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May 29, 2017 | Autor: M. Mont'Alverne B... | Categoria: BRICS, Brazilian Coup 2016
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O Golpe de 2016 no Brasil e os BRICS. Martonio Mont’Alverne Barreto Lima1.

Ao que tudo indica, o governo do Presidente interino Michel Temer vem perdendo a disputa internacional na tentativa de dizer que seu exercício da Presidência da República não é produto de um golpe contra

a

Constituição

e

democracia

brasileiras.

Mesmo

jornais

conhecidamente conservadores, como o Frankfurter Allgemeine Zeitung, da Alemanha, afirmam que o ocorrido no “Manicômio Brasil” em março e maio de 2016 seria no mínimo “controverso”, ainda que na avaliação de seu correspondente no Brasil o processo contra a Presidenta tenha transcorrido legalmente2. Jornais da Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra deram ampla cobertura ao assunto a envolver a sétima maior economia mundial, sempre questionando a legalidade do movimento que conduziu Michel Temer à Presidência da República. Autoridades do governo interino enfrentaram manifestações contrárias no estrangeiro, logo nos primeiros quinze dias de governo. O Ministro das Relações Exteriores do governo interino, Senador José Serra, bem conheceu estes humores quando de seus deslocamentos para a França e Argentina. O que chama a atenção no caso brasileiro? Como ficará o País com o redirecionamento de sua política externa e quais as consequências destes novos rumos? Procurarei enfrentar estas perguntas rapidamente neste escrito, embora mereçam atenção mais acurada, a partir da

1Doutor

em Direito pela Universidade de Frankfurt. Professor Titular da Universidade de Fortaleza. Procurador do Município de Fortaleza. 2O termo em original alemão utilizado pelo Frankfurter Allgemeine Zeitung foi “umstritten” (edição de 10.05.2016). O título da matéria é “Tollhaus Brasilien”, e está disponível em http://www.faz.net/aktuell/politik/ausland/brasilien-chaos-umdilma-rousseffsamts enthebu ngsverfahren-14224381.html.

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formação do grupo econômico e político chamado BRICS, a reunir Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Em 2001 o economista do grupo Goldman Sachs, Jim O’Neil, escreveu um estudo intitulado Building Better Global Economic BRICs. A definição original incluía apenas Brasil, Rússia, Índia e China. A África do Sul seria incorporada quase dez anos depois, em 2011, no que se acrescentou o “S” ao final da sigla. O grupo não forma ainda uma organização internacional, comoa União Europeia ou o Mercosul. Trata-se de uma reunião de grandes economias mundiais, a procurarem seus caminhos para o desenvolvimento humano e tecnológico para suas grandes populações. Os dois países mais populosos do mundo, China e Índia, abrigam quase a metade da população da Terra, e estão presentes no grupo. Em 2006, por ocasião da 61ª Reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas, os chanceleres dos quatro países formalizaram a existência dos BRICS. A 1ª Cúpula dos BRICS deu-se em Ecaterimburgo em 2009. Em julho de 2014, em Fortaleza, o grupo criou o Banco de Desenvolvimento, com sede em Xangai. Os BRICS respondem por 18% do PIB mundial. Seu PIB, com 11 trilhões de dólares, supera o dos Estados Unidos e da União Europeia. Para o Banco de Desenvolvimento estão previstas cotas iguais de 20% para cada membro, até atingirem um valor total de 50 bilhões de dólares. Esses recursos financiarão projetos em infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Além do Banco, foi criado um fundo de reserva para auxílio a alguns dos membros em caso de dificuldades, no valor de 100 bilhões de dólares. De 2001 até os dias atuais os BRICS tornaram-se atores globais na economia e na política. China, Índia e Rússia já eram portadoras de forte influência no cenário mundial, decorrente de suas forças bélicas e do domínio da energia nuclear, a integrar suas defesas. Como signatárias do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), China e Rússia 2

controlam seus arsenais e podem mantê-los. A Índia, que explodiu sua primeira arma atômica em maio de 1974 (após a existência do TNP), achase em situação legal: não é signatária do TNP, portanto não pode ser acusada de violação das regras de direito internacional. As tensões com a instabilidade política na Ucrânia realocaram a Rússia para o centro de uma disputa que não prece ter fim com a União Europeia e com os Estados Unidos. Quem apostou na possibilidade de relações amigáveis entre Rússia e União Europeia e entre Rússia e Estados Unidos com o fim da chamada guerra fria parece ter errado o alvo de suas observações. Óbvio que este complexo xadrez internacional resvala nos BRICS, onde o Brasil está presente. Juntamente com Alemanha e Índia, o Brasil adquiriu força diplomática nos governos do Presidente Lula quando já se criou quase o consenso internacional de que estas três nações serão incorporadas ao Conselho de Segurança das Nações Unidas na qualidade de membros permanentes, ainda que sem direito ao veto das grandes potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Na América Latina a posição brasileira, especialmente de 2002 a 2010, tem sido de destaque econômico e político. A aproximação com países africanos, as boas relações com os governos sul-americanos, o protagonismo internacional até mesmo em diálogos com países distantes, como o Irã, levaram o Brasil a um destaque não conhecido. A permanência nos BRICS deu-se mais como uma confirmação de uma vocação que já estava latente, causando preocupação à política externa dos Estados Unidos, a enxergarem no Brasil e nos BRICS rivais a serem acompanhados com cuidado. Diante desse cenário e da posterior mudança de governo recente no Brasil, não surpreende quando em 13.06.2016 a agência chinesa de notícia tenha expressado sua desconfiança relativamente ao tratamento 3

que o novo governo brasileiro daria aos BRICS 3. O Banco de Desenvolvimento dos BRICS, além da iminente possibilidade das transações comerciais darem-se não mais em dólares, mas nas respectivas moedas, traduz a mais significativa novidade para a política financeira e monetária mundial desde 1948, quando se acertou a criação do Fundo Monetário Internacional. Não é sem razão que a hegemonia dos Estados Unidos e da União Europeia são sempre céticas quando se referem aos BRICS. Demais, não interesse à “troika” econômica e financeira internacional competidores que podem oferecer algo diferente a países desesperados com suas contas internas, e sem que estes desesperados sacrifiquem suas populações. O tratamento da imprensa brasileira aos BRICS, à sua atuação e capacidade geopolítica é majoritariamente negativo. Em outras palavras: temos uma imprensa nacional dominada pelas versões hegemônicas de política financeira e monetária, a jogarem abertamente contra a autonomia das relações internacionais brasileiras e também contra os projetos de expansão econômica fora do eixo tradicional, controlado pelos Estados Unidos e União Europeia. A formação do BRICS foi um gesto de teimosia e insistência. Sua consolidação será, antes de mais nada, um ato de coragem e firme decisão política. A participação brasileira no BRICS é decisiva não somente para o sucesso do grupo, mas para o Brasil, interna e externamente. O freio que o governo interino e golpista de Michel Temer pretende impor aos BRICS traduz a retomada da política externa dependente, de retorno do Brasil às pressões tradicionais da geopolítica mundial, além de consistir na diminuição do Brasil no cenário internacional. Qual o significado do Brasil no BRICS e o fortalecimento do grupo? A primeira das respostas ao saltar os olhos é o receio dos Estados 3A

Agência Xinhua no Brasil fez publicar matéria intitulada Political change in Brazil tests capability of BRICS. Na visão da Agência, os BRICS terão um secundary placeo no governo interino de Michel Temer. (

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Unidos com um grupo de países agindo fora de sua influência; num grupo que conta com a presença das duas principais forças bélicas, econômicas e políticas abertamente a disputarem influência regional e mundial com os Estados Unidos. Falamos aqui de China e Rússia. A segunda resposta diz respeito ao Brasil. Os Estados Unidos não aceitam diretrizes que não as suas na América Latina, menos ainda no subcontinente sul-americano. A política de Washington para o subcontinente tem sido marcada, nos últimos quinze anos, de pouca simpatia pelos governos chamados populistas, quando não de confronto, como é o caso da Venezuela. No que pese as boas relações entre Brasil e Estados Unidos, desde 2002 Washington não nutre a menor simpatia pelos governos do Partido dos Trabalhadores, e não gostaria de ver o protagonismo brasileiro disputar influência com outros países da América Latina. Uma terceira resposta reforça a necessidade dos BRICS pelo Brasil: seu mercado e a abertura para novos mercados entre BRICS e países do Mercosul. Novamente, a consolidação do Mercosul, para além de uma simples união alfandegária, também atinge interesses norteamericanos, que não desistem de sua área livre de comércio para a região latino-americana, onde suas indústria e complexidade e diversidade econômicas trariam forte impacto negativo nas indústrias da América Latina. Do ponto de vista político, a formação efetiva dos BRICS diminuirá o poder da moeda americana, base de quase todas as trocas comerciais do mundo. Ao optar por usarem suas próprias moedas, os BRICS

podem

promover

uma

mudança

no

cenário

financeiro

internacional, obrigando o sistema bancário internacional à diversificação e divisão de sua capacidade econômica: vale dizer, poderá implicar na divisão geopolítica de poder político de pressão sobre governos e nações frágeis, os quais disporão de outras alternativas financeiras e bancárias 5

para seus momentos de crise e dificuldade. Grandes bancos e investidores terão que se adequar a parâmetros outros, o que os obrigará a negociar noutros patamares que não aqueles a que já estão acostumados e dominados por seus pares. Sem dúvida que tal mecânica significará perda de poder econômicos e políticos dos Estados Unidos e do FMI. É verdade que todas estas afirmações compõem um cenário incerto, já que não se sabe o futuro dos BRICS. Por outro lado, porém, há no horizonte a possibilidade de, no mínimo, alterações desse cenário em desfavor de quem hoje domina o mercado financeiro. Se o Brasil muda sua rota e adere às mudanças, a consequência não será outra senão a de maior prestígio internacional. O desdobramento não será somente para o Brasil. Uma eventual bem sucedida posição brasileira trará resultados para a América Latina, o que poderá encorajar outras economias da região a optarem por caminhos diferentes, forjados por si mesmos. Se o Brasil, como quer o governo interino, sucumbe mais uma vez ao centro financeiro do mundo, a resposta não será tão complexa: estaremos a fortalecer o dependencismo cultural, econômico e financeiro. Em outras palavras: não haverá nada de novo no nosso front da emancipação enquanto povo e nação. Se o Brasil, por outro lado, decide apostar na formação dos BRICS, e na consolidação do Mercosul, confirmando a tese desenvolvimentistas tão bem estudada por Celso Furtado, encontrará seu próprio caminho para

o

desenvolvimento,

mostrando

que

o

subdesenvolvimento

econômico não é caminho natural para o capitalismo e que a superação do mesmo subdesenvolvimento dependerá, antes de mais nada, das escolhas que as nações que desejam superá-lo tomem.

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In: O Ceará e a Resistência ao Golpe de 2016. Marcelo R. Uchôa; Inocêncio R. Uchôa; Antônio J. de Sousa Gomes; Letícia Alves. Bauro, SP: Canal6, 2016, pp. 155-160.

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