/objeto pesquisado (Santos, 1987, Stengers, 1990 apud Rocha e Aguiar 2003). Segundo Coutinho, a investigação ação inclui a ação, através da mudança provocada pela intervenção e ao mesmo tempo, a compreensão através da reflexão do trabalho construído para a pesquisa (2011, 313). Esta linha metodológica de pesquisa compreendida por pesquisa ação, utilizou das seguintes ferramentas: o trabalho de campo em uma investigação participativa, com articulação e integração entre os pesquisados e eu e a auto-etnografia. Na pesquisa ação, a minha pespectiva enquanto pesquisadora e facilitadora dos processos e procedimentos são relevantes para que o trabalho de pesquisa ação seja articulado. Para a pesquisa ação implantada neste estudo, além do trabalho de campo observativo as ações interventivas foram constituídas de oficinas, ensaios e a construção e execução de um espetáculo cênico musical, procedimentos esses que serão descritos a seguir neste capítulo (Paulon 2005). Este método de pesquisa se adequa a esta pesquisa, pois, a fim de compreender como os gestos corporais podem ser incluídos na performance vocal e quais são os processos de composição dos gestos e os contributos que os gestos corporais trazem para a performance como um todo, foi necessário tomar um coro como modelo (Coro Infantil da Universidade de Lisboa), através de uma peça selecionada (Trava lengas e lenga línguas). Após a analise dos dados colhidos na pesquisa de campo, e da analise da performance atrás referida foi possível realizar uma ação transformadora, no sentido de modificar a natureza da performance vocal estática do Coral Os Canarinhos de Itabirito. Para esta nova interpretação, através da inserção de gestos e movimentos 8

corporais, foi escolhida a peça Liberdade que compunha o repertório do coro no ano de implementação desta pesquisa. Neste tipo de metodologia, tanto o pesquisador quanto os pesquisados inseridos no trabalho estão diretamente envolvidos em uma perspectiva de mudança de modo cooperativo e/ou participativo, a partir de um conjunto de objetivos previamente definidos em conjunto. Uma das características da pesquisa ação é o trabalho de intervenção analisada por Dubost, ou seja uma prática que tenha como meta a modificação ou aletração do meio (1988 apud Szymanski e Cury 2004,360). No sentido de desenvolver este modelo de pesquisa, tal como explorada por Dubost, foram aplicadas ações interventivas concretizadas com oficinas e atividades realizadas nos ensaios do Coral Os Canarinhos de Itabirito, visando a transformação da forma de trabalho caracterizada por ser “tradicional” em aspectos de movimento corporal durante a performance vocal. Como resultado final do processo de intervenção foi produzido um espetáculo final musical intitulado “Sonhos”. Todo o processo do método de pesquisa ação será descrito detalhadamente no capítulo IV desta dissertação. A etnografia, nesta pesquisa relacionase com a performance do Coral Os Canarinhos de Itabirito sobre a peça Liberdade do compositor Ronaldo Miranda. O principal objetivo da etnografia é estudar e compreender os aspectos culturais e simbólicos do comportamento dos sujeitos inseridos no contexto da pesquisa (Merriam 1998 apud Coutinho 2011,304). O estudo de caso etnográfico permite ainda que o pesquisador revele suas emoções sobre o campo estudado, o que se adapta ainda mais a este estudo pois incorpora na metodologia a importância e a vivência corporal também do pesquisador (Fortin 2009, 81). No capítulo I deste trabalho pretende-se explorar as definições de gesto e suas formas de utilização incluindo a performance musical e vocal coral. Neste capítulo foram selecionados dois universos de abrangência do gesto corporal classificados em: gesto estático e dinâmico. Ainda neste capítulo farei uma breve discursão embasada por Storolli, a fim de contextualizar historicamente a utilização e valorização do corpo na performance musical. No capítulo II teremos uma caracterização do objeto de estudo em questão: grupos corais amadores. Neste capítulo começo por apresentar uma breve fundamentação histórica do termo “coro/coral” em diversas épocas na cultura ocidental, refletindo o papel que o canto coral teve principalmente nos dois países que abrigam os 9

coros selecionados para o estudo o Coro Infantil da Universidade de Lisboa (Portugal) e o Coral Os Canarinhos de Itabirito (Brasil). No capítulo III veremos um breve release do Coro Infantil da Universidade de Lisboa ressaltando o contexto histórico e a forma de trabalho integrada entre música e corpo. Posteriormente neste capítulo será descrito, a título de exemplificação e modelo performativo, os gestos corporais utulizados na suíte Trava lengas e lenga línguas do compositor Vasco Negreiros com texto extraído de trava línguas e lenga lengas populares portuguesas. Farei, portanto uma explanação sobre a peça, a descrição dos gestos e movimentos utilizados pelo coro, levando em consideração os depoimentos colhidos tanto da maestrina quanto dos coristas e analise audiovisual do vídeo da performance. No capítulo IV será descrito um breve histórico do Coral Os Canarinhos de Itabirito ressaltando o contexto histórico, social e musical. Posteriormente farei a descrição de todo o trabalho da pesquisa ação junto do referido coro na peça intitulada Liberdade do compositor Ronaldo Miranda com texto do poeta Fernando Pessoa através da etnografia da performance -sobre o espetáculo Sonhos- e da auto-etnografia. Ainda neste capítulo, serão descritos o trabalho de pesquisa ação e ilustrados os gestos criados para a interpretação músico- corporal da peça Liberdade. De seguida, abordarei o processo composicional dos gestos utilizados na peça e farei a justificação pela escolha de cada um através da exposição interpretativa, utilizada para a composição dos gestos envolvendo texto e música. A escolha por utilizar a etnografia da performance e a auto-etnografia, permitiume articular em dois papeis distintos e simultâneo, uma como observadora e outra como agente transformadora da ação (Ibid., 85). A auto-etnografia serve portanto, para descrever a criação do pesquisar em função do caso estudado na pesquisa de campo, através de uma teorização de sua própria criação (Ibid.). A etnografia tem como objeto a descrição daquilo que é pesquisado. A descrição deve ser feita de forma densa, a fim de ilustrar o que o pesquisador percebeu do contexto em que esteve (Chiamulera 2010, 20). Para descrever a performance densamente servi-me-ei do processo metodológico multivocal aprofundando nas dimensões polissémicas e poliformica desta performance (Simeão e Miranda 2006, 3). Este processo caracteriza-se por utilizar diferentes interlocutores no processo da comunicação da escrita, ou seja, a minha própria voz como observadora e a dos outros participantes do processo de pesquisa em um modelo de comunicação “polifônica” 10

(Ibid.). Lemos et al. definem o processo “multivocal” como sendo uma técnica de veicular os discursos, inclusive os contraditórios (apud Ibid.,5). Portanto, considero este processo multivocal como uma forma de escrita que permite registar várias perspectivas colocando lado a lado o pesquisador com o seu universo de estudo (Ibid.). Para Hikiji, no caso de uma etnografia da performance, por meio da descrição, engloba os aspectos pedagógicos, performáticos, e procura descrever as relações, inclusive social, entre os sujeitos e presentes na performance e no contexto estudado (2004). O músico brasileiro e pesquisador de antropologia Tiago de Oliveira Pinto descreve a etnografia da performance musical como a passagem da análise das estruturas sonoras à “análise do processo musical e suas especificidades”; neste tipo de abordagem, o pesquisador pensa a música “como ‘processo’ de significado social, capaz de gerar estruturas que vão além dos seus aspectos meramente sonoros” (2001, 227 apud Hikiji 2005,159)24. Entendo o termo“gerar estruturas extra musical”, como uma forma de compreender o todo da performance além de unicamente o resultado sonoro produzido. Para esta pesquisa foi escolhida como uma das formas metodológicas de se analisar a performance musical a chamada “etnografia da performance”. A pesquisadora Rose Satiko Gitirana Hikiji ressalta que para a etnografia da performance musical o exercício de textualização do “estar lá”,

sobretudo, deve

contemplar o contexto de ocorrência (2005, 20). Como a etnografia da performance visa descrever detalhadamente todo o processo e o contexto do qual o pesquisador esteve, passo a descrever neste capítulo todo o período de criação e montagem do espetáculo que está inserida a performance, para posteriormente, então, retratar a performance através de sua análise de gestos e movimentos corporais. No entanto, esta pesquisa insere-se em um ramo da etnografia intitulado de auto-etnografia, pois ocupo durante o trabalho de campo o papel de observadora e também agente do processo (Fortin 2009). Uma vez que este estudo se centra na análise de crianças e jovens, dependentes, solicitei aos pais/responsáveis pelos coristas do Coro Infantil da Universidade de Lisboa que assinassem um termo de consciência, cessão de imagem e consentimento da participação de seu dependente junto a esta pesquisa (cf. Anexo 1). Da mesma forma a diretoria da Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito assinou um termo de igual teor respondendo por todos os membros do coro disponibilizando a cessão de 24

PINTO, Tiago de Oliveira.(2001) Som e música: questões de uma antropologia sonora. Revista de Antropologia, São Paulo: USP, v. 44, n. 1, p. 221-286.

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imagem e consentimento do coro e dos cantores nele inseridos para a participação desta pesquisa (cf. Anexo 2). Foi também pedido a autorização para utilizar o vídeo gravado pela Miso Music Portugal , interpretado pelo CIUL, bem como as imagens dele retiradas para ilustrar a performance do referido coro sobre a suíte Trava lengas e lenga línguas. No capítulo V desta dissertação será exposto as considerações finais e gerais da pesquisa e uma comparação do trabalho musico-corporal do Coro Infantil da Universidade de Lisboa e do Coral Os Canarinhos de Itabiritoe a demonstração dos resultados finais, realizada por meio da análise de dados25.

25

Neste estudo foi realizada a análise qualitativa dos dados colhidos através da descrição dos resultados seguidos de comentários e considerações tanto dos maestros quanto dos elementos de ambos os coros envolvidos no estudo

12

Capítulo I – Revisão da literatura relativa ao gesto: em torno de um conceito Ao falarmos de gesto remetemo-nos para um universo de amplos significados que envolve diversas áreas como a comunicação, a arte, a educação, a educação física, a antropologia dentre outras e, consequentemente, possui diversas formas de utilização. Neste capítulo começo por propor uma definição do termo gesto aplicado ao recorte desta pesquisa, a partir de contributos de diferentes autores para, em seguida, apresentar uma subclassificação dos tipos de gesto e os seus principais meios de utilização ajustados a performance musical e específicamente vocal.

1.1 Teorização e definição de gesto: a conceituação de gesto. Definir algo é qualificar em sentido a designação de um termo, associando-o ao contexto da pesquisa em que o mesmo está inserido. Neste caso, o termo em análise é o “gesto” e o contexto a pesquisa em torno da performance vocal coral. Ao mesmo tempo, definir um termo consiste em limitar o campo de abordagem, evidenciando o objeto de estudo. O gesto está inserido num ambiente de diversos contextos e significados como nos revela o antropólogo francês André Leroi-Gourhan, remetemo-nos para os diversos tipos de gesto, executáveis tanto por animais, quanto por seres humanos (Gourhan 1987). Porém, esta pesquisa será focada apenas nos gestos executados pelos seres humanos dos quais serão destacados neste estudo: o gesto corporal como comunicação, o gesto corporal no ensino e no aprendizado musical, o gesto corporal na performance musical e vocal coral, o gesto como expressão e consciênica corporal. Nesta pesquisa, foram selecionados vários autores que conceituam “gesto” nas áreas do saber como a dança, o teatro, a comunicação dentre outras. Entre os autores que conceituam gesto, reporto-me a Machado (1967), Ferreira (2004), Pereira (2010), e outros que serão referenciados adiante neste capítulo. A fim de somar todos os contributos dos diversos autores e áreas atrás referidas, relaciono as suas propostas com a área musical, em especial a performance. A adequação ao universo desta pesquisa, o canto coral amador ocidental, foi realizada com o intuito de aguçar a percepção do que pode vir a ser considerado gesto e como pode ser utilizado no contexto em questão. Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, a palavra latina “gestu”, da qual deriva “gesto”, significa “atitude do corpo; movimento do corpo [...]” (1967, 1142). De igual modo, tanto nesse dicionário, como 13

nos estudos adiante referidos, o gesto surge correlacionado a um corpo em ação, movido quase sempre por uma intencionalidade ou desejo de expressão (Pereira 2010).Esta é também a acepção proposta pelo antropólogo francês Marcel Jousse ao correlacionar o gesto de um corpo em movimento com a expressão (Jousse 2008, 687 apud Pereira 2010, 557 ). Sobre esta vertente expressiva do gesto corporal, Lenira Rangel no seu livro intitulado Dicionário Laban, utiliza o termo “instrumento-corpo” para sublinhar ainda mais a conscientização da junção do corpo no fazer musical. A autora defende que o nosso corpo é uma ferramenta criativa, sensível e expressiva compreendendo, portanto, o corpo como um instrumento que produz gestos expressivos e movimento (Rangel 2003, 80). Esta visão de corpo enquanto instrumento, ferramenta, foi um passo para se acreditar que o corpo não pode ser entendido como uma máquina que é treinada mecanicamente e repetitivamente, mas sim, que é o principal meio de expressão não podendo ser dissociado instrumento vs. corpo. O corpo torna-se, portanto, o principal responsável pela ação musical através da consciencia corporal, termo este que será explorado ao longo deste capítulo (Bündchen 2005). Contudo, nem todos os autores circunscrevem o gesto corporal a uma intencionalidade expressiva consciente. Dentre eles, destaco a definição de gesto segundo o dicionário de língua portuguesa de Houaiss: “[...] movimento do corpo, voluntário ou involuntário, que revela estado psicológico ou intenção de exprimir ou realizar algo [...]; expressão singular, aparência, aspecto, fisionomia; [...] maneira de se manifestar, atitude, ação” (Houaiss 2003, 1449 apud Pereira 2010, 557)

A definição citada reverte-se de particular interesse para este estudo porque distingue movimentos corporais voluntários de involuntários, sendo que os últimos não apresentam o caráter único de expressão. Marcel Jousse, anteriormente citado, não só estabelece esta mesma distinção entre gesto “voluntário e involuntário” como inscreve também o gesto em uma “ação radicada no corpo”: “Visíveis ou invisíveis, macroscópicos ou microscópicos, [...] conscientes ou inconscientes, voluntários ou involuntários, os gestos aduzem, invariavelmente, a uma ação radicada no corpo” (Jousse 2008, 687 apud Pereira 2010, 558).

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Segundo este autor, os “movimentos corporais involuntários” consistem em atos/ações/atitudes que fazemos e que não dependem necessariamente de uma vontade, como por exemplo, o ato de abrir e fechar os olhos, respirar, dentre outras ações involuntárias que são consideradas como movimento (gesto) corporal involuntário. Ainda nesta categoria temos os gestos de reflexo, como reação de uma ação. Para este estudo concentrar-me-ei exclusivamente na análise dos gestos que veiculam uma determinada expressão, podendo ser esta expressão consciente ou inconsciente (Jousse 2008, 687 apud Pereira 2010, 558). O estudo do gesto, enquanto forma de expressão humana, vem a conquistar o interesse de intelectuais desde, pelo menos, o século XVIII. Nesse âmbito, iluministas como Buffon e Rousseau viram no gesto, uma espécie de expressão “natural” e primordial do homem, emanada diretamente da alma, capaz, por isso, de gerar junto do interlocutor uma “simpatia mímica” como nos mostra Reviére: “Segundo a Encyclopédie de Diderot e d´Alembert, o gesto é uma das primeiras expressões do sentimento que a natureza deu ao homem, e a expressão é a sua primeira função; exprime, para Buffon, os e , segundo Rousseau, fala-se melhor aos olhos do que aos ouvidos. O facto é que ver um gesto, uma expressão, suscita no interlocutor, através de uma espécie de >, o mesmo sentimento, a mesma representação que os provocou” (Reviére 1987,12)

Mais recentemente, em pleno século XX e inclusive XXI, fora da perspectiva dicotómica – natureza/civilização – que enformou o pensamento de Rousseau, o gesto tem conquistado grande centralidade no quadro dos estudos da área da música e de outras áreas como a comunicação, seja enquanto meio de expressão de pulsões de um inconsciente ou de uma intencionalidade consciente. Fernando Iazzetta, um investigador em música e ciências da comunicação, em sua pesquisa, caracteriza o gesto aplicado à área musical como sendo físico. O autor que venho a referir sustenta ainda uma divisão deste gesto físico em: corporal e mental, estando o gesto mental “intimamente ligado aos processos de composição, interpretação e audição”26 (Iazzetta 1997, 8) e o e o gesto corporal que é exteriorizado por uma ação corporal. Dentre os autores que optam por utilizar a terminologia “gesto corporal”, encontram-se Furlan e Bocch (2003); Freitas (2005); dentre outros.

26

Considerando que o foco deste estudo está associado aos gestos corporais, o gesto mental não será abordado. A sua inclusão requereria instrumentos específicos de observação aos quais não tenho acesso e que são utilizados, por exemplo, pela neurociência.

15

Na abordagem teórica ao gesto movido por uma intencionalidade de ordem expressiva Jousse acrescenta um novo tópico de debate ao compreender nesse âmbito o gesto estático. Segundo o autor, nem todo o gesto é provido de um gesto visível, revertendo em gestos que podem ser imperceptíveis ou até mesmo estáticos27, mas ainda assim deve ser considerado um gesto, porque existe uma intenção e/ou ação ao realizálo (2008, 687 apud Pereira 2010, 558). De igual modo, o português Ricardo Ferreira distingue o gesto corporal em duas formas: gestos estáticos e gestos dinâmicos. O gesto estático, segundo o mesmo autor é um gesto que não recorre à movimentação para transmitir o que é pretentido. Já o gesto dinâmico necessita de movimento corporal para se exprimir a mesnsagem pretendida e acaba por isso decorrendo também de uma intencionalidade de ordem expressiva (Ferreira 2004, 3). Embora esta distinção feita por Ricardo Ferreira, mestre em métodos computacionais em ciência e engenharia, seja retirada de uma área que não a musical, poderemos considerar para fins de pesquisa, estas mesmas nomenclaturas e significações quanto à forma do gesto movido por uma intenção expressiva: estático e dinâmico também para a área artística musical (Ibid.). Passo assim, a utilizar das seguintes categorizações de gesto corporal, conforme a tabela abaixo

Tabela 1- Categorização de gesto

Gesto Corporal Expressos visualmente Estático

Dinâmico

Expressos de modo não visível Invisível

De acordo com a tabela atrás exposta, apresento a categorização de gesto a partir do gesto corporal. O gesto corporal envolve todos os tipos de gestos que são radicados no corpo, expressos visivelmente - que possuem movimentação perceptível-, e expressos de forma não visível - que possuem movimentação imperceptível a nível da visão, ou seja, decorrem da movimentação interna (por exemplo, alterações no trato vocal).

27

A questão em torno do gesto estático foi também explorada por autores como Ferreira (2004).

16

A categoria de gestos expressos visualmente, possui duas subcategorias que nortearão este estudo: o “gesto estático” e “gesto dinâmico”. É possível perceber visualmente as diferenciações entre o gesto estático e o gesto dinâmico atribuindo ao gesto estático uma intencionalidade de se expressar pelo estaticimo gestual e ao gesto dinâmico, uma intencionalidade que é expressa através da visualização de movimentos corporais. A partir destas subclassificações, defini as seguintes tipologias passíveis de constituir domínios de observação e análise da géstica explorada pelos grupos corais selecionados: Tabela 2- Categorização e tipologia do gesto associado a performance

Gesto Corporal

Tipologia do gesto

Visualizável na performance

Não visível na

Estático

Dinâmico

performance

-Gesto estático

-Gesto dinâmico musical

-Gesto Vocal

-Gesto dinâmico da regência

associada à

-Outros gestos dinâmicos

performance Formas de

- Reduzir o impacte

utilização e

presença do corpo em

-Tradução e mimetização do

aplicações à

palco

texto verbal literal ou seu

-“Quebra estética visual”

respectivo sentido;

-Reforço

-Recurso

performance vocal coral plural

musical.

da

da

forma

-Comunicação/expressão;

performativos,

musical

-Produção sonora

(

técnicos,

didácticos). -Recurso coreográfico (como, por exemplo, o gesto dinâmico congelado28)

Proponho, agora, uma análise mais detalhada da tabela, partindo da leitura vertical da coluna “Gesto corporal/Visualizável na performance/Estático”: O gesto corporal estático (a partir de agora designado por “gesto estático”) será explorado nas funcionalidades de: 1)“ Reduzir o impacte da presença do corpo em palco” que, como a frase expressa, consiste em adotar uma postura com o mínimo de impacte visual na performance através da redução dos movimentos corporais (respirar, virar as páginas das partituras,....); 2) “Quebra estética visual” consiste em criar um aspeto visual distinto, a nível gestual do processo corporal realizado anterior ou posterior ao gesto estático; 3) ”Reforço da forma músical” refere-se à performance do gesto estático como 28

Designo por “gesto dinâmico congelado” aqueles gestos que interrompem e suspendem gestos dinâmicos, como por exemplo, os gestos “estátua”.

17

reforço da percepção da estrutura formal da peça; 3) “Recurso coreográfico” refere-se a todos os gestos estáticos concebidos com uma função que está para lá das atrás descritas. Neste estudo, o gesto como recurso coreográfico englobou tanto o gesto estático29 quando o dinâmico. Na categoria de gestos “não visíveis na performance” refiro-me ao gesto vocal que se configura por ser um processo gestual interno do trato vocal e músculos que produzem o som- a voz (Viola 2006). O gesto vocal está, portanto, inserido em todas as performances vocais, no entanto, para visualização do mesmo são necessários instrumentos específicos. Esta tipologia de gesto, bem como a de gesto dinâmico e suas funcionabilidades serão exploradas nos subcapítulos que se seguem pelo fato destas categorias terem sido mais recorrentes no estudo. Todos os gestos aplicados à performance e ressaltados neste estudo são realizados de forma consciente, desta forma começo por explorar adiante a intencionalidade consciente do corpo e do gesto através da consciência corporal.

1.2 O gesto enquanto expressão de um corpo consciente Os gestos estão presentes em nosso cotidiano e mesmo que involuntariamente ou inconscientemente são utilizados durante toda a nossa vida. Segundo a professora e educadora musical suíça Marie-LaureBachmann:

“o corpo expressa emoções internas, exteriorizando ações nos movimentos, posturas, gestos e sons, alguns desses automáticos, espontâneos, outros resultantes do pensamento”(Bachmann1998 apud Lima e Rüger 2007, 101).

Para Bachmann a maneira corporal de se traduzir e expressar as emoções e sentimentos que possuímos está diretamente realacionada à ação que realizamos após a sensação corporal, resultando num gesto dinâmico consciente. Contrapondo a ideia de que “o gesto pode ser consciente ou não” (Jousse 2008 apud Pereira 2010, 558), o professor e pesquisador João Francisco Regis de Morais propõe uma reflexão em torno da consciência que envolve o corpo, pois o mesmo carrega consigo uma forma de consciência refletida nas ações corporais. 29

Constituiu uma ferramenta de caracterização de um personagem, como, por exemplo, o Narrador na peça Trava Lengas e Lenga Línguas (cf. subcapítulo 3.3.2.1). Por sua vez, o gesto como um recurso coreográfico (dinâmico), esteve também presente no movimento realizado pelos cantores como os de transição entre um gesto e outro, sem no entanto constituir outra função explorada nesta tabela (cf. Tabela 2).

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“Veremos que o corpo é consciente e, por isso, devemos falar em corpo/consciência; afinal, já não é lícito reduzirmos a noção de consciência à de raciocínio, uma vez que o corpo apresenta claramente uma consciência e uma sabedoria que não precisam de raciocínios. Inexiste qualquer atitude humana que seja puramente interior ou da subjetividade puramente pensante; toda atitude do ser humano é atitude corporal” (Morais 1992, 79 apud Brandl 2002,32).

Desta forma, concluo que o corpo carrega consigo uma forma de consciência para lá do raciocínio, consciência esta que atravessa as fronteiras de divisões dualistas como a de corpo/mente. Segundo Morais, investigador na área da educação física que venho a citar, o corpo detém uma sabedoria e uma consciência e, inclusive, está indissociável e intrinsecamente ligado ao pensamento e afirma ainda que “somos um corpo, fugindo da ideia mecanicista de que temos um corpo” (Morais 1992 apud Rocha 2009,31). Ione Paula Rocha, professora brasileira da área da educação comenta sobre esse pensamento de Morais afirmando que consciência e corpo não estão separados (Ibid.). Para a performance musical, existe a necessidade, de se fazer a junção musica corpo - consciência, junção esta que pode ser comprovada por estudos recentes como os de Storolli, onde o autor afirma que o corpo é o condutor da ação e através da consciência corporal exterioriza, por exemplo, a ação musical (2011). Logo percebemos que o corpo ao qual Storolli se refere é visto como um corpo total, por inteiro e não apena uma pequena parte dele – visão global (2011). Transpondo ainda esta constatação de Rocha para o universo da arte performativa observo que não existe performance, seja ela musical ou não, sem a ação e a consciência do corpo. Na realidade, o primeiro “instrumento” de trabalho de um artista performático é o seu corpo (Rocha 2009). Assumir que nós somos corpo e que com este corpo produzimos música é fundamental para a performance musical. Para tal, é necessário que o performer mantenha o corpo consciente. Tornar o corpo consciente no ato performativo numa tentativa de ignorar a visão massista de que simplesmente temos um corpo. “Quando falamos em música, parece-nos que o corpo assume um lugar secundário, pois, se tratamos de instrumentistas, é o instrumento o objeto central e, quando falamos da voz, também esta passa a ser o foco principal, e não o todo que a integra, o corpo. Dessa forma, buscamos uma interdisciplinaridade, se poderíamos dizer assim, para esse fazer corporal aliado à música. Um fazer que compreende várias possibilidades de movimento, de um pequeno gesto a grandes movimentações, da posição do pé à expressão do olhar” (Bündchen 2005,97).

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No entanto, o que ocorre em muitos casos e sobretudo na música erudita do século XVIII e XIX, é a particularidade da anulação e negação do corpo, ou seja, o corpo está presente na performance mas não está consciente de forma a tornar-se (o corpo) valorizado no ato performativo, como retratado por Bündchen. A negação do corpo na performance reflete-se também em uma área muito particular da música relacionada com a saúde do músico. Segundo Violeta Gainza, educadora musical argentina: “A falta de consciência corporal atinge músicos de todos os níveis, até mesmo os intérpretes excepcionais” (Gainza 1998, 126). Essa falta de consciência reflete-se - ou reflete - a escassez de estudos relativos ao “sentido corporal de espaço e movimento”, como sustentam Galvão e Kemp (1999, apud Ferreira 2009, 13). Por outro lado, essa falta de consciência do papel do corpo no ato performativo espelha-se na própria prática dos músicos conduzindo, por vezes, a “problemas corporais”, como dores, problemas musculares, e doenças, sendo necessário em diversas vezes a consulta em um profissional da saúde requerendo cuidados médicos devido ao mau uso do corpo ou uma falta de consciência corporal (Ibid.). Fatos como este levaram a surgir estudos na área da conciência corporal aplicada à performance musical como as de Gonçalves (2007), Braga e Pedriva (2008), Ferreira (2009), e no âmbito da música e medicina, estudos como os que vêm a ser desenvolvidos no curso de Música da Universidade de Aveiro, sob a orientação da professora Filipa Lã, e no curso de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação da professora Patrícia Furst Santiago que chamam a atenção para a importância da consciência do corpo no ato performativo. Pesquisas como a de Bündchen (2005), Santos e Guerra (2008), Costa (2009), dentre outros observaram a dissociabilidade do corpo na performance musical e indicam a necessidade e a importância do corpo e da consciência para músicos de uma forma geral. Neste sentido,como anteriormente referido, tanto o gesto dinâmico quanto o gesto estático estão também envoltos numa “consciência corporal”30. Relativamente à consciencia corporal, a professora da área da educação física Carmem Brandl, ressalta a importância do pensamento de que “somos um corpo” e que todas as nossas atitudes são corporais (Brandl 2002, 32). Esta visão de consciência corporal proposta pela autora 30

A consciência corporal recebe rotulações variadas como: conhecimento corporal; consciência do Eu; imagem corporal; esquema corporal; corporeidade (Brandl 2000, 53).

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referida sustenta o modo do qual explorarei o corpo no ato performativo neste estudo, ou seja, trabalhar a afirmação do corpo no ato performativo. A ação da consciência corporal em um músico possibilita uma interferência, muitas vezes positiva de certos princípios que julgo básicos e ao mesmo tempo importantes na prática musical como: equilíbrio, postura corporal, produção sonora diferenciada e com menos tensão, maior fluxo de ar (no caso de cantores e instrumentistas de sopro), maior expressão visual (gestos/movimento) e uma maior comunicação entre intérprete e público (Ferreira 2009). Ainda sobre esta perspectiva de contributos que a consciência corporal pode conceder a um artista/ músico as pedagogas musical Violeta Gainza e Suzana Kesselman, no livro Música e Eutonia, referem que o trabalho técnico-corporal de um instrumentista torna-se facilitado quando a utilização do corpo é feita de forma consciente e que lhe permita sentir, conhecer e dominar o seu próprio corpo (2003). Face ao que foi exposto, pondero o gesto consciente a uma forma de intenção corporal, intenção esta que age sobre o corpo de forma consciente e pode se revelar com movimentação visível ou não, em outras palavras, podendo ser um gesto dinâmico, estático ou invisível. O processo de desenvolvimento da corporeidade consciente, bem como a sensibilização corporal não devem estar presente apenas no fazer musical, mas em nossas atitudes, gestos e ações cotidianas (Leite 2007apud Riffel e Basei 2010, 1). Uma vez que automatizada a consciencia corporal a todo o tempo é possível que o corpo esteja ainda mais presente de forma consciente também no ato performativo. Por todo o século XVIII, o corpo deixou de ter prioridade associado à performance musical. Só no fim do século XIX e início do século XX, sobretudo nas décadas de 1980 e 1990, é que começa a instaurar na Europa um movimento que se caracteriza por valorizar o corpo dentre as muitas áreas do saber, incluindo a música, através de estudos acadêmicos referentes as ciências cognitivas, a neurociência, a filosofia, a teoria da arte, a semiótica, a educação física e mais estritamente a música, a consciência corporal, a saúde do músico, dentre outros, marcando assim o novo começo da valorização e a aceitação do corpo para a performance (Storolli 2011,132). Numa proposta similar as pesquisas que centram-se no estudo do corpo, trago uma reflexão em torno do gesto corporal, os diversos contextos em que o gesto está emergido e estabelelço nos subcapítulos que se seguem, a partir da tabela classificatória

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do gesto (cf. tabela 2) alguns dos possíveis contributos da utilização de gestos corporais associados à performance musical (c.f. tabela 2).

1.3 O gesto como comunicação e linguagem: possibilidades acerca da relação comunicativa através do gesto.

O antropólogo estadunidense Michael Tomasello argumenta que antes da convenção de gestos e falas como conhecemos hoje, os gestos como o de apontar com os dedos para as coisas foram os primeiros tipos de comunicação juntamente com os balbuciados vocais (Tomasello 2010). Ao remetermos o gesto para uma forma de linguagem ou de proto-linguagem, automaticamente atribui-se certa ligação ao sentido de comunicação uma vez que o gesto possui uma intencionalidade comunicativa. Deste modo, optei por juntar os contributos teóricos relativos ao gesto no quadro da comunicação e ao gesto no âmbito da linguagem, num único subcapítulo. Aliás, esta junção está presente no estudo do filósofo francês Maurice Merleu- Ponty. Este filósofo a fim de estabelecer uma relação entre corpo-gesto-linguagem-comunicação, defende o seguinte, segundo Furlan e Bocch: “Merleau-Ponty (1945/1994) recorrerá ao gesto para esclarecer a comunicação pela palavra, buscando no corpo não só a compreensão do problema da linguagem, mas também o entendimento de uma questão mais abrangente, a expressão. Segundo ele, há um mesmo modo de apreensão sensível na base da compreensão da fala e do gesto corporal. Apreende-se o significado da palavra assim como apreende-se o sentido de um gesto” (Furlan e Bocch 2003,448).

O sentido das palavras e gestos inscreve-se igualmente em consensos tecidos numa determinada sociedade. Merleau-Ponty recorre também à expressão emocional dos gestos para encontrar aí os primeiros indícios da linguagem humana, juntamente com os balbuciados vocais (Ibid., 2003, 448-449). Outro aspecto relevante e que também está envolto na fala, como uma linguagem corporale é caracterizado por ser um gesto dinâmico, é a gesticulação. “A gesticulação representa os gestos que adornam o discurso. A sua principal função é trazer maior clareza, expressividade e emotividade ao discurso” (Ferreira 2004, 3).

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A gesticulação é entendida aqui por dois tipos, a gesticulação visual, através de movimentação das mãos, braços e membros superiores de uma forma geral utilizado muito durante a fala, mas que não se prende a ela para existir, a exemplo das pessoas que falam gesticulando; e a gesticulação verbal que é feita através da palavra e depende da palavra, da fala para existir. Na performance vocal e instrumental,como veremos adiante, é utilizada a gesticulação visual, principalmente se o performer for um cantor e estiver a representar algum personagem. Neste contexto, o gesto também serve de apoio técnico para reforçar a expressão ou para distinguir a interpretação. A gesticulação consiste também em uma forma de traduzir, através de signosgestos corporais-, o sentido verbal literal ou parcial de um texto. Uma das principais funções da gesticulação consiste em ilustrar, através de um gesto corporal dinâmico, o sentido literal ou parcial do discurso verbal utilizado. A gesticulação de movimentos corporais associados a uma ideia verbal, acaba por tornar-se uma tentativa de clarificar o que está sendo transmitido pelo texto verbal em gesto. Cada gesto traz consigo uma narrativa ou um sentido que vem a ser uma forma de reforço à palavra dita ou cantada. Neste sentido, o gesto inscreve-se num conjunto de codigos socialmente construídos, sendo

acionado

isoladamente

ou

em

interação

com

outros

recursos

comunicativos/expressivos. O gesto como tradução do texto ou exemplificação pode consistir em mímica corporal das palavras podendo ser visto assim, tanto como uma forma de linguagem31, quanto de comunicação. Falar em expressão denota a ideia de ser capaz de exteriorizar sensações, emoção e até pensamentos. A expressão do corpo ou expressão corporal seria, portanto, transmitir algo através do corpo. Como Silva et. al refere em sua pesquisa intitulada Expressão corporal e linguagem na educação física: uma perspectiva semiótica que “a expressão corporal pode ser construída também por gestos não pré-codificados” (Silva 31

Tomando o gesto corporal como linguagem, temos as línguas de sinais explorado por Brito (1998), Qadros e Karnopp (2004) dentre outros. Este tipo de linguagem gestual - através de sinalizações, possibilita, por isso, o relacionamento entre o mundo dos surdos e o mundo dos ouvintes, e permite ainda a comunicação entre os surdos e mudos, cumprindo a principal função da linguagem, que consiste em se comunicar. Através das línguas de sinais os surdos e mudos se comunicam em sua própria língua (transmitem suas emoções, seus pensamentos, seus desejos). É uma língua de modalidade gestual-visual porque utiliza, como canal ou meio de comunicação, movimentos gestuais e expressões faciais. A comunicação se dá por meio de combinações de formas e movimentos das mãos a partir de pontos de referências no corpo ou no espaço. As expressões manuais tem como parâmetro a configuração de mãos, a locação e o movimento. As mãos são o objeto do enunciador e o espaço é em torno do corpo do sinalizador. As expressões não manuais referem-se a movimentos de olhos, face, cabeça, tronco, e marcam as construções sintáticas, lexicais, as referências específicas. As expressões faciais e corporais estabelecem os tipos de frases semelhantes à entonação da língua portuguesa (Quadros e Karnopp 2004).

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et. al 2005, 35), ou seja, por gestos espontâneos, verbais, táteis, sonoros, visuais, gestos que envolvem movimentação corporal e a expressão/ linguagem facial. No entanto, este argumento rejeita a base social e a vertente comunicacional do gesto. Ora assim sendo, na minha perspectiva, o gesto não cumpriria a sua finalidade comunicativa uma vez que o interlocutor desconheceria o seu sentido. “O corpo passa a ser linguagem expressiva, falando através dos movimentos, do olhar, do jeito de andar e sentar, do balançar dos quadris ou das expressões de tristeza e alegria, e das representações que estabelecem para o mundo e para as relações” (Merleau-Ponty 1999, 257 apud Silva, 2006,4).

Para a performance musical, o corpo passa a ter um sentido a mais: a expressão. A relação instrumento ou canto- intérprete- corpo, passa a ser valorizada também pela componente expressiva que o corpo possui, como retratadas na citação de MerleauPonty anteriormente referida. Como referido anteriormente na performance de uma forma geral, a partir do século XX ocorre a“re-valorização”do corpo por consequência da produção vanguardista neste século (Storolli 2007). Para a performance vocal coral, sobre influência desta nova forma de se trabalhar o corpo na performance musical do século XX, surge uma “nova estética” que nega a “estética tradicional” coral e utiliza de gestos corporais dinâmicos durante a performance,

tomando a expressividade e a

comunicação como ferramentas de funcionabilidade de um gesto corporal expressivo (Zanatta 2008)32. Esta nova estética adotada pelos grupos corais contemporâneos, relaciona-se com a ideia de linguagem expressiva, associada a gestos corporais como os citados por Marleau- Ponty em forma de expressão corporal. “Um dos atributos do movimento é, por exemplo, a sua capacidade de representar as emoções” (Ferreira 2007, 64). A utilização de gestos dinâmicos passa então a construir mais significados para além da estética visual, compondo uma performance musical e vocal expressiva (Schwartz e Amato 2011). A maneira de se expressar corporalmente reflete-se também na sociedade em que cada um vive, envolvendo a cultura do local e da expressão/ ação dos outros corpos da sociedade, bem como na construção de valores, ações, significados e comportamentos (Brasileiro 2008, 197).

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No próximo capítulo será explorado o âmbito desta tipologia.

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Na música “o corpo se expressa ao produzir música através do gesto, mapeando o visível e o audível dentro de uma mesma geografia” (Iazzetta 1997, 3). O conceito de gesto, como vem a ser abordado neste estudo, carrega consigo expressão, sentido e significado em sua definição. Elucidando ainda mais essa associação do gesto com a expressão corporal é que trago uma afirmação do professor e pianista brasileiro Marcos Freitas onde ele diz que: “O gesto é, por definição, um movimento expressivo, carregado de sentido...” (Freitas 2005, 61). Desta forma, ao fazer a relação gesto – movimento – expressão corporal e principalmente por serem todos “carregadores de um sentido” é que sustento que um gesto pode ser utilizado também como forma de expressão corporal. O gesto torna-se, assim, o intérprete do discurso – “o gesto foi dado ao homem para revelar o que o discurso é impotente para expressar” (Delaumosne 1893, 43). Foi através de uma análise aprofundada da voz, respiração, dinâmicas de movimento, linha e forma, e de outros elementos do gesto corporal em seus papéis como agentes expressivos que se “iniciou a formulação de uma teoria na qual é feita a análise e sistematização dos gestos e expressões do corpo humano, baseada na referencia espacial” (Pereira, Ana Cristina C. 2010, 2-3). O signo/ gesto como expressão corporal indica, portanto além de sentimento, temperamento. No caso deste gesto facial como expressão corporal ligada à música teremos ainda outra função resultante da expressão corporal/facial que é forma de interação do artista/ performer com o público (cf. subcapítulo 1.6.2).

1.4 O corpo no processo de ensino e na aprendizagem musical: o gesto como elemento facilitador nas práticas pedagógicas musicais No âmbito das atividades corporais desenvolvidas como elemento na didática musical, o corpo tem sido utilizado nos processos metodológicos de ensino aprendizagem musical. Focalizando o ramo educacional, Silva afirma em seu trabalho que, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo33 destaca-se a existência da disciplina de Educação Musical que a partir do 2º Ciclo, prevê dentre outros aspectos, o desenvolvimento físico e motor, que consequentemente inclui o gesto (2008, 30).

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Este documento que regulariza e orienta todas as etapas do sistema educativo portugues, passará a ser designado a partir daqui por LBSE.

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“No que respeita ao 3º Ciclo, a música está consignada à área de intervenção da Educação Artística nomeadamente a sua alínea c), a qual prevê: ‘Proporcionar o desenvolvimento físico e motor, valorizar as actividades manuais e promover a educação artística, de modo a sensibilizar para as diversas formas de expressão estética, detectando e estimulando aptidões nesses domínios” (LBSE apud Silva 2008,30).

As pretenções da LBSE para uma aula de música no contexto acima referido, busca integrar um processo de educação artística plural que prioriza o corpo nas artes de uma forma geral, e especificamente, a música em uma inter relação música e corpo. O gesto corporal é fruto de um trabalho de sensibilização corpóreo-musical, já adotado e explorado por vários educadores teóricos musicais que concernem um conhecimento musical apoiado na prática e na vivência corporal, dentre estes educadores teóricos destacam-se: Émile Jaques Dalcroze (1865-1950), Edgar Willems (1890- 1978), Carl Orff (1895-1982), Murray Schafer (1933-).Todos esses educadores musicais atribuem o conhecimento musical pautado na prática e na vivência corporal. Ao utilizar o corpo no processo de ensino e aprendizagem de conceitos técnicos musicais os respectivos educadores trabalhavam com as estruturas cognitivas corporais (Lima e Rüger 2007, 104). O compositor e pedagogo suíço Émile Jaques Dalcroze (1865-1950) explorava o corpo no processo de ensino e aprendizagem musical através das relações entre gestos dinâmicos e percepção musical, valorizando a educação corporal e principalmente a rítmica, baseada em três elementos: o movimento do corpo através de gestos corporais dinâmicos, o treino perceptivo auditivo pela sensibilização corporal e a improvisação musico corporal, destacando assim a importância do corpo na prática musical.O pedagogo musical Edgar Willems (1890-1978) utilizava o corpo para a sensibilização corporal de elementos musicais como o ritmo, acreditando na vivência interior que o ser humano possui para sentir a música (Willems 1956 apud Lima e Rüger 2007, 104). O ritmo, por exemplo, para Willems estava presente no ser humano sendo expresso pela respiração, a forma de caminhar, e o gesto acontece por consequência dessa interiorização em dois seguimentos: o tempo e o espaço. Willems também utilizava da criação, da imitação e da experimentação (Lima e Rüger 2007, 106). Carl Orff (1895-1982) trabalha o ritmo através da descoberta da percepção individual de cada ser através dos gestos corporais dinâmicos executados no fazer musical, em uma busca da sensação cinestésica que o gesto,na sua perspectiva possui (Ibid.,105). Orff trabalha com quatro níveis de processo para o aprendizado musical: a 26

imitação, a improvisação, a exploração e a alfabetização (Ibid.). O método Orff não vê o movimento como um fim em si mesmo, mas dá a ele osignificado de direcionar o crescimento musical e emocional do aluno. Nessa metodologia, música e gesto são elementos que se reforçam um ao outro naturalmente (Frazee 1987 apud Ibid.,106). Diferentemente dos outros pedagogos, Muray Schafer não trabalha apenas o ritmo através da sensibilização corporal. Schafer é, dentre os outros pedagogos citados o que possui a visão de corpo mais voltada para a sensibilização de sentidos sensório motor, pois no fazer musical Schafer utiliza os movimentos corporais como ferramenta para desenvolver não apenas os parâmetros musicais como o ritmo, muito explorado pelos outros pedagogos musicais, mas também para a percepção, cordenação motora e principalmente para a revivificação dos senso-receptores através das sensações corporais (Ibid., 107). Os músicos e professores brasileiros Lima e Rüger fazem a seguinte afirmação sobre os educadores citados anteriormente: “Ao utilizar o corpo para sensibilizar o aluno a apreender conceitos teóricomusicais, eles intuíram a relação estreita existente entre a ação corporal e o desenvolvimento de estruturas cognitivas e, mais ainda, o quanto de emocional estava agregado ao movimento corporal” (Lima e Rüger 2007, 100-101).

Dentre as diversas práticas corporais adotadas pelos educadores que foram utilizadas no processo de sensibilização para o aprendizado musical , torna-se relevante ressaltar que o processo de sensibilização musical corporal significa também estimular um processo de auto conhecimento do corpo como um todo e do corpo enquanto agente e produtor de som. Unindo ainda a ideia de corpo/música/ensino temos também a fonomímica. A ideia original da fonomímica ou hand sings foi concebida por John Spencer Curwenm que se dedicou a desenvolver um método que facilitasse a leitura da pauta musical fazendo gestos para cada grau tonal (Gonçalves 2010,11). Apesar de Curwen ter divulgado bastante o seu método e a utilização dos hand sings foi Kodály figura responsável pela divulgação do método (Ibid.,27). Este tipo de prática gesto-musical foi também muito utilizado por pedagogos e educadores musicais como ferramenta didática nas aulas de música. Através do gesto desenvolvido com as mãos, produz-se um significado musical e um resultado sonoro.

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Desta forma, torna-se relevante pensar na prática corporal como meio facilitador e estimulante para o aprendizado musical. Em consentimento com esse pensamento Lima e Rüger dizem que o uso do corpo e através dos gestos corporais resolveria questões práticas da execução musical, treinando habilidades motoras e suas conexões mentais antes mesmo da execução sonora (Lima e Rüger 2007).

1.4.1 O corpo no processo de ensino e aprendizado do canto: o gesto como apoio para o trabalho de técnica vocal O gesto corporal dinâmico tem sido também utilizado como apoio para os aspectos técnicos vocais, no processo de ensino- aprendizagem do canto, como indicado em pesquisas recentes como a de Sousa et. al. que revelam que esta prática tem sido muito utilizada por vários professores de canto e pedagogos musicais (2010).

“A maneira como a voz é “sentida” no corpo torna-se referência direta do aluno para determinar a qualidade do som; portanto, a emissão da voz constitui-se por si mesmo numa ação, ou seja, o ato de emitir a voz é uma ação corporal. Nesse sentido, acreditamos que reprimir a ação motora, enquanto gestual expressivo e movimentos acentuadores de ritmo e intensidade, significa negar a participação do próprio corpo no ato de cantar.” (Bündchen 2005,19)

No caso do canto, especificamente, torna-se ainda mais complexo realizar uma separação corpo-instrumento uma vez que o instrumento é o próprio corpo. É comum vermos em pedagogias específicas da área do canto e do canto coral o uso de analogias, como metáforas, por exemplo: fazer um postura facial de admiração, com o intuito de relaxar a mandíbula e elevar o palato para o ataque sonoro (Sousa et. al. 2010). Alguns gestos corporais são incorporados em técnicas vocais para auxilio e facilitação da execução da técnica aplicada, como, por exemplo, apoio diafragmático, o fluxo de ar constante para frases longas, gestos que auxiliam ainda no “giro” que a voz deve realizar para atingir uma determinada nota, gestos que auxiliam na “movimentação” com equilíbrio ao executar determinadas frases musicais, dentre outros. Outro aspecto importante em que o gesto corporal se faz presente no canto é no processo interpretativo das músicas vocais de uma forma geral. Conforme a tabela apresentada no primeiro capítulo desta dissertação estes gestos que são inseridos nas performances com a intenção de se modificar um aspecto técnico vocal será designado por “gesto de recurso musical”. 28

As analogias e imagens aplicadas ao canto podem parecer, por hora, um pouco complexas porque o trabalho envolve imagens visuais e/ou sonoras, sensações corporais, vocabulário imaginário e metáforas a fim de clarificar como fazer ou a sensação do que o aluno ou o performer deve sentir para executar o que lhe é pedido (Braga 2009, 74). Os pesquisadores ingleses Gina A. Fatone, Martin Clayton, Laura Leante e Matt Rahaim sustentam que o gesto é composto por imagens “imaginárias”extra visuais e visuais (Gina et.al. 2011, 207-208). Um cantor, por exemplo, utiliza essas imagens e o gesto a que está associado como um recurso tanto para emissão quanto para sustentação sonora e correção de técnica. Ainda no que se refere ao canto, no que diz respeito ao ataque do som onde temos o exemplo de alguns professores pedem para que se pense em um bocejo a fim de elevar o palato e abaixar a parte posterior da língua. (Sousa et. al. 2010, 324). Além de imagens alguns professores criam gestos corporais que auxiliam no resultado sonoro como, por exemplo: para realizar uma voz com ressonância de cabeça, o gesto de levar a mão até a cabeça é sugestivo como se o gesto percoresse o caminho, e efetuasse o movimento ajudar a realizar esta ação corporal que, transforma- se também em sensação física, ou seja, é a sensação do que o corpo e a voz fazem para alcançar o resultado sonoro desejado.

“Nesse sentido, pode ser que as imagens se constituam numa poderosa ferramenta didática à absorção tanto de conceitos musicais quanto à fixação e automação de movimentos complexos necessários ao refinamento da técnica vocal.” (Sousa et.al 2010, 326)

Com relação à utilização das imagens e metáforas utilizados como ferramenta didática para o canto, Sousa et.al apontam ainda que o ensino do canto com expressões metafóricas “tende a ser mais leve e divertido, enquanto o ensino sem elas pode ser árido e complexo, em especial para alunos iniciantes”(2010, 318). A partir destas metáforas e imagens corporais podem surgir gestos corporais dinâmicos de forma a alterar a produção do resultado sonoro. Como resultado da pesquisa, Sousa et. al. apontam que:

“as metáforas causam um efeito geral sobre a musicalidade do aluno, e que elas podem auxiliar no desenvolvimento dos seguintes tópicos musicais: impostação vocal, variações de timbre, extensão vocal, afinação,

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inteligibilidade e homogeneidade da voz, fraseado, dinâmica, flexibilidade da voz e intenção interpretativa.” (Sousa et.al. 2010, 323)

Neste caso, concordo com Sousa et.al quanto aos resultados causados pelo uso de imagens, metáforas corporais para o ensino ou performance no canto (2010). Este fato pode ser comprovado também em outras pesquisas como a de Braga (2009) que explorara a prática recorrente do uso de matáforas, gestos e imagens, trazem resultados por professores de canto e seus resultados positivos para a performance musical e principalmente vocal (Sousa et. al. 2010, 318). O que ocorre, na verdade, com o uso das imagens e metáforas aplicadas ao ensino- aprendizado do canto é a utilização destas ferramentas para que haja uma transformação das sensações corporais e musicais que o professor sente, para moldar um determinado som do aluno, por exemplo. Didaticamente falando, esta é uma forma de fazer o aluno ou o intérprete sentir uma sensação semelhante àquela proposta pelo professor para que muscular e mentalmente o seu corpo produza uma resposta sonora desejada (Ibid.). Devemos levar em consideração que esta prática de utilizar gestos corporais associados à técnica vocal como um processo de sensibilização corporal é muito individual, afinal envolve as sensações corporais, ou seja, temos sensações diferentes e nem sempre o corpo humano reage igualmente aos estímulos.

1.5 O gesto como coreografia: aplicações do gesto coreográfico na performance musical O gesto coreográfico ou o gesto como parte integrante de uma coreografia, consiste em realizar uma série de gestos corporais intencionais e pré-definidos (Pereira 2010, 1). Segundo Trindade et. al. o termo “coreografia” significa “a arte na composição da dança”, sendo o coreógrafo, normalmente o profissional que coordena essa composição (Trindade et. al. 2007, 206). O termo “coreografia” tem um contexto histórico variado, ele é derivado da palavra coreia (÷ïñåßá), uma dança grega dançada em círculos e acompanhada por canto. Derivados da palavra coreia são usados para descrever danças de círculo em outros condados: Khorovod (Rússia), Hora (Romania, Moldova, Israel), Horo (Bulgária). Paracelsus usou o termo coreia para descrever os movimentos físicos rápidos dos viajantes medievais (Trindade et. al 2007, 205).

Ainda sobre a definição do termo “coreografia” Trindade et. al.esclarece que: 30

“Desta forma, o termo “coreografia” surge na dança em 1700, na corte de Luiz XIV, para nomear um sistema de signos gráficos (notação da dança) capaz de transpor para o papel o repertório de movimentos do balé daquela época. Seu criador, Raoul Auger Feuillet, mestre de balé, introduziu seu neologismo que literalmente quer dizer a grafia do coro. Vem do grego choreia (dança), e graphein (escrita), significando a arte de criar e compor uma dança” (Ibid.).

Na área da dança, por vezes, recorre-se a sistemas de notação gráfica para os gestos, conforme descrito na citação de Trindade et. al designado por “grafia do coro”. Contudo, estes sistemas de notação foram criados com o intuito de registrar e preservar o que vinha sendo feito pelos bailarinos no ato de sua performance (Xarex 2011, 29)34. A grafia -partitura corporal- permite que o movimento não se perca com o passar dos anos, mantendo a tradição, preservando a história da dança e sustentando os movimentos épicos (Ibid.). No processo de corporização dos gestos de uma coreografia a leitura de códigos escritos ou a aprendizagem por imitação e reprodução, constituem os passos mais comuns. Uma outra forma de coreografia existente é através da criação a partir de uma ideia verbal. Neste caso, o coreografo/ encenador/ diretor cênico35 ou quem estiver a cargo de criar os gestos para a coreografia, ao invés de ditar e exemplificar com seu corpo como deve ser feito, transmite aos interpretes uma ideia ou imagem verbal como por exemplo: “neste trecho quero que simulem um tigre” (entr. Mandillo, 2011),ou seja, deixando que os intérpretes envolvidos neste processo criem gestos coreografados para tal ação sem que necessariamente haja uma imitação. O processo criativo de coreografia aos performers/ dançarinos sobre uma ideia verbal é portanto, mais livre do que a forma de coreografia por imitação. Ainda no processo criativo da coreografia temos o gesto coreográfico como forma de mímica da palavra ou de corporalizar um sentido verbal, ou seja traduzir em gestos corporais o sentido que as palavras possuem, e efetivamente o que elas significam. O resultado deste tipo de criação coreográfica não imitativa é bastante interessante, pois é possível compreender a ideia com mais olhares, ou melhor, com uma riqueza quantitativa gestual maior do que os gestos que são criados apenas por uma única pessoa. Diferentemente dos dois outros métodos citados acima, este permite que o intérprete execute os gestos corporais conforme sua sensibilidade e criação, enquanto 34

O pesquisador Luis Xarez afirmou no 2º Fórum Internacional Itinerários Musicais: Música e Gesto, seu artigo intitulado “A notação de movimentos na contemporaneidade” dia 30/10/2011 em Lisboa, Portugal. 35 Passo a nomear a partir deste ponto da pesquisa de coreógrafo a pessoa que cria os gestos e movimentos corporais e/ou dirige as cenas .

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nos outros métodos os intérpretes colocam apenas suas emoções e sentimentos em gestos pré- estabelecidos por um criador, ou seja, sem a possibilidade de criação do gesto que está a realizar. A notação coreográfica vem a ser, no entanto, menos usual tanto por bailarinos, atores e cantores (Xarez 2011). Consiste num recurso que exige do interprete o conhecimento dos códigos em que é expressa a notação para efetuar a performance . O coreógrafo ou por vezes diretor cênico faria- ao utilizar esta composição coreográficauma espécie de partitura com os gestos a serem realizados através de sistemas de notação coreográficos pré-existentes e o executante/performer deveria saber interpretar estas notações o que torna este tipo de ensino e aprendizado menos usual36. Já o aprendizado por imitação, comumente utilizado por cantores, atores e bailarinos é realizado através da reprodução de uma movimentação ou gesto que estamos a fazer e esperamos que os outros, no caso desta pesquisa os coristas, repitam as sequências e os gestos de forma sistematicamente igual ou refaçam de forma semelhante. “... a imitação dos gestos é mais antiga do que a língua falada. Por sua vez, a imitação dos gestos, de origem corporal, apesar de a educação ter insistido na domesticação dos gestos, ela se faz naturalmente. O gesto imitado nos liga diretamente ao corpo do imitado. E esse é um modo de aprender” (Paviani 2011, 3).

O gesto coreográfico aprendido por imitação pode vir a ser posteriormente notado, de forma a que os gestos não sejam esquecidos,funcionando aqui a notação como um meio de preservação da “memória corporal” de um gesto que já foi realizado. Nestes dois tipos de metodologia observamos como resultado final que todos os intérpretes - se pensarmos num grupo de bailarinos, num coro etc., realizam um gesto uniforme, respeitando as limitações de tempo, espaço e movimento propostos pela coreografia, seja de forma registrada ou transmitida por imitação. Focarei, portanto, para esta pesquisa em dois tipos de metodologia de ensino e aprendizado de gestos: 1- O gesto através da composição coreográfica 2- o gesto através da ideia verbal, pois são com estes métodos que o Coro Infantil da Universidade de Lisboa, selecionado para esta pesquisa, trabalha na suíte que será analisada e descrita no capítulo III desta dissertação,a partir da qual eu me apoiei para realizar o trabalho gestual da pesquisa ação. 36

O pesquisador Luís Xarez afirmou durante sua comunicação intitulada “A notação de movimentos na contemporaneidade no 2º Fórum Internacional Itinerários Musicais: Música e Gesto no dia 30/10/2011 em Lisboa, Potugal.

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A forma de como esse gestos são transmitidos e ensinados remete-nos para a tradição oral, onde existe um campo visual, e uma pessoa executa gestos e a outra por um processo de observação, imita ou tenta realizar o gesto semelhante ao que lhe foi realizado e, posteriormente, pode ensinar a outras pessoas sem ter um conhecimento pré-definido sobre o que está envolto neste gesto. A ideia verbal também nos remete para a tradição oral, mas sobre uma perspectiva mais abrangente em termos de gesto. Amparada por Costa observo que no contexto da performance coral, as movimentações, bem como a utilização de gestos corporais podem propor uma coreografia que facilita a absorção ou fixação do texto verbal e musical (2009).Embora a palavra coreografia tenha suas raízes e seja muito utilizada na área da dança, ela não é a única a adotar este termo com um mesmo significado, outras formas de expressão artísticas como o teatro, e em casos específicos da música como coros cênicos e indicanos que a movimentação e os gestos são pré-estabelecidos como veremos nos estudos de caso desta pesquisa. Por vezes, a peça que será coreografa, pode possuir para os performers que a executarão certas dificuldades, sejam estas dificuldades rítmicas, melódicas e a partir destes apontamentos é possível a criação e a utilização de gestos corporais dinâmicos para agir na otimização do resultado final. Os gestos escolhidos para a versão final de uma determinada peça, envolvem os processos de dificuldades encontradas na peça e, ao mesmo tempo, possibilitam uma melhor memorização e interiorização tanto do texto poético, quanto texto musical, facilitando assim o aprendizado musical e a estruturação do texto/ poema (Ibid., 67). A confiança entre os elementos do grupo com o maestro e com encenador ou diretor de cena torna-se um ponto relevante no processo de ensino e aprendizado de gestos e coreografias para a performance coral, tal como retratado por Elysiane dos Santos (2003, 15 apud Costa 2009). A pesquisadora revela que antes de trabalhar uma postura cênica e movimentos (gestos dinâmicos), é preciso todo um trabalho de desenvolvimento de confiança interno do grupo. Observo que para além da confiança entre coreógrafo e elementos do coro, quando a coreografia torna-se um processo discutido e constuído em conjunto que pelo coreógrafo quer pelos elementos que dão corpo aos gestos, este se torna mais prazeroso de se executar (entr. Nayara,2011).

1.6 O corpo na performance musical: o gesto como elemento facilitador de aspectos técnicos vocais e musicais. 33

A performance pode ter conotações e sentidos distintos e portanto, começo por expor o que pode vir a ser considerado performance. A performance pode significar atuação ou desempenho realizada por um indivíduo ou grupo (Schechner 1988 apud Storolli 2007, 3). A pesquisadora Wânia Storolli propõe em seu artigo intitulado Performance e processos criativos uma revisão bibliográfica sobre o que vem a ser o termo performance. O trabalho de Storolli revela que para Marvin Carlson, o termo performance tornou-se difundido e popularizado principalmente para designar eventos artísticos como musicas, teatrais,ou de dança (Carlson 2006 apud Storolli 2007,3). Para Zumthor a performance refere-se a um “acontecimento oral e gestual” incluindo em sua perspectiva a presença de um corpo no ato performativo (Zumthor 2000 apud Ibid.). Logo, o corpo retoma sua importância e se localiza ao centro dos eventos performáticos, pensamento esse em voga no século XX e XXI. Em consonância a importância do corpo, os gestos corporais dinâmicos passam a ser valorizados e recorrentes na performance musical. O gesto na performance musical pode ser compreendido em múltiplas dimensões, desde a regência do maestro de coros, orquestras e outros grupos, à prática instrumental e vocal. A música sempre começa com um gesto, seja uma respiração, com um sinal como o levare do maestro, e ouso dizer que não só a música, mas toda performance artística começa a partir de um gesto e que é o gesto que, na maioria das vezes comanda a música. Embora já tenha sido explorado nesta dissertação, alguns conceitos de gesto e suas formas de utilização ainda não foi focada a área da performance musical como tônica nas classificações feitas anteriormente. Selecionei, portanto,alguns pontos e formas de utilizações do gesto na performance musical relevantes para a presente pesquisa que serão descritos a seguir.

1.6.1 O gesto na regência coral e instrumental: a relação corpo- música. Na regência o condutor utiliza um sistema de gestos corporais para se expressar e comunicar com os demais músicos presentes na prática musical. Essencial para que ocorra a regência, tanto vocal quanto instrumental, o gesto dinâmico executado pelo condutor/maestro/regente/diretor37 é um dos responsáveis pelo resultado sonoro.

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Embora todas estas designações refiram-se ao ser que conduz musicalmente um conjunto ou coro, adotarei para esta pesquisa o termo de maestro.

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Segundo o regente José Viegas Muniz Neto é por meio das sequencias de gestosgestos regenciais, corporais- que o regente “toca” o seu instrumento que no caso, é representado pelos músicos, constituindo assim um diálogo e um discurso musical conduzido pelo maestro (Muniz Neto 2003, 47). O gesto dinâmico torna-se então um dos polos importantes no estudo da regência. Destacado na regência, os gestos corporais como, por exemplo, o desenho realizado pelas mãos e braços para a marcação dos compassos ganham expressões individuais, mas conservam a essência do gesto e do desenho feito corporalmente (Amatto 2008, 55). Ainda na regência seja ela instrumental ou vocal, o gesto dinâmico desempenha um importante papel além da comunicação que é o de sustentação musical.

“Rudolf (1950) coloca que, por meio dos gestos, o condutor deve ser capaz de comunicar nuances de dinâmica, detalhes do fraseado, articulação (legato, staccato) e expressões gerais” (Ibid.).

A pessoa que comanda o gesto, neste caso o maestro, deve ser capaz de controlar com os gestos, vários aspectos musicais como o ritmo, a afinação, o fraseado, a dinâmica, a acentuação das palavras quando há texto, a intensidade dentre outros elementos importantes para a performance. Sobre este aspecto passo a citar Kurtenbach e Hulteen onde afirmam que: “No que concerne à música, o gesto desempenha um papel primordial como gerador de significação. De certo modo, nós aprendemos a compreender os acontecimentos sonoros com o auxílio dos gestos que produzem ou representam esses sons. E como dizem G. Kurtenbach e E. Hulteen, a função do gesto dentro da música é proporcional ao seu poder de expressão: Os gestos amplificam suas funções em virtude de sua expressividade. Quer dizer, um gesto pode controlar vários parâmetros ao mesmo tempo, permitindo assim que o usuário possa manipular os dados de uma maneira que seria impossível se tivesse que modificar um parâmetro de cada vez. Por exemplo, um maestro controla simultaneamente o tempo e o volume do gesto musical. O ritmo do gesto controla o tempo e o tamanho do gesto controla o volume. Isso permite uma comunicação eficiente que não seria possível pelo ajuste individual do tempo e do volume” (Kurtenbach & Hulteen 1990, 311-12 apud Iazzetta 1997, 8).

De fato, o que ocorre com o gesto na regência engloba a área da comunicação e linguagem, pois é através dos gestos corporais dinâmicos que o maestro se contacta e comunica com os demais músicos. Os gestos corporais utilizados pelo maestro na performance não são universais e podem conter particularidades individuais de cada maestro. No entanto, o resultado final dos gestos realizados pelo maestro se traduz em 35

forma de gestos pré-estabelecidos/combinados por ele para com o grupo musical de forma a estabelecer uma linguagem e diálogo entre os músicos e o maestro. Estes diálogo proporcionado por gestos pré estabelecidos entre maestro e músicos vão tornarse produto para o resultado sonoro (Amatto 2008, 55). Desta forma, amparada pelo professor e regente brasileiro José Viegas Muniz Neto sustento que os regentes dão grande importância à componente gestual. Dentre os gestos destaco os gestos faciais para que consigam se comunicar e expressar suas intenções interpretativas. O regente dispõe de tipos de outras formas corporais para se comunicar sendo eles o gesto dinâmico, a mímica expressiva e a palavra (Muniz Neto 2003, 48). A mímica enquanto expressão pode ser considerada um tipo de gesto como referido anteriormente nesta pesquisa e engloba também a expressão e o gesto facial, que, por meio de contrações e distensões musculares produz uma imagem expressiva e comunicativa. A palavra, como gesto de expressão verbal, seria no caso, utilizada apenas para ensaios. “A regência é uma forma de comunicação em que o gesto possui mais força de expressão do que as palavras, pois expressa uma mensagem artística coreográfica, enquanto na paralinguagem o orador tende a gesticular de maneira a reforçar suas palavras numa atitude de equivalência a idéia emitida pela fala. Na paralinguagem “o gesto escreve de certa maneira a informação, com sua capacidade de ilustrar o pensamento.” Já na mensagem musical, qualquer vocábulo, por mais sutil que fosse, não chegaria a substituir o gesto, signos acústicos: Seria o inverso da paralinguagem: a linguagem tentando reforçar o gesto, decodificado pela sensibilidade do músicos” (Ibid., 65 ).

Não só o maestro, mas também os músicos envolvidos na performance musical podem se comunicar através da linguagem gestual corporal, o gesto como um componente comunicativo não verbal é muito utilizado pelos performers de uma forma geral e exploram principalmente os gestos realizados com a cabeça, com a face, com o olhar, a respiração entre outros, executáveis conforme a formação instrumental/ vocal do grupo (Ray e Castineira 2007).

1.6.2 O gesto com função comunicativa: possíveis relações de comunicação no ato performativo O gesto serve também de integração entre performer e plateia. No caso dos cantores, por exemplo, esta integração ocorre através de uma resultante da relação cantor –personagem – público. O cantor se torna personagem quando está a interpretar uma canção e a partir deste personagem o performer se relaciona com a plateia. O gesto 36

dinâmico tem um importante papel neste possível diálogo entre o artista e o público. O encenador Reynaldo Puebla afirma que através de gestos corporais dinâmicos associados à performance musical, torna-se possível atrair ainda mais a atenção do público. Este fato deve-se à forma de “atrair” o espectador através de outros sentidos, para além da audição, como por exemplo, a visão, explorando movimentos e posições corporais diferentes que extrapolam o modelo tradicional estático e transcendem a uma nova estética visual ao canto e principalmente ao canto coral (Puebla 2004). Desta forma, muitas das vezes o performer consegue reter ou deslocar o foco da atenção do espectador e provocar nele uma nova emoção, através da sequência de movimentação e gestos significarem ou traduzirem algo importante ou ainda determinante para aquele momento (Zanatta 2008). Este processo comunicativo de reter a atenção do público através do canal visual, que envolve tanto a movimentação,quanto elementos cênicos pode ser rotulado por “estética” explorada por Schwartz e Amato (2011). Para esta pesquisa será utilizado o termo estética visual para referir ao processo que modifica o aspecto visual da performance coral e que proporciona um maior entrosamento performers plateia (Ibid.). Em entrevista uma integrante do Coral Os Canarinhos de Itabirito afirmou que o público aprecia mais a performance musical quando ela possui algo de novo, seja um gesto corpoal, seja um elemento cênico, sejam formações com desenhos diferentes do “tradicional” (entr. Lorene, 2011). Em uma tentativa de agradar o público com sua performance plural, os coristas revelam também que a performance torna-se mais prazerosa tanto para o público quanto para os próprios intérpretes, quando estes elementos anteriormente referidos que fogem de um modelo “tradicional”, são inseridos na performance (entr. Nayara, 2011). Para a performance musical especialmente a vocal coral, aplica-se o que Reviére chama de simpatia mímica, onde os grupos corais que utilizam gestos corporais dinâmicos intencionais e conscientes com a intenção de provocar o espectador através de outros sentidos que não apenas a audição, como a visão. Fato esse que leva em consideração também o pensamento de Rousseau unindo música e gesto. Os gestos utilizados pelo maestro e pelos cantores de coro que aderem ao “novo” modelo performativo coral- através de gestos corporais dinâmicos, podem não ser, necessariamente, realizados de forma padrão (Schwartz e Amato 2011). O mesmo, no entanto, não pode ser aplicado aos instrumentistas, pois cada tipo de instrumento, exige um gesto padrão que define o resultado sonoro. Os instrumentistas de sopro, por 37

exemplo utilizam gestos padões para a forma de digitação, mas esta forma de gesto padrão torna-se modificada pela identidade musical que cada performer aplica sobre o instrumento. O gesto padrão que é gerador de som é chamado de gesto musical. O termo gesto musical vem sendo utilizado pelos autores como Morais (1997); Ramos (2003); Freitas (2005), dentre outros. Para entender o que vem a ser o gesto musical, o músico e professor português Domingos Morais dá-nos uma definição afirmando que o gesto musical é:

“mobilização e domínio do corpo enquanto gerador de música. A sua aquisição consegue-se pela observação, imitação, experimentação e reinvenção, permitindo o desenvolvimento de capacidades vocais e corporais, o domínio de instrumentos, o movimento e a dança” (Morais 1997,35).

No entanto, pode-se dizer, que “o parâmetro primeiro para a construção do gesto musical é o conhecimento musical.” (Freitas 2005,64). Supõe-se que este domínio do corpo exposto por Morais esteja presente nos músicos instrumentistas e cantores de forma geral sobre o instrumento/canto.

“O gesto musical, além de ação expressiva, comunicacional, cumpre, igualmente a função epistêmica, constituindo, portanto, uma atividade cognitiva. Ele se constrói em função dos sons e das relações sonoras que constituem a música. Os elementos musicais suscitam seus correspondentes gestuais. Uma célula rítmica ou uma frase melódica precisa de uma conformação gestual que a realize. Um acorde corresponde, também, a uma ação musical, assim como o contraponto, um baixo, ou um acompanhamento, ou, ainda, o forte e o piano, o crescendo e o decrescendo, o acelerando e o ralentando. O desenvolvimento de uma idéia apresentará repetições e variações que, também, têm seus correspondentes na ação gestual” (Ibid.,58).

O gesto musical pode ser considerado, portanto, a tradução sonora de um gesto, ou seja, a partir de uma movimentação e/ou intenção é que ocorre o gesto e, é este gesto musical que impulsiona a fazer um gesto com o corpo, resultando em uma produção sonora, não desassociando assim, o gesto musical do gesto e da prática corporal. O pianista brasileiro Marcos Freitas, em sua dissertação de mestrado intitulada O gesto provável, uma investigação acerca do gesto musical afirma que a música é gestual e que se realiza através de um gesto e reforça ainda que é somente em função da música que se pode elaborar o gesto musical (Ibid.,70). Neste mesmo trabalho o referido autor faz ainda a seguinte afirmação: “O gesto traduz a música em uma realidade física, de forma que ela possa ser captada pelo instrumento e repercutida em sons” (Ibid.,66).

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O gesto musical é, portanto, consubstancial a um gesto dinâmico, mas que só existe por ser gerador de sons e/ou música. Este gesto musical está ligado à função motora corporal e torna-se imprescindível para que aconteça o gesto musical. O autor Freitas considera o gesto musical também por suas características de ação cognitiva e expressiva além da função motora (Ibid., 50). O pianista brasileiro Thiago Cazarim, ressalta que:

“... pode-se entender que o gesto não só é necessário para a expressividade resultante de determinadas maneiras de se executar música, mas, principalmente, é um elemento que pode alterar toda a expressividade musical. Indicando o gesto como expressivo, pretendemos apontar que o estudo de novas técnicas de preparação para a performance, assim como da própria possibilidade de se discutir a expressividade de execuções musicais, deve tangenciar o corpo dos músicos em ação” (Cazarim 2008, 5-6).

Existem gestos pré-estabelecidos para efetuar a performance de cada instrumento, independente das técnicas utilizadas, por exemplo, no caso de um pianista é necessário que ele coloque os dedos sobre as teclas e faça uma certa pressão sobre ela para que se produza som, este seria portanto, a função motora para que aconteça o gesto musical. Porém, o nosso corpo não é uma máquina e nós performers buscamos além dos atributos técnicos, elementos interpretativos e expressivos que poderão ser inseridos na performance musical. Sobre este aspecto Freitas afirma em seu estudo sobre o gesto musical que:

“O gesto musical, portanto, decorre da utilização do canal gestual, expressivo, do indivíduo, inserido no contexto da música e desenvolvido em função dela, caracterizando-se como mais um mecanismo do conhecimento humano, e um constituinte da experiência musical” (Freitas 2005, 15).

A junção gesto – expressão - música interage entre os dois pólos desta pesquisa: o gesto e a música. Outro pólo importante a ser trtatado no gesto musical é a emoção, resultante da expressão. A ligação gesto/música/expressão acontece também através da relação do sentido musical e sensorial onde há uma interrelação mútua, pois, o gesto expressa música e a música expressa o gesto. Para Freitas nesta relação o gesto se encontra em posição privilegiada em relação ao conhecimento musical porque “a música sempre foi feita gestualmente e há uma comunhão de qualidades que permitem o gesto expressar música” (Ibid.,66). Dentre as qualidades citadas por Freitas, temos o movimento corporal que permite através do gesto dinâmico expressar música. Segundo o mesmo autor o 39

movimento (gesto dinâmico) provoca sensações conectando as emoções e o estado emocional do performer. Logo e em comunhão com o pensamento de Freitas, na execução musical o gesto está antecipadamente no performer e as ações humanas carregam sentido e expressão fazendo assim a junção música/gesto musical/expressão (Ibid.).

1.6.3 O corpo na performance vocal: o gesto potencializando a performance vocal “Os sons que podemos produzir com o corpo, incluindo aqui a voz, também são movimentos. Investigar o movimento também significa explorar as diversas possibilidades da voz. Os processos de experimentação, criação e improvisação envolvendo voz e movimento são fundamentais, pois além de permitirem o conhecimento do som, inclusive antes de qualquer sistema ou código específico, ocorrem a partir da atuação do corpo. Essas estratégias têm ainda como vantagem o fato de poderem eventualmente se realizar como um processo coletivo, o que é enriquecedor por permitir uma constante interação entre os participantes”( Storolli 2011,138-139).

Para os cantores de uma forma geral, o trabalho corporal é importantíssimo, pois o seu instrumento (pregas vocais e aparelho fonador) localiza-se internamente no corpo humano, logo não existe a produção sonora sem uma intenção corporal ou ainda um gesto vocal. Os gestos corporais caracterizam ainda personagens, principalmente no contexto da ópera e do teatro de uma forma geral. Segundo Patrícia Costa pesquisadora e musicista brasileira, a proposta de inserção de gestos corporais dinâmicos aplicados à performance vocal, sejam aplicados a trabalhos solo,por grupos vocais e/ou corais, com elementos cênicos ou não, “jamais deverá impedir ou atrapalhar o resultado e a qualidade sonora” (Costa 2009,67). Sobre esta ótica de Costa coloco as seguintes questões: o que de fato atrapalharia o desenvolvimento vocal? Quais os tipos de gestos que favorecem a performance vocal? Certamente, não somos iguais e não reagimos da mesma forma a ações e estímulos. No entanto, há determinados gestos que despendem de uma maior energia ou que exigem de nós uma força, bem como movimentações excessivas, que podem ter um impacte negativo no todo da performance vocal. Logo, concluo que não é possível formular uma tabela de referência de quais gestos atuam positivamente e/ou negativamente e estes gestos só serão percebidos e classificados após a realização e do consenso do grupo.

“Ainda nesse contexto e mais especificamente na área coral, Wis (1999) pesquisou a importância do gesto para o desenvolvimento de habilidades vocais e da compreensão musical. Ela ressalta que os cantores têm maior compreensão da música quando se movem: Gestos não são apenas eficazes

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quando se trata dos desafios associados à técnica vocal; eles podem ser muito importantes para ajudar os cantores a sentir e entender a música em um nível mais profundo e primordial. Os cantores podem vivenciar em seus corpos os elementos estruturais ou as qualidades expressivas da música: eles podem ver o que suas mãos estão fazendo à medida que eles pintam a frase, eles podem sentir a tensão e o relaxamento inerentes à linha melódica, enquanto eles representam estes tipos de gestos, e eles podem conectar sua consciência cinestésica com o som e suas mudanças sutis ou dramáticas” (Wis 1999, 26 apud Bündchen 2005,49).

Baseado nesta reflexão de Bündchen que relaciona o gesto a performance vocal e a percepção dos cantores de uma forma geral que utilizam gestos corporais dinâmicos selecionei algumas formas de utilização e funcionalidades do gesto aplicados a performance musical e sobretudo vocal, que serão retratados neste capítulo como apoio para a técnica vocal, como método de sensibilização corporal para os aspectos musicais e expressivos da música. A intenção de sentir com o corpo os elementos musicais como referido na citação atrás exposta “pintar a frase”, “sentir a tensão e relaxamento da linha melódica”, dentre outros exemplos, torna-se uma das formas de aplicação do gesto dinâmico que servirá como forma de processo para a verificação dos avanços em termos técnicos vocais e musicais na comparação da performance anterior e após a inserção dos gestos. O termo “gesto vocal” como referido anteriormente foi adotado por diversos autores tanto da área musical quanto da área da fonoaudiologia. Segundo a fonoaudióloga brasileira Izabel Cristina Viola em sua tese de doutorado intitulada o gesto vocal: a arquitetura de um ato teatral faz referência aos elementos que constituem o gesto vocal e suas formas de manifestação afirmando que: “os gestos vocais correspondem a movimentos de uma ou mais estruturas do trato vocal que se deslocam no tempo e no espaço, movidos pelos ajustes permanentes e temporários da qualidade e da dinâmica da voz e pelo jogo temporal entre silêncio e fala” (Viola 2006, 189-190).

A partir desta afirmação de Viola concluo que a voz, ou ainda o som, é resultante de um processo gestual – mesmo que invisível/ imperceptível – onde o corpo e o movimento (exercido pelos músculos, aparelho fonador e pela coluna de ar) em união produzem o som e todo esse processo é entendido como “gesto vocal”. A autora que venho a referir indica ainda que “tomar a voz como gesto é entender que a voz é dinâmica, flexível e adaptável” (Ibid.,8). Neste mesmo sentido, focalizando ainda mais a voz cantada, a autora Gisèle Brelet filósofa e crítica musical francesa afirma que “o canto é a melodia que nasce do 41

gesto vocal" e "o gesto vocal escapa a toda a manifestação visível: ele traduz-se apenas em sons" (Brelet apud Salgado 2009, 1). Partindo deste princípio Cotes diz que o gesto vocal é constituído por signos linguísticos como acentuação das palavras, ou seja, a linguagem também pode ser considerada por este aspecto como um gesto vocal. “O gesto vocal, como elemento fisiológico e lingüístico dinâmicos, efetiva na expressão do indivíduo as demandas contextuais e subjetivas, que reflete a variabilidade da língua e, por isso, integra a voz no universo da linguagem” (Viola 2006, 191).

O resultado da utilização de gestos corporais dinâmicos durante a performance pode ser observado de forma muito particular, pois trazem efeitos desiguais a cada performer ou grupo, como já explorado anteriormente, reafirmo que o nosso corpo não responde da mesma forma aos gestos e estímulo, no entanto, ter uma maior consciência corporal

e o conhecimento de como os gestos corporais podem ganhar enfoques

diferentes como agir sobre uma dificuldade seja ela musical, vocal, comunicativa etc. ou ainda, robustecer aquilo que queremos destacar, uma dinâmica musical, o texto verbal, dentre todas as outras abordadas até então neste trabalho.

Em síntese O corpo possui importante papel no fazer musical, sendo possível afirmar que não há performance sem corpo, não podendo, portanto, ser o corpo dissociado ou ignorado no ato performativo. A consciência corporal também referida neste capítulo torna-se relevante para a performance musical para a aceitação e a afirmação do corpo alinhado ao ato performativo musical e vocal retomando o corpo não apenas como uma ferramenta resultante mas sim como o que realiza o processo performativo. Em outras palavras, a consciência corporal aplicada a performance musical reafirma a intenção de sermos um corpo e não apenas de termos um corpo e utilizarmos dele para o fazer musical. Os gestos são partes integrantes do fazer musical e refletem principalmente na performance vocal por constituírem conotações que resultam em uma performance plural, mais comunicativa e atrativa tanto para os performers quanto para os espectadores.No âmbito da atração atras referida foi levada em consideração a questão

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estética visual da performance vocal que se torna mais encrementada com a utilização de gestos dinâmicos, estáticos e elementos cênicos. Neste primeiro capítulo sustentado na revisão crítica da literatura sobre o gesto, explorei as vertentes, os significados e formas de utilização e funções do gesto tanto o gesto vocal, corporal e musical nas áreas abordadas como na linguagem e comunicação, na dança, fundidos com a performance musical que denotam sentidos essenciais à performance, não apenas a carater expressivo e comunicativo, mas também no nível estrito da produção sonora, técnico vocal, musical e visual. As tipologias descritas servirão de base para a construção dos capítulos III, IV e V onde exponho e analiso os gestos, classificando-os segundo a tabela n.2, apresentada neste capítulo. Neste caso, a utilização de gestos dinâmicos proporcionam uma outra forma de convenção de modelo coral que reflete-se na performance vocal de grupos corais que ultrapassam os limites musicais e vocais. Sobre estes modelos de coros que irei concentrar-me no próximo capítulo retratando a tradição coral amadora que se configurou em Portugal e no Brasil através de uma abordagem descritiva e histórica dos contextos determinados. Para os capítulos seguintes III e IV, as categorias de gesto tal como o gesto estático, dinâmico, são subdivididos segundo os tipos de gesto e utilizações descritas neste capítulo.

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Capítulo II – Grupos corais amadores: contextualização histórica do objeto de estudo Neste capítulo começo por explorar o conceito “coro” e a realidade coral a partir da Antiguidade Clássica. Deste modo, exponho alguns dos movimentos e grupos corais amadores no contexto reliogioso e secular por meio de uma breve reflexão histórica à cerca desta prática que evoluiu até os dias de hoje dando origem a abordagens de canto coral distintas. A realidade coral amadora, apesar de documentada através da escrita desde a antiguidade clássica, como será referido adiante, só a partir de finais do século XVIII se configurou como uma prática amadora, como a conhecemos atualmente (Bündchen 2005, 23). Importa, assim, começar por compreender o sentido que o termo coro adquiriu nesse contexto, bem como as principais transformações que a prática coral sofreu até se configurar no modelo que serviu de base aos coros em estudo nesta dissertação. Partindo do processo histórico analisado, procurarei definir categorias que me permitem compreender e sistematizar a realidade em observação nos

capítulos

seguintes.

2.1. O coro amador no contexto da música ocidental38: breve síntese histórica O termo coro deriva da palavra grega “chóros”, a qual representava, na cultura grega, a dança unida à poesia, ao canto e ao teatro39 (Zander 2003,165). Segundo o maestro brasileiro Oscar Zander, o termo tem um sentido muito amplo e passou através do tempo, por diversos significados (Ibid.). Do original choros grego formou-se, através do latim, o termo italiano coro, o francês choeur, o inglês choir, o alemão chor e nos Países Baixos, Kór (Ibid., 159). No contexto da música ocidental, em países como a Inglaterra e a Alemanha, é feita uma distinção terminológica entre os grupos seculares, amadores, e os grupos

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Apesar de estar consciente das limitações da categoria “música ocidental”, que decorrem, entre outros, de uma visão eurocêntrica do mundo, recorro a esta designação sustentada nos contributos de Bruno Nettl (2005) e Richard Taruskin (2005). O problema da categorização musical, explorado por diferentes autores como a etnomusicóloga São José Côrte-Real (1991) escapa ao âmbito deste estudo. 39 Do mesmo modo, documentos da Mesopotâmia revelam uma prática coral ligada aos cultos religiosos e às danças sagradas (Bündchen 2005, 23).

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profissionais ou ligados à prática religiosa40. Na língua portuguesa, e, sobretudo no Brasil, o substantivo coral também é sinônimo de coro e não há uma distinção muito clara no uso das duas palavras. Em português o termo coro é assumidamente utilizado com qualificativos como: coro misto, coro feminino, coro de ópera, coro cênico etc. Na língua portuguesa não existe uma distinção terminológica entre o coro amador e o coro profissional. Como refere,o professor brasileiro Ruy Botti Cartolano, o “canto coletivo”, foi um elemento presente em diversas culturas:

“Ainda que de formas diversas, o canto em conjunto sempre se fez presente em todos os povos, desde os mais antigos e primitivos aos mais modernos. Desde os povos antigos como os Egípcios, Assírios, Hebreus, Indús, Chineses, Persas, até aos Ciganos e principalmente os Gregos - que o conjugavam a música como parte obrigatória da educação do povo” (Cartolano 1968, 17).

Relativamente ao alcance do termo chorus na Antiguidade Clássica, o pesquisador Ricardo Petter refere: “...significava o lugar em que se dançava; posteriormente, a própria dança foi denominada coro, de modo particular a dança relacionada com o canto e interpretada em ocasião das grandes festas em honra a alguma divindade essa dança teve caráter solene e sempre constituía a parte central da festa. No teatro da Antiguidade, na tragédia e na comédia, o coro era o canto rítmico que acompanhava a dança - um conjunto de aspectos (poesia, canto e dança) que, somados, iam ao encontro do ideal do antigo drama grego de Ésquilo, Sófocles, e Eurípedes” (Petter 2010,16).

Ou seja, o coro no drama grego não possuía características exclusivamente musicais, mas correspondia a uma performance coral plural que inclui música, teatro, dança e poesia. Ésquilo, Sófocles e Eurípedes41 foram três importantes tragediógrafos que contribuíram para a presença do coro na tragédia grega (Ibid.). O coro foi uma marca constante no desenrolar dos acontecimentos do teatro grego, com o objetivo de dar força à ação e ao drama em cada momento, soando como a “voz coletiva” conjugada por gestos corporais dinâmicos, ou seja, movimentação corporal visível (Lesky 1995, 258). 40

Na lingua inglesa, a palavra choir é usada para os grupos de cantores eclesiásticos, ou para os grupos com menos elementos de músicos profissionais, enquanto a palavra chorus é preferida para os grupos “grandes seculares”(Smith e Young 2001,767). Em alemão, todos os coros são Chor, exceto o eclesiástico, que é Kirchenchor (coro de igreja) (Smith e Young 2001,767). 41 Três importantes tragediógrafos importantes para a história do teatro e da tragédia grega.Ésquilo (525 a 456 aC aproximadamente) –Contava fatos sobre os Deuses e os Mitos. Sófocles (496 a 406 a.C.aproximadamente) – suas tragédias tinham como tema principal as grandes figuras Reais. Eurípides (484 a 406 a.C.aproximadamente) – retratava em suas tragédias os renegados, dos vencidos (era considerado o pai do Drama Ocidental)

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Segundo Petter, na pré-história o homem cantava tanto individual quanto coletivamente, no entanto, os primeiros documentos escritos relativos a essa prática, referem-se à Antiguidade Clássica (Petter 2010, 16). Da mesma forma o professor brasileiro Ruy Botti Cartolano sustenta que a tradição coral ocidental teve seu início na Grécia Antiga, complementando que “o canto em conjunto (em uníssono e em oitava, como tudo faz crer) sempre conjugado com a dança e a poesia, estava intimamente ligado a cerimônias religiosas e cívicas, e com real destaque, aos jogos olímpicos que eram celebrados na Grécia antiga, de 4 em 4 anos, em honra de Júpiter” (Cartolano 1968, 17).

Portanto, é possível considerar que a origem dos coros no ocidente remota à antiguidade e ao drama grego e que, apesar das alterações que sofreu ao longo do tempo, sua construção orientou-se pelo coletivo e pelo gesto dinâmico (cf. Capítulo I) associado ao canto, no teatro e na dança (Pickard-Cambridge 1969, 247). De acordo com Donald J. Grout e Clayde V. Palisca os coros e algumas partes líricas eram cantadas, nas peças de Eurípides e Sófocles (Grout & Palisca 2001, 18). Posteriormente, no segundo milénio da nossa era, os coros surgem com maior recorrência nos “dramas litúrgicos medievais”, ou seja,

o coro passa a ser mais

recorrente na igreja no período medieval nos “dramas litúrgicos medievais” que eram encenados em sua maioria em latim e com temas religiosos (Ibid.). Na era cristã, o termo coro transforma-se de acordo com o contexto religioso, bem como os significados que assim o representavam como grupo que canta, lugar físico e específico onde se canta e onde se localiza o orgão, como nos mostra Zander:

“Assim, o termo latino chorus pode significar o grupo da comunidade que canta; a ábside, junto ao altar, separada da comunidade e do coro pelas cancelli (cancelas) e, mais tarde, também denominada o lugar onde se coloca o orgão. Daí, posteriormente o termo choral, o que era executado no coro” (Zander 2003,160).

No início da era cristã, o gesto corporal dinâmico cultivado anteriormente pelos gregos cede lugar ao gesto estático. De acordo com Zander, o termo “coro” faz referência ao canto de antífonas e responsórios aos séculos II e III, apesar de esta prática já ter sido retratada no antigo testamento bíblico, onde o coro foi referido a propósito no culto judaico (Ibid.,160). Segundo Grout e Palisca, no século VI existia um coro atribuído a Gregório I (Gregório Magno) - papa entre os anos de 590 a 604 -, que fazia

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uso do canto gregoriano ou também conhecido por cantochão (Grout & Palisca 2001, 42). O maestro brasileiro Sérgio Magnani afirma que é na Roma cristã que o coro cria as bases da musicalidade ocidental, através do canto gregoriano, que se apresentava monódico tanto na arte religiosa como na profana (1996, 272 apud Bündchen 2005,26). No século VIII havia também em Roma uma schola cantorum42 bem definida, com cantores e professores incumbidos de formar rapazes e homens para servirem como músicos da igreja com o intuito de “regulamentar” e “uniformizar” os cânticos litúrgicos (Grout & Palisca 2001, 42).

“O canto gregoriano e a música profana tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da música coral, bem como no surgimento de uma escrita que desse conta das possibilidades musicais que estavam surgindo”(Bündchen 2005,27).

James G. Smith e Percy M. Young explicam que somente após 1430 que a polifonia propriamente dita se impôs nos coros, nas igrejas e mosteiros medievais (2001,770). Tais coros eram compostos de homens e às vezes por meninos, devido a proibição de São Paulo ao canto de mulheres nas igrejas. Às mulheres só era permitido cantar nos conventos e um típico coro de catedral podia reunir de quatro a seis meninos de dez a dezesseis homens (Ibid.) No contexto religioso, do século XV, o coro passou a ter vozes fixas que constituiam a polifonia sacra coral em quatro partes vocais básicas, assemelhando à distribuição moderna: Soprano, Contralto, Tenor e Baixo (Bündchen 2005,26 e Smith e Young 2001,769-770). Com relação ao gestual empregado pelos coros na Idade Média, observa-se que, a utilização do corpo através de gestos corporais, sobretudo no final deste período histórico, era considerado impuro. Esta postura deve-se ao fato de que a arte estava a serviço de Deus e a Igreja, por sua vez, detinha o conhecimento e “ditava as regras” do que poderia ou não ser realizado, classificando os atos corporais como puros ou impuros (Ibid.,25). Esta forma de pensamento resultava na negação do movimento corporal, ligando os gestos (movimetos corporais) ao pecado (Ibid.). Neste contexto, tramaram-se os padrões de educação e comportamento da época, onde a criança ficou à mercê das 42

Escola de cantores, originalmente escola papal de cantores, cuja fundação é atribuída ao Papa Silvestre (314-315), porém reorganizada pelo Papa S. Gregório (590-604), que tinha por função praticar e difundir o cantochão (canto gregoriano), influenciado por outras igrejas e mosteiros e impulsionar a orientação à música sacra, dentro ou fora da igreja.

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repressões e dos castigos adultos (Ibid.). Reforça-se aqui a preocupação do adulto em controlar a criança, e principalmente o movimento do seu corpo que refletirá na cultura da época no contexto social, educacional e inclusive musical.

“[...] a criança era atada, enfaixada e imobilizada durante longos períodos de tempo, mediante quaquer tipo de recurso (Levin 1997, p.222). A criança imóvel, feito um pacote, foi uma prática que se prolongou por toda a Idade Média até o começo do século XIX ” (Bündchen 2005 ,25).

A partir da Idade Média instauraram-se regras e publicados manuais sobre o corportamento corporal para a sociedade diante da moral (Ibid.,26). A negação do corpo revelou-se também nos gupos corais, que mesmo tendo seu explendor nas grandes catedrais católicas na Idade Média, eram impossibilitados de realizar qualquer outro gestual no ato performativo (Ibid.). O canto em grupo, que até então de domínio da Igreja Católica se expandiu com o coral protestante com Lutero (1483-1545), se propagou por toda a Alemanha (Ibid., 27). A prática do canto coral foi aos poucos se desenvolvendo e se desligando do clero e a música sacra passou a dar lugar também a música profana.

“[...] A função do coro não era mais exclusivamente litúrgica, encontrando-se bem afastada de sua origem [...] A partir dessa época criam-se associações de canto e outras agremiações congêneres que visavam a prática do canto coral, agora no terreno profano [...] inúmeras escolas, fundações, conservatórios, são fundados, visando a restauração e renovação da prática coral (Pahlen 1965 apud Petter 2010,18).

A reforma de Luterono século XVI, favoreceu também a inclusão da música no currículo escolar. No entanto, a concepção musical adotada por Lutero foi “extremamente conservadora” a ponto de cortar todos os instrumentos musicais que haviam conquistado espaço no cenário musical religioso até então e não permitia qualquer tipo de movimentação corporal como a dança ( Bündchen 2005,27). A gênese da polifonia vocal dada a partir do Renascimento pode ser atribuída como o ponto inicial da transformação no modelo de conjunto vocal conhecido e praticado nos coros que serviu de base nesta dissertação. No teatro do Renascimento e no fim da Idade média, contexto em que tantas tragédias e comédias imitavam ou buscavam sua inspiração nos modelos gregos citados anteriormente, os coros, executavam sua performance em especial no início e no final dos atos (Grout & Palisca 2001, 316). Além disso, entre os atos de uma comédia ou de 48

uma tragédia era costume representar intermedi ou intermezzi,que são interlúdios de caráter bucólico, alegórico ou mitológico. Nas comemorações oficiais importantes, como os casamentos reais, estes interlúdios eram produções musicais espectaculares e elaboradas, com coros, solistas e grandes conjuntos instrumentais (Ibid.,19). Esta observação é feita também por Smith e Young que identificam a música secular, ou seja, fora da igreja, do período do Renascimento era quase exclusivamente cantada por solistas. Entretanto, nos contextos festivos, como por exemplo, as festividades de um matrimônio real, o coro sempre se fazia presente (Smith e Young 2001,769-770). No contexto religioso do século XVI, as formações corais eram em geral destinadas a meninos. Até os cantores castrati foram introduzidos nos coros da Igreja Católica Romana, onde cantavam as partes para soprano. As linhas melódicas de contralto eram cantadas por meninos ou por homens com vozes agudas ou em falsete (Ibid., 771). No entanto, ainda no contexto religioso, o cantar em grupo foi aos poucos deixando de ser exclusivamente masculino. Irmandades como os Laudesi na Itália, Os Fratres calendarii, agrupamentos corais que, originalmente, só se dedicavam à música sacra, multiplicados por toda a Europa, passaram, também à prática da música profana, extinguindo-se no século XVI (Zander 2003, 162). Este movimento tinha por característica não apenas a prática do canto mas também os estudos musicais. Neste seguimento estabeleceram-se escolas de canto, denominadas Meistersinger (Ibid.,163). Os grupos eram formados pelos dormitoriales –que dormiam nas escolas, os internos, e que eram responsáveis também pelo serviço da igreja, e por grupos externos de amadores (Phalen 1965 apud Petter 2010,18). Dentre esses profissionais e amadores que tinham o mesmo objetivo, surgiu a tradição do cantor profissional nas capelas dos príncipes e duques e também nas igrejas mais importantes, cujos grandes representantes são H. Isaac, Josquin Des Près e Palestrina (Zander 2003,163). Contudo a tradição do canto profissional na capela, de certa forma, contribui para o crescimento do canto coral amador. Pois observa-se que a partir de então o ensino de música passou a não ser mais exlusivo da Igreja Católica, tendo portanto a música se expandido pela classe alta (nobreza), onde, neste contexto a música também era utilizada para acompanhar as danças da corte (Bündchen 2005, 27). Com o espírito humanista proposto no Renascimento, ocorre na música coral uma nova estruturação que valoriza a música a cappella, e o virtuosismo vocal.Há relatos sobre este período em que os “compositores chegavam a compor para 36 vozes paralelas, num verdadeiro malabarismo contrapontístico”, e, desta forma a polifonia 49

católica passa das igrejas para os salões da aristocracia, socializando a prática coral (Ibid., 28). Adiante no período Barroco, os timbres agudos eram apreciados e como as mulheres ainda não podiam cantar em coros de igrejas a castração em meninos com características vocais de soprano era ainda recorrente (Ibid., 29). Neste mesmo período, os coros de escolas também assumem compromissos com o canto coral, fato este que contribui para o crescimento de coros amadores no século XVIII (Ibid.).

2.2. A distribuição das vozes na classificação dos coros A definição proposta por James G. Smith e Percy M. Young Dicionário Grove de Música, refere-se a um modelo de coro que canta em uníssono ou segundo a distribuição de vozes SCTB: soprano, contralto, tenor e baixo (Smith e Young 2001, 767). Os autores não fornecem dados relativamente ao modo de estar em palco, nomeadamente à presença ou ausência de gestos. De acordo com os autores que venho a referir, a performance conjunta de diferentes vozes bem como a sua distribuição segundo a altura, são, então, as características que melhor definem este modelo performativo. Importa, então, conhecer, ainda que sumariamente, o processo que conduziu a essa distribuição. A nomenclatura tradicional ocidental de divisão e classificação vocal entre soprano, contralto, tenor e baixo, não é exclusiva do canto coral amador. As categorias e terminologias também se aplicam à prática do canto coral profissional e do canto a solo no contexto da música erudita ocidental. As terminologias que classificam as vozes como soprano, contralto, tenor e baixo indicam características vocais, tímbricas, fisiológicas e anatômicas e definem ainda, no universo da música coral, alguns dos possíveis naipes. O termo naipe surge nos ensembles de música para referir um grupo de cantores com determinadas características que também se aplicam à música que executam e ao grau de precisão com que cantam juntos (Ibid.,299). Segundo a antropóloga brasileira Elizabeth Travassos, nas enciclopédias e dicionários musicais, as vozes são classificadas em primeiro lugar por gênero e em seguida, pela região que ocupam na escala de alturas, sendo cada uma identificada por seu âmbito43, compreendido entre uma nota grave e outra aguda (Travassos et. al, 43

Segundo Matos, esta terminologia possui um problema de inconsistência que por hora recebe além da denominação “âmbito”, os termos “extensão”, “tessitura”, ou “registro” (Matos et. al, 2008, 99).

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2008,99). Ainda na classificação vocal por naipe, Cleveland ressalta também a importância

de se analisaremas características tímbricas, físicas acústicas como a

frequência das notas - relativo ao que Travassos retrata por altura, a tessitura vocal, as características físicas da faringe, laringe e todo o trato vocal a partir da formação do aparelho fonador e das cavidades de ressonância (Cleveland 1976). Este tipo de analise para a classificação de vozes proposta por Cleveland é mais específico e mais complexo uma vez que são necessários instrumentos para se analisar características físicas internas tal como a faringe e laringe. Já a proposta de análise classificatória vocal ressaltada por Travassos é mais simples, uma vez que demanda apenas da capacidade auditiva e por isso, torna-se mais recorrente no meio do canto coral amador. A rotulação dos naipes no contexto atual de grupos corais ocidentais permanece a mesma desde o século XVI, composto por soprano, contralto tenor e baixo, por vozes femininas e masculinas podendo ainda ser esta classificação desdobrada em seis ou oito extensões que se dispõem e superpõem parcialmente. No entanto, essa divisão de naipes- soprano, contralto, tenor e baixo não é única e nem universal, porém é essa a terminologia que orienta os grupos corais em estudo neste capítulo. Relativamente aos coros infantis, observa-se uma adaptação dessa classificação à extensão das vozes brancas.

2.3 A construção do canto coral secular: Grupos corais ocidentais emergidos no século XVIII Os coros seculares amadores emergiram na europa a partir do século XVII. Em Inglaterra, as práticas corais se tomaram históricas, como, por exemplo, os festejos de Santa Cecília. Desde 1709 esta festa se tornou uma tradição na qual surgiram, mais tarde (1748), os Festivais de Haendel (Zander 2003, 163). Neles o coro não exercia necessariamente mais a função litúrgica como podemos constatar nas Missas, Oratórios, e Motetos de Haydn, Mozart e Beethoven (Ibid.). A partir dessa época criaram-se associações de canto e outras agremiações congêneres que visavam a prática do canto coral secular (Ibid., 164). Oscar Zander exemplifica as agremiações corais tomando-se de dois exemplos. Primeiramente Christian Fr. Fasch que em 1730 fundou a Academia de Canto de Berlim e posteriormente Georg Nägeli que funda o Instituto de Canto de Zurique em 1805. Contudo esta prática que se disseminou não apenas na Alemanha e Suíça como também

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na Inglaterra, com o Catch-Club e o Glee-Club, o primeiro se responsabilizava pela prática do catch – cânone - e o segundo com objetivos mais flexíveis e livres. O pedagogo francês Guillaume Louis Wilhem (1781-1842), introduziu o canto e a teoria musical como disciplina obrigatória nas escolas de Paris em 1826. Criou também em Paris as associações masculinas de canto chamadas Orphéons (Ibid., 165). O filósofo Hegel teve importante contribuição na forma de pensamento da música fundindo-se com o indivíduo que a produz, proporcionando assim a descoberta da própria identidade musical que é sentida valorizando o corpo pois “não há sentido sem um corpo” (Bündchen 2005,30). É Hegel que abre caminho para o pensamento da música com a problemática da corporeidade (Gonçalves 2005 apud Bündchen 2005, 30). Numerosas “vozes” se ergueram em defesa deste inédito conceito do canto coral como um dos meios mais idôneos para aproximar a prática da música ao povo e, através dela, contribuir para sua sensibilidade e formação. Neste contexto temos como principais nomes os franceses Alexandre-Étienne Choron (1771-1834) e Guillaume Wilhelm (1781-1842), citado anteriormente, Jean-Georges Kastner (1810-1867); o alemão Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) e o pedagogo suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827). As transformações políticas e econômicas desse período e as mudanças profundas acarretadas na sociedade provocaram um aumento considerável no número de coros seculares em várias regiões da Europa, especialmente França, Áustria e Alemanha. Esse é o caso do coro alemão Berliner Singakademie, fundado em 1791 e que se apresenta até hoje. Nos séculos XIX e XX surgiram também, festivais de música em Frankenhausen, Schaffhausen e os Festivais de Renânia, dirigidos por Mendelssohn e Schumann, onde o coro amador foi amplamente utilizado (Smith e Young 2001,769). “A partir do século XIX, caracterizado pelo período do Romantismo, o canto coral passa a assumir um caráter mais social e a fazer parte do currículo das escolas da Europa, o que perdurou por muito tempo. O canto coral passa a ser disciplina obrigatória nas escolas de Paris” (Bündchen2005, 30).

Esse modelo de canto coral como disciplina do currículo da educação passou a ser disseminado pela Europa chegando em Portugal e posteriormente na América, em especial no Brasil.

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O canto coral foi introduzido no currículo escolar português em 1870 (Costa 2010, 237). Mais tarde, em 1878 ficava estabelecido o ensino do canto coral para a instrução primária complementar no território português, onde os programas e conteúdos abordados segundo Ramos:

“...não passavam de um conjunto de indicações não musicas, de simples prescrições aos professores, no sentido do melhoramento das condições físicas das crianças, robustecendo-lhes os pulmões e os órgãos da fonação” (Ramos 1982 apud Costa 2010, 237).

O canto coral surge então no contexto escolar com premissas maiores do que as artísticas e configura-se com o passar dos anos com conotações de higienização, morais, cívicas e políticas.

“o canto coral é uma escola de higiene espiritual, de solidariedade de disciplina, onde todos concorrem para um conjunto harmónico unidos pela verdadeira fraternidade. Estas ideias de higienização, de uníssono e de disciplina, constituirão, durante algum tempo, um tríptico educativo, que se viria a transfigurar, num tríptico, profundamente, ideológico com marcas no Estado Novo, aliás postulado que se verificaria, igualmente, mais tarde, na Alemanha de Hitler” (Costa 2010, 240).

A professora e músicóloga Maria José Artiaga no seu estudo sobre “A disciplina de canto coral no período do estado novo”, realizado em Portugal, no ano de 1999, sustenta que o crescimento do movimento coral na Europa ao longo do século XIX e princípio do século XX partiu da premissa de que o canto constituía-se como um forte componente educativo em sua relação com o texto (Artiaga 1999, 49).

“Em 1918 o canto coral passa a ser obrigatório, para ambos os sexos, salvo condicionantes excepcionais (doença, por exemplo) e revela uma função, ao mesmo tempo, estética, moralizadora e nacionalista. As canções a praticar teriam de ser escolhidas de entre aquelas que revelassem um tríplice critério de moralidade, beleza e sentimento nacionalista e era e era obrigatória a presença de um número coral nas festas escolares: quando o professor conseguir que os alunos entoem, em harmónico conjunto, uma canção vibrante de vida ou um cântico patriótico, como o hino nacional, ter-lhes-á dado uma grande lição de moral, beleza, civismo e solidariedade. Começa-se, provavelmente, a verificar que o conceito de nacionalismo impera e incrementa-se a partir da prática do canto coral. Este nacionalismo é um princípio político que surge nos finais do século XVIII, com a Revolução Francesa e carregava uma certa ideia de nação, aglutinada pela história, pela cultura e pela língua. Então, a educação pública tinha, aqui, um papel preponderante, uma responsabilidade e dever particulares, em que o canto coral se assumia como um instrumento privilegiado de divulgação e de coesão. Estava em causa a formação do cidadão republicano” (Costa 2010, 240).

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Segundo Artiaga, a crença vigente na música como meio de “purificação” e “unidade” entre os indivíduos, trouxe tanto um crescente interesse pelos primeiros tempos do cristianismo, tal como o movimento Bach Revival, como também o laicisismo, consoante aos ideais promulgados da revolução francesa, movimento este que caracterizou a recolha de materiais populares considerados “imprescindíveis ao reconhecimento das identidades nacionais” (Artiaga 1999, 49). A tradição da prática coral amadora que venho a referir, a partir do século XIX, desenvolve-se fora do contexto religioso e teatral em torno dos orfeões. A palavra orfeão deriva do nome de Orfeu, figura da mitologia grega, Deus da música e da poesia (Cartolano 1968, 16). De acordo com o artigo publicado por Hugo Reimann Humbert no Dictionnaire de musiqué, a definição de orfeão que era dada, outrora, a sociedades corais masculinas, teve o seu “termo, na sua forma francesa, orphéon, aplicado por Bocquillon-Wilhem, depois de 1833, às formações corais que organizou em Paris, com gente do povo, crianças, militares, estudantes e etc” (Riemann 1899, 298). Segundo ainda Tomás Borba e Fernando Lopes Graça, em Portugal, “a palavra orfeão entrou na terminologia musical, aplicando-se hoje indevidamente a organismos corais mistos, quer populares, quer pertencentes a liceus, escolas universidades ou outras instituições”44 (Borba e Graça 1956, 207). Este modelo de prática do canto coral amadora, observado por Rosário Pestana, disseminado inicialmente no século XIX, na Europa, inicialmente em França, Inglaterra, em países escandinavos, entre outros, implantou-se mais tardiamente em Espanha e Portugal (Pestana 2010, 98). Em Portugal, foi defendido no século XIX por intelectuais, tais como, Manuel Maria Ramos (1892) e António Arroio (1897). No século seguinte consolidou-se como o movimento determinante no crescimento da prática do canto amador coletivo, tanto em Portugal como no Brasil. De acordo com Pestana “A prática do canto orfeónico disseminou-se em Portugal nas primeiras décadas do século XX, nas principais cidades e vilas, marcando presença em instituições militares, académicas, de benemerência, outros estabelecimentos de ensino e colectividades privadas” (Ibid.,98). 44

Contudo, no Dicionário Musical de Frei Pedro Sinzig, encontra-se a seguinte definição de orfeão: “coro “a capela” (não acompanhado por instrumentos)”. Em SINZIG, Frei Pedro. (1946). Pelo mundo do som: dicionário musical. Rio de Janeiro: Livraria Kosmos Editora.

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O trabalho de Pestana descreve o contexto do canto orfeônico em Portugal como sendo uma experiência ritual coletiva que integraliza contextos de vivência de integração e totalidade, de verdade e transcendência (Ibid.). Pestana explica ainda que a quantidade de elementos que compunham o coro variava entre 30 e 150 indivíduos, sob a batuta de um regente com conhecimento de leitura/escrita musical (Ibid.). O público aderia “em massa” as atividades destes. Pestana aponta ainda o termo “orfeão” em sua semiose como condizendo metaforicamente com as características ideológicas que demonstravam estas atividades, que se estabeleciam à luz do republicanismo e da crença na “regeneração social”.

“As coletividades trabalharam no sentido de que a performance musical em coro veiculasse ideias de ordem, disciplina e harmonia (valores conotados com um indice civilizacional elevado), através de atitudes e comportamentos exibidos em palco: sincronia, afinação, obediência à batuta do regente, aprumo, entre outras”(Pestana 2010,100).

Ainda nesta linha de canto coletivo com valores civilizacional e com conotações sentimentalistas, Arroio sustenta que

“[se as multidões são sensíveis à música, então], “ela pode servir para marcar a unidade de um povo nos actos da vida pública; e, se o povo é uma democracia assente no princípio da egualdade, a forma mais adoptada a exprimir os seus sentimentos será a do canto coral”(Arroio 1909 apud Costa 2010,238).

Nesse sentido o professor português Manuel Deniz Silva discorre sobre a utilização do canto coral como instrumento educativo e político tendo como recorte a Mocidade Portuguesa45 instituída pelo Estado Novo português em 1936 (Silva 2001, 139). Silva afirma que António Carneiro Pacheco, então ministro da Educação Nacional, refere-se à Mocidade Protuguesa como a campanha educativa em que o Estado Novo se lançara para “orfeonizar a nação inteira, numa harmonia de sentimentos e de acções que envolviam a própria ideia de Pátria” (Silva 2001, 140).O orfeão, 45

A Mocidade Portuguesa surgiu no contexto da reforma operada em 1936 no Ministério da Instrução Pública por Carneiro Pacheco, que assumira a pasta para, nas suas palavras, “dirigir a ofencsiva do Estado Novo pela Educação Nacional. Esta ofensiva visava aprofundar na sociedade portuguesa o “consenso” em torno dos valores do Estado Novo, introduzindo-os nao nível da sociabilização política das camadas mais jovens, enquadradas em estruturas coercitativas centradas na nova política para o ensino assim sendo: “Deus, Pátria, Família”. A Mocidade Portuguesa deveria abranger toda a juventude escolar ou não, no sentido de estimular o desenvolvimento integral da sua capcidade física, a formação do caráter e a devoção à Pátria, no sentimento de ordem, no gosto da disciplina e no culto do dever militar (Silva 2001, 151).

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segundo Silva, seria então uma metáfora do próprio projeto do Estado Novo: um país a cantar a uma só voz, sob a batuta do seu maestro (Ibid.). No entanto, a Mocidade Portuguesa, organização facista que utilizava do Canto Coral para a inclusão ideológica de obediência, instaurou em âmbito escolar o cantar em uníssono como um modelo por ser uma “forma de combate à personalidade individual e à liberdade criativa” (Costa 2010, 241). Segundo Silva a evolução destas práticas corais em massa, definiu-se no imaginário das nações modernas, como “testemunho do espírito de democratização e de solidariedade entre os seus cidadãos” e que a utilização dos poderes públicos da ideia de ‘comunidade nacional’ visou igualmente a fabricação de consensos, de ‘massas corais’, e a imposição de modelos de conformismo social, protectores dos poderes instituídos (Silva 2001, 143). A pesquisadora Maria José Barreiros sustenta que esta relação estabelecida entre o orfeonismo e o ideário político foi muito evidente, expressando-se, nos primeiros tempos, de acordo com os ideais republicanos (Artiaga 1999, 54). Contudo, segundo Silva, autor que venho a citar, os coros orfeônicos também dividiam suas performances em partes distintas, a primeira compreendida de hinos e as marchas em espaços abertos de caráter patriótico e a segunda de canções e danças folclóricas que eram escolhidas por forma a dar uma panorâmica da variedade da música tradicional de todo o país (Silva 2001, 156).

“A disciplina de canto coral começa a denunciar uma importância ideológica, a partir do golpe militar de 28 de Maio, de 1926, vindo a assumir, pelo Decreto nº 27084, de 14 de Outubro, da autoria de Carneiro Pacheco, uma posição particular no processo de exaltação patriótica, promovendo a política imperante, “enriquecendo-se a memória das crianças, com cânticos regionais, patrióticos e religiosos, tendentes à formação da unidade moral portuguesa”. Encontrávamo-nos no período da orfeonização da nação! Mas as orientações, mais no sentido da glorifi cação da nação, do que da prática metodológica, estavam descritas, minuciosamente, estabelecendo-se para o 1º ciclo um canto coral impregnado de preceitos morais e cívicos de um bom português e para os 2º e 3º ciclos ele deveria atender ao culto das glórias de Portugal e a exaltação patriótica. Para tudo isto, quer as canções educativas, quer os cânticos e hinos, estavam determinados de acordo com o factor de unidade moral necessário, numa perspectiva de defesa do património espiritual património espiritual e como meio propagandístico no sentido da e como meio propagandístico no sentido da glorificação do regime e dos seus chefes” (Costa 2010, 241).

O orfeonismo português na transição do século XIX para o século XX e até à institucionalização do canto coral nos liceus, se definiu prioritariamente como de ordem 56

ética, estética, político-social, educativa, “higiênicas”, e só secundariamente, hedonistas (Artiaga 1999, 54). “As ideias de higienização, uníssono e disciplina normalizavam, então, as relações entre arte normalizavam, então, as relações entre arte e estado, entre música e poder. Se a música seria capaz de empolgar multidões, então, o uníssono era como uma estratégia militar, em que ordem partia do chefe (o regente) e todos se lhe seguiam, evitando que a harmonia musical enveredasse por linhas independentes, que criaria, claramente, conflitos, desordem, o caos” (Costa 2010, 240)

No Brasil, a apropriação ideológica do termo canto orfeônico surge por volta de 1930 com conotações educacionais e cívicas, próprias da ideologia nacionalista que predominava neste país (Amatto 2008b,5). O principal disseminador deste movimento foi o compositor Heitor Villa-Lobos(1887-1959), que convidado pelo então Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro – Anísio Teixeira, para organizar e dirigir a Superintendência de Educação Musical e Artística (Sema), que introduzia o ensino da música e o canto coral nas escolas, apoiado pelo presidente Getúlio Vargas (Amatto 2008b, 5). O projeto de educação musical desenvolvido pelo compositor Heitor VillaLobos implementou o canto orfeônico como disciplina obrigatória nos currículos escolares do sistema público de educação oficialmente no Brasil, a partir do Decreto Federal nº 19.890, de 18 de Abril de 1931 (Lisboa 2005, 414). Com esse decreto federal, o projeto de Villa-Lobos teve início desenvolvimento primeiramente na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, restrito às atividades da SEMA, ampliando-se no decorrer da década de 1930, até ter sua abrangência nacional consolidada com a criação do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, em 1942, instituição que se incumbiu da formação de professores especializados para a atuação no sistema público de ensino (ibid., 415). Essa instituição tornou-se o estabelecimento padrão e modelo a ser seguido por outras instituições que surgiram em várias partes do país, com o mesmo objetivo do Conservatório (ibid., 415). As Concentrações Orfeônicas do Brasil se assemelham às de Portugal no que se refere aos ideais cívicos, populistas e políticos, relacionados aos seus respectivos regimes políticos ambos denominados Estado Novo, salvas suas particularidades, objetivos, tempos e espaços. No distrito federal do Rio de Janeiro as concentrações orfeônicas na década de 30, chegaram a reunir, sob a regência de Villa-Lobos, até 40 mil alunos em estádios de futebol (Amatto 2008, 6). Em Portugal, o ideal cívico dos

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republicanos também utilizou o canto como elemento indispensável para exaltar o civismo das multidões.

“João de Barros dá como exemplo as festas que os dirigentes republicanos organizavam em que o canto era exigido como elemento indispensável para despertar e exaltar o civismo das multidões [...] O impulso revolucionário, no sentido democrático e civilizador, é igualmente exemplificado pelo autor com a visita do presidente Loubert a Lisboa em 1905. Ao ser recebido por um coro de duas mil e quintas crianças que “romperam a entoar Marselhesa” (Artiaga 1999, 55).

No Brasil o impacto destas concentrações dirigidas por Villa-Lobos foi a mola propulsora para que o político Gustavo Capanema, juntamente com Villa-Lobos criassem o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico em 1942 que vinte e cinco anos depois foi totalmente reestruturado adotando uma nova designação: Instituto VillaLobos (Amatto 2008, 12). A disseminação do ensino de canto orfeônico no país fez crescer o número de coros orfeônicos no Brasil. Contudo este termo “coro orfeônico” após a morte de VillaLobos deixou progessivamente de ser utilizado, ao mesmo tempo que desaparecia o canto orfeônico nas escolas. De acordo com musicista e pesquisadora Maria José Chevitarese de Souza Lima (2007), a associação existente entre o regime totalitário do presidente Getúlio Vargas e o canto orfeônico fizeram com que surgisse uma grande repulsa a essa atividade e possível desuso da denominação coro orfeônico no Brasil, que classifica os coros desta maneira como coros mistos, ou coros amadores, etc (Lima, 2007, 85). “Não existiu em Portugal, provavelmente, um Villa-Lobos, como o Brasil teve, para quem o Canto Orfeónico era um elemento propiciador da formação cívica do indivíduo e que o integraria dentro da ideologia nacionalista, mas potenciando uma consciência moral e musical. Em Portugal, durante muitas décadas ficámos pelo Canto Coral, em regime higiénico e em uníssono” (Costa 2010, 242).

De fato, não há como negar a importância do programa criado por Villa-Lobos para educação musical brasileira. Se por um lado o próprio compositor se manifestava no sentido de que a música deveria ser utilizada como meio de formação e de renovação moral, cívica e artística do povo e que o ensino e a prática do canto orfeônico nas escolas serviria não apenas para a formação de uma consciência musical, mas também

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como um fator de civismo e disciplina social coletiva, sob o comando do Estado46, é necessário reconhecer que muitas de suas ações contribuíram para a propagação do canto coral no Brasil, principalmente quanto a difusão da ideia e na formação musical do canto coral, que somou tanto em termos de número de coros, quanto de elementos envolvidos nesta arte.

2.4 Do modelo “tradicional” às “novas abordagens” do canto em coro No universo do canto coral amador a pesquisadora Silvia Zanatta diferencia a prática coral segundo dois modelos: o tradicional e o que emerge nas “novas abordagens” (Zanatta 2008, 1). Segundo a autora, o que distingue esses dois modelos é a estética músico corporal dos grupos corais (Ibid.). Segundo a autora que venho a referir, o canto coral tradicional “está organizado sobre o trabalho exclusivamente musical, ficando esquecido o fato de que, nas apresentações, o coral não está somente sendo ouvido, mas também visto”(Ibid.,4). Esta questão em torno da nomenclatura “tradicional” refere-se à forma de atuação da performance coral em relação ao corpo e sua inserção na performance. O modelo “tradicional” prioriza o estaticismo gestual e utiliza uma distribuição em fila dos elementos do coro em palco, segundo desenhos geométricos, conforme explorado por Zanatta:

“Na sua forma tradicional, os corais apresentam-se em geral posicionados no palco em semicírculo, em uma ou mais fileiras, agrupados por tipos de voz, formando o que chamamos de naipes. Os cantores permanecem de pé, com os braços ao longo do corpo ou segurando partituras, olhando para o regente. Procuram manter o corpo estático, parado, mesmo que relaxado. Alguns corais, quando interpretam músicas populares, fazem pequenos movimentos ritmados com o corpo, sem grandes gestos nem deslocamentos. O coral executa normalmente todas as músicas com o mesmo posicionamento de palco; eventualmente, no entanto, acontecem trocas de posição entre naipes, no intervalo entre duas músicas, conforme a escrita da obra a ser executada, sempre mantendo o semicírculo” (Zanatta 2008, 4-5).

Apesar dos elementos do coro terem de se movimentar, por exemplo, para entrar e sair do palco, o corpo não é compreendido enquanto agente ativo na performance. Inclusive, quando estes coros são convocados para participar em paradas e cortejos, tendo nessas circunstâncias de se movimentar ao longo de um percurso, os movimentos

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VILLA-LOBOS, Heitor (1946). Educação Musical. Boletim Latino Americano de Música, Abril de 1946.

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corporais são controlados de modo a reduzirem o seu impacte47. Esta visão tradicional de coro não prioriza o corpo, suas sensações e ações por meio de gestos dinâmicos. Negar os movimentos e ações do corpo significa negar a importância que o corpo tem para o fazer musical. Muitos coros tradicionais utilizam também pastas, comumente de cor preta, onde durante a apresentação os coristas fazem uso dela segurando-a nas mãos limitando os possíveis gestos, inclusive de virar a página, de modo a enfatizar o gesto estático.

No entanto, mesmo utilizando o gesto estático na performance vocal os

elementos do coro conseguem se comunicar com o maestro, que utiliza gestos corporais dinâmicos e as expressões faciais. Segundo Zanatta um modelo coral que se opõe radicalmente ao modelo performativo tradicional é conhecido por “coro cênico” (Zanatta 2008). O coro cênico surgiu no Brasil na década de 80 a partir da necessidade de romper os padrões de canto coral que remetiam às igrejas ou ao canto orfeônico da década de 40, este último, comprometido com o ideário do regime do Estado Novo (1937-1945) do Brasil. Na ótica de Zanatta, a partir dos anos 80 ocorre a mudança estética coral que incorporou em suas performances artes cênicas e música (Ribeiro 2007 apud Zanatta 2008,11). No entanto, para além dos grupos corais “tradicionais” e do “coro cênico” existem aqueles coros que aderem a um modelo performativo assumidamente plural, englobando elementos cênicos, movimentação diferenciada em palco e/ou através da inserção de um gestual (pré-estabelecido ou não), dentre outras características que fazem a junção música- corpo- voz- movimento, mas que priorizam a música e o resultado sonoro vocal (Schwartz e Amatto 2011). Ao utilizar essa nova abordagem de modelo performativo coral, os cantores assumem que possuem um corpo e que a sua arte provém desse corpo (Zanatta 2008). Esta nova abordagem promove um modelo que não separa nem exclui o corpo da performance musical (Ibid.).

“Uma terceira abordagem de trabalho coral faz um contraponto entre o coro tradicional, onde a execução musical é a única preocupação, e o coro cênico, onde o teatro assume patamar de maior importância ou igual ao da música. Mantendo como prioridade o trabalho musical, essa nova abordagem busca a integralidade do cantor como pessoa, pois a voz não existe separada do corpo. Os cantores têm maior liberdade de movimentos, os quais surgem a partir da interpretação musical, favorecendo-a. A percussão corporal está presente, ampliando as possibilidades sonoras do coro. Os grupos usam posicionamentos de palco diferenciados, variáveis conforme a obra que está

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O gesto estático nestes coros foi substituído pela marcha de perfil marcial quando integravam cortejos em espaços abertos (Turino 2008).

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sendo interpretada, adequando-se e facilitando em muitas situações a execução musical”(Zanatta 2008, 5).

Características quanto a forma de vestir de um “coro tradicional” também se opõe a estes “novos modelos performativos” , uma vez que os “coros tradicionais” adotam vestimentas iguais, ou segundo o gênero, sendo também conhecido por uniformes, enquanto os grupos corais que incorporam o “novo modelo performativo” não possuem uma regra tão fixa, relativamente ao modo de vestir em palco (Ibid.). Este novo modelo encontra-se patente em coros como: o Coro Infantil da Universidade de Lisboa (Portugal), o Coral Infantil Escola Municipal de Música de São Paulo (Brasil),o Coral São Vicente a Capela (Rio de Janeiro- Brasil), o coro Leioa Kantika Korala (Espanha), o coro Sotto Voce (França), o Coral Colegio Humboldt (Venezuela),o coro Tapiola Choir

(Tailândia), Cantabile Youth Singers (Rússia),

Libera (Inglaterra) dentre outros. Para esta pesquisa, encontrar alguns grupos corais amadores de diversos países que privilegiam o corpo através dos gestos durante a performance vocal tornou-se relevante, principalmente por serem grupos corais amadores infantis e infanto juvenil. Esta perspectiva de junção e de valorização do gesto dinâmico, extrapola o gesto estático em coros amadores infantil e infanto juvenil é um fenômeno recente e que se torna cada vez mais recorrente, a exemplo dos coros citados anteriormente e tantos outros espalhados pelo mundo.

Em síntese Como pudemos observar a partir da breve síntese histórica, o termo coro perdeu, ao longo do tempo, a acepção holística originária (no grego e, depois, no latim), integradora de um conjunto de artes, para se circunscrever ao canto coletivo. Os modelos de grupos corais foram sendo moldados a partir do pensamento filosófico, religioso, das características éticas, sociais e dos ideiais educacionais, morais, cívicos e políticos de cada época. Estando desta forma, o canto coral amador, aliado aos anseios ora da religião, ora da política e ora como educação moral e cívica e ora como arte. Um modelo de coro amador recorrente nos dois países descritos – Portugal e Brasil, foi o coro orfeônico. No ato performativo, para a prática do canto orfeônico, os cantores utilizavam unicamente do gesto estático no fazer musical com a finalidade de se configurar os ideias atrás referidos como a ordem, a disciplina e o nacionalismo. 61

O canto coletivo através do movimento canto coral amador e principalmente o coro orfeônico constituiu um dos mais importantes espaços de formação musical desde século XIX em Portugal e século XX no Brasil. Este modelo de coro classificado por “tradicional” explora somente o gesto estático, que se constitui por uma negação do corpo na performance. Contudo, a retomada do corpo na performance deu origem a uma nova estética de modelo coral, que resultou na aplicação de gestos corporais dinâmicos e inserção de elementos cênicos valorizando o corpo no ato performativo. No que se refere ao modelo performativo adotado por coros, foram definidos os aspectos caracterizadores dos dois modelos de canto em coro, o “tradicional” e o “novo modelo” performativo, a partir dos contributos de Sílvia Zanatta. No novo modelo analisado, o canto coral utiliza: voz, corpo e movimento, como elementos indissociáveis e essenciais na construção da expressividade artístico- musical. São estes dois modelos performativos de canto coral que utilizarei para delinear os objetos de estudo – grupos corais- e a analise comparativa dos coros. Nos capítulos que se seguem, especificamente III e IV serão descritos os grupos corais selecionados como “caso” para esta pesquisa, o Coro Infantil da Universidade de Lisboa e o Coral Os Canarinhos de Itabirito que ilustram os modelos performativos de coros retradados neste segundo capítulo ilustrando a forma como os mesmos trabalham com o corpo na performance vocal.

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Capítulo III – O Coro Infantil da Universidade de Lisboa: o modelo de canto coral plural. Este terceiro capítulo é dedicado ao estudo de caso em torno do Coro Infantil da Universidade de Lisboa, coro selecionado pelos critérios já apresentados na Introdução desta dissertação. O estudo explorou duas dimensões investigativas: a diacrônica, através da pesquisa bibliográfica e consultas em sites da web, e a dimensão sincrônica, através do trabalho de campo (entre os meses de junho a agosto de 2011, durante os quais realizarei observação e entrevistas a elementos do coro48 e à maestrina Erica Mandillo) e da etnografia. A primeira, iniciada a partir da fundação do coro, sustentou a redação de uma síntese da trajetória do mesmo e contribuiu para a sua contextualização histórica. A segunda possibilitou o conhecimento do modo como o coro, ao longo dos ensaios, articula a performance vocal com a performance gestual, e dos gestos compostos e interpretafos pelo CIUL para a suíte Trava lengas e lenga línguas, do compositor Vasco Negreiros49. As imagens utilizadas neste capítulo não são da minha autoria. Consistem numa seleção de imagens fotográficas retiradas da gravação ao concerto do Coro Infantil da Universidade de Lisboa, realizado pela Miso Music Portugal, no Centro Cultural de Belém dia 19/09/2010. Assim, para poder utilizar esses documentos nesta dissertação solicitei a devida autorização ao responsável pela seção audio visual da Miso Music Portugal. Também foi solicitada a autorização aos responsáveis pelo CIUL, nomeadamente a maesrina Erica Mandillo, e ao compositor da suíte em questão. Os objetivos deste capítulo consistem em conhecer os processos de construção dos gestos implementados pelo CIUL, identificar os diferentes gestos constituídos no âmbito da interpretação da suíte Trava lengas e lenga línguas, e conhecer os diversos tipos possíveis contributos que o gesto corporal pode trazer à performance para posteriormente tomá-los como modelo da pesquisa ação realizada junto do Coral Os Canarinhos de Itabirito (cf. Capítulo 4). Alargo a sistematização apresentada no

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Uma vez que neste estudo a análise se centra na performance de crianças, foi solicitado aos seus encarregados de educação uma autorização para estudo e divulgação das imagens (cf. Anexo 1). Conforme proposto no termo de consentimento e concessão da imagem, as figuras ilustrativasutilizadas neste estudo sofreram redução do tamanho original e uma pequena modificação (efeito embaçado) no rosto das crianças de forma a preservá-las, sem que desta forma, a “fotografia” e a imagem do gesto corporal ficassem comprometidas.O nome das crianças foi mantido em sigilo, e todas as vezes que for necessário referir às crianças serão representadas por um nome fictício. 49 Recomenda-se ao leitor que conferir a referida performance analisada (cf.Anexo DVD).

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capítulo 1, de modo a incluir os gestos específicos explorados pelo CIUL nos ensaios e performance referida. Em virtude de estar no Brasil a desenvolver a investigação ação junto ao Coral Os Canarinhos de Itabirito foi necessário estabelecer contatos via e-mail com a maestrina do CIUL, bem como outros responsáveis pelo coro, tendo inclusive realizado um questionário através deste suporte eletrônico.

3.1 O Coro Infantil da Universidade de Lisboa: Compreendendo a história e a forma de trabalho músico corporal. O Coro Infantil da Universidade de Lisboa, também conhecido como CIUL é um coro português ligado a Universidade de Lisboa, em Lisboa – Portugal, fundado em abril de 2005 pela atual maestrina Erica Mandillo50. Erica estudou encenação de ópera com o francês Cristian Gangneron e como trabalho de conclusão de curso a maestrina decidiu montar uma ópera infantil do compositor Nino Rota, sobre a direção musical de João Paulo Santos (entr. Mandillo, 2011). Para esta ópera a maestrina dirigiu cenicamente a obra, encenando-a e preparou musicalmente os cantores do coro (entr. Mandillo, 2011). Em virtude do sucesso que este trabalho teve, a maestrina recebeu o convite da Reitoria da Universidade de Lisboa para fundar um coro infantil (Ibid.). Surgiu então o Coro Infantil da Universidade de Lisboa. O Coro Infantil da Universidade de Lisboa como o próprio nome indica, se enquadra na categoria de coro infantil. É considerado um coro de crianças por utilizar apenas vozes brancas, ou seja, crianças que ainda não passaram pelo processo designado de muda vocal. O coro é constituído pelos naipes de soprano e contralto. Os elementos do coro compreendem a faixa etária dos oito aos quatorze anos, fato esse que poderia também render ao coro a classificação de coro infanto juvenil ( cf. Capítulo 2, proposta de classificação de tipos corais proposta por Junker, 1999). No entanto, considerando que o coro prefere a designação “infantil”, será tratado como tal, ao longo desta pesquisa. 50

Erica Mandillo de Castro Guimarães é mestre em Biofísica, estudou piano e realizou o Curso Geral de Canto no Conservatório de Lisboa. Possui o Curso de Encenação de Ópera da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo sido convidada para efectuar um estágio em Paris com o encenador Cristian Gagneron. Foi membro do Coro Gulbenkian e do Coro do Teatro Nacional de São Carlos, e fundadora e Directora Artística da Camerata Fiorentina e do Coro Infantil da Universidade de Lisboa, com os quais realizou mais de uma centena de concertos no país e estrangeiro. Desde 2008 orienta as Actividades Artísticas do Colégio de São José em Lisboa (2º ciclo) tendo fundado o Coro de Câmara das Oficinas de São José. Desde 2010 é docente do Conservatório Nacional de Música de Lisboa, lecionando Coro e Expressão Corporal (entr. Mandillo, 2011).

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A história de fundação do Coro Infantil da Universidade de Lisboa está ligada à história de um outro coro também da Universidade de Lisboa designado Coro de Câmara, o qual foi fundado em maio de 1997, com aproximadamente dezoito integrantes estudantes e profissionais de música, incluindo Erica Mandillo que foi cantora fundadora do grupo (entr. Mandillo, 2011). Na época em que surgiu o convite da Universidade para fundar o coro infantil Erica Mandillo, tinha uma filha com seis anos de idade que tornou-se a primeira integrante do Coro Infantil da Universidade de Lisboa (Ibid.). Outros integrantes do Coro de Câmara da Universidade de Lisboa também efetuaram a inscrição dos seus filhos (Ibid.). Desta forma nasceu a primeira formação do Coro Infantil da Universidade de Lisboa com oito crianças, alguns alunos de música de Erica Mandillo outros filhos de cantores do Coro de Câmara da Universidade de Lisboa (Ibid.). Os integrantes, em 2005, do Coro Infantil da Universidade de Lisboa possuíam idades compreendidas entre quatro e oito anos (Ibid.). Ao fim de três meses de trabalho, ou seja, em junho de 2005 o coro realizava sua primeira apresentação pública na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa e desde então vem a receber vários convites para realizar concertos por todo o país e no exterior (cf. Anexo 4). Aos seis anos de existência o CIUL dividiu palco com coros como o coro francês “Petits Chanteurs de Strasbourg”, coro finlandês “Tapiola Choir” e vários outros coros portugueses como “Meninos cantores do município da Trofa”, “Coro da Universidade de Lisboa”, “Coro Infantil de Setúbal” dentre outros. O CIUL também participou no "Filme do Desassossego", de João Botelho estreado em Lisboa em setembro de 2010. O CIUL utiliza algumas ferramentas da web como forma de divulgação do seu trabalho51. 51

São elas: Facebook: http://pt-br.facebook.com/pages/Coro-Infantil-da-Universidade-deLisboa/278910530490 ; My Space: http://www.myspace.com/coroinfantilul ; Canal no YouTube: http://www.youtube.com/user/coroinfantilULx?feature=watch ; e para além do canal específico no YouTube o CIUL possui inúmeros outros vídeos que não constam no canal do coro, mas que aparecem quando se faz uma busca no site pelo nome de Coral Infantil da Universidade de Lisboa. Dentre os vídeos encontrados pela busca do nome “ Coro Infantil da Universidade de Lisboa” destaco os vídeos abaixo todos acedidos dia 27/02/2012: Apresentação em comemoração aos 100 anos da Universidade de Lisboa: http://www.youtube.com/watch?v=Sv47zXoc5Ho e http://www.youtube.com/watch?v=TMEWZERB4s8&feature=related ; Aula Magna na reitoria da Universidade de Lisboa: http://www.youtube.com/watch?v=aB5HMFz0Wrk ; Apresentação na Igreja de São Roque em Lisboa- Portugal: http://www.youtube.com/watch?v=BcS274RkHZY&feature=related e http://www.youtube.com/watch?v=HUxxCKn261o&feature=related ; Aparição na TV portuguesa programa Portugal no Coração: http://www.youtube.com/watch?v=YZ5-VmxvZGA&feature=related ;

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A maestrina Erica Mandillo sustentou que o Coro Infantil da Universidade de Lisboa tem como um dos principais objetivos participar na formação e no crescimento individual das crianças usando a música como ferramenta principal (entr. Mandillo, 2012). Nesse âmbito da formação de seus elementos, o coro organiza workshops e oficinas de preparação (coros preparatórios a partir dos seis anos de idade) uma forma de trabalho baseada em princípios que compreendem os níveis de expressão vocal, musical e corporal, dentro de um ambiente lúdico valorizando a criação individual de cada elemento e criando assim a sua identidade (Ibid., 2011). Atualmente o CIUL é constituído por 43 crianças de idades compreendidas entre nove a quinze anos (cf. Anexo 3). Além do CIUL outros dois coros - o Coro Preparatório que envolve crianças de oito, nove, dez e onze anos de idade; e o Atelier, criado no ano de 2007 que envolve crianças de seis e sete anos de idade- asseguram a sua continuidade. Os coros de formação são grupos corais onde as crianças recebem uma preparação vocal e musical de acordo com a idade e as características vocais e timbrícas individuais. A finalidade dos coros de formação consiste em preparar os cantores com idade mais nova para ingressarem no CIUL. Anualmente são realizados testes de admissão de novos elementos nos três coros. Nestes testes a maestrina determina, segundo o nível vocal e musical,o coro que as criançasdevem integrar. A maestrina e diretoria comunicam-lhe essa alteração (Ibid.). Juntos os três coros, o Coro Infanil da Universidade de Lisboa, o Coro Preparatório e o Atelier integram cem crianças (Ibid.). O Coro Infantil da Universidade de Lisboa realiza um ensaio geral com todas as crianças uma vez na semana, sempre aos domingos na reitoria da Universidade de Lisboa, com duração de duas horas e trinta minutos. Embora exista um local fixo para o ensaio- a reitoria da Unversidade- não existe uma sala específica ou um local específico de modo que, a cada semana os ensaios ocorrem em um espaço diferente, ora ensaiam no saguão, ora ensaiam no teatro, ora em salas mais isoladas. Esta forma de trabalho, segundo a maestrina Erica Mandillo não se torna prejudicial ao grupo e esclarece que:

Apresentação de Natal: http://www.youtube.com/watch?v=5Q65V1FjJ00&feature=related ; Apresentação do lançamento do CD para o livro Histórias da minha avó na FNAC em Portugal: http://www.youtube.com/watch?v=91E8QtcnJ_s&context=C3ee007dADOEgsToPDskJ5qfvgcbT00gqb29L_zCt e http://www.youtube.com/watch?v=G4KbkYocA4k&feature=player_embedded#! Apresentação do coro preparatório e infantil: http://www.youtube.com/watch?v=aZKt76MmdtY&feature=related ; Apresentação na reitoria da Universidade de Lisboa: http://www.youtube.com/watch?v=jW8D95CMoZM&feature=related

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“ter de nos adaptar a diversos espaços é óptimo para o coro pois exige não só uma capacidade de adaptação a diversas acústicas mas também acaba por nos ajudar a trabalhar a géstica sobre diferentes aspectos, todos eles importantes: numa Aula Magna, sala para 1600 pessoas com um palco gigantesco trabalhamos os gestos amplos e a expressividade da movimentação de grupo a "macro-coreografia" ... numa sala pequena trabalhamos a expressividade individual, a teatralidade de cada pequeno gesto e expressaõ facial: a "micro-coreografia" se quiseres”. (entr. Mandillo,2012).

Para além do ensaio geral, os naipes - sopranos e contraltos- realizam um revezamento de ensaios semanais. Em um mês o ensaio semanal, que normalmente ocorre às terças-feiras com duração de duas horas é somente para o naipe dos sopranos e no mês seguinte ocorrem os ensaios apenas para o naipe dos contraltos. Os solistas costumam se reunir aos domingos trinta minutos antes do ensaio geral. O Coro Infantil da Universidade de Lisboa conta ainda com uma equipe de dois pianistas – João Lucena e Vale52 e Leonor Cardoso53. O CIUL recorre a um repertório que engloba vários estilos e épocas da história da música e explora diferentes elementos performativos: o modo de vestir em palco, a componente vocal e a utilização de gestos na performance. O repertório do coro abrange músicas sacras, eruditas, contemporâneas, canções populares nacionais e internacionais, o que mostra uma versatilidade do coro em termos vocais e musicais (cf. Anexo 5). O Coro Infantil da Universidade de Lisboa tem recebido obras dedicadas ao coro, como é o caso da suíte infantil Trava lengas e lenga língasdo compositor Vasco Negreiros54, que a seguir analisarei e da ópera infantil A menina gotinha de água concebia por Paula Azguime e composta por Miguel Azguime.55 Quanto ao modo de se vestir, as crianças utilizam um uniforme semelhante a batas vermelhas e uma calça de cor preta por baixo, como ilustra a fotografia abaixo.

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É licenciado em Ensino de Música pela Universidade de Aveiro, tendo prosseguido os seus estudos de Piano e Música de Câmara na École Normale de Musique de Paris.Foi director pedagógico do Conservatório de Música de Viseu. A sua carreira de concertista, como solista e músico de câmara, estende-se a Portugal, Marrocos, França, Brasil e Hungria. 53 Fez a sua formação musical no Conservatório Nacional de Lisboa (actual Escola de Música do Conservatório Nacional) onde foi convidada a integrar o Coro de Câmara de Lisboa. Foi aluna de piano de Helena Matos e de Miguel Henriques, tendo concluído o Curso Superior de Piano na Escola Superior de Música de Lisboa com a classificação máxima. 54 Para visualização do currículo ver página 73. 55 Compositor, poeta e percussionista, nasceu em Lisboa em 1960 e juntamente com Paula Azguime fundou o Miso Ensemble – duo de flauta e percussão dedicado a música contemporânea

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Figura 1 - Uniforme Coro Infantil da Universidade de Lisboa. Bata vermelha com calça preta e sapato preto56.

Este modo de vestir esteve presente em concertos como o realizado na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, em 2011, e o realizado no Centro Cultural de Belém, em 2010. Outra forma de vestir do coro é constituída por uma calça de cor branca com blusa de malha lisa colorida, sem diferenciação entre menino ou menina. Este uniforme é utilizado em apresentações em diversos contextos, dentre eles destaca-se aniversário do coro (cf. Anexo 6 e 7).

Figura 2- Uniforme alternativo do Coro Infantil da Universidade de Lisboa. Calça branca, camisa de malha colorida, sem calçado.

Não existe no CIUL um trabalho de técnica vocal fora do ensaio geral ou do ensaio por naipe. No entanto, como a maestrina estudou canto, durante os ensaios exemplifica ou dá indicações relativas aos apectos de técnica vocal, assegurando, assim, esse desenvolvimento. As crianças entrevistadas afirmaram que realizam aulas de música e instrumento fora do coro infantil (cf. Anexo 8). Constatei, através da análise das entrevistas feitas às 56

As imagens referente a performance foram retiradas do vídeo http://www.youtube.com/watch?v=BLAgtQylbjM , filmado pela Miso Music Portugalgentilmente cedida a autorizado para o uso do referido vídeo e das imagens dele extraída, com o único fim de pesquisa acadêmica. O vídeo foi filmado dia 19/09/2010 no Centro Cultural de Belém em Lisboa, Portugal.

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crianças que todas as sete crianças entrevistadas, têm aula de pelo menos um instrumento, seja em escolas públicas ou particulares. Os dados coligidos em entrevista a esses sete elementos do coro revelam que: uma criança toca violino, duas crianças tocam guitarra, duas violoncello, uma criança toca piano, uma criança toca viola. A maestrina revelou que entrega as partituras das músicas para as crianças levarem para casa e estudarem, fato esse que confirma que os alunos possuem conhecimentos de leitura musical (entr. Mandillo, 2011). A maestrina Erica Mandillo afirmou que o Coro Infantil da Universidade de Lisboa explora desde a sua primeira formação o gesto corporal dinâmico durante a performance vocal em “espetáculos encenados em que o movimento e a voz se fundem em uma única linguagem” (entr. Mandillo, 2011). Esta forma de trabalho, unindo gestos dinâmicos à performance vocal, é ainda pouco difundida entre os coros portugueses57. A exploração de gestos físicos, especialmente os dinâmicos, tornou-se uma prática vista tanto pelo CIUL quanto pela maestrina e coristas como uma forma muito “natural [....] espontânea, além de ser extremamente musical” (entr. Mandillo 2011). A maestrina Erica Mandilo sustenta que utiliza os gestos (1) tanto como apoio ou reforço da componente de técnica musical – seja da afinação, do ritmo, do fraseado, etc -, (2) como elemento de expressividade ou de comunicação entre os performers e com o público, nomeadamente através do reforço do conteúdo do texto (entr. Mandillo, 2011).

3.2 Processo de constituição do gestos durante os ensaios Nos ensaios do coro o trabalho musical e corporal é sempre feito em conjunto. Nos dias em que estive presente, o pianista que acompanha o coro cumprimentava todos os que estavam na sala, sentava ao piano e tocava de imediato um tema jazzístico que servia de base para o primeiro exercício de improvisação. Entretanto, a maestrina pediu aos elementos do coro para se disporem em roda e, de seguida, solicitou a um elemento que começasse uma improvisação vocal e corporal sobre o tema tocado pelo pianista. Seguidamente, todos imitaram o que o colega acabara de fazer. Procederam assim até todos os elementos terem tido uma participação individual. Sem sinais de timidez as crianças improvisavam melodias que me soaram muito afinadas e gestos em total 57

No entanto não são os únicos coros a trabalhar nesta linha dentro do território português, a exemplo temos o Coro Mozart da cidade de Viseu, Portugal.

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sintonia corporal. Percebia-se que o trabalho música e corpo era algo bem construído individual e coletivamente, que se refletira no exercício proposto pela maestrina. Esta é uma forma de trabalho que envolve todos, tanto os elementos do coro, como a maestrina e o pianista, no trabalho de aquecimento vocal e corporal e de criação de gestos. O trabalho corporal é, assim, em simultâneo com o fazer musical. Como pude observar, estes exercícios de improvisação proporcionam, ainda, a desinibição. O fato de começar o ensaio com um “jogo” de improvisação chamou-me a atenção, pois fugia completamente da prática dos exercícios de vocalizos58, que eu anteriormente observara nos coros “tradicionais” (cf. Capítulo 2). Depois desta atividade introdutória, no primeiro ensaio a que assisti, a maestrina introduziu uma peça nova do compositor Lopes-Graça. Os elementos do coro ainda não tinham conhecimento dessa partitura. A maestrina entrega-lhes a partitura e os elementos do coro sentam no chão. A maestrina canta a linha do contralto e, em seguida os elementos do naipe dos contraltos reproduzem a melodia. A maestrina procede do mesmo modo para o naipe dos sopranos. De seguida juntam-se as duas vozes. Ao observar que as crianças estavam a revelar problemas de afinação e alguma tensão corporal, a maestrina de imediato pediu para que as crianças ficassem de pé e fechassem os olhos fazendo gestos corporais condizentes com o movimento melódico da frase59. No final, a maestrina interrompeu a atividade, tendo referido aos alunos que levavam a partitura para casa, e deu início a críticas pontuais do concerto de aniversário do coro (dezenove de junho de 2011) a que se seguiram correções de afinação, timbre e aspectos relacionados com a técnica vocal e a expressão musical, como linearidade da frase, andamento ou a dinâmica. No ensaio seguinte a que assisti, presenciei momentos de concepção de gestos. O coro ensaiava um ópera infantil contemporânea inédita dedicada ao CIUL intitulada A menina gotinha de água do compositor Miguel Azguime. A obra exigia dos elementos muita concentração pois havia trechos de difícil execução, tais como acordes em cluster de apenas um meio tom entre as vozes, com várias divisões rítmicas e textos verbais diferentes para cada naipe. A dificuldade da peça trazia ainda mais energia para o ensaio e a empolgação dos meninos ao cantar a obra era imensa, via no rosto das crianças que gostavam do que cantavam.

58

No Brasil a palavra é vocalises. Vocalizos são exercícios vocais, normalmente feitos com vogais com o intuito de aquecer a voz e coloca-la na posição correta para o canto. 59 Observação confirmada em entrevista com a maestrina, (entr. Mandillo 2011).

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Alguns elementos do coro cantaram trechos da ópera de memória e então a maestrina pediu-lhes que ficassem de pé. Aos que ainda se apoiavam na partitura, a maestrina pediu para que a pousassem ao lado e que todos formassem grupos conforme a divisão de vozes. Percebi, naquele instante que o processo de criação dos gestos começava. Rapidamente os elementos se juntaram em diferentes cantos da sala e a maestrina começou-lhes a dar ideias do que iriam criar. Erica pedia-lhes para que cada grupo criasse um gesto que valorizasse o ritmo do trecho que seria cantado por eles. Nos quatro grupos formados havia aproximadamente dez crianças em cada um, com um número variável de elementos, dentro destes grupos uns criavam gestos, e se portavam como “líderes”, enquanto muitos outros ficavam calados e apenas reproduziam as ideias deixadas pelos outros elementos do grupo. A maestrina ora observava, ora conversava com o pianista e aproximadamente três minutos depois pediu para ver os gestos criados. Os grupos assistiram à apresentação uns dos outros e também iam dando ideias, como, por exemplo, para colocar uma mão para cima, ou para andar num determinado passo e fazer o mesmo gesto parado no compasso seguinte, etc. A maestrina também opinava quanto à criação, e depois de todos os grupos terem apresentado individualmente a sua proposta, foi a hora de fazerem todos juntos todas as propostas (cf. Anexo DVD). Com a introdução dos gestos corporais, o problema de divisão rítmica que existia no trecho acabou por desaparecer e em termos sonoros, ouvia-se mais claramente o contributo de cada uma das vozes. Em um outro trecho da mesma ópera em que as crianças cantavam uma melodia com o texto “olha as ruas lá em baixo e as casas e os meninos a brincar... estradas, automóveis e comboios a correr...” a maestrina pediu para que todo o coro formasse filas e que quatro solistas se posicionassem à frente das filas. Então, a maestrina explicou o que queria que as crianças fizessem gestualmente, era um jogo de imitação que explorava o plano baixo (baixados) e alto (na ponta dos pés). As quatro solistas “ditavam” o movimento (gestual dinâmico) que os demais deveriam fazer. A maestrina não controlava os gestos, mas selecionou os líderes. O resultado dessa criação foi visualmente muito criativa, pois era possível visualizar várias crianças interpretando gestos simultâneos e ao mesmo tempo com uma riqueza gestual. Após a inserção do gesto percebi a intenção que aquele gesto trouxe para o trecho musical que priorizava a dinâmica da peça e a acentuação das palavras. Estes dois aspectos tanto a dinâmica quanto a acentuação agógica tornaram-se mais intensificados e consonante a essa intensificação da acentuação das palavras o gesto corporal era sutil, o que refletia no 71

resultado sonoro leve e ao mesmo tempo consistente, apoiado e bem colocado vocalmente. O processo de criação dos gestos ocorreu em partes do ensaio sem um tempo pré-estabelecido para tal. Os gestos que por algum motivo não foram bem sucedidos, pouco funcionais, segundo os critérios da maestrina ou até mesmo dos elementos do coro, foram substituídos posteriormente. Este fato de os gestos que não correspondem às expectativas serem substituídos instigou-me a pesquisar quais seriam os tipos de gesto e com qual intuito eles poderiam ser utilizados. Todos os gestos criados em união constitui a coreografia final. Há também gestos explorados pelo CIUL que são totalmente criados pela maestrina. Em entrevista, Erica revela que, quando o coro tinha poucos anos de experiência, coreografava todos os gestos (entr. Mandillo 2011). Na mesma entrevista, a maestrina revelou que nas montagens atuais prioriza a criação participada, uma vez que os elementos do coro já possuem, na sua perspectiva, uma experiência anterior de performances musicais com gesto (Ibid.). O processo de criação dos gestos adotado pela maestrina nos ensaios, compreende apenas trechos musicais, e não a peça como um todo, ou seja, em nenhum momento durante o trabalho de campo, a maestrina pediu ou coreografou uma peça inteira, os elementos sempre criavam gestos para um curto trecho musical e só pegariam novamente na peça em outro ensaio. Este foi um dos motivos pelo qual precisei recorrer a uma outra peça que já havia sido montada musical e corporalmente, que analisarei de seguida: Trava lengas e lenga línguas.

3.3 A peça modelo demonstrativa de gestos corporais: a suite Trava lengas e lenga línguas Em 2008 e 2010, o CIUL levou a palco a suíte Trava lengas e lenga línguas do compositor, pianista e maestro português Vasco Negreiros60.

Apesar de não ter

60

Vasco Negreiros nasceu em Oeiras, Portugal, em 1965. Emigrou para o Brasil aos dez anos de idade onde começou seus estudos musicais em piano. Mais tarde, graduou-se em regência na Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO). Estudou viola d´arco , canto e regência, e se pós graduou em regência na Alemanha. Desde o ano de 1997 é professor assistente convidado da Universidade de Aveiro, onde também dirige o Vocal Ensemble, conjunto dedicado à Música Antiga, sendo coordenador da área específica de teoria e formação musical da licenciatura em ensino de música do departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro. Mesmo sem uma formação própria de composição Vasco Negreiros sempre compôs música para familiares, amigos e diversas ocasiões especiais. Algumas de suas composições são dedicadas para as crianças como a suíte infantil “Trava lengas e lenga línguas” (2006); a ópera infantil “As palavras na barriga” (2008) que recebeu também uma versão em espanhol “Palabras em la barriga” e elaborou, em conjunto com a flautista Joana Amorim um método intitulado “Eu toco flauta de bisel”(2008), para o qual escreveu todos os arranjos e obras originais, assim como a componente de formação musical presente no livro. Em julho de 2009, Vasco Negreiros recebeu o

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assistido aos ensaios nem às performances musicais “ao vivo” desta composição, desenvolvi uma análise dos gestos criados para esse efeito - em virtude de considerar que se trata de uma peça exemplar (consideração esta reforçada pelas múltiplas referências que os elementos do coro lhe fizeram durantes as entrevistas61) – a partir do visionamento do filme realizado pela Miso Music Portugal gravado ao vivo no Centro Cultural de Belém, em Belém, Lisboa, Portugal no ano de 2008. Este filme está disponível na plataforma web You Tube62. Neste capítulo, analiso a versão para coro e piano a quartro mãos. As fontes consultadas foram a partitura musical e o referido vídeo. A consulta da partitura da suíte, bem como a entrevista realizada ao compositor Vasco Negreiros, foram de grande contribuição para a descrição da suíte que será explorada a seguir neste capítulo. Além da entrevista com o compossitor foram também entrevistados a maestrina do CIUL, Erica Mandillo e sete elementos do coro de forma a levantar os dados necessários para o estudo tanto do processo composicional e dos gestos construídos durante a performance no coro. Começo por apresentar uma análise de cada um dos cinco andamentos feita a partir da interação entre o texto poético, a composição musical e os gestos criados pela maestrina e elementos do coro para essa performance.

3.3.1 Contextualização da suíte Trava lengas e lenga línguas A suite Trava lengas e lenga línguas é uma obra de um professor da Universidade de Aveiro com quem tive a oportunidade de participar em workshops e oficinas. Esta obra, composta originalmente (2006) para o coro infantil, flauta de bisel soprano, violino, guitarra e harpa, foi editada pela Ava Musical Editions no ano de 200763. Para compor a suíteo compositor escolheu cinco textos entre lenga lengas e trava línguas portugueses. A escolha deste tipo de textos deveu-se, segundo o compositor, ao fato de serem do domínio público e de terem um caráter infantil (entr. Negreiros, 2011). Também por esse motivo, o compositor Vasco Negreiros dedicou a

terceiro prêmio no Concurso Internacional de Composição para Coro Infantil, realizado na Bulgária com a obra “Ámen” (ent.Negreiros, 2011). 61 Além destes fatores, o resultado sonoro do coro, nomeadamente a forma como “brinca” com os timbres e colocações vocais e como executa os gestos coreografados, contribuiram para a escolha desta suíte. Na verdade, a suíte Trava lengas e lenga línguas é um bom exemplo e demonstração do que foi ressaltado pela maestrina em entrevista, a propósito do papel do gesto na performance musical. 62 O vídeo pode ser conferido no link: http://www.youtube.com/watch?v=BLAgtQylbjM acedido em 20/07/2012 e foi autorizado a veinculação do mesmo pela Miso Music Portugal que detém os direitos autorais sobre o vídeo. 63 Esta partitura com a referida formação pode ser encontrada pela referencia da editora ava 080140.

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peça ao Coro Infantil da Universidade de Lisboa. A parte instrumental da peça composta de flauta de bisel soprano, violino, guitarra e harpa - foi escrita e dedicada ao “Ensemble Infantil do Conservatório Nacional de Lisboa”, que ao interpretar esta suíte em sua formação instrumental original, obteve Prêmio Especial no Concurso Internacional de Música de Câmara com Harpa de Madrid. No ano de 2008, a fim de tornar a peça acessível também a outros grupos corais que não dispunham da instrumentação original, o compositor editou uma segunda versão da peça para coro infantil e piano a quatro mãos. Nesta edição revista, igualmente editada pela Ava Musical Editions64, Negreiros não fez alterações à parte do coro. É sobre esta versão para coro e piano a quatro mãos que vou realizar o estudo. O compositor apresenta um prefácio explicativo da peça com informações importantes sobre a mesma, nomeadamente, relativas ao modo de execução da obra. Uma das informações diz respeito ao nome da suíte Trava lengas e lenga línguas que por si só apresenta um trocadilho uma vez que, esperava-se que o nome fosse “trava línguas e lenga-lengas” ou “lenga- lengas e trava línguas”. No entanto, o próprio compositor classifica o título como um trocadilho bem-humorado e explica que com sua obra deseja “homenagear a cultura popular infantil portuguesa”(Negreiros 2008)65. Segundo Cícera Maria as trava línguas “são uma espécie de jogo verbal que consiste em dizer com clareza e rapidez, versos ou frases com grande concentração de sílabas com certo grau de dificuldade em pronunciar, ou de sílabas formadas com os mesmos sons, mas em ordem diferente” (Cícera Maria 2009).

Em consonância a este fato atrás exposto por Cícera Maria, o compositor afirma que as lenga lengas são textos com frases curtas e divertidos que normalmente possuem rimas entre as frases e com algumas repetições que favorecem o seu aprendizado rápido (entr. Negreiros 2011). Segundo o etnógrafo Leite de Vasconcelos na Etnografia Portuguesa: “Na tradição popular as lendas, as lenga-lengas e os contos tradicionais que apresentam no seu conteúdo algo de mágico, são transmitidos oralmente, acrescentando o novo narrador sempre algo de novo, ou transformando a história apesar do seu conteúdo se manter” (Vasconcelos 1933 apud Azevedo 2001, 3).

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Esta partitura com esta formação pode ser encontrada pela referencia da editora ava090285. Decrição da partitura da suíte Trava lengas e lenga línguas, primeira versão, editada em 2008. O mesmo trecho pode ser consultado virtualmente através do link: www.editionsava.com/pt/store/work/348/ Acedido em 20/02/2012. 65

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Assim como os trava línguas, as lenga lengas revelam o seu cunho de transmissão oral e, inclusive, uma certa magia decorrente da prosódia e das múltiplas repetições de certas sílabas, vogais ou sons e o ritmo imposto pelas palavras através das acentuações agógicas, pelas qualidades rítmicas e por permanecerem vivos por muitos anos no meio da sociedade sem que necessite ser ensinado na escola (entr. Negreiros, 2011). A composição textual das Trava lengas e lenga línguas é constituída por duas lenga lengas e três trava línguas.

“Eu acho que as lengas-lengas e os travalínguas têm um poder muito grande porque são textos que permanecem vivos embora não sejam suportados nem propriamente pela academia, nem pelos veículos comerciais de manutenção de valores culturais, e eu acho que um travalínguas que permaneça às vezes durante até séculos tem a sua qualidade testada, ele permaneceu porque as crianças gostam dele. Não é porque estavam nos programas obrigatórios da escola ou porque os pais considerem que aquilo é um valor que tem de ser mantido na família ou qualquer coisa assim,(risos) hum... uma lenga-lenga que permaneça tem qualidades rítmicas ou, enfim, de significados muito loucos que de alguma forma tocam as crianças e passam pela prova do tempo, há algumas que parece serem inclusive muito antigas, o que demonstram que terão realmente muita qualidade” (entr.Negreiros 2011).

Vasco afirma ainda que:

“Não há melhor poesia para escrever música coral infantil que lengalengas e trava-línguas, uma vez que manifestam uma vontade colectiva tão inconsciente como fascinante, escolha espontânea e natural das crianças, preservando um património ainda livre de exploração comercial massificada. Assim como as partes corais desta composição procuram aproveitar as qualidades prosódicas de cada um dos cinco textos, fazendo com que as melodias sejam facilmente memorizáveis, as partes instrumentais são também adequadas à execução por crianças” (Negreiros 66 2008) .

Outro aspecto levado em consideração pelo compositor foi o conteúdo dos textos: “E, no fundo, as lengas-lengas acabam por ter quase um caráter de dogmática religiosa, quer dizer, não são lidas por ninguém em específico, são lidas por todos, não tocam a vida de ninguém especificamente, tocam a todos pois têm esse carácter de domínio público que eu acho que é muito adequado para uma manifestação colectiva de um texto poético” (entr. Negreiros, 2011).

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Este mesmo trecho pode ser conferido virtualmente ava.com/pt/store/work/348/ Acedido em 20/02/2012.

através

do

link:

www.editions-

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As lenga lengas são considerados textos de domínio público que perduraram de geração em geração através de um processo de transmissão oral.Não têm, por isso, o seu(s) autor(es) identificado(s). A estrutura textual da suíte é composta da seguinte forma: O primeiro andamento recebe como texto uma lenga-lenga intitulada de Sola Sapato (cf. Anexo 9 ). O segundo, terceiro e quarto andamento são trava- línguas sendo apresentados na seguinte ordem Na terra dos tigres,Esta burra torta trota, e Tecelão (cf. Anexo 9) e por último, o quinto andamento é uma lenga-lenga intitulada A velha maricutelha (cf. Anexo 9). O compositor indica no prefácio da partitura que “cria situações engraçadas e muito interessante ao público e aos performers” (2008, 1). Por exemplo, no que diz respeito aos dois pianistas, o compositor criou situações específicas de performance explicitadas na grafia musical: as hastes musicais (para cima e/ou para baixo), indicam a mão (direita ou esquerda) que deve ser utilizada. Estas determinações obrigam os pianistas a realizar gestos, tais como o cruzamento de braços, o passar “um por cima do outro”. O compositor dá, ainda, indicações específicas relativamente ao modo como o(s) pianista(s) devem posicionar-se – sentados ou de pé67. “Caso os pianistas vivam situações engraçadas de encontrões ou inesperados abraços, saibam que é tido de propósito (!), como forma de levar também para o acompanhamento o teor divertido das canções” (Negreiros 2008)68.

O compositor registra indicações na partitura ao longo da obra de posições e gestos que os pianistas devem fazer como, por exemplo, “ficar de pé e pinçar as cordas do piano com a unha, moeda ou palheta” ou ainda “tocar com o antebraço direito/ esquerdo”, ou seja, algo além dos gestos tradicionais executáveis por um pianista. “Há muita brincadeira com a atrapalhação dos dois pianistas. Os dois pianistas têm que tocar um com a mão dentro do espaço do outro, há uma passagem em que têm que tocar praticamente abraçados em que o pianista fica em pé, atrás do outro e toca com as mãos assim (fazendo o gesto), em volta do tronco do outro pianista e tal, e às vezes em situações em que isso não seria necessário, era possível encontrar uma outra solução, há toda uma brincadeira de um pianista ir buscar uma nota em cima do outro, e o outro vingar-se com uma nota mais grave do que a do segundo etc” (entr.Negreiros 2011).

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Apesar de a dimensão géstica dos músicos instrumentistas constar na partitura da suíte Trava lengas e lenga línguas, escapa ao alcance do estudo que estou a desenvolver neste capítulo o qual está centrado na performance coral. 68 Trecho extraído do prefácio da partitura escrito pelo próprio compositor

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Apesar de o compositor pensar e registar gestos para os músicos instrumentistas não o fez para a parte coral. A criação géstica apresentada na performance do CIUL resultou de um trabalho de composição participada entre a maestrina e os elementos do coro, de um modo semelhante a outras peças, conforme foi observado atrás nos ensaios (entr. Mandillo 2011). Erica Mandillo afirma que o processo de criação dos gestos escolhidos para a versão final apresentada nesta dissertação foi realizado de forma democrática e envolveu a criatividade e o parecer das crianças envolvidas mesmo que em pequenas proporções, onde

em certos trechos musicais os elementos do coro

puderam executar durante os ensaios seus gestos para que então todos os elementos e a maestrina pudessem escolher qual gesto deveria ser inserido na performance (Ibid.). Neste processo, o veredito final sobre a escolha dos gestos foi da maestrina. Nessa seleção, a maestrina procura avaliar se o gesto realizado prejudica em algum sentido a performance musical/vocal (Ibid.).

3.3.1.1 Coro Infantil da Universidade de Lisboa: Análise e descrição dos gestos utilizados na performance do primeiro andamento da suite Trava lengas e lenga língas I Neste primeiro andamento, o coro começa a música a capella cantando de forma estática “Sola sapato rei rainha”, em duas filas paralelas (gesto estático– cf. Figura 3). Em seguida, acontece um interlúdio instrumental realizado pelo segundo pianista. Durante esse interlúdio, os elementos do coro caminham de acordo com a marcação rítmica da música, dividindo-se em três grupos (gesto dinâmico de recurso musical– cf. Figura 4). No último acorde do interlúdio dois dos três grupos fazem um gesto “de reverência”, ao mesmo tempo que abrem caminho para “os reis e rainhas” passarem (gesto dinâmico de mimetização do texto – cf. Figura 5).

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Figura 3- Disposição inicial da suíte69

Figura 4- Caminhada dividindo o grande grupo em dois e o grupo de trás caminhando para frente.

Figura 5- Cortejo de reis e rainhas

Em resposta ao interlúdio instrumental o coro canta a segunda frase com o texto: “foi ao mar pescar sardinha” ao mesmo tempo que faz o gesto de lançar uma cana de pesca (gesto dinâmico de mimetização– cf. Figura 6). 69

Para a captura das imagens utilizadas na descrição da suíte utilizei o programa “Free vídeo to JPG converte” que captura as imagens do vídeo transformando-o em fotografia. O referido programa gerou um total de 2657 fotos no tamanho de 854x480 pixels, que passaram por uma seleção realizada por mim. A fim de que essas “fotografias” pudessem fazer parte da demonstração dos gestos do CIUL para a suíte Trava lengas e lenga língua.

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Figura 6- Gesto para "pescar sardinha"

Em seguida, ocorre o segundo interlúdio instrumental, desta vez executado pelo primeiro pianista. Nesse interlúdio, o coro faz um gesto maior de puxar o anzol de volta utilizando as mãos e os braços (gesto dinâmico de mimetização– cf. Figura 7).

Figura 7- Gesto de puxar o anzol.

O coro canta a terceira parte do texto - “para o filho do Luis, que está preso pelo nariz” – com um único gesto executado pelas mãos e braços que simula a ideia veiculada pelo texto (gesto dinâmico de mimetização- Figura 8).

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Figura 8- Gesto para significar "estar preso pelo nariz"

Este gesto, para além de exprimir o significado textual,serviu também de apoio musical ao contribuir para uma melhor colocação da voz na vogal ‘i’70. Em seguida cantam “Salta a pulga da balança dá um…” com um gesto feito pelos braços e mãos, a desenhar um arco no ar, que integra o bater as mãos, batimento que acrescenta uma sonoridade que não está registada na partitura71ao mesmo tempo que reforça a ideia do texto, o salto da pulga (gesto dinâmico de recurso musical e de mimetização cf. Figuras 9 e 10).

Figura 9- Palma quando cantam a palavra “salta” e posteriormente “pulo”.

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Este gesto foi utilizado também por Vasco Negreiros numa oficina de canto coral ministada no dia 16/04/2011 em comemoração ao dia mundial da voz, com este movimento Vasco sugeriu que fossem realizados gestos corporais dinâmicos e o movimento para a vogal “I” seria o de puxar algo no sentido vertical para cima. 71 Este trecho musical é cantado a capella. Em entrevista ao compositor da peça, perguntei-lhe se esse acréscimo de sonoridade o incomodava ou se interferia negativamente no resultado que o mesmo imagiara quando compôs a peça. O compositor respondeu que, embora não tenha escrito esse batimento, não se incomodava com a sua introdução e que, na sua opinião, este gesto auxiliava, inclusive, “no apoio da acentuação do texto” (entr. Negreiros 2011).

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Figura 10- Gesto dinâmico das mãos e braços simulando o que a pulga realiza.

A seguir, temos outro interlúdio do piano com notas em saltos intervalares de terceiras e de quintas em staccatíssimo72 onde o coro realiza a tempo, um gesto para cima e para baixo (gesto dinâmico de recurso musical cf. Figura 11).

Figura 11- Gesto para o interlúdio instrumental

O gesto escolhido para a continuação da peça - “os cavalos a correr”– consistiu no desenhar de uma linha ininterrupta imaginária, sugerindo o percuso dos cavalos (gesto dinâmico de recurso musical e de mimetização cf. Figura 12). A seguir, as crianças marcaram no ar o pulsar do tempo na frase “as meninas a aprender” (gesto dinâmico de recurso musical cf. Figura 13). Este trecho foi também cantado a capella.

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Termo que o compositor utilizou ao referir-se a uma sonoridade bem staccato.

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Figura 12- Apontar o dedo e fazer o gesto dinâmico com o braço indicando "os cavalos a correr"

Figura 13- Fazendo um desenho de onda com o pulso e com as mãos.

No interlúdio seguinte, tocado pelo segundo pianista, o coro antecipa o texto seguinte ao mimetizar o sentido das palavras “qual será a mais bonita” (gesto dinâmico de mimetização cf. Figura 14).

Figura 14- Gesto para a frase “qual será a mais bonita”.

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A seguir, as crianças cantam “que será esconder” e escondem o rosto com mãos e braços conforme a figura abaixo (gesto dinâmico de mimetização cf. Figura 15):

Figura 15- Gesto para esconder o rosto

Esse jogo de ora ser apenas o coro a cantar, ora serem apenas os pianos a tocar, cria uma estrutura de verso (cantado) e interlúdios (instrumentais) causando uma série de “perguntas e respostas” musicais, ou seja,criando um diálogo ou uma intenção de diálogo entre as vozes e os pianistas. Segundo o próprio compositor esses interlúdios instrumentais presentes na primeira sessão deste andamento dão margem para que os gestos corporais sejam explorados (entr. Negreiros 2011). Ao longo do andamento analisado, observei diferentes disposições dos corpos em palco, com exceção da maestrina que permaneceu sempre ao centro e de costas para o público (cf. Figuras 115). As mudanças de posição em palco tiveram gestos associados, como o caminhar, mover o corpo numa determinada direção (gesto dinâmico de recurso coreográfico). Designo estes gestos como sendo coreográficos porque, apesar de estarem relacionados com o andamento musical, decorrem da intenção de constituir uma coreografia para a peça. Ou seja, constituem o fio condutor dos diferentes gestos analisados atrás, integrando numa totalidade cada um dos contributos particulares. A componente coreográfica é uma dimensão relevante neste projeto, e essa relevância está patente neste andamento. O texto poético e musical (da parte vocal) vai repetir-se integralmente. Contudo, o compositor escreveu contributos diferenciados para os dois pianos. O coro interpreta uma coreografia diferente, permanecendo numa disposição estática em “U”, do princípio ao fim. Segundo a maestrina, esta estratégia coreográfica teve uma intenção: através do estatismo em palco, fazer reviver na mente do público os gestos e disposições dos corpos apresentados anteriormente (entr. Mandillo 2011). Inclusive, na 83

repetição do andamento, o coro apesar de permanecer na disposição fixa, expressa sutilmente - facial e corporalmente – fragmentos dos gestos anteriormente realizados.

3.3.1.2 Coro Infantil da Universidade de Lisboa: Análise e descrição dos gestos na performance do quinto andamento da suíte Trava lengas e lenga língas O gesto corporal realizado neste andamento musical -“Um tango brasileiro”– começa por desfazer o gesto que os elementos faziam ao terminar o andamento anterior, “O tecelão”. O andamento começa com um interlúdio realizado pelos pianistas onde o coro improvisa gestos individualizados a partir de um narrador e dos personagens - a velha, o juiz, a mosca -referidas no texto que cantam de seguida (gesto dinâmico de mimetização cf. Figura 16). Contrariamente aos andamentos anteriores, neste texto intervêm vários personagens que serão caracterizados diferentemente pelo coro, ora através de gestos, ora através da alteração tímbrica (cf. adiante).

Figura 16- Gestos iniciais deste andamento musical. Observa-se crianças fazendo movimento simulativo da velha, do juiz e da mosca.

Após o interlúdio instrumental do piano, as crianças cantam as palavras do narrador de forma estática: “Era uma vez uma velha...” (gesto estático). Quando a “velha” intervem com as palavras “maricutelha ferrunfufelha”, todos os elementos alteram o timbre da voz e executam o mesmo gesto:pernas bambas e uma mão atrás das costas e outra mão à frente, a simular uma bengala (gesto dinâmico de mimetização – cf. Figura 17).

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Figura 17- Gesto característico da velha.

Após os gestos realizados pelo coro acontece um novo interlúdio instrumental, onde as crianças se posicionam de pé, estáticas, na mesma disposição em ”U” e interpretam o narrador cantando: “Ferrou-lhe uma mosca” (gesto estático). Esta troca de personagem – do “narrador” para a“ mosca” -, conduz a um novo gesto: o de simular estar a ser perseguido por uma mosca (gesto dinâmico de mimetização - cf. Figura 18).

Figura 18- Gesto para fugir da mosca.

Regressa o narrador e o gesto estático quando as crianças cantam “e foi-se queixar ao juiz” (gesto estático). Segue-se o “imponente, empostado” juiz, personagem que é caracterizado pela alteração do timbre e pelo gesto de simular um monóculo com uma mão ao mesmo tempo que empina o nariz (gesto dinâmico de mimetização - cf. Figura 19).

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Figura 19- Gesto característico do juiz.

A seguir, as crianças regressam à posição estática para cantar o papel do narrador: “Disse a velha ....” (gesto estático). Esta posição volta a ser interrompida com a fala da velha - “maricutelha ferrunfufelha” -, interpretada com alteração tímbrica e o regresso ao gesto que mimetiza velha (gesto dinâmico de mimetização). Após este trecho cantado ocorre um rápido interlúdio instrumental, durante o qual regressam à posição estática em “U” (gesto estático). Esta posição mantém-se durante a interpretação do narrador (gesto estático). Segue-se o personagem “mosca” com os gestos que lhe estiveram associados na anterior participação (gesto dinâmico de mimetização). Regressa o narrador e a posição estática em “U” (gesto estático). Na resposta da velha ao narrador o coro representa novamente este personagem através da alteração tímbrica e do gesto atrás descrito (gesto dinâmico de mimetização). Esta alternância entre gesto estático e dinâmico de mimetização continua ao longo do andamento, representando a troca entre narrador e personagens. Seguem-se, assim, o narrador, a mosca, novamente o narrador, o juiz. Nesta última intervenção, observa-se que o gesto criado para representar o texto - “na careca maricuteca ferrunfufeca do juiz” -, o colocar as duas mãos na cabeça, não só mimetiza o mesmo como consiste também num gesto de apoio musical, uma vez que proporciona um pensar na colocação vocal mais elevada e com mais harmônicos da voz de cabeça (gesto dinâmico de mimetização e recurso musical - cf. Figura 20).

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Figura 20- Gesto de levar as mãos a cabeça.

Em sequência ao gesto anterior, os elementos voltam a mimetizar o personagem do juiz com as mesmas características corporais, vocais e textuais quando cantam “maricutiz ferrunfufiz.” De seguida pela primeira vez neste andamento musical, o narrador realiza um gesto corporal que não o estático. Este gesto consiste em simular o ato de “levar uma pancada na careca”, no qual algumas das crianças fazem o gesto de matar uma mosca na careca do juiz e outras simulando o juiz realizam o gesto de baixar e levar as mãos a cabeça para não serem alcançadas (gesto dinâmico de mimetização – cf. Figura 21). Estre gesto é realizado de forma livre com o seguinte texto “deu-lhe com a mosca maricutoca furrunfufoca”. As crianças permanecem em estátua neste mesmo gesto até a hora de cantar a próxima frase (gesto dinâmico congelado – cf. Figura 21).

Figura 21- Gesto para a pancada na careca do juiz.

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Regressa o juiz com os elementos gestuais pré-estabelecidos, enquanto cantam “ maricutiz ferrunfufiz” (gesto dinâmico de mimetização). Segue-se o fugir da mosca e, depois, a velha (gestos dinâmicos de mimetização). Para finalizar o andamento, os elementos do coro mimetizam a expressão “ pois é” com um gesto que utiliza as mãos e os braços para formar uma estátua (gesto dinâmico de mimetização, congelado - cf. Figura 22).

Figura 17- Gesto Final

Em síntese O Coro Infantil da Universidade de Lisboa, adota o “novo modelo” performativo de canto coral, destacado por Zanatta. No caso do CIUL o “novo modelo performativo” se concretiza pela consciência da indissociabilidade da música e do corpo, pela exploração da disposição dos elementos no espaço do palco e pela utilização de gestos dinâmicos e estáticos que são integrados na performnce vocal. A consciência da importância do corpo na performance foi implantada no CIUL por Erica Mandillo, maestrina do coro desde a fundação do mesmo. A maestrina quando concebe uma performance, uma interpretação coral de uma nova peça, desenvolve uma estratégia no sentido da exploração consciente do corpo como agente performativo em palco. O CIUL explora um processo de constituição do gesto que designo por criação participada. Este processo, conforme pude observar ao longo do trabalho de campo, consiste na responsabilização dos elementos do coro na concepção e seleção dos gestos. Da observação desenvolvida por mim junto do coro, constatei que a presença dos gestos nas suas performances não foi uma condicionante da excelência performativa vocal, ou seja, o coro interpretou com rigor a composição musical. A introdução 88

consciente de gestos, numa estratégia performativa que, em sintonia com Zanatta, designei por “novo modelo”, resultou numa ampliação de recursos alguns deles diretamente relacionados com a própria técnica vocal, tal como os gestos para a colocação da nota numa posição mais elevada, os que auxiliam na projeção vocal, os que reforçam a dinâmica da música. Parte significativa dos gestos observado nesta performance correlacionam-se com o texto, sobretudo através da mimetização do mesmo, seja mais ou menos literal, desde o pescar da sardinha à construção do personagem“juiz”.

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Capítulo IV – Coral Os Canarinhos de Itabirito: o coro “tradicional” e o trabalho de pesquisa ação. Este capítulo centra-se no grupo Coral Os Canarinhos de Itabirito, grupo que venho a acompanhar há anos, como referi na Introdução desta dissertação e que se tornou o coro receptor do trabalho de pesquisa ação. Os processos metodológicos que compuseram o referente estudo constituiram-se de uma pesquisa de campo observativa e ao mesmo tempo interventiva, sendo portanto, um trabalho de pesquisa ação. Pretendi com o trabalho de pesquisa ação propor uma reinterpretação musico-corporal de várias peças que o coro já executara, dentre as quais, a obra Liberdade do compositor brasileiro Ronaldo Miranda, com poema de Fernando Pessoa, que será alvo de uma etnografia. O principal objetivo que conduziu à pesquisa ação consistiu em conhecer os possíveis contributos que poderiam surgir após a inserção de gestos na performance vocal de um coro que até este momento explorou o modelo tradicional (cf. Capítulo 2). Este procedimento pretendeu também fazer com que as crianças e jovens tomassem consciência do papel do corpo na performance vocal. Para o maior detalhamento de informações como observadora e como agente transformadora da ação, utilizo da auto-etnografia, complementada com pareceres de outros intervenientes no processo. Deste modo, procuro integrar os olhares que permeiam o estudo para além do meu. Começo por contextualizar o Coral Os Canarinhos de Itabirito através de uma breve descrição de sua trajetória. De seguida, passo a descrever como foi concebido e implementado o trabalho de pesquisa ação. Posteriormente faço uma descrição da peça Liberdade e uma breve análise da obra. A partir dessa análise, e tendo como referente o trabalho desenvolvido pelo CIUL, criei um conjunto de gestos que foram integrados na performance do Coral Os Canarinhos de Itabirito, apresentada no espetáculo Sonhos (cf. Anexo 12 ).

4.1 Coral Os Canarinhos de Itabirito: breve histórico do coro. O Coral Os Canarinhos de Itabirito é um coro brasileiro, fundado pelo padre Francisco Xavier Gomes73 em setembro de 1973, na cidade de Itabirito, Minas Gerais,

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Padre Francisco Xavier Gomes nasceu em Cláudio Manoel, distrito da cidade de Mariana, Minas Gerais, no ano 1918. Após a sua passagem pelo seminário, Padre Francisco mudou-se para Itabirito em janeiro de 1967, para assumir a Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem. Em 1973, por sua iniciativa, fundou o coral "Os Canarinhos de Itabirito". Foi compositor e arranjador, tendo escrito inúmeras

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região sudeste do Brasil. Quando foi paroquiar para Itabirito, o padre Francisco era já um admirador de música e tocava acordeon e escaleta74(entr. Lana, 2011). Em cidades em que anteriormente paroquiou o padre Francisco criara bandas de música, ou seja, agrupamentos instrumentais de sopro. No entanto, como na cidade de Itabirito já havia duas corporações musicais de sopro, o padre optou por criar um coro de crianças. Para a constituição do coro, solicitou a participação de crianças, fazendo-o durante a celebração da missa ou convidando-as diretamente, quando estavam a brincar nas ruas próximas da igreja matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem (entr. Lana, 2011). A par da mobilização de elementos para o coro, o padre Francisco convidou Maria José Michel Nascimento e Ana Maria Marinho Domingos Silva para assumirem a preparação vocal das crianças durante os ensaios e a direção do coro em situação de concerto, em alternância consigo. O Coral Os Canarinhos de Itabirito nasceu então com trinta crianças, todas do sexo masculino e no mesmo mês de fundação o coro realizou sua primeira apresentação nas festas comemorativas do aniversário da cidade de Itabirito (Lins 2003). O coro encontra-se filiado na Federação Nacional de Meninos Cantores do Brasil e na Federação Internacional de Pueri Cantores75 desde 1976, sendo estas duas instituições de meninos cantores as mais respeitadas no Brasil (entr. Lana, 2011). Com o falecimento do padre Francisco Xavier Gomes em 1981, vários outros maestros assumiram a direção do coro76. Atualmente o coro é dirigido musicalmente e

composições e arranjos instrumentais e vocais. Até à data de seu falecimento, em dezembro de 1981, foi o maestro principal do Coral Os Canarinhos de Itabirito. 74 Instrumento de tecla condicionado ao sopro. Toca-se soprando através do orifício localizado na extremidade do instrumento e pressionando as teclas respectivas às notas que se deseja tocar. A extensão do instrumento varia de acordo com o modelo, estando, geralmente, entre duas e três oitavas. 75 A definição que se segue foi retirada do site da Federação Nacional dos Meninos Cantores do Brasil. O site pode ser conferido no link: http://www.meninoscantores.com.br/ acedido em 07/06/2012. A Federação Nacional de Meninos Cantores do Brasil é uma filial da Federação Internacional Pueri Cantores (meninos cantores), que tem sede em Roma, com a finalidade de unir crianças e jovens para cantar louvores ao Senhor, e assim, trazer paz e boa vontade para toda a humanidade. Foi Abbé Fernand Maillet (arcebispo, sacerdote católico francês 1986- 1963) quem criou uma federação de corais trazendo para ela estes outros coros que seguiram seu exemplo. Foi ele quem organizou em 1947, o 1º Congresso em Paris onde 3000 meninos reuniram-se. Em 1949, coros de 15 países participaram noutro Congresso, em Roma, com missa celebrada pelo Papa na Basílica de São Pedro. A Federação Nacional de Meninos Cantores do Brasil foi criada em 1967 pelo Frei Leto e Padre José Maria Wiesniesvsky dentro da igreja católica com o intuito de unir os coros de diversas localidades do Brasil para entoarem cantos sacros e litúrgicos. Inicialmente, só poderiam ser filiados nesta federação coros exclusivamente masculinos, atualmente são aceites coros que possuem meninas com idade máxima de 18 anos. Sediada em Petrópolis, Rio de Janeiro, a Federação possui 12 coros filiados, oriundos dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Realiza a cada 3 anos seu congresso nacional e dois congressos regionais entre os nacionais, alternados entre região centro (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) e região sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).

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artisticamente77 pelo maestro e ex-menino cantor do Coral Os Canarinhos de Itabirito Éric Lana78. Juntamente com a chegada do maestro Éric Lana no ano de 2003, o Coral Os Canarinhos de Itabirito passou a aceitar meninas seguindo as regras exigidas pela Federação Nacional de Meninos Cantores do Brasil, ou seja, com limite máximo de idade para meninas de dezoito anos e sem limite de idade para meninos/homens (Lins 2003). No início das atividades, o coro não tinha um lugar fixo de ensaio, utilizando a igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem e a residência das maestrinas auxiliares. Atualmente a sede do coro, onde ocorrem os ensaios e as aulas de canto e instrumentos, é um antigo museu de ferro do século XVIII, localizado na parte histórica da cidade de Itabirito, que foi cedido pela prefeitura municipal através de um termo de comodato no ano de 2003 (Lins 2003)79. O coro também ensaia numa capela localizada em frente à sede do coro80. Ao longo dos seus trinta e oito anos de existência ininterruptos, foram constituídos dentro do coro Os Canarinhos de Itabirito outros três coros secundários: o coral Pequeninos Canarinhos, o Coral Canarinhos Postulantes que hoje são coros de “formação e preparação” e o Coro Cênico Canarinhos EnCena que foi criado no ano de 2012, após os trabalhos de pesquisa ação desta pesquisa. Juntos, os quatro coros, um 76

Assume a regência do coro Márcio Miranda Pontes no ano de 1982. Hélcio Rodrigues Pereira em 1984, Márcio Lima de Carvalho em 1999,Éric Vinícius de Aguiar Lana em 2003. (Arquivo da Associação Cultural Canarinhos de Itabirito, 2011). 77 Por direção artística entende-se a seleção do repertório e o agenciamento do coro, entre outras atividades. 78 Éric Vinícius de Aguiar Lana nasceu em Itabirito em 1982. É maestro, pianista, tecladista, flautista, cantor, pesquisador e gestor cultural. Aos 8 anos já integrava o Coral Canarinhos de Itabirito como cantor e era músico da Corporação Musical Santa Cecília onde tocou sax-horn, trompa. trompete, trombone e bombardino durante seis anos (entr. Lana, 2011). É graduado em música pela Universidade federal de Ouro Preto (UFOP) e mestre em Educação pela Universidade Vale do Rio Verde com financiamento da FAPEMIG. Fez vários cursos, dentre eles destacam-se o curso de regência coral com o maestro Winfried Toll (Alemanha) no Instituto dos Meninos Cantores de Petrópolis e o curso de gestão cultural com Rômulo Avelar(Ibid.). Lecionou música em vários níveis de ensino, tendo como destaque seu trabalho como professor de Percepção Musical e Educação Musical do Departamento de Música da UFOP. Regeu, cantou e tocou nos principais palcos e teatros brasileiros os quais se destacam o Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Grande Teatro do Palácio das Artes, Hard Rock Café (BH) e Rock’n Rio Café (RJ). Atualmente é Regente Titular e Diretor Artístico do Coral dos Canarinhos de Itabirito, do Grupo de flautas Doces Menestreis, da Camerata de Cordas Pe. Xavier e também atua como gestor do Núcleo de Projetos da Associação Cultural Os Canarinhos de Itabirito (Ibid.). 79 O referido comodato cedido ao coro tem término no ano de 2013, podendo o mesmo ser renovado por tempo indeterminado, dependendo apenas da autorização dos governantes (entr. Lana,2011). 80 Cedida pela paróquia da Nossa Senhora da Boa Viagem para ensaios e aulas de música. Tanto a sede, quanto a capela são equipados com quadros pautados, pianos e teclados, aparelho de som e televisão, computadores além de instrumentos como flautas, violões, violinos, viola d’arco e violoncelo para empréstimos aos alunos que não tem condição financeira para comprá-los.

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grupo de flautas de bisel “Doces Menestréis”81·, uma orquestra de câmara Camerata Padre Francisco Xaveir82 e um grupo de violões Camerata de Violões, formam a Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito e contam com mais de 130 crianças inscritas e regularmente a frequentar os cursos oferecidos pela Associação. Dos centro e trinta cantores, cinquenta elementos integram o Coral Os Canarinhos de Itabirito (cf. Anexo 11 ). O Coral Os Canarinhos de Itabirito é um coro infanto-juvenil, devido à faixa etária dos elementos – dos nove aos vinte e nove anos. O coro é ainda classificado como coral infanto juvenil misto uma vez que é constituido não só por crianças que ainda não passaram pela muda vocal nos naipes de soprano e contralto83 , como também por meninos/homens que já passaram pelo processo compreendido por muda vocal, constituindo os naipes dos tenores e baixos. A rotina de ensaios semanais do coro é dividida da seguinte forma: um ensaio geral sempre aos sábados com duração de quatro horas; um ensaio de naipe com duração de uma hora e trinta minutos; uma aula de técnica vocal em dupla ou trio dividida por naipes com duração de cinquenta minutos. Além do trabalho vocal, os cantores têm aulas opicionais de instrumento, com a duração de cinquenta minutos cada, podendo escolher entre: flauta de bisel, violino, viola d’arco, violão. Quanto ao repertório, o coro é eclético e executa peças sacras, eruditas, populares84 e música contemporânea (cf. Anexo 10). O coro tem quatro uniformes distintos que utiliza em função do tipo de performance que vai realizar: (1) o uniforme de gala é constituído por um vestido azul e camisete listrado com um laço amarelo, meia calça cor da pele e sapato de cor preta, para as meninas e por um terno de cor azul, camisa social listrada azul e amarela, gravata amarela, sapato social preto, para os meninos (cf. Anexo 13 e 14); (2) o uniforme litúrgico, composto de uma bata vermelha e uma sobre pelis por cima de cor branca e, um crucifixo de madeira para os intergrantes do soprano e contralto e, para os tenores e baixos, uma túnica branca com capuz e uma corda amarrada na cintura com crucifixo de madeira para os (cf. Anexo 15 e 16); (3) um uniforme informal, constituído 81

Fundado pelo Padre Francisco Xaivier Gomes em 1979. O grupo sofreu interrupções ao longo dos trinta e oito anos de existência e atualmente está realizando a gravação de seu primeiro CD, com previsão de lançamento para o fim do ano de 2012. 82 Criada e dirigida por Eric Vinícius de Aguiar Lana, em 2006. 83 Com exceção das meninas que mesmo após o processo de muda vocal permanecem no naipe do soprano ou contralto a partir das características tímbricas e de extensão vocal de cada uma. 84 Utilizo o termo popular para referir músicas popularizadas através dos media.

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por uma calça de cor preta e uma blusa de malha com o logotipo do coral estampado; (4) um uniforme de frio, constituído pelo uniforme anterior ao qual é acrescentada uma blusa de moleton personalizada, conforme as figuras em anexo (cf. Anexo 17 e 18). A Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito realiza trabalho musical e ao mesmo tempo social, pois não possui fins lucrativos e todas as atividades bem como aulas são oferecidas gratuitamente a todos os alunos. Além das aulas gratuitas os alunos recebem, sem nenhum custo, o uniforme, as partituras, as pastas de ensaios e todo o material didático utilizado pelos professores. Para que a Associação se mantenha financeiramente, o maestro e uma equipe designada “núcleo de projetos” concorre a financiamentos do governo municipal a concursos lançados através de edital de leis de incentivo à cultura e recebem da prefeitura uma ajuda de custo anual. São ainda propostos ao governo estadual de Minas Gerais e ao governo federal do Brasil projetos culturais que, quando aprovados, garantem mais um ano de funcionamento da entidade. A Associação integra seis professores, todos licenciados em música (cf.Anexo 17), uma secretária que realiza os trabalhos administrativos, uma diretoria voluntária composta por uma presidente benemérita, uma presidente, vice presidente, dois secretários, dois tesoureiros, um relações públicas. O Coral Os Canarinhos de Itabirito utiliza de web sites para a divulgação de seu trabalho85.

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Web site principal www.canarinhosdeitabirito.org.br, Perfil no facebook: http://ptbr.facebook.com/public/Canarinhos-Itabirito ; Twitter: www.twitter.com/coralcanarinhos Canal no YouTube: http://www.youtube.com/user/canarinhositabirito?feature=watch e possui vídeos publicados no YouTube fora do canal do coro que podem ser encontrados ao digitar o nome Coral Canarinhos de Itabirito na ferramenta de busca do site. Dentre os vídeos encontrados pela busca do nome “ Coral Canarinhos de Itabirito” destaco os vídeos abaixo todos acedidos dia 05/03/2012: Apresentação do coro no Congresso Nacional de Meninos Cantores do Brasil em julho de 2010: http://www.youtube.com/watch?v=Bkal_gBsR0s ; Apresentação no Concurso Internacional de Corais: http://www.youtube.com/watch?v=Ha6-cJdarw4&feature=related , http://www.youtube.com/watch?v=SjhXXFe_6zI&feature=related , http://www.youtube.com/watch?v=0eum16p3wDM&feature=related , http://www.youtube.com/watch?v=0mQ6Hyv4nYM&feature=related , http://www.youtube.com/watch?v=SC5AoFejjwE&feature=related , http://www.youtube.com/watch?v=aqZFG6LIqo&feature=related ; Apresentação no congresso de meninos cantores do Brasil em Xaxim Rio Grande do Sul: http://www.youtube.com/watch?v=OefIMPPnjmY&feature=related ; Apresentação de Natal: http://www.youtube.com/watch?v=7Mm01rcJK2Y&feature=related ; Apresentação nas ruas da cidade de Londrina- Paraná: http://www.youtube.com/watch?v=-MKpVlElxak&feature=related ; Programa especial de natal gravado pela Rede Globo de televisão: http://www.youtube.com/watch?v=eREwCf8qK0&feature=related .

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4.2. O trabalho de pesquisa ação no Coral Os Canarinhos de Itabirito: modificando o modelo performativo do coro. O trabalho de pesquisa ação desenvolvido junto da Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito foi focado no coro principal desta entidade-

o Coral Os

Canarinhos de Itabirito86 - e, constituiu-se a partir de: 1) Oficina de canto e expressão corporal: Uma oficina de canto e expressão corporal concebida e desenvolvida por mim e uma mostra de trabalho final desta oficina, realizada no dia sete de outubro de 2011, com duração total de quatro horas (cf. Anexo 20). A oficina foi oferecida gratuitamente na sede do coral Os Canarinhos de Itabirito e aberta aos três coros da entidade. Nesta oficina pude aplicar um conjunto de gestos facilitadores da técnica vocal e estimular a criação participada dos jovens, esta última através da sugestão de ideias verbais, de exemplos, entre outros (cf. Anexo 20). 2) Ensaios semanais: Realizaram-se dez ensaios preparatórios focados no repertório musical do coro (com um total de oito músicas) e nos gestos compostos para a performance: três ensaios semanais, durante três semanas e um ensaio geral87. Os ensaios realizados aos sábados88 tiveram a duração de quatro horas, enquanto que os que foram levados a cabo às terças e quintas89, contaram com duas horas (cf. Anexo 21). 3) Espetáculo final: Como mostra final do trabalho de pesquisa ação, segundo um novo modelo de coro, foi produzido um espetáculo musical intitulado Sonhos, no dia nove de Setembro de 2011, no Cine Teatro Pax, Itabirito. Setembro é um mês festivo na cidade de Itabirito pois é o mês de aniversário da cidade e também o mês de aniversário do Coral Os Canarinhos de Itabirito. Para a comemoração do aniversário do coro, todos os anos o Coral Os Canarinhos de Itabirito realiza um concerto para a comemoração do seu aniversário. Pelo fato de ser também aniversário da cidade, a prefeitura oferece à população concertos comemorativos90.

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Segundo Santos, o coreógrafo deve ter entrosamento com o grupo com que vai trabalhar (2003 apud Costa 2009). A partir deste pensamento de Costa, esse foi um grandes motivos que me levaram a escolher o trabalho de pesquisa ação com o Coral Os Canarinhos de Itabirito, pois é um coro onde lecionei musicalização e flauta de bisel por um período de seis anos e com o qual possuo uma estável relação não só com todos os elementos do coro, bem como com os maestros e diretoria. 87 Realizado no dia oito de Setembro de 2011 no local do espetáculo, no Cine Teatro Pax em Itabirito, Minas Gerais, Brasil. 88 Dia vinte de agosto de 2011, dia vinte e sete de agosto de 2011 e dia três de setembro de 2011. 89 Realizados nos dias vinte e três de Agosto, trinta de Agosto, dia dezoito de Agosto, dia vinte e cinco de Agosto, dia um de Setembro e seis de setembro de 2011. 90 O espetáculo contou com a ajuda da mesma que forneceu a estrutura montada em cima do palco, iluminação, sonorização e parte da divulgação como carro de som e faixas nas ruas da cidade informando sobre o concerto e divulgação nas mídias locais como rádios, jornais e web sites.

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A temática do espetáculo foi escolhida da seguinte forma: reuni-me com os maestros dos três coros da instituição para tomar conhecimento do repertório; nessa reunião selecionamos as peças que deviam integrar o espectáculo e discutimos a designação a dar-lhe; considerando que havia um denominador comum a todas as peças, propus o título “sonhos”, o qual foi aprovado por todos. De seguida, elaboramos o programa distribuindo a participação dos três coros o mais equitativamente possível91. O programa integrou as dezoito peças do espetáculo, em seis subtemas do tema “sonhos”92. Considerando o carácter musical do espetáculo (decidimos afastar-nos do modelo mais cênico, com narrativas), selecionamos uma canção que pudesse servir como elemento de ligação entre as diferentes participações. Refiro-me à canção “Sonho meu”, um samba da compositora brasileira Ivone Lara, que foi cantada por solistas diferentes. O espetáculo envolveu os cento e trinta cantores da entidade através de seus três grupos corais (c.f. Anexo 12). Foi criada uma cenografia adaptada a cada uma das peças93, tendo sido adquiridos elementos e materiais para esse efeito94. Os cantores dos três coros utilizaram gestos durante a performance vocal e diferentes disposições em palco, concebidos e ensaiados por mim. Esta ação foi assumidamente tomada com vista a alterar o modelo de performance coral tradicional, que há trinta e oito anos o coro vinha a cultivar. Durante o processo de concepção dos gestos e das movimentações em palco, baseei-me nas categorias de gestos e suas utilizações apresentadas no primeiro capítulo deste estudo, na observação do trabalho do CIUL e nos depoimentos da maestrina Erica Mandillo quanto a forma de composição dos gestos (cf. Anexo 22). Contudo, considerando que o Coral Os Canarinhos de 91

Esta escolha, embora envolvesse a entrada e saída de palco de aproximadamente cinquenta crianças, foi adotada para que o espetáculo como um todo, constituisse uma ligeira surpresa, proporcionada pelos diferentes tipos de vozes, gestos e distribuições em palco. 92 Sonho de encontrar a pessoa amada; o sonho da liberdade; o sonho de alçar voos para conquistar os objetivos; o sonho de viver em paz com Deus; o sonho durante o sono- pesadelos, medos e folclore brasileiro; a vontade de se compartilhar sonhos. 93 Este espetáculo foi também uma tentativa de oferecer ao público algo artísticamente diferente do que vinha a ser feito pelo coro em questão- o Coral Os Canarinhos de Itabirito, além de propor ao público novas perspectivias de canto coral, no sentido do espectador ir a um concerto e não encontrar mais um coro estático na maior parte do tempo. 94 Para o Coral Os Canarinhos de Itabirito foram providenciados cinquenta “velas de led” amarelas e oito sombrinhas tamanho grande. Para o Coral Pequeninos Canarinhos foram providenciadas 45 fitas coloridas com suporte que o coro já dispunha, 45 clavas (instrumento de percussão de madeira) que o coro também dispunha; dois standarts de santos utilizados em movimento de folia brasileira; uma fantasia de boi. Para o Coral Intermediário Canarinhos foram providenciados 15 brinquedos de fazer bolinha de sabão e 38 lanternas. Para os três coros foram providenciados 150 balões enchidos com gás hélio de cor prata.

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Itabirito estava a trabalhar, pela primeira vez, a movimentação em palco e a inclusão de gestos na performance, desenvolvi um processo de criação em simultâneo com o do ensino-aprendizagem, no sentido de melhor adaptar as dificuldades às capacidades dos elementos do coro. Ao mesmo tempo, procurei diversificar os âmbitos dos gestos explorados de modo a obter elementos para a pesquisa. No processo de aprendizagem do gesto explorei a imitação e a sugestão verbal (esta última para as componentes abertas à improvisação) . O detalhamento do procedimento composicional do gesto e sua respectiva função dentro da peça Liberdade será apresentada no subcapítulo intitulado “Considerações sobre a construção e a escolha dos gestos utilizados na performance da peça Liberdade: auto-etnografia da performance.” onde descrevo o processo criativo dos gestos para a obra de Ronaldo Miranda95.

4.3 Contextualização e analise musical da peça Liberdade A peça Liberdade foi composta em 1986, pelo compositor, pianista e crítico musical brasileiro Ronaldo Miranda96. A referida peça é uma composição coral a capella para coro misto (SATB) com duração aproximada de cinco minutos e trinta segundos e recebe como título do poema Liberdade, datado de dezesseis de março de 1935, do escritor português Fernando Pessoa97 (cf. Anexo 23). Segundo o próprio compositor Ronaldo Miranda, a peça Liberdade com poema de Fernado Pessoa, foi interpretada por vários grupos corais98. 95

Esta opção tornou-se pertinente para que os dois momentos (criação/concepção dos gestos e performance ao vivo) não se fundissem em um único momento. 96 Ronaldo Miranda nasceu no Rio de Janeiro em 1948 e recebeu diversos prêmios de composição como o 1º Prêmio no Concurso de Composição para a II Bienal de Música Brasileira Contemporânea, na categoria música de câmara (1997); no concurso nacional de composição ganhou o Troféu Golfinho de Ouro (1981) do Governo do Estado do Rio de Janeiro. A Associação de Críticos de Arte de São Paulo/APCA considerou suas Variações sinfônicas a melhor obra orquestra, de 1982. Recebeu o 3º Prêmio no Concurso Internacional de Composição de Budapeste (1996), o Troféu Carlos Gomes, como melhor compositor do ano em 2001, dentre outros. Dentre as composições de Ronaldo Miranda para coro destacam-se: Suíte Nordestina (1978); Liberdade (1986); Cantares (1969/ 1987); Três Cantos breves (1997); Belo, Belo (1978). Ronaldo Miranda ocupou vários cargos como jornalista e administrador musical. Foi crítico musical do Jornal do Brasil, professor de composição da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vice-diretor do Instituto Nacional de Música da FUNARTE e Diretor da Sala Cecília Meireles. Atualmente, Ronaldo Miranda é professor de composição do Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) (Retirado do site oficial do compositor http://www.ronaldomiranda.com/ Acedido em: 21/05/2012). 97 Fernando Pessoa nasceu em Lisboa no dia 13 de junho de 1888 e faleceu também em Lisboa no dia 30 de novembro de 1935. Além de poeta Fernando Pessoa foi empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário. Fernando Pessoa é um importante poeta português, tendo seus poemas reconhecidos em diversas partes do mundo. 98 Tais como: o Coral Canto em Canto, divulgada no CD “Música coral brasileira contemporânea” no ano de 1995, e no CD Liberdade/A Música Coral de Ronaldo Miranda (Oficina Coral do Rio de

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Pretendo neste subcapítulo fazer uma análise descritiva dos elementos musicais da peça Liberdade, focando a poesia de Fernando Pessoa (cf. Anexo 23). Para esta análise dois aspectos precisam ser considerados: 1) O poema surgiu antes da música, ou seja, a palavra antes da canção, fator determinante na técnica composicional e no resultado sonoro, pois, em linhas gerais, veremos a composição musical a favor do texto literário99; 2) A análise musical será reduzida à melodia e ao ritmo, na interação com a poesia. Portanto, mesmo estando a falar sobre a música propriamente dita, partirei do texto literário, o qual deu origem à composição: em vez de me referir a um determinado compasso ou sistema, irei mencionar a palavra, verso ou estrofe em que o acontecimento descrito se refere. Tal consideração fez-se necessária uma vez que a maior parte dos gestos mimetizam a componente textual. A peça Liberdade é escrita a capella, para coro misto a quatro vozes (soprano, contralto, tenor e baixo) e a seis vozes soprano 1 e soprano 2, contralto 1 e contralto 2, tenor 1 e tenor 2. A peça exige do coro certa maturidade vocal pois além destes desdobramentos vocais, a composição possui trechos com maior grau de dificuldade técnica como passagens vocais em modulações que não se esgotam no âmbito da tonalidade mas, pelo contrário, exporam também a oscilação entre “tonalidade/ modalismo”, conforme será demonstrada na análise musical abaixo. A obra musical está divida em sete grandes seções não uniformes. Tabela 3- Relação texto literário e classificação da forma musical peça Liberdade

Estrofe

Seção

Ai que prazer não cumprir um dever...

A

O rio corre bem ou mal...

B

E a brisa, essa...

C

Livros são papeis...

B’

Quanto é melhor quando...

B”

grande a poesia...

D

O mais do que isso era Jesus Cristo...

E

Janeiro/2001). Outra gravação desta mesma peça pode ser encontrada na gravação com o Madrigal de Brasília, no CD "Canto Brasilis” no gravado em 1998 e no CD “Harte Vocal ao Vivo na Sala Cecília Meireles” no ano de 1995. As gravações em CD´s não se encontram mais disponíveis no mercado, não sendo possível desta forma efetuar análises interpretativas e discussões sobre as gravações. Há também gravações desta mesma peça interpretada por outros coros disponível na plataforma web You Tube. 99 Por exemplo, observa-se que a música está relacionada com a prosódia textual.

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Ai que prazer não cumprir um dever...

A

A seção A, num 2/4, possui um andamento “Leve e bem articulado” (semínima = 69). Nas frases iniciais desta seção o compositor opta por desenvolver uma harmonia em caráter homófono com a rítmica provida de acentos e desinências (8 semicolcheias subdivididas em 3 - 2 - 3), favorecendo os acentos tônicos do texto cantado, com a melodia trabalhada exclusivamente na escala pentatônica. A duração de cada nota, obedece à lógica da prosódia de palavra, por exemplo, em “ai que pra-zer não cum-prir um de-ver” opta-se por prolongar a duração do tempo nos acentos tônicos “pra-zer” e “de-ver”. A seção B, em 12/16, possui a indicação de andamento “Com entusiasmo” (semínima=112). Esta seção é mais curta do que a seção anterior, porém, o que se percebe é que, no que se refere ao material musical empregado, ela será re-exposta e desenvolvida em outros momentos da composição. Na relação texto melodia, o compositor mantém o mesmo caráter rítmico homôfonico da seção A. Contudo, abandonou a escala pentatônica a favor de uma heptatônica. A seção C, em 4/8 recebe como andamento “Lírico” (semínima= 60). O início desta seção se consolida em andamento lento por meio de uma ligeira fuga imitativa seguida por grandes legatos, contrastando com as seções anteriores. No entanto, no que se refere à junção texto e música este andamento se mantém semelhante aos anteriores. Como exemplo, nos versos “ e a brisa, de tão naturalmente natural, como tem tempo não tem pressa” o compositor recorreu a um ralentando. A quarta seção, a qual chamo de B’, utiliza-se dos mesmos materias empregados na seção B, sendo eles o andamento “Com entusiasmo” (semínima=112), a movimentação harmônica em bloco, o caráter diatônico dos acordes e o ostinato rítmico, que faz alusão a uma possível marcha militar que está por vir em B”. Miranda, utiliza-se de pequenas pausas na mudança de uma seção para a outra, interrompendo abruptamente a progressão, e reforçando a intenção de se criar um certa tensão discursiva no trecho onde o poeta diz “livros são papeis pintados com tinta”. A composição até o fim desta seção restringiu-se em utilizar apenas o texto literário, contudo, no fim da frase “nada e coisa nenhuma” o compositor acrescenta a onomatopeia “tim pom”, que caracterizará todo o acompanhamento de B” que virá a seguir. 99

A seção B”, a quinta em análise, tem o mesmo motivo melódico de B, porém com

a melodia principal

no

baixo.

Os

demais

naipes

funcionam

como

acompanhamento, todos cantam o referido ostinato onomatopéico “pom” até à frase “quer venha ou não”, onde o compositor opta por repetir a palavra “não” dentro do ostinato central (alterando, novamente, o texto poético de Pessoa). Neste andamento ocorre ainda as divisas nos naipes de soprano, contralto e tenor, sobre um ligeiro ostinato rítimico com o texto “quer venha ou não, D. Sebastião”. Em B” fica ainda mais aparente a rítmica alusiva à marcha, reforçando o caráter de ambiguidade ou ironia presente no texto poético do trecho. A seção D tem o mesmo caráter da seção C: um 4/8, “Com muita emoção” (semínima= 66). Nesta seção o compositor parte do texto “grande a poesia, a bondade e as danças” e cria um momento onde todas as vozes seguem num grande legatto, contrastando com a seção anterior. O caráter rítmico e staccato de B” dá lugar a um andamento moderado com fraseados melódicos bem constituídos com elementos musicais que ainda não tinham sido inseridos na obra , como as bordaduras e retardos na palavra “crianças”. Em seguida no trecho “são flores, música, o luar e o sol” o compositor opta novamente por colocar a palavra “sol” como a nota mais aguda do trecho, na melodia do soprano, como feito na seção A, propondo pequenas pausas entre as vírgulas demonstrando uma grande fidelidade à prosódia. A seção E, num 3/8, num andamento “Contemplativo” (semínima=52), mescla dois elementos composicionais até então dissociáveis: o caráter lento, melódico, legato e tonal presente na seção C, e o caráter rítmico rápido, harmônico, stacatto e modal, presente em B. O poema deixa de ser cantado por todas as vozes, e passa a ser declamado apenas por um solista. Os elementos musicais determinantes de E são, o compasso ternário, a harmonização modal (Dórico), o andamento rítmico, o predomínio de graus conjuntos e a vocalização em ‘ôh’. Estes recursos são muito interessantes pois fazem com que a composição não se torne repetitiva ou previsível por parte do ouvinte. Na parte declamada pelo solista, o coro centra-se na vocalização em “ôh”, de modo a reforçar o texto literário de Fernando Pessoa. No final da peça, regressa a seção A com uma coda, a qual designei por A’. Seus elementos são idênticos ao de A (refrão) porém, sem a repetição e complementando-se com a coda na tonalidade de Mi menor cantada sem texto, sob a sílaba “lá-lá-lá”, com palmas, num caráter festivo. Segue-se a cadência modal final onde o compositor retoma a expressão “doi-ra o sol” sob um acorde da tônica de Mi maior. 100

No processo de composição de Miranda, observa-se um grande cuidado no tratamento do texto poético estando a harmonia, melodia, ritmo, andamento, caráter, fraseado, sempre em função do elemento principal: o poema de Fernando Pessoa.

4.3.1. A performance do Coral Os Canarinhos de Itabirito sobre a peça Liberdade A peça Liberdade foi inserida pela primeira vez no repertório do Coral Os Canarinhos de Itabirito no ano de 2005. Nessa performance os elementos do coro se distribuíam no palco em linhas paralelas, de forma estática. Em 2011, o coro reintroduziu a peça no seu repertório. Nesta performance anterior à minha intervenção, os elementos do coro se distribuíam no palco em duas ou três linhas paralelas em disposição de “U”, também de forma estática. O texto, embora seja de um autor português Fernando Pessoa foi cantado com a pronúncia do português do Brasil, pois, foi levada em consideração a nacionalidade do compositor Ronaldo Miranda (brasileiro), e a interpretação de outros coros sobre a mesma peça, que utilizam o português do Brasil na interpretação da peça em questão. O maestro Éric Lana, revela durante a entrevista que: “Liberdade é uma peça bastante difundida no repertório dos coros mistos brasileiros, seja pela beleza e grandiosidade da composição ou mesmo pelos predicados musicais que ela oferece, os quais podemos destacar: tessitura vocal confortável para a maioria das vozes na maior parte da tempo, múltiplos andamentos entre as partes, dando fluência ao poema. Acentos tônicos e agógicos que demarcam com clareza a intenção rítmica e melódica da composição. Peculiaridades harmônicas que conservam o idioma hibridamente tonal e modal. Contudo, a complexidade da composição faz com que os naipes tenham dificuldade de intepretação em alguns trechos específicos onde a melodia propõe intervalos mais complicados. Outra dificuldade encontrada ligada a afinação que pode ser tanto um problema pontual do coro, ou mesmo uma questão físico-acústica e de temperamento da obra escrita, é a de que o coro tende a subir um pouco sua afinação como um todo, no decorrer da peça” (entr. Éric Lana, 2011).

Esta reflexão do maestro sobre a peça foi levada em consideração durante a construção dos gestos e movimentos que serão descritos neste capítulo. A título de organização, para um claro entendimento da peça, separar-la-ei por “seções musicais” (separadas na partitura com uma barra dupla de compasso e com a indicação de um novo andamento). A partir desta divisão, descrevo os movimentos por

101

mim criados, ilustrando essa descrição com fotografias retiradas da filmagem em formato DVD, gravado ao vivo do espetáculo “Sonhos”100. Os gestos corporais criados para esta peça, como anteriormente mencionado, foram concebidos por mim. Na seleção dos gestos procurei enfatizar dois problemas principais levantados quer pela partitura quer pelo poema: dificuldades técnicas (algumas explicitadas pelo maestro Éric Lana, outras identificadas por mim na partitura) como problemas de afinação em certos trechos, o apoio diafragmático, o ataque do som, o ritmo, fraseado e dinâmicas; a interpretação expressiva do texto e música. As aplicabilidades, formas de criação e ensino utilizadas pelo CIUL foram remetidas ao trabalho realizado na peça Liberdade, como

os que tem como função

mimetizar as palavras, os que auxiliam em aspectos musicais como ligaduras de frase e dinâmica dentre outros descritos a seguir. Quando concebi esta pesquisa-ação, pretendia que, em alguns momentos da peça, os elementos do coro participassem na construção dos gestos, o que não veio a ser possível devido ao pouco tempo disponibilizado para a montagem do espetáculo. Devido a falta de compatibilidade do teatro em que foi realiado o espetáculo, a instituição Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito, propos a redução do tempo para a montagem do espetáculo, o que impediu que o projeto fosse realizado na íntegra como concebido inicialmente. Optei por continuar com o projeto, agora sem a participação dos elementos do coro na construção de todos gestos. Ainda assim, no sentido de apelar a essa participação, propus gestos a partir dos quais os elementos do coro podiam, durante a performance em palco, improvisar. Ao longo dos ensaios, procurei veicular junto dos elementos do coro a ideia global do texto poético. Para tal, tive de proceder à sua análise (cf. subcapítulo Considerações sobre a construção e escolha dos gestos utilizados na performance da pela Liberdade). Esta estratégia visou contextualizar e integrar num todo os diferentes gestos criados ao longo das seções.

4.3.2.Um outro olhar sobre a performance do Coral Canarinhos de Itabirito: Autoetnografia da performance sobre a peça Liberdade de Ronaldo Miranda e Fernando Pessoa A performance que será descrita neste capítulo, decorreu num espaço do Cine Teatro Pax (Cine Pax), na cidade de Itabirito, Minas Gerais, Brasil. Atualmente o Cine 100

A interpretação músico- corporal do Coral Os Canarinhos de Itabirito pode ser também conferido na plataforma web YouTube no link: http://www.youtube.com/watch?v=-aqZFG6LIqo

102

Teatro Pax tem função exclusiva de teatro, com capacidade para acomodar 750 pessoas sentadas. O palco do teatro é amplo, possui aproximadamente dez metros de largura e cinco metros de profundidade. Entre as cadeiras do público e o palco existe uma distância de aproximadamente cinco metros. Para o espetáculo Sonhos, foi necessário que os maestros, instrumentistas, técnicos de som e iluminação se posicionassem neste espaço de cinco metros, compreendido entre o público e o palco, pois os elementos dos três coros juntos ocupavam todo o espaço do palco. Para os maestros e também para o piano eletrônico foi montado um tablado com 60cm. acima do chão. O violonista/guitarrista/violeiro, professor da entidade e maestro do coral Pequeninos Canarinhos, se posicionou ao lado do teclado, ora tocava em cima do tablado, ora tocava ao chão, próximo ao maestro. Nas músicas em que foi utilizada a percussão, o percussionista se posicionava também próximo ao maestro, no chão. Esta disposição dos músicos instrumentistas já havia sido explorada no concerto de aniversário do coro, em 2010. O horário previsto para o início do espetáculo foi as 20 horas e 30 minutos. Foi pedido a todos os cantores e equipe técnica que chegassem uma hora antes, ou seja, às 19 horas e 30 minutos para que pudessem se arrumar, aquecer vocalmente e corporalmente e conferir a equalização do som. A ideia inicial da Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito era abrir as portas do teatro às 20 horas. No entanto considerando que a fila para se entrar antes das 20 horas ultrapassava um quarteirão, as portas do teatro foram abertas cerca de quinze minutos antes do previsto. Para este espetáculo foram vendidos 800 bilhetes a peço de R$5,00 (cinco reais) equivalente a aproximadamente dois euros. Na porta havia uma voluntária membro da diretoria que recolhia os ingressos do espetáculo e desejava boa noite e boas vindas a todos que entravam. Conforme as pessoas entraram no teatro encontravam espalhados no palco e no hall de entrada uma decoração que condizia com a temática do espetáculo. Eram “capturadores de sonhos” feitos pelos membros da diretoria com muitas cores e elementos como penas e missangas101. A música instrumental de fundo e ambiente foi escolhida pelos técnicos de sonorização.

101

O capturador de sonhos também é conhecido por filtro dos sonhos.

103

O espetáculo começou na hora prevista com sua lotação máxima de público. Como primeiro número, ensaiei um casal de cantores, que tinham certa experiência na área da dança, para fazer um ballet com a música When a wish upon a star, composta por Jessy McCartney, que após a saída do palco dos dois “bailarinos” foi interpretada em português por quatro solistas: uma do Coral Pequeninos Canarinhos; uma do Coral Canarinhos Postulante; e dois do coro principal Coral Os Canarinhos de Itabirito. A terceira música do espetáculo- El sueño grande do compositor S. Denis - foi então cantada pelo Coral Os Canarinhos de Itabirito. Esta seria então a primeira vez que o coro entraria em cena cantando e fazendo gestos corporais em simultâneo, bem como se dispor distintamente em palco102. “Ah, foi uma novidade pra todo mundo, né! Tudo que a gente fez foi muito bom assim, ajudou muito na hora do canto” (entr. Lucas, 2011). “Assim, uma coisa que a gente fez a primeira vez, né, ficou bom (entr. Sofia, 2011).

Estas foram palavras expressas por dois elementos do coro principal, os quais sublinharam a importância dos gestos na performance. Após nove músicas entre interpretações dos três coros, foi a vez do Coral Os Canarinhos de Itabirito realizar a sua performance da peça Liberdade. O coro então entra no palco, dispoêm-se em “U” em duas filas paralelas (sendo a fileira da frente composta exclusivamente por sopranos e contraltos e a outra fileira composta por integrantes dos quatro naipes ) e aguarda a sua performance, enquanto Rosilene, uma aprendiz de teatro, lia um texto que convidava a plateia a procurar um sonho em baixo de suas cadeiras. Por baixo das cadeiras as pessoas encontraram um pergaminho, feito de papel colorido enrrolado e embrulhado com um laço de fita, confeccionado pelos cantores dos três coros. Cada papel continha uma frase, ou um desenho, ou um sonho da criança que o fizera. Este foi um momento no espetáculo pensado pelo maestro do coro para envolver o público, através da partilha desses sonhos com a plateia. Esta ação causou um tumulto pois as pessoas se sentiram no direito de comentar com quem estava ao lado. Algumas pessoas liam o que estava escrito em seu papel para conferir se não era o mesmo, outros comentavam sobre o sonho, outros sobre a atitude de compartilhar um sonho. Os cantores neste espaço de tempo se concentravam pois seria a primeira música a capella que o coro cantaria neste concerto. Alguns elementos da plateia 102

Como dito anteriormente para todas as músicas foram criados gestos e movimentos corporais de forma que nesta música, os jovens saíam cantando da cochia.

104

começaram a pedir silêncio com o som “sssss” para que o concerto continuasse, foram quase oito minutos até a plateia regressar ao silêncio e o Coral Os Canarinhos de Itabirito dar inicio a peça Liberdade. O maestro afere a afinação dos coristas e inicia a performance. A descrição da performance será dividida em partes, segundo as seções musicais atrás descritas, conforme as mudanças de andamento e barra dupla indicada na partitura. 4.3.2.1 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance - Seção A O coro já estava em palco, como referido atrás. À indicação do maestro cantam o texto “Ai que prazer não cumprir um dever” ao mesmo tempo que, com as mãos ao centro do corpo , “em gancho”, e mantendo a posição fixa, oscilam com o corpo - de um lado para outro e para cima e para baixo - a partir da posição de apoio ao ataque das notas (plano alto (cf. Figura 20) - nas pontas dos pés e plano baixo (cf. Figura 19) - com os joelhos fletidos). Apesar de o gesto ter sido previamente concebido e ensaiado, os elementos do coro podiam improvisar os movimentos do corpo. O gesto escolhido teve como finalidade comunicar com os colegas e com o público e auxiliar no apoio necessário ao “ataque” da nota inicial (gesto dinâmico de recurso musical e comunicação).

Figura 18- Distribuição inicial da peça Liberdade- Ronaldo Miranda. Mãos em gancho e disposição em “U”103.

103

As imagens utilizadas para a exemplificação dos gestos deste capítulo foram retiradas do vídeo amador feito por mim durante o espetáculo Sonhos e convertido em imagens pelo programa Free vídeo to JPG converter.

105

Figura 19- Joelhos flexionados plano baixo, mãos em gancho e olhares direcionando a mensagem para público e pessoas ao lado.

Figura 20- De pé ou na ponta dos pés, mãos em gancho e olhares direcionando a mensagem para público e pessoas ao lado.

Relativamente a este gesto, Lorene, um dos elementos do coro, ressalta que:

“Ah, eu gostei mesmo foi daquele [gesto] que vai abaixando porque aquilo criou uma surpresa para o público, de repente a gente começa a abaixar e olhar para todos os lados, então achei o máximo”(entr.Lorene,2011).

De seguida, os jovens cantam “Ter um livro pra ler e não o fazer e não o fazer ler é maçada estudar é nada e o sol doira sem literatura e o sol, doira sem literatura e o sol”. O gesto selecionado para este trecho consistiu em se voltar para a plateia com os braços esticados e com as palmas das mãos abertas, numa tentativa de congelamento gestual para estabelecer uma relação com o público, uma vez que os elementos realizavam gestos dinâmicos com olhares em diversas direções e bruscamente passam a executar um gesto congelado (gesto dinâmico congelado de comunicação - cf. Figura 21).

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Figura 21- De frente para o público com mãos e braços esticados.

Retorna o primeiro texto do poema: “ai que prazer não cumprir um dever...” e desta forma, repetem-se os gestos e suas respectivas funções nesta peça (gesto dinâmico de recurso musical e de comuniação- cf. Figuras 22 e 23 ).

Figura 22- Joelhos flexionados plano baixo, mãos em gancho.

Figura 23- Plano alto, de pé ou na ponta dos pés, mãos em gancho.

Relativamente à correlação entre gesto e performance vocal, Sofia, uma das integrantes do coro frisou que:

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“[o gesto] do começo dá mais energia... aí fica mais fácil de cantar” (entr.Sofia, 2011)

Após este trecho, os jovens cantam “ai que prazer, ah, ah!” desfazendo as mãos, que estavam em “gancho” e largando os braços ao longo do corpo com as mãos posicionadas para baixo ao lado das pernas, sem que os jovens precisassem fazer esforço físico para estar nesta posição (gesto dinâmico congelado - cf. Figura 24).

Figura 24- Posição relaxada das mãos e braços.

4.3.2.2 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance - Seção B Nesta segunda seção musical, os jovens permanecem estáticos na formação em “U” atrás referida enquanto cantam “ o rio corre bem ou mal sem edição original (gesto estático- cf. Figura 25)

Figura 25- Gesto estático.

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4.3.2.3 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance - Seção C Nesta seção, o coro canta o texto com entrada sucessiva dos naipes, começando pelonaipe dos baixos, seguido dos contralstos, sopranos e, por fim, os tenores, cantando o mesmo texto: “ e a brisa essa brisa…”. O coro quebra o estaticismo a partir da entrada dos tenores, com o gesto de fletir os dois joelhos (chamados na dança de demi pliè) e retorna à posição inicial, com joelhos esticados para, de seguida, movimentar todo o corpo, como se empurrasse o seu peso, para o lado direito (chamado na dança de “transferência de peso”).

Depois, novamente flexiona os dois joelhos e retorna à

posição de transferência do peso, agora, para o lado esquerdo. Este gestual privilegia o apoio diafragmático e a afinação, mas ao mesmo tempo foi criado para dar uma sensação de movimentação da brisa sugerida pelo texto (gesto corporal dinâmico de recurso musical e mimetização).

Figura 26- Joelhos flexionados

Figura 27- Tombamento para o lado esquerdo.

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Figura 28- Tombamento para o lado direito.

Este gestual se repete por toda a seção B. No final, onde o compositor assinala ralentando, o gesto acompanha o andamento (gesto dinâmico de recurso musical). Filipe, um dos cantores do coro (que simultaneamente é maestro do Canarinhos Postulante, um dos outros coros participantes no evento), sustenta que:

“Acho que o movimento ficou extremamente eloquente com a proposta musical e também sobre o que refere o texto... achei realmente interessante e divertido fazer este trecho” (entr. Filipe, 2011).

4.3.2.4 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance - Seção B´ e B” Nesta seção, os jovens cantam a primeira parte do poema “Livros são papeis pintados com tinta. Estudar é uma coisa que está indistinta. A distinção entre nada e coisa nenhuma…” realizando o seguinte gesto ao mesmo tempo que proferem a palavra “livros”: fechar as duas pernas e bater as mãos nas coxas simulando o movimento de um soldado, transfigurando-se em um gesto estátua que permanece até o fim da frase (gesto dinâmico de recurso coreográfico que se transforma em gesto dinâmico congelado).

Figura 29- Pernas fechadas com mãos fechadas.

110

Quando canta a onomatopeia - “Tchim pom! Pom! Pom pom pom pom pom pom pompom pompom pompom pompom pompom pom” – o coro interrompe o gesto congelado para simular com as mãos o tocar de um tambor, ao ritmo da música (gesto dinâmico recurso musical e mimetização- cf. Figura 30). Este gesto continua a ser executado até o fim deste andamento, respeitando o ritmo e acompanhando o ralentando final (gesto dinâmico de recurso musical - cf. Figuras 30 e 31)

Figura 30- Gesto do braço direito para cima e para baixo.

Figura 31- Gesto do braço revezando entre direito e esquerdo para cima e para baixo simulando tocar um tambor.

O cantor e professor Filipe refere que “A respeito dos gestos gostei de quase todos, e acho que como destaque poderia colocar o gesto que realizamos ao cantar “Quanto é melhor quando a bruma...” , mais uma vez achei muito adequado a realização deste gesto neste momento da peça” (entr. Filipe, 2011).

4.3.2.5 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance – Seção D No gesto incial deste andamento os jovens, permanecendo dispostos em “U”, dão as mãos aos companheiros que estão ao lado e quando começam a cantar colocam111

se na ponta dos pés, ressaltando a ideia do texto “grande a poesia”, voltam, de seguida, à posição normal (com os dois pés assentes no chão), para, por fim, fazerem um leve caimento pra traz. Este gesto serviu também como sensibilizador para a sustentação do apoio diafragmático. Os jovens repetem o mesmo gestual até à palavra “danças” (gesto dinâmico de mimetização e recurso musical – cf. Figura 32).

Figura 32- Jovens dão as mãos e sobem na ponta dos pés.

Lucas, outro elemento do coro, comenta este gesto: “Ah, na hora em que todos dão as mãos assim, a união entre todos é bem legal dá pra ajudar assim, você sente mais seguro com o companheiro do seu lado...”(entr. Lucas,2011)

Em seguida, quando os jovens cantam “Mas o melhor do mundo” os elementos do coro abrem os braços para o público no sentido de mostrar o que é o melhor do mundo (gesto dinâmico de mimetização- cf. Figura 33). De seguida, foi proposto aos elementos do coro que, ao mesmo tempo que cantavam “São flores, música, o luar e o sol que peca” simulassem gestos de tocar na cabeça de uma criança, arrancar uma flor com a própria mão e sentir seu perfume, ou outros que decorressem dos sentimentos que a músicas lhes incutia (gesto dinâmico de mimetização – cf. Figuras 34-36).

Figura 33- Movimento do braço de oferecer e mostrar.

112

Figura 34- Gesto corporal que significa “são as crianças” onde os jovens esticam o braço, representando o tamanho de uma criança.

Figura 35- Gesto de mãos e braços que significa “são flores” o gestual é de colher com as mãos uma flor e cheirá-la.

Figura 36- Gesto com o braço representando o trecho “música um luar e o sol...” os jovens fazem o desenho de um semicírculo com o braço direito.

Um outro elemento do coro, Lorene comentou estes gestos da seguinte forma:

“é muito bom poder sentir a música de outras formas” (entr. Lorene, 2011)

113

Em sequência os jovens cantam estáticos o texto “só, só quando em vez de criar...” e apenas na palavra “seca” é que começam a fazer um gesto que consiste em unir os braços dobrados e aproximá-los ao peito (gesto dinâmico de mimetização – cf. Figura 37). Ainda com este gesto quando os jovens cantam “o sol seca”, ajoelham-se mantendo os braços e as mãos fechados (gesto dinâmico congelado de mimetização). Quando vocalizam sobre a sílaba “ôh”, sugeri que veiculassem facialmente a ideia de sofrimento decorrente da seca (gesto dinâmico congelado).

Figura 37- Gesto para a palavra “seca”.

4.3.2.6 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance – Seção E Nesta seção, um solista recita “Ô ô ô... O mais do que isto é Jesus Cristo que não sabia nada de finanças, nem consta que tivesse biblioteca... ”, conforme registrado na partitura, permancendo de pé, enquanto os outros integrantes do coro continuam na mesma disposição e gesto do andamento anterior. Após a declamação deste verso, os coristas se levantam cantando (gesto dinâmico de recurso coreográfico – cf. Figura 38).

Figura 38- Somente o solista dé pé anda de um lado para o outro. O restante dos jovens permanecem ajoelhados com as mãos fechadas e o braço junto.

114

4.3.2.7 Coral Os Canarinhos de Itabirito a interpretação músico coporal da peça Liberdade: Auto-etnografia da performance – Seção A Com o regresso da seção A, regressa também o gesto que abriu esta performance (gesto corporal dinâmico de recurso musical- cf. Figuras 39 e 40)

Figura 39- Gestual como no início da música. Joelhos flexionados, mãos em gancho.

Figura 40- Plano alto, de pé ou na ponta dos pés e mãos em gancho.

O compositor escreve após este trecho uma sequência de sons, cantados sobre as sílabas “lá, lá, lá”, que é para ser feita com palmas e estalos de dedos, criando implicitamente um gesto corporal (cf. Anexo 24). Os elementos do coro estalam duas vezes os dedos ao lado do corpo e em seguida batem uma palma em frente do corpo (gesto corporal dinâmico de recurso musical – cf. Figuras 41 e 42)

115

Figura 41- Com os dois braços dobrados estalar os dois dedos duas vezes.

Figura 42- Juntar as duas mãos ao centro do corpo para bater uma palma.

Por fim, nesta seção musical é cantado o texto “doira ao sol” onde as crianças com os braços caídos ao longo do corpo, movimentam apenas as mãos numa rotação de um lado para o outro, acompanhando a dinâmica da música. (gesto corporal dinâmico de recurso musical – cf. Figura 43).

. Figura 43- Com as mãos para baixo, os jovens balançam as mãos de um lado para o outro de forma rápida.

Raul, um outro corista comenta sobre a associação dos gestos corporais com a performance vocal referindo que :

“[com os gestos] a gente podia soltar assim, a gente se sente mais livre, canta de um jeito mais natural” (entr. Raul, 2011).

116

Da mesma forma, Filipe cantor e professor de flauta de bisel sustenta o seguinte:

“Acho que toda a performance com o corpo e a voz traz mais musicalidade e mais expressão a música que estamos interpretando. Além do mais a combinação das duas atividades, traz um desafio para os cantores de uma maneira geral, penso que este desafio de certo modo acaba exigindo agilidade do cantor e principalmente segurança no que se diz respeito a parte musical”(entr.Filipe, 2011).

4.4 Considerações sobre a construção e escolha dos gestos utilizados na performance da peça Liberdade Para a concepção dos gestos utilizados na performance que tinham por objetivo mimetizar as palavras e o sentido do texto, interpretei o poema de Fernando Pessoa a partir de uma análise não acadêmica, de teor poético, de Amélia Pinto Paes (Paes 1996, 108). Nessa análise, a autora informa que o manuscrito original da poesia Liberdade contém a seguinte frase: "Falta uma citação de Séneca"(Paes 1996,108)104, localizada abaixo do título do poema. Segundo a autora, Fernando Pessoa referia-se a Lúcio Aneu Séneca um intelectual e filósofo do Império Romano, século I (Ibid.). Séneca preocupava-se com as questões de ética tendo escrito que:

“o cumprimento do dever era um serviço à humanidade. Para ele o destino estava predestinado, o homem pode apenas aceitá-lo ou rejeitá-lo, mas apenas a aceitação lhe pode trazer a liberdade. Eis o estoicismo na sua essência” (Sénica)105.

No poema Liberdade (cf. Anexo 23) , o não cumprimento do dever, é explorado por Pessoa em todo o texto e referido nas frases iniciais do poema: “ ai que prazer não cumprir um dever… ter um livro pra ler e não o fazer”. Estas frases são uma forma de afirmar a o estoicismo106 conforme referido na citação de Sénica e interpretado Paes (1996). Esta leitura influenciou a escolha do primeiro gesto corporal (joelhos 104

Livro Para compreender Fernando Pessoa , sobre este livro também foram encontrados sites na internet com texto de autores não identificados, com reflexões em cima das informações obtidas no livro referido. Os sites com as reflexões podem ser conferidos nos links: http://www.umfernandopessoa.com/an%C3%A1lises/poema-liberdade.htm e http://scherzo.blogs.sapo.pt/4175.html data de acesso: 10/03/2012. 105 Esta mesma informação também é encontrada no site não acadêmico http://www.umfernandopessoa.com/an%C3%A1lises/poema-liberdade.htm data de acesso: 20/03/2012. 106 Segundo a Stanford Encyclopedia of Philosophy, o estoicismo foi um movimento filosófico do período helenístico. Séneca foi um dos estoicos tardios, que acreditavam que um sábio é imuni ás desgraças e sua virtude é suficiente para a felicidade. Desta forma, somente o sábio era livre e o restante do povo era escravo. Os estoicos preocupavam-se com a relação ativa entre o determinismo cósmico e a liberdade humana. Por causa disso, os estoicos apresentaram a sua filosofia como um modo de vida, e pensavam que a melhor indicação da filosofia de uma pessoa não era o que teria dito mas como se teria comportado. O artigo pode ser conferido em: http://plato.stanford.edu/entries/stoicism/ acedido dia 24/06/2012.

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flexionados e mãos em “gancho à frente” do peito), que está relacionado com o sentido do texto de estar preso pelas mãos, ou seja, há um limite de movimento a ser explorado, embora os mesmos pudessem escolher para qual direção se dirigir, o que resultou no gestual com movimentos de pescoço e cabeça não pré-estabelecidos por mim. Na construção dos gestos tive também presente a preocupação com a performance vocal. Uma das formas de se trabalhar o apoio no canto é através do estímulo corporal ou imagens corporais, como descrito no primeiro capítulo desta dissertação. Um desses estímulos muito difundidos entre os pesquisadores e professores de canto é o ato de flexionar os dois joelhos enquanto se canta, fazendo assim com que a musculatura abdominal, incluindo o diafragma, se posicionem para baixo ( Pacheco e Tuti Baê 2006). Dentre as entrevistas feitas aos cantores do Coral Os Canarinhos de Itabirito três dos sete jovens responderam que o gesto que mais gostavam de fazer foi exatamente esse primeiro gesto de flexionar os joelhos, colocar as mãos em “gancho” e cantar como se estivessem procurando algo, uma forma de interagir cantores/ cantores; cantores/ plateia, pois sentiram mais liberdade, apoio e segurança para cantar a primeira nota (entr. Lucas, 2011). Outro fator que foi também valorizado em entrevitsta foi a questão da criação. Neste gesto os jovens tiveram a oportunidade de experimentar para qual lado iriam realizar o gesto e este fator acabou influenciando também para que este gesto fosse escolhido como o preferido nesta peça.

“eu gostei foi porque a gente podia escolher o lado que a gente ia e eu acho interessante aquilo...” (entr. Raul, 2011)

“Eu achei diferente porque eu nunca tinha cantado dessa forma, eu tinha muita timidez e o gesto me fez soltar um pouco, eu acho divertido, eu acho que o Coral melhorou muito depois da introdução do gesto” (entr.Lorene,2011).

Em seguida, o poema de Pessoa continua se afirmando pela negativa “ter um livro pra ler e não o fazer… ler é massada estudar é nada e o sol doira sem literatura.” Pelo impasse que a ideia textual aponta, de determinismo e sabedoria (outra preocupação do pensamento estoicista), o gesto corporal estático foi escolhido de forma a contrastar com o gestual que vinha a ser feito anteriormente, veiculando a ideia de reação à ação.

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De acordo com o pensamento estoicista a ética da virtude humana consiste em um desejo que está de acordo com a natureza (Russell 2004, 254). Fernando Pessoa refere-se a natureza no poema quando escreve “e a brisa de tão naturalmente matinal como tem tempo não tem pressa”. No gestual criado para esta parte da peça o movimento corporal suave simulando uma brisa, foi de encontro ao texto verbal e musical, principalmente no fim da frase, quando a música rallentando e da mesma forma o gesto conforme sugere o texto “ como tem tempo não tem pressa…”. Para quebrar o estaticismo gestual, no início da seção anterior quando o texto faz referência a brisa, os jovens flexionam o joelho mantendo o peso e o equilíbrio do corpo nas duas pernas e de fazem transferência de peso para um lado e para o outro de forma muito suave a imitar uma brisa.

“Gostei especialmente do pedaço onde cantamos o texto referente a brisa “E essa brisa...”. Acho que o movimento ficou extremamente eloquente com a proposta musical e também sobre o que refere o texto... achei realmente interessante e divertido fazer este trecho” (entr. Filipe, 2011).

Na terceira parte do poema/canção Liberdade, Fernando Pessoa escreve que “livros são papeis pintados com tinta...”. É extremamente interessante ver um importante poeta, que escreveu livros por toda a sua vida registrar esta afirmação. Mas ao refletir sobre o pensamento estoicista, este trecho poderia ser visto como uma forma de fomentar que não é apenas através da sabedoria que se tem a liberdade. O movimento rítmico musical deste trecho remetia-me as marchas militares e, soou-me na época também como um tom imperativo de uma “opinião ditadora” sobre livros.

Neste

sentido, no ensino- aprendizagem do gesto realizado para este trecho musical, introduzi aos jovens a seguinte ideia verbal: quero que simulem um personagem que transmita um pensamento fixo de que os livros não nos farão alcançar a liberdade, no que resultou no gesto com as mãos e pernas fechadas e retornando ao gesto corporal estático de forma “rígida” ou congelada. No poema onde o poeta refere o seguinte texto “grande a poesia a bondade e as danças...Mas o melhor do mundo são as crianças, flores, música, o luar, e o sol que peça, só quando em vez de criar, seca” interpretei-o da seguinte forma: o que é mesmo “sábio”, ou seja grande e liberto, são a poesia a bondade e as danças, formas de expressão de um ser humano. Para criar portanto um momento “sublime” pedi aos jovens que dessem as mãos e se elevassem do chão e, que mesmo estando de mãos

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dadas sentissem a sensação e o recuo que o gesto possibilitava, também para auxiliar no apoio diafragmático. Após a criação deste gestual, o gesto implantado de seguida foi executado como forma de mimetização do texto. “eu prefiro me movimentar, acho que ajuda até a soltar mais a voz, tudo, acho melhor desse jeito”(entr. Lorene,2011).

Lorene, integrante do coro sustenta que o gesto contribui para uma melhor performance vocal: “eu acho assim, igual [o gesto ajuda a desenvolver] o ritmo, ajuda a te desenvolver porque a gente fica inibida, parada, estática, com medo de fazer gesto e, às vezes o gesto ajuda a soltar, libertar mesmo tudo que tem dentro vai soltando” (entr. Lorene, 2011).

O figurino do coro restringiu certos movimentos e desenhos que poderiam ter sido exploradas, como por exemplo, não foi possível colocar os jovens para assentar no chão, pois o uniforme das meninas é constituido de vestido o que impossibilita, ou torna desconfortável certas posições como a referida. Lorene, sustentou ainda que:

“Todo mundo que me procurava, até mesmo gente que eu não conhecia, me parava e falava: gente, que maravilha! Nossa aquele gesto assim... as pessoas gravavam até o gesto e queriam que a gente mostrasse como fazia, então, eu achei interessante essa questão. A minha mãe adorou, meu pai, todo mundo lá em casa achou o máximo mesmo!”(entr. Lorene,2011).

Outros dois cantores do coro, Lucas e Sofia, também frisaram durante a entrevista a reação que a “nova” performance do coro causou em seus familiares

“A plateia fica bem agradecida. [...]Em relação às outras apresentações, minha mãe, por exemplo, gostou muito mais assim, da apresentação com movimentos e tudo do que uma apresentação que todo mundo ficou estático. Assim ficou muito melhor” (entr. Lucas, 2011). “A família toda falou que ficou muito bom, que da primeira vez foi uma inovação muito boa” (entr. Sofia, 2011).

Através da análise dos depoimentos coletados na pesquisa de campo, tanto os elementos do coro quanto os maestros de ambos os coros demonstraram que ao utilizar gestos e movimentos corporais na performance vocal vários foram os contributos tanto em nível técnico vocal quanto musical. 120

“Ajudou, porque tem vezes que parada até fica mais difícil de chegar numa nota e com gesto fica mais fácil de chegar” (entr. Gabriela, 2011). “[com o gesto] a gente podia soltar assim, a gente se sente mais livre, cantar de um jeito mais natural, mais livre” (entr.Raul, 2011). “[o gesto ajuda na parte vocal e musical], eu acho que o ritmo, a gente tinha muita dificuldade com o ritmo, eu acho que agora dá pra entender melhor, vocalmente também, porque a gente ficava com a voz presa e agora a gente tá soltando, porque o gesto ajuda a desenvolver a voz, né, então eu acho legal” (entr. Lorene, 2011).

Os aspectos motivacionais também foram revelados por Lucas e Gabriela dois elementos do coro

“Ah, o Coral ficou muito melhor, eu achei que todo mundo ficou com mais vontade de cantar assim, mais animado, acho que melhorou em tudo no Coral assim” (entr. Lucas, 2011) “Ah,[com gesto] dá mais prazer de cantar, você num fica parada só” (entr. Gabriela, 2011).

Com a exposição destes gestos utilizados pelo Coral Os Canarinhos de Itabirito na interpretação da peça Liberdade, surgiu não apenas como sugestões didáticas e interpretativas para as peças em questão, mas também para conhecer que tipos de movimentos e gestos podem ser realizados associado ao canto coral e que foram bem aceito pelo grupo. Filipe que é cantor e também professor da Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito e maestro do coro Canarinhos Postulantes afirmou que

“acho que devemos incorporar o gesto em praticamente todas as atividades relativas ao trabalho coral. A afinidade com a realização dos gestos e do movimento torna os cantores mais musicais e o aprendizado fica muito mais fácil e divertido. Acredito que como qualquer prática musical, o trabalho com crianças deve ser sobretudo interessante e atrativo, haja visto que o apelo da interatividade e das relações com o mundo digital, faz com que as crianças esperem algo mais atrativo em nossas atividades diárias... Desta forma acredito que o trabalho corporal e a inserção de gestos e movimentos traz a atividade muitos pontos interessantes e que atraem bastante as crianças e jovens...” (entr. Filipe, 2011) “[quanto a experiência de se cantar com gestos...]Bem, achei fantástico! Um pouco desafiador no começo, mas sem dúvidas uma experiência ótima e que só acrescenta qualidades nas nossas relações com o público, com os companheiros de coral e também com os nossos cantores e alunos. Acho que a presença do movimento e do gesto deve ser uma constante no trabalho com

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corais e cantores, sendo uma ferramenta indispensável para uma boa construção sonora e musical dos nossos grupos” (entr. Filipe, 2011).

Em síntese Neste capítulo apresentei uma breve síntese do historial do coro, com o qual desenvolvi a pesquisa ação, assim como todo o processo de preparação e realização do espetáculo Sonhos. A auto-etnografia, método através do qual descrevi e refleti sobre a performance e pesquisa, complementada com pareceres de pessoas envolvidas no processo, permitiu conhecer diferentes dimensões em jogo numa performance musical. Durante a performance analisada foram explorados gestos dinâmicos e estáticos conforme as categorias estabelecidas no capítulo I. No ensino dos gestos recorri à comunicação através de ideias verbais, e ao processo imitativo (técnicas que aprendi durante o processo de observação do Coro Infantil da Universidade de Lisboa). A partir do parecer dos elementos do coro e maestros entrevistados, foi possível constatar o bom acolhimento que teve a introdução do gesto dinâmico na performance coral. Nos pareceres transcritos, foram sublinhados diferentes alcances deste modelo performativo: os que se prendem com a performance técnica vocal, os que contribuem para a desinibição em palco e dão mais segurança aos elementos do coro, os que são facilitadores da comunicação.

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Capítulo V – Considerações Finais Esta pesquisa centrou-se no estudo de modelos performativos corais dos quais destaquei a “nova abordagem de modelo performativo” e o modelo “tradicional” tomando dois coros infantil e infanto-juvenil como demonstrativo de trabalho coral adotado nos dois modelos atrás referios. Pelo fato da pesquisa ter surgido com intenções maiores, como as de compreender quais são os contributos que a “nova abordagem” de canto coral configura à performance vocal, comecei por explorar a literatura referente ao gesto e à prática do canto coral amador. Ainda nesse âmbito, observei o trabalho músico corporal desenvolvido pelo Coro Infantil da Universidade de Lisboa, tendo identificado um conjunto de gestos com diferenciadas finalidades performativas. Numa tentativa similar de modelo coral performativo, propus ao Coral Os Canarinhos de Itabirito a inserção de gestos que vieram a comprovar que a exploração do corpo, assumidamente consciente proporciona diferentes recursos que podem contribuir para a otimização da performance: com impacte ao nível do resultado sonoro (musical e técnico) além de ampliar as capacidades comunicativas, interpretativas e estéticas visuais. Por se tratar de um estudo em que estive envolvida diretamente na ação, através da intervenção quer do processo, quer do produto final da performance do coro, procurei manter toda ética de um trabalho acadêmico, de modo a assegurar o cumprimento estrito dos métodos. A partir da análise bibliográfica dos contributos sobre o gesto de diversificados domínios do conhecimento, como a música, a comunicação, a dança e a educação foi possível construir uma tabela classificatória de tipologias de gestos. Esta tabela foi aplicada na observação e análise dos gestos realizados pelo Coro Infantil da Universidade de Lisboa em contextos de performance e ensino. Nesse processo de sistematização a tabela sofreu uma reformulação decorrente do novo conhecimento adquirido. Seguidamente, serviu de base para a construção dos gestos inseridos na pesquisa-ação junto do Coral Os Canarinhos de Itabirito. Estes dois procedimentos permitiram-me articular todo o estudo que foi exposto e a partir destas análises, juntamente com todos os outros métodos (pesquisa de campo), pude redigir as conclusões que se seguem nesta última seção. Através do estudo da prática do canto em coro no contexto da musica ocidental, procurei perceber como o corpo foi sendo abordado ao longo do tempo, concluindo 123

assim que, embora o corpo físico esteja sempre presente em qualquer performance, seja ela musical ou não, o pensamento, assim como as tendências religiosas, educacionais, políticas, morais, cívicas, étinicas e até higiênicas que permearam toda a história, influenciaram o modo como o corpo fora pensado e explorado nas performances corais. A retomada da importância do corpo na performance ocorreu no século XX e desde então vem sendo introduzida dentro dos coros amadores designada por “nova abordagem” músico- corporal para o canto coral que inclui gestos e diferentes disposições em palco. O modelo de canto coral que se aproxima da “nova abordagem performativa” tal como explorada por Zanatta e adotada por mim neste estudo remetenos para a cultura clássica grega que acreditava num modelo de coro plural (com música, dança, teatro e poesia). No entanto, o que venho propor com este estudo, tornase ainda mais evidente pois observo que é possível utilizar estes elementos do canto coral plural com finalidades diversas, como as anteriormente referidas, desde os aspectos técnicos vocais e musicais, à comunicação, dentre outras. Torna-se ainda relevante ressaltar que o modelo de canto coral ocidental “tradicional” explorado e configurado a partir do séc. XV e tendo seu ápice no século XVIII, permanece até os dias atuais sendo adotado por vários coros, não colocando em causa a excelência musical condicionada a escolha do modelo performativo. Para a realização do presente estudo recorri a diferentes métodos qualitativos de pesquisa como: (1) o estudo de caso do CIUL que me permitiu delimitar a unidade em análise; (2) a pesquisa de campo que consistiu na observação de ensiaos e performances e na realização de entrevistas, possibilitou compreender a forma de trabalho do coro, aprofundar-me no modo de pensar e fazer da maestrina e dos coristas e conhecer não só os gestos e suas utilizações, mas que também a percepção, a consciência e as preferências musicais e músico- corporais de cada um dos envolvidos-; (3) a etnografia que exigiu de mim um olhar mais atento e crítico a todas as ações, trazendo uma riqueza de dados significante para este estudo sobre a minha visão enquanto pesquisadora; (4) a pesquisa ação da qual foi possível experimentar e testar tudo o que havia sido pesquisado para este estudo. Através da pesquisa ação pude vivenciar os processos desde a criação e aplicação dos gestos, passando pelo processo didático de transmitir e ensinar como seriam realizados os gestos até a análise dos mesmos que gerou dados para a análise e discussão final desta pesquisa. Do trabalho realizado pude constatar que o corpo constitui um papel fundamental na performance, principalmente a performance vocal, uma vez que a voz é 124

indissociável do corpo humano. Conhecer o corpo, suas capacidades de criação e expressão através dos gestos, contribui para uma performance vocal coral plural. O gesto possibilita o despertar de outros sentidos, como por exemplo a visão, na performance coral tanto de quem o executa e de quem o observa. Quanto ao aspecto viusual o encenador espanhol Reynaldo Puebla sustenta que “o primeiro contato do público com o coro é visual” (2004 apud Costa, 2009). Em coros “tradicionais”, que não trabalham com explorações diferentes para entradas no palco, é de fato o contato visual em primeira instância. A questão visual incutida no gesto está relacionado com a dimensão espacial, na disposição dos elementos do coro em palco, formando desenhos como figuras geométricas ou letras que aduzem à performance musical. No caso das performances analisadas a disposição dos elementos de ambos os coros, foi, quase sempre mantida a mesma, na disposição tradicional com o desenho em “U”. Nesta pesquisa, o resultado visual do Coral Os Canarinhos de Itabirito rendeu ao coro elogios relativos ao novo modo de estar em palco e cumprimentos pelo espetáculo publicados nos periódicos locais tais como Itabirito a cidade que a gente faz, A Gazeta, O Liberal (cf. Anexo 25) e os web sites: www.itabirito.mg.gov.br (cf. Anexo

26),

www.antenados.net,

www.agitomais.com.br,

www.canarinhosdeitabirito.org.br (página do site do Coro dedicada à participação do público) durante quase um mês. Não foi possível, porém entrevistar o público presente no dia do espetáculo para auscultar o parecer individual de cada um. No entanto, durante reuniões da diretoria com os pais dos cantores, os mesmos avaliaram muoto positivamente toda a atividade. Este impacte causado público fez-me refletir sobre os modelos comunicativos acionados em palco que conduzem ao diálogo entre performer público. Em entrevista alguns dos cantores afirmaram que os pais e amigos que estiveram presentes no espetáculo elogiaram esta “nova forma de cantar” (entr. Lucas, 2011). Quando entrevistei Lorene, um dos elementos do coro, a mesma referiu que fora abordada por pessoas que não conhecia mas que queriam dar-lhe os parabéns, chegando por vezes a pedir-lhe para que executasse certo movimento, fato que, segundo a própria entrevistada, mostra que o “público ficou tão surpreso que até os gestos e as músicas conseguiam lembrar, coisa que geralmente não acontecia antes” (entr. Lorene,2011). Entretanto a pesquisa em torno do gesto na performance coral não se restringiu ao impacte no palco, outras intencionalidades, como as relativas a técnica vocal, a aspectos musicais e a comunicação, foram centrais.

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Tomando sempre o Coro Infantil da Universidade de Lisboa como modelo, trago um excerto de entrevista realizada com um dos elementos, onde a mesma refere-se ao modo como o coro utiliza o gesto em benefício do resultado técnico que deseja obter no que diz respeito à afinação do coro: “quando nós cantamos a peça ligeiramente baixa, tentamos fazer um gesto que nos ajuda a subir e, quando estamos no alto nos ajuda”(entr. Júlia, 2011). Ou seja, trabalhar com gestos que traduzem sensações musicais e corporais auxiliam tecnicamente/didaticamente no resultado sonoro. Este gestual citado por Júlia foi aplicado em dois momentos na peça Liberdade (no gesto inicial e onde o texto refere-se a “grande a poesia”. A descoberta da voz, do movimento, das possibilidades corporais e estratégias para desenvolver a performance vocal plural, através de suas potencialidades vão sendo construídas em simultâneo de forma individual e coletiva, se tornando parte do discurso verbal e corporal do coro que se propõe a desenvolver esta “nova abordagem” de canto coral. Para a análise dos resultados da pesquisa ação convidei o maestro do Coral Os Canarinhos de Itabirtito para colaborar com considerações sobre o resultado, uma vez que o mesmo acompanhou o desenvolvimento do coro anterior e posterior a este estudo. Segundo o maestro os gestos introduzidos coferiram maior liberdade sonora (som menos tenso e com mais volume), mais desenvoltura corporal ao cantar a peça (redução das tensões corporais), um maior entendimento musical que auxiliou na interpretação da canção - na execução das frases musicais, a manter o ritmo dentro de um andamento e na sensação de caráter das seções (entr. Lana 2011). Outro ponto positivo que o gesto proporcionou foi a questão da afinação do coro que no geral melhorou, mas não corrigiu o problema em sua totalidade (Ibid.). A partir da exploração destes resultados exemplificados pelo maestro e constatados por mim ressalto que: o gesto proporcionou aos cantores de uma forma geral um relaxamento corporal, o que refletiu positivamente no resultado sonoro. Relativo ao texto, o gesto pode proporcionar a interiorização da sensação do sentido verbal e/ou literal do texto que também contribui para a componente interpretativa da performance e para a memorização do texto. Relativamente aos resultados de aspectos técnicos vocais, os gestos utilizados foram sempre baseados em exemplos práticos ou criados a partir do estudo anatomofisiológico específicos da área de canto, realizado por mim anterior e simultâneo ao período desta pesquisa. Desta forma, constatei que, quando os elementos do coro fazem 126

uso de gestos corporais com a finalidade técnica vocal (retradado neste estudo por gesto corporal dinâmico de recurso musical) o resultado é positivo, quanto a afinação, ao apoio diafragmático, ao ataque do som, a condução do ar- comprovada pelo legatto e sustentação do ar nas frases, estando também incluso este mesmo discurso nos depoimentos do maestro e dos elementos do coro. Durante as entrevistas aos elementos do Coral Os Canarinhos de Itabirito foi mencionado pelos coristas a questão do aspecto motivacional que o gesto trouxe para a performance, deixando-os mais à vontade e com prazer em cantar. Esta constatação conferiu ao gesto um fator que não havia ainda sido ressaltado neste estudo (com exceção da segurança) que são as questões psicológicas que permeiam a vida de um cantor. Uma vez que o instrumento de um cantor localiza-se dentro do próprio corpo, os aspectos pscicológicos interferem negativa ou positivamente no resultado sonoro. O gesto corporal também pode trazer efeitos positivos na energia corporal direcionada ao canto, como foi retratado em duas entrevistas a de Nayara (CIUL) e Sofia (Os Canarinhos de Itabirito). Os sete coristas entrevistados do Coral Os Canarinhos de Itabirito, avaliaram positiavemente o trabalho realizado e todos comentaram gostar mais de cantar com gestos, fato este que não exclui o gosto em cantar músicas com gestos estáticos. Durante as entrevistas ao Coral Os Canarinhos de Itabirito depoimentos como: “fica muito mais animado, o público gosta mais quando tem movimento” (entr. Lucas, 2011), “dá mais prazer em se cantar quando se utiliza gestos e movimentos corporais” (entr. Filipe, 2011), “ a voz sai melhor quando se utiliza gestos corporais, dá mais energia pra cantar” (entr. Sofia,2011), “o gesto ajuda quando vamos por exemplo fazer uma nota aguda e agachamos fica muito mais fácil de cantar” (entr. Raul, 2011) dentre outras comprovam a eficácia do gesto nos diversos aspectos retratados no capítulo primeiro desta dissertação seja como apoio para técnica vocal, como forma de comunicação entre performers e público, como sensibilização corporal para as sensações de aspectos musicais, como frases, dinâmica e ritmos. Nos dois casos específicos retratados neste estudo, o processo de exploração corporal, através de gestos esteve aliado a uma forma de dança: a coreografia. O gesto coreografado pode permitir ou não a participação dos elementos do coro durante a composição deste tipo de gesto, como foi o caso dos gestos no início da peça Liberdade e na suíte Trava lengas e lenga línguas V. Estes gestos permitem trabalhar sobre uma

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perspectiva de criação participada, onde os coristas podem acrescentar gestos através da sua prórpia criação e interpretação. Para se conseguir um resultado satisfatório para o novomodelo performativo de canto coral (canto, dispoção em palco e gesto), muitas vezes os cantores precisam desenvolver certas aptidões para além das “exclusivamente” musicais como a coordenação motora, a desinibição de movimentação e a confiança tanto de forma coletiva, quanto de forma individual. Julgo também que este processo de afirmação do corpo necessita ser introduzido conscientemente no coro durante todo o processo de ensino, desde o trabalho técnico vocal até a performance ao vivo, como realizado no CIUL. No que se refere a uma performance musical, o gesto adquire um sentido comunicativo (intencional ou não) percebido pelo público, entre os performers e maestro e entre os próprios performares. No entanto, este sentido comunicativo se alarga também na “interatividade” do público com a performance, numa perspectiva de fazer com que o espectador sinta-se asociado ao ato performativo. Até a presente pesquisa, o coro Os Canarinhos de Itabirito realizava suas performances vocais de forma estática. O coro trabalhava com base no que chamei de negação do corpo durante a performance. Esta negação que venho a referir está correlacionada com uma hierarquização que confere maior importância à música e menor ao corpo. Todavia, o corpo está sempre presente ainda que se desenvolvam esforços para o tornar “invisível”. A minha proposta consistiu em assumir a presença efetiva do corpo no ato performativo, reforçando a sua consciencialização por parte dos performers e otimização as suas potencialidades comunicativas e musicais. O resultado desta pesquisa ação resultou num convite pelos diretores da Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito, para assumir os trabalhos vocais numa proposta integradora de música e corpo do coro principal e criar ainda um outro coro dentro da instituição com características cênicas- musicais. Desde então, venho acompanhando o crescimento vocal e corporal dos elementos do coro e passo a comprovar cada dia mais que o trabalho corporal é essencial para uma boa performance vocal e a eficácia dos gestos nos processos que antecedem a performance. Certamente, outros contributos ainda podem ser avaliados à nível do gesto integrado à performance vocal coral, como, por exemplo, o efeito do gesto corporal na percepção musical da plateia, os níveis de motivação dos elementos em se realizar uma performance com gestos , a analise quantitativa da frequência vocal com a utilização e 128

sem gestos, enfim, são inúmeras as possibilidades que requerem estudos que enolvam o gesto associado a performance vocal coral. Neste sentido, ainda no âmbito da investigação dos contributos do gesto aplicado ao canto coral, percebo que, o próximo passo para a continuação deste estudo será em outros contextos como no ensino especializado de música, ou no ensino regular.

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Anexos Anexos da Introdução:

Anexo 1- Termo de consentimento Coro Infantil da Universidade de Lisboa TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO O(a) seu(ua) filho(a)/dependente está sendo convidado a participar de uma pesquisa de mestrado até então intitulada: “O gesto corporal na performance vocal coral: Um estudo de caso”. Nesse âmbito, responderá a uma entrevista tendo como objetivo saber se os gestos que utiliza quando canta no coro infantil/juvenil da Universidade de Lisboa traz algum tipo de benefício para o aprendizado musical e técnico vocal. Também serão realizadas filmagens durante os ensaios do coro infantil/ juvenil da Universidade de Lisboa, que servirá apenas como documento de pesquisa, não sendo disponibilizado este material para qualquer outro fim. A identidade do(a) seu(ua) filho(a)/dependente será preservada, pois cada indivíduo entrevistado será identificado na pesquisa por um número ounome fictício. Seu(ua) filho(a)/dependente terá também o direito de não responder a todas as perguntas que lhe serão feitas. Caso não autorize a participação de seu seu(ua) filho(a)/dependente no documento videográfico produzido, nós o apagaremos da filmagem através de um software específico para isso. Esta pesquisa será realizada por mim, Thays Peneda Simões, estudante do Mestrado em Música da Universidade de Aveiro e supervisionada pela Professora Doutora Maria do Rosário Correia Pestana, professora auxiliar do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro. O(a) senhor(a) poderá retirar o(a) seu(ua) filho(a)/dependente do estudo a qualquer momento, sem qualquer tipo de constrangimento. Solicitamos a sua autorização para o uso dos dados do(a) seu(ua) filho(a)/dependente para a produção de artigos técnicos e científicos. Lembramos que a privacidade do(a) seu(ua) filho(a)/dependente será mantida através da não-identificação do nome. Agradecemos a participação do(a) seu(ua) filho(a)/dependente e a vossa colaboração . Nome: Thays Peneda Simões

Telefone: 966 778 767

Endereço: Praça 14 de Julho, n. 14, 2º. Andar, Vera Cruz, Aveiro- Portugal, Código Postal: 3800-131

142

TERMO DE CONSENTIMENTO Declaro que fui informado sobre todos os procedimentos da pesquisa e, que recebi de forma clara e objetiva todas as explicações pertinentes ao projeto e, que todos os dados a respeito do meu(minha) filho(a)/dependente serão sigilosos. Fui informado que posso retirar meu(minha) filho(a)/dependente do estudo a qualquer momento.

Nome por extenso do Responsável: Nome por extenso do aluno:

Assinatura __________________________

Local: __________________

Data: ____/____/____

Anexo 1- Termo de consentimento Coral Os Canarinhos de Itabirito TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO O Coral Os Canarinhos de Itabirito está sendo convidado a participar de uma pesquisa de mestrado até então intitulada: “O gesto corporal na performance vocal coral: Um estudo de caso”. Nesse âmbito, solicito a autorização para realizar filmagens, fotografias e entrevistas dos elementos do coro enquanto grupo coral

durante as

oficinas, entrevistas, ensaios e performances no período que decorrer esta pesquisa, com o fim previsto para julho de 2012. Os dados coligidos para esta pesquisa servirão unicamente como documento de pesquisa, não sendo disponibilizado este material para qualquer outro fim. O aluno que for abordado para responder as entrevistas terá o direito, se assim o quiser, de não responder as perguntas que lhe serão feitas. Solicito também a autorização para utilizar os dados dos cantores integrantes do coro principal desta entidade como nome dentre outros que dados que forem necessários para a escrita de artigos técnicos e científicos. 143

Esta pesquisa será realizada por mim, Thays Peneda Simões, estudante do Mestrado em Música da Universidade de Aveiro e supervisionada pela Professora Doutora Maria do Rosário Correia Pestana, professora auxiliar do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro.

Antecipadamente, agradecemos a participação desta entidade

Thays Peneda Simões

TERMO DE CONSENTIMENTO Declaro que fui informado (a) sobre todos os procedimentos da pesquisa e, que recebi de forma clara e objetiva todas as explicações pertinentes ao projeto e, aceito participar enquanto entidade cultural nomeadamente Associação Cultural Coral Os Canarinhos de Itabirito, através do coro principal Coral Os Canarinhos de Itabito. Nome por extenso do(s) responsável(is) pela instituição:

Itabirito, Minas Gerais, Brasil

Cargo:

01/08/2011

144

Anexo Capítulo II

Anexo 3 - Relação gênero, data de nascimento e naipe do Coro Infantil da Universidade de Lisboa Gênero Data de Nascimento Naipe Menina

05/05/1997

1º Soprano

Menina

01/05/1997

2º Soprano

Menina

07/01/2000

Contralto

Menina

30/08/1998

Contralto

Menina

17/09/1997

2º Soprano

Menina

12/08/1996

2º Soprano

Menina

12/12/1997

2º Soprano

Menina

08/04/1997

Contralto

Menina

24/07/2000

Contralto

Menina

24/10/1997

1º Soprano

Menina

30/07/2000

2º Soprano

Menina

07/12/2000

1º Soprano

Menina

16/10/2000

2º Soprano

Menina

14/01/1996

2º Soprano

Menina

12/02/2000

1º Soprano

Menino

13/07/1998

Contralto

Menina

12/06/2000

2º Soprano

Menina

04/10/1995

Contralto

Menina

01/01/2000

1º Soprano

Menina

13/07/1998

Contralto

Menina

06/12/2000

1º Soprano

Menina

26/02/2000

1º Soprano

Menina

12/11/1997

Contralto

Menina

04/11/1997

1º Soprano

Menina

20/10/1997

Contralto

Menino

30/09/1997

Contralto

145

Anexo 4- Listagem concertos ano 2011- Coro Infantil da Universidade de Lisboa Concerto Data Local Concerto de Reis

16 de janeiro de 2011

Não possui

Concerto d´Aldeia - CIUL 22 de janeiro de 2011

Auditório da Reitoria da

e Coro da Universidade de

Universidade de Lisboa

Lisboa Concerto do CIUL com o 10 de Abril de 2011

APEB, Bélgica

“Les petits chanteurs du Collége Saint Pierre” The Musical Union

11 de Abril de 2011

Yheudi

Menuhin

Auditorium

European

Parliament

–Bruxelas,

Bélgica Caleidoscópio

19 de Junho de 2011

Reitoria da Universidade de Lisboa

Concerto do CIUL com os 30 de setembro de 2011

Trofa- Portugal

Meninos Cantores de Trofa Lançamento da 2ª Edição 19 de Novembro de 2011

Fnac Colombo – Lisboa,

de "Cantigas da Minh'Avó"

Portugal

- Delfina Figueiredo Ópera Infantil “A menina 21 de Dezembro de 2011

Cinema São Jorge- Lisboa

gotinha de água”

Portugal

146

Anexo 5- Repertório e Programa do Sexto concerto de aniversário do Coro Infantil da Universidade de Lisboa realizado no auditório da Reitora da Universidade de Lisboa dia 19/07/2011 PROGRAMA “Caleidoscópio”1º Parte cerca de (30min) (Coro Infantil e Coro Preparatório)

Nome da Peça

Compositor

Estilo Musical

Ave Maria*

Z. Kodály

Sacro

Domine Deus*

J. Haydn

Sacro

The Joiku*

J. Linkola

Contemporânea/

Dança

tradicional da Finlândia Neige sur les oranger*s

M. Ohana

Canção de Ninar

Dancing– Song*

Z. Kodály

Dança

tradicional

da

Hungria Alfabeto

W. Mozart

Erudita

Pão caseiro

D. Figueiredo

Portuguesa

En allant Chercher du A. Vitello

Contemporânea

pain* Che gusto é*

A. Caldara

Canção Renascença

Canção Infantil

J. Camacho

Canção Portuguesa Inédita

Canção

J. Camacho

Canção Portuguesa Inédita

* Interpretadas pelo CIUL 2º Parte cerca de (30 min.)(Coro, Coro Preparatório e Atelier)

Nome da Peça Geographical Fugue* Trompa de Caça O Girassol O Melro Quem tem farelos Quand la nuit se pose Bonse Aba* Clap Yo´ hands* Cirandeiro* Banuwa* O

programa

Compositor E. Toch D. Figueiredo D. Figueiredo D. Figueiredo Anónimo SecXVI Trad. França Trad. Zâmbia (arr. Fischer, A) G. Gershwin Trad. Brasil (-arr. Green B.) Trad. Libéria está

disponível

Estilo Musical Contemporâneo Portuguesa Portuguesa Portuguesa Portuguesa Canção folclórica Dança tradicional da Zâmbia Jazz Dança tradicional do Brasil Canção folclórica no

http://www.ul.pt/portal/page?_pageid=173,1358398&_dad=portal&_schema=PORTAL

site: acedido

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27/04/2012.

147

Anexo 6- Programa de Concerto 5. aniversário do Coro Infantil da Universidade de Lisboa (capa e contra capa)

148

Anexo 7- Capa DVD 6. concerto de aniversário do Coro Infantil da Universidade de Lisboa

149

Anexo 8- Relação elemento, idade e instrumento segundo entrevista do Coro Infantil da Universidade de Lisboa. Nome

Idade Instrumento Observação

Alice*

11

Viola

Em entrevista não revelou onde faz aula de viola, apenas informou que não era no Coro Infantil da Universidade de Lisboa

Nayara*

14

Guitarra

Toca guitarra desde os seis anos de idade e é aluna do Conservatório de Lisboa.

Maria*

14

Guitarra

Em entrevista não mencionou onde estuda o instrumento.

Marinela*

10

Violoncello

Frequenta as aulas no Instituto Gregoriano de Lisboa

Raíssa*

11

Piano

Ex aluna da maestrina Érica Mandillo e atualmente frequenta aulas de piano no Instituto Gregoriano de Lisboa

Thelma*

14

Violoncello

Em entrevista não mencionou onde estuda o instrumento.

Júlia*

Violino 14

Em entrevista não mencionou onde estuda o instrumento.

*Nomes fictícios

150

Anexo 9 - Texto Trava lengas e lenga línguas Trava lengas e lenga línguas I “Sola, sapato, rei rainha. Foi ao mar pescar sardinha Para o filho do Luis Que está preso p´lo nariz. Salta a pulga da balança Dá um pulo e vai a França. Os cavalos a correr As meninas a aprender Qual será a mais bonita Que será esconder.”107

Trava lengas e lenga línguas II “Na terra dos tigres Um tigre, Dois tigres, Três tigres, Três tigres adormecidos E um outro tigrado acordado.”

Trava lengas e lenga línguas III “Esta burra torta trota Trota, trota, a burra torta. Trinca a murta, a murta brota Brota a murta ao pé da porta.”

Trava lengas e lenga línguas IV “Tecelão tece o tecido, Em sete sedas de Sião. Tem sido a seda tecida Na sorte do tecelão, tecelão”

Trava lengas e lenga línguas V

“Era uma vez uma velha Maricutelha ferrunfufelha Ferrou-lhe uma mosca Maricutosca ferrunfufosca E foi-se queixar ao juiz Maricutiz ferrunfufiz E o juiz maricutiz ferrunfufiz Disse à velha Maricutelha ferrunfufelha Quando visse uma mosca Maricutosca ferrunfufosca Lhe desse com a moca Maricutoca ferrunfufoca 107

Por se tratar uma lenga lenga e sua transmissão ser oral, esta mesma lenga lenga possui versões com palavras diferentes, no entanto, para fim desta pesquisa foi extraído o texto conforme a partitura Trava lengas e lenga línguas para coro infantil e piano a quatro mãos fornecida pelo compositor Vasco Negreiros.

151

E a velha Maricutelha ferrunfufelha Ao ver uma mosca Maricutosca ferrunfufosca Na careca Maricuteca ferrunfufeca Do Juiz Maricutiz ferrunfufiz Deu-lhe com a moca Maricutoca ferrunfufoca Maricutiz ferrunfufiz Maricutosca ferrunfufosca Maricutelha ferrunfufelha Pois é!”

Anexo Capítulo IV

Anexo 10- Repertório do Coral Os Canarinhos de Itabirito no ano de 2011 Nome Compositor Estilo Musical El sueño grande

S.Denis/ Hernandes

Popular

Internacional

(Argentina) Cantique de Jean Racine

Gabriel Fauré

Sacra

The Blue Bird

Charles Villiers Stanford

Erudita Inglesa

Liberdade

Ronaldo Miranda

Erudita Brasileira

What a migthy Good

Eric McDaniels

Negro Spirituals

Paisagem da Janela

Lô Broges/ Frenando Brant

Popular Brasileira

I have a dream

Benny Andersson

Popular Americana

Sonho meu

Delcio

Carvalho/

Dona Popular Brasileira

Ivone Lara Witness

Jack Halloran

Negro Spirituals

Ave Maria

Javier Busto

Sacra

April is in my misterss face Thomas Morley

Renascença

The Lord bless you and John Rutter

Sacro

keep you

152

Anexo 11- Relação nome, data de nascimento e naipe Coral Os Canarinhos de Itabirito. Ano letivo 2010/2011. Nome Data de nascimento Naipe Alice Braga de Deus André Lucas Oliveira Gomes

23/11/1994 28/04/2001

2º Contralto 1º Contralto

Angélica Nilo da Silva

15/02/1992

2º Soprano

Camila Monteiro Barbosa

23/08/1997

1º Soprano

Carlos Roberto Pedrosa Júnior

10/12/1982

1º Tenor

Cíntia Flávia Braga de Assis

08/05/1998

2º Soprano

Daniely Carvalho Magalhães

25/12/1992

1º Contralto

Filipe Nolasco Pedrosa

24/10/1989

1º Baixo

Gabriel de Souza Pinheiro

09/11/1997

2º Tenor

Gabriel Vitor de Lima Marques

11/05/1996

2º Baixo

Gabriela Braga de Almeida

06/04/1995

2º Contralto

Gabriela Pietra Rocha

20/12/1995

2º Contralto

Geovani Oliveira Souza

14/04/1991

1º Baixo

Giovana Cristina Aguiar Pinheiro

25/10/1999

1º Contralto

Guilherme A. Mateus Marinho

06/05/1997

2º Tenor

Jeferson Fernando Silva Braga

16/02/1991

1º Tenor

José Leandro Braga da Costa

26/07/1998

1º Contralto

Júlia Almeida Ribeiro

23/09/1999

2º Soprano

Júlia Maria de Oliveira Santos

30/06/1999

2º Soprano

Júlio César Antunes Alves e Silva

19/08/1999

1º Contralto

Karem Cristina da Cruz Lage

21/08/1996

1º Soprano

Laís Maria de A. Romualdo

14/01/1993

2º Soprano

Laryssa Ventura Galo

13/04/1993

1º Contralto

Laura Rúbia Braga Rodrigues

18/12/1999

1º Soprano

Laura Sena Penido S. de Oliveira

28/11/1997

2º Soprano

Letícia de Almeida Silva

09/10/1998

2º Contralto

Lincoln José Claret da Silva

10/03/1998

2º Baixo

Lorena Rodrigues Toledo

13/12/1996

1º Contralto

Lorene Fernanda Silva Vimieiro

06/06/1993

1º Contralto

Lucas Braga de Almeida

31/08/1996

2º Tenor

153

Luís Felipe Braga Pacheco

30/09/2000

2º Contralto

Marcelo Francisco V.Silva

05/03/1991

2º Tenor

Marcos Vinícius Fileto

02/09/1995

2º Tenor

Matheus Henrique Paranhos Corradi

01/08/1997

2º Tenor

Michelle Aparecida Antunes

27/05/1997

1º Contralto

Nathália Cristina de C. Rocha

05/02/1994

2º Contralto

Paula Beatriz Vaz Galo

03/06/1993

2º Soprano

Paula Pedrosa Araújo

16/08/2000

2º Soprano

Paulo Henrique Silveira

18/03/1996

2º Baixo

Polliana da Costa Martins

08/05/1992

1º Soprano

Rafael Pedrosa Vieira

02/06/1993

2º Baixo

Raul Tomaz Lima de Souza

27/10/1999

2º Soprano

Rogério Francisco da Silva Jr.

19/08/1988

1º Tenor

Sofia Horta R. D. Oliveira

20/06/2000

1º Soprano

Steffani Cristi da Silva Pereira

13/08/1999

1º Soprano

Thallys Eduardo Moreira da Silva

25/07/1998

2º Tenor

Victor Guilherme S. Oliveira

12/05/1997

2º Tenor

Wellington Ferreira Brito

15/09/1994

1º Tenor

Wellington Raimundo Ribeiro

27/12/1986

1º Baixo

154

Anexo 12- Programa do concerto Sonhos (capa e contra- capa) Coral Os Canarinhos de Itabirito

155

Anexo 13 – Uniforme de gala feminino Coral Os Canarinhos de Itabirito

*Foto cedida pelo Coral Os Canarinhos de Itabirito para ilustração do uniforme de gala

Anexo 14 – Uniforme de gala masculino Coral Os Canarinhos de Itabirito

*Foto cedida pelo Coral Os Canarinhos de Itabirito para ilustração do uniforme de gala

Anexo 15 – Uniforme litúrgico soprano e contrato Coral Os Canarinhos de Itabirito

*Foto cedida pelo Coral Os Canarinhos de Itabirito para ilustração do uniforme litúrgico

Anexo 16 – Uniforme litúrgico tenores e baixos Coral Os Canarinhos de Itabirito

*Foto cedida pelo Coral Os Canarinhos de Itabirito para ilustração do uniforme litúrgico

156

Anexo 17– Uniforme informal Coral Os Canarinhos de Itabirito

Anexo 18 – Uniforme de frio do Coral Os Canarinhos de Itabirito

Anexo 19 - Quadro de docentes do Coral Os Canarinhos de Itabirito Nome

Cargo

Formação

Observação

Éric Vinícius de Aguiar

Maestro do Coral Os Canarinhos de

Licenciatura em música (piano

Maestro do coro desde

Lana

Itabirito;

e flauta de bisel)- Universidade

o ano de 2003.

Maestro do grupo de flauta de bisel

Federal de Ouro Preto, Ouro

Doces Menestréis,

Preto, Minas Gerais, Brasil.

Maestro da Camerata de Cordas Pe.

Mestrado

Francisco Xavier,

Universidade Vale do Rio

Maestro do coro cênico Canarinhos

Verde,Betim, Minas Gerais,

EmCena Diretor artístico.

Brasil.

Preparadora Vocal

Licenciatura

Raquel

Monteiro

de

Resende Costa

em

Educação-

em

música

Exerceu esse cargo de

(canto) Universidade Federal

2009

a

de Ouro Preto, Ouro Preto,

Atuamente

Minas Gerais, Brasil.

funcionária

2011. não

é da

Instituição. Carlos Roberto Pedrosa

Filipe Nolasco Pedrosa

Maestro

do

coral

Pequeninos

em

Educação

Musical-

Professor de musicalização

Estadual de Minas Gerais,

Professor de violão/ guitarra

Belo Horizonte, Minas Gerais,

Professor de flauta de bisel

Brasil

Maestro

do

Coral

Canarinhos

Licenciatura

Universidade

em

música

(

Postulantes/ Intermediário

flauta de bisel) Universidade

Professor de musicalização e flauta de

Federal de Ouro Preto, Ouro

bisel. Rogério Francisco Jr.

Licenciatura

Canarinhos

Preparador

Professor desde o ano de 2006.

Professor da Instituição desde o ano de 2010.

Preto, Minas Gerais, Brasil. Vocal

dos

corais

Licenciatura

em

música

Pequeninos Canarinhos e Canarinhos

(canto) Universidade Federal

Postulantes/Intermediário

de Ouro Preto, Ouro Preto,

Professor da Instituição desde o ano de 2010.

Minas Gerais, Brasil

157

Lucas Codorniz

Professor

de

Violino,

Viola

e

Violoncello.

Licenciatura

em

música

(violão/guitarra) Universidade

Professor da Instituição desde o ano de 2011.

Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil Thays Peneda Simões

Preparadora vocal e diretora cênica

Licenciatura em música (flauta

Professor da Instituição

de bisel) Universidade Federal

no período de 2006 a

de Ouro Preto, Ouro Preto,

2010 como professora

Minas Gerais, Brasil.

de

Mestrado

em

Universidade

de

musicalização

e

música

flauta de bisel. Desde o

Aveiro-

ano de 2012 no cargo

Performance em Canto.

atual.

Anexo 20- Guião Oficina de Canto e Expressão Corporal Ministrante: Thays Peneda Simões

Número de alunos presentes: 30

Aspectos relevantes: - Desinibição corporal e improvisação voz e movimento; - Relaxamento corporal; - Consciência do corpo através de movimentos e gestos corporais; -Gestos corporais relacionados a técnica vocal (quanto a respiração, o posicionamento das vogais, o apoio, - Gestos corporais relacionados a aspectos musicais ( dinâmica, ritmo, agógica)

Atividade 1- Jogo da apresentação Em círculo, cada elemento dará um passo à frente, diz seu nome, acompanhado de um gesto corporal com as mãos ou com todo o corpo,criado por cada um,em seguida as outras pessoas do grupo repetem em coro o nome do animador e fazem o mesmo gesto.

Atividade 2- Aquecimento vocal e corporal -Ainda em um grande círculo esfregar as mãos e bater por todo o corpo dos pés a cabeça. -Massagear o rosto. -Abaixar de cócoras (posição de sapo) e realizar sons de vibração de lábios do grave para o agudo. A medida que o som vai ficando mais agudo vamos subindo com o corpo, da mesma forma os sons graves. -De pé trabalhar a língua, o relaxamento do maximar, o relaxamento da laringe, relaxamento dos ombros, pescoço e todo o corpo -Trabalhar a respiração -Trabalhar a postura corporal - Trabalhar o Equilíbrio Corporal - Trabalhar o Apoio - Dinâmica e Exercícios vocais e corporais - Trabalhar o lugar das vogais com gestos corporais para cada uma delas. Atividade 3- Música e Corpo - Trabalhar músicas “Wap Tchubiru”- improvisação em stillo jazz dividida em quatro vozes,sendo elas: baixos e tenores, soprano, soprano, contralto.Os gestos corporais eram criados por blocos de vozes cada voz fazia um movimento criado dentro da oficina. Música “Tzena Tzena Tzena”- do compositor Issacar Miron, feita em unissono explorando os planos alto, baixo, e os pontos de coordenadas como diagonal direita e esquerda.

Mostra Final Apresentação das duas músicas trabalhadas com os respectivos gestos e movimentos corporais, explorando os conceitos utilizados para a criação dos gestos de cada peça e a opnião dos alunos.

158

Anexo 21- Relação ensaio e conteúdos programáticos Pesquisa Ação Data

Conteúdo Programático

Quantidade

18/08/2011

Coreografia da peça El Sueño

de

Observação

alunos presentes 50

Grande

Os alunos pareciam gostar desta nova forma de trabalho embora se apresentassem muito tensos ao realizar os movimentos coreografados. Demorei mais tempo do que pretendia para passar a coreografia, muitos jovens sobretudo os mais jovens ficaram um pouco perdidos principalmente porque nesta peça eles saíam das cochias cantando e marchando metade do coro para cada lado então tive de ensaiar várias vezes a entrada e alterei um pouco a coreografia no sentido de unificar os gestos nas repetições de cada trecho.

20/08/2011

Coreografia da peça Cantique de

43

Jean Racine

Foi um tanto complicado pelo número de faltas. Nesta música o coro se posiciona em formato de triângulo e até formar este desenho deixando os alunos com menor estatura à frente do triângulo levou cerca de 30 min. Tive também de imaginar o tamanho daqueles que não haviam ido ao ensaio para não deixá-los de fora da performance. O gesto estático nesta peça é privilegiado e utiliza-se um elemento cênico (velas de led amarelas) e do meio para o final da peça é que a movimentação começa a aparecer, mas os gestos são realizados de forma lenta condizente com o movimento musical.

23/08/2011

Coreografia da peça The Blue Birde

retomada

das

48

A nova coreografia também envolveu o gesto estático e o

duas

elemento cênico (vela de led). A retomada as duas outras

coreografias das peças El Sueño

coreografias foi necessária principalmente para limpar os

Grande e Cantique

gestos que estavam desencontrados ritmicamente e coletivamente. Novamente a peça El Sueño Grande deu um pouco de trabalho pois os jovens esqueciam do que era pra ser feito em certos trechos. No fim do ensaio os erros haviam sido corrijidos.

25/08/2011

Coreografia da peça Liberdade

46

Abordagem

interpretativa

e

processo

de

ensino

aprendizagem da peça Liberdade. 27/08/2011

Limpeza de todas as coreografias

48

ensinadas

Na limpezadas coreografias são valorizados os resultados em algumas peças foi preciso modificar alguns gestos para facilitar a emissão vcal.

30/08/2011

Coreografia da peça Paisagem na

48

Janela

Esta

coreografia

utilizou

como

elemento

cênico

sombrinhas grandes paraonze meninas e o restante executavam gestos dinâmicos durante toda a peça. Com o processo,

para

esta

peça

embora

envolvessem

corporalmente movimentos mais complexos dos que vinham a ser utilizados fluiu bem e no tempo planejado para tal. Não houve dificuldade por parte dos jovens a executar a performance vocal com a corporal. 01/09/2011

Limpeza da coreografia da peça

50

Liberdade

Momento de remarcação dos lugares e gestos com música e sem música. Algumas partes tiveram de er repassadas como o movimento da brisa, dos tambores e o próprio início.

03/09/2011

Coreografia da peça Isto aqui é o

49

O processo de criação desta coreografia ocorreu dentro do

159

que ée Limpeza da peça El Sueño

próprio ensaio foram movimentações sutis mas que

Grande

resultaram esteticamente, também foi utilizado um casal de cantores simulando dançarinos de samba conforme o movimento musical permitia.

06/09/2011

Limpeza e recordação de todas as

50

coreografias

Próximo ao espetáculo foram aplicados as últimas limpezas sobre as peças tanto nos aspectos musicais quanto corprais.

08/09/2011

Ensaio

Geral

música e cena

do

Espetáculo

50

Nervosismo de alguns cantores atrapalhava um pouco no sentido da concentração para realizar todo o espetáculo. Ocorreu a passagem de som e o espetáculo foi apresentado inteiro sem muitas interrupções. Os jovens estavam vestidos com os uniformes e com os elementos cênicos como sombrinha e vela que seriam utilizados no espetáculo. Poucos foram os erros e após o ensaio reunime com os cantores e apenas apontei onde estavam os erros para serem corrijidos. O maestro também apenas verbalizou o que não saiu da forma como ele esperava e terminou o ensaio

160

Anexo 22 - Síntese gestual da peça Liberdade Gesto/Movimento Mãos em gancho

Figura número 18

Joelhos flexionados plano baixo, mãos em gancho e olhares direcionando a mensagem para público e pessoas ao lado.

19

De pé ou na ponta dos pes, mãos em gancho e olhares direcionando a mensagem para público e pessoas ao lado

20

De frente para o público com mãos e braços esticados.

21

Utilização/ Função Preparação para realizar o gesto dinâmico Recurso musical (Técnica vocal- gestual para auxiliar no apoio diafragmático e no ataque sonoro). Também com intenção comunicativa Recurso musical (Técnica Vocal- Gestual que auxilia na leveza, na dinâmica e na colocação/posição mais alta para o canto). Também com intenção comunicativa Gesto dinâmico congelado. Comunicação com a plateia

Sequência do movimento anterior.

Sequência do movimento anterior.

Sequência do movimento anterior articulando com o público. Repetição do gesto figura 19.

Joelhos flexionados plano baixo, mãos em gancho

22

Plano alto, de pé ou na ponta dos pés, mãos em gancho.

23

Posição relaxada das mãos e braços

24

Gesto estático

25

Joelhos flexionados

26

Tombamento para o lado esquerdo

27

Tombamento para o lado direito

28

Pernas fechadas com mãos fechadas

29

Gesto dnâmico de recurso coreográfico congelado.

Movimento do braço direito para cima e para baixo. Movimento do braço revezando entre direito e esquerdo para cima e para baixo simulando tocar um tambor Movimento do braço revezando entre direito e esquerdo para cima e para baixo simulando tocar um tambor Jovens dão as mãos e sobem na ponta dos pés

30

Recurso musical (Gesto relativo ao ritmo musical) Gesto de encontro com a ideia musical, priorizando o ritmo

Equilíbrio corporal e leveza no movimento Continuação do movimento para o outro lado priorizando o equilíbrio corporal e leveza no movimento Quebra de toda a sutiliza que vinha a ser feito no movimento anterior e se torna estátua Gesto de encontro com a ideia musical Repetição em sequência alternando os braços

31

Gesto de encontro com a ideia musical, priorizando o ritmo

Mesmo gesto e função da figura n.31

32

Recurso musical (Técnica vocalAtaque do som, colocação/altura, apoio.) Gesto dinâmico de mimetização e comunicação com o público Gesto dinâmico de mimetização (com o intuito de traduzir literalmente o que o texto verbal indica) Gesto dinâmico de mimetização (Gesto com o intuito de traduzir a ideia verbal literal que texto indica) Gesto dinâmico de mimetização

Sequência do movimento anterior

Movimento do braço de oferecer e mostrar Gesto corporal que significa “são as crianças” onde os jovens esticam o braço, representando o tamanho de uma criança. Movimento de mãos e braços que significa “são flores” o gestual é de colher com as mãos uma flor e cheirá-la Movimento com o braço

31

33 34

35

36

Recurso musical (Técnica vocalgestual para auxiliar no apoio diafragmático e no ataque sonoro). Também com intenção comunicativa Recurso musical (Técnica Vocal- Gestual que auxilia na leveza, na dinâmica e na colocação/posição mais alta para o canto). Também com intenção comunicativa Gesto dinâmico congelado (Relaxamento corporal, gesto que conduz a “quebra estética visual”) Gesto estático “quebra estética visual”

Observação Disposição inicial em “U”

Recurso musical (Técnica Vocal- Apoio diafragmático e afinação) Recurso musical (Técnica Vocal- Apoio diafragmático) Recurso musical (Técnica Vocal- Apoio diafragmático)

Repetição do gesto figura 20.

Sequência do movimento anterior buscando o relaxamento corporal e preparando para o esteticismo gestual. Continuação da ideia de diminuição do movimento até chegar no gesto estático. Quebra do estaticismo gestual.

Sequência do movimento anterior Sequência do movimento anterior priorizando a mímica e ou significado das palavras. Sequência do movimento anterior priorizando a mímica e ou significado das palavras. Sequência do movimento

161

representando o trecho “música um luar e o sol...” os jovens fazem o desenho de um semicírculo com o braço direito. Gesto para a palavra “seca”

(com o intuito de traduzir o que o texto verbal indica no sentido não literal).

anterior priorizando a mímica e ou significado das palavras.

Sequência do movimento anterior priorizando o sentido de secar

38

Gesto dinâmico de mimetização (com o intuito de traduzir o que o texto verbal indica no sentido literal) Gesto dinâmico de recurso coreográfico, expressão facial como comunicação com o público Comunicação

-

Recurso coreográfico

Joelhos flexionados, mãos em gancho

39

Plano alto, de pé ou na ponta dos pés e mãos em gancho.

40

Com os dois braços dobrados estalar os dois dedos duas vezes

41

Juntar as duas mãos ao centro do corpo para bater uma palma.

42

Com as mãos para baixo, os jovens balançam as mãos de um lado para o outro de forma rápida

43

Recurso musical (Técnica vocalgestual para auxiliar no apoio diafragmático e no ataque sonoro). Também com intenção comunicativa Recurso musical (Técnica Vocal- Gestual que auxilia na leveza, na dinâmica e na colocação/posição mais alta para o canto). Também com intenção comunicativa Recurso musical (Gesto para executar o som que o compositor prescreveu na partitura reforçando o rítmo). Recurso musical (Gesto para executar o som que o compositor prescreveu na partitura reforçando o rítmo). Recurso musical (Gesto dinâmico para ativar a energia do corpo, com intuito de ajudar no fluxo de ar contante e na afinação e na dinâmica).

O mesmo gestual porém, ajoelhados no chão

Somente o solista dé pé anda de um lado para o outro. O restante dos jovens permanecem ajoelhados com as mãos fechadas e o braço junto. Levantar do chão

37

-

Sequência do movimento anterior no plano baixo inferior

Estaticismo gestual e movimentação do coro e solista na mesma cena

Gesto de transição para o próximo movimento. Retomada do movimento inicial da peça figura 18

Retomada do movimento figura 19

O compositor prescreveu apenas os sons e tirmos,não o movimento gestual. O compositor prescreveu apenas os sons e tirmos,não o movimento gestual Movimento apenas com as mãos

162

Anexo 23- Poema Liberade, Fernando Pessoa Liberdade “Ai que prazer Não cumprir um dever. Ter um livro pra ler E não o fazer! Ler é massada, Estudar é nada. O sol doira sem literatura. O rio corre bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal Como tem tempo não tem pressa... Livros são papéis pintados com tinta. Estudar é uma coisa que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma. Quanto melhor é quando há bruma. Esperar por D. Sebastião, Quer venha ou não! Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças, Flores, música, o luar, e o sol que peca Só quando em vez de criar, seca. E mais do que isto Era Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças, Nem consta que tivesse biblioteca...” (Fernando Pessoa, 1935)108

108

Escrito em 16/03/1935 Publicado in Seara Nova, n.º 526, de 11.09.1937

163

Anexo 24- Excerto da partitura Liberdade, Ronaldo Miranda



Excerto retirado da partitura Liberdade, obra publicada no Jornal do Brasil como peça de confronto para corais juvenis do X Concurso de Corais do Rio de Janeiro (1986). Texto de Fernando Pessoa.

164

Anexo 25- Excerto do periódico O Liberal

• O

periódico

pode

ser

conferido

no

link:

http://www.jornaloliberal.net/noticia/coral-canarinhos-traduz-sonhos-emmusica-durante-espetaculo-em-itabirito/ acedido em 27/06/2012.

165

Anexo 26- Comentário sobre o espetáculo Sonhos. Web Site da Prefeitura Municipal de Itabirito

• A

informação

pode

ser

conferido

através

do

link:

http://www.itabirito.mg.gov.br/comunicacao-detalhe_noticias.php?id=412 acedido em 27/06/2012.

166

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