O Impacto e Atitude da Netflix Acerca da Pirataria de Seriados no Brasil

O IMPACTO E ATITUDE DA NETFLIX ACERCA DA PIRATARIA DE SERIADOS NO BRASIL Lizia Caetano Danilo Sabbagh A Busca Não poderíamos começar esse artigo de outra maneira a não ser que seja relatando o grande déficit de dados e informações disponíveis. Nem as empresas, comunidades e ferramentas possuem dados de acesso transparentes sobre seu uso, downloads ou práticas. Somado a isto, vemos também uma grande carência de estudo por parte do meio acadêmico, principalmente no que se trata de Brasil. Afirmações recorrentes nos veículos de comunicação como “Os serviços ​ de ​streaming são uma alternativa viável para solucionar o ‘problema’ da pirataria”, são baseadas mais no pensamento econômico de fundo liberal do que no sociológico. No entanto o senso comum já admite que o serviço de s​ treaming1 Netflix combate a pirataria de séries e filmes2. Diante de tal argumentação achamos importante avaliar a substancialidade de tal afirmação além da possível intencionalidade da empresa nesse sentido tendo como escopo o consumo de séries no Brasil. Iremos analisar por lado a lado o uso do aplicativo da Netflix e o ​BitTorrent, a tecnologia mais popular de troca de arquivos online3 atualmente. A Netflix surge em agosto de 1997 como uma locadora de dvds online. Os seus clientes alugavam discos que chegavam pelo correio e eram devolvidos da mesma forma. Com o crescente desenvolvimento dos backbones de internet e velocidades maiores para usuários domésticos a empresa passou a disponibilizar seu​ conteúdo por ​streaming no ínicio de 2007 nos EUA. Já, em setembro de 2011 o serviço inaugura no Brasil4.

Já a cópia digital ilegal (pirataria) de conteúdo audiovisual existe desde os meados dos anos 90. Porém ela se tornou mais relevante com o avanço tecnológico. Ferramentas de compressão e distribuição descentralizadas começaram a se popularizar no início do milénio 1

Streaming é a transmissão de dados (como áudio ou vídeo) em um fluxo contínuo especialmente para processamento ou reprodução imediata. Britanic Academic: ​http://bit.ly/2d4zx2s 2 Spangler, Todd. "Pirates ante up with Nettlix's 'House of Cards'." Variety 9 Apr. 2013: 3 O Bittorrent é responsável por 3.35% dos dados transferidos pela internet em 2013. O compartilhamento de arquivos entre usuários usou um total de 6% de toda internet no mesmo ano. "Application Usage & Threat Report". Palo Alto Networks. 2013. 4 Dados do site oficial da Netflix: ​http://bit.ly/2deYM2z

popularizado a troca de arquivos. O fluxo de dados piratas chegou a representar de 43% a 70% o uso da internet dependendo da região em 20095. Mesmo com o crescimento exponencial de interesse sobre o assunto desde o surgimento do Napster6 em 1999, a maioria das informações geradas, ainda são provenientes das ações legais (internacionais) e discussões de propriedade intelectual. Tendo em vista estas dificuldades buscamos meios alternativos para trabalhar as questões propostas. Inicialmente acreditamos que a ​Netflix apesar de não combater ativamente, acabaria por pulverizar a pirataria digital de séries. Essa é a hipótese recorrente tanto ao senso comum quanto nos trabalhos de teoria economica liberal e ​copyright7. Além disso tínhamos o pensamento que o uso e interesse de torrents em séries estava em queda. Ambas as afirmações são corroboradas por diversos dos artigos lidos, porém não se provaram corretas em sua totalidade no decorrer da nossa investigação. O Mapa Salat (2013) diz em seu artigo, ​“A Rational Approach to Piracy” (2013), que a indústria filmográfica e de entretenimento no geral se aproxima do momento decisivo de se adaptar ao mundo digital ou falhar e perder completamente o controle sobre suas produções. E grande parte das iniciativas atuais tem caminhado usando o modelo da Netflix de distribuição do conteúdo por aplicativos online por assinatura. A tese recorrente nos artigos lidos pressupõem que a acessibilidade, comodidade e valor são os únicos fatores que influenciam no consumo da pirataria digital. Para Salat, uma vez que as empresas se adequarem à essas demandas, a pirataria se tornaria supérflua. Já para outros autores, como Idland et al (2015) e Welter (2012), os processos judiciais de propriedade intelectual têm que continuar (e intensificar ainda mais), juntamente com o ajuste às novas configurações de um mercado digital. O próprio diretor de conteúdos da ​ ​Netflix, Ted Sarandos, disse em uma entrevista para o site S ​ tuff.tv em 2013 “Eu acho que as pessoas querem uma grande experiência e elas querem acesso. Pessoas são majoritariamente honestas, o melhor jeito de combater a

​Schulze, Hendrik; Klaus Mochalski (2009). ​"Internet Study 2008/2009"​. Leipzig, Germany: ipoque. Programa que permitia aos usuários compartilhar arquivos de músicas que estavam em seu computador com outros através da internet. Britanic Academic: ​http://bit.ly/2egYTNc 7 Propriedade Intelectual. 5 6

pirataria não é legalmente ou criminalmente, mas dando boas opções.8 ” (​Kang, 2014) Seguindo esse raciocínio, o desafio da Netflix está em conseguir mais e melhores contratos com os estúdios e outros distribuidores de conteúdo para disponibilizar um catálogo digital melhor e à custos menores para seus consumidores. Esse seria o fim da pirataria. Brennan Welter (2012) analisa o chamado “Netflix effect”, que seria exatamente o efeito de queda na pirataria devido à popularização da Netflix e crescente disponibilidade de mais filmes/séries no seu catálogo. Analisando “Rango” e “Kung Fu Panda 2”, o autor observa uma queda de cerca de 11% no download ilegal de “Rango” depois que o filme foi disponibilizado pela Netflix, já o segundo filme não demonstrou uma queda significativa nos Torrents. Welter orientou seu trabalho tentando entender “o que leva alguém a pirataria?” para poder responder a grande questão pairando sobre o Governo e as indústrias de entretenimento “como acabar com ela?”. Porém, apenas duas hipóteses são consideradas, por ele, para a primeira pergunta “Se pirataria não for um problema de conveniência, então talvez seja uma questão filosófica de moral” (WELTER, 2012, p.26; tradução livre). Contudo, simplificação ou a polarização de resposta dessa pergunta acaba comprometendo, não só o entendimento do que é a pirataria para os usuários, como compromete qualquer possível resposta à segunda pergunta. Por outro lado, ao comentar o estudo “​Sizing the Piracy Universe”9 conduzido pela Netnames, David Price, diretor de análise de pirataria da Netnames relata que: “Enquanto vários serviços se juntaram ao Netflix, o mundo da pirataria não ficou parado. Pessoas estão infringindo (copyright) em todo tipo de conteúdo, incluindo filmes, televisão música e jogos. Mais de 300 milhões de pessoas já o fizeram pelo menos uma vez Isso é um número enorme de pessoas. Isso mostra quão enraizada essa prática se tornou na vida das pessoas”10. No período de novembro de 2011 a janeiro de 2013, segundo a Netnames, os visualizações de sites de streaming legais cresceu em 34%. Os sites de torrent acompanharam o crescimento de perto tendo um aumento de 31% em suas visualizações (​Verrier 2013)​. A própria pirataria vive dentro dos serviços de ​streaming através do compartilhamento de senhas. Mais de um 8

Tradução livre. Sizing the Piracy Universe: ​http://bit.ly/2dyaCnW 10 ​"Online piracy soars despite Netflix growth." ​UWIRE Text 18 Sept. 2013: ​http://bit.ly/2eibQlz 9

indivíduo pode utilizar os serviços com apenas uma conta. No estudo “2011-2012 BSA Global Software Piracy Study”11, 30% dos entrevistados já compartilharam suas informações de acesso pagos com outros usuários e um total de 28% não veem isso como uma atitude recriminável. Ainda assim, todas essas informações são relativas ao mercado global. A realidade brasileira é bem menos clara. Mesmo com o grande uso de streaming no Brasil os números específicos ainda não são claros. Segundo estudo “2014 Pesquisa TIC Domicílios”12 50% das residências brasileiras possuíam conexão de internet, destes 58% usam serviços de streaming sejam eles gratuítos ou pagos. A Exploração Para avaliar quantitativamente a popularidade dos serviços comparamos através do Google Trends13 a popularidade das palavras chaves Torrent e Netflix no Brasil. Além dos termos básicos, selecionamos algumas séries específicas para avaliar seu desempenho ao longo do tempo, sendo elas: ●

Friends

●

Galinha Pintadinha

●

Orange is the New Black (OITNB)

Todas as séries se encontram disponíveis tanto no Netflix como em Torrents e existe um claro padrão no interesse de procura. Seja em uma série anterior ao Netflix, que é o caso de Friends, em uma série externa ao Netflix mas disponível, Galinha Pintadinha ou Orange is the New Black , uma série original Netflix. Os resultados que obtivemos não colaboram com a tese de Welter (2012) que a disponibilidade do conteúdo em seu lançamento diminui a pirataria. Especialmente no caso de OITNB onde o lançamento se deu apenas por streaming. Uma quantidade menor de interesse deveria ter sido observada quando na realidade o oposto aconteceu.

11

2011-2012 BSA Global Software Piracy Study: http://globalstudy.bsa.org/2011/ Pesquisa TIC Domicílios: http://cetic.br/pesquisa/domicilios/ 13 Google Trends é uma ferramenta do google que mostra em uma linha de tempo a popularidade de termos de pesquisa em comparação a outros termos dentro de uma linha de tempo. https://www.google.com.br/trends 12

Ainda no campo quantitativo elaboramos uma pesquisa online que foi respondida por 505 pessoas. Padrões similares emergem com 86% dos entrevistados afirmando o uso do netflix e 61% do torrent para assistir séries. Pegadas Por sermos imposibilitado de acessar os dados de uso diretamente adotamos o Google Trends como referencial de interesse nas séries. Foram feitas análises nas procuras entre setembro de 2011 (lançamento da Netflix no Brasil)

até

agosto

de 2016

realizadas no Brasil. Orange is the New Black dialoga claramente

com

a

tese

de

Welter e demonstra claramente o interesse em torrents 20% acima do interesse na Netflix no lançamento.

Durante

o

lançamentos das últimas duas temporadas

o

interesse

permaneceu próximo, mas com o crescimento lento da Netflix.

Friends também é um caso interessante por ser uma série anterior

ao

streaming dados

da

que

serviço

de

Netflix.

Nos

obtivemos

o

crescimento da Netflix tem sido constante desde que a série se tornou disponível no serviço. No

momento

se

encontra,

assim como OITNB (2% no lançamento da temporada, 8% em

agosto

de

2016)

em

patamar similares dividindo o interesse com uma diferença de apenas 3%

Galinha Pintadinha, também anterior ao serviço de streaming e de produção nacional e voltada para o público infantil, apresenta dados bem diferentes. No caso o crescimento linear é similar, com o Torrent mantendo a hegemonia nas procuras.

Encontro com os Nativos Em nossa pesquisa aberta vimos dados bem parecidos com o trabalho recente realizado pelo IPEA “Download de músicas e filmes no Brasil: Um perfil dos piratas online” 14. 61% dos entrevistados que assistem séries responderam usar torrents, 86% netflix e 52% usam ambos.

Historias do Passado

14

Download de músicas e filmes no Brasil: Um perfil dos piratas online: http://bit.ly/2dOR40e

Já no campo qualitativo fica clara a intencionalidade da Netflix em combater a pirataria. A primeira é o bloqueio do acesso a conteúdo de outros países que era feito através do uso de VPNs15 . A motivação para o uso da VPN era que os acordos de direitos da Netflix com as produtoras de conteúdo é baseado em regiões geográficas, logo dependendo do local que você se encontra você tem uma série de conteúdos diferentes, muitas vezes, maior. Até 2014 era possível usar um serviço de VPN para acessar o conteúdo da Netflix de outros países porém a empresa alterou sua tecnologia para detectar o uso dessa técnica e impedila. Inclusive Mendes (2014) levanta a questão sobre piratas e audiência. As pessoas que usavam desta técnica são piratas ou simplesmente clientes legítimos da empresa que foram abandonados por ela? Outra

informação

extremamente

relevante sobre a Netflix no campo da pirataria é o crescente investimento em Lobby no congresso e senado americano tendo nos últimos quatro anos investido mais de 4 milhões de dólares16 em comissões relativas a internet e pirataria. Em uma série de entrevistas a Netflix garante que sua atuação é restrita a neutralidade da rede, porém no formulário de registro necessário para a atividade ela informa sua área de atuação; “​propriedade intelectual, ​telecomunicação, proteção de consumidores e impostos e internet”17. O Tesouro Não poderíamos terminar de maneira muito diferente que começamos. A falta de informação clara sobre o uso de ​streaming e a pirataria de séries dificulta muito a discussão em torno do assunto. Porém encontramos uma série de padrões se sobressaindo. Acerca da atitude vemos claramente a postura contra a pirataria, na manutenção da tese da alternativa, e em atitudes práticas contra a mesma, inclusive contra clientes pagantes. Com 15

Rede Virtual Privada. Através de redes virtuais privadas um usuário é capaz de escamotear seu endereço virtual real e parecer vir de outro local geográfico. 16 Netflix Inc em opensecrets.org: ​http://bit.ly/2eddmcf 17 Netflix wants to wield more influence in election season: ​http://bit.ly/2eskQ6i

relação ao impacto a Netflix ela não parece substituir o uso de torrents, apenas fornecer alternativa prática para os títulos em seu catálogo ou servir como ferramenta para aqueles que não se utilizam de pirataria. Vemos inclusive o uso comitante da Netflix e ​Torrents por uma grande parcela de usuários que buscam conteúdo não disponível em sua área geográfica. Apesar de algumas respostas terem sido dadas com esse estudo ele nos levanta mais pontos. O Primeiro deles é desmistificar as respostas (quiçá a própria pergunta) de “o que leva a uma pessoa à pirataria”, onde julgamos necessário, tanto uma pesquisa mais extensa quanto um arcabouço teórico melhor, para responder satisfatoriamente. Porém, já fica claro nessa pesquisa que dualidade entre falta de acessibilidade dos serviços ou a moralidade individual não serve para compor unicamente a questão. Outro ponto problemático a se levantar é exatamente sobre essa “acessibilidade dos serviços” de novas tecnologias; Não podendo olhar apenas para o fator econômico, mas também o social e político levando em conta a infraestrutura de tecnológica. E mais do que isso, nos preocupamos em como criar um diálogo honesto e fundamentado em torno da questão da pirataria digital, da propriedade intelectual e do acesso à informação e cultura no Brasil. Já que tais temas são discutidos apenas na esfera econômica, mas falsamente se apoiando na esfera moral.

Referencias WELTER, BRENNAN SCOTT - The Netflix Effect: Product Availability and Piracy in the Film Industry,

​https://getd.libs.uga.edu/pdfs/welter_brennan_s_201212_ma.pdf

​Acesso

em

1/09/2016 MENDES, VANESSA - Brazil Netflix VPNS and the paying pirates, ​http://bit.ly/2eO1Ikp ​Acesso em 1/09/2016 PRICE, DAVID - Sizing the piracy universe, h ​ ttp://bit.ly/2dyaCnW​ Acesso em 1/09/2016 SALAT, PHILIP BRETT - A Rational Approach to Piracy, ​http://bit.ly/2eO4O84 Acesso em 1/09/2016

Idland, Øverby, Audestad - Economic Markets for Video Streaming Services: A Case Study of Netflix and Popcorn Time, ​http://bit.ly/2fgCiw9​ Acesso em 1/09/2016 IPEA, Comunicados do IPEA #147. Download de Musica e Filmes no Brasil: Um perfil do piratas online. ​http://bit.ly/2dOR40e​ Acesso em 1/09/2016 CETIC, Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos domicílios brasileiros - TIC Domicílios 2015. h ​ ttp://cetic.br/pesquisa/domicilios​ Acesso em 1/09/2016 BSA - Global Software Piracy Study, ​http://globalstudy.bsa.org/2011/​ Acesso em 1/09/2016 NETFLIX, Netflix Media Center, h ​ ttps://media.netflix.com/en/​ Acesso em 1/09/2016 THE CENTER FOR RESPONSIVE POLITICS, Netflix inc. ​http://bit.ly/2eddmcf ​Acesso em 1/09/2016 KANG, CECILA - “Orange Is the New Black” is now the second-most pirated TV show in the world, ​http://wapo.st/2fKUF0u​ ​Acesso em 1/09/2016 GEUS, MEGAN - Netflix wants to wield more influence in election season, ​http://bit.ly/2eskQ6i Acesso em 1/09/2016