O HUMOR “CHAPA BRANCA”: A FORMA DO LÚDICO NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

September 1, 2017 | Autor: Ed Sarro | Categoria: Organizational Communication, Comics
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Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013 O HUMOR “CHAPA BRANCA”: A FORMA DO LÚDICO NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

RESUMO O objetivo deste artigo é analisar a manifestação do humor, especificamente na sua vertente gráfica, na comunicação funcional, no contexto do poder político e das relações entre capital e trabalho, buscando discernir e desmistificar aparentes contradições deste encontro. Busca também apresentar um panorama geral do conceito de humor gráfico, suas especificidades e atributos e demonstrar como ele tem se adaptado a novos contextos e aplicações. Vem ainda demonstrar como o humor tem se relacionado com o poder em suas diversas facetas de modo a balancear o debate entre os diversos segmentos da sociedade sem invalidar a sua natureza enquanto gênero artístico, mas deixando um pouco de lado sua função original enquanto entretenimento e contestação. O texto faz um breve apanhado sobre o uso do humor gráfico na comunicação organizacional (pública e privada) enquanto instrumento de formação, informação e interlocução. A fundamentação teórica foi feita tendo por base textos de ciências humanas aplicadas; principalmente ligados à comunicação, à administração, à educação, às artes visuais, à publicidade e à história. Por fim, o texto vem sucintamente apontar um caminho novo que pode ser trilhado a partir do suporte digital, nem tanto no que diz respeito à produção do humor desenhado, mas à sua expansão dentro das mídias sociais, da internet e do livro digital. PALAVRAS-CHAVE: comunicação; humor; organizações.

INTRODUÇÃO De domínio público, a expressão “chapa branca” tem sido associada à ideia de algo ligado a um poder dominante, seja ele político, econômico ou religioso. Branca é a cor das placas (também conhecidas por chapas) de carros oficiais, como ambulâncias, viaturas de polícia ou das Forças Armadas e veículos de uso da Presidência da República (HOUAISS, 2001). Chapa branca liga-se assim, metaforicamente, a qualquer coisa, sistema, relação, discurso, opinião ou indivíduo que seja endossado ou endosse a versão ou posição oficial sobre um fato, acontecimento, conceito ou pronunciamento. Em linhas gerais, a expressão é notoriamente vinculada à mídia patrocinada pelo Poder, mas está mais ligada à ideia de profissional de comunicação que se utiliza de um órgão de imprensa não oficial, falada ou escrita, para veicular conteúdo a favor do Governo, geralmente patrocinado por ele (MARINI, 2005).

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Ao falar de “humor chapa branca”, por analogia poderíamos entender uma modalidade de humor, de peça satírica, de ironia ou comédia, ou qualquer outra coisa que se paute ou se expresse dentro dos limites aceitos ou previamente determinados pelo discurso oficial, cuja finalidade é trazer uma mensagem de utilidade pública ou de interesse do detentor do poder e da informação.

O HUMOR

No tocante ao termo humor propriamente dito, desde o médico romano Galeno está associado ao conjunto de líquidos (os humores: fleuma, o sangue e as biles), a parte úmida interna ao nosso organismo que seria responsável por variações no nosso estado de espírito, influenciando nossa saúde e bem estar.

Enquanto gênero artístico a palavra humor tradicionalmente define a percepção das contradições, do risível ou do ridículo de certa realidade ou contexto e sua expressão. Neste aspecto, o humor está na base da produção dos profissionais de entretenimento, mas e principalmente, do trabalho de artistas gráficos como cartunistas, chargistas, caricaturistas e quadrinhistas (RABAÇA e BARBOSA, 2002). Aparentado das histórias em quadrinhos e sendo basicamente construído com os elementos gráfico-visuais das HQs, o humor gráfico pode ser classificado em três categorias básicas e gerais, de onde provem praticamente tudo o que se faz neste tipo de arte: cartum, charge e caricatura.

O cartum é uma anedota gráfica, obtida pelo jogo criativo de ideias ou pelo trocadilho visual. Geralmente com pouco ou nenhum texto. O cartum é mais ou menos universal e é compreendido pela maioria das pessoas, independentemente de cultura, classe social , etnia ou país de origem, pois é baseado em situações e conceitos pertinentes ao gênero humano e no uso eminente da imagem. O termo cartum foi usado pela primeira vez em 1841 pela revista satírica inglesa Punch que parodiou os cartoons (modelos em escala, feitos de

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papelão, em italiano cartoni) encomendados pelo príncipe Albert para novos murais de gosto duvidoso para o Palácio de Westminster. O cartum não tem “data de validade”. Ziraldo teria sido o responsável por aportuguesar o termo.

A portrait charge, ou apenas charge (carga, em francês) é desenho de humor com fins de comentar um fato do momento, geralmente político. Ao contrário do cartum, a charge necessita de um contexto para ser entendida e está presa ao tempo e ao espaço. Em jornais a charge pode ganhar o status de editorial e mesmo substituí-lo, expressando a opinião do jornal sobre o assunto retratado. A charge bem feita e bem pensada pode substituir laudas de texto, uma vez que faz a síntese visual de conceitos complexos e remete a conteúdos arquetípicos e do repertório de uma determinada coletividade. A charge está muito ligada a ocorrência da caricatura, termo do italiano também denotando carga, que é a representação, geralmente da figura humana, feita de forma cômica ou humorística. Quase sempre distorcida ou exagerada. Carregada.

Segundo alguns estudiosos, o conceito de humor gráfico remonta a Pré-História, na arte rupestre, quando os homens desenhavam os animais que queriam caçar ou as tribos inimigas que combatiam como forma mágica de domina-los e diminuir o medo que sentiam deles (Figura 1).

Figura 1– Arte rupestre na caverna de Lascaux. Fonte: História Geral da Arte, Vol.1, Pintura. Madrid: Ediciones Del Prado, 1995.

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Alguns papiros do Antigo Egito mostram personalidades da época caracterizadas como animais. Em Pompéia foram encontrados desenhos em muros e nas paredes de termas ridicularizando pessoas da sociedade da época.

HUMOR E PODER Assim, ao relacionarmos o humor ao conceito de “chapa branca”, aparentemente incorremos em contradição porque entendemos que o discurso oficial, sisudo, grave e sério, não pode conviver com o seu oposto: o lúdico, o leve, o humor. De fato, em diferentes momentos da História o humorista tem se posicionado como iconoclasta da imagem apresentada pelas instituições absolutas e pelo discurso oficial quando este se mostrou totalitário e resistente à pluralidade de opiniões que é base do sistema democrático.

A palavra humor conota confiança, liberdade e independência de pensamento e, sob certo ponto de vista, a ausência de medo. Ter medo de um poder superior, sentir temor e reverência por algo ou alguém supostamente maior ou mais forte que nós são reações tidas pretensamente como sinais de submissão nas relações de poder em diferentes níveis ou contextos, quase sempre de forma negativa. No livro “O Nome da Rosa”, o irmão Jorge, ao ter seus crimes descobertos (ele envenenava as páginas de um livro Aristóteles com textos cômicos de modo que, o leitor, ao molhar o dedo na saliva da boca para folheá-lo, ingeria o veneno), argumenta: O riso é a fraqueza, a corrupção, a sensaboria da nossa carne. É o folguedo para o camponês, a licença para o avinhado, mesmo a Igreja na sua sabedoria concedeu o momento da festa, do carnaval, da feira, desta poluição diurna que descarrega os humores e entrava outros desejos e outras ambições... Mas assim o riso permanece coisa vil, defesa para os simples, mistérios desconsagrados para a plebe. Também o dizia o apóstolo: em vez de arder, casai-vos. Em vez de vos rebelardes à ordem querida por Deus, ride e deleitai-vos com as vossas imundas paródias da ordem, no fim da refeição, depois de terdes esvaziado as canecas e os garrafões. Elegei o rei dos imbecis, perdei-vos na liturgia do asno e do porco, jogai a representar as vossas saturnais de cabeça para baixo... Mas aqui, aqui (...) aqui inverte-se a função do riso, eleva-se a uma arte, abrem-se-lhe as portas do mundo dos doutos, faz-se dele objeto de filosofia e de pérfida teologia... (ECO, 1983,p.).

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Para Jorge quem ri não tem medo (ou temor) e supostamente o temor, no caso, temor do divino, seria sinal de piedade.

No entanto, essa mentalidade distorcida e de apologia ao medo não foi de fato a regra, nem o humor ficou completamente ausente da vida medieval: o imaginário da Idade Média cultivou o humor nas entrelinhas da vida dura e perigosa daqueles tempos por meio das canções de maldizer e outros escritos satíricos, das gárgulas com feições engraçadas nos castelos e catedrais, dos bestiários e do Carnaval1, quando as coisas se invertiam e era possível rir despreocupadamente dos absurdos e contradições. A própria Igreja utilizou a arte sacra e os vitrais como poderoso instrumento didático e litúrgico, agindo de certo modo também sobre o humor dos fiéis.

Artistas do Renascimento, a produção de artistas do peso de Da Vinci e Holbein incluíam as carticaturas (Fig.2); caso também dos irmãos Ludovico e Annibale Carracci, de Bolonha, cujos desenhos cômicos forma notórios foram que deram origem ao termo caricatura, já citado.

Figura 2– Caricatura de Dante Aleghieri, feita por Da Vinci. Fonte: ZÖLLNER, Frank, Leonardo da Vinci, Desenhos e esboços, Colônia: Taschen 2005. 1

No Carnaval tudo se invertia, a ordem natural era alterada: os homens se vestiam de mulher, servos se apresentavam como reis e vice-versa e os absurdos dessas trocas eram motivo de riso.

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Apesar disso, poderíamos dizer que no mundo moderno, a licença e o incentivo para o humor enquanto parte do estilo de vida, só viriam mesmo com o advento da Reforma Protestante, com Martinho Lutero e suas 95 teses, cujo espírito já preconizava a liberdade de consciência e expressão, inclusive de rir. Ele entendia que o usufruir de todo o bem da vida e do bom humor era subproduto da graça divina (LUTERO, 2007). Lutero gostava do humor, tanto que mandava imprimir e distribuir estampas de caricaturas do Papa Inocêncio III (em cujo papado acontece a Reforma e quem o excomunga e persegue), feitas com a ajuda do artista, amigo e compadre Lucas Cranach como arma de propaganda para suas teses (AUDIN, 1875).

Fosse isso hoje, mas tendo Maomé no lugar do Papa, Lutero possivelmente teria problemas com o fundamentalismo islâmico. Pior ainda quando este fundamentalismo é o poder dominante e absoluto. Poder e o Humor nem sempre conviveram muito bem2.

QUANDO A PIADA VEM DE CIMA Por isso mesmo, falarmos de “humor chapa branca”, oficial, pode soar no mínimo contraditório, mas não impossível. E a História tem vários exemplos disso: durante as guerras da Inglaterra contra Napoleão Bonaparte, o cartunista James Gillray auxiliou o esforço de guerra inglês desenhando charges que ridicularizavam Napoleão e os franceses (CLARK, 1991). Na esteira da Revolução Industrial que começava já no século XVIII a modernização e o aumento da circulação de jornais e outras publicações, em função do crescimento de uma massa de leitores que começava a lotar as cidades inglesas em busca de trabalho nas fábricas, o desenho de humor se fortalece como forma de arte eminentemente urbana e ligada ao conceito de indústria e de modernidade. Surge então o hábito de comprar e colecionar as gravuras de charges e de outros desenhos de humor.

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Nos últimos anos vários casos de perseguição a cartunistas que desenharam charges sobre Maomé ou sobre regimes totalitários no mundo árabe, como a recente crise na Síria, têm sido reportados na mídia.

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Durante a Guerra do Paraguai a imprensa paraguaia se mobilizou para elevar o moral das tropas do país publicando diversos desenhos que retratavam de forma debochada os soldados da Tríplice Aliança (DORATIOTO, 2002). No Brasil, o humor gráfico faz parte do nosso imaginário desde meados do século XIX com os trabalhos de Araújo-Porto Alegre, Bordalo Pinheiro e Angelo Agostini, dentre outros, e tem sido presença constante em grandes momentos da história do país, como forma de comunicação, expressão e resistência (Fig.3).

Figura 3– Charge de Angelo Agostini. Fonte: DO LAGO, Pedro C. Caricaturistas Brasileiros. Rio de Janeiro: Sextante Artes. 1999.

Nos Estados Unidos, já em finais do século XIX e começo do século XX, os grandes diários rivalizavam entre si justamente no uso de ilustrações de humor. O humor gráfico serviu também para integrar à sociedade americana a massa de imigrantes que chegavam diariamente aos portos do país, pelo aprendizado informal da língua inglesa na leitura das histórias em quadrinhos (os comics).

Na China dos anos 50 do século passado, Mao Tse-Tung mandou verter para os quadrinhos as doutrinas de sua Revolução Cultural de modo que fossem mais bem assimiladas pelo povo (RAMA e VERGUEIRO, 2004). Além disso, a máquina de propaganda chinesa usou largamente o recurso de cartazes ilustrados e a narrativa gráfica para difundir sua ideologia (MIN e LANDSBERGER, 2011).

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Do outro lado do globo, de novo nos Estados Unidos, Joe Simon e Jack Kirby viram sua criação, o Capitão América, cerrar fileiras com o Exército Americano como garoto propaganda, primeiramente na luta contra os nazistas e depois contra os vietcongues (MOYA, 1977). Anos depois, Capitão América seria chamado novamente pelo Governo para defender a juventude americana das drogas (Fig. 4).

Figura 4– “Capitão América vai à guerra contra as drogas”. Fonte: GRAHAM, Richard L. Government Issue – Comics for the People, 1940s- 2000s. Nova York: Abrams ComicArts. 2011.

Não podemos deixar de lembrar a produção do quadrinhista Will Eisner para a revista “PS Preventive Maintenance”, também do Exército Americano (EISNER, 2011), numa mistura discreta de humor e erotismo que trazia orientações sobre a manutenção de veículos, armamentos e equipamentos de uma forma tão clara e simples que qualquer soldado, por

Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.2013 mais iletrado e inculto que fosse, pudesse entender3 (Fig.5). Eisner, além de revolucionar e renovar os quadrinhos ao criar o conceito de graphic novel, foi pioneiro no uso do humor para a educação e o treinamento, ampliando seu alcance para além do entretenimento (EISNER, 2005).

Ainda nos Estados Unidos, Disney cria um personagem bem humorado e sob medida para o Governo Americano no seu esforço de aproximação com o Brasil e a América Latina no pós-Guerra e assim surge o Zé Carioca, primeiro nas telas de cinema e depois nas páginas das revistas em quadrinhos (NARLOCH,2010).

Figura 5– Capa da edição 115 de “Preventive Maintenance”. Fonte: EISNER, Will. PS Magazine: The Best of Preventive Maintenance Monthly. Nova York: Abrams ComicArts, 2011.

Durante o Estado Novo de Vargas, a tradicional Revista Tico-Tico foi responsável pela educação moral e cívica informal de milhares de brasileirinhos, com suas estampas 3

Eisner inclusive utiliza nos balões de texto uma variante do inglês que reproduz a fala dos guetos industriais e dos grotões rurais da América profunda.

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patrióticas bem humoradas e seus quadrinhos sobre a história nacional (LOREDANO, 2000).

HUMOR GRÁFICO E TRABALHO Essa aproximação do homem simples do povo, por meio dos elementos da comunicação de massa, via humor gráfico e linguagem coloquial acabará sendo um fator importante para o desenvolvimento de ferramentas de comunicação das empresas com seus públicos internos no estertor do século XX e na aproximação do novo século. De fato, as mudanças ocorridas no mundo ocidental a partir da Segunda Grande Guerra, especificamente nas relações capital-trabalho, e mais recentemente a crise do petróleo dos anos 70 do século passado e a ascensão da indústria automotiva japonesa nos 80, trouxeram de roldão diversas mudanças na forma como o capital interage com a classe trabalhadora. Os movimentos de Qualidade, surgidos a partir da criação da ISO (International Standardization Organization), a gradual humanização das relações trabalhistas e o aumento da concorrência pela abertura dos mercados, levaram ao desenvolvimento de novos modelos de comunicação organizacional. Dado ao maior acesso das pessoas a bens de consumo e à informação via TV, jornais, rádio e mais recentemente a internet, os departamentos de relações industriais e recursos humanos passam a adotar elementos da comunicação de massa para uma melhor interlocução com os colaboradores das empresas (AIDAR e ALVES, 2006).

Figura 5– Trecho de história do personagem Prudêncio. Fonte: Revista Prudêncio, Nº 40, São Paulo: Indústrias Villares, 1981.

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Assim, as peças de comunicação usadas para diversos fins, desde jornais murais e folhetos, passando por cartilhas de treinamento (Fig.5) e cartazes sobre saúde, higiene e segurança no trabalho e manuais de qualidade, a criação de mascotes4, entre outros, passam a reproduzir a estética da mídia comercial, com forte influência da propaganda e da publicidade. A título de ressalva, uma vez que são notadamente direcionados a informar, comunicar, orientar e, em última instância, persuadir (quando não doutrinar), essas peças de comunicação organizacional (da mais artesanal à mais sofisticada) não são de fato pensadas com a preocupação em ser arte, no sentido estético da palavra (apesar de algumas peças serem eventualmente produzidas com grande qualidade artística), mas em ser comunicação visual intencional (MUNARI, 2005) mais preocupada com a eficiência da mensagem do que com sua forma. O humor na sua variante gráfica entra aqui como facilitador do conteúdo, o que pode ser considerado algo positivo em si mesmo, posto que ajude a humanizar as relações entre capital e trabalho.

Em falando de trabalho, a boa notícia é que a apropriação do humor gráfico pelas organizações passou a ser uma frente de atuação a mais para os artistas da área, uma vez que o espaço para a produção autoral no entretenimento e na imprensa diária tem ficado cada dia menor. O que preocupa e suscita certa reflexão e análise é o fato de este tipo de humor gráfico ainda ser apresentado geralmente de forma pasteurizada, feita de soluções estilísticas fáceis e quase infantis, sem espaço para experimentações estéticas e estilísticas. Via de regra esses materiais ilustrados com desenhos, histórias em quadrinhos e cartuns, são (com exceções) marcados por uma retórica paternalista5. De qualquer forma, a incorporação do humor à comunicação organizacional foi um passo adiante em direção à evolução das relações midiáticas no universo do capital, uma vez que ajudou a dar-lhe feições mais humanas e afetivas. Talvez o grande apelo do humor gráfico esteja no fato de que a 4

No caso do mascote de empresa, são preservadas as características formais e simbólicas que melhor reproduzem os aspectos positivos da organização, não sendo o mascote suscetível às variações de humor, caráter e personalidade que o ser humano mortal está sujeito. A forma no mascote tem uma função muito clara, consoante a missão e a visão que a organização tem para si, e visa reproduzir visualmente aspectos da sua identidade, como os totens em algumas sociedades tradicionais. O personagem cristaliza a imagem corporativa e dialoga com a comunidade (tanto interna como externa) de forma perene e quase sempre simpática (bem-humorada). 5

Salvo algumas exceções, a adoção de materiais ilustrados com desenhos de humor na comunicação organizacional, principalmente junto ao público operacional, parece se basear não tanto no reconhecimento da validade do meio em si e sua valorização, mas ainda na sua associação à ideia de literatura fácil, arte menor e prática cultural identificada com a massa menos letrada e com a criança, apesar de direcionados a adultos.

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contemporaneidade ou a modernidade fluída (BAUMAN, 2001) tem valorizado a superficialidade (FLUSSER, 2007) e a organização da sociedade em redes horizontais (DELEUZE, 1991) com forte expressão das emoções em detrimento da reflexão profunda (NORMAN, 2008). Nesse contexto emocional, o humor tem ganhado relevância principalmente dentro da cultura visual e de entretenimento que passou a permear vários segmentos da produção simbólica atual, como a publicidade, que investe no humor e no nonsense como diferencial de mercado, por conta do seu poder de penetração na massa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de exposto, esperamos ter demonstrado o potencial do humor gráfico para o desenvolvimento da comunicação organizacional, identificando no gênero elementos facilitadores do processo de comunicação funcional. Pudemos perceber que o papel do desenho de humor enquanto linguagem não se restringe ao de entretenimento puro e simples, nem mais apenas como instrumento de contestação, mas passou também a servir de suporte para influenciar a visão de mundo de um determinado grupo, sem conflitos de identidade com isso. Como já colocado, o humor gráfico foi abrindo novas frentes além da grande imprensa, uma vez que exatamente por seu apelo de massa e fácil assimilação pelo grande público, o gênero foi percebido como eficaz na comunicação com diferentes estratos da população: crianças, classes sociais inferiores, jovens, operários e outros segmentos onde a mensagem visual é mais bem aceita. Nos últimos anos essa utilização do humor gráfico tem se ampliado em face da queda das tiragens dos grandes jornais e a fuga dos anunciantes para outras mídias com retorno mais imediato, levando a uma diminuição do espaço para uma produção autoral de humor gráfico e incentivando sua migração para outras formas de aplicação. Como já visto a educação formal e informal e o endomarketing são alguns exemplos desse movimento; na educação formal ou como recurso paradidático, nos projetos de construção e reforço de cidadania e ações sociais dos governos, nas ONGs, nas igrejas e em outras entidades que se utilizam de publicações ilustradas, o humor gráfico tem sido aplicado para difundir filosofias, crenças, valores e ideologias. Talvez seja agora o momento para que os artistas que se especializaram neste filão busquem mais explorar a

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crescente fronteira digital, não só no tocante à produção, mas em termos de veiculação do humor via internet e e-book.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AIDAR, Marcelo M.: ALVES, Mário A. in Cultura Organizacional e Cultura Brasileira Cap.12: Comunicação de Massa nas Organizações Brasileiras - explorando o uso de histórias em quadrinhos, literatura de cordel e outros recursos populares de linguagem nas empresas brasileiras. São Paulo: Editora Atlas, 2006. ALMEIDA, Fernando A. Linguagem e humor - comicidade em Les Frustrés de Claire Bretécher. Niterói: EDUFF. 1999. AUDIN, Jean Baptiste Vincent, History of the life, writings & doctrines of Luther, Volume 1. Londres: C.Dolman. 1865. BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 2001. CLARK, Alan: CLARK, Laurel. Comics – uma história ilustrada da B.D. Sacavém: DistriCultural. 1991. DELEUZE, Gilles. A dobra. Campinas: Papirus. 1991. DO LAGO, Pedro C. Caricaturistas Brasileiros. Rio de Janeiro: Sextante Artes. 1999. DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. ECO, Umberto. O Nome da Rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1983. EISNER, Will. PS Magazine: The Best of Preventive Maintenance Monthly. Nova York: Abrams ComicArts, 2011. EISNER, Will. Narrativas Gráficas de Will Eisner. São Paulo: Editora Devir. 2005. ____________. Quadrinhos e Arte Sequencial. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. 1995. FLUSSER, Vilém. O Mundo Codificado – Por uma Filosofia do Design e da Comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007. GRAHAM, Richard L. Government Issue – Comics for the People, 1940s- 2000s. Nova York: Abrams ComicArts. 2011. HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antônio Houaiss e Editora Objetiva. 2001. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo: Editora Perspectiva. 2005.

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JAUREGUI, Eduardo: FERNANDEZ, Jesus Damian. Alta diversión: los beneficios del humor en el trabajo. Barcelona: Alienta Editora. 2008. KUSHNER, Malcolm. Um toque de humor – como agir de forma espirituosa para obter sucesso nos negócios. Rio de Janeiro: Editora Record. 1992. LOREDANO, Cassio (org.) Lábaro estrelado – nação e pátria em J.Carlos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra. 2000. MIN, Anchee: LANDSBERGER, Stefan. Chinese Propaganda Posters. Colônia: Taschen. 2011. MOYA, Álvaro de. Shazam. São Paulo: Editora Perspectiva. 1977. MARINI, Wilson, http://www.folhadaregiao.com.br/Materia.php?id=47591, 27/05/2013, às 22:53 h.

consultado

em

MUNARI, Bruno. Design e Comunicação Visual. São Paulo: Martins Fontes. 2001. NARLOCH, Leandro. Guia do politicamente incorreto da história do Brasil. São Paulo: Editora Leya – 2010. RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo Guimarães. Dicionário de Comunicação. Rio de Janeiro: Editora Campus. 2002. RAMA, Angela; VERGUEIRO, Waldomiro (org.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Editora Contexto. 2004.

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