O ídolo acontece no imaginário

June 19, 2017 | Autor: Márcio Monteiro | Categoria: Imaginário, Música
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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – João Pessoa - PB – 15 a 17/05/2014

O ídolo acontece no imaginário1 Márcio MONTEIRO2 Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA

RESUMO Este artigo de revisão discute aspectos na natureza dos ídolos, termo utilizado para designar personalidades que alcançaram algum tipo de reconhecimento no universo midiático. Os meios de comunicação contribuem decisivamente para que sujeitos comuns, a partir da demonstração de algum tipo de talento ou êxito numa performance artística qualquer, sejam elevadas à categoria de celebridades. Este é um processo que precisa se estabelecer na mente das pessoas, ou seja, deve se formar primeiro no imaginário. O ponto de partida é a discussão sobre o que vem a ser o imaginário e o papel desempenhado pelas tecnologias do imaginário na ascensão do ídolo. PALAVRAS-CHAVE: comunicação; ídolos; imaginário; música.

1 INTRODUÇÃO

Em 2007, a revista norte-americana Time considerou o inglês Simon Fuller uma das cem pessoas mais influentes do mundo. Uma das prováveis razões para tal reconhecimento está no fato de Fuller ter criado, no início dos anos 2000, um programa de televisão destinado a eleger talentos musicais. A franquia Idol ganhou versões em cerca de 40 países, incluindo o Brasil. Aqui, o programa Ídolos foi transmitido pela Record e pelo SBT. O objetivo do programa é escolher como ídolo o candidato que tenha melhor desempenho em itens como qualidade vocal, boa desenvoltura no palco e apelo mercadológico. A escolha é feita a partir de uma equação nem sempre coerente entre as escolhas dos jurados e o voto popular. Isto é, na tensão entre aspectos objetivos - formais - e subjetivos. Os jurados do programa são, normalmente, experts - pessoas famosas, ligadas ao mundo da música - dotados de conhecimentos específicos sobre qualidade vocal, afinação, performance, mercado e expectativas dos fãs. São realizadas audições em diversas cidades do país em que a competição acontece. Na fase das audições, todos os 1 Trabalho apresentado no DT 5 – Rádio, TV e Internet do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 15 a 17 de maio de 2014. 2

Professor do Departamento de Comunicação Social da UFMA, doutorando da FAMECOS/PUCRS, email: [email protected].

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candidatos inscritos são ouvidos individualmente. Pequenos vídeos apresentam, resumidamente, a história de vida dos aspirantes a ídolos mais destacados. Os que passam desta fase são levados para a cidade sede do programa, onde disputam uma quantidade predeterminada de vagas. Na edição de 2013 do American Idol, a título de exemplo, quarenta candidatos foram selecionados em Hollywood. A disputa entre os concorrentes nesta primeira etapa foi decidida exclusivamente pelas escolhas dos jurados, que levaram em consideração alguns dos critérios citados acima. Em todas as apresentações, os candidatos receberam críticas e sugestões dos jurados a respeito do seu desempenho. Na etapa seguinte, coube aos telespectadores julgar o desempenho. Os candidatos mais bem votados pelo público permaneceram na competição; os menos votados foram eliminados. Ao fim de algumas dezenas de semanas, a vencedora, Candice Glover, foi conhecida e colheu os louros que a trajetória vitoriosa lhe propiciou. A versão norte-americana do programa, uma das mais populares do mundo, consegue levar ao estrelato não apenas os vencedores, mas também os candidatos que terminam a edição em segundo ou em terceiro lugar. Muitos deles conseguem, inclusive, fazer carreira no cinema e na televisão. A vinheta de abertura do American Idol, utilizada nas últimas edições do programa, retrata de forma clara o imaginário que cerca a figura do ídolo a ser construído na temporada em questão. Luzes de holofotes acendem de um palco em direção ao céu cheio de nuvens de uma metrópole. Uma claridade surge entre as nuvens e um feixe de luz amarela desce até o palco. Enquanto os caracteres informam os nomes dos membros da equipe que produziu o programa, imagens das apresentações de vencedores de edições anteriores são projetadas em vários telões. No centro do palco, a luz amarelada que desceu do céu está incidindo sobre uma espécie de cápsula hexagonal. Quando esta se abre, uma plataforma se eleva e sobre ela, a silhueta de um homem ascende. Ele se vira para a plateia e ergue a mão esquerda, na qual há um microfone, numa pose típica de uma estrela da música quando se apresenta diante dos seus fãs. Uma questão que esta descrição nos coloca é a seguinte: de onde vem a ideia de um programa de televisão no formato do Idol? Um ídolo3 é, segundo o que sugere qualquer dicionário ao qual se recorra, a representação de uma divindade à qual se 3

Em alguns pontos deste artigo, ídolo e celebridade serão tratados como sinônimos embora se reconheça a sutil diferença entre as duas noções. 2

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presta algum tipo de culto. O termo também faz alusão a personalidades que alcançaram, perante a sociedade, algum tipo de reconhecimento. É o caso, por exemplo, de estrelas do cinema, da música ou da televisão e de alguns jogadores de futebol. Quase sempre estas figuras são elevadas à categoria de ídolos por meio da mídia, que atua no sentido de criá-las e legitimá-las. Ou seja: os meios de comunicação funcionam como tecnologias do imaginário que contribuem de maneira decisiva neste processo de ascensão dos ídolos. Este é o argumento que este artigo de revisão pretende sustentar, e o ponto de partida é a discussão sobre o que vem a ser o imaginário e o papel desempenhado pelas tecnologias do imaginário.

2 O IMAGINÁRIO E AS TECNOLOGIAS DO IMAGINÁRIO

A premissa fundamental de Juremir Machado da Silva (2012) é que não há vida simbólica fora do imaginário. Deste modo, o autor aponta que o ser humano seria movido pelos imaginários que engendra. “O homem só existe no imaginário” (DA SILVA, 2012, p.7). Esta ideia ancora a proposta deste artigo, de discutir o papel dos meios de comunicação na construção imaginária do ídolo. Por meio da imaginação, o imaginário distorce, idealiza e formata simbolicamente o real. É algo como um modo se ser que se partilha. E por isso, como indica Maffesoli (2001), só há imaginário coletivo. O indivíduo é sublimado pelo pertencimento a um grupo e pela partilha. “Pode-se falar em ‘meu’ ou ‘teu’ imaginário, mas, quando se examina a situação de quem fala assim, vê-se que o ‘seu’ imaginário corresponde ao imaginário de um grupo no qual se encontra inserido” (MAFFESOLI, 2001, p. 76). Maffesoli aponta que o imaginário contém aspectos imponderáveis, ou seja, uma construção mental ambígua, perceptível, mas não quantificável. O imaginário estabelece vínculo. O imaginário funciona como cimento, aponta Da Silva (2012, p. 9), em consonância com o pensamento do autor francês citado acima: “O imaginário é uma rede etérea e movediça de valores e de sensações partilhadas concreta ou virtualmente”. Para Maffesoli (2001, p. 75): “É o estado de espírito que caracteriza um povo. Não se trata de algo simplesmente racional, sociológico ou psicológico, pois carrega também algo de imponderável, um certo mistério da criação ou da transfiguração”.

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O imaginário emana do real. É, por um lado, um reservatório, na medida em que agrega imagens, sentimentos, lembranças e experiências. Agrega ainda visões do real e leituras de vida. Além disso, sedimenta um modo de ver, ser, agir, sentir e aspirar ao estar no mundo. Mas também é motor: é uma força que impulsiona indivíduos ou grupos. De acordo com tal perspectiva, o imaginário é uma narrativa que se difunde por meio de tecnologias do imaginário. Como Da Silva (2012, p. 20) define as tecnologias do imaginário? A resposta evoca Michel Foucault, Gilbert Durand e Edgar Morin: “[...] dispositivos [...] de intervenção, formatação, interferência e construção das ‘bacias semânticas’ que determinarão a complexidade [...] dos ‘trajetos antropológicos’ de indivíduos ou grupos”. São, em outras palavras, como aponta o autor, dispositivos de produção de mitos, visões de mundo e estilos de vida. É muito sutil o modo como as tecnologias do imaginário seduzem: O mundo pós-moderno forja tecnologias do afeto e domina os sujeitos pela adesão, pelo consentimento, numa espécie de contrato, revogável a qualquer momento de assimilação consentida de valores e de práticas sociais efêmeras. O preço da adesão é o prazer imediato (DA SILVA, 2012, p. 25).

Na análise sobre as tecnologias do imaginário, o autor observa ainda que estas são dispositivos de fabulação, de mitificação, de projeção de imagens para consumo de massa. E a música não é ignorada: “A música é uma extraordinária tecnologia do imaginário, sem nunca ser manipuladora, embora consiga nos influenciar ao máximo, quase à morte, talvez mesmo até a morte” (DA SILVA, 2012, p. 79). Quais os pressupostos que estruturam o imaginário? O autor apresenta sete: 1) Todo real é imaginário; 2) Todo imaginário é real; 3) Todo imaginário é um texto; 4) Todo texto é um imaginário; 5) Todo imaginário é um hipertexto; 6) Todo imaginário é narrativa; e 7) Todo real é uma narrativa imaginal. No contexto musical, a criação de um ídolo, a ascensão da celebridade e a construção do sucesso são frutos da construção e do compartilhamento de narrativas. Os intermediários culturais e os meios de comunicação somam forças para tornar essa narrativa verossímil. Esta é a discussão proposta na seção a seguir.

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3 SOBRE O QUE PODE HAVER POR TRÁS DO SUCESSO

Este artigo, como já anunciado, pretende sustentar o argumento de que os meios de comunicação, e mesmo a música, desempenham um papel importante no processo de ascensão dos ídolos. Funcionam, como visto acima, como tecnologias do imaginário, como dispositivos que operam a construção de figuras às quais se presta algum tipo de devoção. Uma das perspectivas que ajudam a sustentar esta argumentação é oferecida por Rojek (2008). O autor define que a celebridade, para além das qualidades divinas que, geralmente, lhe são atribuídas, tem a ver com a atribuição de status glamouroso ou notório a um indivíduo dentro da esfera pública. As celebridades seriam fabricações culturais, mediadas pelo que o autor chama de intermediários culturais: “[...] agentes, publicitários, pessoal de marketing, promoters, fotógrafos, fitness trainers, figurinistas, especialistas em cosméticos e assistentes pessoais” (ROJEK, 2008, p. 12-13). De que maneira esta equipe de intermediários culturais está ligada à constituição do imaginário? Rojek (2008, p. 13) sugere que a tarefa desta equipe é “[...] planejar uma apresentação em público de personalidades célebres que resultará num encanto permanente para uma plateia de fãs”. O conceito de intermediários culturais no contexto da música é discutido por Shuker (1999). Trata-se de um grupo de funcionários que abrange: [...] o departamento artístico, responsável por descobrir novos talentos e manter o elenco de artistas da empresa; os produtores musicais e os técnicos de som, que desempenham um papel decisivo no estúdio de gravação; os diretores de videoclipe; os diretores de marketing e os publicitários; os assessores de imprensa; os varejistas de discos; os programadores de emissoras de rádio e os DJs; os organizadores de apresentações e empresários de clubes noturnos (SHUKER, 1999, p. 175).

Esta equipe seria responsável por revelar a música para o ouvinte através da mídia, isto é, a concretização da indução do imaginário. O ponto central da relação é a performance do artista, que pode ser “ao vivo” ou mediada, segundo o autor. A primeira é aquela que acontece nos shows e festivais. A segunda, ocorre no cinema, no rádio e na televisão. Há, na performance, importância crucial para a consagração do ídolo. É o espaço em que o público se encontra com o personagem que o intérprete construiu, sua face pública. Se o imaginário é uma narrativa, este seria, então, o clímax. “Seu significado cultural está na relação entre ritual, prazer e economia. A performance 5

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molda o público, alimenta a fantasia e o prazer do indivíduo, e cria ícones e mitos culturais” (SHUKER, 1999, p. 211). Hennion (1983) observa que o coletivo criativo, ou seja, esta equipe de profissionais que são responsáveis por todos os aspectos da produção da canção popular tem substituído a criação individual. A equipe desempenha os vários papeis que o criador individual costumava desempenhar. O produto final é fruto de vários pontos de vista diferentes, e contempla todas as questões objetivamente musicais e as necessidades do público. O sucesso, neste sentido, extrapola questões que a musicologia consegue dar conta e exige, argumenta o autor, um retorno ao papel que o produtor, ou melhor, que o diretor artístico, desempenha e a sua relação com o artista. Hennion observa que é o produtor que introduz o ouvido do público no espaço do estúdio de gravação, indicando que a criação da canção exige que sejam levadas em conta as expectativas que os fãs têm em relação ao que lhes será apresentado. É o produtor que pavimenta o caminho que leva ao envolvimento emocional entre o artista e o seu público, sugere. Por último, é para o produtor que o intérprete tenta apresentar a persona correta. O artista se torna parte da canção que ele interpreta. Ele incorpora as características de um personagem e “oferece” este personagem ao público. A construção e divulgação deste personagem faz parte do processo de criação artística, que envolve a letra, a música e o cantor. De acordo com Hennion, o intérprete, muitas vezes, faz com que sua história pessoal de vida se confunda com a história que é narrada na canção e ele precisa da ajuda do produtor para estabelecer esses vínculos de maneira que consiga seduzir o público. A performance é, de acordo com Janotti Junior (2006), um ato de comunicação onde está pressuposta a relação entre o intérprete e o seu público. Pressupõem, além de regras formais, ritualizações partilhadas por produtores, músicos e audiência. Para o autor, além do ritmo e da execução musical, o corpo e a voz estão ligados às estratégias de comunicação que envolve a imagem dos intérpretes. Sobre este aspecto, em relação ao qual está subjacente a indução do imaginário, o autor diz que: Esses aspectos da performance são fundamentais para a compreensão do que é considerada uma interpretação “autêntica”, “cooptada”, “impessoal” ou “verdadeira”; valorações fundamentais para as estratégias de produtores, músicos e críticos no processo de endereçamento do produto musical ao seu público (JANOTTI JUNIOR, 2006, p. 42).

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Na abordagem de Rojek (2008) também é levado em conta o papel dos meios de comunicação na construção do imaginário que envolve a estrela. Segundo o autor, a celebridade desperta forte emoção a despeito da ausência de reciprocidade pessoal direta. É o que a distingue das pessoas que alcançam algum renome circunscrito a uma rede de relacionamentos pessoais. A representação da mídia, diz, é o princípio-chave na formação da cultura da celebridade. Se as celebridades costumam parecer mágicas ou sobrenaturais é porque sua presença ao olhar público seria amplamente encenada. E a cultura da celebridade supriria, de acordo com este ponto de vista, uma importante função integradora na sociedade. Ou seja, é possível inferir que a cultura da celebridade opera a partir da constituição de um imaginário induzido a respeito dos ídolos. “É fácil ver por que a maioria das celebridades alimenta o mundo cotidiano com padrões honráveis de atração que encorajam as pessoas a imitá-las, o que ajuda a cimentar e unificar a sociedade” (ROJEK, 2008, p. 17). O autor observa que o status de celebridade pode ser conferido, adquirido ou atribuído. Sobre os três grupos há, infere-se, um tipo distinto de imaginário. Para o primeiro grupo, o status de celebridade tem relação com a linhagem, isto é, deriva de descendência biológica. Para o segundo, o status é atribuído em razão das conquistas artísticas ou esportivas. Derivaria de realizações do indivíduo observadas em competições abertas. Mas é possível que haja ação direta dos intermediários culturais para a atribuição do status de celebridade. Este é o caso do terceiro grupo. Resultaria da concentrada representação de um indivíduo como digno de nota ou como excepcional. A mídia teria um papel fundamental na ascensão deste último grupo. “[...] gente ‘comum’ [...] é elevada na consciência pública a figura notável, basicamente por ordem de executivos de mídia de massa na guerra por circulação ou audiência” (ROJEK, 2008, p. 21). Mas além da fabricação da celebridade a partir da indução do imaginário, os meios de comunicação desempenhariam, ainda, a tarefa de manter o ídolo em contato com os fãs “[...] através de sites na internet, biografias, entrevistas nos jornais, perfis na televisão, documentários transmitidos por rádio e biografias filmadas” (ROJEK, 2008, p. 22). O autor observa ainda que a centralidade da mídia é enfatizada em todas as abordagens dominantes no estudo da celebridade, em função de o relacionamento entre os fãs e seus ídolos ser mediado pela representação. Rojek (2008, p. 51) conclui, neste 7

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sentido que: “A mídia constitui o melhor canal de contato entre fãs e celebridades. Palco, tela, audiotransmissão e cultura impressa são os principais mecanismos que expressam os vários idiomas da cultura da celebridade”. Rojek insiste na ideia de que certos tipos de fãs, os obcecados, participam de relações imaginárias com seus ídolos. Esses relacionamentos envolveriam dependência emocional não recíproca e projeção de sentimentos intensamente positivos. A identificação entre fãs e celebridades está refletida no guarda-roupa e no vocabulário daqueles, por exemplo. O autor apresenta a ideia de interação parassocial para definir relações de intimidade que se constituem através da mídia, ou seja, que derivam de representações da pessoa idolatrada e não de um contato físico verdadeiro. As implicações desta tensão entre aproximação e distanciamento são, segundo Rojek (2008, p. 58), as seguintes: [...] o distanciamento físico e social da celebridade é compensado pela superabundância de informações pelo meios de comunicação, inclusive fanzines, artigos na imprensa, documentários de TV, entrevistas, boletins informativos e biografias, que a personalizam, transformando a figura distante de um estranho em um outro significativo.

Que o relacionamento no fundo seja imaginário é essencial, aponta o autor, para o conceito de interação parassocial. E a aparente intimidade é construída, também, pela ação dos meios de comunicação de massa. Os fãs apreciam saber mais e mais sobre as celebridades que lhes são caras e as campanhas de marketing usa essa mediação como técnica para promover, além da celebridade em si, produtos e serviços. “Promover um produto na TV é mais eficaz se as celebridades aproveitarem a ocasião para se abrir e revelar camadas de personalidade que estão escondidas da persona na tela” (ROJIK, 2008, p. 84). O momento do encontro entre a celebridade e o fã é quando o imaginário induzido é legitimado, ou melhor, é quando o imaginário se consolida. Toda a encenação é cercada de pompa. Para Rojek, este é o momento em que publicitários, guarda-costas e relações públicas anunciam e administram o contato entre os fãs e seus ídolos. “O cortejo da celebridade”, aponta o autor, “intensifica a aura de magia que a cerca” (ROJEK, 2008, p. 86).

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na música, fazer sucesso implica, entre outras coisas, saber construir a narrativa mais verossímil possível, capaz de promover identificação. Em outras palavras, os fãs precisam estabelecer laços de empatia com o artista. Mas aquilo que faz parte do imaginário dos fãs sobre seus ídolos precisa sobreviver ao encontro entre eles. No contato com a celebridade, o resultado que se espera, como sugeriu Rojek (2008), é a confirmação. Ou seja, o rosto público da celebridade precisa ser reconquistado e confirmado pela interação direta com os fãs. Ou isto, ou então espera-se que haja normalização: a estima pública é acentuada se o público reconhece que a celebridade é, afinal de contar, humana. O que não pode haver é a dissonância cognitiva, em que o rosto público é exposto à condenação crítica sob a justificativa de ser como uma fachada, ou seja, artificial. Dentro da cadeia produtiva da canção de sucesso, que implica sobre a construção do sucesso dos artistas, o imaginário vai sendo induzido e espera-se que ele se consolide. Na etapa da produção, a composição implica a construção de uma narrativa a ser interpretada. É fundamental que esta composição observe critérios formais de estruturação da letra e da melodia, mas mais do que isso, importa que ela consiga estabelecer empatia. Durante as sessões de gravação, o artista é instruído pelo produtor sobre como usar a técnica vocal para melhorar a performance. Na etapa seguinte, a da circulação, o artista vai trabalhar para a promoção da música nova. Além de buscar a cobertura pelos meios de comunicação de massa, o que implica na participação de programas de rádio e TV, por exemplo, busca-se, por meio de apresentações ao vivo, contato mais próximo com os fãs. E por meio dos perfis nas redes sociais, essa aproximação é acentuada, na medida em que as fronteiras entre carreira e vida pública são sublimadas. Mas há sempre a veiculação de narrativas que em alguns momentos distorcem, em outros idealizam e em outros formatam simbolicamente o real. O ciclo se completa por meio do consumo. Este se dá por meio de execuções públicas, o que inclui o uso que se faz em ambiente doméstico. Além da execução exaustiva em programas de rádio, as músicas de sucesso geralmente são incluídas nas trilhas sonoras de telenovelas e filmes. E os intérpretes, que participam de vários programas de televisão, podem se deixar ver pelo público. Como dito acima, essa mediação é fundamental para a consolidação do imaginário induzido, embora possa 9

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acontecer de este se nulificar. É que nesta etapa o fã tem a oportunidade de ver o seu ídolo de perto, em shows e festivais, em que a disputa por ingressos é voraz. Há casos em que os fãs acampam na frente de estádios de futebol ou casas de show para não perder a oportunidade de estar em contato com as celebridades que cultuam. Mas é fundamental que a performance agrade e que os fãs se sintam tocados pela experiência. O American Idol, programa que motivou o debate aqui exposto, é um programa em que anonimato e estrelato se cruzam. Candidatos nervosos e com histórias de vida as mais diversas se apresentam diante de uma bancada com três ou quatro nomes proeminentes da indústria da música. Muitas vezes, acontece de os jurados se dizerem impressionados com o talento nato de um candidato após a audição. Acontece, às vezes, de os jurados aplaudirem de pé e fazerem reverências. Mais comum, entretanto, é que os jurados rejeitem o aspirante a ídolo, justificando que o mesmo não tem talento, não sabe cantar ou simplesmente não tenha conseguido tocá-los. Nas etapas seguintes, a luta é por conseguir, além de boas críticas dos jurados, conseguir conquistar o voto dos norte-americanos. Este é o fator que determina quem segue na disputa e quem é eliminado. Ao longo das semanas, os candidatos são submetidos à rotina pesada de ensaios, conversas com professores sobre afinação vocal, atendimento à mídia, prova de roupas, maquiagem e cabeleireiro. O imaginário do ídolo vai achando espaço na vida desses aspirantes ao sucesso, que começam a se acostumar com a plateia, autógrafos e sessões de fotos. É, além de um programa para escolher um novo ídolo, um programa para a formação do imaginário do ídolo.

REFERÊNCIAS DA SILVA, J. M. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2012. HENNION, A. The production of success: na anti-musicology of the pop song. In: Popular Music, nº 3. Cambridge: Cambridge UP, 1983. JANOTTI JUNIOR, J. Música popular massiva e gêneros musicais: produção e consumo da canção na mídia. In: Comunicação, Mídia e Consumo, nº 7. São Paulo, 2006. MAFFESOLI, M. O imaginário é uma realidade. In: Revista Famecos, nº 15. Porto Alegre, Edipucrs, 2001. ROJEK, C. Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. SHUKER, R. Vocabulário de música pop. São Paulo: Hedra, 1999.

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