O Hibridismo na Sociedade Olisiponense pós-1147

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O Hibridismo na Sociedade Olisiponense pós-1147 1 Manuel Fialho Silva Inês Lourinho Centro de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Sumário Este artigo vem trazer à luz novos dados sobre a sociedade de Lisboa entre os séculos XII e XIII. Foram analisados documentos inéditos, provenientes, na sua maioria, dos fundos documentais de São Vicente de Fora de Lisboa e Colegiada do Convento de Chelas. Revelam a cidade de Lisboa como um ponto de intersecção de linhas culturais diversas, desde os novos colonos do Norte cristão até à adaptação das diferentes comunidades nativas: muçulmanos, judeus e moçárabes. Palavras-chave: Lisboa, sociedade, moçárabes, judeus, muçulmanos.

Abstract This paper brings to light new information about Lisbon’s society in the 12th and 13th centuries. Unpublished documents of this period, mostly originating from the São Vicente de Fora and Convent of Chelas funds, both in Lisbon, were toughly analyzed. These documents reveal the city of Lisbon as an intersection point of multiple cultural lines, including the new settlers from the Christian North and the adaptation of different native communities: Muslims, Jews and Mozarabs. Keywords: Lisbon, society, mozarabs, jews, muslims.

1

Agradecemos aos professores Hermenegildo Fernandes e Maria João Branco o valioso apoio na

realização deste trabalho.

Misteriosa e fascinante: assim podemos adjectivar Lisboa, com os mesmos sentimentos fortes que espreitam pelo discurso do cruzado inglês que narrou a conquista da cidade, em 1147, e relevam, sem dúvida, de um encontro de culturas de matriz diversa. Tornou-se um lugar-comum lamentar a escassez de documentação sobre a cidade medieval. Mas os indícios, analisados de forma crítica, compõem instantâneos de onde emerge uma realidade fluida, bem menos estanque do que a historiografia tradicional tem proposto. Se Lisboa era já um espaço da cultura de fronteira, produto das sucessivas basculações da marca inferior, e um ponto de passagem de rotas comerciais sob o domínio muçulmano, a reconquista veio acrescentar termos a esta equação. Muçulmanos, judeus e cristãos de origem peninsular e norte-europeia passaram a partilhar uma paisagem sócio-cultural com maior ou menor grau de constrangimentos. A onomástica fornece a massa crítica para uma análise cujos resultados não são unívocos: um mesmo nome pode corresponder a realidades muito diversas e nem sempre evidentes. Ainda assim, o nome era, como continua a ser, um dos elementos mais importantes da identidade, tanto a nível cultural como social ou, mesmo, religioso. A sua escolha é reveladora de rupturas e continuidades face à linha do passado. A maioria dos documentos examinados integra os fundos dos mosteiros de São Vicente e Chelas e as chancelarias de Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II e Sancho II. Mas este corpus não é, evidentemente, universal nem representativo da realidade. Tem de ser considerado nos seus limites. Há que assumir o evidente interesse de São Vicente em zonas como Alvalade, Bucelas, Famões, Odivelas e Alfama, o que condena o resto da cidade e respectivas zonas periurbanas à virtual obscuridade. Para os inícios do século XIII, Chelas contribui com mais alguma informação, mas não preenche todos os vazios. Todavia, estes fundos documentais permitem mais do que intuir uma realidade: em certos momentos, oferecem imagens mais ou menos focadas de indivíduos concretos e condições em que vivem. Ao colocarmos todas as fotografias lado a lado, obtemos um painel com azulejos em falta, mas, em troca, ganhamos uma certa noção de conjunto. A cronologia assumida vai desde o momento da reconquista, em 1147, até 1248, data que marca o ocaso de Sancho II, falecido no Inverno da distante cidade de Toledo. Este é ainda o ano em que o mundo cristão se apodera finalmente de Sevilha, fabulosa capital andaluza dos impérios almorávida e almóada. Assumimos duas excepções às

balizas temporais propostas. Dada a inexistência do designativo “moçárabe” na documentação consultada para o século XII, avançámos na cronologia até finais do XIII, quando se detectam algumas ocorrências no contexto de Lisboa. Apesar da introdução do rito romano, ou talvez por isso mesmo, alguns indivíduos continuavam a afirmar o seu moçarabismo. Entendemos ainda destacar dois documentos da chancelaria de Afonso III, pela riqueza de informações a propósito de duas comunidades minoritárias no tecido social lisboeta: judeus e mouros. Revelam pormenores interessantes no plano da micro-história e apontam sobretudo para uma cultura partilhada entre as minorias e a maioria cristã, o que é evidenciado, não só pela onomástica, como também pela propriedade e cultivo da vinha, que, aliás, os cruzados do Norte e seus descendentes irão igualmente abraçar. A Lisboa do pós-reconquista parece conformar uma sociedade de múltiplas influências culturais, ao agregar elementos hispano-romanos, andaluzes, judeus e norteeuropeus, ainda deficitariamente homogeneizados.

Um nome, um mosaico de realidades O sistema onomástico árabo-muçulmano é composto de várias parcelas, que, além de remeterem para um nome próprio, identificam a linhagem e, muitas vezes, a profissão, origem geográfica ou tribo. Inclui ainda a chamada kunya, cuja marca, no caso dos homens, corresponde a Abu e, no das mulheres, a Umm. À medida que a reconquista avança e os indivíduos de origem muçulmana vão sendo assimilados pela sociedade, estes elementos tendem a simplificar-se e ficar mais próximos do esquema cristão. Parece apontar neste sentido o exemplo de Pedro Mouraniz, referenciado como uma das autoridades de Lisboa num inquérito mandado realizar por Sancho I, em 1210, sobre os pagamentos de vinho durante o relego do rei ao tempo de Afonso Henriques.2 “Mouraniz” funcionaria como o patronímico latinizado de “Marwan”. Em lugar de Pedro b. Marwan, surge-nos, pois, um Pedro Mouraniz. A onomástica árabe latinizada pode ainda incluir remissões para alcunhas, tal como acontece na prática cristã. Assim, ficamos a saber que Paio Mouro, proprietário de uma vinha em Alvalade em finais do século XII, é manco.3

2

Documentos de Sancho I, Vol. I, pp. 295-6.

3

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 56.

Também estão presentes referências à profissão, com o acréscimo de “mestre” ao nome próprio. Em muitos casos, não se tratará de letrados, como mestres-escola, médicos ou notários – ainda que não seja impossível –, mas mestres de ofícios. Ficamos, por exemplo, a par da existência de um Mestre Motase (Mu’tasim?), cujo filho testemunha a venda de uma vinha em Almargema, no ano de 1210.4 O grau de latinização da onomástica é tal que, em certos casos, só com dificuldade se percebe o ponto de partida árabe. Por exemplo, a documentação oferecenos um Martim Gabaire5 ou Gabarre.6 Aparece, em 1210, nas confrontações de uma propriedade em São João da Praça, Lisboa. Onze anos antes, testemunha a venda de uma vinha na localidade de Benefarzom, junto a Alvalade. “Gabaire” ou “Gabarre” parecem remeter para uma origem árabe, se tivermos em conta o raciocínio de Maria Filomena Barros em Tempos e Espaços de Mouros, pelo qual faz corresponder a transcrição “Abicaire”, presente num documento que analisou, a “Abu-l-Hayr”.7 Novo exemplo é-nos dado por Pedro Táália e Vicente Táália, que, em 1232, testemunham a venda de uma herdade em Alcubela.8 O apelido pode remeter para “ta’lia”, equivalente a “torre de vigia” e origem da palavra “atalaia”. Outros não oferecem dúvidas. É o caso de um Falifa, pai de Soeiro Domingos, que, por sua vez, testemunha a venda da mesma herdade. A forma latinizada corresponde ao árabe “Halifa”.9 Outro indivíduo, Azeiti Soeiro Soares, que, em 1205, surge no âmbito da venda de uma herdade no Furadouro,10 torna-se mais simples de identificar. “Azeiti” equivale ao árabe “Abu Zayd”.11 O uso de uma onomástica de origem árabe, mais ou menos latinizada, não permite, no entanto, concluir pela prática da religião muçulmana. O mesmo raciocínio se aplica ao caso moçárabe. Não é possível, apenas com base num nome, categorizar os indivíduos e alocá-los a um determinado grupo religioso. Para maior segurança, devemos atribuir ao termo “moçárabe” um sentido mais lato e apontar para uma

4

TT, Chelas, Maço 15, Doc. 292.

5

Idem, Maço 7, Doc. 130.

6

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 28.

7

Maria Filomena Barros, Tempos e Espaços de Mouros, p. 165.

8

TT, Chelas, Maço 11, Doc. 215.

9

Maria Filomena Barros, Op. Cit., p. 243.

10

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 25.

11

Maria Filomena Barros, Op. Cit., p. 289.

realidade porosa, em que as culturas se contaminam, aceitando que os eventuais elementos da onomástica árabe nos indivíduos que se movem na Lisboa pós-1147 não determinam a religião que seguem. De resto, uma proposta semelhante é avançada por Victoria Aguilar em artigo publicado na revista Al-Qantara.12 Apesar de dificultar uma identificação inequívoca, torna o universo de análise, no caso a sociedade lisboeta, bem mais rico e interessante e revela o impacto da cultura de fronteira mesmo nos pequenos detalhes do dia-a-dia dos indivíduos.

Vinha como elemento agregador Os fundos dos mosteiros de São Vicente de Fora e Chelas evidenciam um claro interesse destas instituições no cultivo da vinha e concentração de propriedades. Mas também mostram um elevado grau de envolvimento de particulares, independentemente do grupo social ou origem. A avaliar pela documentação, a zona vinhateira com maior relevo no tecido periurbano de Lisboa parece ser Alvalade. No período medieval, seria mais extensa do que o actual bairro de Lisboa que lhe leva o nome: abarcaria um Campo Pequeno e um Campo Grande, topónimos que se mantêm, mas já desligados da designação matricial. Distava aproximadamente 4 a 5 quilómetros do perímetro amuralhado da Lisboa dos séculos XII e XIII. Para percorrer a pé a distância até à Porta do Ferro, principal acesso a Lisboa, seria necessário cumprir cerca de 1 hora. Este topónimo já fez correr muita tinta, sobretudo no que respeita à etimologia. O estudo mais recente, de António Rei, confirma a proposta de David Lopes, segundo a qual a palavra provém do árabe “balata”, que tinha como primeiro significado “lage” ou “pavimento liso”. Muito menos tem sido escrito sobre o local propriamente dito e quem lá vivia e trabalhava, questões de grande relevância, pois Alvalade é dos poucos lugares referenciados nos documentos coevos. A vasta maioria identifica quase sempre o cultivo da vinha, datando o mais antigo de 1180.13 A importância desta cultura e a atenção que merece desde sempre do poder régio pode ser atestada pelo corpo de forais que vão sendo exarados ao longo da primeira dinastia, em que a venda do vinho tende a obedecer a regras estritas. Mas também era praticada por todo o al-Andalus. O foral dos mouros forros, de 1170, mostra-o sem 12

“Onomástica de Origen Árabe en el Reino de León (Siglo X)”, Al-Qantara, Vol. 15, p. 352.

13

Os 12 documentos presentes no Inventário de São Vicente sobre Alvalade referem-se a vinhas, quer

directamente, através de compras e vendas, quer nas confrontações. O mais antigo, com o número 56, data de 1180.

margem para dúvidas. Apesar de proibido pela religião muçulmana, o vinho era amplamente consumido, como atesta a requintada poesia de al-Mu’tamid Ibn Abbad. O tratado da boa governação das cidades (hisba) de Ibn Abdun, escrito no princípio do século XII, evidencia também uma preocupação com a idoneidade e conduta das autoridades de Sevilha, que aconselha a serem escolhidas também pela sua moderação no consumo de vinho. Os indícios são bem reveladores de que os excessos deveriam ser comuns.14 Alvalade surge como uma rica região vinhateira, com algumas propriedades a possuírem inclusive lagares in situ.15 Alguns dados fazem suspeitar de continuidades face ao tempo do domínio muçulmano. Por exemplo, em 1180, 1181, 1183 e, por duas vezes em 1185, a propósito da venda de vinhas, surge o nome de um Paio Mouro, detentor de uma propriedade vizinha.16 Parece manter-se indivisa, até que, em 1194, novo documento dá conta da venda, por Martim Peres e mulher, Maria Gomes, de um oitavo da propriedade que pertencera a Paio Mouro. Tê-la-ia vendido a este casal ou falecido entretanto e os herdeiros efectuado a transacção? Em 1199, outra personagem com o epíteto de “mouro”, João, testemunha a venda de mais uma vinha.17 Novo documento, de 1185, mostra que é proprietário em Alvalade: o seu nome aparece nas confrontações de uma vinha alienada.18 Em 1187, um João Zalema (Sulayman) detém também uma propriedade fundiária em Alvalade.19 Verificam-se, em paralelo, processos de ruptura, com transferências de propriedade neste final do século XII. À volta de Paio Mouro, o mundo parece mudar de mãos. Entre os compradores, destaca-se o mosteiro de São Vicente de Fora, o que indicia um fenómeno de concentração fundiária. Observamos ainda aquisições por parte de cruzados ou descendentes, como é o caso de Pedro Inflato,20 e personagens da hierarquia eclesiástica, a título pessoal, como um Mendo Presbítero.21

14

Risala fi al-Qada wa al-Hisba, Trad. Évariste Lévi-Provençal e Emilio García Gómez.

15

Inventário de São Vicente de Fora, Docs. 48 e 58.

16

Idem, Docs. 38, 47, 54, 64 e 65.

17

Idem, Doc. 23.

18

Idem, Docs. 38 e 65.

19

Idem, Docs. 44 e 67.

20

Idem, Docs. 56 e 54.

21

Idem, Docs. 47 e 64.

Se existem algumas pistas para aferir as continuidades ou rupturas de um ponto de vista da propriedade, no caso em Alvalade, torna-se mais complicado analisá-las no plano religioso. Não são possíveis respostas seguras apenas a partir do apodo “mouro”. As mesmas incertezas pendem, por exemplo, sobre Pedro Almourim, cujo filho André testemunha a venda de uma propriedade em Odivelas, no ano de 1229.22 Um bom exemplo da dificuldade em atribuir uma prática muçulmana a um portador de um tal epíteto é João Peres Almourim, respectivamente, filho e irmão dos anteriores e notário em São Vicente de Fora.23 Aparece em 1276 a testemunhar o aforamento por Afonso III de duas tendas na Rua dos Artífices, freguesia da Madalena, a São Vicente. 24 Apesar de associado a uma instituição eclesiástica, é portador de um nome que, numa análise mais superficial, remeteria para uma realidade muçulmana. Na Lisboa do pós-reconquista, “mouro” tanto pode conduzir a seguidores do Islão como a convertidos ao Cristianismo. Diferente será o caso dos “mouros” indicados nos foros e forais25 e nas Inquirições de Afonso II e Afonso III, cativos, equiparados a gado e, por extensão, sem estatuto jurídico. Por maioria de razão, nunca poderiam validar uma compra e venda, pelo que esta realidade se encontra automaticamente excluída da documentação analisada. Diversa é ainda a situação de párocos e presbíteros apelidados de “mouros” que aparecem nas regiões mais a Norte de Portugal, o que, como explica Maria Filomena barros, “remete para uma integração plena destes antigos escravos nas estruturas socioeconómicas”.26 A mesma segurança não oferece, no entanto, a situação de Vicente Mouro Presbítero, que, em 1255, testemunha a venda de umas casas em São Nicolau. Seria um convertido tornado presbítero? Um descendente de muçulmano? Uma outra realidade é a de Omar Mouro, que a documentação coloca no arrabalde muçulmano em 1263.27 Detém uma propriedade que confronta com as casas do pretorado, as quais Afonso III doa a Galib e Aysha, sua mulher. É o antecessor de Galib no cargo de pretor. Neste contexto, “mouro” já traduzirá, até pela posição ocupada dentro da comuna, uma prática religiosa muçulmana. 22

TT, Chelas, Maço 6, Doc. 112.

23

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 2, Doc. 26.

24

TT, Gaveta 1, Maço 2, Doc. 15.

25

Com a excepção dos forais de mouros forros, evidentemente.

26

Maria Filomena Lopes de Barros, Op. Cit., pp. 36-7.

27

TT, Chancelaria de Afonso III, Liv. 1, fl. 66v.

Se cristãos e muçulmanos estavam envolvidos no negócio do vinho, o mesmo poderá afirmar-se a respeito dos judeus. Um documento datado de 1218 revela-nos que Anto, que era viúva de Samuel, Jacob e dois outros indivíduos vendem uma vinha e almuinha em Xabregas,28 topónimo de origem árabe, como explica António Rei.29 Mossel, filho de Cidy; Samuel Ourives, filho do rabi; Saborido; Samuel; Cydelo; Cegelym, filho de Albatim; e Martim Galego são as testemunhas. Merece destaque a forma “Cydelo”, como se, ao nome “Cid”, vulgar tanto entre judeus como muçulmanos, tivesse sido acrescentado a partícula “elo”, que corresponde ao diminutivo nos dialectos moçárabes.

Homogeneização cultural em curso Um inevitável processo de fusão entre os grupos sociais presentes na Lisboa pós-1147 parece ser acompanhado como que por bolsas de resistência. Vejamos marcas do primeiro fenónemo. Em finais do século XII, a documentação permite detectar diversos indivíduos que usam o sobrenome “Alganame”. Egas surge em 1173, como proprietário de uma herdade em Belas,30 perto da Fonte da Silveira, topónimo que resistiu até aos nossos dias. Miguel interpela-nos em 1199, também ele detentor fundiário, mas em Alvalade.31 A propriedade não está descrita, mas tendo em conta o cultivo intensivo da vinha nesta localidade, podemos pensar que também o fosse. Ambas as personagens aparecem claramente ligadas à terra, mas só podemos intuir a mesma condição em relação às que se seguem, porquanto apenas referenciadas como testemunhas. Ainda em 1199, Rodrigo e João participam da venda de uma vinha em Benefarzom.32 Já em 1230, um Vicente Pais de Almada, descrito como filho de Paio Alganame, valida a venda de uma herdade na Ribeira de Coina, no termo de Sesimbra.33 Com o filho, parece cair a designação arabizada de “Alganame”. O seu nome funde-se no vulgar sistema latino: nome próprio seguido de patronímico e local de origem. Quanto à última transacção, é interessante notar que a região na margem Sul do Tejo só passaria a 28

TT, Colecção Especial, Parte I, Caixa 81, Maço 2, Doc. 53.

29

António Rei, “Ocupação Humana no Alfoz de Lisboa”, pp. 26-7.

30

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 27.

31

Idem, Doc. 46.

32

Idem, Doc. 28.

33

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 2, Doc. 33.

ser segura na perspectiva do reino cristão após a conquista de Alcácer do Sal, em 1217. No momento desta venda em Coina, estamos numa fase primária da organização do território e o poder político procura fixar povoadores ao espaço. O grupo dos Alganames caracteriza-se por um evidente hibridismo ao nível do sistema onomástico. O primeiro elemento é comum no contexto medieval ibérico, enquanto que o segundo provém do árabe, mais exactamente de “al-gannam” ou “pastor”. Levantam-se duas hipóteses. Por um lado, podemos estar perante uma adjectivação simples, concretizada pela caracterização profissional do indivíduo: o Paio pastor ou o Miguel pastor. Por outro, pode tratar-se de um nome que, apesar de uma inequívoca origem árabe, se converteu em apelido. A segunda hipótese suscita, evidentemente, a dúvida de estes indivíduos possuírem laços familiares. Os dados disponíveis, que se resumem ao nome, não permitem optar com segurança por nenhuma das propostas. Mas é possível sublinhar o mais relevante. Um tal esquema onomástico é revelador da cultura de fronteira: um “nomen” latino acoplado a uma “nisba” árabe. Saúl António Gomes, seguindo uma proposta de Gerad Pradalié, sugere que Egas, Miguel e Rodrigo fossem moçárabes.34 Apesar de não haver mais informações que permitam identificar uma prática religiosa, o sobrenome “Alganame” pode, ainda assim, ser considerado moçárabe no sentido etimológico da palavra. Como aparece sobretudo no final do século XII, numa época em que a cultura dos conquistadores ainda não se sobrepôs totalmente aos elementos remanescentes do mundo árabomuçulmano, é possível cogitar a hipótese de estes indivíduos seguirem o rito moçárabe. Uma lógica semelhante pode ser transposta para o caso de Salvador Alpaumbo, que surge em 1181 a propósito de uma doação em Bucelas, onde os filhos têm uma propriedade.35 “Alpaumbo” não oferece uma etimologia totalmente segura, mas pode provir da palavra romance “palumbarius”, ou seja, “pombeiro”, que, por sua vez, tem origem no étimo latino “columba” ou “pomba”. Neste sentido, “Alpaumbo” corresponderia a uma palavra em que o artigo “al-” do árabe foi aposto a uma palavra romance e em que se verificou a queda do –l- intervocálico. Teríamos, então, um étimo latino profundamente influenciado pela língua árabe, resultando numa palavra moçárabe. Resta notar que os filhos de Salvador Alpaumbo não surgem no documento

34

Portugal em Definição de Fronteiras, p. 345; Gerard Pradalié, Lisboa da Reconquista ao Fim do

Século XII, p. 74. 35

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 61.

com o mesmo nome. Adoptam antes o sistema onomástico cristão, como demonstra o caso de Pedro Salvador. Seria este indivíduo moçárabe? Sem mais dados, não podemos afirmá-lo, apesar de o nome o ser claramente. Mas, uma vez mais, considerando o pouco tempo decorrido desde a conquista de Lisboa, há algumas probabilidades. Salvador Alatar também suscita interrogações sobre o uso de uma onomástica que tanto pode indiciar uma profissão como um nome de família já vulgarizado. Em 1211, testemunha a venda de uma vinha em Famões.36 O segundo nome tem provável raiz no árabe “al-attar”, que, no al-Andalus, corresponderia a “perfumista”.37 Em 1217, ano da conquista de Alcácer do Sal, vende, em conjunto com a mulher, Maria Afonso, uma vinha em Marvila por 40 morabitinos.38 Já o nome de Salvador Alfalili remete para uma realidade ligeiramente diferente. Em 1209, possui uma parcela de um campo em Almafala.39 O sistema onomástico cristão está presente, mas o segundo elemento, de origem árabe, foi latinizado. Estaremos possivelmente perante o nome “Khalil”, comum no mundo islâmico. O som aspirado a que corresponde “Kh” foi convertido em –f-. Parece semelhante a situação de Salvador Alfarde. Na venda de uma herdade ao mosteiro de São Vicente, em 1190, surge nas confrontações como proprietário de uma herdade em conjunto com os filhos de Paio Velho.40 O nome “Alfarde” é sobretudo conhecido num contexto conimbricense para a primeira metade do século XII, onde a influência moçárabe era ainda forte. Podemos evocar o caso de Pedro Alfarde, autor da Vita Tellonis, a hagiografia de D. Telo, por sua vez, fundador de Santa Cruz de Coimbra. Aparece a confirmar vários documentos nos anos 30 do século XII. Já Pedro Alfarde Martins foi prior na mesma instituição.41 Quanto a Salvador, não é possível afirmar laços familiares com os Alfardes de Coimbra. De qualquer das formas, conseguimos estabelecer uma analogia com nomes semelhantes no al-Andalus. Recordemos o caso do polígrafo Ibn al-Faradi, que viveu a fase final do califado de Córdova, entre o ocaso do século X e os alvores do XI, e foi cádi de Valência. “AlFaradi” parece indicar uma origem e pode ter redundado na forma “Alfarde”. 36

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 1, Doc. 42.

37

Reinhart Dozy e W.H. Engelmann, Glossaire, p. 59.

38

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 2, Doc. 5.

39

Idem, 1.ª Incorporação, Maço 1, Doc. 38.

40

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 31.

41

Armando A. Martins, O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra na Idade Média, p. 306.

Mais um caso de latinização de um nome árabe é-nos dado por “Algazar”. Em 1228, Mestre João Algazar e Domingos Fernandes Algazar testemunham a venda de uma casa na freguesia de São Nicolau, em Lisboa.42 A forma “Algazar” pode ter origem em “al-Ghazali”, epíteto bem conhecido tanto no al-Andalus como no universo cristão. Basta evocar o mestre sufi persa Abu Hamid Muhammad b. Muhammad. Designado por “al-Ghazali” entre os muçulmanos e “Algazel” junto dos cristãos, a sua obra foi queimada em duas ocasiões, a mando dos líderes almorávidas. Atentemos, agora, num grupo de nomes que remete para uma origem comum: o nome bíblico Salomão, grafado no caso dos judeus como “Solomon” e, entre os árabes, enquanto “Sulayman”. Zalemas,43 Pedro Zoleima,44 João Zalema,45 Salomão (filho do almoxarife

judeu)46

e

Salomão

Alborriqui47

são

exemplos

oferecidos

pela

documentação. Os três primeiros denotam a presença da forma arabizada, com a sonorização da primeira vogal “z” (s>z) e a vocalização “le, lei” (lo>lei). Estas marcas permitem distingui-los dos restantes indivíduos, identificados como judeus na documentação. Apesar de o trio inicial traduzir nomes moçárabes, com a excepção de Zalemas compostos dentro do sistema onomástico cristão, não podemos, de novo, afirmar uma pertença a um grupo religioso específico apenas a partir destes dados. João Zalema e Zalemas possuem vinhas em Alvalade: a primeira é referenciada em 1187 e a segunda em 1240. Pedro Zoleima e a mulher, Teresa Pais, são proprietários de casas na freguesia de São Salvador, Lisboa. No que se refere a Salomão Alborriqui e ao homónimo filho do almoxarife judeu, estão associados à judiaria. Os pardieiros do primeiro, por sua morte, são doados pelo rei Afonso III a outro casal de judeus no ano de 1260. O segundo Salomão, em 1229, era proprietário de uma casa em São Nicolau, ou seja, fora da judiaria, mas não muito longe. O documento em que surge a última personagem é, de resto, muito rico em informações sobre a sociedade lisboeta e merece análise mais detalhada.48 Sanciona a 42

TT, Chelas, Maço 11, Doc. 204.

43

Idem, Maço 10, Doc. 192.

44

Idem, Maço 5, Doc. 88.

45

Inventário de São Vicente de Fora, Docs. 44 e 67.

46

TT, Chelas, Maço 5, Doc. 89.

47

TT, Chancelaria de Afonso III, Liv. 1, fl. 46.

48

TT, Chelas, Maço 5, Doc. 89.

venda de uma casa na freguesia de São Nicolau a Gonçalo Soares, identificado como escrivão do rei, que, à época, era já Sancho II. A lista dos vendedores é extensa e de grande interesse: “Martinho Pires Satamira fab., Zarcus fab., D. Romanus fab., Petelinus fab., D. Durão fab., D. Alfonsus fab., Domingos Pais fab., João Pires fab., João Eanes Faísca, Mestre João Faísca, Elvira Eanes, Martinho Esteves fab., Domigos Mocemude Balistarius, e muitos outros confrades”. Estes indivíduos parecem pertencer a uma confraria de artesãos, tanto pela expressão “faber”, abreviada em “fab.”, que segue vários nomes, como pela menção a outros “confrates”. Ou seja, partilhavam o saber de uma arte. Segundo Gérad Pradalié, o documento revela uma confraria de ferreiros49. Analisemos-lhe a onomástica. A primeira personagem referida é “Martinho Pires Satamira fab.” Há dificuldade em encontrar uma etimologia credível para “Satamira”. Podemos, no entanto, notar que o nome próprio “Satimiriz” surge em 1258 nas Inquirições de Afonso III, na região de Celorico de Basto. O confrade seguinte, Zarcus, revela uma alcunha que vem da palavra árabe “zarqa” e significa “que tem olhos azuis”. Em português, originou “zarolho” (zarco+olho), enquanto que, no castelhano moderno, corresponde a “azul-claro” ou “olhos azuis”. D. Romanus, por seu turno, levanta outros problemas. Não deriva de nenhum “nomen” latino, mas do adjectivo “romanus” ou “romano”. Romanus era um nome comum no Mediterrâneo Oriental, muito usado pelos falantes do grego. A seguir, deparamos com um nome pouco comum na onomástica medieval ibérica: Petelinus. Em latim clássico, designa os habitantes de Petélia, cidade no Sul de Itália sobre a qual foi construída a actual Strongoli. É interessante verificar como os dois últimos indivíduos, detentores de uma onomástica que ecoa ligações ao Mediterrâneo Central ou até Oriental, surgem inseridos numa confraria de artesãos de Lisboa. Domingos Pais, João Pires e Martim Esteves, todos marcados com a expressão “faber”, apresentam uma onomástica latino-cristã regular. D. Durão e D. Afonso parecem personagens da nobreza, a avaliar pelo título que ostentam. A lista segue com Mestre João Faísca e João Eanes Faísca, talvez seu filho se considerarmos o patronímico Eanes, e Elvira Eanes, pela lógica, também filha daquele. Mais uma vez, uma alcunha segue-se ao esquema onomástico tradicional.

49

Pradalié, Gérard, Lisboa da Reconquista ao Fim do Século XIII, p. 65.

Chega a vez de Domingos Mocemude Balistarius. “Mocemude” remete para uma origem árabe. O mais evidente seria pensar em “Mahmud”. No entanto, o som aspirado seria convertido em –f. Neste sentido, a grafia mais provável passaria a “Mafamude”, tal como a actual freguesia do concelho de Gaia, que deve o nome a Mahmud b. al-Jabbar, muladi de Mérida que se rebelou na primeira metade do século IX contra o emirado de Córdova. Já a palavra “masmuda”, que designa a confederação de berberes que serviu de base de apoio ao movimento almóada, pode mais facilmente ser transposta para “Mocemude”. À semelhança dos almorávidas, que cunharam moedas designadas por morabitinos, os masmudas fizeram uso dos masmudis. Outra hipótese é, então, que “Mocemude” tenha origem na moeda dos almóadas. Seria um indivíduo abastado, com muitos masmudis na sua posse, razão pela qual lhe atribuíram a alcunha? Em caso afirmativo, onde teria reunido esta riqueza? Junto de um poder almóada em declínio desde a derrota em Navas de Tolosa, em 1214? Se chamarmos à colação a actividade indicada no documento – besteiro –, podemos inclusive pensar num mercenário. No mundo cristão associada à cavalaria vilã, a besta era recusada pela nobreza. O II Concílio de Latrão, em 1139, chegou a proibir o uso desta arma de alta precisão contra cristãos, embora a tolerasse face a um inimigo muçulmano. Lembremos o caso do segundo califa almóada, Abu Yaqub Yusuf, mortalmente ferido às portas de Santarém, em 1184. Este Domingos Mocemude besteiro gozaria de algum estatuto social como elemento da cavalaria vilã e membro de uma confraria. As várias matrizes culturais evidenciadas pelos indivíduos indicados no documento parecem ser ultrapassadas por uma coesão de grupo, proporcionada pela confraria, trazendo à luz uma complexa sociedade onde a solidariedade corporativa tende a suavizar as diferenças. Um novo documento revela outro Mucemude, André, que, em 1208, vende a João Letardo uma vinha em Palma (entre Sete Rios e Alvalade, que incluía a actual zona da cidade universitária) pelo preço de 190 morabitinos.50 Entre as testemunhas, estão presentes Egas Soares (mordomo), Fernando Martins (porteiro) e D. Estêvão (mercador de Alenquer), personagens da elite, o que reforça a possibilidade de este indivíduo ser também abastado. Destaca-se ainda Pedro Dias de [Alcamim], por ter origem ou talvez habitar neste bairro associado aos moçárabes. 50

TT, São Vicente, 1.ª Incorporação, Maço 1, Doc. 35.

O conjunto de documentos analisados oferece outros exemplos de indivíduos de Alcamim. Em 1199, Pedro Pais de Alcamim testemunha a venda de uma vinha em 1199, no lugar de Alvalade, a Paio Zopo.51 Mendo Mendes, caracterizado como clérigo de Alcamim, testemunha em 1240 a doação de casas em Moutelas, termo de Lisboa.52 Com as personagens descritas, pressentimos a marcha do processo de fusão cultural. Talvez como contraponto, um último grupo examinado inclui personagens que apõem ao nome o epíteto de “moçárabe”, como que a afirmar uma cultura que tende a desvanecer-se. Não será de estranhar que surjam sobretudo na segunda metade do século XIII, embora a sua presença comece a ser observada mais cedo. Domingos Eanes Mosarave detém uma propriedade em Odivelas, que, em 1229, é referida num documento a propósito da venda de uma herdade com a qual faz confrontação a Sul.53 João Pais Mozarave aparece em 1260, no contexto de uma doação sob a forma de pardieiros que Afonso III faz a Domingos Eriz, designado como “homem do rei”. Estes confinam a Oriente com a propriedade do indivíduo em causa,54 na freguesia de São Jorge, em plena cidade de Lisboa. Um João Eanes Moçarave, por sua vez, é dono de uma casa que, em 1276, é referenciada a propósito do aforamento de uma tenda nos Brancos da Sé, com a qual confina a Sul.55 O último exemplo disponível é o de Pedro Eanes Moçarave, trazido à superfície em 1283, na qualidade de testemunha do aforamento de um campo em Abóboda pela igreja de Santa Marinha.56 Com base nos indícios onomásticos, é possível que estes indivíduos, os quais revelam alguma importância social, estivessem ligados por laços familiares. Se a necessidade de associar o elemento “moçárabe” ao nome se explica por um crescente processo de fusão que a cultura e prática religiosa que seguiam estaria a sofrer, não o sabemos com certeza. Mas a afirmação forte contida no epíteto parece uma forma de tentar conter a realidade que, paulatinamente, avança rumo à diluição, até porque, ao contrário de outras minorias, os moçárabes não se organizavam em comunidades com instrumentos jurídicos próprios, como as judiarias e as mourarias, o que permitiria preservar a cultura com maior solidez. 51

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 23.

52

TT, Chelas, Maço 4, Doc. 66.

53

Idem, Maço 6, Doc. 112.

54

TT, Chancelaria de Afonso III, Liv. 1, fl. 45v.

55

TT, Núcleo Antigo, Cod. 314, fl. 23-23v.

56

TT, Santa Marinha do Outeiro, Maço 4, Doc. 148.

Herdeiros da reconquista Em 1192, pouco depois das campanhas do califa almóada al-Mansur sobre o reino de Portugal, que levaram à destruição da margem Sul, nomeadamente de Palmela e Almada, a documentação traz à superfície Garcia Alfaqueque. Este recuperador de cativos surge como testemunha na doação da albergaria de Atrinces (Óbidos), cela de Colares e santuário de São Saturnino a Pedro, eremita de Sintra, por Sancho I.57 Garcia é chamado a intervir num acto jurídico emanado do poder real, o que é revelador da sua importância social numa época de graves confrontos com o adversário muçulmano. O destinatário da doação, descrito apenas como eremita de Sintra, é Pedro Pais. Porta-estandarte de Afonso Henriques, podemos encontrá-lo a confirmar documentos régios a partir de Novembro de 1147, pouco depois da conquista de Lisboa. Ostenta o cargo até 1169, umas vezes descrito como “signifer”, outras com a palavra de origem árabe “alferes” (“cavaleiro”).58 Neste período, encontra-se entre o círculo mais restrito do rei. Após o desastre de Badajoz, com Afonso Henriques retirado em Lafões, há registos de uma confirmação em Novembro de 1169 como “signifer”.59 Entre esta data e a morte do rei, em 1185, só espaçadamente aparece na documentação e o cargo deixa de ser referido. Nota-se, pelo contrário, a ascensão da nobreza ligada a Sancho I. A doação que o novo rei faz a Pedro Pais parece corresponder a uma forma de compensar um velho companheiro de armas do pai, que, como tantos outros guerreiros, adoptou o ascetismo no fim da vida. Segundo informação no portal do IGESPAR na Internet, o santuário de São Saturnino teria sido fundado pelo próprio Pedro Pais.60 Este santo, primeiro bispo de Toulouse, sofreu o martírio por volta de 250 d.C. A lenda diz que foi amarrado à cauda de um touro por recusar-se a práticas pagãs. Está ligado ao rito moçárabe, tal como atesta o Missale Mixtum.61 Apesar da introdução do rito romano, quase meio século após a conquista de Lisboa, persistem vestígios do culto a um santo associado ao moçarabismo, inclusive junto das altas esferas do poder.

57

Documentos de Sancho I, Vol. I, pp. 92-3.

58

Documentos Medievais Portugueses, Vol. I, Tomo I: múltiplos exemplos entre os documentos 224

(p. 275) e 229 (pp. 391-2). 59

Documentos Medievais Portugueses, Vol. I, Tomo I, Doc. 299, pp. 391-2.

60

www.igespar.pt, entrada sobre o santuário da Peninha.

61

Missale Mixtum Secundum Regulam Beati Isidori Dictum Mozarabes, Ed. Alexandro Lesleo.

O nome próprio Saturnino, embora raro, também era usado. A atestá-lo, está o documento de venda de uma parte de casa na freguesia de São Nicolau, em Lisboa, por Saturnino Pires, em 1221.62 Entre os colaboradores de Afonso Henriques no esforço da reconquista, conta-se uma família de judeus cujos elementos adquirem destaque social ao longo de toda a Idade Média: os Negros ou Banu Yahia. O epónimo da família, Yahia b. Yaish, segundo explica Maria José Ferro Tavares,63 recebeu do rei terras e um brasão com a cabeça de um negro como compensação pelos bons serviços. O filho José ascendeu a almoxarifemor de Sancho I. D. Judas, rabi-mor ao tempo de D. Dinis, terá mandado erguer uma sinagoga na judiaria velha. Também ele é filho de um D. Guedelha.64 Pertence ainda à mesma família Mestre Guedelha Negro, físico e astrólogo de D. Duarte. O corpus documental analisado fala-nos de Guedelhas e Negros, embora só possamos especular uma ligação a este grupo. Por exemplo, em 1229, detectamos um Gonçalo Gedelia, referenciado como pai de Afonso Gonçalves de Sousa, a testemunhar um documento.65 Mais difícil ainda será estabelecer uma associação no caso de Mendo Negro, que sabemos ter uma propriedade em Famões em 1193,66 pois o epíteto era também usado para traduzir uma característica física. Não obstante, podemos perceber um certo padrão no seu uso ao emergir um Pedro Mendes Negro, quem sabe filho do primeiro, a testemunhar a transacção de uma propriedade em 1226.67 A operação de conquista de Lisboa obrigou Afonso Henriques a recompensar os cruzados que contribuíram para o sucesso. Ao longo de décadas, irão adquirir relevância social, misturar-se pelo casamento com indivíduos locais e adoptar elementos culturais autóctones. A documentação dá conta destes francos, flamengos e saxões que se foram plasmando na sociedade lisboeta. O caso de Rolim é bem conhecido. As Crónicas dos Sete Primeiros Reis Portugueses referem um Chyllde Roollim, cruzado que terá participado na conquista de Lisboa. Vem descrito ainda como povoador de Vilafranca e Azambuja.68 Já no Livro de 62

TT, Chelas, Maço 3, Doc. 60.

63

Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Vol. II, entrada Negro, p. 30.

64

Maria José Pimenta Ferro, Os Judeus em Portugal no séc. XIV, p. 36.

65

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 2, Doc. 32.

66

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 39.

67

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 2, Doc. 22.

68

Crónicas dos Sete Primeiros Reis Portugueses, pp.77 e 80-1.

Linhagens do Conde D. Pedro, surge como D. Roorim, primeiro alcaide e senhor da Azambuja.69 Segundo a fonte, é“natural de Frandes”, onde deixou a filha Maria Roolim. Mais tarde, esta vem para Portugal e casa-se com Gonçalo Fernandes de Tavares. O filho de ambos, Fernão Gonçalves, prosseguirá com o senhorio da Azambuja. A documentação confirma as notícias das crónicas. Em 1200, Rolim recebeu de Sancho I a Vila Franca (Azambuja).70 O rei atribuíu esta localidade “a Roolim e todos os flamengos que aí moravam”, o que demonstra o povoamento de espaços periurbanos por colonos do Norte. A relevância social da personagem consolida-se nas sucessivas doações régias. Em 1218, Afonso II concede-lhe várias propriedades anteriormente pertencentes a um D. Geraldo.71 No mesmo ano, recebe a terça parte das casas da Alcazena (?) de Lisboa.72 Outro indivíduo que adquire destaque social é Pedro Inflato, cujo perfil podemos traçar com certa segurança. Alguns pormenores abrem linhas de investigação. Proprietário de vinhas em Alvalade, recuperam-se alguns dos seus passos entre 1180 e 1183. A ascendência é também conhecida: uma passagem de uma carta de venda revela que Pedro Inflato, Ricardo e Rogério são “nepotibus” – sobrinhos – do arcediago D. Arnulfo. Na sua Historia Ecclesiastica da Igreja de Lisboa, publicada em 1642, D. Rodrigo da Cunha revela informações sobre esta personagem.73 A cópia de um documento de Janeiro de 1150, pelo qual o bispo de Lisboa, D. Gilberto, atribui várias posses que tinha recebido de Afonso Henriques em Dezembro do ano anterior,74 informa-nos de que pertence ao cabido. Arnulfo confirma o documento, mas ainda sem o título de arcediago. Na longa lista de dignidades do cabido, emerge logo depois do arcediago Mateus, uma das principais figuras da diocese. Como a ordem dos confirmantes é relevante, Arnulfo seria, naturalmente, homem de confiança do bispo e poderia estar já em boa posição para vir a receber o cargo de arcediago.

69

Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, Vol. II, p. 162.

70

Documentos de Sancho I, Vol. I, Doc. 123, p. 193.

71

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 2, Doc. 7.

72

Idem, 1.ª Incorporação, Maço 2, Doc. 7.

73

D. Rodrigo da Cunha, Historia Ecclesiastica da Igreja de Lisboa, p. 72.

74

Documentos Medievais Portugueses, Doc. 232, p. 284.

Pedro Inflato aparece na documentação, pela primeira vez, em Junho de 1180, a propósito da transacção de uma vinha em Alvalade.75 Vendem João Toeriz e Maria Eanes, sua esposa. Além de Pedro, compram Ricardo e Rogério, também sobrinhos de D. Arnulfo e, portanto, irmãos ou primos do primeiro. Pagam 80 morabitinos, quantia bastante apreciável para a época, apesar de as vinhas serem propriedades bem cotadas. A mesma vinha era vizinha da que detinha o referido Paio Mouro. Ainda nesse mês, Pedro Inflato é testemunha num pacto entre D. Álvaro, bispo de Lisboa, Paio Velho e Miguel Guiseyma sobre uma herdade em Bululuti, cuja posse se encontrava em disputa. O nome de Pedro Inflato vem precedido pelo de João Pais, irmão do bispo, e seguido pelo de Pedro Gonçalves, freire em São Vicente. Os dados apontam para que Pedro fizesse parte da elite de Lisboa, participando em actos importantes da vida quotidiana da cidade, a par de outros membros com relativo destaque. Em Janeiro de 1181, vamos encontrá-lo a comprar as duas partes da vinha de Alvalade que pertenciam aos seus familiares Ricardo e Rogério. Gasta agora 52 morabitinos para se expandir e adquirir toda a antiga propriedade de João Toeriz. Em Março de 1183, ainda se encontra na posse de Pedro, que surge como proprietário nas confrontações de outra vinha.76 No mesmo mês, Pedro Gonçalves e Maria Soares, sua esposa, vendem-lhe metade de um lagar em Alfama. Pedro era já proprietário de uma casa que confinava com o lagar. A informação revela-nos que terá adquirido a metade de lagar junto a sua casa – que poderia não habitar – para tratar o produto da vinha e expandir o negócio. Mas também Rogério e Ricardo procuram alargar os seus interesses na mesma actividade. Em 1180, compram ao mestre-de-obras da Sé de Lisboa, proprietário de uma vinha em Alvalade, metade do respectivo lagar.77 Se tivermos em conta que a aquisição ocorre um ano antes de Pedro Inflato ter procedido da mesma forma face ao lagar de Alfama, quase podemos intuir uma competição entre os parentes. Esta família estrangeira regista, de resto, uma inserção muito interessante no tecido social. Correspondendo o primeiro contacto com a urbe a um acto militar, vai adoptando um modus vivendi baseado nos proveitos da vinha, cultura autóctone, provavelmente não muito conhecida no seu local de origem.

75

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 56.

76

Idem, Docs. 47 e 64.

77

Idem, Doc. 56.

Outras personagens com provável origem norte-europeia, aparentemente com menos relevância social, surgem na documentação e revelam um envolvimento na vida da cidade. É o caso de Angel Willelmi, que, em 1210, vende uma casa em São João da Praça.78 É casado com Ximena Luz, cujo nome indicia uma origem peninsular, situação que traduz algum grau de integração. Curioso é o nome de Afonso Corneláá, que aparece a confirmar um documento em 1233.79 Sugere uma proveniência inglesa, da região da Cornualha, embora o nome próprio seja vulgar no contexto peninsular. Este dado, juntamente com a data tardia face à conquista de Lisboa (86 anos depois), faz pensar na possibilidade de um descendente de cruzado, também ele já a partilhar alguns elementos culturais autóctones. Fenómeno semelhante pode ser cogitado a propósito de Afonso Merlim e Gonçalo Merlim, que testemunham a venda de uma herdade em 1226. “Merlim” aparenta ser a forma latinizada do galês “Myrddin”. O mesmo grau de integração não evidencia o nome de Reinaldo Adeel, até porque surge na documentação em data bastante anterior, mais próxima da fasquia de 1147. Em 1209, testemunha venda de um campo em Almafala.80 Se o nome próprio aponta para uma origem norte-europeia,81 “Adel” pode ter proveniência árabe. Parece, no entanto, pouco credível neste contexto. Considerando que, entre outros, a conquista de Lisboa teve como participantes cruzados saxões, podemos explorar outra possibilidade. Actualmente um subúrbio da cidade de Leeds, a aldeia de Adel tem provável origem saxónica e foi construída junto ao forte romano de Burgodunum. A palavra deriva do inglês antigo e significa “lugar lamacento”. A aldeia é mencionada no Domesday Book, inquirições concluídas em 1086, a mando de Guilherme I de Inglaterra. Segundo esta hipótese, Reinaldo teria origem em Adel. O lugar de proveniência é, de resto, uma informação comummente anotada na documentação, como podemos ver, por exemplo, em Afonso Corneláá. A presença dos denominados “francos” em Lisboa também emerge da documentação. Em 1196, um Guilherme Francez testemunha a transacção de uma

78

TT, Chelas, Maço 7, Doc. 130.

79

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 2, Doc. 47.

80

Idem, Maço 1, Doc. 38.

81

Esther Peña Bocos, Carmen Díez Herrena e José Angel García De Cortázar y Ruiz de Aguirre,

“Antroponimia de Burgos y su Alfoz en los Siglos X al XII”, p. 256.

propriedade em Alvalade.82 Já em 1219, Maria Franca, com seu filho e enteado, vendem uma vinha no monte da Atalaia.83 Por seu lado, D. Parisius testemunha a venda de uma vinha em Alpriate, termo de Lisboa, no ano de 1221. O nome deste indivíduo tem origem franca e deriva de Paris. Temos conhecimento do seu uso pelo caso de São Parísio. Nascido em Treviso ou Bolonha, foi director espiritual da primeira cidade e morreu em 1267.

Minorias resistem com a supervisão do rei A par da maioria cristã, de origem peninsular ou não, viviam as minorias muçulmana e judaica, já bem caracterizadas, respectivamente, nos estudos de Maria Filomena Barros e Maria José Ferro Tavares. Destacamos apenas dois documentos da chancelaria de Afonso III cuja onomástica aponta para um fenómeno de hibridismo. Uma doação de 1260 permite perceber a intervenção régia no dia-a-dia da judiaria. Por morte de Salomão Alborriqui, Afonso III atribui alguns pardieiros que foram seus a Isaac e Cety, sua mulher.84 De acordo com Eero K. Neuvonen, o termo em português antigo “alboroque” designa a refeição oferecida para celebrar a assinatura de um contrato.85 Explica que, com o tempo, terá sido substituída por um simples copo de vinho, conhecido como “alborque”. Apontaria a forma “alborriqui”, de alguma maneira, para esta realidade? Outra conjectura é o mesmo indivíduo ser originário de Albarraque, no termo de Sintra. Além dos pardieiros, Salomão detinha uma tenda, também referida no documento. Neste, surge ainda um Faarom judeu, cuja propriedade, sem tipologia indicada, confina com os pardieiros. O nome sugere o “ism” árabe Harun. Judas, filho do rabi Moisés, era outro vizinho dos pardieiros. A sua propriedade, que o documento também não especifica, situa-se a Sul. O documento revela, pois, a acção directa do rei na judiaria através da transferência de propriedades entre os seus habitantes. Nova doação de Afonso III dá-nos uma polaroid do arrabalde dos mouros em 1263.86 O rei atribui as casas do pretorado a Galibo (Galib), pretor dos mouros, e sua mulher Eyxe (Aysha). As confrontações destes imóveis fazem emergir as figuras de 82

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 1, Doc. 18.

83

TT, Chelas, Maço 6, Doc. 111.

84

TT, Chancelaria de Afonso III, Liv. 1, fl. 46.

85

Eero K. Neuvonen, Los Arabismos del Español en Siglo XIII, p. 53.

86

TT, Chancelaria de Afonso III, Liv. 1, fl. 46.

Azona Maura (Ayshuna, diminutivo de Aysha; ou Hassuna87) e Adayl Mouro, seu marido, vizinhos do pretorado. O documento refere “as casas de Azona Maura”, atribuindo ao marido uma posição claramente secundária. Outros exemplos desta titularidade da propriedade por mulheres foram reunidos por Maria Filomena Barros na sua tese de doutoramento.88 Ficamos também a saber que Omar Mouro foi o antecessor de Galib no cargo. Uma vez mais, Afonso III intervém directamente em assuntos de uma comunidade minoritária.

Lisboa como destino Ponto de passagem de rotas comerciais, local de oportunidades para estrangeiros no pós-reconquista, Lisboa era o destino mais ou menos permanente de indivíduos de várias proveniências, pormenor que não escapa à documentação. Em 1199, a venda de uma vinha em Alvalade é testemunhada por uma personagem apenas designada como Galego de Palmela.89 Os exemplos de “galegos” são abundantes. Pedro Galego possui uma casa em São Julião, Lisboa, que, em 1222, aparece na documentação a propósito da venda de outra habitação.90 Quatro anos mais tarde, Pedro Pais Galego serve de testemunha num documento a envolver Alenquer.91 Já em 1229, a documentação revelanos um Pedro Galego, “morador em Sanluca”, que valida mais um acto jurídico.92 Outras proveniências estão também presentes. As fontes oferecem-nos um Domingos Zamurano, que, em 1209, possui um campo em Almafala.93 Segundo David Lopes, o topónimo deriva do árabe “almahalla” e corresponde a “arraial ou acampamento.”94 Situava-se, de acordo com António Rei, no morro da Graça, Lisboa.95 “Zamurano” aponta para uma origem da cidade de Zamora. Pradalié sustenta que esta personagem tem origem moçárabe,96 talvez induzido pelo repovoamento da cidade com cristãos fugidos de Toledo em finais do século IX, ordenado por Afonso III das 87

Maria Filomena Barros, Op. Cit., p. 289.

88

Idem, p. 242.

89

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 23.

90

TT, Chelas, Maço 9, Doc. 168.

91

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 2, Doc. 24.

92

Idem, Maço 2, Doc. 32.

93

Idem, Maço 2, Doc. 38.

94

David Lopes, Nomes Árabes de Terras de Portugal, p. 164.

95

António Rei, Op. Cit., p. 34.

96

Gerard Pradalié, Op. Cit., p. 74.

Astúrias. Mas, sem dados além do nome, será difícil fazer afirmações seguras. Uma proveniência de Zamora não é o bastante para afirmar uma origem moçárabe, sobretudo tendo já passado mais de três séculos sobre o repovoamento. Outra personagem com raízes no estrangeiro, Fernando Pires de Ávila, testemunha a venda de uma herdade em Carnide no ano de 1200.97 Onze anos depois, Miguel Segóvia desempenha semelhante papel na venda de uma vinha em Famões.98 Mas, se Ávila e Segóvia estavam já em mãos cristãs nesta data e, à partida, seria mais comum a circulação entre reinos com a mesma religião, torna-se mais interessante o caso de um Domingos [...] de Tiriana, cujo segundo nome não é possível ler no documento. Em 1226, serve de testemunha num acto jurídico referente a Alenquer.99 Arrabalde de Sevilha, Triana permaneceria mais 22 anos em mãos almóadas, até ser conquistada por Fernando III de Leão e Castela. Segundo o tratado de hisba de Ibn Abdun, existia em Triana uma comunidade cristã relevante, a qual controlaria a produção de vinho que abastecia a cidade.100 Quem sabe este Domingos, de nome próprio cristão, fosse um comerciante de Triana com interesses em Lisboa e seu termo, também rico na produção de vinho. Seja como for, o mais revelante é anotar esta circulação entre os blocos cristão e muçulmano, o que demonstra bem que os dois lados do conflito seriam menos estanques do que, à partida, poderia supor-se. Evidentemente, também afluíam a Lisboa gentes originárias de outros pontos do território português, que deveriam adquirir relevância suficiente para justificar serem chamadas a validar actos jurídicos enquanto testemunhas. É o caso de Pedro Pires de Leiria. Em 1195, confirma um pacto entre o mosteiro de São Vicente de Fora e um indivíduo de nome Hecelino.101 Também Fernando de Ourém, em 1205, intervém como testemunha na venda de uma herdade no Furadouro, termo de Lisboa.102 Dois anos antes, tinha desempenhado o mesmo papel numa doação de São Vicente a favor de Paio Monteiro e mulher.103 Os documentos são ricos em exemplos. Mas os que destacamos bastam já para caracterizar a mobilidade entre várias origens peninsulares e Lisboa. 97

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 29.

98

TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 1, Doc. 42.

99

Idem, Doc. 24.

100

Maria Jesús Viguera Molíns, Historia de España Menéndez Pidal, Vol. VIII, p. 404.

101

Inventário de São Vicente de Fora, Doc. 42.

102

Idem, Doc. 25.

103

Idem, Doc. 43.

Ponto de intersecção de linhas culturais Os indícios onomásticos, ainda que insuficientes para caracterizar as partes, que são os indivíduos, dão-nos uma visão muito rica do todo composto pela sociedade lisboeta entre 1147 e 1248. Os dados analisados um pouco para lá desta cronologia, mas ainda dentro do século XIII, só vêm focar melhor a imagem de uma cidade onde se plasmam matrizes culturais de diferentes proveniências, complexa na sua compreensão, mas, por isso mesmo, a implicar um elevado grau de fascínio no observador. As pistas de natureza onomástica são, por vezes, completadas com alguma informação sobre a propriedade: casas, lagares, tendas, pardieiros, vinhas e herdades em geral, que vão, naturalmente, trocando de mãos ao longo do tempo. Em certa medida, funcionam como cimento agregador no edifício social. As clivagens parecem desmaiar em face de interesses que passam a ser comuns, qualquer que seja o grupo de origem. Como é evidente, verificam-se resistências à tendência de normalização, ainda que aparentemente lenta, sofrida por este micro-cosmos que é Lisboa. Judeus e muçulmanos procuram manter a sua cultura, espartilhada nos bairros para onde são remetidos e balizada por instrumentos jurídicos a emanar do poder régio. Sem este tipo de enquadramento legal, sobretudo a partir da segunda metade do século XIII, alguns indivíduos afirmam uma herança moçárabe, como que a pressentir o fim de uma época e a diluição no todo daquilo que começa a dar os primeiros passos rumo a uma identidade portuguesa.

Fontes manuscritas TT, Chancelaria de Afonso III, Liv. 1, fl. 45v, 46 e 66v. TT, Chelas, Maço 3, Doc. 60. TT, Chelas, Maço 4, Doc. 66. TT, Chelas, Maço 5, Docs. 88 e 89. TT, Chelas, Maço 6, Docs. 111, 112. TT, Chelas, Maço 7, Doc. 130. TT, Chelas, Maço 9, Doc. 168. TT, Chelas, Maço 10, Doc. 192. TT, Chelas, Maço 11, Docs. 204 e 215. TT, Chelas, Maço 15, Doc. 292. TT, Colecção Especial, Parte I, Caixa 81, Maço 2, Doc. 53. TT, Gaveta 1, Maço 2, Doc. 15. TT, Núcleo Antigo, Cod. 314, fl. 23-23v. TT, Santa Marinha do Outeiro, Maço 4, Doc. 148. TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 1, Docs. 18, 38, 35 e 42. TT, São Vicente de Fora, 1.ª Incorporação, Maço 2, Docs. 5, 7, 18, 22, 24, 26, 32, 33, 38 e 47. Fontes impressas A Conquista de Lisboa aos Mouros. Relato de um Cruzado, Ed., Trad. e Notas de Aires Nascimento. Lisboa, Vega, 2001. Crónicas

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