O Grivo: experimentando sons

May 31, 2017 | Autor: Marina Mapurunga | Categoria: Film Music And Sound, Experimental Music, Sound Art, Trilhas Sonoras
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MAPURUNGA, Marina. O Grivo: Experimentando Sons. In: SERFATY, J; FARKAS, G. (org). Catálogo Sonoridade Cinema. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2015, p. 84-89.

No século XX emerge, na história da música ocidental, uma série de tendências musicais que contestam e procuram romper com os períodos musicais anteriores1. A definição de música é revista. O som chega também a ser pensado como música. Como dizia Edgar Varèse: “música é o som organizado”. Passamos a ouvir, nessa música que vai surgindo, outras texturas sonoras, dissonâncias, timbres exóticos, ritmos mais vigorosos, melodias fragmentadas com grandes diferenças de altura, microtons, clusters2, glitches3, ruídos, sons sintetizados, “adulterados”. Essas tendências vão dar abertura a uma arte híbrida que vamos chamar mais tarde, a partir da década de 1970, de arte sonora. Segundo Alan Licht (2009, p. 3), a arte sonora é um movimento de arte que não está vinculado a um determinado período de tempo, localização geográfica ou grupo de artistas. As primeiras obras de arte sonora não foram chamadas de arte sonora por décadas. A música concreta de Pierre Schaeffer, o piano preparado de John Cage, o quarteto de cordas com helicópteros de Stockhausen, o poema sinfônico para cem metrônomos de Gÿorgy Ligeti poderiam ter sido chamadas de arte sonora em sua época, porém ainda não se utilizava tal termo. Na arte sonora, não é somente o som que está em questão, ele é o principal elemento, ao seu entorno há elementos espaciais, temporais, visuais, táteis e/ou até mesmo olfativos, entre outros. A arte sonora está em constante desenvolvimento e, hoje, já podemos perceber suas ramificações, para citar algumas: a instalação sonora, a escultura sonora (soundsculpture), a paisagem sonora (soundscape), o site-specific sound, o jogo sonoro, o happening e o sound design. Na miscigenação entre as artes, o som tem se destacado não só na arte sonora, mas também no cinema, no vídeo, nos jogos, nas artes plásticas, na dança, no teatro e na literatura. O som nessas outras artes têm nos motivado a outras formas de escuta, diferente da escuta musical. Ao relacionar imagens visuais e sonoras, ao se utilizar de diversos elementos sonoros como vozes, ruídos, sons ambientes, efeitos, músicas e silêncios, o cinema amplia nossa escuta. O cinema é também arte sonora, já dizia Michel Chion, no título de seu livro: Un art sonore, le cinéma, e Virginia Flores, também no título de seu livro: O Cinema: uma arte sonora. A arte sonora nos faz (re)pensar o som e esse pensar sonoro tem contribuído para as obras audiovisuais. Um bom exemplo disso é o trabalho do duo O Grivo que perpassa pela música experimental, pelo audiovisual e pelas artes sonoras. O Grivo é um duo de artistas sonoros formado por Marcos Moreira Marcos (também conhecido por Canário) e Nelson Soares que trabalha com música experimental, instalações e esculturas sonoras, lutheria criativa, sound design, trilha sonora/musical e captação de som. O duo se interessa pelo trabalho de John Cage, pensando em uma escuta mais atenta, numa economia dos sons e na variação de timbres, e também pela Música Nova, movimento artístico brasileiro da década de 1960 que tem como um de seus conceitos a execução-criação coletiva. A obra d’O Grivo se expande da sala de concerto, aos espetáculos de dança, às telas e galerias. São obras sonoras e também visuais, temos como exemplo suas esculturas sonoras para serem ouvidas e vistas.

O Grivo foi formado na década de 1990, no campo da música experimental. Nelson e Marcos (Canário) estudavam música na Fundação de Educação Artística (FEA) em Belo Horizonte, Marcos tocava guitarra e Nelson, bateria. Em certo momento, Berenice Menegale, diretora da FEA, disse a eles que já estava no momento de se apresentarem. Então, ela organizou em um teatro o primeiro concerto d’O Grivo. Nesta época, o duo já se utilizava de um gravador Tascam de quatro canais. Em suas apresentações, para não ter somente o som da guitarra e da bateria durante todo o espetáculo, eles disparavam três canais com outros sons. Assim, começaram a se dedicar mais a música experimental. Os eventos de música contemporânea, que ocorriam na cidade e sempre traziam músicos importantes, acabaram por influenciar não só O Grivo, mas vários músicos que iam surgindo na cena musical de Belo Horizonte. Para O Grivo, a música contemporânea tem uma forte relação com o som de cinema ao abrir, expandir nossos ouvidos para um mundo de sons. Nessa mesma época, Nelson e Marcos trabalhavam também com oficinas sonoras no interior. Nestas oficinas, ambos já utilizavam galhos, caixas de fósforos, palitinhos e objetos reutilizados para criar sons. O duo realizava improvisações com o que tinha em mãos. Junto aos alunos, com canetas, lápis, borracha e folhas de papel A3, elaboravam partituras com notas e gráficos como guia das músicas que criavam. A Fundação de Educação Artística, os eventos de música contemporânea, os concertos e oficinas d’O Grivo os levaram também ao encontro de outra expressão artística: o audiovisual. Segundo Canário, em entrevista, O Grivo e Cao Guimarães já se conheciam por algum tempo no meio artístico de Belo Horizonte e pensavam em fazer algo juntos, até tentaram realizar alguns concertos, mas a ideia não se consolidava, ambos estavam começando suas carreiras artísticas e não havia ainda muito dinheiro para concatenar algo. Quando Lucas Bambozzi conseguiu uma verba para dirigir um filme de curta-metragem em 16mm junto a Cao Guimarães, chamado Otto, eu sou um outro (1998), Cao convidou O Grivo para fazer a música do filme. Otto, eu sou um outro foi realizado no esquema tradicional, com uma equipe maior que a convencional dos filmes de Cao, com direção de arte, figurino, contrarregra, efeitos especiais, etc. O Grivo, que entrou no filme primeiramente para fazer apenas a música, acabou atuando (Canário foi um dos personagens) e construindo o som da obra. Por um acaso, ocorreram alguns problemas com a gravação de som direto do filme e O Grivo foi convidado a refazer, recriar e reconstruir os sons que faltavam em pós-produção. Logo depois deste filme, Beto Magalhães já emendou um projeto de longa-metragem de Cao Guimarães com Lucas Bambozzi, O Fim do Sem Fim (2001), sobre profissões em extinção. A equipe, desta vez reduzida, viajou quarenta dias pela região Sudeste e mais quarenta pelo Nordeste. Daí, a parceria entre O Grivo e Cao Guimarães se consolidou até hoje. A redução da equipe nos filmes de Cao é um fator importante tanto para o próprio realizador como para O Grivo. Geralmente, a equipe contava apenas com o próprio diretor na fotografia e na montagem, e com O Grivo no som. Cao comenta que o duo são os ouvidos dele, é a parte áudio que lhe falta do audiovisual. O Grivo trabalha durante todo o processo de construção sonora do filme, da pré-produção (quando participa da pré) até a pós-produção. Em alguns filmes, Cao Guimarães já chega com a montagem pronta, mas sem áudio algum, para que O Grivo na pós-produção inicie o trabalho de criação sonora. Às vezes, Cao põe alguma música, como por exemplo Partitas de Bach, para que haja um ritmo no

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O Grivo também realiza concertos sonoros em cima de obras visuais, criando improvisações sonoras para estas. Em 2011, o duo elaborou um concerto baseado em cima da obra de Cao Guimarães, para o festival de live media Netmage, o qual também foi apresentado no Itaú Cultural em São Paulo, em 2013. Algo parecido, ocorre também no concerto Cine-olho Rádio-olho, em que o duo executa improvisações ao vivo para clássicos do cinema de diretores como Georges Meliès, Orson Welles, René Clair, Fernand Leger, Charlie Chaplin, Claude Autant-Lara, que são projetados em telas no palco o qual o duo os interpreta sonoramente. A ideia de fazer exibições de filmes com improvisações sonoras ao vivo surgiu quando o duo foi convidado, ainda no início de sua carreira, para cuidar de um acervo de filmes em 16mm das décadas de 1910 e 1920 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ao ver o acervo sem som, pensaram em poder fazer trilhas sonoras para estas obras. Nestas improvisações/ trilhas ao vivo, o duo orquestra uma diversidade de sons vindos de instrumentos musicais tradicionais sendo tocados de forma expandida; de seus artefatos, objetos-instrumentos, engenhocas, máquinas, traquitanas e mecanismos sonoros e de recursos eletrônicos. O Grivo une o artesanal, feito a mão, ao eletrônico, ao digital, pelas sampleagens e efeitos. Após a entrada d’O Grivo no audiovisual, o duo começou a adentrar também às galerias com suas instalações e esculturas sonoras construídas com objetos precários: restos de madeira, arames, linhas de nylon, placas de metal e alumínio, gravetos, agulhas, caixas de fósforos, entre outros materiais, com a intencionalidade de ocupar espaços, criar gestos e movimentos. Essas esculturas se fazem presentes tanto nas galerias como nas salas de concerto e nos filmes (sonoramente). Assim como Cao Guimarães tem seu trabalho com gambiarras e leva isso como um conceito (em que a gambiarra está para além de ser somente um objeto ou uma engenhoca, é algo que se amplia em gestos, pensamentos, ações, em uma existência), O Grivo trabalha com uma Música Precária (título de um de seus álbuns musicais), uma música feita de gambiarras, de vivacidade, de sensibilidade, de gestos. A gambiarra, o precário, não seria uma cópia, nem uma reprodução, mas o original que está em constante mutação e ampliação, algo vivo. A gambiarra é o não oficial, o que não tem paradigmas, receitas e bulas. A gambiarra não é apenas um objeto, mas uma existência, uma forma de viver, uma improvisação da vida. É transformar coisas já existentes e/ou em desuso em outras, em sons; unir coisas e sons que não se uniam antes; ressignificar um som em outro; fazer o som de outra forma, ou melhor, sem formas acabadas. O precário permeia o trabalho d’O Grivo com a simplicidade, a delicadeza, a fragilidade e a potência que é dada aos sons, aos objetos-instrumentos, aos palitinhos que sustentam as traquitanas, às caixas de fósforo que passeiam por cima de uma radiola, aos metrônomos de madeira que se acompanham, à crina do arco que passa pela corda de um monocórdio rústico, à gota d’água que pinga num recipiente de vidro. Algumas características do trabalho d’O Grivo que podemos perceber bem nas galerias e nos concertos é o minimalismo, a amplificação e a espacialização sonora, a criação/ construção de suas máquinas sonoras e o uso da técnica estendida na execução musical com instrumentos tradicionais. Aqui colocamos o minimalismo não como a tendência musical surgida na década de 1960 nos Estados Unidos, caracterizada pela “mais rebarbativa apresentação da repetitividade: arpejos articulados em tempos variados, como cadências congeladas, [...] motivos melódicos aparentemente simplórios e repetidos com acréscimo

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momento de sua montagem. Para Cao Guimarães é fundamental estar com O Grivo durante todo o processo criativo e compartilhar de uma identidade estética muito próxima da deles, pois assim ele deixa mais espaço para o som acontecer de forma a potencializar a narrativa do filme. Ou seja, o som tem seu espaço dentro da montagem, assim som e imagem têm a mesma importância no conteúdo audiovisual final. A cada filme, há uma forma de trabalho, não há modelos preparados, roteiros consolidados e moldes para O Grivo criar o som destes filmes. Eles criam e montam os sons de acordo com o que o filme lhes pede. Nanofania (2003), por exemplo, é um curta em que primeiro foi montado o som, a música do filme, para somente depois Cao montar as imagens. Em outros filmes, O Grivo já mostra a Cao o material de áudio com que vai trabalhar, para que ele possa montar o filme de acordo com estes áudios. Em outros casos, Cao e O Grivo acabam por montar paralelamente seus elementos (visual e sonoro). São várias formas e processos criativos, a cada filme um novo experimento, novos temperos. Nas obras audiovisuais de Cao Guimarães podemos perceber claramente a presença das artes plásticas e da fotografia. A maneira como trabalha com o audiovisual é semelhante, por exemplo, ao ato de pintar, de compor uma tela de pintura. As imagens captadas por ele são plásticas, onde nosso olhar se perde (e se encontra) entre linhas, curvas, traços, formas geométricas, cores, luzes e sombras. Cao Guimarães desloca seus filmes das galerias para a “forma cinema” e vice-versa. Esse movimento de deslocamento ocorre também com O Grivo, que desloca a música das salas de concerto para os cinemas e galerias. Cao Guimarães e O Grivo têm um pensamento plástico, enquanto Cao trabalha plasticamente a imagem visual, O Grivo trabalha plasticamente a imagem sonora. Há um respeito mútuo entre sonoro e visual no trabalho dos dois, podemos perceber isso na montagem entre estas duas instâncias (sonora e visual), uma contribuindo com a outra, respeitando o tempo de respiração, descanso, entrada, saída, fade, corte e enquadramento. Na arte sonora, o som se torna material. O Grivo trabalha essa materialidade do som, costurando retalhos sonoros, sobrepondo, espacializando, repetindo, ralentando, acelerando e fragmentando sons, construindo e reinventando texturas sonoras junto a silêncios, pausas, respeitando o tempo de cada som seja este micro ou macro. Para fazer som para cinema, é preciso recriar sons; construir, eliminar certos sons, engrandecer outros; saber onde cada som deve “respirar”, deve “esperar”; dar potência a narrativa a partir do tecido sonoro. O Grivo também faz parceria com realizadores do coletivo Teia, para citar alguns filmes: Aboio (2005) e A Falta que me Faz (2009), de Marília Rocha; Silêncio (2006), de Sérgio Borges; Girimunho (2011), de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr; Balança mas não Cai (2012), de Leonardo Barcelos e Odete (2012), de Clarissa Campolina, Ivo Lopes Araújo e Luiz Pretti, este último com produção do coletivo Alumbramento e coprodução da Teia e Anavilhana. Em cada um desses filmes, é possível perceber a identidade d’O Grivo, por meio do que o caracteriza, são rangidos de máquinas, dissonâncias, frequências agudas que se contrastam com uma malha de frequências graves, pausas, chuvas em diversas frequências, os silêncios quando as imagens visuais falam por si só, os loops que permeiam a mente dos personagens. Em Aboio (2005), o canto dos vaqueiros, o farfalhar das folhas, o som da mata e dos passos se misturam às engenhocas, às crinas dos arcos, aos silêncios. O Grivo adentra ao mundo sonoro dos vaqueiros, mas não invadindo e sim se tornando parte dele.

ções nas artes plásticas, O Grivo se mantém presente na dança, em parceria com as bailarinas Margô Assis, Renata Ferreira e Thembi Rosa. Thembi Rosa trabalha com dança junto à tecnologia, em que um matemático, programador e artista digital, Manuel Guerra, elabora um mapeamento de seus movimentos por meio de uma câmera que associa estes movimentos a sons e gráficos projetados em uma tela durante a apresentação. Em algumas dessas apresentações, O Grivo toca ao vivo junto a performance da(s) bailarina(s). O Grivo, Rivane Neuenschwander e Thembi Rosa também se reuniram em um projeto que uniu a instalação sonora Alarm Floor com a coreografia e performance de Thembi Rosa, mesclando assim a dança, as artes plásticas, a arte sonora e a música. Da mesma forma que podemos falar em um cinema artesanal, um cinema de cozinha, como Cao utiliza para falar desse cinema que experimenta, podemos pensar em artefatos sonoros, em uma culinária sonora. Preferimos utilizar o termo culinária e não gastronomia, pelo termo gastronomia ser utilizado como um estudo das técnicas de preparo do alimento, com finalidade de tornar este digerível, saudável e atraente aos sentidos e por culinária ser um termo considerado como arte que envolve o contexto cultural de uma época, experiências pessoais e a percepção do mundo. A culinária representa uma cozinha mais artesanal, local, é uma expressão artística e cultural de um povo por meio dos alimentos. Se formos seguir a etimologia da palavra, gastronomia, do grego, gaster: estômago e nomo: lei, significa o estudo das leis do estômago; enquanto que a palavra culinária, do latim, culinarius é relativo à cozinha (culina). Como estamos pensando em “Cinema de Cozinha”; expressão artística, percepção do mundo e o fazer artesanal, optamos por utilizar o termo culinária. Assim, O Grivo segue criando sua linguagem sonora, sua culinária sonora, experimentando seus sons, testando ruídos, (re)descobrindo sonoridades, desenvolvendo seu fazer sonoro, construindo uma gambiarra sonora, uma música precária em meio a materiais sensíveis, frágeis e delicados que juntos geram potência, dinâmica, leveza e peso, unidos à tecnologia dos sensores, controladores, samplers, softwares, computadores, alto-falantes e da espacialização sonora, nos levando a contemplar o mundo dos sons. E a cada filme, há uma forma de experimentar, um meio de ouvir, uma diversidade de preparos e de sons. 1.

Música Medieval (até cerca de 1450), Música Renascentista (1450 a 1600), Música Barroca (1600 a 1750), Música Clássica (1750 a 1810), Música Romântica (1810-1910) 2. 3.

Aglomeração de notas vizinhas

Termo usado na computação e na eletrônica como falha no sistema, também tem sido utilizado na música como ruídos de falhas. Tornou-se um gênero músical: glitch music.

LICHT, Alan. Sound Art: Beyond Music, Between Categories. United States: Rizzoli International Publications, 2007. SHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. Trad. Marisa Fonterrada, Magda Silva, Maria Pascoal. - São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991. WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. YOUTUBE.COM. Entrevista com Cao Guimarães. Jogo de Idéias - - Programa 1 - Parte 1 Brasil: 2011. 13 min Disponível em: . Acesso em: 1 out 2015. Entrevista com Cao Guimarães. Jogo de Idéias - Programa 1 - Parte 1. Veiculado em 15 fev 2012.

Marina Mapurunga é artista e pesquisadora que atua no campo da arte sonora, da música e do audiovisual. Atual professora das disciplinas de Som dos cursos de Cinema e Audiovisual e Artes Visuais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Coordenadora do projeto de extensão da UFRB: Sonatório - Laboratório de Pesquisa, Prática e Experimentação Sonora. Mestra em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Violinista do Coletivo Xaréu.

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gradual de novos elementos” (WISNIK, 1989, p. 174-175). Chamamos aqui de minimalismo o uso de sons mínimos, vindos de simples objetos, de materiais reaproveitados (ex.: lata de creme facial) e/ou de matérias orgânicas (ex.: folhas secas), sons que para serem ouvidos necessitam quase sempre de amplificação, por isso caracterizamos o som d’O Grivo de minimalismo amplificado. A amplificação dessas máquinas e mecanismos sonoros se dão por meio de microfones e captadores de contato conectados a diversos tipos de alto-falantes/ caixas de som. Em algumas obras, esses alto-falantes são também reaproveitados. Em Conta-gotas (2012), as gotas d’água que caem nos captadores acoplados em vários recipientes de vidro ativam eletronicamente samples pré-gravados em estúdio também de gotas d’água caindo em vários tipos de superfície, sons mínimos que são amplificados por vários alto-falantes dispostos em uma das paredes da sala onde está a obra. Os sons dos pingos se transformam, se ressignificam, ao serem amplificados. Um som sutil passa a ser outro som, uma gota pode se tornar algo pesado caindo e se quebrando no chão. É como se nossa percepção fosse também ampliada, como se fôssemos transformados em formigas e estivéssemos vivendo em outro mundo, mais amplo, onde sons mínimos podem se tornar estrondosos. Somos convidados a outra dimensão. Na instalação Octeto de Radiolas (2009), O Grivo dispõe em uma sala de galeria oito radiolas, amplificadas por diferentes alto-falantes, cada uma com um mecanismo diferenciado armado sobre elas. Esses mecanismos são parecidos com as máquinas sonoras que o duo constrói. Podemos perceber que em cada radiola, uma paisagem sonora é oferecida. Com estas imagens sonoras, podemos criar e recriar todos os tipos de “paisagens”: rurais, urbanas, antigas, modernas, contemporâneas, claras, obscuras, entre outras. Estes sons podem soar diferentemente em nossa mente em vários contextos, são sons fluidos. A posição e o lugar em que o ouvinte se coloca também altera sua escuta e, por conseguinte, as paisagens (sonora e visual) construídas em sua mente. Ao utilizar a palavra octeto, no título da obra, o duo indica ao ouvinte um grupo musical de radiolas, como: quarteto de cordas, trio de violões, dueto de violino e violoncelo. Os compositores ressignificam a radiola de reprodutor de disco para produtor de sons, ou melhor, para um objeto-instrumento. O ouvinte se volta para as radiolas com um ouvido musical, tentando ouvir música das radiolas. Schafer (1991, p. 35), em busca da definição de música com seus alunos, chega a uma conclusão de que a música é a organização de sons com a intenção de ser ouvida. Ou seja, o título da obra; a instância de ela (obra) estar em uma galeria de arte e em o objeto-instrumento ser um objeto que tem como função reproduzir um som musical de um disco reforça ao ouvinte essa intenção que a obra pode ser ouvida como música. Octeto de Radiolas também se aproxima da música concreta de Pierre Schaeffer, ao se utilizar de sons concretos, específicos, de objetos; da música aleatória, pelos sons de alguns objetos serem incertos em determinados momentos da exposição e da obra de John Cage a nos permitir ouvir os sons da obra juntamente com os sons da galeria e com os sons do “silêncio” quando as radiolas estão em pausa. O Grivo realiza obras nas galerias também em parceria com outros artistas, como Rivane Neuenschwander, com a instalação Quem vem de lá sou eu (2005), exposta na Martin Klosterfeld Gallery, em Berlim, e Alarm Floor, uma espécie de chão sonoro. Outra artista das artes plásticas com quem O Grivo colabora é Valeska Soares, com sua instalação Shusssssh (2009), exposta na 9 Sharjah Bieenial, nos Emirados Árabes Unidos. Além dessas colabora-

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