O hedonismo de Cálicles no Górgias de Platão

June 2, 2017 | Autor: Renan Barbosa | Categoria: Filosofía Política, Filosofía, Gorgias, Platão, Filosofia antiga
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O hedonismo de Cálicles no Górgias de Platão

Renan Barbosa Fernandes [email protected] 2015

A presente dissertação visa apresentar a posição hedonista de Cálicles no

Górgias1 de Platão sob sua melhor luz. Para isso, tentarei apresentar neste trabalho o diálogo entre Sócrates e Cálicles ressaltando as opções argumentativas à disposição deste último que poderiam conformar uma posição mais robusta e menos permeável aos argumentos socráticos. A tentativa de entender as discordâncias entre Sócrates e Cálicles e de reconstruir a posição de ambos é dificultada sobremaneira porque, no diálogo, nem sempre fica claro o que é uma posição sincera de Cálicles e como ele reagiria às investidas de Sócrates se estivesse defendendo sua posição com sinceridade—e a sinceridade da interlocução é um aspecto importante no Górgias2. Isso deve ser mantido em mente ao longo da exposição. Ao final, tentarei apresentar um esboço do que seria esta posição hedonista de Cálicles apresentada sob sua melhor luz. Cálicles irrompe no diálogo com um pergunta algo irônica, questionando a posição de Sócrates que emergira ao longo da discussão com Polo, a saber, que sofrer uma injustiça é melhor que cometer uma injustiça e que, se a cometermos, é melhor ser punido do que não o ser. Da mesma forma, o maior dos males seria cometer injustiça e não ser punido. O desejo de Cálicles de saber se Sócrates “fala com seriedade ou está de brincadeira” revela, já neste primeiro arroubo, um interlocutor arguto, capaz de entender as consequências das afirmações de Sócrates, que nos levariam a reconhecer que “a vida dos homens estaria de pontacabeça” (481b9-c4). Que cometer injustiça seja pior que a sofrer só seria verdade, para o novo interlocutor de Sócrates, segundo a lei e não segundo a natureza. Polo, assim, caíra em contradição por pudor ao concordar com Sócrates que seria mais vergonhoso

Todas as citações em português são de tradução de Daniel R. N. Lopes em Górgias de Platão, São Paulo, Perspectiva, 2011. 2 Quem me chamou a atenção para este aspecto foi BEVERSLUIS em Cross-Examining Socrates – A Defense of the Interlocutors in Plato´s Early Dialogues. 1

cometer injustiça do que sofrê-la. Polo teria também falhado em distinguir as duas instâncias, lei e natureza, e, por isso, sucumbiu à “oratória vulgar” de Sócrates (482e4-5). Contra essa posição, Cálicles afirmará que “segundo a natureza, tudo o que é mais vergonhoso é também pior, ou seja, sofrer injustiça” (483a7-b1)3 e que “a própria natureza revela que justo é o homem mais nobre possuir mais que o pior” (483c9-d2). A condenação da pleonexia seria apenas efeito da lei instituída pelos mais fracos, pelos piores, a fim de amedrontar e domar os homens superiores. A franqueza (parresia) de Cálicles é prontamente elogiada por Sócrates: a interlocução filosófica precisa justamente dela, de conhecimento e de benevolência (487a1-3). Sócrates fará questão de ressaltar, então, que a concordância de Cálicles, nesses termos, será a única pedra de toque da verdade durante a discussão. Sócrates reputará a franqueza de Cálicles tão importante que, numa ocasião em que Cálicles responde a uma questão dizendo que “a fim de que a discussão não me contradiga se disser que são diferentes, eu afirmo que são o mesmo”, Sócrates o repreenderá veementemente: “arruínas, Cálicles, a discussão precedente, e deixarias de investigar comigo de modo suficiente o que as coisas, se falasses contrariamente a tuas opiniões” (495a5-9). O primeiro passo de Sócrates, retomando a distinção entre lei e natureza mobilizada por Cálicles (483a-d), será tentar mostrar que, pela definição de Cálicles, a massa é mais forte por natureza e, portanto, superior e melhor. Se “melhor”, “superior” e “mais forte” são empregados sinonimicamente, o que Cálicles endossa a princípio, então é forçoso reconhecer que a massa é melhor e superior já que, por ser mais forte, ela é que institui as leis. Se as leis dos melhores e superiores serão, elas próprias, melhores e superiores, tais serão as leis da massa, donde podemos concluir que também por natureza é mais vergonhoso cometer injustiça do que sofrê-la e injusto não ter posses equânimes (488d4489b3). Ademais, se Sócrates estiver certo, ele não mais poderá ser acusado de trocar furtivamente os sentidos de “conforme a natureza” e “conforme a lei”.

De fato, esta posição de Cálicles impediria o argumento que Sócrates mobilizou contra Polo em 474c7-475e6, cuja conclusão é justamente que ninguém preferiria cometer injustiça a sofrê-la.

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Cálicles reage, em 489b7-c7, fazendo uma correção: os melhores não são os numericamente mais fortes, ou seríamos levados a pensar que uma chusma de escravos ignaros seria mais nobre que Alcibíades. Em que consistiria, então, ser o melhor? Cálicles responderá, pressionado por Sócrates, que melhor é ser mais

inteligente, ou seja, ter mais conhecimentos (489e8-9). Essa resposta de Cálicles selará sua sorte por todo o restante do diálogo, ao menos na cabeça de Sócrates, mas, antes de prosseguirmos, podemos perguntar se não havia uma resposta alternativa disponível a ele. Nesse ponto, Cálicles poderia ter insistido na equivalência entre “melhor”, “superior” e “mais forte”, mas aditado a ressalva de que esses predicados são relativos apenas a indivíduos e, no máximo, podem ser ditos homonimicamente de coletivos. A partir, porém, da resposta que escolhe, o diálogo caminha numa discussão semântica que tende a beneficiar Sócrates, mas a resposta de Cálicles poderia ter sido de ordem sintática. Seria difícil imaginar como então essa posição seria desenhada, mas o diálogo nos oferece boas pistas: o homem forte e, portanto, superior, seria justamente aquele que, com inteligência, impõe seu querer sobre a cidade, dando livre vazão a seus apetites4 (491e4-492a8). De qualquer modo, Cálicles passa a defender a posição de que “o justo por natureza é que o melhor e mais inteligente domine os mais débeis e possua mais do que eles” (490a6-8). Sócrates tenta atacar a posição de Cálicles apelando para uma série de exemplos que resvalam na comédia. Sapateiros, tecelões e médicos, sendo os mais inteligentes em suas artes, deveriam ter mais sapatos, roupas e comida, respectivamente. Cálicles protesta corretamente, afirmando que não falava dos homens mais inteligentes em cada arte, mas sim daqueles “que são inteligentes nos afazeres da cidade, no modo correto de administrá-la, e não somente inteligentes, mas corajosos, suficientemente capazes de levar a cabo o que pensam, sem se abaterem pela indolência da alma” (491a7-b4). Chamemos essa posição de

tese da dominação.

É possível afirmarmos que, para Cálicles, o mais forte seria aquele que faz afirmar sua vontade. A afirmação é anacrônica, porque o conceito de vontade não é bem delimitado ao menos em Platão, mas a posição seria plenamente defensável na modernidade.

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Sócrates imediatamente desloca a discussão para o tema do domínio de si, ao perguntar se estes homens que devem dominar somente dominam aos outros ou também a si mesmos (491d7-8). Quando Sócrates explica melhor o que significa ter domínio de si, Cálicles reage com veemência, exclamando que “os idiotas são os temperantes” (491e2), e dá-nos a conhecer o núcleo de seu hedonismo: “o homem que pretende ter uma vida correta deve permitir que seus próprios apetites dilatem ao máximo e não refreá-los, e, uma vez supradilatados, ser suficiente para servir-lhes com coragem e inteligência, e satisfazer o apetite sempre que lhe advier” (491e6-492a3). Chamemos essa posição de hedonismo. É verdade que ainda teremos de refinar nossa compreensão dessa formulação de Cálicles, mas desde já quero enfatizar que, até aqui, ele afirma duas coisas: o justo por natureza é o conteúdo da (i) tese da dominação e do (ii) hedonismo. É importante notar também que a defesa do hedonismo por Cálicles surge de sua defesa da tese da dominação contra as investidas de Sócrates. O sucesso da posição de Cálicles dependerá, em última instância, da coerência dessas duas afirmações. Sócrates tenta reagir ao hedonismo de Cálicles mobilizando a imagem dos vasos furados: o homem que dá vazão aos prazeres é como um jarro furado, que perpetuamente tem de se preocupar em enchê-lo, enquanto o homem temperante seria como um jarro sólido, que encontra descanso tão logo se encontre pleno. Cálicles joga luz na discordância ao responder que o homem pleno viveria como uma pedra, mas a vida realmente aprazível seria, ao contrário, a de máxima fluidez (494a8-b2). O que está em jogo aqui é a compreensão do status do prazer. Cálicles poderia estar argumentando que, uma vez que a vida é estar em perpétuo movimento, já que o repouso é próprio das pedras e dos mortos, então a boa vida não seria senão a vazão dos apetites e prazeres. Não haveria alternativa para nós senão preencher continuamente os jarros, já que só podemos ser, justamente, jarros furados. Sócrates, por sua vez, parece entender que Cálicles endossa a posição de que nossas vidas devem ser organizadas de acordo com um fim e que, para Cálicles, esse fim seria o prazer. Mas enquanto Sócrates, aqui, parece entender a felicidade como o estado de plenitude da satisfação dos apetites, Cálicles enfatiza

que a felicidade é o fluxo da satisfação desses apetites, ainda que a satisfação plena nunca chegue – ou melhor, justamente porque a satisfação plena não é um ideal5. Qualquer que seja, nesse aspecto, a melhor maneira de entender essa posição, o fato é que, a partir dos questionamentos de Sócrates, Cálicles diz que sua posição estende-se a “todos os demais apetites e ser capaz de saciá-los, deleitar-se e viver feliz” (494c2). Por um lado, Cálicles pode estar simplesmente se referindo a todos os apetites que, de fato, um indivíduo tenha, e não à totalidade dos apetites concebíveis. O hedonista de Cálicles seria alguém com uma lista de prazeres, cuja origem psicológica não nos interessa para o argumento, e que não seria obrigado a aceitar para si um prazer externo a essa lista só porque esse prazer é um prazer para alguém outro. Tudo que Cálicles estaria dizendo, então, é que alguém deve dar máxima vazão aos prazeres que de fato tenha, e não que crie cada vez mais prazeres e tenha de dar vazão a todos eles. Cálicles pode até estar afirmando que o hedonista deve poder acrescentar novos prazeres a sua lista se quiser, e tampouco isso o obrigaria a aceitar qualquer prazer—essa segunda opção será importante para a coerência entre a tese hedonista e a tese da dominação, discutida abaixo. Mas, de qualquer maneira, essa afirmação em 494c2 permite que Sócrates flanqueie Cálicles com os contraexemplos do homem que se deleita coçando-se à porfia e do homossexual passivo. Não nos levaria a tese hedonista de Cálicles, mesmo se entendida na forma de uma lista de prazeres, a afirmar que também estes homens devem dar vazão máxima a seus prazeres? Do fato de um homem deleitar-se na coceira, é certo, não se segue que se coçar será um prazer para todos os demais homens; mas este homem que assim se deleita, não deverá ele dar vazão a seu prazer? Até aqui, tudo indica que sim. Mas o ponto é problemático porque Cálicles rejeita a sugestão, dizendo que há coisas prazerosas que não são boas. Esse parece ser um recuo fatal para Cálicles, pelo menos na visão de Sócrates. A mise-en-scène complica-se em 499b1-5, quando Cálicles reforça que desde o começo supunha haver prazeres melhores e piores e em 499e6-500a6, quando concorda também que todas as coisas aprazíveis devem ser feitas em vista do bem e que, para isso, é preciso de um técnico. O imbróglio completa-se, porque, 5

Cf. IRWIN, p. 194.

após Sócrates reabilitar a distinção entre as artes que conhecem seu objeto e dão as razões dele e as práticas que miram apenas no prazer e na bajulação, Cálicles parece rejeitar a distinção em 501c7-8, mas Sócrates simplesmente ignora essa discordância e continua o diálogo como se Cálicles a tivesse endossado6. A partir daqui, a interlocução passa a degenerar-se até chegar ao ponto, a partir de 505d8, em que Cálicles se retira momentaneamente da discussão. É hora de uma breve recapitulação. Se considerarmos apenas a tese

hedonista de Cálicles, se considerarmos também que o hedonista é alguém com uma lista própria de prazeres e que somente a esses prazeres deve dar vazão máxima, e mesmo se rejeitarmos os três argumentos que Sócrates mobiliza em 495c2-499b2 para mostrar que o bem e prazer são diferentes, ainda é verdade que o próprio Cálicles rejeita com franqueza a posição de que o homem que se coça seja feliz e nos diz que existem prazeres melhores e piores. Como lidar com essa aparente tensão na posição de Cálicles? A chave da questão está justamente no momento em que a discussão entre Cálicles e Sócrates degringola. Vimos que Cálicles confirmou que há um bem diferente do prazer (499b1-5) e que é preciso de um técnico para selecionar as coisas boas entre as aprazíveis (500a6), mas nós

não sabemos o que Cálicles entende ser o bem nem o que entende ser um técnico. Sabemos que ele rejeita a distinção entre prazer e bem nos moldes como Sócrates a formula (501c7-8) e, portanto, a noção de técnico que vem atrelada a ela, mas Cálicles nunca chega a formular uma concepção alternativa, porque Sócrates ignora a discordância e o restante do diálogo segue de acordo com as categorias desenhadas por este último. Acredito que a posição de Cálicles se esclarece ao lembrarmos que ele afirma também a tese da dominação: “o justo por natureza é que o melhor e mais inteligente domine os mais débeis e possua mais do que eles” (490a6-8) e estes melhores são aqueles “que são inteligentes nos afazeres da cidade, no modo correto

de

administrá-la,

e

não

somente

inteligentes,

mas

corajosos,

suficientemente capazes de levar a cabo o que pensam, sem se abaterem pela Diferentemente de outras passagens em que Sócrates censura Cálicles por não ser franco, nada é dito aqui. É interessante notar que, apesar de IRWIN (pp. 208-211) discutir as tensões e dificuldades da distinção socrática entre as artes que visam ao bem e as práticas que visam à adulação, ele deixa passar em branco a recalcitrância de Cálicles a ela nessa passagem.

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indolência da alma” (491a7-b4). Hedonismo e dominação estão muito próximos, mas não se confundem. A dominação é o bem, porque ela amplia as possibilidades disponíveis a cada um: possibilidades de ter mais apetites, de satisfazer cada vez mais esses apetites, sem moderação diante de normas convencionais, sem preocupação com as consequências exteriores, enfim, possibilidade de afirmar-se como um forte, como autônomo: “luxúria, intemperança e liberdade, uma vez asseguradas, são virtude e felicidade” (492c4-6). Um problema persiste, no entanto. Como podemos defender a posição de Cálicles contra a suposta incongruência entre (a) sua defesa imoderada dos prazeres e (b1) sua defesa da necessidade de coragem, que implicaria, ao contrário, a (b2) capacidade de moderação dos prazeres menores a fim de se buscar os prazeres mais importantes7? Não seriam (b1) a coragem e (b2) a moderação contrárias à exaltação da (a) intemperança por parte de Cálicles? Afinal de contas, o homem que encontra imenso prazer em coçar o cotovelo esquerdo deveria dar máxima vazão ou moderá-lo em face de prazeres melhores? Uma alternativa seria entender que a temperança desprezada por Cálicles é a moderação dos apetites em face de limitações externas ao indivíduo. Idiota ou fraco seria aquele que deixa de perseguir um prazer porque a convenção social o proíbe. Quando ele primeiro escarneceu da temperança, em 491e2, a discussão vinha caminhando da relação entre os fortes por natureza as limitações impostas pelas convenções dos fracos. Cálicles tinha isso mente. Quando a discussão sobre a temperança ressurge em 504b4-5, ele já está recalcitrante e a discussão, agastada. Nada na recusa de Cálicles à temperança parece impedi-lo de moderar um prazer momentaneamente para alcançar um maior. No caso de um ser humano, isso seria, inclusive, natural, uma vez que é inegável que a racionalidade é natural ao

Cf. IRWIN, p. 205: “Callicles himself presented courage as an ordering of desires, so that someone could fulfill his plans without distraction by conflicting ‘cowardly’ desires, 491b; but if it is best to satisfy present desires without restraint, then the restraint needed for courage is also proscribed. Callicles´ initial view of a good and wise man presented someone who fulfilled his long-term plans resolutely; but his advocacy of unrestricted desire-satisfaction conflicts with that view. Socrates has shown that Callicles cannot consistently accept courage and reject temperance; the two virtues go together, and indeed are scarcely distinguishable, since both require someone to pursue his longterm goals and avoid distraction by present satisfactions”

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homem8. Isso ajudaria a explicar, afinal, por que Cálicles diz haver maus e bons prazeres: o homem que se coça o tempo todo se limita radicalmente. É claro que, se coçar-se é o único prazer que ele encontra na vida, não há motivo para que ele não se coce. Mas se ele puder escolher, não será esse o apetite a ser cultivado. Se rejeitarmos essa leitura moderada do que Cálicles entende por moderação, ainda restaria uma alternativa para entender sua posição. Nesse caso, se enxergarmos na posição hedonista de Cálicles uma pretensão universalista, uma defesa de um modo de vida que deve valer para todas as pessoas, então ou (i) devemos aceitar que esse homem que se deleita ao se coçar deve moderar seus apetites, a fim de respeitar a tese da dominação, o que, no entanto, seria um endosso da virtude da moderação, rejeitada por Cálicles, ou (ii) devemos aceitar que ele dê máxima vazão a esses apetites e seja assim feliz, o que contraria a tese

da dominação e a distinção endossada por Cálicles entre prazeres melhores e piores. Em ambas as hipóteses, se Cálicles entende moderação no sentido forte, ele cairia em contradição. Mas poderíamos compreender a tese de Cálicles em um sentido não universal: aqui, talvez ela revelasse toda a sua força e toda a sua fraqueza. Cálicles estaria simplesmente dizendo que os fortes e superiores por natureza são aqueles que calham ter apetites tais e quais, e inteligência e coragem suficientes de modo a poder satisfazê-los sem moderação, contornando todas as limitações impostas pelas convenções. Nessa hipótese, o homem que gosta de se coçar simplesmente não seria um desses fortes e superiores: seus desejos, por natureza, retiram-lhe a possibilidade de ocupar esta posição. Para recuperar a metáfora do leão, o homem que se deleita coçando-se seria como um leão que tivesse nascido com um gosto exagerado por se lamber e se esquecesse de caçar e procriar. Calhar de ser um forte exigiria uma rara combinação de apetites e

Reconheço que essa leitura negaria a impossibilidade de “indexação temporal dos prazeres” no hedonismo de Cálicles, mas não encontro no Górgias um trecho que seja peremptório na demonstração de que Cálicles não aceitaria essa indexação. Não cabe aqui entrar na discussão sobre o hedonismo no Protágoras, mas, quer leiamos 351c-e como a expressão de um hedonismo socrático, quer leiamos 351c-e apenas como a tentativa de Sócrates de mostrar que mesmo uma posição hedonista precisaria de uma “arte de medir”, o endosso do uso da razão na formulação da posição hedonista não nos compromete necessariamente com as demais posições socráticas a respeito do bem: poderíamos conceber um uso meramente instrumental da razão na maximização dos prazeres.

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habilidades, talvez a ponto de o homem forte de Cálicles ser tão raro quanto o natural filósofo de Platão. O ponto da tese de Cálicles seria simplesmente lembrar a estes fortes que eles não precisam moderar seus apetites. Se calharam nascer como fortes, que se afirmem como tais. Uma ética para os fracos, deixemos que Sócrates a formule para os seus.

Bibliografia BEVERSLUIS, John. Cross-Examining Socrates – A Defense of the

Interlocutors in Plato´s Early Dialogues. Cambridge University Press, 2000. PLATÃO, Górgias. LOPES, Daniel R. N.: tradução, ensaio introdutório e notas. São Paulo, Perspectiva, 2011. PLATO, Gorgias. IRWIN, Terrence: tradução e notas. Oxford

Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Filosofia

O hedonismo de Cálicles no Górgias de Platão

Filosofia Antiga I Prof. Marco Antonio Zingano Aluno: Renan Barbosa Fernandes Número USP 6856378

São Paulo 2015

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