O governo da ‘feitiçaria’ em Angola: desde a Reforma Pombalina ao Positivismo

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O governo da 'feitiçaria' em Angola:

desde a Reforma Pombalina até ao Positivismo




"Enterrar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos". Este dito,
apócrifo ou da autoria do Marquês de Alorna, é muitas vezes apresentado, de
forma hagiográfica, como sendo a reacção espontânea de Sebastião José de
Carvalho e Melo ao terramoto de Lisboa de 1755. O Marquês de Pombal é desta
forma recordado – se não mesmo cultuado – como sendo uma sinédoque, carnal,
viva e pulsante, mas ao mesmo tempo serena e contida, do Iluminismo tardio
português, e da posição então adoptada pelas elites perante a 'Natureza'
(os vivos), a 'Cultura' (os mortos) e a 'Economia' (os portos). Que
"mortos" são enterrados após o Grande Sismo? Os corpos mutilados de
milhares de crentes, reunidos em oração naquela manhã de 1 de novembro, Dia
de Todos os Santos, proporcionam uma hipótese de leitura literal do suposto
dictum pombalino. Contudo, precisamos ter em conta o carácter
inelutavelmente cristão do Iluminismo português e, portanto, ter em conta
Lucas, capítulo 9, versículo 60: "Replicou-lhe Jesus: Deixa que os mortos
enterrem os seus mortos; tu, porém, vai e anuncia o reino de Deus". De
acordo com a hermenêutica mais consensual desta passagem, Jesus refere-se
neste trecho a dois tipos distintos de "mortos", os 'espirituais' e os
'físicos', sendo os primeiros os seguidores de um sistema conceptual e
teológico ultrapassado – aqueles que se recusavam a proclamar o Novo
Testamento. Que tipo de "mortos", os hagiógrafos de Pombal entendem que o
Iluminismo português 'enterrou'? Sem dúvida, também os do tipo
'espiritual': os que se recusavam a proclamar um 'novo sistema'; aqueles
que, na época, Voltaire satiriza implacavelmente em Candide, ou l'optimisme
(1759).

Centremo-nos momentaneamente nesta obra. No "Capítulo VI" de Candide…,
de subtítulo "De como se fez um belo auto-de-fé para evitar os terremotos,
e de como Cândido foi açoitado", pode ler-se que "depois do tremor de terra
que destruiu três quartas partes de Lisboa, os sábios do país não
encontraram meio mais eficaz para prevenir uma ruína total do que oferecer
ao povo um belo auto-de-fé; foi decidido pela Universidade de Coimbra que o
espectáculo de algumas pessoas queimadas a fogo lento, em grande
cerimonial, era um infalível segredo para impedir que a terra se pusesse a
tremer". Nesta passagem, os "mortos" sepultam, em auto-de-fé e com toda a
pompa e crueldade, os seus próprios "mortos". Contudo, após a Lei da Boa
Razão… (1769), a reforma pombalina da Universidade de Coimbra (1772) e o
Regimento do Santo Officio da Inquisição dos Reinos de Portugal (1774),
este tipo de 'governo pelos mortos', seria posto em causa, abrindo-se uma
nova era, 'oficialmente' marcada por aquilo que Foucault apelidaria o
"governo dos vivos", ou "biopoder" – o exercício de poder passaria, segundo
esta análise, a focar-se não na punição 'feudal', mas sim na regulação dos
meios capazes de garantir a sobrevivência, ou prosperidade diferencial, de
diversos tipos de organismos: o "cuidar dos vivos".

Note-se aqui o uso de 'oficialmente'. A análise foucaultiana é hoje,
salutarmente, recebida em termos menos dogmáticos, não sendo mais
necessário violentar as evidências para as fazer coincidir com canónicas
'estratigrafias dos saberes'. "Enterrar os mortos, cuidar dos vivos e
fechar os portos" não descreve nem um programa político coerente, nem um
facto histórico – a passagem é, relembre-se, apócrifa –, mas, argumentamos,
condensa uma releitura posterior e essencialista do Iluminismo português.
Como devemos entender este 'lema'? Tendo em conta o desafio jocoso, se não
mesmo malicioso, que Voltaire lança às elites lusas – ou, pelo menos,
àquelas capazes de o entender –, bem como a cadência de reformas já
referida (do complexo aparelho jurídico e judicial herdado dos Filipes, da
Universidade e da Inquisição), é possível encarar o dictum atribuído a
Pombal como uma espécie de 'mito de origem'. Este 'mito' parece inspirar as
gerações que nas décadas finais do século XVIII tomaram as rédeas do poder
em Angola – centrais ao caso de estudo que hoje nos interessa
particularmente. O que revela esta frase, se entendida nestes termos? Num
primeiro momento, que a relação entre as elites 'iluminadas' e os seus
inferiores hierárquicos se passaria a reger por princípios bastante
diferentes. É interessante regressar uma última vez à passagem de Candide…,
e ao suposto 'lema' pombalino. Se, num gesto de antropologia simétrica –
uma antropologia informada igualmente pelos desenvolvimentos da chamada
ontological turn –, analisarmos ambos os trechos em conjunção, podemos
concluir que a passagem atribuída a Pombal marca a adopção de uma teodiceia
diferente da satirizada em Candide…, porque assente numa metafísica
dualista, típica da modernidade.

Deixando de lado o "fechar os portos", trecho relativo à Economia, que
muitas vezes não é sequer citado pelos adeptos de Pombal, torna-se claro
que o "enterrar os mortos" e o "cuidar dos vivos" pressupõe, em primeiro
lugar, uma divisão estanque entre mortos e vivos – algo que aquelas vitimas
do terramoto de 1755 que se encontravam a celebrar o Dia de Todos os Santos
talvez não subscrevessem –, bem como uma assimetria fundamental: 'cuidar'
dos mortos e 'enterrar' os vivos, o inverso do 'lema', passaria a ser uma
marca do anterior sistema, supersticioso e feudal. Num segundo nível
interpretativo, está igualmente em causa, uma nova forma de entender a
origem do Mal, ou teodiceia, que é o garante metafísico do bom
discernimento por detrás da decisão política de cuidar dos vivos, em vez
dos mortos: a causa última do sismo – irrupção por excelência do Mal no
quotidiano – desloca-se para a esfera da Natureza ("os vivos"), não mais
sendo da esfera da Cultura ("os mortos"). Assim, adoptando como 'mito de
origem' o lema "enterrar os mortos, cuidar dos vivos", as elites
iluministas lusas respondem ao desafio de Voltaire, colocando
definitivamente o terramoto na esfera dos fenómenos 'naturais', que não
mais fazia sentido, aplacar com autos-de-fé ou rezando aos "mortos" (os
Santos). Contudo, seria esta nova teodiceia naturalista, que chocava com
teorias personalistas da origem do Mal, adoptada pela generalidade da
população? Se não, quais as consequências deste novo desfasamento entre as
elites 'iluminadas' e o 'povo'?

Interessa-nos particularmente uma das implicações desta bifurcação. A
nova teodiceia naturalista, assente numa metafísica dualista moderna, choca
no terreno colonial de Angola com teodiceias vernáculas, que vinham
servindo de justificativa a formas de governo imperial que subitamente se
tornam embaraçosas, ou mesmo desafiadoras da nova ordem. Entramos assim na
questão do governo da feitiçaria em Angola. O uso do termo "feitiçaria" e
"feitiço", em português, tem uma história que não nos cabe, nesta curta
intervenção elucidar. Gostaríamos, de contrário, por começar por uma
exposição genérica, e de grande abstracção, dos três tipos de explicação da
origem do Mal mais comuns na África subsaariana, tanto nas zonas culturais
com línguas nigero-congolesas, como bantu. Nesta vasta área, o Mal pode
resultar, em termos de causa última, da quebra de uma regra ou tabu por
parte da vítima; da intervenção de antepassados ou de entidades espirituais
mais ou menos relacionadas com estes (os 'mortos', de um ponto de vista
ocidental); ou de um acto de feitiçaria realizado por terceiros. De acordo
com o registo histórico, essencialmente composto por escritos de
observadores ocidentais ou ocidentalizados, a causa última de um mal
específico pode ser apurada através do recurso a vários métodos, muito
diversos e sempre complementares, que se agrupam nas seguintes categorias:
os 'ordálios'; as 'adivinhações'; e as técnicas empregues para a obtenção
de 'confissões'.

A partir deste quadro sumário, imediatamente se torna claro que gerir
as consequências da ocorrência de catástrofes, ou de qualquer tipo de
irrupção do Mal no dia a dia das populações, é, no contexto da África
subsaariana, um acto eminentemente político, que não foi 'terceirizado' nem
para agentes religiosos (pelo menos em exclusivo); nem, após a adopção de
uma teodiceia naturalista, para especialistas técnicos ou científicos. Por
outras palavras, nas sociedades que por conveniência chamamos bantu, cabia
às lideranças políticas governar ou gerir quer as acusações de feitiçaria
(provendo a que a adivinhação, os ordálios e as confissões decorressem sem
entraves – e a que as suas conclusões fossem vinculativas); quer a própria
feitiçaria (promovendo práticas anti-feitiçaria que teriam como pedra de
toque da sua eficácia não a tramitação de casos de acusação, mas a
manutenção de um 'estado de graça' utópico e milenarista, caracterizado
pela ausência do Mal). Tendo em conta a ubiquidade deste, depressa se
tornam claros os contornos daquele que Peter Geschiere denomina como o
"conundrum of witchcraft", ou seja, o desafio que a existência da
feitiçaria (tida como uma das causas últimas do Mal, ao mesmo tempo que é
pela irrupção deste comprovada), coloca à legitimidade de todo o tipo de
autoridades em exercício na África subsaariana – quer às africanas,
independentes ou não; quer às portuguesas, ou demais administrações
coloniais.

Até há duas décadas atrás, porém, seria impossível formular uma análise
nestes termos. A 'Escola de Manchester', no enquadramento da qual Victor
Turner esboçou Schism and Continuity in an African Society… (1954) e
Marwick apurou Sorcery in Its Social Setting… (1965), e que se agregou em
torno do Departamento de Antropologia Social da Universidade de Manchester,
fundado por Max Gluckman em 1947, promoveu até recentemente, de forma
hegemónica, um entendimento do complexo cultural em torno da feitiçaria
(que inclui também os ordálios, adivinhações e o papel das autoridades
africanas na gestão do 'sobrenatural') enquanto uma forma eficaz de
controlo social; ou seja, uma 'válvula de escape' de tensões sociais.
Segundo esta perspectiva teórica, a feitiçaria não coloca um desafio
perante as sociedades africanas 'tradicionais', sendo a sua gestão, não um
exercício político por excelência – e que envolve, portanto, o assumir de
riscos e a escolha de diferentes abordagens –, mas uma expressão mecânica
das culturas locais: estáveis, cristalizadas ou funcionais, apenas entrando
em colapso quando em contacto acelerado com a 'modernidade' colonial. Este
paradigma é progressivamente colocado em causa a partir dos anos 90, por
uma série de autores que vão publicando as suas monografias na Imprensa da
Universidade de Chicago, e de entre os quais se destaca quer o já referido
Peter Geschiere, quer Jean e John Comaroff.

Entendendo a feitiçaria a partir não do paradigma funcionalista, mas
tendo em conta a metafísica que sustenta as cosmologias locais, e o papel
que as teodiceias ou explicações da origem do Mal têm neste conjunto, é
possível perceber que o feitiço colocou um desafio político perante todas
as autoridades a operar no território colonial angolano. Ao longo da nossa
pesquisa de doutoramento, conseguimos apurar que este repto se estendeu
igualmente às autoridades portuguesas, ao longo de todo o período em estudo
(séculos XVIII e XIX). As provas que produzimos para comprovar este facto
decorrem precisamente do embate que começamos por descrever, entre as
elites iluministas que apregoavam a nova teodiceia naturalista, e os seus
subalternos envolvidos nos sistemas legais ad hoc que, na colónia, haviam
sido apurados enquanto forma de lidar com processos judiciais que envolviam
teodiceias vernáculas. Por outras palavras, ocupando os Capitães-Mores do
sertão angolano posições de poder – militar, económico, e por arrasto
judicial e ritual –, seria natural que lhes fossem apresentados casos
judiciais para julgar qual a causa última de um dado evento. Concedendo que
os casos já previamente 'adivinhados' como havendo sido provocados por
entidades espirituais ou antepassados não lhes fossem apresentados (sendo
sim conduzidos a representantes dos cultos linhageiros ou a espíritos da
terra), restam os casos de quebra de quijilas (tabus) e de feitiçaria –
para além dos mais corriqueiros casos de adultério, dívidas e reclamação de
liberdade.

A adopção no português comum do kimbundismo 'quezilento' demonstra
cabalmente como o julgamento de casos que envolviam a quebra de quijilas se
deve ter generalizado, causando sem dúvida frustração às autoridades pouco
versadas na jurisprudência local. Quanto ao hábito de julgar casos de
feitiçaria, que este era rotineiro por parte dos Capitães-Mores torna-se
claro atendendo às várias tentativas por parte dos Governadores ilustrados
de finais de Setecentos de regimentar a conduta dos seus subalternos,
forçando-os a mediar a administração da justiça com recurso à escrita, e
prescrevendo-lhes o estabelecimento de sínteses jusnaturalistas dos
direitos de matriz africana. O modelo para estas tentativas, que
continuaria a influenciar as reformas liberais esboçadas até meados do
século XIX, é o Regimento dos Capitães Mores (1765) de Francisco Inocêncio
de Sousa Coutinho. Neste, o Governador e Capitão-General da colónia condena
o "uso das Leis Gentilicas" e o julgamento de casos de "Opanda, Quituxe, e
outras barbaridades", atacando todas as autoridades subalternas que
facilitavam ou colaboravam com a toma dos ordálios destinados a apurar a
culpa em casos de feitiçaria, ou de gravidade semelhante, mediante a toma
de um 'vomitório' preparado a partir da casca de uma árvore: "o juramento"
conhecido como "de Judua", " de indua", "de casca", de "ncaça" ou
"mbolungo".

Tentativas de por cobro ao julgamento de casos de feitiçaria,
normalmente com o recurso ao ordálio enquanto meio de prova, continuaram
até mesmo ao período colonial tardio (meados do século XX). Um dado
adicional permite-nos perceber por que a ingerência das autoridades
portuguesas locais era constante, ao mesmo tempo ilustrando por que é que
após o final oficial do tráfico negreiro, primeiro transatlântico, depois
interno, a questão do governo da feitiçaria em Angola se reveste de
especial importância. Uma das penas possíveis para os acusados de prática
de feitiçaria, caso esta fosse comprovada por ordálio ou confessada, era a
escravidão, que podia, caso o acusado possuísse dependentes, ser, para
estes, comutada (o que acontecia, por vezes, quando o arguido morria no
decorrer do ordálio). Parte do lucro que resultava deste processo de
criação de escravos era distribuída pelas autoridades – 'seculares', como
os Capitães-Mores e os chefes africanos; e rituais, como os adivinhos e
responsáveis pelos ordálios –, e o remanescente era entregue como reparação
às vítimas do acto de feitiçaria. Tendo este aspecto em conta, torna-se
claro por que a disputa entre abolicionistas ou reformadores económicos
liberais e os defensores da antiga ordem económica escravocrata depressa
extravasa, no período Liberal (c.1820-c.1860), para a esfera do governo da
feitiçaria.

Então, já não está em causa o embate entre elites e subalternos que
proclamavam duas teodiceias distintas, uma naturalista e dualista, outra
personalista e em larga medida processualista (como era a que sustentava a
crença no feitiço), mas sim entre as elites apostadas em defender a
manutenção do tráfico, e aquelas que pretendiam reformar a base económica
da colónia segundo um modelo mais próximo ao capitalismo de plantação.
Neste enquadramento, os advogados da escravatura interna adoptam uma
técnica discursiva que denominamos a 'defesa do resgate humanitário'. Esta,
essencialmente, focava-se nos casos de condenação por prática de
feitiçaria, expondo que os imputados seriam mortos, caso não fossem
comprados como escravos pelos portugueses. Bernardino Freire de Figueiredo
Abreu e Castro, intelectual miguelista anteriormente exilado em Pernambuco,
e que vem a fundar Moçâmedes, articula perfeitamente esta posição –
anteriormente veiculada por notáveis como Azeredo Coutinho, Feo Cardozo,
Lopes de Lima, Saldanha Gama ou Acúrcio das Neves –, quando tem publicada,
no Boletim Official do Governo da Província de Angola, a sua resposta a uma
portaria que indagava as opiniões dos principais funcionários e notáveis da
província acerca das medidas "mais conducentes para de todo se extinguir o
tráfico de escravos". Segundo Bernardino Castro, "se não se comprarem os
pretos que os costumes gentílicos fazem escravos em todos os annos, serão
muitos deles mortos, porque os captivos nas guerras, e os condenados por
feitiçarias, e por outros taes crimes, a não serem vendidos, serão
assassinados".

Este sistema de 'resgate humanitário' transformar-se-ia ao longo das
décadas de 1870 e 1880 num de 'contrato de serviçaes', mantendo toda a sua
essência escravocrata e justificação ideológica inalterada, e contribuindo
para a manutenção de uma economia assente na exploração do trabalho
forçado. Contudo, este arranjo dependia de um aspecto fulcral, o que o vai
fazer entrar em crise a partir da década de 1890: de forma a não
constituírem um desafio apodíctico ao sistema legal de matriz portuguesa,
que, com o soçobrar do projecto pluralista jusnaturalista perante o
idealismo universalista liberal, passa a estender-se uniformemente a todo o
território sob jurisdição portuguesa, as acusações de prática de feitiçaria
e a sua tramitação em condenações deveriam ter lugar além das fronteiras
coloniais. Por outras palavras, o 'resgate' ou o 'contrato de serviçaes' em
moldes próximos aos da escravatura dependiam de um exterior docilizado, as
'dependências' do Império, mas nitidamente exterior às suas fronteiras.
Estas áreas de controlo indirecto, com a conferência de Berlin (1884-85) e
face à crescente corrida imperial para África, tornam-se impossíveis de
manter. A imposição de fronteiras do tipo vestefaliano vem portanto pôr em
cheque o sistema que possibilitava a manutenção velada da escravatura
interna, sedimentado a partir do final da década de 1870.

Concluindo. Os positivistas, que, de 1890 em diante tomam violentamente
as rédeas do projecto colonial português, são forçados a dar uma nova
resposta ao repto colocado pela necessidade de governar a feitiçaria. Esta,
permanecendo central às teodiceias vernáculas, não deixa de proporcionar
ocasiões desafiadoras – que aliás ainda hoje se apresentam aos Estados pós-
coloniais. A solução encontrada esteve, mais uma vez, intimamente ligada
com a gestão do trabalho forçado. Conforme o final do século XIX se
aproxima, várias reformas penais produzem uma 'solução colonial' penalista,
assente na criminalização de todo o tipo de costumes e práticas culturais
africanas, e na substituição do trabalho escravo dos 'serviçaes' e
contratados pelo trabalho forçado dos condenados. Assim, acertando o passo
com o que começa a ser o panorama da África anglófona e francófona, os
ordálios passam a ser considerados simples envenenamentos; as acusações de
prática de feitiçaria, difamações; e o exercício de certos poderes das
autoridades tradicionais enquadrado no crime de cárcere privado e de
tortura, ou aplicação de maus-tratos físicos. Do 'governo dos vivos'
aproximamo-nos então do ideal vitoriano de 'vigiar e punir'. A centralidade
do desafio colocado pela feitiçaria, o witchcraft conundrum, manter-se-ia,
contudo, inalterada.
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