O grupo Recanto: suas ações e relações com a educação ambiental

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE BIOLOGIA CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

PAOLO DE CASTRO MARTINS MASSONI

O GRUPO RECANTO: SUAS AÇÕES E RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

NITERÓI 2016

PAOLO DE CASTRO MARTINS MASSONI

O GRUPO RECANTO: SUAS AÇÕES E RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado.

Orientador: Shaula Maíra Vicentini Sampaio

NITERÓI 2016

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PAOLO DE CASTRO MARTINS MASSONI

O grupo Recanto: suas ações a e relações com a educação ambiental

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado. Aprovada em 28 de março de 2016. BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Dra. Shaula Maira Vicentini de Sampaio – Universidade Federal Fluminense (Presidente)

_______________________________________________________________ Msc. Fernanda Serpa Cardoso – Universidade Federal Fluminense (Membro)

_______________________________________________________________ Msc. Vanessa Marcondes de Souza – Doutoranda UFRJ (Membro)

_______________________________________________________________ Dra. Marise Basso Amaral – Universidade Federal Fluminense (Membro Suplente) Niterói 2016

III

“[...] A vida é sagrada. Eis uma verdade que perde seu sentido num tumulto de brinquedos high-tech, truques modernosos e falsa espiritualidade. No entanto, cada um de nós ainda é sagrado, santos filhos do amor e da plenitude transbordante de Gaia. Quão fundo, quão fundo devemos agora buscar para encontrar nossa glória interior. Abençoados aqueles que encontram seres especiais com quem compartilhar a busca. Mesmo que saibamos ver o amor em cada um que encontramos, em cada pedra, em cada flor, da grande criação ainda assim o calor e o conforto mútuos, em comunhão todos nós em respeito e celebração, Amando a magia, os sonhos, a fé, é pura benção. Qual a melhor maneira de comunicar esses significados? E a essência da caminhada? “A Jornada do Herói”, diz alguém. Mas não é muito pomposo? Separam-nos do sangue da mãe, do solo, das árvores, das caçarolas e cobertores, dos brinquedos e fraldas de bebês sagrados. “A Caminhada do Amante” parece melhor para o dia-a-dia de uma vida de Santidade. Cada tarefa cumprida com atenção plena. Cada encontro com amigo, amante, vendedor, passante, uma santa oportunidade. Esse impulso amoroso renascido, novo, a cada dia, a cada geração, é o âmago sagrado de todas as seitas e cultos. A Regra Áurea, sabedoria Mítica, DNA cultural codificando todo o nosso aprendizado, destilando todas as nossas preces. Os Amantes da Vida repassam as imagens da história em busca de temas universais. Arquétipos que simbolizam as sagradas compreensões em familiares roupagens e metáforas. Que papéis profundamente conhecidos podem os atores assumir para ajudar a reduzir a discórdia e retraçar os fios que nos ligam a todos dentro da roda da vida? Comerciante, construtor, estalajadeiro, malabarista, palhaço, escriba, artista, músico, caçador, poeta, lavrador, tecelão ou cigano nômade, portador de estranhos tesouros do lá distante? Todos podem trazer mensagens de luz mais agradáveis que as daqueles que se escondem por trás de máscaras arrogantes. Rei, guru, sábio, orador, imperador, chefe guerreiro em armadura de combate, todos conduzidos pelo poder e pelo medo. Abafando a chama sagrada que arde em cada alma, criando apenas dependência e vergonha. Os amantes conduzem gentilmente, por atração, não mais para capturar fêmeas ou DNA, não mais para dar à luz uma grande prole, mas para cuidar um do outro, para fazer o bem com suas vidas sagradas, para pesar na balança no lado da evolução.

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Não mais trespassados em tristes cruzes de culpa, mas cantando e dançando as canções de suas almas e celebrando a arte! Os amantes sempre se reconhecem e a todos os que compartilham esses significados. Além de todos os papéis, roupagens e multicoloridos disfarces. Os amantes que têm propósitos elevados também podem escolher papéis de realeza, aceitando riscos kármicos de liderança, almas puras vestindo a máscara do “sucesso”. Outros preferem adejar como borboletas, sintonizando, mesclando, compartilhando energias, todos conservando energias, todos conservando a fé em meio a cenas improváveis, colméias industriais, fazendas coletivas proliferando nas sagradas vastidões coroadas de neve. Quando todos lembram que são amantes, todos os locais voltam a ser sagrados, cada pimentão secando ao sol, cada grão de milho, os cedros de doce aroma bordejando o manso regato. O espírito de todas as coisas está no vento frio e reanimador, nos cães selvagens e barulhentos, nos cavalos suados sob as mantas de inverno. O sagrado está em toda parte, das solitárias ruínas do pueblo aos misteriosos abrigos subterrâneos, dos negros cântaros perdidos em ilhas arenosas, entre algas entrelaçadas e mergulhões. Não pertence ao sagrado à antiguidade, ou à qualquer era, cada tempo e cultura nos oferecem suas jóias mesmo nesta “era pós-industrial”. Cabe a nós ver a beleza também em meio à arrogante “Era da Informação” e do pesadelo nuclear. Os amantes sempre buscam, sempre encontram o Graal, renascido em cada tempo e lugar, para demonstrar a verdade de que a arte está em todas as coisas. Nas vagens e conchas, tecelagens, panelas e bolsas, em todos os rituais sutis e nas pequenas coisas, nas refeições saudáveis, na calorosa intimidade humana, nos altos e baixos da vida cotidiana. A rosa não existe sem o adubo sagrado no qual floresce, o caos de onde nascem todas as formas. O Graal está em nós. Os verbos são as verdades, os substantivos às vezes iludem. Se todas as coisas são sagradas, então, por fim, de cada amante a luz interior e a reverência resplandecem.” Hazel Henderson

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Agradecimentos Com o fechamento desse ciclo, gostaria de expressar a minha gratidão primeiramente à minha mãe, minha grande amiga e apoiadora, por todo o carinho e cumplicidade. Sem dúvidas você foi fundamental para a concretização de mais essa etapa! Agradeço também ao meu irmão Mário, por toda a amizade e carinho! Gratidão, Amauri! Por todo o apoio ao longo dessa jornada. Não posso deixar de agradecer também à vó Asthênia, pelo carinho, cuidado, apoio e pelo constante interesse em saber como está a minha caminhada; e também ao vô Mario, por ter sido a pessoa maravilhosa que sempre foi, que muito me inspira; por seus ensinamentos, os mais naturais possíveis, ao ser apenas ele mesmo, e que a cada dia fazem mais sentido para mim. Agradeço à minha orientadora Shaula Sampaio, pelas ajudas no trabalho, nas ideias, que foram muito importantes para o desenvolvimento desta monografia. Gratidão a todos os integrantes do Recanto, parceiros de jornada, que mesmo com todas as dificuldades do caminho, me fazem lembrar que é possível mudar, ou melhor, que a mudança já começou! Seguimos! Gratidão Clara, Gabriel, Guilherme, João e Leandro (Boquinha), por, além de todas as vivências no Recanto e na UFF como um todo, terem aceitado participar deste trabalho; e à Camila, pelas conversas inspiradoras e por me presentear com o livro Espaço e Lugar. Agradeço aos meus amigos-irmãos Caik, Marlon, Pedrinho e Vitão, companheiros de vida, que muito somam. Por fim, agradeço à Gaia, ao mar e suas ondas, fundamentais para o reabastecimento das energias nos momentos cansativos e adversos.

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Resumo O Recanto consiste em um grupo criado por estudantes do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal Fluminense, que posteriormente contou com a participação de estudantes de diversos outros cursos, como Geografia, Ciência Ambiental, História e Sociologia. O grupo foi criado em 2012, por cerca de cinco pessoas que buscavam, dentre alguns interesses mais particulares, uma nova apropriação da universidade por parte dos estudantes. Dessa maneira eles se uniram, e há cerca de quatro anos desenvolvem diversas atividades teóricas e práticas com enfoque em temas como agroecologia e permacultura. O presente trabalho buscou investigar através da coleta e análise de narrativas de cinco integrantes, quais são os sentidos construídos pelo grupo e quais são as suas relações com a educação ambiental na formação desses estudantes. Verificou-se que as principais motivações para a união dessas pessoas foram a necessidade de reformulação do posicionamento dos estudantes dentro da universidade, superando uma postura passiva; a necessidade de reformulação do currículo; e o inconformismo com a má conservação e utilização dos espaços físicos da universidade. A partir de sua organização, o coletivo está contribuindo para a ressignificação do espaço e das relações dentro da universidade, favorecendo a inserção de saberes não acadêmicos, além de uma abordagem mais horizontal, a cooperação e o estímulo ao pensamento crítico e reflexivo, que se aproximam com perspectivas de educação ambiental emancipatórias e transformadoras. Palavras-chave: narrativas, educação ambiental, cotidiano

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Abstract Recanto is the name of a group created by students of the Biological Sciences course at the Federal Fluminense University, which later included the participation of students from many other courses like Geography, Environmental Science, History and Sociology. The group was created in 2012, by about five people who sought, among some more particular interests, a new appropriation of the university by the students. In this way they came together, and there are about four years developing various theoretical and practical activities focused on topics such as agroecology and permaculture. This study investigated through the collection and analysis of five members narratives, which are the meanings constructed by the group and what their relationships with environmental education. It was found that the main reasons for the union of these people were the need to recast the placement of students in the university, overcoming a passive attitude; the need to reform the curriculum; and nonconformity with poor conservation and utilization of the physical spaces of the university. From your organization, the group is contributing to the redefinition of space and relationships within the university, favoring the inclusion of non-academic knowledge, and a more horizontal approach, cooperation and stimulating critical thinking and reflective, which approach with prospects of emancipating and transforming environmental education views. Key words: narratives, environmental education, daily

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Lista de Figuras

Figura 1. Manutenção dos canteiros do IB ....................................................................29 Figura2. Canteiro do IB em processo de recuperação ...................................................29 Figura 3. Mutirão de bioconstrução no Recanto ............................................................31 Figura 4. Atividade de construção de um forno de Cob durante o trote ........................32 Figura 5. Pizza sendo feita no forno de Cob ..................................................................33 Figura 6. Primeiro mutirão de limpeza – 2012 ..............................................................40 Figura 7. Vidraria de laboratório, lâmpada de mercúrio e outros resíduos encontrados no local do Recanto ............................................................................................................40 Figura 8. Documentos institucionais encontrados no local do Recanto ........................41 Figura 9. Convivência no Recanto em 2015 ..................................................................41

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Lista de Abreviaturas

DALA – Diretório acadêmico Luiz Andrade IB – Instituto de Biologia PDC – Permaculture Design Course UFF – Universidade Federal Fluminense

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Sumário

1. Introdução ...................................................................................................................12 1.1. O Recanto na Universidade Federal Fluminense .........................................14 2. Objetivos .....................................................................................................................17 2.1. Objetivo geral ..............................................................................................17 2.2. Objetivos específicos ...................................................................................17 3. Metodologia ................................................................................................................18 4. Resultados e discussão ................................................................................................21 4.1. Processo de criação, organização e gestão do grupo – construção de saberes e sentidos ........................................................................................................................21 4.2. Depois da criação, continuidade? ................................................................25 4.3. Histórico das atividades desenvolvidas pelo grupo .....................................28 4.4. Voltando às narrativas: visões sobre o grupo ..............................................34 4.5. Do canto ao Recanto ....................................................................................37 4.5.1. Transformação do espaço, criação do lugar ..................................37 4.6. Novos sentidos e valores ..............................................................................42 5. Relações do Projeto Recanto com a educação ambiental ...........................................44 6. Considerações finais ...................................................................................................48 7. Referências Bibliográficas ..........................................................................................49

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1. Introdução O pensamento científico atual tem como base o paradigma cartesiano, ou “paradigma de simplificação” cuja origem se deu no início da Idade Moderna, com René Descartes, além de outros filósofos e cientistas, onde o conhecimento passou a ser garantido pela certeza e pela objetividade (MORIN, 2015). Seu ponto central consiste na concepção de que os fenômenos podem ser analisados e compreendidos se forem reduzidos às partes que os constituem, o que levou também a adoção de um padrão de racionalidade, fundamentado na matemática (BEHRENS; OLIARI, 2007). Tal visão cartesiana fundamentou a fragmentação e a visão dualista do universo, separando o “sujeito pensante (ego cogitans) e a coisa entendida (res extensa)”, ou seja, de um lado o campo da filosofia, do sujeito, do interior, e do outro lado o campo da ciência, do objeto e da precisão (MORIN, 2015). Esse “paradigma da simplificação”, levou à redução do humano ao biológico e do biológico ao físico, fomentando também uma “hiperespecialização”, que, fragmentando a realidade complexa, levou a crer que as divisões arbitrárias implementadas no real consistiam na própria realidade (MORIN, 2015). Tal perspectiva em que a ciência se apoiou desde o século XVII, possibilitou a realização de grandes progressos da ciência, porém, no século XX começaram a surgir suas maiores consequências nocivas (Idem, 2015). Ainda neste contexto, Morin nos fala que tais visões levaram ao surgimento da “inteligência cega”, onde o conhecimento é produzido sem ser refletido pelos estudiosos, que não se preocupam com o sentido de suas pesquisas e as consequências de suas descobertas. Segundo o autor: ...esse paradigma do Ocidente, afinal um filho fecundo da esquizofrênica dicotomia cartesiana e do puritanismo clerical, comanda também o duplo aspecto da práxis ocidental, de um lado antropocêntrica, etnocêntrica, egocêntrica quando se trata do sujeito (porque baseada na autoadoração do sujeito: homem, nação ou etnia, indivíduo), de outro lado e correlativamente manipuladora, frieza “objetiva” quando se trata do objeto (MORIN, 2015, pag. 55).

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Podemos perceber que a predominância da visão cartesiana no pensamento científico hegemônico, levou a graves problemas na sociedade contemporânea, em diferentes aspectos políticos, sociais, econômicos e ambientais. Em relação ao ambiente, a dicotomização do universo levou a um distanciamento do ser humano com o restante da natureza, gerando uma noção de não pertencimento a esta, o que facilita o desenvolvimento de visões e atitudes que contribuem com a intensificação da crise socioambiental planetária. Há uma ruptura do ser humano tanto com o ambiente quanto com a sua história, além de uma negação dos saberes não científicos, o que dificulta o surgimento de novas formas de relação com o meio e entre as próprias pessoas, que caracterizariam novos modos de viver (MARIN; KASPER, 2009). Capra (2006) apresenta uma interessante relação das características e comportamentos predominantes na sociedade ocidental com o pensamento tradicional chinês, baseado na filosofia do tao - que se funda nos dois polos arquetípicos do yin e yang. O yang está relacionado com o masculino, expansivo, com a autoafirmação, que se relaciona com a competitividade e com a agressividade, e também com o pensamento linear e analítico. O yin se relaciona com o feminino, cooperativo, intuitivo e receptivo. O autor afirma que na nossa sociedade predominam padrões yang, com autoafirmação excessiva, que se expressa como controle, poder e dominação, tanto econômica, quanto política e ambiental. De acordo com Soares e colaboradores (2008), as universidades enfrentam um sério dilema que consiste em continuarem apegadas às concepções consolidadas na modernidade,

que

se

fundamentam

em

bases

impositivas,

reducionistas

e

hierarquizadas, ou realizarem autorreflexões, buscando processos auto-organizativos, contextualizados histórica e culturalmente, de forma interdisciplinar. Concordo com os autores que se tem priorizado a primeira opção. Em geral, predominam abordagens reduzidas aos saberes cientificamente considerados, em detrimento da valorização e das possibilidades de construção de outros saberes que não os acadêmicos. Essa perspectiva levou a um processo de perda de humanização, onde professores e estudantes passam a ser vistos como elementos mecânicos da instituição acadêmica (BEHRENS; OLIARI, 2007), muitas vezes reduzidos a números e dados estatísticos. Isso fomentou o desenvolvimento de uma concepção baseada no individualismo, na competitividade e no isolamento, alinhado à crença no progresso

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material a ser alcançado pelo crescimento econômico e tecnológico, sem considerar as suas consequências socioambientais (Idem, 2007). De acordo com Cardoso (1995, apud BAHRENS; OLIARI, 2007), essas consequências geraram uma crise paradigmática, que possibilitaram a emergência de novas concepções por parte da comunidade científica. Conforme indicam Alves e Soares (2013), as mudanças ocorrem quando fazemos emergir conhecimentos e valores que ficaram por muito tempo escondidos, valorizando conhecimentos de uma multiplicidade de sujeitos e realidades, produzidos nas suas diversas redes de viver. Porém, é preciso compreender que os processos de transformação do pensamento hegemônico exigem um longo tempo, em função da sua grande complexidade, por se darem em diversos contextos e envolverem múltiplos sujeitos e realidades. No contexto da educação, há a emergência de uma perspectiva pós-moderna, que se baseia no diálogo entre diferentes culturas, gerações e saberes, que surgem como um mecanismo de resistência ao pensamento hegemônico (REIGOTA apud BARCELOS; SILVA, 2007). Dessa maneira, Barcelos e Silva (2007) afirmam que é a partir do diálogo com o outro e da aceitação e institucionalização de saberes e culturas que foram historicamente silenciados, que pode surgir uma mudança de paradigma, com a superação da crença na ciência e na técnica modernas como formas exclusivas de emancipação humana.

1.1. O Recanto na Universidade Federal Fluminense Na Universidade Federal Fluminense (UFF), no ano de 2012, o desejo combinado de diferentes estudantes, favorecido por um contexto marcado por contradições e questionamentos em um período de greve dos professores e demais funcionários da universidade oportunizaram um novo estar nos espaços da academia. No segundo semestre deste ano, uma série de ações e práticas voltadas à sua reapropriação por parte de estudantes universitários teve lugar no Instituto de Biologia (IB) da UFF, campus Niterói. Este processo vinculou estudantes do curso de Ciências Biológicas, visando a consolidação de espaços colaborativos de criação e inovação pensados, articulados e geridos pelos mesmos.

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Alinhadas à temática ambiental, tais ações iniciaram processos de produção de sentidos dentro e fora dos espaços formais de ensino da universidade, mobilizando saberes de diferentes matizes – destaca-se aqui a recorrente oposição entre os saberes científico e popular, cuja superação vislumbrou-se desde a formação do grupo. Dentre os principais temas de abordagem, pode-se destacar a agroecologia1, a agricultura urbana, o uso de plantas medicinais e produção de fitoterápicos, a bioconstrução2 e a permacultura3. Do objetivo inicial de promover a restauração de canteiros subutilizados – do qual deriva o nome Recanto – o grupo se viu continuamente desafiado a superar sua capacidade de análise, planejamento e intervenção no âmbito de um projeto que se pretendia transversal. Embora respaldados em alguns aspectos pela vivência em um curso de graduação, a atuação dos estudantes no Recanto representa uma crítica criativa às limitações da universidade e aos paradigmas que a norteiam. Partindo do entendimento de que a universidade deve se relacionar com a comunidade, o grupo buscou se abrir através da perspectiva da extensão, que assim como o ensino e a pesquisa, é um dos pilares da universidade, e elemento indispensável para que se caracterize como tal. Neste quesito, defendem-se espaços horizontais e dialógicos em que a participação cidadã efetiva seja amplamente respaldada. Dessa maneira, no presente estudo buscamos ouvir os próprios estudantes que compõem esse coletivo, para, através de suas narrativas, compreender como se dá a inserção do coletivo na universidade e os sentidos construídos no âmbito das relações pessoais e de sua formação acadêmica. Em função de o grupo possuir uma abordagem horizontal e tratar de assuntos que buscam um diferente modo de ser, trabalhar e produzir conhecimento na sociedade moderna, com temas baseados na agroecologia e na permacultura, além de fomentar um 1

Agroecologia é uma ciência que se baseia na aplicação de princípios da Ecologia em sistemas agrícolas. Entre outros princípios, a agroecologia possui como base a mínima utilização de agroquímicos e de energia externa; a diversificação das espécies de plantas e dos recursos genéticos; e a reciclagem de nutrientes (ALTIERI, 2012). 2 A bioconstrução consistem em um sistema construtivo que utiliza materiais naturais e ou industrializados, buscando primordialmente a utilização de materiais locais, com o menor gasto de energia possível, além de considerar todo o ciclo de produção dos materiais industrializados, desde a extração da matéria prima até o descarte. 3 A palavra Permacultura foi criada na década de 1970 pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren. De forma bem simplificada, pode-se dizer que a permacultura consiste em um conjunto de princípios filosóficos e éticos, que buscam formas positivas de interações socioambientais. Algumas pessoas a definem como “cultura permanente”.

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espaço que favorece relações pessoais harmônicas e cooperativas, busquei investigar qual a relação das vivências dos seus integrantes e das atividades do grupo, com a educação ambiental.

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2. Objetivos 2.1. Objetivo Geral Analisar as ações e o processo de criação de um grupo de estudantes de Ciências Biológicas, formado a partir de diferentes questionamentos em relação à universidade Projeto Recanto - e investigar as relações existentes entre suas práticas e a educação ambiental. 2.2. Objetivos Específicos Analisar o processo de criação, organização e gestão do grupo; Pesquisar as construções de saberes e sentidos desenvolvidos ao longo das vivências do grupo; Investigar as relações existentes entre as atividades teóricas e práticas do grupo com a educação ambiental.

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3. Metodologia Ao longo dos seus cerca de quatro anos de existência, o projeto Recanto passou por diferentes momentos, com períodos de maiores e menores atividades. A partir da insatisfação com diversos aspectos relacionados à universidade - desde atividades curriculares até problemas relacionados ao espaço físico - pessoas que coabitavam um mesmo campus se aproximaram, criando um coletivo. A divulgação dos resultados de suas ações atraíram outras pessoas, de cursos, campus e realidades diferentes. Uns chegaram e ficaram, outros passaram, partiram. Alguns integrantes, mesmo já afastados dos encontros, construíram vínculos com o grupo que, a partir da união de cerca de cinco estudantes que criaram a sigla Recanto – Restauração Ecológica de Canteiros – transformou-se em uma entidade, repleta de relações e sentidos. Nesse percurso, eu me enquadro como uma dessas pessoas que, após as primeiras movimentações, se aproximou e ficou. A partir dessa vivência, surgiu a vontade de organizar, aprofundar e sistematizar as reflexões sobre todo o processo os sentidos construídos. A análise das ações, das dinâmicas organizativas e das construções de sentidos no grupo, podem ser entendidas como uma investigação do seu “cotidiano” (ALVES, 2001; CERTAU,1998). De acordo com Alves (2001), desde a modernidade, os setores dominantes indicam que a construção de conhecimentos no cotidiano é errada ou não possui valor. Ainda neste contexto, as principais formas contemporâneas de construção do conhecimento possuem como base o reducionismo científico, e, dessa maneira, buscam separar o sujeito do objeto de estudo. Nesse sentido, o estudo do cotidiano surge como um contraponto ao pensamento científico moderno. Buscando essa superação, considero que a pesquisa ocorreu em duas etapas. A primeira se deu a partir de reflexões sobre as vivências que tive com o grupo desde seus momentos iniciais. Fundamento esta abordagem em Ferraço (2007), ao buscar uma investigação “com” o cotidiano, e não “sobre” o mesmo, entendendo que pesquisa “sobre” o cotidiano caracteriza uma segregação e distanciamento entre sujeito e objeto, pautada pela lógica da diferença e do domínio do sujeito sobre o objeto (FERRAÇO, 2007). Tal trajetória busca uma aproximação com as indicações elaboradas por Alves (2001), ao afirmar que em função da grande complexidade que consiste o cotidiano,

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para tê-lo como objeto de estudo, se faz necessário ir além do uso da visão, fazendo “um mergulho com todos os sentidos”. A vivência, em diferentes períodos do grupo, que oscilaram com maior e menor atividade, e em múltiplos momentos, como reuniões de gestão e planejamento, atividades práticas, encontros informais, mutirões, elaboração e apresentação de trabalho em um seminário, rodas de violão, pizzadas, coletas de barro e bambu, debates conflituosos com professores do instituto, dentre tantas outras situações, possibilitaram uma vasta e rica coleta de dados com os cinco sentidos, além das percepções e trocas sutis. Infelizmente, muitos desses dados são impossíveis de serem traduzidos para a linguagem escrita, todavia, tal imersão contribui de forma significativa com reforço da legitimidade da pesquisa. A fim de tentar compreender os sentidos construídos pelos demais integrantes ao longo de suas vivências e como eles enxergam a presença do grupo na universidade, busquei registrar narrativas dessas pessoas. O segundo momento da pesquisa consistiu na coleta de narrativas de cinco integrantes do grupo, que o compuseram em diferentes períodos. Três deles participaram do processo de criação do grupo, em 2012; um outro já estava na universidade nesse período, porém teve uma participação mais distante, atuando de forma pontual em algumas atividades; o último entrou na universidade em 2013 e se integrou ao grupo apenas no final de 2014. O registro das narrativas foi feito através da gravação de áudio e vídeo, por considerar que o conceito de narrativa não se limita somente à palavra, abrangendo todos os registros significativos (ARFUCH, 2008). As gravações foram feitas no mês de fevereiro de 2016. O encontro com os entrevistados foram previamente combinados, e todos foram realizados no campus do Valonguinho – UFF, alguns inclusive no próprio espaço do Recanto. Cada gravação durou cerca de dez minutos. Antes de iniciá-las, foi pedido para que os entrevistados falassem livremente sobre as suas vivências com o grupo e o que significa para eles a existência do grupo na universidade. Durante a narração dos relatos, busquei interferir o mínimo possível, atuando basicamente como ouvinte. Os vídeos, posteriormente, foram assistidos e alguns trechos foram selecionados e analisados, com partes transcritas neste trabalho. Enquanto escrevia, me questionei diversas vezes se ocultaria o nome dos entrevistados ou não. Inicialmente cheguei a pensar em criar nomes fictícios, porém,

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não vi motivos para isso. Considero inclusive importante apresentar essas pessoas que foram essenciais para a realização deste trabalho em muitos sentidos, desde o momento que compuseram o grupo, até quando aceitaram participar das entrevistas. O componente narrativo consiste em dizer como se conta uma história, como se articula a temporalidade no relato, qual é o início, que aspectos são enfatizados, como se distribuem os sujeitos e suas vozes, quais aspectos ficam enfraquecidos, que causalidades sustentam o desenvolvimento da trama, dentre outros aspectos, que caracterizam uma prática altamente reveladora (ARFUCH, 2008). De acordo com Alves (2012), a análise da narrativa como método de investigação do cotidiano escolar consiste em um dos mais importantes métodos para entendimento e organização de histórias do cotidiano, visto que consiste numa apresentação da realidade dada pelos próprios sujeitos. A narrativa permite a apresentação dos “espaçotempos culturais” construídos no cotidiano dos indivíduos que se queira estudar, permitindo a explicitação de seus valores e significados em múltiplos contextos, além da apresentação de informações e dados abstratos (ALVES, 2000).

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4. Resultados e discussão 4.1. Processo de criação, organização e gestão do grupo – Construção de saberes e sentidos Dentre as cinco pessoas que tiveram suas narrativas registradas, três – Clara, Gabriel e Guilherme - participaram do processo de criação do grupo. Pude perceber que diferentes motivações levaram essas pessoas a se aproximarem e se unirem. Porém, tais motivações possuem bases comuns, que traduzem entre muitos pontos, a necessidade de reformulação do posicionamento dos estudantes dentro da universidade, superando uma postura passiva; a reformulação do currículo; o inconformismo com a má conservação e utilização dos espaços físicos da universidade. Nas narrativas também foi possível perceber que esses pensamentos e posicionamentos críticos em relação à universidade emergiram em diferentes momentos das vidas dessas pessoas, e pudemos identificar, segundo seus relatos, algumas situações que atuaram como catalisadoras desse processo. O Gabriel entrou no curso de Ciências Biológicas da UFF em 2008 e participou de um programa de mobilidade acadêmica em 2010, no qual cursou um semestre na Universidade Federal de Santa Catarina. Tal vivência permitiu que ele tivesse contato com um grupo de estudos em educação ambiental, em que os integrantes tinham um posicionamento diferente na universidade, atuando de maneira mais crítica e participativa. A partir dessa vivência, ele se juntou a outras pessoas que também estavam motivadas em buscar uma nova relação com a universidade e então criaram um grupo de extensão autogestionado com enfoque em educação ambiental, o GEIA – Grupo de Estudos e Intervenções Ambientais. Apesar de realizarem diversas atividades dentro e fora da universidade, como uma feira de trocas, o EscamBIO, que teve também uma oficina de maracatu; uma mesa redonda com professores e estudantes sobre a reformulação do código florestal; e uma aula de campo no Parque Estadual da Serra da Tiririca com uma turma do 1ª série do ensino médio de um colégio estadual, além de encontros periódicos, foram encontradas muitas dificuldades em relação à metodologia de autogestão adotada pelo grupo. Apresento agora um trecho da narrativa em que ele fala sobre essa dificuldade encontrada.

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“A gente criou uma atividade de extensão, que era o GEIA. No GEIA a gente tentou fazer a autogestão, mas na autogestão as pessoas precisam estar muito bem norteadas, as pessoas têm que estar com vontade de fazer, têm que estar muito bem respaldadas pro projeto poder andar. Nessa primeira oportunidade não andou muito bem. O grupo se acabou em menos de dois anos.”

Em seguida ele apresenta o momento em que se juntou com outras pessoas, que começaram a se articular e deram início ao Recanto.

“... eu encontrei outras pessoas, que eram o Guilherme, a Clara e o Paolo, principalmente, e então veio a ideia da gente reformar canteiros na universidade. Canteiro inutilizados, canteiros com lixo. E uma das primeiras atividades que a gente fez foi limpar os canteiros e conversar com as pessoas que limpavam também. A gente conversou com o pessoal da limpeza e eles apoiaram a ideia. Nisso vieram os primeiros frutos. Primeiro de contato com o pessoal que trabalha na universidade e segundo o contato com pessoas que têm interesse de se apropriar da universidade de uma outra forma. O pessoal estava muito animado e eu também estava muito animado. As ideias estavam rolando. A vontade era muito grande. E aí também nasceu o nome, né, do Recanto, numa das reuniões que a gente fazia quase que semanalmente. Esse nome significava Restauração Ecológica de Canteiros.”

A sua fala, junto com o sorriso em seu rosto, expressam de forma nítida a lembrança de um bom momento, de uma pessoa proativa com pensamentos críticos, que em um meio tão individualista e competitivo que é a universidade, encontrou pessoas com quem pôde compartilhar seus questionamentos e inconformismos, e coletivamente obtiveram apoio e cooperação para desenvolverem sua práxis.

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A narrativa da Clara, além de apresentar uma insatisfação com o pouco cuidado e manutenção característicos das instituições de ensino públicas, mostram uma intencionalidade em relação ao desenvolvimento – tanto no sentido de execução quanto no de melhora - de práticas relacionadas com o ensino de botânica, que podem ser entendidas também como buscas por melhorias no currículo do curso de Ciências Biológicas. Esses dois pontos estão presentes em sua fala inicial, que apresento a seguir.

“Pelo o que eu me lembro, lá no início, lembro de um dia que eu tava ali na frente do IB e tinha aquele canteiro só com plantas muito ornamentais, aquelas plantas que são exóticas. Ai eu fiquei olhando aquilo e falei, pô, falta muito campo aqui na Biologia, e eu tava nessa de querer aprender as plantas. Ai eu falei, vou tentar identificar essas plantas aqui, mas não conseguia. Ai falei, bem que poderia ter um canteiro aqui, grande, em que as pessoas poderiam estudar, ter as placas. O sonho no início era esse, fazer um canteiro didático. Mas era tudo acabado, cheio de lixo, com umas plantas muito mortas, que não pegavam sol. Teve um trote, eu acho, ou algum evento desses aqui no DA, que eu entrei ali no canteiro e comecei a mexer na terra. Ai começaram a meio que me gastar, assim, - ah ta aí mexendo no canteiro e tal. Aí eu falei assim, isso deveria ser mais comum, né? Por que aqui na academia a gente tem sempre que estar arrumadinho, de roupa social, de calça, estudando com o livro na mão? A gente também pode estar descalço na terra, mexendo, porque também é uma forma de aprender. E aqui não tem terra, espaços pra isso. Ali era um pequeno espaço que era muito mal utilizado. Aí eu fui tentar falar acho que com o Gabriel essa ideia. E ai foi fluindo. O nome veio depois. O nome da ideia do grupo, né, que era Restauração Ecológica de Canteiros. [...] Aí a gente chegou a se apropriar daquele espaço ali, tiramos as plantas, colocamos sementes de leguminosas. Na época estávamos aprendendo bastante sobre agroecologia.

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Botamos sementes de leguminosas pra fixar nitrogênio na terra e recuperar aos poucos...”

Outra pessoa que também participou da criação do grupo foi o Guilherme. Na sua fala percebemos uma reflexão sobre seu processo de amadurecimento pessoal e desenvolvimento de consciência crítica ao longo do tempo na universidade. Tendo ingressado em 2010, ou seja, dois anos antes da formação do grupo, ele analisa que, após esse tempo, tomou consciência de que suas ações nas escalas “pessoal, acadêmica e de sociedade”, não estavam sendo muito coerentes. Aponta também suas vivências na cidade como importantes para que tenha tido contato com diferentes realidades. Um ponto importante que também foi apresentado, consistiu na sua indicação do fim do ciclo básico do curso, dando início à licenciatura, como relevante para o desenvolvimento de seu pensamento crítico. Tal momento é caracterizado como um contraponto a uma formação até então majoritariamente científica e pouco prática. A partir dessa análise, percebemos sua motivação para se mobilizar e se unir a outras pessoas que tinham como objetivos base, não apenas questionar a estrutura e o funcionamento acadêmico, mas, também, apresentar e realizar propostas de reformulação desse complexo universo que é uma universidade pública. Por se tratar de uma universidade federal, e, portanto, pública, vejo a articulação e mobilização desses estudantes como uma luta pelo direito à universidade, analogamente ao “direito à cidade”. Tal termo, cunhado por Henri Lefrebvre em 1968, indica que o direito à cidade ultrapassa o direito de usufruir dos bens urbanos, expandindo-se para o controle social das pessoas sobre as formas de viver e habitar a cidade, permitindo assim a expressão das diferenças individuais em meio ao coletivo (CAMPBELL, 2014). A formação do Recanto não é um movimento isolado. Nas universidades públicas do Rio de Janeiro, e acredito que em muitas outras país a fora, existem diversos coletivos de estudantes que buscam inserir nesse ambiente hierárquico e conservador, seus interesses e particularidades, buscando uma real democracia, indo desde a construção do currículo, até a transformação física do espaço. Dentro da UFF, os coletivos com temática semelhantes ao Recanto, ou seja, que se aproximam da agroecologia e da permacultura, estão criando uma rede de interações. Os outros

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coletivos existentes são o MÃE – Mutirão de Agricultura Ecológica, que foi o primeiro a ser criado, em 2006, composto principalmente por estudantes do curso de Geografia; o coletivo Horta na Morada, composto por estudantes que vivem na moradia estudantil; e o Ecorráuze, composto principalmente por estudantes dos cursos de Ciência Ambiental e Engenharia Ambiental. No momento em que esta monografia está sendo escrita – fevereiro de 2016 esses grupos estão se reunindo frequentemente para a organização da Semana de Agroecologia, que será realizada em junho deste ano. Isso representa um interessante movimento no processo de transformação da universidade, com o fortalecimento da sua democratização e a aproximação de uma maior diversidade de saberes, não acadêmicos, tradicionais, populares, nesse ambiente historicamente elitista, reducionista e quase que estritamente cientificista.

4.2. Depois da criação, continuidade? O difícil processo de criação do grupo pode ser visto como um legado, ou um atalho, deixado para os estudantes mais novos. Como foi possível perceber nas entrevistas, foi necessário um tempo considerável de amadurecimento para alguns estudantes, até que tenham desenvolvido maior criticidade, organização e terem tido a atitude de buscar alternativas às situações que os incomodavam, como a precarização dos espaços universitários e a carência de atividades práticas. Os estudantes que estão ingressando na universidade já encontram um processo construído ao longo de aproximadamente quatro anos. Na fala do Guilherme há uma menção relacionada a essa situação: “É claro que normalmente a relação com os mais velhos já direciona, mas é importante ter um norte, uma referência também, né. Ter um certo acúmulo. Eu acho que o nosso grupo hoje tem um pouco esse acúmulo, a ponto de sensibilizar mais pessoas. Vejo muito potencial pro grupo ter uma continuidade.”

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Outro ponto relevante a ser abordado é a relação dos professores com o grupo. A Clara afirma que, no início, ao apresentar a ideia do jardim didático e pedir ajuda a professoras do departamento de botânica, verificou interesse e obteve apoio. Porém, por diversos outros motivos, a ideia não foi concretizada. Alguns pontos que fazem relação com a não realização do jardim didático e interrupção das atividades do grupo é apresentado na fala da Clara, como o tamanho reduzido do grupo, a pouca experiência em vivências de trabalho coletivo e pouco tempo disponível para dedicar às atividades. Ela expressa que, apesar de estarem muito motivados, os estudantes eram ainda pouco experientes para conseguir gerir bem o coletivo e viabilizar as ideias que surgiam, além de consistirem em um número reduzido de integrantes.

“A gente tinha muita ideia. Na verdade era isso. Era uma explosão de ideias e pouco braço pra fazer. Pouco tempo.”

O Gabriel aponta a ocorrência de uma greve, que fez com que as pessoas naturalmente se afastassem da universidade, como um fator importante para a interrupção do grupo, que retomou suas atividades após aproximadamente dois anos, em agosto de 2015. Ele nos fala sobre as atividades de bioconstrução, que com uma maior intervenção e modificação do espaço, chamaram a atenção e atraíram novos integrantes para grupo. Alguns atuando de forma perene e outros mais esporádica, porém toda participação é muito relevante e amplia enormemente a troca e a construção de conhecimento. “O grupo se separou um pouco durante quase dois anos. Aí a gente voltou e voltou com novas ideias. Eu percebo que no nosso meio, o pessoal da Biologia, o tema de agroecologia e bioconstrução, vinculados com a permacultura, são diretrizes muito importantes, muito agraciadas. [...] A gente começou a praticar aqui a bioconstrução, que é uma coisa que foi lindo, a gente ver as coisas se construindo, a gente ver as coisas crescendo, tomando forma. E quando toma forma, quando é bonito, as pessoas chegam

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mais perto pra ver o que tá acontecendo. A bioconstrução agregou muita gente ao grupo.” A entrada do João no grupo ocorreu em 2015, um pouco antes do início das atividades de bioconstrução, quando ele estava no 3º período. Nesse momento houve uma mudança no diretório acadêmico de Ciências Biológicas, com a criação da diretoria de meio ambiente. A criação dessa diretoria motivou os estudantes a buscarem o Recanto, que estava inativo. Até então essas pessoas não haviam participado de nenhum encontro ou atividade do grupo e começaram a se organizar para desenvolver atividades voltadas à ecologia, agroecologia e permacultura. As atividades desenvolvidas foram oficinas de compostagem, com a montagem de composteiras, porém, o grupo não conseguiu se articular de forma efetiva e, após um breve período, entrou novamente em inatividade. O diretório acadêmico Luiz Andrade (DALA) é uma importante organização do movimento estudantil no curso de Ciências Biológicas na UFF. Esse movimento já existe há muitos anos e é bastante dinâmico. Conta com a participação de estudantes de diversos períodos, desde estudantes que estão se formando, até os calouros, que são recebidos em sua chegada à universidade pelo Acolhimento Estudantil e o Trote Solidário, organizados pelo DALA, onde são realizadas diversas atividades de integração. As atividades incluem o tradicional pedágio - onde os estudantes são pintados e vão para as ruas pedir dinheiro para realização do churrasco, doação de sangue, coleta e doação de alimentos não perecíveis, visitas a asilos e orfanatos etc. O DALA representa uma força política dos estudantes no curso de Ciências Biológica e na universidade como um todo. Através de sua mobilização já foram alcançadas importantes conquistas para o curso, como a reforma do departamento de Botânica, que era inundado a cada chuva e tinha as mesas e bancadas molhadas pelas inúmeras goteiras. Os pedidos de reforma já se arrastavam há anos, sem nenhuma ação ter sido tomada por parte da reitoria. Para conseguir essa reforma, os estudantes aproveitaram a comemoração de dez anos do curso, na qual houve uma grande cerimônia no auditório do instituto biomédico, que estava sendo gravada pela equipe de mídia e contou com a presença de estudantes, professores, coordenadores e o reitor. No momento da fala do reitor, os estudantes interviram, levantando com cartazes nas mãos

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e cobrando a reforma do departamento de botânica. A atividade foi exitosa, pois após poucas semanas as obras foram iniciadas. A iniciativa de criação do Recanto, assumida por poucos estudantes, estimulou essa outra organização mais antiga e estruturada que é o DALA, a adotar frentes voltadas para a temática ambiental. Com isso houve um maior alcance em relação aos estudantes e, hoje em dia, em muitos momentos torna-se difícil saber se uma determinada atividade é oriunda do Recanto ou do DALA. Os movimentos se mesclam, criando uma unidade heterogênea de pessoas, interesses e participação. As falas do Leandro nos ajudam a entender essa dinamicidade do grupo. Em 2012, ano da criação, ele já estava na universidade, e desde então, participa de forma mais pontual, sem participar ativamente das reuniões e processos de gestão do grupo, entretanto esteve presente em diferentes ocasiões.

“Eu lembro que conheci o Recanto quando tava no 4º ou 5º período, por aí. A galera tava, a princípio, com a proposta de restaurar os canteiros do IB, da Química [...] Eu nunca colei mesmo, de estar direto. Mas ajudava em algumas coisas, de vez em quando. Depois parece que o projeto ficou um pouco parado. Mas aí a galera voltou agora, tem uns dois períodos. Voltou com tudo, desde que a galera pegou também a gestão de diretoria de meio ambiente aqui no DA. E parece que a galera nova tá com gás. Fizeram oficinas de várias paradas, montaram composteira, ajudamos a montar também a parede de pau a pique, fizeram o forno, tá rolando pizzada...”

4.3. Histórico das atividades desenvolvidas pelo grupo Após apresentar partes das narrativas que contextualizaram o surgimento do grupo, apresento as principais atividades desenvolvidas pelo grupo, desde sua criação até hoje. Como já mencionado, as primeiras atividades ocorreram em 2012 e consistiram na manutenção dos canteiros que se localizam na entrada do Instituto de Biologia. Todo o lixo que existia foi removido e com parte dele foram feitos alguns cartazes, que foram colocados nas paredes próximas aos canteiros, para chamar a

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atenção dos estudantes que frequentam aquele local. Posteriormente, foi realizada adubação verde com o plantio de leguminosas e foi feita a cobertura do solo com matéria seca.

Figura 1. Manutenção dos canteiros do IB.

Figura 2. Canteiro do IB em processo de recuperação

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Nessa época, as reuniões eram feitas na área da frente do IB ou no DALA. Durante esse período foi identificado um espaço inutilizado ao lado do IB, com significativa quantidade de materiais descartados, tais como mobiliário quebrado, objetos de laboratório inutilizáveis (vidraria, caixas, frascos de reagentes químicos, botijões de gás, etc.) e documentos velhos. Considerou-se relevante a apropriação deste espaço para a criação de uma base do grupo, para guardar os materiais adquiridos, realizar reuniões e outras atividades. Nesse contexto, foi organizado um mutirão, com a participação de cerca de 15 estudantes, que resultou na limpeza de toda a área, com o descarte dos materiais de maneira correta. Em função da necessidade de adubar os canteiros, o grupo pensou que seria interessante produzir o próprio adubo através da compostagem de resíduos orgânicos. Sendo assim, criou-se uma composteira de aproximadamente 3 m² no espaço adotado pelo grupo e os estudantes começaram a se revezar para coletar as sobras de matéria orgânica dos dois restaurantes presentes no campus. Essa coleta não foi muito efetiva e durou poucos meses. Inicialmente os estudantes se revezaram para realizar a tarefa, porém aos poucos foram parando. Com o fim do período letivo e início das férias, os estudantes naturalmente se afastaram da universidade e isso gerou uma desarticulação. A maioria parou de comparecer aos encontros marcados, até o ponto em que se tornou inviável dar continuidade às atividades. Esse momento não foi o fim, mas apenas um longo “recesso” do Recanto, que durou até aproximadamente julho de 2015. Em 2015, cerca de dois anos após a paralisação das atividades, eu, o Gabriel e o Guilherme nos unimos novamente e convocamos a retomada do Recanto, que contou com a adesão de novos participantes. Durante esse período de pausa, houveram novos conhecimentos, saberes e práticas vivenciadas, o que renovou a vontade de reestabelecimento do grupo, juntamente com novos objetivos. Num momento inicial de reestabelecimento, acreditou-se que a melhor organização do espaço físico e a construção de uma área coberta estimularia a participação de novos integrantes e daria fôlego para a continuação do grupo. Nesse sentido, buscou-se utilizar a bioconstrução, através da técnica de “taipa-de-mão”, ou, “pau-a-pique” e da reutilização de materiais. A escolha da bioconstrução ocorreu com o

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objetivo de se utilizar formas menos impactantes para o ambiente e de trazer a reflexão e o debate sobre esses conhecimentos para dentro da universidade. Com a rearticulação do grupo, foi marcado um mutirão para dar início ao planejamento e a construção. Em um primeiro momento foi feita uma reunião para definição da estrutura, que foi pensada e desenhada coletivamente pelos integrantes. Posteriormente foi feita a coleta dos bambus em um bambuzal localizado a poucos metros do local da construção, que em seguida foram tratados pelo uso de calor, com um maçarico. Este processo gerou uma rica discussão sobre as múltiplas possibilidades de uso do bambu, os métodos de manejo do bambuzal e as técnicas de tratamento do bambu pra que ele fique mais resistente e durável.

Figura 3. Mutirão de bioconstrução no Recanto.

Durante as conversas, surgiu a ideia de que o telhado fosse feito com telhas de garrafas pet, visto que havia uma grande quantidade destas guardada no DALA. O grupo gostou da ideia e alguns integrantes se incumbiram de pesquisar na internet maneiras de fazer essas telhas. Após a pesquisa e a realização de alguns testes, chegouse a uma forma simples e eficiente de montagem das telhas. Uma outra alternativa testada para o telhado foi o uso de folhas de palmeira para a cobertura, visto que essa técnica é amplamente usada em diversas comunidades tradicionais brasileiras.

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Ao longo do ano foram realizados diversos mutirões que resultaram na construção de uma parede de pau a pique, na estrutura do telhado com bambu e em um forno de barro. O forno foi construído com a técnica Cob4 em uma atividade do trote de Ciências Biológicas. Mais uma vez pode-se perceber uma íntima relação entre o DALA e o Recanto, visto que o trote é organizado pelo DALA e teve ajuda dos integrantes do Recanto para planejarem uma atividade. A realização dessa atividade possuiu um caráter integrador e consistiu em uma relevante sensibilização dos estudantes que estão ingressando na universidade. Através dela, eles foram introduzidos ao tema da Permacultura, que busca uma reformulação das relações das pessoas com a terra e entre si, almejando a transformação para uma sociedade mais harmônica, cooperativa e menos impactante para o ambiente.

Figura 4. Atividade de construção de um forno de Cob durante o trote.

Em outubro de 2015 ocorreu a I Mostra Acadêmico-Científica de Niterói, na qual o grupo participou com a submissão de um relato de experiência. Essa foi uma ocasião muito importante, pois explicitou a relevância acadêmica do grupo, cumprindo uma das grandes exigências da academia que é a produção de artigos científicos e

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Cob é uma técnica de bioconstrução em que se utiliza uma massa, modelável com as mãos, feita com argila, areia, palha e água.

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apresentação de trabalhos em eventos. Além de cumprir essa demanda, considero extremamente importância a divulgação do grupo e de suas atividades. Uma outra atividade realizada, porém com enfoque bem diferente, foi a BioPizzada. Após a secagem completa do forno, foi realizado esse evento em que foi arrecadado um pouco de dinheiro com cada participante para a compra de ingredientes para fazer pizzas. Foi um evento muito alegre, onde diversas pessoas levaram instrumentos musicais e confraternizaram comendo pizzas feitas no forno construído por elas próprias.

Figura 5. Pizza sendo feita no forno de Cob.

A mais recente atividade do grupo está em andamento e consiste na organização da semana de agroecologia da UFF, que será realizada em junho deste ano. A organização está sendo feita em colaboração com outros coletivos, que são o MAE – Mutirão de Agricultura Ecológica, criado por estudantes do curso de Geografia em 2006 e o Coletivo Horta na Morada, criado por estudantes de diferentes cursos que moram na moradia estudantil.

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4.4. Voltando às narrativas: visões sobre o grupo As visões sobre o grupo e suas atividades, apresentadas pelos cinco entrevistados possuem alguns elementos marcantes que são: a mobilização e ação por parte dos estudantes; a promoção de integração entre os participantes; a realização de atividades práticas, que normalmente ocorrem com pouca frequência na universidade; a recuperação de um espaço abandonado; a aproximação de saberes não acadêmicos com a universidade, superando a lógica cientificista e cartesiana que nela impera; o estímulo ao pensamento crítico; Milton Santos (2014) apresenta uma análise sobre o espaço, classificando-o como um conjunto indissociável de “sistemas de objetos” e “sistemas de ações”. A interação entre os dois sistemas gera uma dinâmica do espaço que ocorre através dos sistemas de objetos condicionando a forma como as ações se dão, e os sistemas de ações agindo sobre os objetos preexistentes ou criando novos objetos. Em nossa pesquisa, podemos considerar como um sistema de objetos preexistente a universidade, com seus campus, institutos e demais estruturas, da forma como são construídos pelas forças hegemônicas. As vivências dos estudantes no meio acadêmico podem ser entendidas como sistemas de ações. Tais ações ocorrem, de modo geral, seguindo os padrões históricos dessa entidade, que apresentam, dentre outras características, a hierarquia, em que os estudantes de graduação compõem a base do corpo intelectual, consistindo em receptores de informações que são passadas pelos professores doutores – posto mais alto da escala, podendo apenas elevar-se um pouco mais caso obtenham bolsas de produtividade. Nesse contexto, o estudante apresenta uma postura primordialmente passiva, seguindo as regras impostas, sem buscar mudanças em relação às inconformidades existentes, agindo ativamente apenas para o aumento do seu CR – coeficiente de rendimento. Essa situação pode ser vista como um “meio de ação cristalizado” ou “meio de ação fixo” (DURKHEIM, 1962 apud SANTOS, 2014). Santos (2014) define essas terminologias como uma grande diversidade de relações sociais criadas em um momento passado e que perduram e vigoram no presente, tais como os costumes e as leis. A mobilização dos estudantes - que culminou, mesmo que com suas dificuldades e limitações, em um coletivo, de certa forma, organizado e articulado - representa um sistema de ação dinâmico, que age sobre os objetos existentes, transformando-os e se

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transformando ao mesmo tempo. A narrativa do João nos apresenta uma forte valorização das ações dos estudantes, de modo autoorganizado e independente das regras e procedimentos institucionais.

“Eu acho importante os alunos tomarem posições e se auto organizarem. Porque muitas vezes não dá vazão. O professor tem milhares de pessoas para orientar. Então, acho que uma autoorganização entre os alunos pode ser uma coisa muito proativa. Porque muitas vezes o aluno precisa esperar, porque depende de uma vaga de estágio, de uma bolsa, da própria disposição do professor que ele quer ser orientado, e muitas vezes por bagagens externas, o próprio aluno tem capacidade de orientar. E eu acho que o Recanto representa muito isso, um movimento de auto gestão, dos alunos para os alunos, o que gera algo diferente. E aí, claro que esse algo que gera vai levar a que as pessoas tenham visões diferentes sobre isso. E aí muitas vezes essa visão pode ser não tão boa. Mas, pra mim, mais importante do que essa observação e do julgamento que pode vir a partir do que a gente gerou, é o fato de a gente ter gerado alguma coisa por nossa conta. E, sem demagogia nem nada, eu tô no quarto período da faculdade, e óbvio que muito do pessoal tem outros afazeres. Se formar, por exemplo. Mas nos breves momentos que a gente esteve ali, de realmente união, organização e participação, geramos muito mais coisas do que todo o meu percurso acadêmico. Na prática. O que pra mim é uma demanda muito importante, porque a teoria às vezes pode deixar a gente meio perdido. E ver as coisas se concretizando, num momento, inclusive que é um momento de espera, porque a gente está cumprindo um processo que normalmente demora quatro anos. Então, o concretizar é muito fundamental para tornar essa jornada mais digerível, mais concreta, mais material. O que na minha concepção é muito importante.”

A dificuldade afirmada pelo João em conseguir participar de projetos de iniciação científica, estágios ou desenvolver atividades mais práticas e concretas em

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função dos números reduzidos de bolsas e da pouca disponibilidade dos docentes decorrente das múltiplas demandas que eles possuem, se aproxima com as reflexões de Silva (2006). Neste trabalho, a autora analisa as ações de extensão desenvolvidas no Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco entre os anos 2000 e 2003, e afirma que as atividades extensionistas nessa instituição, assim como na maioria das universidades brasileiras, são pouco desenvolvidas e valorizadas. Segundo a autora, isso se dá em função de os docentes serem sobrecarregados burocraticamente e concentrarem suas atividades em pesquisa e ensino, que são as categorias mais valorizadas. Outros interessantes pontos abordados são a vaga definição de qualidade de ensino que é cobrada aos docentes e a avaliação do envolvimento desses profissionais em ações com enfoque social, que na maioria das vezes são institucionalizadas através das ações de extensão. Mancebo (2007), em análise do trabalho docente no ensino superior, aborda a burocratização do cotidiano do professor, com a inclusão de atribuições como o preenchimento de diversos relatórios e formulários e a necessidade de captação de recursos em agências de fomento para viabilizar o seu trabalho e garantir o bom funcionamento da instituição. Apresento alguns recortes da fala do Guilherme, que interpreto como relacionados a esse contexto de ações com propósitos transformadores, na perspectiva da mobilização dos alunos e na expansão do currículo. “Hoje eu consigo identificar, desse tempo já meio distante pra cá, que o Recanto na verdade é o título que eu dou a um processo de desenvolvimento de consciência crítica, mesmo, dentro da universidade [...] Na questão da formação acadêmica, a nossa formação acadêmica é muito pouco prática, não tem muito trabalho de campo. Na minha época pelo menos não foi muito assim. De forma geral, eu acho que pro currículo de biólogo é muito importante que se tenha excursões sistemáticas ao campo. Coisas que as iniciações científicas não dão necessariamente conta, né. Tudo bem que desenvolve algum senso de autonomia, mas não cumpre essa vocação curricular. Então, no sentido do currículo, eu acho que esse tipo de projeto como o Recanto traz muitos benefícios, porque permite extrapolar o currículo. Permite fazer qualquer coisa. [...]

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Então a importância na formação acadêmica é que seja um contraponto, uma válvula de escape. Acho que cumpre muito bem esse papel atualmente. Na questão com a universidade. A relação com a universidade, que é um espaço público, mas que não reflete, assim, a nossa subjetividade. Não é um espaço onde se expressam subjetividades. É um espaço muito sóbrio, né. E às vezes, por mais que você pinte uma parede, já é uma quebra de paradigma. Então você fazer intervenções que realmente vão modificar a paisagem da universidade, também é uma coisa muito interessante, né, fundamental. Porque, exatamente, traz o contraponto.” A capacidade de “extrapolação do currículo” que, segundo o Guilherme, o Recanto apresenta, permite uma inserção de temas político-sociais, o que se aproxima com as questões que Soares e colaboradores (2008) abordam. Segundo os autores, há o desafio de fomentar aos estudantes a visão de currículo como “política cultural”, composto pela diversidade de valores e visões que caracterizam a sociedade, tal qual a ciência, possibilitando distintas construções teórico-metodológicas, que permitam a expressão e desenvolvimento da criatividade e do pensamento crítico e emancipatório.

4.5. Do canto ao Recanto 4.5.1. Transformação do espaço, criação do lugar. Ao analisarmos o processo de criação e desenvolvimento do Recanto relatado pelos participantes entrevistados, fica nítido que uma de suas motivações partiu da inquietação dos estudantes em relação à má conservação do espaço físico da universidade – inicialmente com os canteiros e depois com a área ao lado do IB, que foi ocupada e transformada. Milton Santos (2014) apresenta definições de “espaço”, diferenciando-o de “paisagem”. De acordo com o autor, os ambientes dissociados de qualquer relação social, ou seja, sem a presença ou atribuição de valores pelo ser humano, são caracterizados como paisagem. O espaço é definido como “a síntese, sempre provisória, entre o conteúdo social e as formas espaciais”. É importante atentarmo-nos para a 37

noção de transitoriedade ou instabilidade que o autor atribui ao espaço, no momento em que ele afirma que o espaço “constitui a matriz sobre a qual as novas ações substituem as ações passadas”, além de ser visto como “um sistema de valores, que se transformam permanentemente” (SANTOS, 2014, p. 104). Tuan (2013) apresenta a diferenciação entre “espaço” e “lugar”. O “espaço” passa a ser entendido como “lugar” no momento em que há atribuição de valor, ou seja, quando há experienciações que fomentam a construção de sentidos. Não há, entretanto, um momento exato em que ocorre a transformação do espaço em lugar, o que ocorre é um contínuo processo de modificação (DUARTE; VILLANOVA, 2013), denominado de “moldagem do lugar” (DUARTE, 2003 apud DUARTE; VILLANOVA, 2013). A transformação da área ao lado do IB pode ser enquadrada no processo de “moldagem do lugar”. Tal processo teve início com o primeiro mutirão realizado (Fig. 6), onde os estudantes se uniram para limpar o espaço, para que então pudesse ser ocupado. A cada encontro realizado, novas modificações ocorrem, o que caracterizam o contínuo processo de transformação. Vemos na fala da Clara como tal processo se iniciou. “A gente teve a necessidade de fazer uma sede, pra gente poder se encontrar, porque ali era muita gente que passava toda hora. Não funcionava muito bem. Aí a gente achou esse espaço aqui, que sempre foi subutilizado. Quando a gente veio pra cá, era só folha no chão e garrafa de xixi que jogavam do DA pra cá, quando tinha festa. Muita garrafa de xixi, muita folha. E ali no corredor que dá acesso aqui, era muito entulho. Nós mesmos, com a intenção de ser um lugar de estudos, a gente tirou tudo e levou. Pediu pra que a caçamba levasse os entulhos. Varremos, pintamos, fizemos placas e começamos a nos encontrar aqui. E dessa fase, dois mil e doze, foi quando surgiu a ideia, assim, em todo mundo. E o lugar também, o lugar já virou o Recanto desde lá.”

As transformações ocorridas naquele espaço, que iniciaram com a limpeza, geraram a construção de diversos sentidos afetivos com o já então lugar, e não mais espaço. A relação das pessoas com o lugar é muito nítida em diversos momentos das

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narrativas, onde percebemos expressões diversas no rosto dessas pessoas. A gravação também da imagem, e não apenas das falas, nos permitiu ter esse registro mais rico. Na fala do Gabriel também encontramos uma referência à transição do espaço e aos sentidos construídos. “Esse nome significava Restauração Ecológica de Canteiros. A gente ainda não conhecia esse ambiente, depois que a gente veio conhecer esse ambiente aqui, que fica atrás do Diretório Acadêmico da Biologia e do lado do Instituto de Biologia. Depois de a gente dar esse nome, a gente descobriu esse cantinho aqui e bateu certinho com o nome, né. É o nosso recanto. E esse ambiente aqui tava jogado ao lixo, jogado aos restos de vidros, vidros quebrados. Até vidraria com substâncias químicas desconhecidas por nós. Ferro, muita coisa zoneada, bem zoneado mesmo. Então a gente fez a limpeza do local e a gente planejava fazer plantações aqui e um espaço de convivência.”

Nesses trechos, verificamos como se deu o início do processo de transformação, a partir da ação desses alunos. De acordo com Santos (2014), baseado em Morgenster (1960), ação consiste em um processo dotado de propósito, no qual em um movimento concomitante, um agente mudando alguma coisa, muda também a si mesmo, tendo relação com o conceito de práxis. Ao longo dos quatro anos de existência do grupo, houveram muitas mudanças no lugar e, certamente, muitas mudanças também ocorreram com seus integrantes. Como já foi mencionado, entre 2013 e 2015 houve um período de inatividade de quase dois anos, que demonstra a dificuldade de criar e manter uma organização independente, autogestionada, por motivos basicamente ideológicos, ou seja, sem nenhuma retribuição financeira. Essa interrupção, a princípio, é um fato negativo, porém o nítido amadurecimento da Clara é revelado quando ela afirma que vê esse “término” como um aspecto positivo, visto que ela, como foi uma das criadoras e em função da sua personalidade, “tomava muito a frente, queria que funcionasse. Às vezes ficava muito sobrecarregada”.

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Figura 6. Primeiro mutirão de limpeza – 2012.

Figura 7. Vidraria de laboratório, lâmpada de mercúrio e outros resíduos encontrados no local do Recanto.

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Figura 8. Documentos institucionais encontrados no local do Recanto.

Figura 9. Convivência no Recanto em 2015.

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Na fala do João nós também encontramos uma alusão à importância dada à transformação do lugar, na qual ele valoriza também o fato de essa ação ter partido dos estudantes. “Outra questão relevante pra mim, fundamental, tem a ver com o espaço, que era um espaço abandonado, cheio de lixo, possibilidade de acúmulo de água. Tava bem largado mesmo. Parecia que a universidade não tinha olhos para aquilo. Então isso de reconfigurar o lugar e dar outro sentido pra ele, também é uma questão que eu acho muito relevante. [...] A partir do momento que a gente reafirmou um contato com aquele lugar, a gente começou a perceber os problemas daquele lugar e, a partir de então, tentar reajustar, refazer o lugar. E poxa, hoje em dia o Recanto é um espaço de convívio. Antes era um lixão. Hoje é um espaço de convívio, a gente pode ir lá, sentar, conversar, tirar o nosso tempo de intervalo durante as aulas. A gente fez também pizza, comida! Da pra fazer até comida no Recanto! Então, positivo, só vejo positividade.”

4.6. Novos sentidos e valores A possibilidade que o Recanto oferece de que as pessoas tenham contato com elementos naturais como a terra, plantas etc., além do maior e íntimo contato com outras pessoas, estimula seus diversos sentidos, conferindo ao ambiente a personalidade estimulante que Tuan (2013) expressa, em contraposição aos ambientes inertes, apáticos, que em geral constituem a universidade. Segundo o autor, os ambientes arquitetônicos modernos podem ser visualmente belos, porém, frequentemente carecem de personalidade estimulante que pode ser proporcionada por odores variados. Esse estímulo que o lugar pode promover, juntamente com as trocas de ideias entre seus integrantes, favorecem o pensamento crítico e reflexivo. Dessa maneira, mesmo estando inserido no meio acadêmico, com toda sua sobriedade e rigidez que mediam o condicionamento dos sistemas de objetos sobre os sistemas de ações (SANTOS, 2014), o Recanto surge como uma novidade, a qual Santos nos diz ser possível de ser forjada. 42

Essa novidade, que ocorre através da inserção de saberes tradicionais na universidade, de relações sociais cooperativas, da valorização da horizontalidade e do estímulo ao pensamento crítico, vem ganhando força na academia. Hoje em dia, na UFF, nós já encontramos outros três coletivos com enfoque na agroecologia, que têm se articulado e construído um movimento maior. Na medida em que se fortalece e se ramifica pela universidade, através da participação de pessoas de diversos cursos, do contato com outros coletivos da UFF e de outras universidades, das articulações fora da universidade, como, por exemplo, com as escolas e todos os sujeitos que estão a ela vinculados – estudantes, professores, pais, etc.- o Recanto pode ser visto como componente de uma rede de cotidianos (ALVES, 2003). Alves e Soares (2013) nos mostram que estamos no caminho certo ao afirmar que as mudanças ocorrem quando fazemos emergir conhecimentos e valores que ficaram por muito tempo imersos, dessa maneira, sem desconsiderar os conhecimentos de todos os sujeitos, produzidos nas suas diversas redes de viver. Ainda nesse contexto, tais autoras nos apresentam uma boa reflexão que nos mostra a importância da paciência nesse processo de transição. Elas afirmam que: É preciso compreender que o processo de hegemonia do pensamento moderno exigiu longo tempo, se deu em muitos e diferentes contextos, envolvendo múltiplos sujeitos. Os processos de sua transformação estão sendo, da mesma maneira, demorados, estando presentes, de modo desigual, nos diversos contextos (ALVES; SOARES, 2013, p. 27).

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5. Relações do projeto Recanto com a educação ambiental Nos dias de hoje verifica-se uma crescente institucionalização da educação ambiental (EA) no Brasil, com a regulamentação de suas instrumentalizações técnicas e concepções teóricas em leis e documentos oficiais, que pode ser interpretada como um aparato de dominação do Estado, que permite apenas o que não ameaça a sua soberania (BARCHI, 2013). Dessa maneira, ao se apresentar como uma estrutura do governo e se caracterizar como um novo senso comum, a EA perde a sua radicalidade e, além de poder contribuir com o aumento dos impactos socioambientais (Idem, 2013), acaba por sustentar o que Guimarães (2012) chama de “armadilha paradigmática”. Tal termo consiste no fato de as pessoas – com ênfase dada pelo autor aos professores - mesmo quando bem intencionadas e motivadas a inserir as questões ambientais em suas práticas, terem dificuldades em identificar a complexidade da problemática e serem incapazes de fazer diferente, devido aos paradigmas existentes na sociedade moderna. Ainda nesse contexto, encontramos o que nos falam Guimarães e Sampaio (2014) sobre a necessidade de transpormos o “dispositivo da sustentabilidade”. Segundo os autores, o “dispositivo da sustentabilidade” consiste em um conjunto de práticas e sentidos que configuram as formas de ser e de compreender o mundo, que estão relacionadas com atitudes ecologicamente corretas, verdes ou sustentáveis. Tais noções caracterizam-se por formas homogêneas e pré-estabelecidas, que orquestram os pensamentos e ações individuais. Ao agir como eixo central de diversas dimensões da sociedade, o Estado utiliza a EA como uma doutrina uniformizadora de condutas, que devem ser seguidas de acordo com a noção de meio ambiente da Política Pública, caracterizando uma biopolítica (BARCHI, 2013). Tal perspectiva promove uma única visão a respeito de meio ambiente, que desqualifica as outras que não se encaixam na noção hegemônica institucionalizada. Diante dessa realidade de uma EA dominadora, muitas vezes baseada nos paradigmas hegemônicos, tem surgido em todo o país formas alternativas de enfrentamento e concepções acerca da problemática socioambiental. Nesse sentido, encontramos movimentos populares, independentes, autoorganizados e autogestionados, que surgem como uma força de resistência a esse poder dominador.

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Com a valorização dos múltiplos saberes historicamente construídos, que compõem as realidades de cada indivíduo, há um reconhecimento da importância dos movimentos socioambientais como espaços de produção teórica (GUIMARÃES; SAMPAIO, 2014). Dessa forma, a EA se faz de acordo com as representações e realidades de cada indivíduo, elaboradas num processo dinâmico, com a aproximação de saberes e experiências construídos ao longo da vida de cada um e compartilhados com o grupo. Tal processo contra-hegemônico se aproxima das perspectivas pós-crítica e crítica da EA ao revelar-se como uma dimensão voltada para a participação de seus atores na formulação de um novo paradigma que contemple os anseios populares de um ambiente saudável e melhor qualidade de vida socioeconômica (GUIMARÃES, 2013). Nesse sentido, acreditamos que o Recanto, com seus processos e ações, em muitos momentos, se aproxima do que entendemos como educação ambiental, sendo essa transformadora e emancipatória. Pautando a análise sobre uma base epistemológica mais abrangente e integrativa, consideramos a riqueza das vivências proporcionadas pelo grupo, onde a partir da interação entre diferentes pessoas, cria-se, além de uma rica troca de saberes - inclusive valorizados pela academia, como os de base científica, trocas mais sutis e subjetivas - de afeto, amizade, cooperação, de sons, sabores, carinho, coletividade, dentre outras. Sendo assim, não apenas o grupo, mas também o espaço ocupado e ressignificado por ele nos aparece como um lugar especial. Um refúgio ou recanto de resgate e desenvolvimento da humanização, que em maiores e menores graus está presente no interior de cada ser. E, assim como as sementes que germinam apenas ao encontrar um ambiente com condições favoráveis, a humanização se expande, catalisada no cotidiano do grupo. Ao

potencializar

essas

características,

há,

indissociavelmente,

o

desenvolvimento da preocupação com o ambiente. Tal aproximação pode ser vista por alguns de forma ingênua ou simplista, entretanto, o aspecto social, com a consciência da necessidade da contraposição aos paradigmas hegemônicos para alcançar reais transformações, está fortemente embutido no grupo, garantindo uma perspectiva crítica. Esse processo nos surge como um significativo contraponto à realidade predominante no período atual, que é definida por Milton Santos (2012) como uma “perversidade sistêmica”. Segundo o autor:

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...a causa essencial da perversidade sistêmica é a instituição, por lei geral da vida social, da competitividade como regra absoluta, uma competitividade que escorre sobre todo o edifício social. O outro, seja ele empresa, instituição ou indivíduo, aparece como um obstáculo à realização dos fins de cada um e deve ser removido, por isso sendo considerado uma coisa. Decorrem daí a celebração dos egoísmos, o alastramento dos narcisismos, a banalização da guerra de todos contra todos, com a utilização de qualquer que seja o meio para obter o fim colimado, isto é, competir e, se possível, vencer. Daí a difusão, também de outro subproduto da competitividade, isto é, a corrupção (SANTOS, 2012,p.60).

Soares e colaboradores (2008), indicam o dilema enfrentado pelas universidades atualmente, que consiste em continuarem apegadas às concepções consolidadas na modernidade,

que

fundamentam-se

em

bases

impositivas,

reducionistas

e

hierarquizadas, ou realizarem autorreflexões, buscando processos auto-organizativos, contextualizados histórica e culturalmente, de forma interdisciplinar. Concordamos com os autores que se tem priorizado a primeira opção. Em geral predominam abordagens reduzidas aos saberes cientificamente considerados, em detrimento da valorização e das possibilidades de construção de outros saberes que não os acadêmicos. Após essa análise, não nos resta dúvidas de que no Recanto há desenvolvimento da EA. Tal processo se dá desde as discussões que abordam temas relevantes para o entendimento e tentativa de superação da crise socioambiental planetária, transpondo-se também para os momentos em que vivenciam-se a coletividade, a cooperação e o altruísmo. Dessa forma, busca-se superar o padrão comportamental hegemônico da nossa sociedade que é pautado na competição e na autoafirmação, o que, de forma excessiva, apresenta-se como controle, poder e dominação (CAPRA, 2006) nas relações sociais e nas relações do ser humano com o meio. Essas características se aproximam do que indica Guimarães, (2007): que o ambiente educativo deve propiciar a vivência de experiências baseadas em novos paradigmas que favoreçam o desenvolvimento de novos valores e atitudes individuais e coletivas. Nessa perspectiva, o estímulo à reflexão crítica que remeta a práticas diferenciadas e uma postura problematizadora diante dos fatos que constituem a realidade socioambiental deve estar presente na base das atividades desenvolvidas.

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Para que a realidade dos diferentes atores do processo educativo seja vivenciada, e com isso realizar a potencialidade do ser por meio das relações sociais e políticas, é necessário que EA seja pautada na práxis, ou seja, um processo dialógico de reflexão e ação, unindo teoria e prática (GUIMARÃES, 2013). Outros pontos indispensáveis na construção do processo de EA são a participação horizontal de todos atores, e a consideração dos domínios afetivo e cognitivo em relação a realidade apresentada, o que se contrapõe aos processos educacionais prevalecentes nas instituições de ensino brasileiras em todos os níveis de escolaridade, que dão maior importância para a transmissão verticalizada de informações teóricas, em processos primordialmente informativos, colocando a ação em segundo plano e sem valorizar os aspectos psicológicos e emocionais (Idem, 2013). Sendo assim, o Recanto pode ser considerado como mais um pequeno núcleo, dentre tantos outros que estão surgindo em todo o mundo, somando no processo da transformação da sociedade planetária. O crescimento do grupo na universidade, junto com a expansão e fortalecimento das redes que ele integra, constituem alternativas contra-hegemônicas de desenvolvimento a partir do momento que se relacionam a uma grande quantidade de pessoas, que podem ser consideradas como uma elite intelectual do país, em processo de formação profissional. Sendo assim, ao invés de buscarem atividades pautadas na lógica do mercado, tendem a atuar em sentido oposto. Além disso, esse crescimento pode favorecer a perpetuação e reprodução do coletivo.

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6. Considerações finais Com cerca de quatro anos de existência - passando por períodos de maior e menor atividade, incluindo uma longa paralisação – o Recanto pode ser considerado como uma forma de resistência, seguindo no caminho da desconstrução do domínio imposto pela institucionalização da EA no Brasil, através da valorização de diferentes realidades socioambientais, de intervenções no campus universitário e da inserção de saberes tradicionais no ambiente altamente elitizado e, muitas vezes, segregador, que consistem as universidades públicas. A utilização do registro e análise de narrativas consistiu em uma interessante metodologia para compreender, através de seus próprios integrantes, os sentidos produzidos no cotidiano do grupo. Dessa maneira, verificamos que há uma grande insatisfação por parte de seus integrantes, principalmente em relação ao currículo, com ênfase a necessidade de atividades práticas; a má conservação do espaço universitário; e a forma passiva e distanciada, como os estudantes, de forma geral, se apropriam da universidade. A articulação do recanto com os outros grupos consiste na criação de uma rede, que representa um interessante movimento no processo de transformação da universidade, com o fortalecimento da horizontalidade, da democratização e da aproximação de uma maior diversidade de saberes, não acadêmicos, tradicionais ou populares, que contribuem para a superação da lógica cientificista cartesiana predominante. Por fim, cito um princípio aprendido com o mestre Peter Webb, durante um curso de design e planejamento em permacultura (PDC), realizado em Camboriú, Santa Catarina, que pode ser aplicado em múltiplos contextos: “começar pequeno”. Começar pequeno, mas começar. Não importa se por opção ou necessidade, visto que quando estamos caminhando na contramão, superando paradigmas, dificilmente teremos muitos ao nosso lado. Então, muitas vezes não há escolhas.

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