O Golpe de 1964 e a obliteração da Política Externa Independente

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Boletim Mundorama – No. 80 – Abril/2014 mundorama.net /2014/04/30/boletim-mundorama-no-80-abril2014/ Coordenação

Artigos Fragilidade na Ásia Central: a instabilidade da política securitária no Quirguistão e Tajiquistão, por Guilherme Mello As Relações Brasil e Taiwan: aprendizado e possibilidade de ganhos mútuos, por Patrícia Nabuco Martuscelli Cooperação e conf lito, por Paulo Duarte RoboCop, Filosof ia e o Futuro dos Robôs Militares, por T hiago Borne & Diego Raf ael Canabarro Continuidade por Inércia: uma análise empírica das relações internacionais do Brasil entre 2010 e 2014, por Mariana Kalil Las razones del incumplimiento de las obligaciones internacionales en materia medioambiental por parte del Estado, por Cristina Andrea Britez Silveira Márquez O Golpe de 1964 e a obliteração da Política Externa Independente, por Leandro Gavião T he Interest of China on the BRICS Bank, por Antonio Luis Mendes Chagas & Maiara Folly Gomes Um passado de guerra e a guerra sobre o passado: uma introdução às relações SinoJaponesas, por Gustavo Resende Mendonça La importancia de una Comisión de la verdad en Colombia, por Aurora Moreno Torres No reino de Hades – as causas dos conf litos e a intervenção da ONU na República Democrática do Congo, por Emiliano Unzer Macedo Comunidade de Estados Independentes e Comunidade EconómicaEurasiática, quão ef icazes?, por Paulo Duarte A América Latina leva seus mares à Haia: a disputa marítima entre Peru e Chile e a decisão da CIJ, por Cristine Koehler Z anella & Inaê Siqueira de Oliveira Reavivamento islâmico e dinâmicas socioeconômicas no Mundo Árabe, por Aline de Oliveira Alencar Tecnologia Militar & Relações Internacionais: Ontem, Hoje e Sempre, por Fabricio Padilha Mídia e Cooperação Regional: os entraves internos à busca de autonomia pela Unasul, por Lívia Peres Milani

Eventos Evento – VIII COLÓQUIO BRASILEIRO EM ECONOMIA POLÍT ICA DOS SIST EMAS-MUNDO – UFSC Evento – III Semana Acadêmica de Relações Internacionais – UFPB Evento – Lançamento do livro “O Brasil e a Segurança no seu Entorno Estratégico: América do Sul e Atlântico Sul” – IPEA Evento – Concurso público para de prof essor de Relações Internacionais – iREL-UnB Evento – 3nd Europe Day Conf erence: T he Enlarged European Union in a Time of New Challenges – CPDOC/FGV-Rio Evento – 3rd School on the European Union – T he European Union looking East – CPDOC/FGV-Rio Evento – III Seminário “Diálogos Sobre Justiça”: Tratados Internacionais e o Sistema Processual Brasileiro – MJ Evento – Concurso para prof essor de RI – PUC-SP Evento – Palestra “Dias de Inf erno na Síria”, por Kleber Cavalcanti – UnB Evento – Semana Acadêmica de Relações Internacionais – UFGD Evento – Concursos para Prof essor de Relações Internacionais – UFG Evento – 2o Seminário de Graduação e de Pós-Graduação – ABRI Evento – II SEMANA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍT ICA DA UFSCar: Repensando a Trajetória do Estado Brasileiro – UFSCAR Evento – XI International Colloquium: Global Crisis and Changes of Paradigms: Current Issues – UnB Evento – Shanghai Summer School (BRICS Program) 2014

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O Golpe de 1964 e a obliteração da Política Externa Independente, por Leandro Gavião mundorama.net /2014/04/24/o-golpe-de-1964-e-a-obliteracao-da-politica-externaindependente-por-leandro-gaviao/ Equipe de Colaboradores O episódio da Proclamação da República (1889) representou, para além das mudanças institucionais ocorridas, uma ref ormulação em nossa política externa. O Brasil superou a condição de corpo estranho no continente americano – até então a única monarquia da região – e passou a estabelecer maiores diálogos com os Estados Unidos, país que além de servir de inspiração e ref erência para a construção do novo regime brasileiro (CARVALHO, 2012), também se revelava um relevante parceiro comercial, sobrepujando, progressivamente, a Inglaterra. Enquanto praticamente toda a vizinhança latino-americana manif estava algum grau de insatisf ação com as recorrentes violações de soberania provocadas por Washington, o Brasil, país ainda relativamente imune a tais intervenções, interpretava a Doutrina Monroe e o Corolário Roosevelt como recursos def ensivos praticados pelo “irmão” do Norte contra o imperialismo europeu (PINHEIRO, 2004). Com ef eito, embora tivesse passado por nuances e inf lexões, a nossa política externa manteve-se, até o governo de Jânio Quadros, inserida no paradigma americanista. Este último, segundo Letícia Pinheiro (idem), bif urcava-se em duas vertentes: o americanismo pragmático e o americanismo ideológico. Em linhas gerais, ambas as correntes prezavam pela manutenção de relações especiais com Washington, dif erenciando-se, entretanto, quanto às razões que motivavam tal aproximação. Na raiz do americanismo pragmático está a ideia de que o Brasil pode auf erir ganhos se souber estabelecer padrões de relacionamento que busquem, em última instância, o desenvolvimento nacional. Um bom exemplo pode ser encontrado no Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-45), quando f oi negociada a entrada do país na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados, desde que o banco norte-americano Eximbank f ornecesse capitais com juros baixos para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional. Em 1954, a Carta Testamento de Vargas expunha os primeiros sinais de esgotamento da estratégia americanista, uma vez que a continuidade do aprof undamento do desenvolvimento brasileiro levaria o país a entrar em choque com os interesses de Washington. Por outro lado, o americanismo ideológico visava à aproximação com os Estados Unidos tendo por base a convicção de que os objetivos, os valores e as crenças daquela nação convergiam com seus correspondentes brasileiros. A dimensão normativa-ideológica passava a ter maior importância do que questões mais tangíveis. Uma amostra prática deste modelo de projeção externa pode ser verif icada no governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-51), momento em que o Brasil aderiu de f orma acrítica a ideologias exportadas do Norte, como o liberalismo econômico e o anticomunismo. Ademais, o voto brasileiro em organizações internacionais era quase sempre uma mera duplicação do voto norte-americano, independente dos verdadeiros anseios brasileiros. As insatisf ações com as posições do vizinho do Norte se aprof undariam durante os anos JK (1956-61), sendo icônicos tanto os obstáculos norte-americanos à Operação Pan-Americana como o rompimento de Kubitschek com o Fundo Monetário Internacional (BANDEIRA, 1983). Abriu-se, então, certa margem para o deslocamento do eixo de nossa política externa e, por consequência, para a f ormulação de um novo paradigma: o globalismo, que seria executado durante a gestão dos dois próximos presidentes, mormente com João Goulart.

Se Jânio Quadros (1961) f oi um conservador no plano doméstico, a recíproca não é verdadeira quando observamos as diretrizes de sua política externa. Basta recordarmos alguns episódios emblemáticos, como o reatamento de relações diplomáticas com países comunistas do Leste Europeu, a condecoração de Ernesto “Che” Guevara e do cosmonauta soviético Yuri Gagarin, o apoio às independências de Angola e Moçambique e a crítica ao apartheid sul-af ricano. A materialização dos preceitos globalistas evidencia-se no surgimento da Política Externa Independente (PEI), muito embora esta última ainda estivesse mais situada no campo da retórica do que da práxis. Com o episódio tragicômico da renúncia de Quadros, João Goulart (1961-64) assume a presidência do país. Sob a chancelaria de San Tiago Dantas, inicia-se o aprof undamento da PEI, que passa a ganhar maior consistência teórica e a ultrapassar o nível do discurso. A ousada opção em reestabelecer relações diplomáticas com a União Soviética e a def esa da nãointervenção – de modo a proteger Cuba – são amostras desse avanço. A orientação diplomática da PEI se materializava como espécie de resposta ao esmaecimento do paradigma americanista, cuja debilitação originou-se nas constantes negativas dos Estados Unidos em nos f ornecer capitais e investimentos públicos para as áreas de inf raestrutura e de bens de capital. Ademais, para dar continuidade ao projeto desenvolvimentista e industrial, havia a necessidade premente de explorar novos mercados externos e de obter maior volume de investimentos estrangeiros – pref erencialmente os públicos (VIZ ENT INI, 2008). Em f ace do descaso norte-americano para com a América Latina, e da emergência de novos atores internacionais relevantes, o Brasil reorientou sua política externa visando instaurar diálogos e parcerias no âmbito global, buscando alternativas comerciais e de f inanciamento tanto no Primeiro Mundo como no Segundo Mundo e no Terceiro Mundo. Em outras palavras, percebeu-se que a política externa havia se tornado um instrumento indispensável para a realização do projeto desenvolvimentista. Isto posto, limitar-se a estreitar relações somente com o hemisf ério dominado pelos Estados Unidos apresentava-se como uma postura contraproducente para a industrialização, sobretudo porque Washington exercia sua hegemonia sobre o restante do continente e não desejava que a ascensão de adversários na dimensão econômica resultasse em desvio de comércio (BANDEIRA, 1983). O cenário externo desvelava-se f avorável às intenções brasileiras. Uma conjunção de f atores vinculados a transf ormações no sistema internacional colaborou para dar sustentação às premissas da PEI e f azer com que o Brasil adotasse uma diplomacia de abrangência global visando a multilateralização, a saber: (i) a recuperação econômica da Europa Ocidental e do Japão; (ii) a consolidação do campo socialista; (iii) A descolonização da Ásia e da Áf rica; (iv) o surgimento do Movimento dos Países Não-Alinhados; (v) a Revolução Cubana. No entanto, a PEI acabou sendo subitamente derrubada por uma nova mudança institucional interna. Após o Golpe Civil-Militar de 1964, que contou com o apoio tácito dos Estados Unidos (SKIDMORE, 2010), houve uma prof unda revisão dos princípios norteadores de nossa política externa. O General Castelo Branco (1964-67), primeiro mandatário durante a ditadura, promoveu uma verdadeira inf lexão no campo das relações exteriores, desestruturando a conduta crítica de questionamento do status quo mundial. O americanismo ideológico, acompanhado do alinhamento automático com Washington, f ora resgatado em detrimento do globalismo, paradigma que naquela ocasião def inia o perf il de inserção externa do Brasil, então direcionado para o desenvolvimento de seu potencial industrial, etapa necessária tanto para f omentar a acumulação capitalista como para viabilizar o projeto trabalhista de bem-estar social. Em contrapartida, temas de corte ideológico – como “segurança nacional” e “combate às esquerdas” – caros aos Estados Unidos em seu jogo de poder mundial, assumiram o protagonismo de nossa agenda externa, imprimindo-lhe incongruências. Washington nunca havia aceitado a PEI de bom grado, pois esta não deixava de constituir um

elemento que provocava erosões em sua hegemonia. Os Estados Unidos não desejavam o que o Brasil desenvolvesse plenamente e autonomamente seu parque industrial, motivo pelo qual a PEI – parte de nossa estratégia nacional – sof reu contundentes críticas tanto de burocratas norteamericanos de alto escalão como de setores de nossas elites cooptadas. Daí entende-se a rápida interrupção da PEI mediante a reorganização de quadros provocada no Itamaraty através da mão de f erro de Castelo Branco. O Brasil deixava de lado um perf il ativo e crítico, de natureza globalista, para soçobrar em direção a uma postura reativa e complacente, de viés americanista. Em troca da subordinação, Brasília esperava receber apoio econômico. Congruente com tal raciocínio, o chanceler Juracy Magalhães chegou a af irmar que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil” (MAGALHÃES apud VIZ ENT INI, 2008, p. 41). O retrocesso de nossa diplomacia f oi tão marcante que, progressivamente, os demais ditadores do Regime Militar (1964-1985) f oram recuperando determinados aspectos e preceitos da PEI, adaptando-os à conjuntura internacional de sua época. Em termos práticos, podemos considerar que o modelo de projeção externa de Ernesto Geisel, denominado “Pragmatismo Ecumênico e Responsável”, a despeito de suas particularidades e das especif icidades dos dif erentes contextos históricos, pode ser englobado numa espécie de “programa mínimo” da PEI, retomando parte expressiva de seus principais postulados (GONÇALVES; MYAMOT O, 1993). No tocante ao Brasil hodierno, a continuidade do supracitado “programa mínimo” da PEI ratif icase nos f undamentos da política externa praticada ao longo dos doze anos de governo do Partido dos Trabalhadores, não obstante alguns ajustes pontuais estabelecidos nas diretrizes de agenda durante a transição da gestão de Lula da Silva para a de Dilma Roussef f .

Bibliografia BANDEIRA, Moniz. (1983). O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil. 6ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 187p. CARVALHO, José. (2012). A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. 21ª edição. São Paulo: Companhia das Letras. 166p. GONÇALVES, Williams; MIYAMOTO, Shiguenoli. (1993). “Os militares na política externa brasileira: 1964-1984”. Estudos Históricos, vol.6, n.12. pp. 211-246. PINHEIRO, Letícia. (2004). Política Externa Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 81p. SKIDMORE, Thomas. (2010). Brasil: de Getúlio a Castello. 2ª edição. São Paulo: Companhia das Letras. 483p. VIZENTINI, Paulo. (2008). Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. 3ª edição. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. 130p.

Leandro Gavião é doutorando em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro -UERJ ([email protected])

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