O IMPACTO ECONÔMICO E SOCIAL DA INSTALAÇÃO DE PARQUES EÓLICOS NOS MUNICÍPIOS PRODUTORES DO RIO GRANDE DO NORTE

Share Embed


Descrição do Produto

40º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS ST07 Conflitos e desastres ambientais: violação de direitos, resistência e produção do conhecimento

O IMPACTO ECONÔMICO E SOCIAL DA INSTALAÇÃO DE PARQUES EÓLICOS NOS MUNICÍPIOS PRODUTORES DO RIO GRANDE DO NORTE

Rafael Fonseca da Costa Mestre em Estudos Urbanos e Regionais PPEUR/DPP/UFRN

Caxambu-MG 24 a 28 de outubro de 2016.

2

1

INTRODUÇÃO O aumento do investimento na produção de energia eólica surge como resposta à

problemática energética mundial, agravada pela demanda por petróleo. Atualmente observa-se o desenvolvimento da produção das energias renováveis (solar, biomassa, eólica, mare motriz etc.) que, através de incentivos governamentais, vêm ganhando destaque nas duas últimas décadas. Uma das alternativas em evidência e crescimento na atualidade é a produção de energia eólica estabelecida por fortes incentivos. Frente aos incentivos apresentados e sua ampla disponibilidade, essa fonte energética ganha espaço no Brasil e no Rio Grande do Norte. No entanto, tais investimentos têm possibilitado alterações na realidade econômica, social e ambiental dos municípios produtores, como também tem suscitado conflitos e tensões entre os principais atores sociais (populações tradicionais, instituições estatais e corporações), envolvidos nessa nova dinâmica. Os parques instalados, em sua maior parcela, nos espaços rurais, geram uma mobilização da população local e uma dinâmica dividida em três etapas: a) empregos diretos, no período de implantação do empreendimento com maior contratação de mão de obra local; b) empregos indiretos, resultantes da dinamização econômica como prestação e ampliação de serviços na localidade urbana; c) além dessa dinâmica temporária, têm-se os benefícios permanentes para os donos das propriedades arrendadas, que usufruíram por 20 a 30 anos do arrendamento da terra. Para Cureau (2009), os empreendimentos desse setor, geralmente construídos em regiões rurais, têm trazido consequências não apenas para o ambiente natural, que é visivelmente mais prejudicado, mas também ao social. Ocorrem transformações bruscas e desestruturantes na vida da população local, seja pelos efeitos negativos decorrentes de interações com recursos naturais (ameaçados por esses empreendimentos), seja pelas ações impactantes de tais obras. A depender do modo de vida da região, em especial das comunidades tradicionais, o ambiente cultural é menos ou mais afetado. Prevê-se que a expansão e a diversificação do setor energético promovem transformações não apenas na esfera ambiental, mas também nos terrenos econômico e social, tanto em escala global, regional como local. Devido ao grande investimento estrangeiro e nacional na produção de energias renováveis, este estudo se propôs a analisar o impacto econômico e social da produção de

3

energia eólica no estado do Rio Grande do Norte. Buscou-se verificar, como interrogante de pesquisa, quais impactos socioeconômicos são apresentados nos municípios produtores. Tendo em vista o grande número de parques implantados ou em implantação no Rio Grande do Norte, que elevou o estado ao patamar de maior gerador e exportador de energia eólica do país, faz-se necessária essa investigação. Em busca da resposta ao questionamento apresentado, foi realizada uma revisão da literatura sobre a problemática energética global e a importância da produção de energia eólica no mundo e no Brasil. Investigou-se o potencial eólico brasileiro e norterio-grandense. Foi verificado o quantitativo dos parques eólicos em instalação, em operação e a serem instalados no Rio Grande do Norte e seus respectivos municípios. Realizou-se também uma pesquisa documental sobre o aumento do Imposto de Serviço Sobre Qualquer Natureza (ISSQN) arrecadado pelos municípios. O levantamento quantitativo desse imposto contribuiu para a análise econômica, visto que esses tributos são a forma mais direta pela qual as regiões produtoras recebem algum recurso provindo da atividade de instalação dos parques. Com o objetivo de averiguar os impactos da produção de energia eólica no estado foram escolhidos quatro municípios produtores, a saber: Rio do Fogo, João Câmara, Parazinho e Pedra Grande. Também foram coletadas informações de São Miguel do Gostoso e Jandaíra. A escolha dos citados se deu por serem os maiores produtores de energia eólia e receberem o maior número de projetos eólicos. Além disso, não possuem outras atividades, como a produção de sal, petróleo, gás natural, indústrias e turismo, como apresentadas em outros municípios produtores. Foram realizadas visitas aos municípios citados contemplando entrevistas com os atores sociais envolvidos direta ou indiretamente no processo de implantação de parques eólicos nos municípios observados. Além das entrevistas, foram realizadas visitas de campo em dois complexos eólicos1: um em operação na comunidade de Enxu Queimado, em Pedra Grande, e outro em implantação no município de São Miguel do Gostoso. As visitas de campo em diferentes cidades e complexos possibilitaram a observação in loco dos impactos presentes, tanto durante a implantação quanto na operação.

1

Um parque eólico ou usina eólica é um espaço (terrestre ou marítimo) onde estão concentrados vários aerogeradores (a partir de 5) destinados a transformar energia eólica em energia elétrica. Um complexo eólico é um espaço onde se concentram vários parques ou usinas eólicas. Fonte: http://www.pucrs.br/ceeolica/faq.php?q=27. Acessado em 12 de abr. de 2015.

4

Após essas etapas, as informações foram analisadas, sendo fundamentais para os resultados apresentados. Nos quatro municípios estudados, foram investigados fatores socioeconômicos, o aumento de empregos diretos e indiretos, o crescimento do ISSQN, dentre outros. Ao mesmo tempo, ocorreu também o crescimento de problemas sociais, como a elevação da prostituição de crianças e adolescentes, do crime, do número de mulheres solteiras grávidas, da especulação imobiliária, do surgimento de indivíduos com doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS, de conflitos territoriais e etc. Esses fatores intensificaram-se, mas não são inerentes à instalação dos parques eólicos. A literatura sobre enclaves econômicos, dos efeitos de encadeamento dos investimentos, a teoria da base de exportação, proposta por Douglas North (1977), e a teoria dos polos de desenvolvimento, conforme Perroux (1955) fizeram parte do embasamento teórico utilizado para chegar à hipótese e às considerações finais. Fez-se também uma analogia da implantação dos parques eólicos com as tipologias das economias latino-americanas apresentadas por Celso Furtado (1986). Visou-se dar suporte teórico à hipótese apresentada, tanto para os municípios que produzem a energia eólica quanto para o estado. Através do levantamento bibliográfico e documental sobre a produção eólica no Brasil e no Rio Grande do Norte e da metodologia desenvolvida na pesquisa, chegou-se a uma hipótese. Esta coloca em questão se os impactos socioeconômicos decorrentes da implantação dos parques têm ficado aquém das expectativas. Principalmente a oferta de emprego e maior contribuição das empresas. Sem dúvidas, implantação tem sido importante para a geração de energia elétrica no país e no estado. No entanto, elas garantirão mais ganhos às empresas investidoras do que aos municípios produtores. Isso porque, depois da instalação, os parques eólicos funcionarão como verdadeiros enclaves econômicos. Isolados dentro de economias frágeis e pouco transformadas, sua instalação não implica em um progresso econômico e social substancial para aqueles municípios, além de lhes trazer ônus.

2 O INCENTIVO À PRODUÇÃO DE ENERGIAS RENOVÁVEIS O uso de combustíveis fósseis é o fator que mais tem contribuído para a promoção das mudanças climáticas através da produção de Gases de Efeito Estufa

5

(GEE). Isso ocorre porque 40% da população mundial dependem da energia gerada pela queima da biomassa tradicional (madeira, carvão vegetal e esterco). Além disso, 7% da população mundial, os países mais ricos, são responsáveis pela metade dessas emissões. Nesse panorama, a principal estratégia global para a mitigação desses efeitos tem sido a utilização das energias renováveis ou alternativas (VEIGA et al., 2012). Além do seu impacto ambiental, através da emissão de GEE e, consequentemente do aquecimento global, o uso de fontes não renováveis cria dependência, em particular o petróleo e o carvão. Seus maiores produtores encontram-se em regiões conflituosas, como o Oriente Médio, estando o fornecimento sujeito, portanto, às oscilações de mercado. Não é a probabilidade de uma escassez dessa fonte que assusta os governos, tendo em vista o descobrimento de novas áreas abundantes, como o pré-sal brasileiro. Também não é o discurso pautado na sustentabilidade de uma produção livre de GEE que possibilite a resolução das mudanças climáticas, mas sim a conflituosa relação de tensão política por território entre os países orientais. Devido à busca cada vez maior por energia e ao seu alto custo — além das vantagens naturais da energia eólica, amplamente disponível e isenta da geração de gases de efeito estufa — diversos países têm investido e regulamentado políticas de incentivo, estímulo e produção dessa energia. Desde o início dos anos 1990, países como a China, EUA, Alemanha, Portugal, entre outros, vêm promovendo um crescimento acelerado em sua produção e a perspectiva da indústria eólica mundial é promissora. Observa-se que, diferentemente das tentativas anteriores de produção de energia eólica, essa nova retomada na produção apresenta-se como definitiva, devido aos avanços tecnológicos em eficiência dos modelos dos aerogeradores. Nesse contexto, uma das saídas para a crise energética, ambiental e socioeconômica mundial tem sido os investimentos em políticas públicas de incentivo a fontes de energia alternativa, incrementando a diversificação da matriz energética mundial com a inclusão das energias renováveis. Desse modo, começaram os esforços em desenvolvimento e produção de outras fontes de energia não poluentes, sustentáveis a curto, médio e longo prazo, e que preservem minimamente o meio ambiente. Inicialmente de alto valor econômico na sua produção, as energias renováveis hoje já se mostram viáveis e competitivas, devido aos incentivos dos governos através das políticas públicas.

6

Uma das alternativas em destaque e rápido crescimento nos últimos anos é a produção da energia eólica, que capta a energia cinética contida em massas de ar em movimento, convertendo-a em energia cinética de rotação, através de turbinas eólicas, denominadas aerogeradores (VEIGA et al., 2012).

3

A PRODUÇÃO DE ENERGIA EÓLICA NO BRASIL E NO RIO GRANDE DO NORTE

Diante do grande investimento mundial em energias renováveis, o Brasil também tem implantado políticas públicas de incentivo a outras fontes. A finalidade é de diversificar a sua matriz energética, centrada desde os anos 1970 na produção hidroelétrica, petróleo e biocombustíveis. Isso é possível porque o território brasileiro caracteriza-se como um dos melhores espaços em termos de potencial energético. Principalmente em fonte solar, mare motriz e eólica, visto que há uma incidência regular dos ventos alísios em sua faixa costeira e também pelos mecanismos atmosféricos denominados serras-planícies (ALDABÓ, 2002; COSERN-ANEEL, 2003). As condições climáticas e geográficas propiciam ao território brasileiro um grande potencial de utilização diversificada da força dos ventos para diversas atividades, principalmente para a geração de energia limpa. O potencial eólico nacional estimado era de 143,5 GW/ano já em 2009, mas outro estudo elevou essa estimativa para 149 GW/ano 2. Esse potencial foi avaliado para captação de energia a uma altura entre 50 e 90 metros. Todavia, alguns estudos apontam para um potencial eólico superior aos 300GW/ano numa altura maior que 100 metros do solo (CERNE, 2013, p. 10; EPE, 2009). O potencial eólico é oscilante durante o ano, sendo sazonal e mais intenso nos meses de junho a dezembro. Esses meses de maior elevação coincidem com os meses de menor pluviosidade, e consequentemente, baixa produção de energia hidroelétrica, o que a torna importante para um complementariedade elétrica nos períodos de diminuição na geração de eletricidade provinda das centrais hidroelétricas (ANEEL, 2001). Dessa forma, o aumento da produção de energia eólica fortalece e diversifica a nossa matriz energética. Ela corresponde a aproximadamente 5,99% (9,32 GW), do total 2

Esse potencial é estimado sem somar com o potencial off-shore, geração de energia eólica em alto mar (CERNE, 2014).

7

gerado, colocando o Brasil entre os 10 maiores países produtores do mundo. Como dito, isso também diminui a vulnerabilidade brasileira nos períodos de estiagens (GWEC, 2014; ANEEL, 2016; CERNE, 2014). Desde a criação do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), estabelecido pela Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, e sua substituição por leilões, a produção de energia eólica no Brasil cresceu de forma significativa, como resultado dos 400 projetos instalados de parques eólicos e com uma capacidade de construção de 8,40 gigawatts (GW) a mais do que é produzido atualmente. Há uma previsão de que até o final de 2019 a capacidade de instalação seja de 18,16 GW (ABEEÓLICA, 2016). O Nordeste está entre as regiões brasileiras com os melhores índices de ventos, com um potencial estimado em 75 GW/ano. A principal região responsável por isso está entre o Rio Grande do Norte e o Ceará, em especial no litoral e no interior da região Sul do Piauí e centro da Bahia (CEPEL, 2001). O Rio Grande do Norte é um dos destaques em termos de produção de energia eólica entre os nove estados nordestinos (COSERN, 2003), com um futuro muito promissor na geração a partir das forças dos ventos, sendo ainda caracterizado pelo CERNE (2014, p. 21), como:

[...] detentor de significativas reservas de petróleo e de enorme potencial eólico e solar, apesar de um consumo energético quase insignificante em termos de participação nacional, o Rio Grande do Norte desenvolveu ações concretas, empreendidas nos últimos sete anos, envolvendo a racionalização dos procedimentos de interação com o setor; a organização da informação setorial; as conquistas regulatórias; a mobilização de agentes econômicos e a integração dos órgãos governamentais envolvidos com tais empreendimentos.

Atualmente, o estado conta com 109 parques em operação, produzindo um total de 2.981,78 megawatts (MW), 28 em construção, com um potencial a ser produzido de 721,60 MW, e 43 novos empreendimentos a serem instalados, com potencial de 1.068,48 MW, possibilitados pelos investimentos nacionais e internacionais na produção eólica, movimentando, até 2014, mais de 15 bilhões de reais, segundo o ex-coordenador de desenvolvimento energético do Rio Grande do Norte, em 2014, José Mário Gurgel. Os vinte e sete municípios com parques instalados, em construção ou construção não iniciada no Rio Grande do Norte são: João Câmara, Parazinho, Pedra Grande, São

8

Miguel do Gostoso, Rio do Fogo, Jandaíra, Bodó, Guamaré, Serra do Mel, Areia Branca, Ceará-Mirim, São Bento do Norte, Touros, Lagoa Nova, Caiçara do Norte, Maxaranguape, Macau, Galinhos, Tibau, São Vicente, Tenente Laurentino Cruz, Brejinho, Jardim de Angicos, Florânia, Cerro Corá e Santana do Matos. Dentre esses municípios se destacam o município de João Câmara, Parazinho e Pedra Grande como sendo os maiores produtores e com o maior número de parques em instalação, operação e instalação não iniciada. Juntamente com o município de Rio do Fogo, o primeiro do estado a possuir e produzir energia eólica forma o recorte desta pesquisa. Os municípios em estudo possuem algumas características similares em suas estruturas. São municípios de pequeno e médio porte, que dispõem de uma atividade econômica baseada na agricultura, no extrativismo e no comércio. Levando em conta essas características, compreende-se que a instalação de uma nova atividade econômica desperta expectativas na população e na administração municipal, as quais visam benefícios para a população e o município. A estrutura geralmente precária desses municípios, em relação a áreas como a educação e a saúde, favorece a expectativa de obter novos impostos com a instalação dos parques eólicos, pois está se torna uma oportunidade de sanar tais problemas. Essa nova atividade passa a competir com a vocação histórica da atividade agrícola desses municípios. A fim de analisar se tais expectativas se confirmam, o capítulo a seguir apresenta as teorias que reforçam a hipótese inicial desta pesquisa: a instalação desses parques tem frustrado as esperanças da população, até então. Investigou-se o porquê desse acontecimento. Demonstra-se como a realidade econômica e social desses municípios foi pouco transformada pela nova atividade, que surge ao lado de economias frágeis e pouco desenvolvidas, havendo pouca interação dessa técnica com as já praticadas nessas regiões.

4

IMPACTOS

DA

INSTALAÇÃO

E

OPERAÇÃO

DOS

PARQUES

EÓLICOS NOS MUNICÍPIOS PRODUTORES

Frente a esse potencial promissor, o discurso do governo nos últimos anos é de que a instalação dos parques eólicos trará desenvolvimento econômico para os

9

municípios produtores e o estado. Com isso, intensificou-se a implantação de novos parques nas regiões da Serra de Santana, Mato Grande e Costa Branca do estado. Essas últimas regiões concentram os maiores índices de incidência de ventos e parques instalados e em implantação. O incentivo do poder público reforça a política de geração de emprego e renda e de desenvolvimento econômico para os municípios produtores. Além da minimização do impacto ambiental, que é de média a baixa magnitude, por ser uma energia limpa, livre da produção de gás carbônico. No entanto, para alguns estudiosos como Figueiredo e Silva (2015), a implantação dos parques eólicos deve ser mais bem avaliada (SILVA, 2013). A produção de energia eólica significa o avanço de uma energia renovável e cara, que requer maiores reinvestimentos de capital, geração de mercados complementares de energia, mudanças territoriais e superação de entraves jurídicos. As consequências sociais, ainda pouco explicadas para o RN, envolvem a discussão do intensivo capital que requerem os parques eólicos para a produção de energia, e os acordos, nem sempre claros, entre comunidade e empresa. Energia eólica no RN implica em trabalho especializado, mas sazonal e orientado pela implantação ou manutenção do “sistema”. É uma produção energética que implica em terras baratas e fáceis de manter. Intervenções no meio-ambiente, ativo social produtivo apenas quando associado à qualidade dos ventos que movem as gigantescas hélices e mudam a paisagem de parte do litoral potiguar (SILVA, 2013, p. 1).

Pode-se observar a confirmação das consequências apresentadas por Silva (2013), pela produção de energia eólica no RN. Entre as principais implicações observadas através desta pesquisa estão o baixo valor das terras e a facilidade do arrendamento e compra por parte das empresas produtoras. Um efeito são os problemas gerados pelos contratos firmados entre as comunidades e as empresas, levando a processos judiciais. Também se verificou o aumento e a consequente diminuição da arrecadação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), oriundo da fase de instalação dos parques e o aquecimento e desaquecimento da economia local devido ao seu término. Além, claro, das consequências sociais, como a elevação de mulheres grávidas, aumento da criminalidade, prostituição infanto-juvenil, aumento no número de casos de indivíduos contaminados com doenças sexualmente transmissíveis e o aumento da especulação imobiliária. Tais investimentos têm possibilitado alterações na realidade econômica, social e ambiental dos municípios produtores, como também tem suscitado conflitos e tensões

10

entre os principais atores sociais (populações tradicionais, instituições estatais e corporações), envolvidos nessa nova dinâmica. Cureau (2009), alerta que o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto do Meio Ambiente (EIA/RIMA), além do Relatório Ambiental Simplificado 3, exigidos previamente das empresas para o licenciamento ambiental, previsto pela Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) e Resolução CONAMA nº 462/2014 4, não são satisfatório e muitas vezes, apresenta incompletudes e omissão quanto aos reais impactos socioculturais que poderão causar à comunidade afetada, minimizando-os. Isso ocorre porque é o próprio empreendedor o financiador do estudo e também pela fragilidade ou cumplicidade dos órgãos ambientais na fiscalização das obras (grifo nosso). Observa-se, portanto, que os efeitos gerados nas duas fases, instalação e operação, dos parques eólicos sobre a esfera socioeconômica são equivalentes. Há uma consideração dos impactos socioeconômicos, como sendo mais positivos às comunidades localizadas na área de influência do empreendimento, do que negativos. A pesquisa nos mostra que há impactos negativos significativos, no meio socioeconômico dos municípios produtores, desencadeados ou atenuados pela implantação de parques eólicos, que não são considerados nos estudos de Avaliação dos Impactos Ambientais. Sobre esses impactos a pesquisa se debruça e apresenta as consequências além do que não é apresentado para a população (COSTA, 2014; COSTA, 2015). A seguir é apresentado o impacto econômico e social e a análise sobre a ótica de algumas teorias sobre os enclaves econômicos5, sobre o encadeamento dos investimentos e seus efeitos, apresentado por Alvarenga (2006) 6. Também se considera a teoria da base

3

Estudo simples indicado para parques com baixo potencial de geração elétrica e situado em áreas antropizadas ou de baixa sensibilidade ambiental. 4 Estabelece procedimentos para o licenciamento ambiental de empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fonte eólica em superfície terrestre, altera o art. 1º da Resolução CONAMA n.º 279, de 27 de julho de 2001, e dá outras providências. 5 Um enclave econômico caracteriza-se como a ausência de ligações em cadeia entre uma atividade econômica principal e os outros setores da economia da região na qual está inserida. Realiza-se impedindo a promoção de um desenvolvimento autossustentado, possível somente em uma estrutura econômica diversificada, que, evoluída, reduziria a dependência da economia em relação à atividade central. Dessa forma, a região de enclave econômico desfruta apenas da dependência a uma atividade econômica central (ALVARENGA, 2006; MELLO; DE PAULA, 2000). 6 Um investimento produtivo qualquer possui efeitos de encadeamento. Tais efeitos se dividem em quatro tipos: efeitos para trás, efeitos para frente, efeitos de consumo e efeitos tributários (ALVARENGA, 2006).

11

de exportação – proposta por Douglas North (1977) 7, assim como a teoria dos polos de desenvolvimento (Perroux, 1955)

8

. E por fim, estabelece-se uma analogia da

implantação dos parques eólicos com as tipologias das economias latino-americanas propostas por Celso Furtado (1986) 9. Essas teorias ajudam a compreender porque esses parques eólicos pouco se constituirão em polos de desenvolvimento para os municípios, por virem a funcionar simplesmente como enclaves econômicos, de forma autárquica, dentro de economias frágeis. Eles manifestam pouco encadeamento, para trás e para frente, com as economias regionais, sem ligação efetiva com a vida econômica real, local e regional. Inseridas em economias frágeis e pouco transformadas, sua instalação não tem implicado, pelo menos até o momento da pesquisa, em progresso econômico e social substancial para aqueles municípios, além de causar-lhes ônus.

4.1 IMPACTO ECONÔMICO Ao observar a teoria dos Efeitos de Encadeamento de Investimentos10, é fato constatar que a instalação de uma atividade desse porte aumenta a demanda de emprego, matérias-primas, insumos e bens de capital em toda a sua cadeia, características do Efeito de Encadeamento para Trás. Esse efeito pouco pode ser visto na instalação dos parques 7

As proposições analíticas de North (1977), apesar de referirem-se ao desenvolvimento dos Estados Unidos, aplicam-se, por analogia, a regiões que apresentem as seguintes condições: (1) regiões com desenvolvimento dentro de um quadro de instituições capitalistas, sensíveis à maximização dos lucros, e nas quais os fatores de produção apresentaram relativa mobilidade; (2) regiões com desenvolvimento ocasionado sem a pressão populacional. 8 Em 1955, François Perroux, desenvolveu a teoria dos polos de desenvolvimento, observando a concentração industrial na França (no entorno de Paris), e na Alemanha (ao longo do Vale da Ruhr). O surgimento dos polos industriais de crescimento se dá em torno de uma aglomeração urbana importante, ao longo das grandes fontes de matérias-primas, assim como nos locais de passagem de fluxos comerciais significativos e em torno de uma grande área agrícola dependente (SOUZA, 2005). 9 Celso Furtado apresenta três tipologias, a saber: a primeira corresponde aos países de economia de clima temperado, de agricultura assemelhada à praticada na Europa, no caso Argentina e Uruguai, que plantavam cevada, centeio, trigo etc. Esse tipo de plantio demandava um maior avanço técnico, o que possibilitou a elevação das taxas de desenvolvimento desses países, como também ocorreu nos Estados Unidos e Canadá. A segunda tipologia inclui os países que exportavam produtos tropicais (açúcar, fumo, banana, café, cacau, etc.), no caso Brasil, Colômbia, Equador, e países da América Central e do Caribe, bem como amplas regiões do México e da Venezuela. Por não demandar grandes progressos técnicos, esse tipo de plantio pouco contribuiu para o desenvolvimento e a industrialização desses países, exceção feita por Furtado para a região cafeeira de São Paulo, que impulsionou a industrialização daquele estado. A última tipologia é representada pelos países de exportação de minério, realizada por Chile, Peru, Bolívia Venezuela e México também. Nesses países, ocorreu a substituição da produção artesanal e semiartesanal pela produção em grandes unidades, com tecnologia e maquinaria modernas para a época, controladas por capitais estrangeiros e administradas desde o exterior.

12

no Rio Grande do Norte e em seus municípios. O fato se dá pela característica das atividades econômicas dos municípios, em sua maioria, agrícolas, como também o estado, não apresentam indústrias que possam suprir a demanda por matéria-prima, insumos e bens de capital para a instalação dos parques eólicos. Os fornecedores de insumos e componentes para a instalação dos parques eólicos no Rio Grande do Norte foram, em sua quase totalidade, encontrados no exterior ou em outros estados, onde se concentram as fábricas e a infraestrutura necessária à produção de tais materiais. Mesmo os fornecedores de concreto usinado foram contratados na capital do estado, e não nas cidades desses parques eólicos. Assim, os encadeamentos para trás nas cidades receptoras e dentro do próprio estado foram mínimos e, mesmo os que foram observados, somente ocorreram durante a construção. Os Efeitos de Encadeamento para Frente 11 também não são perceptíveis nos municípios produtores, pois a energia produzida é destinada a outras regiões do país, ficando apenas aquela que a operadora do estado comercializa, não contribuindo com as economias locais. Um importante Efeito de Encadeamento de Consumo 12, que poderia contribuir para o desenvolvimento e a diversificação econômica dos municípios, é a possibilidade de acumulação de capital que a atividade propicia ao gerar emprego e renda na economia local. No entanto, esse efeito foi muito limitado, restrito ao período de instalação dos parques. Após o fechamento dos negócios, não houve grande acumulação de capital arrecadado depois da instalação dos parques eólicos nas cidades. Fica sempre uma expectativa por parte da população local e dos gestores pela chegada de novos projetos eólicos. Os efeitos de encadeamento apresentados pelo aumento do emprego e da renda foram limitados nos municípios em estudo. Mantiveram-se somente na fase de instalação dos parques, que é a fase de maior absorção de mão de obra. Após essa etapa, a oferta de emprego é pequena ou quase nula. Nos municípios pesquisados, evidenciou que não foi mensurável a presença de empreendedorismo por parte dos habitantes que não foram contratados pelas empresas construtoras dos parques. Houve, sim, a abertura de novos 11

A utilização do produto fabricado como matéria-prima por empresas terceiras caracteriza-se como efeito de encadeamento para frente. Como exemplo, podemos citar a utilização da energia gerada pelos municípios produtores, pelos estados e pelo país. 12 Os efeitos de consumo são gerados quando o novo investimento possibilita aumento na renda, havendo incentivos para a ampliação do comércio e para a instalação de indústrias de bens de consumo.

13

restaurantes, pousadas, bares, hotéis, lanchonetes, borracharias, comércios e afins para atender a demanda de trabalhadores de outras localidades, mas isso foi apenas temporário. Com o término do período de instalação dos parques, muitos dos bares, restaurantes, pousadas e hotéis ficaram vazios ou fecharam. Pôde-se verificar que as empresas donas dos parques eólicos desenvolveram, em cada localidade de instalação de seus parques eólicos, programas de desenvolvimento e capacitação de mão de obra local para o trabalho na instalação. Assim como houve um número considerável de contratações para a instalação do parque, houve, igualmente, um número considerável de demissões ao término da instalação. Muitos dos trabalhadores dos parques não querem voltar aos seus antigos ofícios (agricultores, pescadores, agropecuaristas). Com isso, há um grande contingente de trabalhadores ociosos sem demandas para o serviço que desempenhavam. Uma massa de desempregados. Esse quadro se modifica quando um novo empreendimento passa a ser instalado na região e contrata-se essa mão de obra ociosa. Como os investimentos da instalação dos parques eólicos produziram efeitos para trás, para frente e de consumo temporários, pode-se afirmar que a atividade de geração de energia eólica desenvolveu-se dentro do modelo de enclave, tornando-se totalmente independente da atividade econômica dos municípios. Fazendo uma comparação da atividade de geração de energia com a atividade mineradora. Hirschman (1976) afirma que os efeitos tributários poderiam ser usados, já que a atividade mineradora é capaz de aumentar significativamente a arrecadação municipal. De igual modo, a atividade de geração de energia gera tributos para os municípios produtores devido às obras de construção civil. Não é a geração de energia em si que gera impostos ao município, mas sim a atividade de construção dos parques, responsável pelo aumento significativo na arrecadação municipal. A produção de energia eólica possibilita uma maior arrecadação de impostos, Efeito de Encadeamento Tributário, aos municípios produtores na fase de instalação do empreendimento. Isso se dá através da arrecadação do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), pago pelas empresas de construção civil ao município. Para o estado, a arrecadação é feita por meio do recolhimento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Do total arrecadado, 25% são distribuídos para todos os municípios do estado, proporcionalmente ao número de seus habitantes. Por exemplo, a cidade de Natal não produz energia eólica, mas é a mais beneficiada por

14

essa transferência intergovernamental. Como os municípios produtores em geral possuem populações de médio a pequeno porte, sua fatia nessa transferência é bem menor. Ao ser perguntado sobre os investimentos em energia eólica e os ganhos reais para o estado, o ex-coordenador de desenvolvimento energético da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte (SEDEC), José Mário Gurgel, fez a seguinte observação: Olha, a gente tem que ser coerente e pé no chão para entender que a maior parte do investimento é destinado ao equipamento, à compra do equipamento. Mas tem uma parcela também considerada que é para obra de engenharia. Agora você tem tanto a parte da engenharia civil quanto a parte elétrica do processo. Se você pegar aí a soma de todos os parques hoje, dá um investimento em torno de R$ 15 bilhões, e que você tem aí em torno de 50% para o equipamento. Aí você tem uma quantidade de remanescente bastante considerável para poder fomentar alguma atividade no setor da construção civil e eletrotécnico (COSTA, 2015, APÊNDICE B).

Como se pode observar, boa parte dos investimentos, efeitos para trás, fica com as empresas contratadas para realizar a construção do parque, na área da construção civil e elétrica. O restante destina-se à compra dos aerogeradores e dos elementos das subestações e linhas de transmissão que compõem o projeto do parque eólico, em sua maior parte adquiridos fora do estado. O estado não arrecada diretamente da atividade de instalação, mas sim das atividades inerentes à instalação do parque, como a comercialização dos equipamentos e a prestação de serviços. Os municípios produtores arrecadam o ISSQN, pago pelas empresas de construção civil. Logo após a conclusão da obra, no entanto, a arrecadação municipal cai consideravelmente, pois apenas as empresas que prestam serviço de manutenção continuam pagando o referido imposto. É o que afirma o secretário de planejamento, finanças e tributação do município de João Câmara, Gilvan Dantas, quando indagado sobre o aumento nos impostos gerados pela implantação dos parques eólicos: [...] até o mês de junho de 2014 houve um incremento, certo? De julho para cá, infelizmente parou tudo. Porque as empresas de energia eólica, que na verdade não são empresas de energia eólica, são empresas terceirizadas de construção civil que vêm construir os parques, certo? Então os parques foram concluídos e as empresas foram embora. Então o imposto ISS que é gerado pelas empresas de construção civil, até aí tudo bem, né? As empresas foram embora, acabou tudo (COSTA, 2015, APÊNDICE G).

15

Segundo o secretário Gilvan Dantas, os impostos arrecadados de cada novo parque diminuem em torno de 92% quando a instalação do parque é concluída, como pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1 – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), recebido pelos municípios com maior número de parques em implantação ISSQN MUNICÍPIOS RIO DO FOGO JOÃO CÂMARA PARAZINHO 2000 R$ 46.840,34 R$ 39.708,52 R$ 23,10 2001 R$ 9.472,18 R$ 20.508,48 R$ 8.932,73 2002 R$ 31.494,25 * R$ 19.654,92 2003 * R$ 146.434,55 R$ 17.573,33 2004 * * R$ 26.716,32 2005 * * R$ 46.347,82 2006 R$ 1.801.795,89 R$ 498.204,57 R$ 64.544,05 2007 R$ 371.768,20 R$ 365.356,56 R$ 66.166,24 2008 R$ 420.496,13 * R$ 86.329,62 2009 R$ 441.686,29 R$ 597.354,92 R$ 89.676,90 2010 R$ 512.997,27 R$ 952.648,30 R$ 122.594,87 2011 R$ 678.548,24 R$ 2.412.755,67 R$ 2.531.991,46 2012 R$ 1.224.082,79 * R$ 6.580.746,39 2013 R$ 1.710.831,00 * R$ 3.330.186,00 Fonte: Finanças Municipais - FINBRA, (2014). Organizado pelo autor *Dados não declarados pelos municípios ao FINBRA ANO

PEDRA GRANDE R$ 9.100,86 R$ 29.732,18 R$ 35.973,73 R$ 53.972,39 R$ 18.569,58 R$ 45.962,35 R$ 59.224,15 R$ 73.705,39 R$ 100.056,23 R$ 45.035,64 R$ 47.468,91 R$ 66.442,46 R$ 2.798.179,71 R$ 1.663.967,00

A partir dessa fase, os impostos recolhidos são oriundos exclusivamente das atividades de manutenção realizadas por empresas terceirizadas, o que torna a arrecadação bastante reduzida. Com relação à arrecadação de ICMS, ele afirma: [...] não tivemos nenhum incremento com relação a parque eólico. É tanto que estamos esperando a virada do ano, o governo vim por aí para fazermos uns estudos pra ver o que vai acontecer, porque a partir de 2015 outros parques vão entrar em funcionamento. Logicamente vai ter ICMS, mas hoje está muito pouco, o incremento hoje do ICMS do município de João Câmara é só com relação a comércio mesmo, a indústria de eólica até agora nada (COSTA, 2015, APÊNDICE G).

Essa realidade foi também observada nos demais municípios investigados, onde a conclusão dos parques em processo de instalação diminuiu sensivelmente a arrecadação do ISSQN, que é alta somente nessa etapa, como observado no município de Rio do Fogo, em 2006 (Ver tabela 1), com a construção do RN-15 Rio do Fogo (primeiro parque eólico de produção comercial do Brasil), o município chegou a receber R$ 1.801.795,89. Isso se deu em virtude do incremento no imposto pela atividade de construção do parque,

16

embora nos anos seguintes esse valor tenha diminuído consideravelmente. A queda logo após o encerramento da construção, em 2007, foi acentuada e evidente. A arrecadação desse imposto voltou a se elevar nos anos de 2012 e 2013, com a construção do segundo parque eólico do município, Arizona 1. Para Hirschman (1976), o que poderia compensar a falta de efeitos de encadeamento da atividade mineradora é a competência em investir a receita tributária. Para isso, é de importância o incentivo dos governos às atividades produtivas alternativas à geração de energia eólica. Comparando-se a atividade de geração de energia com a atividade mineradora, a compensação da primeira é equivalente ao da segunda. No entanto, a atividade de geração de energia gera, para os municípios produtores, uma arrecadação significativa apenas no período de instalação dos empreendimentos eólicos. E essa arrecadação não possibilita o incentivo a novas atividades produtivas, apenas a pequenas feitorias. No momento em que o município de Parazinho obteve um aumento na arrecadação do ISSQN, foi possível realizar várias obras, por exemplo, a construção da Unidade de Saúde, em parceria com o Governo Federal. Por outro lado, à medida que a arrecadação diminuiu, a preocupação da gestão da saúde é com a manutenção da oferta do serviço com a qualidade outrora oferecida aos munícipes. Há também outro problema acarretado pela maior demanda nos serviços de saúde, que ocorreu após os investimentos realizados. Os gastos com a saúde aumentam à proporção que a população vai crescendo, com a chegada dos trabalhadores da eólica e das suas famílias que passam a residir no município. Desse modo, os gastos com a saúde de anos anteriores são menores que os gastos no período da instalação do parque. Em contrapartida, para o prefeito de Rio do Fogo, Laerte Ney de Paiva, a instalação dos parques só trouxe benefícios para o município e para a população. Segundo ele, anteriormente, a arrecadação do município advinha, quase que exclusivamente, do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e, hoje, o município possui uma arrecadação de imposto de 5% sobre o valor das obras de construção civil. As empresas donas de parques eólicos proporcionaram efeitos para trás restritos, efeitos para frente condicionados e efeitos de consumo consideráveis, estabelecendo, nas regiões produtoras, uma situação econômica típica de enclave exportador – como seria previsível.

17

O instrumento fiscal atenuaria a ausência de efeitos desenvolvimentistas aos municípios produtores de energia eólica na fase de operação dos parques eólicos. A falta de efeitos de encadeamento, demonstrada pela atividade de geração de energia eólica, mais a habilidade de tributar e de investir apropriadamente, poderia produzir compensações regionais. A lógica econômica (efeitos para frente, para trás, de consumo e tributário) não promove investimentos multiplicadores nas proximidades das áreas produtoras de energia eólica, à mercê da vocação para agricultura, comércio e serviços que não necessitam, de pronto, de uma tecnologia para a sua produção. Por mais que, ainda, a atividade de geração de energia eólica faça parte de uma atividade de alta tecnologia, ela e sua demanda são totalmente externas às áreas de produção. Isso torna previsível, nesses locais, a ocorrência de enclaves exportadores do produto final, a energia, aos quais está associado um futuro esperável de estagnação e decrescimento. Observando a dinâmica econômica dos municípios produtores de energia eólica, a atividade teve um papel pequeno ou nulo de dinamismo e limitação no que se refere à sua influência sobre as atividades econômicas da região. Produzir-se-ia um efeito contrário, por possibilitar aos donos das terras – tidas como improdutivas, mas com vocação agrícola – a possibilidade de exercer a agricultura com o rendimento que o arrendamento da terra para a geração de energia proporcionou, o que não necessariamente se configura nas regiões pesquisadas. Este papel pouco dinâmico pode ser considerado muito mais como uma característica intrínseca a esse tipo de atividade que a qualquer outro fator. Nesse sentido, este não seria o caso apenas do Rio Grande do Norte, mas de qualquer localidade com tais características que empreguem a atividade de geração de energia eólica. A atividade de geração de energia eólica é composta por um complexo de atividades industriais, a saber: siderurgia, metalurgia, máquinas e equipamentos, material e aparelhos elétricos, eletrônicos, automotrizes, madeira, fibra de carbono, vidro e outros materiais. Apenas a fabricação de torres se instalou nos municípios produtores do Rio Grande do Norte, no entanto, temporariamente, o que não provocou o desenvolvimento esperado para as regiões produtoras. As livres forças do mercado não são capazes de proporcionar uma economia forte e diversificada às regiões produtoras. Mesmo que estas arrecadem significativamente no período de instalação dos parques, elas não possuem uma economia forte para investir

18

em atividades produtivas agregadas à produção eólica. Cabe aos governos estadual e federal usar parte de seu orçamento em investimentos produtivos, independente da atividade. Dessa forma, será possível diminuir a vulnerabilidade econômica das regiões produtoras de energia eólica. Diferentemente da produção de petróleo, a atividade de produção de energia eólica não se utiliza de royalties, mas sim do arrendamento das terras potencialmente produtivas. Os beneficiários locais da implantação e da operação dos parques eólicos são os donos de terras com potencial eólico, que arrendam suas propriedades por 20 ou 30 anos. O valor do arrendamento pode variar, pois depende do tamanho da propriedade arrendada e da quantidade de aerogeradores que serão instalados nela, além do valor acordado entre o arrendador e o arrendatário, que não é pré-fixado. Sendo assim, não existe regulação. Em um estudo realizado para uma consultoria13 no município de Serra do Mel, pôde-se constatar que o valor acordado entre a proprietária de terra arrendada, que teria apenas uma torre em sua propriedade, e o investidor, era de R$ 150,00 antes da implantação, passando a R$ 1.500,00 por ano no período de operação do parque. Já no município de Pedra Grande, um proprietário de terra recebe pelo arrendamento da sua propriedade cerca de R$ 2.500. Não existe uma regulação federal, estadual ou municipal que regule o valor do arrendamento da terra, cabendo ao arrendatário e ao arrendador fixarem seus valores. Em uma consulta a uma empresa de geração de energia eólica que possui vinte projetos eólicos a serem instalados no Rio Grande do Norte até 2021, o preço do arredamento acordado com os proprietários de terra é de aproximadamente R$ 10,00 por hectare/mês, um valor muito baixo para o alto investimento na geração de energia eólica. Por exemplo, uma propriedade de dez hectares equivale a R$ 100,00 hectares/mês. No caso dessa empresa o pagamento do arrendamento é feito anualmente. Vale salientar que o maior valor é pago ao proprietário que possui o maior número de hectares. Um dos efeitos observados na comercialização das terras com potencial eólico e que outrora eram utilizadas apenas para pequenas criações, agricultura de subsistência ou monocultura do caju, entre outros, foi a repentina valorização das terras, o que beneficia 13

Através de uma consultoria, o autor participou de um estudo para o licenciamento de um complexo eólico localizado no município de Serra do Mel. Por motivos de contrato os nomes dos parques e das empresas contratantes serão preservados.

19

uma quantidade pequena de sitiantes. Em uma determinada área, a disposição das torres eólicas pode valorizar certas propriedades, em detrimento de outras. Essa repentina valorização das terras desperta um jogo de interesses e disputas entre a população dos locais onde chegam os parques, como no município de Rio do Fogo, onde há a disputa da terra entre os assentados do Assentamento Zumbi, o INCRA e terceiros. Esse problema torna-se mais delicado quando os parques são implantados em áreas de Reforma Agrária, como no caso dos parques eólicos RN-15 Rio do Fogo, implantado em 2006, e o Arizona I, implantado em 2013, no assentamento Zumbi. Os conflitos e interesses de longa data ressurgem com o início das atividades de produção. A pobreza de muitos proprietários e a falta de políticas públicas que visassem o aproveitamento da terra para agricultura e pecuária em grande escala, contribuem para que muitas das áreas arrendadas se tornem praticamente improdutivas. Essa inatividade nas terras permanece após o arrendamento para a produção de energia eólica, o início das atividades e a geração das receitas. A teoria da base de exportação, proposta por Douglas North (1977), também pode ser observada. Ela justifica que a renda de certa região é determinada pelo desempenho de sua base de exportação. Dessa forma, as regiões não precisam passar pelas fases de desenvolvimento preconizadas pela teoria da localização. Segundo North (1977), uma base de exportação, ao se instalar em determinada região, gera efeitos multiplicadores na economia local, aumentando a renda e o emprego de setores não vinculados à atividade principal, ou seja, a própria base de exportação, fazendo com que a economia local se desenvolva e se dinamize. É exatamente esse efeito multiplicador que cria as condições para que a economia da região se torne diversificada e autônoma em relação à base de exportação (ALVARENGA, 2006). Em outras palavras, a capacidade de difusão dos investimentos da base para as outras atividades econômicas da região na qual ela está inserida é o efeito multiplicador gerado pela base de exportação. Tal efeito será maior se os insumos necessários à atividade exportadora forem produzidos na própria região, se a mão de obra local atende às necessidades da base exportadora, se os investimentos das indústrias que usam como matéria-prima o bem produzido pela base são capazes de impactar a economia local, se existirem poucos vazamentos na renda interna, etc. (ALVARENGA, 2006). Mas a simples instalação de uma base de exportação não é capaz de alavancar o desenvolvimento econômico de uma região, por causa das variáveis que determinam o

20

efeito multiplicador. É preciso, ainda, que essa base gere efeitos multiplicadores capazes de dinamizar a economia, gerando assim um ciclo virtuoso e sustentável de desenvolvimento. Uma base de exportação, com pequeno efeito multiplicador, gera um enclave econômico, deixando a região dependente e vulnerável em relação à sua atividade principal (ALVARENGA, 2006). Parece-nos ser esse o caso da exportação da energia eólica pelas cidades onde se instalam os parques. A energia gerada pelos parques eólicos é exportada para outra região em que é consumida. A base de exportação, neste caso os parques eólicos, não tem gerado até aqui efeitos multiplicadores, desenvolvimento ou dinamização na economia local dos municípios produtores. Dessa forma, a produção de energia eólica configura-se como uma base de exportação com efeito pequeno sobre a economia local dos municípios onde se insere, gerando consequentemente um enclave econômico e deixando os municípios produtores dependentes e vulneráveis a economias estagnadas e com pouca ou nenhuma transformação. A teoria de Perroux, também, pode ser parcialmente observada nas regiões onde se concentram os parques eólicos com a inserção em um polo regional, com infraestrutura estabelecida por atividades antigas como a produção de algodão, sal, petróleo e gás, turismo e fluxos comerciais. A produção de energia desenvolve-se criando um polo de produção de energia eólica, promovidos por terras economicamente baratas, e melhores índices de vento, além de uma infraestrutura já estabelecida. Mas a realidade que tratamos difere das situações analisadas por Perroux, por não estabelecer atividades ligadas por relações de insumoproduto, nem provocar transformações estruturais significativas na economia local da região. A expansão dos parques eólicos no Rio Grande do Norte, mesmo atingindo o patamar de maior estado produtor do Brasil, não levou à instalação de qualquer complexo industrial no estado, como observado, como polo complementar de desenvolvimento para a indústria eólica, devido à falta de investimentos e de infraestrutura portuária. Isso poderá começar a ser revertido em longo prazo, com o projeto do governo estadual de instalar um novo porto, no município de Porto do Mangue, como afirmou o excoordenador de desenvolvimento energético da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Norte (SEDEC), José Mário Gurgel.

21

Esse novo empreendimento pode possibilitar a instalação de uma cadeia produtiva de maquinário para suprir a expansão da atividade de geração de energia no estado e região, transformando o Rio Grande do Norte em um polo de desenvolvimento. Contudo, por enquanto, são apenas planos. Recorremos também, para tentar entender o que ocorre no caso da instalação dos parques eólicos nos municípios norte-rio-grandenses, a uma analogia, ainda que indireta e distante no tempo, com a tipologia das economias exportadoras de matéria-prima na América Latina a partir dos anos quarenta do século XIX, feita por Celso Furtado (1986, p.55). No caso, comparamos a instalação dos parques eólicos com as economias exportadoras de produtos minerais14. Observando o que tem ocorrido até aqui nos municípios produtores de energia eólica no Rio Grande do Norte, a situação nos parece muito similar a essa terceira tipologia feita por Celso Furtado. No caso dos parques eólicos, é perceptível o avançado aparato tecnológico em sua produção, onde um grupo seleto de países é detentor de tal tecnologia. Quase todo o maquinário necessário para a produção é fabricado por empresas de países como Alemanha, Espanha, Estados Unidos ou China, que estão entre os dez maiores produtores de energia eólica e detém maior avanço tecnológico no setor. O controle acionário é todo estrangeiro ou externo ao estado do Rio Grande do Norte, nessa atividade altamente capitalizada. Como a pesquisa comprovou, depois da fase de instalação, essas unidades utilizam uma quantidade reduzida de mão de obra local, diferentemente mesmo de uma indústria típica, como a indústria têxtil, de alta empregabilidade. A maior parte do fluxo de renda não terá nenhuma circulação pela economia das cidades que abrigam os parques, mas passará por cima delas, como o 14

A demanda mundial crescente de metais não ferrosos foi acompanhada de significativo avanço técnico, permitindo ou exigindo concentrar a produção em grandes unidades, efetuada inicialmente pelo maior país produtor, os Estados Unidos. Tal processo estendeu-se a outras regiões, desencadeando o processo de marginalização dos produtores locais pelas grandes organizações americanas detentoras de maior poder financeiro e tecnológico (FURTADO 1986, p.57). De forma que houve uma desnacionalização da indústria mineira de exportação, além da instalação de um setor produtivo tecnicamente avançado e detentor de grande capital. No entanto, essas indústrias pouco contribuíram para o desenvolvimento daqueles países. Justamente porque mantinham um funcionamento autárquico dentro de economias pouco desenvolvidas. Tendiam ao isolamento, comportando-se como um sistema econômico alheio ao país, mais ligado às suas matrizes do que às economias dos países onde estavam instaladas essas unidades produtoras, funcionando como verdadeiros enclaves econômicos dentro dos países, pouco trazendo desenvolvimento técnico ou social (Ibid., 1986). A produção era mandada para fora do país a preços muito reduzidos e mesmo os altos lucros também eram remetidos em sua maior parte para as matrizes, deixando pouco nos países produtores, além de alguns milhares de empregos de baixos salários. Podemos dizer que isso também ocorreu nos países árabes produtores de petróleo, até o início a década de 1970, antes de eles tomarem a decisão de nacionalizarem suas indústrias petrolíferas.

22

vento. Em tais condições, o seu valor como fator transformador direto das estruturas internas é reduzido ou mesmo nulo. Como a infraestrutura criada para servir a indústria eólica é, via de regra, altamente especializada, sem ligação com as economias locais, escassas ou inexistentes são as externalidades que da mesma resultam para o conjunto do sistema econômico das cidades. Utilizam-se equipamentos de origem industriais adquiridos fora do país ou do Rio Grande do Norte, pouco contribuindo para a economia das cidades. Mantida essa dinâmica, sem a instalação de qualquer parque industrial aqui, o ganho duradouro para o estado advém quase somente da arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), mas que pouco beneficiará as cidades receptoras dos parques, pois a parcela deste imposto transferido às cidades do estado é feita proporcionalmente ao seu número de habitantes. Como as cidades produtoras têm população reduzida, sua parcela é quase insignificante. Apenas a fase de construção dos parques proporciona um aquecimento temporário na economia da cidade, principalmente no comércio e serviços (bares, restaurantes, pousadas, mercados, borracharias, etc.), para atender a demanda dos trabalhadores das empresas que realizam a construção. No entanto, já quando o parque entra na fase de testes, etapa anterior à operação, observa-se um desaquecimento brusco da economia do município, provocado pela diminuição do contingente de trabalhadores empregado. Esse processo de esvaziamento da cidade acarreta no fechamento de muitos estabelecimentos, o que não contribui de forma significativa para a criação de um mercado interno. As potencialidades da indústria eólica como fator dinâmico para o estado e para as cidades somente tornar-se-iam mais efetivas se essas empresas vierem a produzir no país ou no próprio estado os equipamentos e não apenas montarem aqui seus maquinários, de modo a que os investimentos tivessem um efeito multiplicador por toda a economia estadual e deixassem aqui mais impostos, ou seja, uma parte maior do fluxo de renda gerado. No estado do Rio Grande do Norte, há uma única e muito recente indústria de fabricação de torres de concreto para os aerogeradores, na cidade de Areia Branca, e nenhuma para pás e rotores. Outro fator a notar é que a maior parte da transação econômica em termos de valores monetários é feita entre as empresas donas do parque e as empresas compradoras da energia produzida, também de capital controlador externo ao estado. Isto ocorre como se quase todo o fluxo de renda saísse ou passasse por cima das cidades, como nuvens,

23

como naquele caso das economias latino-americanas exportadoras de minérios, classificadas por Celso Furtado. Por sua vez, a energia produzida e distribuída será consumida em sua maior parte fora do estado. Dito isto, a hipótese inicial trabalhada não nega a importância dos parques eólicos para a geração de energia elétrica no país. No entanto, afirma que, mantido o modelo atual, esses empreendimentos deixarão muito mais ganhos para as empresas investidoras do que para o estado e especialmente para os municípios, que terão vantagens muito limitadas. Lembrando novamente Furtado (1986), os parques funcionarão como verdadeiros enclaves econômicos dentro das economias dos municípios, sem implicar em um impacto significativo para seu desenvolvimento econômico e social. 4.2 IMPACTO SOCIAL

A implantação de parques eólicos em propriedades de agricultores familiares pode lhes garantir renda durante um período bastante prolongado. Suas terras passam a servir de base de sustentação física para captação de ventos, ou seja, para a geração de renda não agrícola. A implantação dos parques eólicos no estado criou certo modus operandi que difere de outras estruturas empreendedoras. A estrutura física local mantém-se (agrária) e os poderes municipais institucionalizados pouco mudam, não sendo preciso deslocar espacialmente nenhum ator social. A desterritorialização ocorre no âmbito simbólico do poder, no qual haverá o mínimo compartilhamento deste sobre um mesmo território. Os empreendedores, em sua grande maioria, não se tornam donos efetivos das terras dos parques, mas apenas arrendatários das propriedades onde instalam seus empreendimentos eólicos. Em alguns contratos, acertados entre os donos das terras e os arrendatários, há condicionante que impede o dono da terra de utilizá-la para outra atividade. O arrendamento da terra, não garante que a estrutura agrária continue sendo desenvolvida no espaço onde são instalados os parques eólicos. O usufruto da terra é determinado dentro do contrato acertado entre as partes interessadas, arrendatário e proprietário de terra. Diferentemente do sul do país, especificamente no estado do Rio Grande do Sul, onde a atividade de produção de energia eólica divide espaço com a agropecuária, não se observa nos municípios produtores de energia eólica do Rio Grande

24

do Norte, com vocação agrária, essa associação. Pois, as terras onde estão instalados os parques eólicos são arrendadas pelas empresas proprietárias dos empreendimentos a pequenos produtores, a utilização dela por parte dos agricultores depende dos termos acordados entre os arrendatários. Outro fator importante é a falta de infraestrutura de abastecimento de água que impossibilita a irrigação e a criação de gado de forma expressiva. Pode-se observar a associação da atividade de geração de energia eólica com atividades antigas como a produção de petróleo e gás, investigado nos municípios de Areia Branca, Macau e Guamaré. Já quando instalados no interior de um Projeto de Assentamento Rural (PAR), os interesses e os conflitos em torno do poder tornam-se mais complexos. A teia de envolvidos amplia-se para outros atores, tais como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), os assentados, os poderes legislativos (municipal, estadual e federal), os empreendedores, fiscais ambientais e outros, como é o caso dos dois parques eólicos de Rio do Fogo, instalados em um PAR. No caso do assentamento Zumbi, um PAR, localizado no município de Rio do Fogo, o contrato entre o INCRA, assentados e a empresa proprietária dos parques, não impossibilitou a atividade agropecuária. Esta é desenvolvida no limite dos parques, por estarem instalados em área de dunas, incompatíveis com a agricultura. Há a questão dos parques eólicos instalados em terras de reforma agrária, como os parques RN-15 Rio do Fogo e Arizona I, localizados no assentamento Zumbi, Rio do Fogo. O primeiro parque foi liberado por um contrato entre o INCRA e a empresa dona do parque. Já o segundo parque só foi possível porque os assentados exigiram que o contrato fosse executado com a associação e a empresa, sem a interferência do INCRA. Segundo os assentados, foram apresentados diversos benefícios para a comunidade com a instalação do parque, além da promessa de um repasse. Sem ter acesso ao documento, os assentados apenas foram instruídos a assinar o contrato, como afirmado pelos moradores do assentamento. O INCRA, juntamente com a empresa dona do parque, chegou à comunidade apresentando o projeto do parque nas terras do assentamento e os possíveis benefícios, como a construção de estradas, colégios, posto de saúde, quadra de esportes, dentre outros. Sem ter conhecimento e comprovação de tais benefícios, os assentados assinaram com a garantia de que, conforme a construção do parque fosse iniciada, usufruiriam daquilo que foi proposto em reunião com a empresa e o INCRA. Após dez anos da construção do primeiro parque, os assentados não obtiveram

25

os projetos como apresentados, sendo beneficiados apenas com a isenção da taxa de pagamento da água e da luz. Além de serem isentos de pagar a taxa de consumo de água e luz, os assentados recebem um repasse do primeiro parque eólico destinado às 72 famílias, mas não diretamente. Ele é repassado da empresa para o INCRA, o qual, por sua vez, transfere-o para as famílias através de benefícios, tais como: compra de gado, material de construção para reforma de casas, alimento para as criações, dentre outros. Os assentados informaram que o primeiro repasse destinado às setenta e duas famílias foi realizado em 2011, no valor de R$ 140.000,00 com juros. Eles alegam que o INCRA não permite que as famílias tenham acesso direto ao benefício, sendo possível apenas o investimento em projetos como compra de gado e de materiais para reforma de casas. A negociação é feita entre o assentado e o vendedor, mas o pagamento é feito pelo INCRA. Com isso, as famílias assentadas não possuem autonomia sobre o valor do arrendamento de suas terras. O repasse é feito pelo INCRA diretamente com o vendedor, e o dinheiro só pode ser investido em recursos com essas finalidades. Os assentados rebatem a postura do INCRA colocando que, se tivessem acesso ao dinheiro, que é de direito deles, haveria mais condições para planejar, investir em outras atividades. No entanto, como o valor não é liberado, o plano da maioria é a reforma da casa. Para os assentados que não trabalham na terra por falta de recursos, mesmo estes existindo, resta apenas essa opção. Outro conflito observado entre os assentados e o INCRA motiva-se pelo fato de a documentação das terras estar sob a responsabilidade do órgão. Desde o período de desapropriação, há vinte e oito anos, até o momento da entrega dos setenta e dois lotes, as famílias não receberam o documento de posse da terra. Segundo os assentados, até hoje eles lutam para receber a documentação. Sem ela, os benefícios que são destinados ao assentamento ficam retidos pelo INCRA. Para a construção do segundo parque, os moradores liderados pelo então presidente da Associação dos moradores do Assentamento Zumbi, Sr. Naldo, não aceitaram os termos impostos pela empresa executora da construção e não permitiram o início da construção do segundo parque até que o contrato fosse feito com a Associação dos Moradores, em lugar do INCRA. Segundo os assentados, houve discussões, porque o INCRA queria proceder do mesmo modo que na construção do primeiro parque. No entanto, com a liderança da Associação dos Moradores, não conseguiram firmar acordo.

26

Segundo os moradores, o Governo do Estado, a prefeitura de Rio do Fogo e o INCRA recebem o repasse do parque eólico, mas o INCRA não tinha interesse de que eles auferissem diretamente o benefício, mesmo representando a parte maior, por possuírem a terra. Indagados sobre os benefícios propostos pela empresa para a comunidade – como a construção de estradas, pavimentação de ruas, construção de quadra – os assentados afirmam que nada prometido foi realizado. Apenas a construção de um colégio, contendo duas salas, previsto na construção do primeiro parque. Já com a construção do segundo parque, a associação dos moradores recebe R$ 19.000,00 divididos pelas famílias assentadas.

O discurso dos órgãos ligados à produção e comercialização de energia eólica é que a cadeia produtiva tem gerado emprego e renda aos municípios produtores. No entanto, verificou-se que essa geração de emprego em grande escala é observada na fase de implantação do parque, pois na operação a demanda é imediatamente reduzida. A conclusão da instalação dos parques traz consequências negativas imediatas para as cidades, como um número considerável de demissões e a volta do empregado ao seu antigo ofício, em geral informal e temporário, gerando insatisfação. Por exemplo, na cidade de Pedra Grande, a mão de obra empregada desenvolvia ofícios de agricultores e pescadores. Após a chegada do parque, a contratação temporária e a posterior demissão, muitos não quiseram voltar às atividades outrora praticadas. Outro impacto observado com a chegada dessa nova atividade, principalmente no momento da instalação dos parques, tem sido o aumento na oferta de emprego nesses municípios. O surgimento de empregos, no comércio e serviços, demandados diretamente e indiretamente pela implantação do parque, promove um aquecimento na economia. Contudo, esse período é extremamente curto e, quando começa a fase de operação, a economia novamente se desacelera e retorna ao que era antes. Por outro lado, a geração de energia eólica também traz impactos negativos para o município no curto e no longo prazo. Com a demanda de mão de obra na implantação dos parques, o serviço de saúde municipal fica responsável pelo atendimento à nova população. Entendendo-se que algumas obras chegam a absorver mais de 300 profissionais, há uma sobrecarga no sistema de saúde, prejudicando o atendimento à população local. Nas entrevistas com os gestores, os secretários e os assistentes sociais dos municípios de Rio do Fogo, João Câmara, Parazinho e Pedra Grande – e também nas

27

informações coletadas nos municípios de Jandaíra e São Miguel do Gostoso – os maiores problemas sociais que surgem no período de maior atividade de implantação de parques eólicos consistem no aumento: da criminalidade, do consumo de drogas ilícitas, da prostituição infanto-juvenil, do número de mulheres solteiras e de meninas grávidas, assim como das doenças sexualmente transmissíveis, como a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS em inglês), como pode ser observado nas falas dos entrevistados: [...] existem pontos semelhantes nos municípios e alguns que são extremamente diferentes. Uma coisa semelhante que notamos na instalação do parque é o caso da exploração sexual de jovens, não só de meninas, mas de meninos também. Não podemos esquecer-nos disso, pois, do mesmo modo que tem as meninas que vão se prostituir, tem os meninos que vão fazer isso, independente da opção sexual. Eles vão ser inseridos de forma perversa dentro desse processo. Mas, de fato, é uma coisa que fica como se a própria comunidade escondesse. É algo relacionado ao lugar onde esses homens dormem. Por que ali eles vão criar um tipo de vínculo que muitas vezes se transforma em verdade, pois a menina pode engravidar e ter um bebê. Um vínculo para o resto da vida. Então, assim, temos essa questão que é semelhante nos municípios com relação à exploração sexual (COSTA, 2015, APÊNDICE D). O índice de gravidez de adolescentes aumentou em um nível muito grande; de droga, de bebida todo dia, de bagunça, e isso vai ficar, porque eles foram quase embora e continua. Isso é um custo para a prefeitura, porque as meninas grávidas têm auxílio que é com a prefeitura. Na cidade eles quebravam tudo, bagunçavam tudo, porque eles não eram daqui aí faziam desordem (COSTA, 2015, APÊNDICE J). [...] existem casos aqui no município de João Câmara de crianças de 11 anos, 12 anos, relacionadas com pessoas que vêm dessas firmas, né? E por dinheiro elas se prostituem. E a questão do envolvimento amoroso que algumas mulheres fazem e findam tendo consequências, sequelas, como doenças sexualmente transmissíveis, que só descobrem depois que eles vão embora, porque são casados e não procuram mais. A questão do índice, do aumento do índice de criança sem pai, porque elas ficam grávidas e esses homens vão embora e não procuram mais. (COSTA, 2015, APÊNDICE H).

Como pode-se constatar, com o aumento da população dos municípios no período de instalação do parque, o aumento da prostituição, do uso de drogas e da criminalidade é perceptível para as autoridades municipais. Em cadeia, surgem outros problemas, como o surgimento ou o aumento de doenças infectocontagiosas, a exemplo da AIDS. Conforme ratificado pela entrevistada Lariza Elaine, “desde que essas empresas eólicas chegaram, foram constatados vinte e cinco casos de HIV em Jandaíra” (COSTA, 2015, APÊNDICE H). Questionada sobre o número desses casos antes da chegada das eólicas, ela afirma que não havia registros. A assistente social afirma que:

28

Quando se pensa nos parques eólicos próximos ao município, automaticamente a prefeitura só está preocupada com o que vai entrar né. Ninguém olha esse impacto que vocês estão querendo pesquisar (COSTA, 2015, APÊNDICE H).

A apresentação do potencial energético norte-rio-grandense e seus impactos na instalação e na operação dos parques eólicos auxiliam na compreensão do papel dessa técnica perante a comunidade e os municípios nos quais estão instalados, de importância e expectativa. Principalmente, em municípios de médio a pequeno porte e com estruturas precárias. Vale salientar que os impactos aqui apresentados não ocorrem apenas nessa atividade, mas podem ser observados em outras atividades de grande porte. Os impactos positivos decorrentes da implantação dos parques eólicos até aqui têm sido contraditórios e ficado aquém das expectativas geradas pelos gestores e pela população dos municípios produtores. Pode-se compreender que tais projetos garantirão mais ganhos às empresas investidoras do que aos municípios produtores.

5

RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES Toda a investigação realizada neste trabalho, à luz da literatura revisada, confirma

a hipótese inicial da qual partiu este trabalho: que a instalação dos parques eólicos em cidades do Rio Grande do Norte tem contribuído muito pouco, pelo menos até aqui, para o desenvolvimento econômico e social dessas cidades e mesmo do estado. As entrevistas confirmaram a hipótese de pesquisa, pois além de não gerar progresso econômico e social duradouro, a instalação daqueles parques tem acarretado ônus para os municípios onde se instalam, com o aumento da exploração infanto-juvenil, da criminalidade, no número de mulheres solteiras grávidas, o surgimento e o aumento do número de indivíduos infectados com doenças infectocontagiosas, a sobrecarga no sistema de saúde dos municípios, a diminuição na arrecadação tributária do município após a instalação dos parques, conflitos pelo uso da terra, entre outros problemas. Como é revelado nas entrevistas, o impacto da instalação dos parques eólicos no Rio Grande no Norte configura um cenário bem mais complexo e contraditório do que o imaginado inicialmente no estado e nos municípios produtores. Nessas localidades, ao

29

lado das pequenas vantagens trazidas pela instalação desses empreendimentos, revelamse também dificuldades e prejuízos de natureza social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (Brasil). Atlas de energia elétrica do Brasil / Agência Nacional de Energia Elétrica. 2 ed. Brasília: ANEEL, 2005. ALVARENGA, C. P. A Vulnerabilidade Econômica do Município de Itabira, Minas Gerais, em Relação à Atividade Mineral. 2006. 114 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mineral) – Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA EÓLICA. Boletim. São Paulo: 2016. Disponível em: Acesso em: 10 agosto. 2016. BRASIL. Empresa de Pesquisa Energética. Balanço Energético Nacional 2012 – Ano base 2011: Síntese do Relatório Final Rio de Janeiro: EPE, 2012 53 p. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Atlas do Potencial Eólico Brasileiro. Brasília, 2001. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2014. BANCO DE INFORMAÇÕES DE GERAÇÃO - BIG. Disponível em: . Acesso em: 1 jan. 2016. CENTRO DE ESTRATÉGIAS EM RECURSOS NATURAIS E ENERGIA – CERNE. Cartilha: A indústria dos ventos e o Rio Grande do Norte. Brasil: maio de 2014. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2014. COSTA, R. F. Ventos que transformam? Um estudo sobre o impacto econômico e social da instalação dos parques eólicos no Rio Grande do Norte-Natal, RN/Brasil, 2015. 212 f.: il. COSTA, R. F. Identificação dos aspectos e impactos ambientais na instalação de um parque eólico em Pedra Grande/RN. Natal: UNIFACEX, 2014. COMPANHIA ENERGÉTICA DO RIO GRANDE DO NORTE. Potencial eólico do estado do Rio Grande do Norte: projeto de pesquisa e desenvolvimento COSERN/ANEEL. Natal: Rio Grande do Norte, 2003. 47 p. CUREAU, Sandra. Geração de Energia e Impactos Ambientais e Sociais (2009) (p.?). Disponível em: . Acesso em 09 jan. 2015.

30

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA. Geração de energia. Brasília: 2014. Disponível em . Acesso em: 20 mar. 2015. FIGUEIREDO, F. F.; SILVA, A. M. Diagnóstico Socioeconômico em Territórios Ocupados pela Energia Eólica no Polo Costa Branca do Rio Grande do Norte. 7º Encontro Nacional da ANPPAS. Brasília, maio de 2015. FURTADO, C. A economia latino-americana: formação histórica e problemas contemporâneos. 3 ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1986. GLOBAL WIND ENERGY COUNCIL. Annual market update 2013. Disponível em: Acesso em: 25 dez. 2014. GLOBAL WIND ENERGY COUNCIL. Annual market update 2013. Disponível em: Acesso em: 25 dez. 2014. GREENPEACE. [R]evolução Energética: a caminho do desenvolvimento limpo. 3 ed. Brasil, p. 41. 2013. Disponível em: Acesso em: 16 dez. 2014. HIRSCHMAN, Albert. Desenvolvimento por Efeitos em Cadeia: uma Abordagem Generalizada. Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 18, out./dez. 1976. IMPROTA, R.L. Implicações socioambientais da construção de um parque eólico no Município de Rio do Fogo - RN. 2008. 182 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Natal, 2008. Disponível em: . Acesso em: 12 nov. 2014. NORTH, D. Teoria da localização e crescimento econômico regional In: J. SCHWARTZMANN (org.) Economia regional e urbana: textos escolhidos. Belo Horizonte: UFMG, p. 333-343, 1977. PERROUX, F. O conceito de pólo de crescimento. In: SCHWARTZMAN, Jacques. Economia regional. Belo Horizonte: Cedeplar, 1977. (Textos escolhidos).77. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Finanças do Brasil: dados contábeis dos municípios. Disponível em: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/en/finbra-financasmunicipais. Acesso em: 17 de dez. de 2014. SILVA, A. M. Energia eólica e desigualdade ajustada. Revista Carta Potiguar, Natal, 13 fev. 2013. VEIGA, J. (Org.); OLIVEIRA, A.; PEREIRA, O. Energia eólica. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2012. 213 p.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.