\"O Habeas Corpus Português na Idade Média: Ius et Praxis\", INITIUM 20, 2015, pp. 205-242.

June 16, 2017 | Autor: José Domingues | Categoria: Medieval History, Portuguese Medieval History, Historia constitucional
Share Embed


Descrição do Produto

INITIUM

INITIUM, revista fundada en 1996 por Aquilino Iglesia Ferreirós en memoria de Josep Maria Gay, con el siguiente consejo científico: Adriana Campitelli (Roma) Pio Caroni (Berna) Jerry Craddock (Berkeley) José A. García de Cortázar (Santander) André Gouron (Montpellier) Aquilino Iglesia (Barcelona) Francisco L. Pacheco (Barcelona) Encarna Roca (Barcelona)

Director: Aquilino Iglesia Ferreirós Redacción. Redactor jefe: Francisco Luis Pacheco Caballero. Redactores: Marta Bueno, Oriol Oleart, Max Turull (Barcelona). Jesús Vallejo (Sevilla). Fernando Martínez, Carlos Garriga, Faustino Martínez Martínez (Madrid). Enrique Álvarez Cora (Murcia). Jon Arrieta (San Sebastián). Emma Blanco Campos (Santander). Victor Crescenzi, Martino Semeraro (Roma). Mª Virtudes Pardo Gómez, Teresa Bouzada Gil (Santiago). Secretaría: Max Turull. La redacción de la revista no se responsabiliza de las opiniones emitidas por sus colaboradores, las cuales reflejan exclusivamente sus puntos de vista personales. La revista dará noticia de las publicaciones afines a la misma que reciba y dará cuenta crítica, si así lo juzga oportuno el director, de aquellas de las se que reciban dos ejemplares. Los originales, las publicaciones, las suscripciones y pedidos deben remitirse a: Revista «Initium» Ap. Correos nº 30260 E-08080 Barcelona [email protected] Los índices de los distintos volúmenes de Initium y de las diferentes Actas de los Simposios Internacionales sobre El Dret Comú i Catalunya pueden verse en la red en los siguientes sitios en catalán y en castellano: www.ub.es/dphdtr/2historia/4publicacions.html www.ub.es/dphdtr/castella/2historia/4publicacions-cast.html

Associació Catalana d’Història del Dret “Jaume de Montjuïc”

INITIUM REVISTA CATALANA D’HISTÒRIA DEL DRET

20

2 01 5

© Edita: Associació Catalana d’Història del Dret «Jaume de Montjuïc» ISSN: 1137-8069 Cualquier forma de reproducción, distribución, comunicación pública o transformación de esta obra sólo puede ser realizada con la autorización de sus titulares, salvo excepción prevista por la ley. Diríjase a CEDRO (Centro Español de Derechos Reprográficos, www.cedro.org) si necesita fotocopiar o escanear algún fragmento de esta obra. Depósito legal: B - 47.396- 1996 1ª edición Impreso a SIGNO Impressió Gràfica, SA Carrer Múrcia, 54d, Polígon Industrial Can Calderon 08830 Sant Boi de Llobregat (Barcelona) www.signo.es

O HABEAS CORPUS PORTUGUÊS NA IDADE MÉDIA: IUS ET PRAXIS1 José Domingues

«Legum omnes servi sumus ut liberi esse possimus» [Cícero]

1.–Introdução.– O direito natural e inalienável à liberdade individual encabeça as primordiais Declarações de Direitos fundamentais –«all men are by nature equally free and independent» (1776, Virginia); «All men are born free and equal» (1780, Massachusetts); «les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits» (1789, França)– e acabou por se difundir pelas Constituições escritas de, praticamente, todo o mundo, passando à hodiernidade como uma das mais irrepreensíveis garantias constitucionais da dignidade do ser humano. Sem embargo, trata-se de uma preocupação que procede de longínquas e primitivas sociedades humanas e aparece fossilizada em autores e textos jurídicos bastante mais arcaicos, tornando aqui vã e despropositada qualquer tentativa séria de análise e arrolamento. O singelo compromisso assumido nas breves linhas que se seguem fica limitado à garantia da liberdade individual contra a detenção e a prisão ilegítima praticada pelo poder público, comummente identificado como habeas corpus. E, tal como se indica no título escolhido, fica confinado ao espaço territorial do reino de Portugal, para os séculos finais da Idade Média. Como veremos, abundam os actos legislativos dos monarcas portugueses que, desde muito cedo, cinzelaram este instituto jurídico erigido à liberdade. No entanto, por baixo do estrato da Lei medieval ainda palpita o seu espírito de antanho 1 Abreviaturas utilizadas: OA = Ordenaçoens do Senhor Rey D. Affonso V (Coimbra 1792) (fac-simile, Lisboa 1984/1998), em http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas/ (consultado no dia 25 de Janeiro de 2015); CRP = Constituição da República Portuguesa de 1976 (com a VII revisão de 2005), em http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx (consultado no dia 25 de Janeiro de 2015).

INITIUM 20 (2015) 205-242

206

José Domingues

escondido em casos concretos, delitos, querelas e denúncias, legitimidades processuais, partes, recursos, etc… O propósito final deste trabalho é ir para além da camada legal sedimentada no curso dos séculos XIV-XV e tentar chegar a alguns nomes e casos concretos, numa tentativa de coligar Ius et praxis e abrir caminho para outras e mais profícuas investigações. Adverte-se, antes de mais, que na documentação medieval portuguesa compulsada nunca surge a terminologia latina de habeas corpus2, oscilando as designações, indistintamente, entre carta de seguro e carta de segurança3. A escolha do «habeas corpus português» e a analogia entre o habeas corpus e as cartas de seguro é da responsabilidade da pena que risca estas letras, cada vez mais convicta que a carta de seguro pode traduzir uma das mais arcaicas manifestações do princípio constitucional de habeas corpus, radicado em fonte consuetudinária forjada no Portugal medievo, sobretudo a partir do século XIII. Por isso, antes de chegar ao núcleo identitário proposto, importa deixar bem claro que: (I) o habeas corpus consagrado na actual Constituição da República Portuguesa e desenvolvido em legislação ordinária portuguesa não tem uma ligação directa com o instituto jurídico medieval aqui glosado; (II) para o período medieval português, existem múltiplas cartas de seguro com desígnios e contornos jurídicos bem distintos entre si. (I) As cartas de seguro ou o habeas corpus português medieval não se confunde com o instituto jurídico do habeas corpus que faz parte do nosso ordenamento jurídico constitucional (art. 31º CRP) 4, se encontra consagrado em legislação ordinária do Código de Processo Penal (art.s 220º-224º), da Lei de Saúde Mental (L n.º 36/98 de 24 de Julho, art. 31º)5 e da Lei do Regime de Estado de Sítio e Estado de Emergência (L n.º 44/86 de 30 de Setembro) 6 e, paulatinamente, vai reservando o seu devido lugar na doutrina7 e na juris2 Aliás, «la expressión habeas corpus en tan temprana época no estaba ligada com la de una recuperación de la libertad de movimentos; sólo tenia relación com el due process of law en cuanto que contemplaba al Tribunal que rechazaba el resolver un asunto sin hallar-se presente el acusado», assevera Víctor Fairén Guillén, Habeas Corpus y Tortura Oficializada (Zaragoza 2005) 24, em http://www.derechoaragones. es/i18n/consulta/registro.cmd?id=607857 (consultado no dia 26 de Janeiro de 2015). 3 Marcello Caetano entendeu, erradamente, que as cartas de segurança correspondiam às –abaixo identificadas– seguranças reais, enquanto que as cartas de seguro corresponderiam às seguranças judiciais. Cf. Marcello Caetano, «As Origens Luso-Brasileiras do Mandado de Segurança», in Revista da Faculdade de Direito da UFPR 21.0 (1983) 8-9, em http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/ direito/article/view/8871 (consultado no dia 25 de Janeiro de 2015). A verdade é que a documentação medieval usa indistintamente os dois nomes: seguro e segurança. 4 De seguida, regulamentado por diploma legislativo governamental (DL n.º 320/76 de 4 de Maio), in Diário da República Electrónico, em https://dre.pt/ (consultado no dia 25 de Janeiro de 2015). 5 Diário da República Electrónico, em https://dre.pt/ (consultado no dia 25 de Janeiro de 2015). 6 Diário da República Electrónico, em https://dre.pt/ (consultado no dia 25 de Janeiro de 2015). 7 V. g., Pedro Correia Gonçalves, «Problemas actuais do habeas corpus», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal 2, Ano 19 (Coimbra Abril-Junho 2009) 267-310; António Alfredo Mendes, Habeas

O Habeas Corpus Português na Idade Média: Ius et Praxis

235

Está muito longe dos meus propósitos, do parco talento e dos modesto intentos deste trabalho propor as soluções jurídicas mais adequadas para os profundos desafios à ciência do Direito, os da actualidade e os que se adivinham para um futuro próximo. O que entendo não se poder, de forma alguma, continuar a escusar e adiar ad aeternum é o resgate das cartas de segurança à tumba do esquecimento. Nesse sentido, antes de mais, torna-se aconselhável corrigir, sem paliativos, alguns mitos constitucionais recentes: (i) Deixar de considerar a Magna Carta inglesa como «um documento histórico de visibilidade universal, como um instrumento jurídico de transcendente relevância, não só para os ingleses, mas (deve ser dito) para todo o mundo» ou «ventre uterino do habeas corpus» e mudar a opinião arraigada de que «a Magna Carta assume um papel histórico inigualável. Isto até que alguém possa (com credibilidade) demonstrar o contrário, o que, até agora, a nosso ver se não verificou»113. Na realidade, a Magna Carta –que este ano celebra oito séculos de existência– nunca consagrou a providência de habeas corpus e só se tornou sublime devido à valorização que lhe deram os constitucionalistas revolucionários ingleses do século XVII114, sobretudo, da Petition of Right (1628), do Habeas Corpus Act (1679) e do Bill of Rights (1689)115, precisamente ao contrário do que fizeram os constitucionalistas revolucionários portugueses em relação às cartas de segurança. Em suma, «lo verdaderamente sobresaliente de la Magna Carta –repercutindo as eruditas palavras de Gil-Delgado– lo que hace de ella una Ley diferente de cualquier outra del Medioevo no está en ella ni en su contexto, sino que le fue añadido después. Es su destino, su proyección importante y duradera en el constitucionalismo inglés y norteamericano, es el echo de que su famoso capítulo XXXIX, com el juicio por jurados y la «lex terrae», siga en vigor en Gran Bretaña hoy e indirectamente también en los Estados Unidos, al haberse incorporado a su Derecho Constitucional. Y este destino sobresaliente lo debe la carta, en gran medida, a su utilización y a su instrumentación como un mito poderoso por parte de los agentes que llevaron a cabo la «revolución constitucionalista» en Inglaterra, desde mediados del siglo XV hasta mediados del siglo XVII (…) fue el triunfo de la revolución, representado por el Bill of Rights de 1689, lo que dotó de proyección e expandió el significado del viejo precedente (…) que es la Carta Magna de Juan Sin

113 António Alfredo Mendes, Habeas Corpus e Cidadania, 278-279. 114 Víctor Fairén Guillén, Habeas Corpus y Tortura Oficializada, 30 nota 32: «La relación del Habeas corpus con la Carta Magna se pone de relieve bastante tardíamente, en el siglo XVII…». 115 Cf. José Domingues, «As origens do princípio de “habeas corpus” no pré-constitucionalismo português», 331-332 e a bibliografia indicada na nota 8.

236

José Domingues

Tierra de 1215»116; nas palavras metafóricas e assertivas de Jean-Philippe Genet, «la charte n’est pas une météore tombée du ciel»117. (ii) Ponderar a polémica em torno da origem do Estado118 em Portugal e a tese consequente de que «não se pode falar de direitos fundamentais antes dos séculos XVI-XVII (…) sem a prévia personalização jurídica do Estado, não poderia ser concebida uma figura (os direitos fundamentais) que pressupunha precisamente um relacionamento entre duas entidades jurídicas: uma pessoa individual e o Estado»119. Para tal, nunca será demasiado considerar que «num período histórico em que a existência do Estado se tem como incerta em alguns espaços europeus, Portugal, desde muito cedo, até como meio de consolidação da sua própria identidade nacional, empreendeu um processo de centralização régia do poder e de afirmação da prevalência do Direito do rei, o mesmo é dizer do Estado: D. Afonso II (1211-1223) foi o primeiro grande edificador do Estado»120. Outros autores, paulatinamente, têm vindo a desenterrar argumentos válidos para enraizar as origens do Estado Português no século XIII. Mas o espaço escasseia e o tempo não sobeja para desfiar aqui temática tão espinhosa, por isso, remetemos para a exegese de Leontina Ventura121 e a recente monografia de Judite de Freitas122, acrescentando-lhe o contributo imprescindível de Duarte Nogueira123. (iii) Matizar a ideia de que na Idade Média portuguesa só existiam direitos estamentais (que, sem dúvida, também existiam!), i. e., que só com as 116 Miguel Satrústegui Gil-Delgado, «La Magna Carta: Realidad y Mito del Constitucionalismo Pactista Medieval», in Historia Constitucional 10 (2009) 243-262 (262), em http://www.historiaconstitucional.com/ (consultado no dia 26 de Janeiro de 2015). 117 Jean-Philippe Genet, «La Genèse de l’État Moderne: Genèse d’un programme de recherche», in A Génese do Estado Moderno no Portugal Tardo-Medievo (Séculos XIII-XV) (Lisboa 1999) 44. 118 Sobre a existência do Estado Medieval, cf. Raúl Pérez Johnston, «Los Aportes del Derecho Público Medieval a la Teoría del Estado y de la Constitución (Diálogo con Paolo Grossi)», in Historia Constitucional 5 (2004) 275-307, em http://www.historiaconstitucional.com/ (consultado no dia 26 de Janeiro de 2015). 119 José de Melo A lexandrino, Direitos Fundamentais: Introdução Geral, 2.ª edição (Estoril 2011) 12. 120 Paulo Otero, Manual de Direito Administrativo I (Coimbra 2013) 254; para José Mattoso o «o verdadeiro fundador do Estado medieval português» foi D. Afonso III, cf. José Mattoso, «As origens do Estado Português (séculos XII a XIV)», in Obras Completas 1: Naquele Tempo, Ensaio de História Medieval (2000) 451-458 (455-456). 121 Leontina Domingos Ventura, D. Afonso III, 7.ª edição (2012) 31-35. 122 Judite A. Gonçalves de Freitas, O Estado em Portugal (Séculos XII-XVI): Modernidades Medievais (2012) 109, onde assevera que «do ponto de vista jurídico, a génese do Estado moderno em Portugal situa-se no reinado de Afonso III, visto ter dele partido a intenção de unificar administrativa e juridicamente o território nacional». 123 José Duarte Nogueira, «Organização intermédia do Estado – séculos XIII e XIV. Uma perspectiva júris-historiográfica», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha III (Coimbra 2010) 521-528.

ÍNDICE

INITIUM 20.1

Carta do Direutor........................................................................................................................................................................................

V

DE RE IURIDICA GESTA Aquilino Iglesia Ferreirós, Guillelmus de Vallesica, legum doctor, eximius professor, civis Barchinone.............................................................................................................................

3

Margarita Serna Vallejo, La correspondencia entre los contenidos de los Rôles d'Olerón y el texto más antiguo de la Costumes de mar del Llibre del Consolat de mar..........................................................................................................................................

159

José Domingues, O Habeas Corpus Português na Idade Média: Ius et Praxis.......................................................................................................................................................................................................................

205

Enrique Álvarez Cora, La doctrina del homicidio en el siglo XVI..............

243

Francisco Pacheco Caballero, Formación histórica de la responsabilidad extracontractual o aquiliana en el derecho español (y IV). El derecho navarro bajomedieval y moderno................................................................................

371

Faustino Martínez Martínez, La invención de La Compañía.................................

395

Índice

INITIUM 20.2

DE OPINIONIBUS ET NOSCENDIS Mario Ascheri La «percezione» dell’avvocatura in Italia dal Medioevo all’Età moderna.........................................................................................................................................................................

688

Aquilino Iglesia Ferreirós, Frangullas ou Migallas (19)...................................................

705

DOCUMENTA Aquilino Iglesia Ferreirós, La lectura «Super usaticis Barchinone» de Guillelmus de Vallesica............................................................................................................................................. Edición de su Apparatus «Super Usaticis Barchinone»...................................... Tabula Ussaticorum secundum Guillelmum de Vallesica..............................................

749 801 1041

DE RE BIBLIOGRAPHICA III: Bibliografía................................................................................................................................................................................................

1051

IV: Índice de autores..............................................................................................................................................................................

1127

Normas y siglas para envíos de originales......................................................................................................

1139

Últimos libros registrados............................................................................................................................................................

1145

Boletín de suscripción..........................................................................................................................................................................

1147

Publicidad.................................................................................................................................................................................................................

1149

Índice

1177

......................................................................................................................................................................................................................

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.