O imperialismo romano: novas perspectivas a partir da Bretanha, Richard Hingley

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O IMPERIALISMO ROMANO: novas perspectivas a partir da Bretanha

RICHARD HINGLEY

O IMPERIALISMO ROMANO: novas perspectivas a partir da Bretanha

ORGANIZADORES: Renata Senna Garraffoni Pedro Paulo Funari Renato Pinto

TRADUÇÃO: Luciano César Garcia Pinto

Infothes Informação e Tesauro

Catalogação elaborada por Wanda Lucia Schmidt – CRB-8-1922

O IMPERIALISMO ROMANO: NOVAS PERSPECTIVAS A PARTIR DA BRETANHA

Coordenação de produção: Diagramação: Finalização: Capa:

Ivan Antunes Catarina Consentino Catarina Consentino Carlos Clémen

CONSELHO EDITORIAL Eduardo Peñuela Cañizal Norval Baitello Junior Maria Odila Leite da Silva Dias Celia Maria Marinho de Azevedo Gustavo Bernardo Krause Maria de Lourdes Sekeff (in memoriam) Cecilia de Almeida Salles Pedro Roberto Jacobi Lucrécia D’Aléssio Ferrara

1ª edição: março 2010 © Richard Hingley ANNABLUME editora . comunicação Rua Martins, 300 . Butantã 05511-000 . São Paulo . SP . Brasil Tel. e Fax. (011) 3812-6764 – Televendas 3031-1754 www.annablume.com.br

S UMÁRIO

Prefácio ..................................................................................................... 07 NORMA MUSCO MENDES O Estudo da Antiguidade no Brasil: as contribuições das discussões teóricas recentes .................................. 09 RENATA SENNA GARRAFFONI, PEDRO PAULO FUNARI E RENATO PINTO O “Legado” de Roma: Ascensão, Declínio e Queda da Teoria da Romanização .......................... 27 O Campo na Bretanha Romana: O Significado das Formas de Assentamento Rural ................................... 49 Diversidade e Unidade Culturais: Império e Roma .................................... 67 O Muro de Adriano em Teoria: Uma Nova Agenda ................................. 105

P REFÁCIO

A percepção de desníveis culturais no interior das sociedades consideradas “civilizadas” e o nascimento da chamada Antropologia Cultural, em meados do século XX, nos Estados Unidos, contribuiu para o questionamento da idéia de uma evolução cultural e da elaboração de modelos dicotômicos entre culturas, sendo umas superiores, baseadas no padrão cultural Europeu e outras inferiores. Essa rejeição às posturas etnocêntricas no âmbito das Ciências Humanas, de uma maneira geral surgia como uma crítica à visão colonialista européia, baseada em uma concepção “elitista” do próprio termo cultura e à construção da História a partir da perspectiva dos vencedores. Os movimentos nativistas da década de 1970 e 1980 deram início à necessidade de revisão destas matrizes historiográficas para o estudo do Império Romano, pois os indivíduos submetidos deixaram o tradicional lugar de nulidade a eles legado, para uma posição de agentes capazes de construírem diferentes respostas e escolhas frente à dominação imperial. Por volta da década de 1970, principalmente, com base nos textos acadêmicos de Edward Said, surgem, sobretudo na Inglaterra, as abordagens denominadas de nativistas ou antiimperialistas que seguem os pressupostos básicos da chamada teoria pós-colonial que apresentam como objetivo reconstruir os estudos sobre o Império Romano, sugerindo que as análises devem ser norteadas por três aspectos interrelacionados: articulação das histórias ativas dos povos dominados, incluindo sua capacidade de gerar formas abertas e ocultas de resistência; desconstrução e definição dos modelos binários pelos quais o Ocidente categorizou os outros, preocupandose em afastar-se da dominância do centro na construção do conhecimento e desenvolvendo o estudo das periferias; investigação do poder de representação das imagens e das linguagens coloniais, reconhecida como análise do discurso colonial Paralelamente, ganha força a posição da Arqueologia como Ciência Social. Ou seja, o arqueólogo se afasta das abordagens meramente relaciona-

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das à produção dos “fatos” arqueológicos, através do estudo das características físicas dos vestígios materiais encontrados nos sítios escavados, aproximando-se cada vez mais dos pressupostos da Nova Arqueologia. Essa nova proposta teórica incentivou o diálogo da Arqueologia com as demais Ciências Humanas, objetivando o estudo das sociedades humanas; seu funcionamento; os modelos de comportamento humano, abrangendo as mais complexas vertentes, como por exemplo, os rituais e o simbólico e as transformações. Hoje, numa era pós-moderna, pós-colonial e que assiste o colapso do imperialismo Ocidental, tais tipos de abordagens aplicadas ao Império Romano representam uma renovação do conhecimento, visto que desconstroem as antigas matrizes historiográficas construídas, sob a ideologia imperialista da Europa da época moderna. Esse livro é um valioso exemplo dessa recente postura científica. Ademais, ao discutir o significado do termo Romanização e ao propor a sua recriação, através da aplicação das noções vinculadas ao conceito de globalização desenvolvido no livro, “Império” escrito por Antonio Negri e Michael Hardt, Hingley demonstra como a História de Roma na Antiguidade apresenta vitalidade na busca de novos caminhos metodológicos, de novas definições de problemáticas e como o seu estudo interage com as questões de nossa contemporaneidade. O curso proferido por Richard Hingley, professor do Departamento de Arqueologia da Universidade de Durham (Inglaterra) e a publicação desse livro, fruto dessa atividade de extensão universitária organizada pela UNICAMP e revestida de caráter interinstitucional, representam o reconhecimento das agências nacionais de fomento à pesquisa de que os especialistas brasileiros já são capazes de desenvolver o ensino, a pesquisa e a produção intelectual de qualidade em História e Arqueologia do Mundo Clássico. NORMA MUSCO MENDES Universidade Federal do Rio de Janeiro

O

ESTUDO DA

ANTIGUIDADE

NO

BRASIL:

AS CONTRIBUIÇÕES DAS DISCUSSÕES TEÓRICAS RECENTES

Dra. Renata Senna Garraffoni UFPR Dr. Pedro Paulo Funari UNICAMP Ms. Renato Pinto Doutorando em História/Unicamp

“Não há nada de misterioso ou de natural na autoridade. Ela é formada, irradiada, disseminada; é instrumental, é persuasiva; tem posição, estabelece padrões de gosto e valor; é virtualmente indistinguível de certas idéias que dignifica como verdadeiras, e das tradições, percepções e juízos que forma, transmite, reproduz. Acima de tudo, a autoridade pode e realmente deve ser analisada. Edward Said, Orientalismo, p. 31.

Introdução Os estudos sobre o mundo antigo têm passado por um momento de renovação e esse aspecto não ficou despercebido na academia brasileira. Talvez essa renovação seja um dos grandes legados de Edward Said: quando na década de 1970 escreveu seu livro Orientalismo (2001), não poderia imaginar os desdobramentos de suas críticas e os profundos impactos que causaria entre os estudiosos do mundo antigo. Ao afirmar que o Orientalismo foi uma construção européia de base acadêmica, profundamente marcada por uma política imperialista e que ajudou a construir uma noção de

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inferioridade dos povos do Oriente, Said abriu a possibilidade de se pensar criticamente os discursos produzidos no meio acadêmico, seus conceitos e intenções. Profundamente influenciado pelo pensamento de Michel Foucault (Rago & Funari 2008), Said questionou a maneira como a academia Ocidental, em especial a européia, constituiu interpretações do outro marcadas por uma política de autoridade e abriu caminhos para que os estudiosos questionassem generalizações e se posicionassem criticamente diante dos métodos interpretativos criados no seio da academia, eivados de concepções racistas e atravessados por políticas de dominação. Ao centrar suas críticas no Eurocentrismo, Said provocou polêmica, mas também sensibilizou estudiosos de diferentes áreas a pensar como conceitos e modelos interpretativos são construídos e não naturais, despertando a atenção para um repensar das ferramentas conceituais empregadas pelos estudiosos. Muito embora seu foco fosse nas relações estabelecidas entre Oriente e Ocidente, ao afirmar que a relevância do Oriente foi constantemente diminuída pelo Ocidente a partir do século XIX, Said inspirou novas possibilidades de se pensar essas relações e abriu caminho para Martin Bernal, nos anos de 1980, afirmar que o mundo antigo não se distanciava da política moderna (Bernal, 1987; 2005). Ao propor que as interpretações do mundo grego foram fundamentais para a construção de discursos de poder da Europa sobre outras partes do mundo - na virada do século XIX para o XX - Martin Bernal contribuiu para questionar a idéia de neutralidade dos estudos do mundo antigo, noção muitas vezes reforçada pela distância temporal entre Modernidade e Antigüidade. Ao retirar os estudos clássicos da “torre de marfim” ou “torre de observação” e de seu suposto isolamento, Bernal apontou, em vários de seus trabalhos, como esse pretenso afastamento é uma atitude política, pois os estudos clássicos nunca foram isentos dos momentos históricos nos quais foram produzidos, constituindo, portanto, parte de discursos de dominação. Essa crítica de Bernal trouxe desconcertos e incômodos para os estudiosos do mundo antigo, pois explicitou em suas obras como na virada do século XIX para o XX muitos especialistas do mundo antigo constantemente apagaram as origens orientais da Grécia, construindo interpretações fundamentadas em uma visão anti-semita que ajudou a legitimar discursos racistas e de poder. Desconstruindo os modelos aplicados para o estudo do mundo grego, Bernal enfatizou em seus trabalhos a necessidade de rever modelos interpretativos cristalizados, categorias de estudos culturais

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estagnadas e normativas, bem como o papel da academia na constituição de políticas autoritárias e visões de mundo preconceituosas. Cada um em seu contexto, Said e Bernal iniciaram um movimento que atualmente é crescente e mesmo predominante, dentro dos estudos acerca do mundo antigo: um repensar de como se escreveu a História Antiga e como os conceitos empregados para interpretá-la estão atravessados por noções colonialistas e imperialistas da virada do século XIX para o XX. Essa consciência crítica tem trazido novos ares para a disciplina. Como afirmou, há pouco, Glaydson José da Silva (2007), os estudos sobre o mundo antigo, em especial a Antigüidade clássica, vistos constantemente como tradicionais, conservadores e hierárquicos, têm experimentado uma grande renovação, na qual busca questionar esses ranços históricos a partir de uma revisão teórica profunda. Revisão essa, gostaríamos de ressaltar, que tem não só proposto novas problemáticas de estudo, mas também desenvolvido um repensar de como são constituídas as relações passado/presente e suas implicações políticas (Silva e Martins 2008). Assim, o novo panorama teórico aberto pelos desdobramentos das correntes de pensamento pós-colonialistas permitiu uma profunda problematização do estudo da História Antiga, desafio instigante e que tem atingido estudiosos de diferentes instituições, estrangeiras e brasileiras, possibilitado um maior diálogo entre especialistas. É a partir dessa situação histórica, das renovações experimentadas pelo estudo da Antigüidade nas últimas duas décadas, que gostaríamos de focar nossas reflexões acerca da importância de se pensar sobre Roma antiga nos dias de hoje no Brasil e a vinda do Richard Hingley ao nosso país, como professor visitante da Escola de Altos Estudos da CAPES, assim como a publicação deste volume. A interação Antigüidade e Modernidade tem permitido tratar de temas variados, como as relações de gênero (Feitosa & Rago 2008; Silva 2008), cidadania (Rago & Funari 2008), sexualidade (Cavicchioli 2008), amizade (Ionta & Campos 2008), identidades (Garraffoni 2008), com apoio institucional da CAPES, CNPq, FAPESP, de modo a constituir uma reflexão crítica e atualizada. A CAPES, preocupada com a inserção da ciência brasileira nas mais pertinentes discussões epistemológicas da atualidade, instituiu um programa notável, a Escola de Altos Estudos1. Esta iniciativa visa a congregar, em torno de um especialista estrangeiro de máximo renome internacional, um 1.

Cf. http://www.capes.gov.br/bolsas/programas-especiais/escola-de-altos-estudos.

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conjunto significativo de programas de pós-graduação e de estudiosos brasileiros. Richard Hingley, no campo da erudição sobre a Antigüidade, correspondia, de forma aguda, à excelência e destaque nos estudos sobre o mundo antigo, como detalhamos a seguir2. Os programas de pós-graduação em História de excelência da Unicamp e UFPR3 reuniram, para a concretização do projeto, uma série de outros programas destacados no cenário nacional: UNESP Franca, UNESP Assis, UFRJ, Unirio, UEL, UFRGS, UFPel, UnB, entre outros. O curso foi sediado na Unicamp e tele-transmitido para todos os programas de pós-graduação participantes, que receberam, ademais, cinco DVDs, com a íntegra das aulas. Para darmos continuidade a esse projeto e viabilizar um aprofundamento nas discussões levantadas ao longo do curso, decidimos organizar o presente livro com textos de diferentes momentos da carreira de Hingley. Acreditamos, com isso, contribuir com o fortalecimento dos estudos clássicos no Brasil, que muito têm se expandido nas últimas décadas. Antes de passarmos à leitura dos textos do estudioso britânico, seria interessante um rápido retrospecto do desenvolvimento do campo em nosso país para, a seguir, localizarmos a contribuição dos estudos de Hingley para um repensar do papel da Arqueologia no estudo do mundo antigo.

História Antiga no Brasil: breve histórico Estudar História Antiga no Brasil pode parecer algo bem exótico. Essa sensação atinge, de uma maneira ou outra, todos aqueles que optaram por esse caminho. Se estudar História em um contexto de revolução tecnológica já causa estranhamento em grande parte das pessoas com os quais convivemos cotidianamente, o que dizer então da História Antiga? Mas o estranhamento não está presente somente entre nossos compatriotas. Muitos europeus também acham curioso o fato de que na América Latina existam pessoas que se interessam por temas como os antigos egípcios, mesopotâ-

Cf. também http://www.dur.ac.uk/richard.hingley/. Na avaliação atual da CAPES, o curso da Unicamp obteve a nota máxima 7 e a UFPR também marca muito boa, 5; cf. http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarIes&codigoArea=70500002&descricaoArea =CI%CANCIAS+HUMANAS+&descricaoAreaConhecimento=HIST%D3RIA&descricao AreaAvaliacao=HIST%D3RIA. 2. 3.

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micos persas, gregos ou romanos, só para citar alguns exemplos. Nesse sentido, pensar a relação do Brasil com aquilo que denominamos História Antiga é uma questão importante que, mais cedo ou mais tarde, atravessa o dia a dia dos que se dedicaram a se especializar nessa área. É por isso que acreditamos que uma reflexão sobre a produção de estudos sobre o mundo antigo no Brasil não pode estar desvinculada da maneira como se desenvolveu nas academias brasileiras e sua relação com as escolas. Funari (2006) ao refletir sobre o ensino e História antiga no Brasil afirma que desde o início da década de 1960 se discutem os temas de História Antiga sobre os quais os professores deveriam conhecer. Muito embora estivessem presentes nos livros didáticos e nas grades curriculares das escolas, havia pouquíssimos especialistas na área das Universidades e, geralmente, o conhecimento era muito superficial. Essa situação foi acirrada pelos anos de ditadura atravessados pelo Brasil, nos quais as políticas institucionais nem sempre privilegiaram as Humanidades, fazendo com que por algumas décadas, os estudos sobre a História Antiga fossem pouco valorizados. Somente com a abertura política e com o restabelecimento dos direitos civis que o ensino de História em geral, e a História antiga em particular, experimentaram novas possibilidades de desenvolvimento. A ANPUH (Associação Nacional de Professores Universitários de História, hoje Associação Nacional de História) se constituiu um lugar muito importante para se discutir os temas a serem privilegiados dentro da História Antiga. Desde a década de 1980 mesas de discussões foram compostas para discutir a situação desse campo de conhecimento no Brasil, seus problemas, as dificuldades e os avanços. Em meados dos anos de 1990, por exemplo, o Boletim do CPA publicou alguns dos debates acerca da produção de História antiga no Brasil, com destaque para as reflexões de Claudiomar Gonçalves (1997) e Pedro Paulo Funari (1997). Enquanto o primeiro fez um balanço da situação das academias brasileiras, os problemas, avanços e conquistas no período após a abertura política, Funari destacava as dificuldades da pesquisa sobre o mundo antigo no Brasil, como a falta de cursos de línguas especializadas ou o acesso a bibliografia mais atual, mas também enfatizou que as barreiras vinham sendo transpostas graças a esforços individuais e a organização e fortalecimento de sociedades de estudo, como a SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos). O desenvolvimento e a organização de grupos de pesquisas fora do eixo Rio/São Paulo e os desdobramentos das iniciativas estariam sendo percebidos na melhora do

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ensino e na formação profissional, preparando melhor os pesquisadores e, conseqüentemente, trazendo mais apoio para professores do ensino médio, com publicações nacionais sobre o mundo antigo, algo raro até então. Em 2001 o tema voltou a aparecer nas discussões da ANPUH. Com a formação dos GTs (grupos de trabalho), o de História Antiga passou a ser de grande importância para congregar os estudiosos dos períodos mais afastados no tempo e espaço. Essa reunião para formação do grupo contou com a presença de pesquisadores de diferentes instituições federais e estaduais, entre elas UFMG, UFOP, UFES, UFRJ, Unicamp, USP, UNESP. Professores e pós-graduandos, em um esforço coletivo, produziram um balanço dos avanços dos estudos sobre o mundo antigo no Brasil nas últimas décadas: a produção de teses, mestrados, livros, artigos científicos, as alterações nos livros didáticos, a criação de núcleos de estudos em diferentes regiões do Brasil, enfim, um panorama bem detalhado da produção brasileira até então, que pode ser conferida em um dossiê especial publicado pela Revista Eletrônica Helade4. O fortalecimento dos espaços de discussão, seja na ANPUH como na SBEC ou nos centros de estudos sobre o mundo antigo como o LHIA (UFRJ), o CEIA (UFF), o NEA (UERJ), entre tantos outros, tem propiciado, nas últimas décadas, a formação de profissionais capacitados e a produção de interpretações do mundo antigo inserida em um contexto internacional. Seguramente, o quadro de hoje é muito distinto do que tínhamos nos anos de 1960 e os esforços de estudiosos têm, cada vez mais, aberto campos para o estudo aprofundado seja dos egípcios, mesopotâmicos, celtas, como da Antigüidade Greco-Romana. A expansão do campo tem proporcionado um maior diálogo com o ensino médio e, conseqüentemente, arejado o ensino nas escolhas e tornado essa experiência mais satisfatória e prazerosa para todos. Embora a História Antiga abarque muitos povos da Antigüidade e grupos de estudos especializados têm se fortalecido em diferentes instituições brasileiras, gostaríamos de comentar mais a fundo as particularidades das pesquisas sobre a Antigüidade Clássica, os diálogos entre Arqueologia e História, campo que temos atuado nos últimos anos.

4. Cf: http://www.heladeweb.net/Portugues/indexportugues.htm. Número especial: Anais do Grupo de Trabalho (GT) de História Antiga - Realizado no XXI Simpósio Nacional da ANPUH de 23 a 25 de julho de 2001 e Coord. por Gilvan Ventura da Silva (UFES).

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Algumas considerações acerca dos estudos clássicos no Brasil Como nas últimas duas décadas foi constituída uma estrutura mais sólida para o desenvolvimento dos estudos clássicos no Brasil, as Universidades públicas têm buscado contratar especialistas oriundos de programas de pós-graduação e investido em possibilidades de organizar as grades curriculares de maneira menos rígida, viabilizando o estudo das línguas clássicas. Nesse sentido, em várias Universidades os alunos dos cursos de História têm tido um pouco mais de oportunidade para participar dos cursos de latim e grego, de literatura Greco-romana e, também, dos cursos de Filosofia clássica, auxiliando o conhecimento mais aprofundado dos textos grecoromanos, facilitando, portanto, o acesso à leitura e interpretação das obras. Se por um lado essa estratégia permitiu uma maior aproximação dos textos clássicos e a possibilidade de novas abordagens, por outro cabe destacar que se tornou a perspectiva predominante e pouca atenção foi destinada à Arqueologia, relegando a cultura material a um segundo plano. Em um primeiro momento, é possível pensar que a maior dificuldade seria o acesso à cultura material e aos sítios arqueológicos que, por definição, encontram-se na Europa, África do norte e Oriente Próximo. Mas uma análise mais cuidadosa indica uma série de outros problemas mais complexos precisam ser analisados, pois é importante destacar que alguns museus brasileiros, como o MAE/USP ou o Museu Nacional do Rio de Janeiro, possuem coleções de peças do mundo clássico, como cerâmicas e moedas, por exemplo, ainda pouco estudadas por pesquisadores brasileiros5. Neste contexto, acreditamos ser importante destacar que, para além das dificuldades de acesso a cultura material greco-romana, que poderiam ser suplantadas por meio de trabalhos integrados com grupos de pesquisas no exterior ou mesmo pelo estudo dos artefatos das coleções de Museus brasileiros, há um outro aspecto que precisa ser destacado: o tenso diálogo entre História e Arqueologia. Como nas últimas décadas as Universidades públicas brasileiras têm se esforçado em contratar especialistas oriundos de programas de pós-graduação, houve um investimento no estudo das línguas 5. Com relação às moedas, Carlan chama a atenção para essa questão em vários estudos. Cf, por exemplo: Carlan, 2006a; 2006b; 2007 e 2008.

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clássicas, para a leitura dos textos, mas poucos se dedicaram ao diálogo com a Arqueologia, relegando a cultura material a um segundo plano. A dificuldade de estabelecer um diálogo entre Arqueologia e História, embora tenha suas particularidades no território nacional, não é uma exclusividade dos estudos clássicos no Brasil. Ray Laurence (2005), em um recente estudo, afirma que na Grã-Bretanha as pesquisas nestes dois campos correm quase em paralelo e nem sempre os profissionais concordam com o diálogo, procurando reafirmar a separação entre ambas as disciplinas. Neste contexto, é possível afirmar que a separação entre as disciplinas é mais uma postura teórico-metodológica que uma dificuldade de acesso às fontes, pois implica em discutir a percepção de História e Arqueologia na qual o classicista é formado e, também, na sua postura diante da possibilidade ou não de concretizar este diálogo. A partir destas considerações, acreditamos ser importante buscar meios de preencher essa lacuna no território brasileiro. Se admitirmos que Arqueologia proporcione uma grande contribuição para pluralizar nossas percepções acerca do mundo romano é imprescindível provocarmos uma reflexão teórico-metodológica para buscar por novos conceitos para interpretar o passado clássico. Nesse contexto, optamos por reunir, nessa obra, artigos de Richard Hingley, estudioso britânico de nomeada mundial, que tem sistematicamente contribuído para um repensar das maneiras como entendemos a noção de Império romano. Considerando a Arqueologia pelo prisma das críticas pós-coloniais, as reflexões de Hingley têm indicado caminhos alternativos para se entender o passado romano e, além disso, suas pesquisas têm enfatizado que a cultura material, quando contraposta aos textos, proporciona novas abordagens sobre as relações estabelecidas entre os nativos e romanos durante o principado. Assim, acreditamos que a iniciativa de publicar textos de diferentes momentos da carreira do estudioso, inéditos em português, permitirá ao público brasileiro um maior contato com sua trajetória intelectual, bem como possibilitará uma reflexão mais aprofundada acerca das múltiplas maneiras que nos relacionamos com o passado romano em nosso tempo presente.

Sobre o estudioso Richard Hingley é professor do Departamento de Arqueologia da Universidade de Durham, na Inglaterra. Nos últimos anos, tem se dedicado a

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diferentes áreas de atuação nas quais incluem estudos arqueológicos sobre as populações romanas das províncias do norte e oeste da Grã-Bretanha e sobre os povos pré-romanos da Idade do Ferro, bem como tem refletido sobre a importância de revisões teórico-metodológicas para possibilitar novas abordagens acerca do passado clássico. Em 2008 Hingley aceitou nosso convite para ministrar um curso concentrado na Unicamp6 e, com o apoio da Escola de Altos Estudos da Capes, pudemos concretizar esse projeto. A vasta produção do autor não é tão conhecida no Brasil, como o é no mundo, mas tem se mostrado inspiradora por diferentes razões. Para além de nos apresentar o Império romano a partir de uma visão imbricada em reflexões teóricometodológicas, Hingley aponta a necessidade de refletirmos com mais profundidade sobre os motivos que levam os modernos a se interessarem pelo mundo romano. Assim, embora o estudioso tenha publicado em diferentes periódicos e livros, é importante salientar a presença de um eixo comum que perpassa sua obra, pois há cerca de duas décadas tem contribuído com o debate sobre como as populações nativas foram incorporadas ao Império Romano, além das mudanças culturais e sociais ocorridas durante este processo. Pensando as relações entre romanos e povos nativos, Hingley colaborou com a construção de um campo de reflexão bastante complexo, questionando interpretações canônicas acerca do mundo romano, como a idéia de Romanização, a partir de um estudo aprofundado do contexto histórico em que a maioria das concepções acerca do Império romano foi criada. Neste sentido, as publicações de Hingley devem ser entendidas dentro de uma perspectiva de desconstrução de discursos imperialistas do início do século XX que fundamentaram conceitos e leituras sobre o passado romano, tanto na História como na Arqueologia, posteriormente aceitos como verdades e pouco questionados pelos estudiosos. A base de sua crítica se constitui, portanto, a partir da ruptura com modelos interpretativos Eurocêntricos, na tentativa de construir interpretações mais flexíveis acerca do Império romano, oferecendo ao leitor a possibilidade de buscar caminhos alternativos para pensar a relação entre culturas, tornando-se uma referência importante para aqueles que se interessam pelo mundo antigo em geral e o romano em particular.

6. Cf. http://www.unicamp.br/unicamp/divulgacao/2008/07/26/escola-de-altos-estudosda-capes-e-unicamp-trazem-professor-britanico.

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A estrutura deste livro Este volume reúne quatro artigos de Richard Hingley, inéditos em língua portuguesa, publicados em primeira versão entre 1991 e 2008. Os textos foram escolhidos pelo autor em conjunto com os organizadores da obra. Estão todos interligados pela preocupação em analisar, com agudo senso crítico, os discursos que geraram e ainda promovem os estudos sobre o processo de ‘Romanização’, como é tradicionalmente denominada a expansão territorial e cultural romana que se deu, principalmente, entre o fim da República e o primeiro século do período imperial. Ainda que abranjam quase duas décadas de pesquisas, os artigos escolhidos nada mais são do que uma amostra da produção acadêmica de Richard Hingley. Desta forma, não se busca esgotar os temas aqui tratados. Todavia, devem levar o leitor a uma visão ampla o suficiente para a necessária reflexão sobre o processo de ‘Romanização’ na ótica pós-colonial do eminente estudioso. A seguir apresentamos uma breve consideração dos textos selecionados7.

O legado de Roma Ao abordar de forma pouco ortodoxa, como afirma o próprio autor, as teorias da ‘Romanização’, Richard Hingley tratará de três tópicos interrelacionados. Primeiro, analisará como políticos e acadêmicos britânicos se apropriaram da história da expansão territorial romana para justificar suas ambições imperiais modernas e, neste intento, traçaram inúmeros paralelos entre o Império Romano e o Britânico. Os discursos imperialistas britânicos e os paralelos com o Império Romano são explorados por Hingley a partir de depoimentos de políticos e intelectuais, em especial, do período vitoriano e eduardiano, momento de maior produção científica da Arqueologia Romana e de grandes preocupações com a eficiência do Império Britânico. O principal acadêmico do período eduardiano estudado por Hingley é o arqueólogo e historiador Francis Haverfield, pioneiro na Arqueologia sobre o período

7. Todos os textos de Richard Hingley aqui apresentados foram traduzidos por Luciano César Garcia Pinto, doutorando do IEL/Unicamp, e revisados por Renata S. Garraffoni, Renato Pinto e Pedro Paulo A. Funari.

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romano-bretão. Para Hingley, os trabalhos de Haverfield apontam para uma grande preocupação em tirar lições morais do Império Romano e aplicá-las ao cenário de sua época, ressaltando o sentido positivo da adoção da cultura clássica quando levada às províncias por meio da ‘Romanização’. Em seu segundo tópico, Hingley enfocará como a ‘Romanização’ tem sido estudada nos últimos setenta anos por acadêmicos que escreveram já no período de declínio ou posterior ao fim do Império Britânico. Nesse momento, a teoria da ‘Romanização’ passa por um auge, acompanhada de uma mudança conceitual: agora a ‘Romanização’ é um processo de adoção cultural, não imposição. O desejo de competir em moldes romanos com seus pares teria feito as elites nativas das províncias adotarem a cultura romana com entusiasmo. O trabalho do arqueólogo Martin Millett é a principal fonte de Hingley nesse tópico. No terceiro e último tópico, Hingley apontará para os problemas gerados pelo conceito de imperialismo positivo, propondo, em seu lugar, uma crítica dos discursos anteriores movida por teorias pós-coloniais. A partir do questionamento da noção de uma cultura colonial pura, o autor salientará a importância de olharmos para a diversidade identitária do Império Romano, para além da elite, desmistificando a idéia de passividade da população nativa diante das mudanças trazidas pela presença romana. Nesse contexto, Hingley problematizará a cultura material encontrada na província da Bretanha Romana, (também conhecida como Britânia), tratando da questão da resistência e da adoção da cultura material romana e da construção de sentimentos étnicos nas províncias. Apontará, também, para a necessidade de reavaliarmos conceitos estanques como ‘romano’ e ‘nativo’.

O campo romano Originalmente publicado em 1991, esse artigo é o mais centrado nos modelos interpretativos arqueológicos. Aqui, Richard Hingley volta-se para os estudos dos assentamentos rurais romano-bretões. O artigo escrutina a organização sócio-econômica das comunidades da província da Bretanha Romana ao levar em conta a forma e a distribuição dos assentamentos. No que se refere à categorização de sítios arqueológicos, indícios de riqueza têm sido importantes para determinar o que seriam uillae, pequenas cidades ou assentamentos rurais modestos (não-villae). Também, o propósito econômico de cada assentamento, quer seja comércio, indústria ou agricultura, pode ser determinado pela cultura material encontrada. Hingley trata de cada tipo de

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assentamento individualmente, oferecendo suas definições e principais características materiais antes de explorar em detalhe a organização dos assentamentos e da paisagem que os cercam. Trata-se de um importante estudo técnico das formas e funções presentes nos assentamentos do período romano-bretão, dando ao leitor a capacidade de visualizar como modelos interpretativos arqueológicos podem mostrar uma situação socioeconômica muito mais complexa daquela sociedade quando comparada com visões mais tradicionais.

Diversidade e unidade cultural Nesse artigo inédito, Richard Hingley explora a forma como os Estudos Clássicos ganham papel político e social ao emergirem com renovado interesse em diferentes momentos nos centros acadêmicos, em especial, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Hingley tratará da prática comum de aproximação entre o mundo romano e o presente, levada a cabo por acadêmicos e políticos ao estudar como conceitos de diversidade, pluralidade e heterogeneidade têm se desenvolvido nos Estudos Clássicos. O autor sugere que seja desenvolvido um passado do mundo romano mais complexo e fluido no que se refere às questões identitárias a fim de desafiar os discursos imperialistas modernos que se apóiam no passado para justificar e normatizar ações políticas do presente. Ao estudar como as teorias da ‘Romanização’ foram epistemologicamente construídas, em especial entre os séculos XIX e XX, Hingley tratará de explicitar como arqueólogos e historiadores britânicos têm promovido, por vezes, o uso enviesado do conceito de ‘civilização’ e ‘progresso’. Partindo de conceitos existentes no passado, como humanitas, Hingley cotejará relevantes dados sobre como se desenvolveram noções de civilidade e barbarismo desde o Mundo Antigo até a contemporaneidade, quando nações imperialistas fizeram crer que haviam herdado a missão civilizadora da qual os romanos sentiram-se imbuídos. Conceitos modernos de periferia e centro serão debatidos e postos em contraste com a apropriação do passado romano pelas potências ocidentais a partir do séc. XIX. O autor explorará como a adoção de costumes romanos ou de sua cultura material não representa necessariamente a adoção de uma identidade romana. Hingley apresenta estudos que apontam para um cenário cultural e identitário muito complexo e diversificado quando a elite deixa de ser o único foco de atenção, apoiando-se em trabalhos de outros estudiosos de questões culturais do

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mundo romano como Nicola Terrenato, Greg Woolf e Carol van Driel-Murray. Questões como o conhecimento do latim, urbanização, militarização e marginalização no Império Romano são tratadas para apresentar um cenário de grande heterogeneidade no Mundo Romano.

O Muro de Adriano Aqui Hingley parte de uma preocupante constatação: há um crescente desinteresse em estudar aquele que pode ser considerado um dos maiores monumentos arqueológicos da Grã-Bretanha, o Muro de Adriano, assim conhecido por ter sido construído por volta de 120 d.C. a mando do imperador romano de mesmo nome. A situação se apresenta mais crítica nas academias britânicas, onde os estudos a cerca do muro estão em franco declínio. Hingley aponta a subestimação da complexidade do monumento como um dos fatores para o baixo número de trabalhos de doutorado sobre o Muro de Adriano. Para Hingley, esse menosprezo ignora como a fronteira construída pelos romanos influenciou a geração de sentimentos de identidade inglesa e escocesa e suscitou a atenção de muitos intelectuais britânicos ao longo de séculos. Curiosos, por exemplo, foram os paralelos traçados entre a Muralha de Adriano e as inquietações coloniais do Império Britânico com a fronteira nordeste da Índia. Em seguida, o autor clama por mais estudos comparativos entre o Muro de Adriano e a simbologia que cerca sua longevidade, ou seja, sua ‘monumentalidade’, e os estudos dos limitis romanos referentes a outras partes da Europa e da África do Norte, com ênfase na pesquisa sobre a relação entre invasores e populações indígenas. E, ademais, procura mostrar formas como o Muro de Adriano pode novamente ganhar apelo acadêmico com a articulação de questões identitárias com ideologias imperiais, tanto do passado quanto do presente.

A contribuição para o avanço de uma abordagem crítica do mundo antigo A partir das reflexões propostas, nossa idéia ao reunir esses textos em uma obra seria destacar a potencialidade dos estudos pós-coloniais e sua contribuição na construção de novas abordagens sobre o mundo antigo, em

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especial o romano. O questionamento de tradições modernas de pensamento, como a noção de Romanização, abre espaço para romper dicotomias como o binômio bárbaro/civilizado, expondo a complexidade das sociedades antigas, antes reduzidas a blocos culturais estanques. Em segundo lugar, acreditamos ser fundamental destacar que os trabalhos de Hingley, assim como de outros estudiosos pós-coloniais, apresentam a possibilidade da construção de uma postura crítica, baseada na interdisciplinaridade e na exposição dos avanços e limites das abordagens constituídas. Essa metodologia permite aos estudiosos uma reflexão crítica sobre a relação entre seu presente e o passado a ser interpretado, refresca as possibilidades de entendimento do mundo romano, tão marcado pela homogeneidade e interpretações normativas, e deixa abertos alguns caminhos para novas pesquisas sobre os marginalizados e os conflitos, praticamente esquecidos pelas perspectivas mais tradicionais de conhecimento. Assim, acreditamos que a organização deste livro se constitui em uma contribuição profícua para um conhecimento mais aprofundado da expansão romana, em particular, mas também dos mecanismos de apropriação do mundo antigo para usos contemporâneos. Destacamos que compartilhamos com Hingley a preocupação em propor revisões teórico-metodológicas a partir dos desdobramentos das críticas pós-coloniais na busca por outras maneiras para estudar do mundo romano, enfocando seus múltiplos aspectos. Sendo assim, a partir de um diálogo mais estreito com a obra do estudioso inglês, bem como com outros pesquisadores europeus que buscam uma interpretação menos estática do mundo romano, ressaltamos nossa preocupação em construir meios de diálogo com a Arqueologia clássica, tornando-a uma importante ferramenta de reflexão. Como já afirmou Peter Ucko (1995), a Arqueologia permite a captura de aspectos particulares do passado e a construção de modelos teóricos menos excludentes. Assim, um diálogo profícuo com a História é fundamental não só para rever conceitos e desafiar as meta-narrativas, mas também para pensar outras formas de sensibilidades e de visões de mundo. Nesta perspectiva, entendemos que o presente livro contribui para o diálogo entre estas duas disciplinas e ajuda a construir novos contornos nos meios acadêmicos brasileiros abrindo outras possibilidades de produção de conhecimento e de reflexão social. Se considerarmos que enfatizando a diversidade e as múltiplas abordagens ajudamos a construir políticas práticas interpretativas fundadas no reconhecimento das diferenças (étnicas, sociais

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ou sexuais), contribuiríamos, portanto, para produzir visões críticas tanto do passado antigo como do presente em que estamos inseridos. Nesse sentido, a produção de interpretações acerca do passado romano a partir de uma reflexão teórica sólida e não somente focada nos ideais da elite é uma atitude que propicia a crítica e o desenvolvimento de novas sensibilidades. Ao formar novos lugares de reflexão é possível despertar empatia pelo tema estudado em jovens com diferentes formações e estimular meios de diálogo entre passado e presente não como mera herança ou continuidade, mas como diferença, como ruptura, como outras formas de viver e sentir. Boa leitura a todos!

Agradecimentos Agradecemos ao Prof. Richard Hingley, por sua disposição de estar entre nós e por sua imensa simpatia. Também muito devemos a Christina Unwin, grande co-autora e parceira do Prof. Hingley. Somos gratos, ainda, a todos os professores que participaram do projeto, em particular: Cláudia Beltrão, Claudio Carlan, Margarida Maria de Carvalho, Fábio Vergara Cerqueira, André Leonardo Chevitarese, Gabriele Cornelli, Andrea Dorini, Norma Musco Mendes, Monica Selvatici, Glaydson José da Silva. Lembramos, ainda, a participação dos estudantes Andrés Alarcon, Natalia Ferreira Campos, Marina Regis Cavicchioli, Nathalia Monseff Junqueira, Karla Fredel, Adilton Martins, Gabriella Rodrigues, Bruno Sanches, Luciano César Garcia Pinto, Roberta Alexandrina da Silva e Marina Fontolan. Este livro não seria possível sem o apoio institucional da CAPES, do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE/Unicamp), dos Programas de Pós-Graduação em História da Unicamp e da UFPR. A responsabilidade pelas idéias restringe-se aos autores.

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O “LEGADO”

DE

ROMA:

ASCENSÃO, DECLÍNIO

E QUEDA DA TEORIA DA ROMANIZAÇÃO8

Aqueles que não têm tato para apreciar [as publicações clássicas], se amassem seu país, protegê-las-iam dos princípios políticos ... A nação que levar a melhor sobre seus vizinhos tornar-se-á o centro do comércio: o engenhoso e o industrioso procurarão uma subsistência confortável: o habitante multiplicar-se-á e o reino abundará em ricos e, conseqüentemente, em poder. (Ruffhead 1757; citado em Wilson 1989, 23-4)

Introdução Neste artigo, discutir-se-ão três tópicos relacionados entre si. Em primeiro lugar, explorarei como alguns estudiosos, administradores e políticos britânicos usaram ativamente o Império Romano para ajudar a identificar e a definir suas próprias aspirações e, ao fazê-lo, traçaram um paralelo entre GrãBretanha e Roma. Na discussão desse tópico, farei uma breve consideração do trabalho de Francis Haverfield, um pioneiro dos estudos arqueológicos romano-britânicos. Em segundo lugar, mostrarei como alguns estudiosos contemporâneos conservam um conceito positivo acerca da experiência romana, e identificarei algumas das maneiras pelas quais isso afeta a Arqueologia dos dias de hoje sobre Roma. Em terceiro lugar, considerarei algumas idéias que são correntemente promovidas pelos estudos pós-

8. Nota da tradução - originalmente publicado como: R. Hingley 1996 ‘The “Legacy” of Rome: the rise, decline and fall of the theory of Romanization’, in J. Webster and N. Cooper (eds.) Roman Imperialism: Post-Colonial Perspectives. Leicester Archaeological Monographs No. 3. Leicester: 35-48.

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coloniais – idéias que podem começar a sugerir uma necessidade urgente de mudanças nos estudos sobre Roma. Considerarei, também, o que essas mudanças podem envolver. Ao discutir esses três tópicos, adotarei uma abordagem que é polêmica em seu estilo. Um estudo de tal tipo deve visar a respeitar uma acuidade histórica, mas, ao propor uma linha forte de argumentação, ele não busca a completude historiográfica (Fabian 1983, 38).

Traçando paralelos entre Grã-Bretanha e Roma Uma série de autores tem discutido os modos pelos quais povos e nações valem-se do passado a fim de ajudá-los a identificar seu próprio lugar no presente (e.g. Hobsbawm e Ranger [eds.], 1983; Lowenthal, 1985; Hewison, 1987; Hodder [org.], 1991). Neste capítulo, tenciono examinar alguns dos modos pelos quais os britânicos usaram a imagem da Roma clássica para identificar e fundamentar suas próprias nacionalidade e expansão (ver também Hingley, 1995). Esse processo de se valer do passado para informar o presente pode considerar-se que é circular em sua essência, assim como, ao se valer do passado, os indivíduos seletivamente o apropriam e o reinventam. A imagem de Roma nos períodos medieval e moderno foi, em parte, produto do contexto histórico em que se estudou Roma. Yates discutiu como os imperadores e os reis de toda a Europa medieval viam o Império Romano como um símbolo de poder, união e paz. Vários líderes políticos, de Carlos Magno e Carlos V do Sacro Império Romano até Elizabeth I da Inglaterra, valeram-se da imagem de Roma dessa maneira (Yates, 1975). No contexto inglês, o Britannia de Camden (publicado pela primeira vez em 1586) forneceu um relato detalhado dos monumentos romanos e da história da Grã-Bretanha. Piggott argumentou que parte das motivações de Camden serviu para ajudar a estabelecer a Inglaterra como um dos membros da associação de nações que retiravam sua força e sua identidade do Império Romano (1975: 57-9). O trabalho de Camden apareceu na época tanto do envolvimento da Inglaterra no movimento da Renascença, quanto das tentativas dos estudiosos ingleses de associar Elizabeth com as imagens clássicas, fortalecendo, através disso, sua imagem como uma soberana, ao mesmo tempo, britânica e imperial (Yates, 1975). Políticos e outros continuaram a valer-se do paralelo com Roma nos séculos seguintes. Associações foram estabelecidas (ou reivindicadas), por exemplo, entre o sistema republicano romano e a constituição política

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britânica, entre suas respectivas tradições arquitetônicas e nos modelos de jardinagem panorâmica (Turner 1989: 65-70). Durante o fim do século XIX e o início do XX, o paralelo traçado entre os impérios da Grã-Bretanha e de Roma reinventou-se e redefiniu-se. Os modelos clássicos compreendiam um elemento importante na rede complexa do pensamento vitoriano e eduardiano (Harris, 1993). Durante o século XIX, conceitos helenísticos continuaram a ser usados para ajudar a definir um âmbito de conceitos políticos, de atividades sociais e de estilo arquitetônico. Existia também uma imagem rival, que identificava a ascensão e a queda de Roma como um ponto de referência recorrente para a eficácia britânica, para o Império britânico e para o futuro declínio britânico (Hynes, 1968: 24-7; Harris, 1993: 247-8). Essa imagem de Roma era importante não só para os antigos etonianos que dominavam o Parlamento, mas também para os administradores imperiais e para os professores escolares (Betts, 1971: 158; Harris, 1993: 247-8); isso se tornou cada vez mais importante no início do século XX (Turner, 1989: 75). Argumentei, em outro lugar, que alguns eduardianos chegaram a valerse de Roma como uma forma de identificação do projeto imperial da GrãBretanha (Hingley, 1995); no entanto, algumas distinções são aqui exigidas. Primeiro, apenas alguns aspectos do modelo imperial romano foram tidos por relevantes e a maioria dos autores britânicos, que concebeu um paralelo entre os sistemas imperiais britânico e romano, foi extremamente crítica da natureza despótica da governança dos imperadores romanos. O Império Britânico foi considerado bastante superior em termos políticos (Haverfield, 1905: 183; Betts, 1971), e, em geral, concordou-se que havia uma associação política mais próxima entre a Grã-Bretanha e a República Romana que entre a Grã-Bretanha e o Império de Roma (Haverfield, 1911: xviii; Turner, 1989: 63; e Jenkyns, 1992: 4). Segundo, é evidente que os britânicos não se supunham descendentes dos romanos num sentido genealógico. Alguns autores, no entanto, consideraram que a Grã-Bretanha compartilhava um projeto moral com Roma. Roma foi fundamental na disseminação da civilização clássica por uma ampla área da Europa dos dias de hoje e por partes do norte da África. Paralelamente, os britânicos assumiam que eles estavam levando a forma mais desenvolvida da civilização européia para o seu Império em constante expansão (Turner, 1989: 61).9 9. Francis Haverfield era, de fato, muito mais cosmopolita que alguns dos seus contemporâneos (provavelmente como um resultado das doses de relação com os estudiosos continentais,

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Uma série de autores traçou uma associação particular entre GrãBretanha e Roma, no período entre 1899 e 1914.10 Esses vitorianos e eduardianos abrangem desde administradores e políticos, tais como lorde Cromer, até especialistas em educação, tais como J. C. Stobart, e acadêmicos, como Haverfield. Alguns trabalhos publicados argumentavam que a história de Roma fornecia “moralidade” aos britânicos numa época de particular pressão internacional. Por exemplo, o conde de Cromer tinha a esperança de procurar, “na história da Roma imperial, alguns fatos e comentários... que pudessem servir ao império moderno de que temos, com justiça, orgulho” (citado em Brunt, 1964-5: 267). As razões para o suposto paralelo que esses autores traçaram são complexas, e discutirei, aqui, apenas dois pontos. Em primeiro lugar, a natureza clássica do sistema educacional claramente teve um impacto profundo nas maneiras como os britânicos viam o mundo (Cross, 1968: 35; Betts, 1971; Bowler, 1989: 44; Turner, 1989: 63). Os homens da elite dominante e da classe média-alta eram educados num sistema público de ensino no qual a língua e a literatura clássicas formavam os elementos básicos do currículo. Conceitos greco-romanos – em particular, a importante noção romana de gravitas – desempenharam um papel fundamental na formação

incluindo Mommsen - ver Freeman, 1996). Ele atribuía um valor diferente à civilização européia como um todo, tendo-a por descendente direta da civilização romana. O ponto de vista de Haverfield se expressa em várias obras. Por exemplo: “O homem que estuda o sistema de fronteiras de Roma estuda não só uma grande obra, mas aquela que nos deu toda a Europa ocidental moderna” (Haverfield, 1911: xix). E: “Assim como a importância da cidade de Roma decaía na medida em que o mundo se tornava sem-Roma, uma grande parte do mundo tornava-se romano” (Haverfield, 1905: 186). 10. Trabalhos relevantes que traçam um paralelo entre os Impérios Britânico e Romano incluem: Churchill, 1899; Mills, 1905; Baden-Powell, 1908; Cromer, 1910; Haverfield, 1911; Lucas, 1912; Stobart, 1912; e Bryce, 1914. Inúmeros autores modernos têm fornecido uma variedade de pontos de vista diferentes sobre esses escritores do fim do período vitoriano e os do período eduardiano; ver, por exemplo, Brunt, 1964-5; Hynes, 1968: 15-53; Betts, 1971; Wells, 1972: ix-x; Hingley, 1991; Jenkyns, 1992; Laurence, 1994; Majeed, por aparecer; Freeman, 1996. Estudiosos contemporâneos têm feito observações parecidas sobre o valor dos estudos da Bretanha romana para a compreensão do período moderno. Por exemplo, G. Webster, num estudo da revolta de Boudica, sugeriu que: “Se pudéssemos compreender de maneira mais completa os fatores por trás da revolta, e, em especial, a atitude do governo romano, estaríamos numa posição muito melhor para avaliar a política atual... arqueólogos e historiadores podem oferecer suas contribuições para o entendimento dos nossos problemas do presente, ao mostrar como seqüências históricas em ritos e lugares diferentes concorrem em tão próximo paralelo” (Webster, 1978: 132).

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do caráter do gentleman (Mason, 1982: 22).11 Durante o período eduardiano, o papel da educação clássica começou a ser contestado por alguns grupos inesperados (e.g. Haverfield, 1911: xi-xiv), mas permaneceu fundamental em algumas escolas públicas até bem recentemente. Em segundo lugar, é digno de nota que o paralelo com Roma foi usado justamente no momento em que os britânicos encaravam um sério desafio militar e político proveniente da Alemanha (Hynes, 1968; Reynolds, 1991). Um mito inglês de origem, estabelecido no século XVI, acentuava a descendência teutônica, ou anglo-saxã. Esse mito enfatizava a superioridade inerente dos povos germânicos e a liberdade das instituições políticoreligiosas que supostamente brotaram dessa fonte germânica (MacDougal, 1982: 1-3; Keynes and Lapidge, 1983: 48). Por todo o século XIX, a GrãBretanha manteve uma posição internacional sem desafios e completamente segura tanto no mar, quanto em suas aquisições coloniais (Reynolds, 1991: 9), e, no auge do imperialismo vitoriano, muitos consideravam que o triunfo da Inglaterra brotava de sua inquestionável herança anglo-saxônica. O declínio do mito anglo-saxão, no início do século XX, espelha a ascensão política da Alemanha (Bowler, 1989: 117). A idéia de que a fonte da suposta independência política britânica recaía sobre antiga cultura germânica tornouse indefensável, em vista da crescente consciência das aspirações expansionistas do Imperador Guilherme (MacDougal, 1982: 128-9). Essa pressão internacional também forçou os britânicos a olharem seriamente para a eficiência de seu império, e uma das razões pelas quais o paralelo romano tornou-se atrativo durante os primeiros anos deste século. Considerava-se que o paralelo romano fornecia moralidade e lições ao próprio império britânico a partir de considerações filosóficas de conceitos tais como império, eficiência e administração (Betts, 1971; Turner, 1989: 75; Hingley, 1995). Afora isso, no entanto, o paralelo romano foi empregado para definir uma linha de continuidade no desenvolvimento cultural europeu desde o passado clássico até o presente (Turner, 1989: 61). Ao operar desse modo, é possível que se tenha provido os eduardianos de uma bem-vinda sensação de segurança e de estabilidade num mundo cada vez mais agitado.

11. É evidente que se usaram os paralelos gregos e romanos num conjunto de formas muito diferentes durante os séculos XIX e XX, e eles podem ser vistos, em certa medida, como imagens rivais (Turner, 1989; Freeman, 1996). Esse tema, no entanto, não será discutido aqui.

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Não estou sugerindo que uma transformação uniforme e dramática – desde o mito de origem predominantemente germânico, característico do período que vai de meados a até o fim do vitorianismo, para a concepção eduardiana de um paralelo romano-britânico – ocorreu na opinião pública e intelectual. É evidente que não havia algo como uma atitude universal vitoriana ou eduardiana (Hynes, 1968; Harris, 1993), mas conceitos conflitantes acerca da origem nacional12. No universo do pensamento político-social, no entanto, a imagem de Roma começou a se auto-reafirmar sobre as da Alemanha e da Grécia, durante os primeiros quinze anos deste século. O desenvolvimento desse interesse político pelo paralelo romano sugere que os estudos romanobritânicos se originaram como uma disciplina moderna num momento particularmente apropriado da história da Grã-Bretanha moderna. Vários trabalhos recentes identificaram Francis Haverfield como o fundador dos estudos modernos (e.g. Potter, 1986; R. Jones, 1987: 87; Hingley, 1989: 2). A natureza e o contexto do trabalho de Haverfield tornaram-se, recentemente, um tema de pesquisa para uma série de autores (e.g. Hingley, 1991, 1995; Freeman, 1991, 1993, 1996; Laurence, 1994). Rick Jones afirmou que o trabalho de Haverfield, A romanização da Bretanha romana – publicado, pela primeira vez, em 1906, na forma de uma conferência, mas expandido e republicado como livro em 1912, continha uma estrutura acalorada para trabalhos futuros, estabelecendo a agenda dos estudos romano-britânicos pelos sessenta anos seguintes (1987: 87). A romanização da Bretanha Romana compreendeu o trabalho mais importante de Haverfield, mas, a fim de identificar algo de sua possível motivação, precisamos voltarnos para uma conferência anterior, a saber, Discurso inaugural proferido diante do primeiro congresso geral anual da Sociedade [romana] (Haverfield, 1911). Essa conferência de 1911 coloca Haverfield entre os estudiosos que advogavam pelo especial valor moral que os estudos sobre Roma tinham para os britânicos. Ele afirmou que: Os métodos pelos quais Roma incorporou, desnacionalizou e assimilou mais da metade dos seus vastos domínios, além do sucesso de Roma, talvez involuntário, mas completo, no espraiar sua cultura greco-romana

12. Um mito celta de origem foi, sem dúvida, usado como alternativa por outras facções na Grã-Bretanha durante o período em discussão.

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por mais de um terço da Europa e por parte da África, concernem, de diversas maneiras, a nosso próprio Império ... Mesmo as forças que botaram o Império Romano abaixo concernem, muito de perto, ao mundo moderno... (Haverfield, 1911: xviii)

O esqueleto da análise de Haverfield, assim como se delineou tanto em sua conferência de 1911, como no A romanização da Bretanha romana, inclui dois aspectos que, conforme argumentei em outro lugar, condicionaram a história da pesquisa no século XX (Hingley, 1991: 92): o estudo da incorporação e assimilação/desnacionalização. Em seu artigo de 1911, bem como na republicação de 1915 de A romanização da Bretanha Romana, Haverfield identifica de forma clara esses dois aspectos ao argumentar que os esforços dos romanos tomaram duas formas: a defesa da fronteira e o desenvolvimento da civilização das províncias durante a obtenção da paz (1911: xviii-xix; 1915: 10). Haverfield tinha um interesse real pela defesa da fronteira, como ilustra seu trabalho arqueológico no norte da Grã-Bretanha no início deste século. Ele organizou escavações no norte da Grã-Bretanha e, em 1915, tornou-se presidente da Sociedade Arqueológica de Cumberland e de Westmoreland. Seus trabalhos publicados contêm relatos da política fronteiriça romana, por exemplo: No período romano, a região (ao redor do forte Ambleside) era uma confusão de colinas nas quais montanheses selvagens desafiavam os modos romanos. Roma não podia deixá-los sozinhos. Borans [campo em que fica o forte], então, era um ponto estratégico numa fronteira distante, uma espécie de Chitral ou de Gilgit... As lições futuras ...... são, na maioria e principalmente, questões militares. Elas dizem respeito a problemas tais como os que ainda temos de encarar na defesa de nossa própria fronteira no nordeste da Índia e, até, na proteção de nossa própria costa na Grã-Bretanha. (Haverfield, 1911: 433-5)

O trabalho principal de Haverfield, no entanto, tratava da assimilação da província. Ele estabeleceu um modelo para o processo de mudança progressiva, “romanização”, que tem muito em comum com os conceitos de “progresso” e de “desenvolvimento”, próprios do século XIX e do início do XX (Hingley, 1995). Esse conteúdo moral positivo da missão imperial romana é inerente à visão em que algumas fontes romanas são tomadas, mas isso

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também se coaduna em muito com as atitudes paternalistas dos contemporâneos de Haverfield diante da dominação e do controle dos nativos dentro de seu próprio império. Haverfield visualizou a romanização como direcional e progressiva, o processo pelo qual os grupos sociais nativos da Bretanha romana tornaram-se progressivamente “romanos”. A conquista e romanização do Império Romano tinha igualmente um conteúdo moral positivo: “Os homens do Império trabalharam pela melhora e pela felicidade do mundo” (Haverfield, 1915: 10). O pressuposto de que os nativos desejavam se tornar romanos, ou mais romanos, é defendido como sendo a motivação subjacente à transformação gradual da cultura material, na província, de nativa a romana, durante todos os três séculos e meio de dominação romana (ver Hingley, 1995). É notável, para o tema mais amplo dos estudos acerca da Grã-Bretanha imperial, que Haverfield não tenha sido o único estudioso a se interessar pela difusão progressiva da civilização romana por todo o Império britânico. Betts sugeriu que uma série de autores do fim do período vitoriano e do período eduardiano, entre os quais estavam o conde de Cromer e C. B. Lucas (Cromer, 1910: 77; Lucas, 1912: 99), sentia que Roma havia se destacado naquilo que se poderia intitular, hoje, de “relações raciais” (Betts, 1971: 156-7). Que Haverfield sentia que esse tópico dava uma lição para seus contemporâneos, isso provavelmente fornece uma explicação pelo seu interesse.

A ascensão do conceito de romanização Novas abordagens sobre a Bretanha romana têm sido desenvolvidas nos últimos setenta anos, particularmente sob a influência recente de uma nova geração de estudiosos que se escolizarou durante e a partir do declínio do império dos próprios britânicos. A romanização deixou de ser vista como uma forma de progresso moral e social, mas sim vista à luz do desenvolvimento, ou aculturação, pelo qual a sociedade nativa, de imediato, adotou a cultura “romana” (Millett 1990a; 1990b; R. Jones 1991;Woolf 1992; Hanson 1994). Em vários desses estudos, aceita-se que a sociedade nativa adotou novas idéias e fez uso delas sob circunstâncias de transformação. Millet argumentou que a elite das províncias ocidentais adotou símbolos materiais romanos para reforçar sua posição social, identificando-se com Roma (1990b: 38). Esse modelo de mudança dá a impressão de ser muito útil no contexto da teoria contemporânea da estrutura política do Império romano.

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Acreditamos que a administração provincial assumiu, onde fosse possível, o controle da organização “tribal”, preexistente e nativa, para formar as bases das novas províncias; utilizou-se da elite nativa para construir as novas ciuitates, recolher impostos e fazer funcionar o conselho tribal (e.g. Garnsey 1978; Garnsey and Saller 1987). De acordo com Millett, novas idéias percorreram de cima a baixo a hierarquia social por um processo de emulação: “A emulação progressiva desse simbolismo, atravessando de cima a baixo a hierarquia social, era autogerada [,] encorajando outros grupos dessa sociedade a aspirar ao que fosse romano, e, por meio disso, expandindo a cultura” (Millett 1990b: 38). Segundo essa teoria, a cultura material romana – de cidades e casas rurais até moedas, cerâmicas e broches – expandiu-se nesse processo através da sociedade, assim como produziu novas crenças, línguas e atitudes (Millett 1990a). Essa teoria básica constitui o pano de fundo do conceito que Hanson descreveu como a “nova ortodoxia” nos estudos romano-britânicos (1994: 149).

Declínio e queda do conceito de romanização? O que há de errado com essa abordagem? Se assumirmos que a natureza do estudo da Bretanha romana no passado tem sido, em parte, determinada pelo contexto da sociedade em que se desenvolveu tal estudo, o potencial das análises pós-coloniais torna-se evidente (ver Hingley 1995). Isso não quer dizer que precisamos remodelar nossos modelos interpretativos a respeito do Império romano para ajustar as críticas pós-coloniais da natureza e da influência de qualquer império ocidental particular. Além disso, como um grupo de estudiosos pós-coloniais argumentou, não há uma cultura colonial única e coerente (e.g. Spurr 1993, 1; Slemon 1994, 31: Thomas 1994). Trabalhos cuja analise é pós-colonial podem permitir-nos, todavia, ver e considerar as perspectivas que motivaram os estudos passados e, também, sugerir esquemas amplos para novas formas de compreensão. Quais elementos do estudo pós-colonial poderiam servir-nos na reconstituição da arqueologia romano-britânica? Apontei três aspectos interrelacionados: a) as tentativas dos estudiosos pós-coloniais para des-centrar as pesquisas; b) relatos recentes que mostram uma gama complexa e variada de respostas ao contato colonial; c) trabalhos que sugerem oposições, tanto manifestas quanto escondidas, à dominação dos poderes coloniais.

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Des-centrando Trabalhos de teoria pós-colonial ilustram a variedade de visões relativas à situação colonial ou imperial tanto da parte dos povos nativos quanto dos membros dos poderes colonizadores. Eles ilustram, igualmente, a primazia concedida, no discurso colonial, às visões dos poderes imperiais dominantes (ver, por exemplo, Fanon 1961; Fabian 1983; Spivak 1993 (1988]; Said 1978, 1993). A agenda de grande parte da literatura pós-colonial dá a impressão de estabelecer imagens alternativas da situação colonial; imagens que diferem das produzidas pelas sociedades imperiais. Nos estudos do Império romano, a perspectiva dominante a respeito da romanização deriva do trabalho de Haverfield, mas inclui também o de Millett. O trabalho desse último sugere um processo ilustrado em que indivíduos bem-intencionados das elites imperial, tribal e local gentilmente demonstravam as vantagens dos novos costumes aos interessados da sua parentela, de seus clientes e de seus escravos, e permitiam – até mesmo encorajavam – mudanças voluntárias em seus modos de vida. Ele sugere, ademais, um contexto em que cada pessoa da sociedade – do humilde camponês ao poderoso senhor – tinha igual interesse em manter, ativamente, o império. Considerou-se, então, que mudanças na cultura material eram direcionais e que tinham resultado de um desejo, da parte dos provinciais, de se tornarem romanos. É possível ser essa abordagem correta no contexto do Império romano? Se é verdade que o relato da romanização da Bretanha feito por Millett compartilha um mesmo esqueleto analítico com o estudo anterior de Haverfield (Freeman 1993; ver também Hingley 1995), significa, por conseguinte, que a explicação dominante para a mudança – romanização – é o desenvolvimento de idéias derivadas a partir de conceitos morais de progresso, no universo do próprio império dos britânicos (Hingley 1995). Há certa evidência de que a administração romana encorajou ativamente a elite tribal a adotar a educação romana (Garnsey 1978; Hanson 1994), do mesmo modo que os britânicos, mais tarde, fariam com as elites nativas no interior de seu próprio império. Idéias podem ter percolado, de cima a baixo, a partir da elite tribal até os outros membros da tribo. Em relação à não-elite, no entanto, os estudos sobre Roma estão abarrotados com conceitos de progresso considerados espúrios pelos escritores pós-coloniais (e.g. Fabian 1983; Ashcroft, Griffiths and Tiffin (eds.) 1989; Said 1993; Thomas 1994).

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Muitos administradores, tanto do período vitoriano tardio quanto do eduardiano, argumentavam que o propósito moral dos britânicos era o de levar o progresso e a liberdade aos nativos em suas colônias. Essa missão civilizadora, ou cruzada moral, também foi pensada, provavelmente, como uma forma de melhorar a visão de mundo dos povos com um todo, e imaginava-se que Roma tinha conseguido realizar um propósito moral semelhante. Devido ao paralelo, profundamente sustentado, entre os Impérios romano e britânico, a nossa própria história imperial compeliu vários autores a ver a presença imperial romana (ou “missão”) numa perspectiva positiva. A maioria dos escritores britânicos acadêmicos costuma, agora, considerar as visões de muitos comentadores, tanto do fim da era vitoriana e quanto do período eduardiano, como ridiculamente unilaterais em relação ao nosso próprio Império. Embora certas passagens da própria obra de Haverfield possam parecer “impalatáveis” para um auditório atual (Freeman 1991: 102), eu argumentaria que nossas teorias têm-se reciclado apenas com alguns aspectos da terminologia renovada; ainda não levamos a cabo o repensar radical exigido para os estudos sobre Roma13. Nos últimos tempos, estudiosos viram a sociedade nativa como tendo uma cultura material “romana” forçada ou modificada (Hanson 1994). Assim, os nativos tinham algum papel no processo de mudança dentro do Império romano. Conceitos foram adotados e adaptados para se adequarem às necessidades nativas, em especial, às das elites tribais. O modelo dominante ainda sugere, no entanto, que, durante o processo de mudança, a sociedade nativa romano-britânica foi, em grande parte, passiva: idéias e deuses romanos foram granjeados, angariados e imitados, porque eram vitais aos indivíduos na criação e na manutenção do seu status, real ou imaginário, a partir da emulação dos grandes e dos bons. Os nativos adotaram uma maneira amplamente “romana” de fazer afirmações acerca do poder pessoal e da identidade social. Existem abordagens que atribuem um valor prático distinto aos novos (chamados “romanos”) itens da cultura material e que denigrem a cultura nativa. Por exemplo, a sugestão de Freeman de que os novos tipos de cerâmica, 13. Como Fabian argumentou em relação ao estudo da antropologia social, a disciplina acadêmica conecta-se ideologicamente à economia política do imperialismo ocidental. Não se pode simplesmente negar essa conexão, arrependendo-se dos modos dos nossos predecessores: somos obrigados a repensar a própria natureza de nossa disciplina (Fabian 1983: 96).

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confeccionados em forma redonda, foram adotados pelos nativos, por causa de sua superioridade tecnológica em relação à louçaria (1993: 444), ignora tanto o fato de que vários tipos dos potes chamados “romanos” derivavam, pelo menos em parte, de protótipos nativos, quanto ignora, além disso, o papel ativo da sociedade nativa em determinar a função, o valor e o papel de suas próprias posses (ver Rubertone 1989: 37, para uma situação comparável). Indivíduos, no interior de uma sociedade, negociam e resistem a certas representações de superioridade/inferioridade, e erigem contra-argumentos (e.g. Jones 1994). Assim, dentro de um conjunto limitado de idéias e de experiências, eles definem parcialmente seus próprios conceitos de superioridade, ao mesmo tempo em que se relacionam com itens tais como a forma e a função de um determinado pote, ou com a imagem de um tipo particular de construção. As abordagens dominantes criam, da mesma forma, uma reificação do conceito de “romano”. Elas sugerem que a idéia de “Roma” (e as de cultura material romana e de romanização) tem certa existência objetiva e real no tocante à conquista e ao controle da Bretanha romana. Como Freeman ressaltou (1993), essas abordagens sugerem que há um fenômeno tal como uma cultura material “romana”. De fato, vários itens materiais que são tomados como índice de “romanização” não provieram de Roma, mas de outras áreas do Império. Isso é verdade, por exemplo, no caso da cerâmica produzida na Gália romana (incluindo a cerâmica de Terra Sigillata) e das louças finas da Bretanha romana. Afora isso, pode-se ver elementos intitulados de “romanos” diferirem em natureza, contexto e significado através de Império romano, conforme é o caso das uillae e das construções públicas tais como o fórum e o anfiteatro. Um estudo des-centrado do Império romano deveria considerar as diferentes maneiras pelas quais se utilizaram idéias e conceitos no interior das ciuitates, das províncias e através do império. Não devemos assumir que se desenvolveu uma imagem única e padronizada de “romano”. Não havia um pacote unificado de cultura material romana (Freeman 1993) nem o conceito de “romano” é uma categoria segura sobre a qual se podem basear análises de mudança.

Complexidade da resposta e da oposição Alguns trabalhos recentes de teoria sociológica, antropológica e arqueológica sugerem que o processo de mudança em várias sociedades é

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muito mais complexo do que dão a entender os modelos existentes a respeito da romanização. Por exemplo, deveríamos considerar oposições ativas aos novos métodos de controle (ver, por exemplo, os artigos em McGuire e Paynter (eds.) 1991, e Layton (org.) 1989). Estudiosos do Império romano argumentam com freqüência que, assim que novas províncias tinham sido conquistadas e pacificadas, oposições ao controle romano eram raras e, quase sempre, em pequena escala. Trata-se, certamente, no geral, da impressão que as fontes literárias clássicas deixam em nossas cabeças. Afora certas revoltas, mais freqüentes no início de suas histórias, considerou-se que as províncias se estabeleceram pacificamente nos territórios pró-romanos. A dificuldade em acreditar nessa visão decorre do fato de que as fontes literárias romanas foram escritas a partir de um ponto de vista particular (ou de um conjunto de visões relacionadas), e não temos as opiniões dos que estavam sujeitos ao imperialismo romano. Na Bretanha, a sociedade préromana, assim como mais da metade do império ocidental restante, era iletrado. Os que puderam, dentro da Bretanha romana, produzir textos escritos que chegaram até nós (ao autorizar inscrições ou ao escrever em tabuinhas) são também, provavelmente, pessoas beneficiadas diretamente pelo império. Numa recensão de estudos sobre o contato colonial na América, Paynter e McGuire (1991) argumentaram que nem todas as formas de oposição precisam ser manifestas. Esses autores delinearam um programa de pesquisa que, ao incluir a análise da dominação e da resistência, parece muito atrativo para o contexto da Bretanha romana. A base da argumentação deles é que, na relação entre os autóctones índios americanos, os importados escravos africanos e os ocidentais, a resistência, embora não expressa na literatura, pode, às vezes, ter sido criada ou refletida por meio do comportamento e da cultura material. Onde está a evidência indicadora de que houve resistência ativa ao processo de mudança por meio da criação da cultura material? Como Sîan Jones demonstrou no seu doutorado (1994), os modos pelos quais foram reunidos nossos dados fundam-se sobre certas crenças e pressupostos que distorceram a informação disponível e que tornam um reinterpretarão muito difícil. Por exemplo, os métodos de coleta e de análise de artefatos baseiamse no pressuposto de que estilos parecidos são da mesma data, ao passo que estilos deferentes diferem na data. Essa abordagem enfatiza a homogeneidade e ignora a variabilidade (Jones 1994: 106-8). Além do mais, conforme argumentei em outro lugar, a comunidade arqueológica concentrou-se na escavação de casa e de assentamentos da

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elite e quase que ignorou as moradias dos aparentemente menos ricos. Isso torna difícil o estudo dos grupos não pertencentes à elite (1991). É possível que ações sutis de resistência à administração romana e à elite tribal se valessem de conceitos da identidade passada. Como podemos desafiar o modelo progressivo de romanização delineado por Haverfield, Millett entre outros, se não escavamos as moradias dos pobres e dos não-poderosos e se ignoramos as estruturas e os achados do período romano que se mostram “arcaicos” (Hingley no prelo)? Aqui encontramos outro problema, uma vez que nossas próprias definições de riqueza e de pobreza baseiam-se na abordagem determinista, progressiva de romanização, a qual, por sua vez, baseia-se em pressupostos sobre nossa própria sociedade. Conforme tentei mostrar em Assentamento rural na Bretanha romana (Hingley 1989), nem todas as famílias ricas escolhiam as uillae com intuito de simbolizar o controle sobre a riqueza excedente. Pode ter havido outras maneiras menos manifestas ou arqueologicamente menos óbvias pelas quais se manifestava o poder tais como o controle das festas ou do ritual. Algumas dessas opiniões não foram examinadas, provavelmente, por causa dos modos conscientes e inconscientes pelos quais a existente estrutura de poder acadêmica policia a pesquisa, dirigindo as idéias das pessoas em determinadas direções. Precisamos, também, pensar sobre outros conceitos que nos são familiares. Embora a memória popular local possa ser duradoura, os conceitos do que era romano e do que era nativo devem ter variado em toda a sociedade no momento da conquista – os conceitos de identidade popular não devem ter sido homogêneos ou padronizados. Ademais, tais idéias devem ter mudado dramaticamente em grande parte da província entre os anos 43 e 410 d.C. Não é necessário assumir que a resistência às tentativas da elite em ampliar seu controle sempre envolveu o uso de símbolos materiais nativos (i.e. préromanos; Hingley, no prelo). De fato, os conceitos de “romano” e de “nativo” exigem uma vasta apreciação crítica (Jones 1994; Hingley, no prelo). A maioria dos indivíduos dentro de uma sociedade é capaz de dominar outros, e todos os indivíduos são, eles próprios, dominados. Por isso, a elite nativa tribal provavelmente não deve, apenas, ter adotado novos conceitos a fim de simbolizar suas relações com aqueles que dominaram ou desejaram dominar; eles podem, além disso, ter reagido em oposição a outros pelos quais eles eram dominados. De mesmo modo, até os pobres podem pretender demonstrar seu poder sobre os outros ao adotar novas idéias e materiais.

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Não deveríamos substituir um modelo simplista que mostra a cultura material se espalhando por toda a sociedade por meio da emulação, por um outro que apresenta a criação e a adoção da cultura material pela não-elite como o simples resultado da confrontação aos dominadores pró-Roma. Podemos de fato esperar uma situação muito mais complexa, com emulação e oposição operando de um modo variado. Uma arqueologia realista a respeito da Bretanha romana pode, por isso, aceitar a teoria de que indivíduos e comunidades adotavam ativamente novos símbolos e idéias para criar ou manter o controle das relações de poder; mas, ao mesmo tempo, ela pode opor-se a isso com uma segunda teoria: comunidades e indivíduos dominados reagiam às tentativas de dominálos por meio de atos de oposição que tinham correlatos materiais.

Conclusão Com base no que se disse acima, é possível propor os pontos que seguem. Esperamos por modelos menos deterministas para explicar a mudança na cultura material e na sociedade romano-britânicas. É evidente que os indivíduos tinham a sua disposição escolhas variadas na resposta à situação imperial. A conquista ofereceu novas oportunidades para alguns membros da elite no tocante à dominação e ao controle social, mas deve ter representado uma ameaça à liberdade e à segurança de alguns produtores agrícolas. Por outro lado, alguns membros da elite podem, por vezes, ter se sentido ameaçados pelas mudanças sociais e o exército romano, sem dúvida, ter proporcionado, para alguns homens nativos, uma válvula de escape ao penoso trabalho na agricultura. Não podemos, em particular, esperar que toda a população nativa reagiu da mesma maneira à conquista romana da Bretanha. Os processos de mudança devem ter incluído interações complexas e contínuas provenientes de varias influências. Precisamos considerar mudanças e continuidades em conjunto com o pano de fundo das diferenças de poder, riqueza, geração, gênero, identidade e regionais. Precisamos livrar-nos do pressuposto de que a cultura material “romana” era tecnologicamente superior àquela anterior à conquista. Novos conceitos e objetos podem ter sido, em certas situações, mais convenientes, mais poderosos ou mais acessíveis, mas os indivíduos, no interior da sociedade, devem ter tido certa habilidade para resistir a certas representações

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de superioridade, ao estabelecerem posturas contrárias. A mudança não deve ter sido simples e direcional. O que se deseja é uma compreensão mais refinada do que significavam as velhas e novas idéias dentro da sociedade provincial romana. Discussões atuais do processo denominado “romanização” não mencionam essas questões. Elas permanecem implicadas nos pressupostos do progresso linear a partir do simples ao complexo. Assume-se que Roma e sua influência foram tanto mais avançadas quanto mais progressistas e que, por conseguinte, os nativos mais avançados e mais progressistas foram os que mais se apropriaram disso. Trabalhos recentes sobre comunidades contemporâneas indicam que esse ponto de vista deriva do pressuposto de que há apenas uma maneira correta de se comportar, além de um progresso linear desde a sociedade primitiva até o mundo moderno (Fabian 1983), e pressupõe, ainda, que no processo de mudança pelo qual as sociedades passam ao longo do tempo, Roma aproximou-se do ideal. Em minha opinião, esse ponto de vista está baseado sobre uma premissa incorreta e é hora de colocá-lo em xeque e substituí-lo efetivamente.

Agradecimentos Sou muito grato ao Dr. J Majeed e a Phil Freeman por enviar-me cópias de artigos seus a publicar, e agradeço a Sîan Jones por fornecer-me uma cópia de sua tese de doutorado antes da publicação. Também sou muito grato a Christina Unwin pelo trabalho editorial deste capítulo e pelas discussões de várias idéias. David Breeze ajudou-me a formular algumas de minhas interpretações sobre os imperialismos romano e britânico. Steve Dickinson chamou minha atenção para os comentários de Haverfield sobre o forte romano de Ambleside, e Phil Freeman alertou-me para uma série de referências adicionais citadas neste capítulo. Lesley Macinnes e John Barrett fizeram comentários do primeiro esboço deste texto. Sîan Jones também deu sugestões sobre o texto e incrementou os argumentos em muitas passagens.

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CAMPO NA BRETANHA ROMANA : O SIGNIFICADO DAS FORMAS DE ASSENTAMENTO RURAL 14

“É necessária uma investigação exaustiva dos modos pelos quais a produção agrícola organizou-se nas várias partes dos territórios greco-romanos ...... o desiderato principal é concentrar-se sobre as condições precisas em cada área específica em períodos diferentes: só sobre bases de uma série completa de análises regionais é que se pode chegar, com alguma segurança, a conclusões gerais” (Ste. Croix 1981: 218-9).

Introdução A intenção deste capítulo é considerar certos conceitos e temas relevantes ao estudo do assentamento rural Romano-britânico. Nenhuma tentativa será feita para recensear a abundância de evidências de assentamento relativas à província; ao contrário, a intenção é considerar um conjunto de modelos que examinam a natureza das evidências (ver Hingley 1989 para uma revisão mais completa). O ideal do autor seria escrever uma história social do assentamento rural (Ste. Croix 1981:218). Essa história envolveria uma discussão de aspectos amplos da organização social, da posse da terra e do conjunto da organização econômica dentro do contexto da influência da administração romana no desenvolvimento da província. Em virtude da natureza da evidência históricoarqueológica, é impossível, por ora, escrever uma história social da Bretanha romana que seja abrangente (Todd 1978:197).

14. Nota da tradução - Publicado originalmente em: R.F.J. Jones (ed.) 1991 Roman Britain: Recent Trends. J. R. Collis Publications, Sheffield: 75-80.

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Por conseqüência, será discutida, neste capítulo, uma série de modelos que lançam algumas luzes sobre a organização sócio-econômica das comunidades romano-britânicas. As abordagens advogadas são de natureza espacial e dão atenção ao estudo da importância social da forma e da distribuição dos assentamentos.

Terminologia Há uma grande riqueza de evidências relativas ao assentamento rural romano indicando que a planície britânica foi coberta por distribuição de assentamentos de vários tipos. Taylor citou a densidade de 1 (um) assentamento para cada 0,4 ou 0,5 quilômetros quadrados no leste de Northamptonshire e em áreas de Bedfordshire; densidades comparadas têm sido registradas em outros lugares (Taylor 1985: 83; C. Smith 1977; Hallam 1970; Williamson 1985). Sítios de assentamento romano-britânico variam em tamanho, forma, abundância, função e localização. Os sítios maiores, localizados no campo, são “pequenas cidades”, muitas dos quais têm mais características urbanas que rurais. Na outra ponta da escala estão pequenas quintas, provavelmente as moradias de famílias tão-somente nucleares ou extensas. Entre as pequenas cidades e as quintas há um conjunto de sítios de tamanho variado, às vezes, chamados de “vilarejos” e de “vicos” (e.g. Hallam 1970). Considera-se que a riqueza é importante na distinção dos tipos de assentamento. As casas em estilo uilla eram construções vigorosas, erguidas com uso da riqueza excedente, e diferenciáveis de outros assentamentos destinados à agricultura e sem as feições de uma uilla. A função é algo também de importância: a maioria dos assentamentos rurais eram, sobretudo, agrícolas (Applebaum 1972), mas pequenas cidades tinham comércio e, por vezes, em alguns casos, uma função industrial importante.

Uilla, a fazenda romana (uilla rustica) Tem-se aplicado, por analogia, o termo “uilla”, proveniente dos textos clássicos (uilla rustica), às evidências de assentamento bretão (apenas uma referência a uma uilla ocorre nos escritos contemporâneos sobre a Bretanha; Rivet 1969: 174). Os autores clássicos não eram consistentes na maneira em

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que empregavam o termo. O modelo de Rivet provém de Varrão e de Columela e sugere que a uilla era o instrumento pelo qual um citadino rico explorava o campo; as uillae eram as propriedades rurais de um citadino, freqüentemente administradas por um quinteiro e só em alguns casos visitadas pelo proprietário (Rivet l979: l78-82). Outros autores romanos, no entanto, usam o termo de maneiras muito variadas (Percival 1976: 13), e é impossível extrair, da literatura clássica, uma forma consistente para o sentido de “uilla”. Quando é empregado por arqueólogos, descreve, normalmente, uma construção relativamente isolada (isto é, não situada numa locação urbana) e “romanizada” em sua forma (Collingwood 1930: 113). O conjunto de manifestações físicas que definem, nesse contexto, a romanização inclui o uso de pedra e de telha/ardósia – em oposição ao emprego de madeira, de argamassa e de palha em várias moradias sem as feições de uma uilla –, além da ocorrência freqüente de piso tesselado/pavimentos em mosaico, de gesso pintado, de salas aquecidas e de edificações para banho. No entanto, não é possível definir, usando evidências arqueológicas (Percival 1976:15), uma demarcação clara entre os assentamentos que são em estilo uilla e os que não o são. Para muitos arqueólogos, a existência de uma edificação em estilo uilla indica a locação de uma propriedade privada pertencente ao dono da uilla. Na realidade, a ligação entre a uilla e a propriedade privada é um pressuposto (Slofstra 1983). Uma uilla, tal como se define a partir de evidências arqueológicas, é um status que indica a forma da edificação e nada mais. A construção de uma edificação à moda de uma uilla era, sem dúvida, uma maneira sofisticada de investir riquezas excedentes. Essa é a razão para o fato de que edificações típicas do estilo uilla ocorram em cidades grandes (ver Wacher 1974 a respeito de Cirencester) e em vilarejos/cidades pequenas (ver abaixo). O excedente acumulado para construir uma edificação em estilo uilla pode ter surgido da indústria, ou do comércio, e não precisa estar, necessariamente, relacionado à posse e à exploração de uma propriedade agrícola. O fato de que agricultura e posse de terras aparecem como tendo sido as formas principais de riqueza no Império romano (Duncan-Jones 1974: 33), indica que muitas uillae talvez estivessem ligadas à posse, ou, ao menos, ao controle, de uma propriedade. Mesmo que o termo venha a ter algum outro valor que não o da descrição da forma de uma edificação, será necessário, no entanto, descobrir mais sobre a natureza e o contexto dos assentamentos sobre os quais essas edificações foram construídas.

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Outros assentamentos rurais O entendimento dos assentamentos sem as características de uma uilla como uma classe de sítios tem se dado de maneira insuficiente. Esses sítios são raramente estudados e há uma tendência em considerá-los de forma negativa, por serem as moradias dos pobres e dos humildes, os que não foram capazes de se tornarem romanizados. Tende-se a definir esses assentamentos rurais pelo que lhes falta: seja de edificações que mostrem qualquer grau de um investimento alto de luxo e de romanização; seja também pela falta, concreta ou implícita, de itens materiais de luxo, tais como cerâmica importada, escassez de moedas, ourivesaria de luxo. Os textos literários mencionam escravos e quinteiros, muitas vezes, ligados a propriedades agrícolas e, também, existem evidências de proprietários rurais camponeses em algumas áreas do Império (MacMullen 1974; Ste. Croix 1981); assume-se que os assentamentos sem o estilo uilla eram as moradias dos membros desses grupos sociais. De fato, é um erro considerar esses sítios em termos completamente negativos, como se não formassem uma classe diferenciada. Há uma gama de tamanhos desses assentamentos e essas diferenças podem-se relacionar a variações na organização sócio-econômica das comunidades (ver abaixo). Ademais, é provável que a riqueza dos que viviam nos assentamentos sem as feições de uma uilla variasse de sítio para sítio. Mais abaixo, será, inclusive, sugerido que as edificações em estilo uilla não eram, necessariamente, o alvo de todo agricultor romano-bretão.

Pequenas cidades Vilarejos suficientemente grandes acham-se no sul da Bretanha e pequenas cidades são também muito comuns (ver Todd 1970; Rodwell e Rowley (eds.) 1975; e R. Smith 1987 para as pequenas cidades). Não está de modo algum claro o lugar no qual se dá a demarcação entre os vilarejos e as pequenas cidades. O tamanho mostra-se de alguma importância; sítios classificados como pequenas cidades têm, em geral, pelo menos, dez hectares de tamanho e podem chegar a cinqüenta ou mais hectares (introdução a Rodwell e Rowley (eds.) 1975). Alguns vilarejos, no entanto, mostram-se tão grandes quanto as pequenas cidades de menor extensão. Supostamente, a

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divisão é entre os vilarejos cuja função primeira era agrícola e as pequenas cidades envolvidas, ao menos, em parte, com o comércio e com a indústria. As doze quintas que formam o assentamento rural de estilo diferente de uilla, em Catsgore (Somerset), mostram que tiveram uma função agrícola (Leech 1982); o contraste com as cidades pequenas como a de Water Newton (Cambridgeshire; Wilson 1975: 9) ou a de Alcester (Warwickshire; Booth 1980) é notável à primeira vista. Em Water Newton, em Alcester e em tantas outras pequenas cidades, os assentamentos são bastante extensos e têm-se achado evidências consideráveis de atividade comercial e industrial. Water Newton e Alcester, no entanto, parecem ter prosperado mais que a média das pequenas cidades, pois outras dessas, em geral, têm um caráter urbano menos óbvio. De fato, é preciso que se empreendam escavações amplas para se estabelecer se um sítio foi uma pequena cidade ou um vilarejo (e.g. Stonea; Potter e Jackson 1985). Como as pequenas cidades tinham uma gama de funções não-agrícolas e já foram analisadas por Jones em outro lugar, não se tratará delas aqui em detalhes.

A organização do assentamento Forma da edificação Não é possível recensear em detalhes a vasta quantidade de evidências referentes à forma das edificações situadas nos sítios rurais do sul da GrãBretanha (ver Hingley 1998). Em vez disso, a intenção é discutir uma série de modelos que dêem conta da importância de formas específicas de edificações encontradas nesses sítios. Edificações sem as feições de uma uilla não costumam ser muito elaboradas. Em alguns sítios, casas redondas de madeira, pouco diferentes das casas da Idade do Ferro, encontram-se em contextos romanos (ver Williams 1976; Leech 1982). Por exemplo, em Odell (Bedfordshire), encontramse casas redondas de madeira ao longo de toda a existência da quinta romana, embora uma casa retangular de madeira também tenha sido construída (Simco 1984). Em Catsgore (Somerset), casas redondas de madeira foram substituídas por edificações retangulares depois do século II d.C., e uma tendência semelhante manifesta-se em vários sítios de assentamento rural (Leech 1982). Moradias retangulares feitas de madeira, ou de pedra e madeira, são comuns em assentamentos sem as características de uma uilla, mas também

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em assentamentos que estavam prestes a se tornarem uillae. Em Catsgore, uma série de choupanas de madeira com base de pedra tem sido escavada num sítio em que há um vilarejo e as casas do século IV d.C. deixam claras suas construções basicamente de pedra (Leech 1982). Em Bradley Hill (Somerset), dois casos parecidos de edificações são conhecidos (Leech 1981). Leech discutiu esse tipo de moradia: elas têm dois ou três ambientes, dos quais um é maior que os demais e contém uma lareira (Leech 1982). A pobreza e a simplicidade da moradia tão somente oval e da retangular indicam, provavelmente, a baixa posição sócio-econômica e a ausência de diferenciação social entre os que viviam nos assentamentos rurais diferentes do estilo ‘uilla’. Isso, no entanto, deixa claro que moradias individuais, nesses sítios, freqüentemente formavam um todo no interior de um complexo de quintas; discutir-se-á esse aspecto abaixo. É freqüente a idéia de que o uso de pedras na construção representa a influência da cultura romana. Dessa maneira, Richmond, Wilson e Drinkwater consideram ser uma uilla qualquer moradia retangular construída com pedra e localizada numa área rural isolada (Richmond 1969; Wilson 1974; Drinkwater 1983). Na verdade, pedras são, em geral, nada mais que um material de construção disponível localmente e não indicam, necessariamente, algum grau de investimento de excedentes. Aquilo que Richmond classifica de uillae de “casas rústicas” (Richmond 1969:52) não é muito diferente, na forma e na importância, das moradias retangulares de madeira e de pedra em Catsgore. Neste capítulo, considera-se que, para classificar uma simples moradia retangular como uma uilla rustica, é necessário associar outros indicadores tais como mosaicos e casas de banho. Richmond distingue, ademais, “casas com corredores em forma de asa”, “casas com vestíbulos”, “casas com alas” e “casas com pátio” (1969). As uillae com vestíbulo têm um ambiente maior e uma série de outros menores. Essas edificações são, de fato, muito similares às moradias tão somente retangulares discutidas por Leech, embora com o acréscimo de uma fachadacorredor com asa. Tem sido sugerido que uillae com vestíbulo estavam relacionadas a um tipo particular da estrutura social, que envolvia um líder e uma linhagem (e.g. J.T. Smith 1978b). Afora isso, ultimamente se argumenta que, em Barnsley Park (Gloucestershire), um grupo de parentes de três famílias, cujas terras formavam uma espécie de consórcio de propriedades, transformou-se num grupo menor, morando dentro de uma uilla com um só vestíbulo (J.T. Smith 1985). Também se tem argumentado que casas com alas

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tinham uma importância similar às uillae com vestíbulo e que, naquelas, moravam um líder e sua respectiva linhagem (J.T. Smith l963). O acréscimo de asas e de corredores era uma maneira de construir uma fachada requintada para a residência; acrescentavam-se essas fachadas a casas retangulares simples, a casas rústicas e a casas com alas. A importância dos ambientes atrás da fachada provavelmente varia, mas edificações com corredores com asa, como um grupo, formam o tipo mais comum de uilla na Bretanha romana (D.J. Smith 1978). Uillae com pátio eram residências extensas e suntuosas, e representavam um nível de riqueza acima daquele das casas com corredores com asa (Richmond 1969: 59). J.T. Smith argumentou, há pouco, que existe um “sistema modular” em várias casas com pátio e em algumas com corredores com asa (J.T. Smith 1978a; 1982); ele sugere que havia algo como um consórcio de ocupação e de propriedades, e que as uillae individuais podem dividir-se numa série de unidades, cada qual representando uma só família. As uillae discutidas por Smith mostram-se, geralmente, contendo duas ou três unidades, mas são raros os exemplos com mais de três elementos. Utilizando os argumentos de D. Clarke acerca do vilarejo de Glastonbury Lake (ver Clarke 1972), J. T. Smith fez a sugestão de que os fatores, relativamente pequenos, de hierarquia observáveis no vilarejo da Idade do Ferro foram expressos de uma forma mais óbvia e durável na uilla com pátio (J.T. Smith 1978a: 328). As idéias de J.T. Smith relativas às formas das uillae são de grande interesse, uma vez que sugerem a contribuição indígena à cultura romanobretã. A conquista romana forneceu as condições para que a construção de uillae fosse possível; no entanto, é necessário estudar o contexto de adoção das normas romanas. A romanização não foi meramente uma aceitação passiva da cultura e lei romanas, mas uma manipulação com propósito de criar uma única civilização romano-bretã.

Organização dos complexos de quintas Ao contrário das informações que dizem respeito à forma das edificações, as evidências atinentes à organização dos complexos de quintas são escassas. Escavações numa série de sítios apresentaram, no entanto, evidências referentes a complexos. Em Bradley Hill (Somerset), duas casas e um celeiro pertenciam, provavelmente, a uma família extensa (Leech 1981). Em Catsgore, seis complexos de quintas distintos, de um conjunto original

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de cerca de doze, vêm sendo escavados, e é possível ver incrementos na maioria desses complexos em Catsgore: o complexo um começou, na primeira fase, com apenas uma residência, mas, durante a segunda fase, constitui-se de um par de residências, quiçá indício da residência de uma família extensa (Leech 1982). Complexos estão presentes, tanto nos planaltos quanto nas planícies da Grã-Bretanha (Hingley 1989), em outros assentamentos sem as características de uma uilla, ainda que as escavações aconteçam, em geral, numa escala pequena demais para se traçar paralelos claros entre essas unidades. O complexo de quintas é um fenômeno análogo à ocorrência de duas ou mais residências em sítios em que se escavam uillae; complexos particulares de quintas podem, de igual modo, estar relacionados ao complexo de Glastonbury. Em outras palavras, há, em Glastonbury, no complexo de quintas de Catsgore-Bradley Hill, e na uilla de sistema modular, múltiplas edificações com uma gama de funções formadoras de unidades familiares distintas.

A forma do assentamento Poucos sítios têm sido escavados em larga escala e, por conseguinte, pouca evidência há pertencente à organização do assentamento rural numa escala maior que a dos complexos individuais de quintas. Em Claydon Pike (Gloucestershire), o assentamento da Idade do Ferro foi reorganizado no fim do século primeiro/início do século segundo, possivelmente por ocupantes de diferentes status, em ambos os lados de uma pista. O escavador propôs, como tentativa, uma presença militar no sítio e Claydon Pike poderia ter atuado como centro local de coleta de taxas em espécie. Soldados poderiam, porventura, ter residido na área “rica” do sítio, e os escravos, num complexo na direção ocidental (Miles 1984). Além do mais, têm sido encontradas, em outros sítios de assentamento, áreas cuja riqueza varia. Em Catsgore, um complexo de quintas mostra-se mais rico que outros, e, por isso, tem sido chamado de uilla (Leech 1982). Edificações com corredor com asa existem dentro de vilarejos/pequenas cidades em Tiddington (Warwickshire; Palmer 1982), em Hibaldstow (Humberside; R. Smith 1987) e em Camerton (Avon; Todd 1976). Em Gatcombe (Somerset), um conjunto de edificações, possivelmente associado a uma uilla grande, fica dentro de uma zona cercada com muros (Branigan 1977). Todd argumentou que, em casos como esse, o vilarejo pode ter sido a moradia dos trabalhadores das

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quintas dentro da propriedade que pertencia ao dono da uilla (Todd 1978: 207). Em Gatcombe, tal explicação parece bem plausível; no entanto, em Catsgore, em Hibaldstow, em Tiddington e em Camerton, as “uillae” só marginalmente eram maiores ou mais ornadas que as residências-padrão, e, nesses sítios, é bem mais provável que o dono da uilla fosse o ancião ou o líder do vilarejo que o seu dono (ver Bloemers e Willems acerca do sítio holandês de Rijswijk; Bloemers 1983; Willems 1984).

O tamanho do assentamento Os assentamentos rurais romanos variam muito em tamanho. A área mais bem pesquisada é Fenland (Cambridgeshire, Norfolk e Lincolnshire), onde Hallam, a partir dos resultados de um abrangente projeto de prospecção de campo, tem sido capaz de fazer a distinção entre “quintas simples”, “vicos pequenos” (conjunto de três a quatro quintas), “vicos grandes” (de quatro a seis) e “pequenos vilarejos” (sete ou mais; Hallam 1970). Existem evidências de variação no tamanho dos assentamentos em outros lugares do sul da GrãBretanha; por exemplo, Bradley Hill (Somerset) é uma única quinta, Chisenbury Warren (Wiltshire) dá a impressão de representar um conjunto de, pelo menos, quatro quintas, e Catsgore tinha, aproximadamente, doze quintas independentes (Leech 1982). Em Fenland, as evidências dão indicações de uma progressiva nucleação do assentamento ao longo dos anos, até acontecer, no fim do século II d.C. e início do III d.C., certa forma de calamidade, talvez causada por uma inundação (Hallam 1970, Table A). Em outras áreas além de Fenland, evidências comparáveis a essa são escassas, apesar de que, em Catsgore, apenas quatro do total dos seis complexos de quintas escavados datassem da primeira fase de assentamento (Leech 1982). Qual a relevância da variação em tamanho de assentamentos individuais? Em algumas áreas, a nucleação pode estar relacionada à consolidação crescente, no fim do Império, de propriedades rurais por parte de indivíduos (MacMullen 1974; Percival l976: l74-7). Assentamentos nucleados podem, em alguns casos, representar “vicos interdependentes” (Wightman 1975: 623). O desenvolvimento da nucleação em Fenland deixa claro, no entanto, que esse processo estava acontecendo muito antes e que pode, por outro lado, representar a herança dividida de uma área de terra. Uma única família pode ter-se assentado ou continuado a se assentar, na

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área, durante o século I d.C., e, então, crescido a ponto de se dividir em múltiplos grupos familiares mediante a partilha da terra entre as crianças de cada geração. As sugestões de Clark, concernentes a Glastonbury, de que a natureza extensiva da família e o tamanho grande do assentamento estavam relacionados à necessidade de atividades comunais num ambiente pantanoso (Clarke 1972), poderia também ser de relevância para a região alagadiça de Fens no período romano, onde a cooperação em empreitadas como a de drenagem quiçá tenha sido necessária. É claro que existe variação de tamanho em assentamentos na GrãBretanha da Idade do Ferro. Por exemplo, o sítio Tollard Royal (Wiltshire) dificilmente representa mais que uma única família (Wainwright 1968), ao passo que o vilarejo de Glastonbury Lake deve ter abrangido, na sua dimensão máxima, seis famílias extensas, ou 120 pessoas (Clarke 1972). Assentamentos de tamanho variado ocorrem ao longo tanto da Idade de Ferro quanto do período romano. A nucleação de um assentamento pode relacionar-se, de fato, à agricultura coletiva (ver Stevens 1966; J.T. Smith 1978a). Mesmo se assim o fosse, no entanto, a variação no tamanho de um assentamento não precisa ter uma conotação relacionada ao direito de possuir a terra. Evidências literárias apontam uma gama de formas de posse da terra e a herança da terra entre as gerações poderia seguir um padrão similar, caso tivesse a propriedade um dono ou fosse arrendada por um longo período. Tem-se sugerido que as uillae também variam em tamanho e que algumas contêm, pelo menos, três grupos familiares. É possível que o processo de desenvolvimento de uillae seja semelhante, em alguns casos, ao de nucleação de outros assentamentos rurais, com múltiplos grupos familiares desenvolvendo-se, graças à partilha das heranças. Se isso está correto, as casas com pátio têm de diferir pouco dos vicos sem as características de uma uilla, em algo que não seja a riqueza.

A organização da paisagem Como o conjunto dos sítios relaciona-se na paisagem? Nesta secção, uma série de estudos de sistemas de assentamentos será recenseada. Esses modelos são tentativas, uma vez que é impossível escavar sistemas completos de assentamento, e as evidências para se formularem afirmações sobre protótipos de assentamento regional nunca são adequadas.

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Modelos econômicos para o desenvolvimento de assentamentos Se as uillae representam o investimento de excedente em símbolos de status, então se poderia provar, a partir de uma série de uillae encontradas na Bretanha, que uma “nova elite” de indivíduos abastados desenvolveu-se graças à expansão da agricultura e à comercialização da produção excedente (Rivet 1969; Wightman 1975: 623). Hodder e Millet tentaram formular modelos para a relação das uillae com as cidades (1980). Essa análise, no entanto, baseia-se sobre um banco de dados inadequado, e são necessários estudos detalhados e intensivos sobre regiões locais, antes que se possa chegar a conclusões realísticas (Hingley 1989). Procura-se por um estudo completo da relação entre assentamentos que têm características de uilla e os que não as têm com as redes de comunicação, com os mercados das grandes e das pequenas cidades, e com as matériasprimas e a indústria. Presumidamente, assentamentos em fácil contato com um mercado prosperavam mais que outros que desse distavam. De fato, a falta de mercados civis pode ser uma das razões principais para a ausência de uillae nos planaltos militares da Bretanha (Jones and Walker 1983). Nas planícies, a produção industrial e o comércio devem ter fornecido os meios para se obter um excedente necessário à adoção de padrões “romanos”.

Hierarquia de assentamentos e propriedades rurais Uma maneira alternativa pela qual se puderam acumular excedentes estava nas mãos de um proprietário de terras com lugares-tenentes; esse foi, provavelmente, a base da economia das uillae maiores (Todd 1978). Há pouquíssimas evidências diretas de propriedades em estilo uilla na Bretanha (ver Applebaum 1972; ver também Wightman 1975 e Percival 1976 para as mais completas evidências relativas à Gália). O desenvolvimento de uma uilla por meio da exploração de uma propriedade rural, no entanto, foi, talvez, a causa da evolução de uma elite indígena em vários sítios do sul da Inglaterra. Ultimamente se argumenta que uma série de uillae “iniciais” e também várias uillae com pátio representam os lares de uma elite indígena. Uillae “iniciais” são aquelas surgidas numa data anterior a que se esperaria em relação às áreas em que se encontram. De particular interesse é um grupo de uillae em Oxfordshire e na parte das colinas de Cotswolds que fica em

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Gloucestershire. Nos Fossos (Gloucestershire), recentemente uma uilla foi localizada e vem sendo, em partes, escavada, cerca de três milhas a noroeste do suposto centro tribal do final da Idade do Ferro em Bagendon. Essa uilla situa-se no interior de uma “fortaleza-colina”, cujas defesas foram aplanadas por volta de 50-70 d.C., quando se construiu a uilla. Os escavadores sugeriram a possibilidade de continuidade de lugares-tenentes nesse sítio (Trow and James 1985). Em Oxfordshire, duas uillae “iniciais”, em Ditchley e em Shakenoak, ficam dentro da parte do Fosso de Grim localizada no norte de Oxfordshire, o qual, como Bagendon, é um “ópido territorial” do período tardio da Idade do Ferro. De igual modo, há uma série de outras uillae (inclusive Northleigh) dentro do Fosso de Grim, e tem-se sugerido que a ocorrência de uillae iniciais e de uillae com pátio indica a sobrevivência de uma propriedade rural do fim da Idade do Ferro e a sua subseqüente divisão no período romano (Hingley 1988). A uilla inicial com pátio, em Fishbourne (West Sussex), fica dentro do opiddum territorial de Selsey (Cunliffe 1971), ao passo que a uilla com pátio, em Woodchester (Gloucestershire), fica próxima a um suposto oppidum territorial em Minchinhampton (Clarke 1982). Tem-se associado ambas essas uillae a uma possível sobrevivência de uma elite pré-conquista pelo período romano adentro. Se uma hierarquia de assentamentos há de ser compreendida em maiores detalhes, será necessário empreender estudos intensivos de áreas individuais aptos a fornecer uma compreensão mais detalhada da forma espacial e da dinâmica temporal da propriedade rural romano-bretã.

Possíveis imperativos sociais relativos ao desenvolvimento de uillas Desenvolveram-se dois modelos cujo intuito é tentar explicar a distribuição das uillae em termos de organização social de comunidades. Stevens usou tratados legais galeses para interpretar a evidência arqueológica. Dois sistemas foram identificados: o primeiro compreendia as propriedades livres e alodiais de classes de parentes (gwely). Esses grupos deveriam pagar tributos e aluguel ao senhor de um distrito administrativo, mas a posse da terra era da gwely. Em oposição a isso, fir cyfrif compreendia grupos de servos presos à terra que não lhes pertencia. Stevens argumentou, a partir de uma revisão da evidência concernente ao assentamento, que as quintas do sul e do leste da Bretanha provinham de múltiplas unidades de

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gwely. Em direção ao norte e ao oeste, o suposto padrão de vicos nucleados e de quintas isoladas representa, respectivamente, os lares de comunidades servis e dos senhores do distrito. Stevens sugeriu que uillae “ricas” ocorrem em áreas com posse da terra segundo o fir cyfrif, enquanto que a posse da terra conforme o gwely produziu várias pequenas uillae (Stevens 1966). O segundo modelo para explicar a organização dos assentamentos em Cranborne Chase foi desenvolvido por Collingwood, e, ultimamente, tem sido usado para analisar comunidades, no alto do vale do Tâmisa, da Idade do Ferro e do período romano-bretão (Collingwood and Myres 1937; Hingley 1988). No Vale da Argila, em Oxford, ocorrem grupos de grande dimensão, tanto da Idade do Ferro quanto dos períodos romanos, com divisão comunitária do território, e, nessa planície, tem-se a impressão de que não existem uillae. Por outro lado, nos planaltos de pedra calcária, em Oxford, aparecem grupos sociais de pequena escala que eram economicamente independentes uns dos outros; uillae são comuns no período romano. A uilla, como símbolo material de riqueza, pode indicar a dissolução dos laços comunitários tradicionais. Um indivíduo poderia ter-se desencorajado de construir um símbolo de seu sucesso individual sobre os outros (Hingley 1988). Com esses comentários levados em conta, a informação concernente a Fenland é de grande interesse. A existência de assentamentos nucleados e a ausência de mostras claras de riqueza levaram à interpretação de que Fenland era uma área habitada por lugares-tenentes pobres e por escravos, provavelmente como uma propriedade rural imperial (ver Frere 1967: 275-7 para essa discussão). Está claro, no entanto, que uma riqueza considerável ficava nas mãos de alguns indivíduos no interior da sociedade estabelecida em Fenland por volta do século IV d.C. (Salway 1970: 16; Potter 1981: 129). Parte dessa riqueza, em vez de ser investida em status, indicado pelas formas das edificações, aparece sendo gasta em itens portáveis de valor material, tais como bronze, ligas de estanho, e vasos de prata. Potter sugeriu que esses indivíduos abastados podem ter sido lugares-tenentes que não se ligavam a uma propriedade rural imperial (1981). A existência de riqueza nas mãos de alguns indivíduos no interior de Fenland do século IV d.C. demonstra a falsidade da idéia de que as uillae eram os únicos símbolos de riqueza e de status disponíveis aos produtores rurais. Salway sugeriu que o investimento de riqueza em ourivesaria portável expressa uma mentalidade camponesa e o desejo de esconder a riqueza, a fim de evitar taxações mais altas (1970: 16). É possível que as evidências

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indiquem, de fato, um método alternativo de investimento do excedente? Poder-se-ia ter criado e mantido o status por meio de festas, donde os achados de ourivesaria. Festejar era um ato celta tradicional, sobretudo, de generosidade comunitária, e não de simbolização, dentro da comunidade, do sucesso de um indivíduo ou de uma única família sobre os demais. A idéia de que a edificação em estilo uilla não foi, necessariamente, o ideal de todos os agricultores romanos livres e abastados pode parecer controversa aos romanistas de educação clássica. É necessário lembrar, no entanto, que as visões contemporâneas acerca da Bretanha romana estão restritas pelas fontes literárias disponíveis e que o pano de fundo indígena dos grupos sociais da Bretanha romana devem ter tido uma importante influência sobre a adoção da cultura romana.

Perspectiva Ao longo deste capítulo, direcionou-se a atenção a aspectos da organização social, ao se estudar a organização espacial dos assentamentos rurais. Discutiram-se os conhecimentos relacionados à organização dos grupos familiares tanto no nível das edificações, quanto dos complexos de quintas e de uillae. Ademais, foi levada em consideração a organização dos grupos familiares dentro de assentamentos particulares. Por fim, tentou-se considerar a distribuição de grupos sociais através da paisagem. O conhecimento a respeito de todos esses aspectos é limitado. Isso se deve, em parte, ao fato de que os romanistas tendem a dar rótulos aos assentamentos rurais e consideram que nenhuma outra análise é necessária. A investigação está direcionada para estabelecer se um assentamento é uma uilla, um “assentamento nativo” ou uma pequena cidade, mas pouco se tenta compreender os sítios em seus contextos. Por conseguinte, vêm sendo feitos poucos estudos de assentamentos completos e mesmo poucos de paisagens completas. Os sistemas complexos de organização social que outrora existiram não podem ser reconstruídos a partir de fragmentos de evidências, resultantes de uma pesquisa retalhada, e é, em parte, por isso que uma história social das províncias não é possível. Prospecções regionais destinadas a recuperar paisagens completas de assentamentos (e.g. o levantamentos de Fenland feito por Hallam), combinadas com a escavação extensiva de sítios selecionados, farão melhorar a base de dados. Além disso,

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um esqueleto terminológico e conceitual mais flexível proporcionará um entendimento detalhado da variação em assentamentos dentro de e entre regiões.

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DIVERSIDADE E UNIDADE CULTURAIS : I MPÉRIO E R OMA 15

Um mundo mais antigo ... de núcleo dominante e de periferia sujeitada, está desmoronando-se, e, em seu lugar, emerge um padrão de iniqüidade menos dicotômico e mais intricado. Poder-se-ia descrever “Império” como a Gestalt desses fluxos e dessas hierarquias16.

Introdução: fornecendo um contexto de pesquisa Estudos sobre a Roma clássica têm-se modificado através dos tempos, para adaptar-se às mudanças do discurso acadêmico17. Este capítulo procura explorar um aspecto da relação entre o mundo da Roma antiga e os nossos tempos atuais, ao destacar uma perspectiva que se desenvolve no interior dos estudos clássicos: a análise da diversidade, pluralidade e heterogeneidade culturais. Idéias a respeito da diversidade cultural do mundo da Roma clássica fornecem um plano de pesquisa cada vez mais poderoso na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América18. Minha contribuição ao presente volume Nota da tradução - Não publicado, artigo no prelo (2008) Gopal Balakrishnan, “Introduction,” in Debating Empire, ed. Gopal Balakrishnan (Londres: Verso, 2003), x. 17 Richard Hingley, Globalizing Roman Culture: Unity, Diversity and Empire (Londres: Routledge, 2005). Para algumas idéias anteriores, ver Richard Hingley, “Recreating Coherence without Reinventing Romanization,” Digressus: The Internet Journal for the Classical World 3 (2003): 112-9. 18. Tal perspectiva influenciou os estudos clássicos em geral, aí incluídas as pesquisas sobre Grécia, Roma e outras sociedade mediterrâneas. Publicações recentes incluem, por exemplo, Emma Dench, Romulus’ Asylum: Roman Identities from the Age of Alexander to the Age of Hadrian (Oxford: Oxford University Press, 2005); Carol Dougherty and Leslie Kurke (eds), The Cultures within Greek Culture: Contact, Conflict, Collaboration (Cambridge: Cambridge University Press, 2003); Mark Golden and Peter Toohey (orgs.), 15. 16.

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realça a questão do contexto político-social no interior do qual tais idéias emergiram e estão florescendo19. Proponho que trabalhássemos para fomentar um passado romano que nos permitisse problematizar, além de fundamentar, as idéias contemporâneas acerca de nosso próprio mundo. Estudos da Roma clássica com freqüência explicam os fenômenos históricos antigos nos termos que satisfazem os gostos e os interesses modernos20. Este capítulo baseia-se na premissa de que o desenvolvimento, paralelamente a esses trabalhos, de uma perspectiva crítica acerca dos modos como os conceitos clássicos vêm sendo usados, para sustentar a criação do poder político e das relações imperiais entre povos dominantes e sujeitados, ajudará a tornar nossos estudos, hoje, relevantes, esclarecedores e apropriados. A partir de tal abordagem, deveríamos procurar problematizar a tradição de estudo em que os relatos do passado clássico não fazem nada mais que espelhar nossas aspirações (ou nossos pesadelos sobre) nossas situações contemporâneas21. Uma investigação da híbrida identidade romana formará o núcleo de minha investigação dessas questões.

Discursos de dominação – a (re-)criação da civilização imperial As influentes abordagens de nossos dias aos temas da diversidade e da heterogeneidade desenvolveram-se como uma reação a uma escola de pensamento anterior, que modelava a cultura greco-romana como culturalmente dominante, de fato delimitada e incorporativa em alto grau. Esses escritos anteriores, desenvolvidos no contexto de interpretação da Roma clássica a partir da teoria da romanização, sugeriam que a civilização romana sobrepujou e submeteu populações nativas ao longo do império ocidental. Eles se valiam de conceitos simples e direcionais de “civilização”

Inventing Ancient Culture: Historicism, Periodization, and the Ancient World (Londres: Routledge, 1997); Janett Huskinson (org.), Experiencing Rome: Culture, Identity and Power in the Roman Empire (Londres: Routledge, 2000). 19. Dench (2005 op.cit. n.3), 233. 20. Ver Dench (2005 op.cit. n.3), 231, que faz referência a trabalhos sobre classe, raça, “desenvolvimentos” militar e tecnológico, a que podemos acrescentar os vários trabalhos a respeito do “tornar-se romano”, que são discutido abaixo. 21. Dench (2005 op.cit. n.3), 11. Alguns estudos empregaram a idéia de “multiculturalismo” para explorar esses tópicos. Não empregarei esse termo neste estudo, nem meu estudo deveria ser julgado, de forma simplista, como um ataque ao multiculturalismo (ver p x).

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e “progresso” ocidentais que poucos estudiosos, hoje, proporiam22. Explorarei esse tópico complexo de uma maneira bastante genérica, estudando os modos pelos quais uma disciplina fundamentalmente modernista reagiu a críticas pósmodernas23. Tal tratamento, necessariamente, simplifica uma história bem complexa relativa ao desenvolvimento de idéias de uma multiplicidade de autores. A identidade e cultura romanas foram usadas no império ocidental ao longo de todo o período de governança romana. Desde a queda do império romano no ocidente, durante o século V d.C., a Roma clássica continuou a ser usada para ilustrar o presente de formas variadas e contrastantes24, mas focarei uma questão particular. Os escritos produzidos por homens de uma elite educada dentro do império romano definiram aquilo que se tem chamado de “discurso de dominação”25, o que forneceu um poderoso legado àqueles que procuraram herdá-lo através das épocas26. Uma idéia teleológica poderosa, que se originou com os escritores clássicos, sugere que Roma exerceu um papel fundamental no desenvolvimento da “civilização” ocidental,

22. Apesar disso, valeria a pena ressaltar que o uso do conceito de “romanização” continua muito comum. 23. Hingley (2005 op.cit. n.2) apresenta uma discussão mais detalhada. 24. Alguns exemplos de um grupo extenso de estudos relevantes: Monique Dondin-Payre, “L’exercitus Africae inspiratrice de l’armée française d’Afrique: Ense et aratro,” Antiquités Africaines 27 (1991): 141-9; Jean-Louis Ferrary, “L’Empire Romain, l’oikoumène et l’Europe,” in L’idée de l’Europe au fil de deux millénaires, ed. M. Perrin (Le Centre d’Histoire des Idées Université de Picardie Jules-Verne, Paris: Beauchesne, 1994), 39-54; Richard Hingley, Roman Officers and English Gentlemen (Londres: Routledge, 2000); David J. Mattingly, “From One Colonialism to Another: Imperialism and the Maghreb,” in Roman Imperialism: Post-colonial Perspectives, eds Jane Webster and Nicholas J. Cooper (Leicester Archaeological Monographs No. 3, Leicester: School of Archaeological Studies, University of Leicester, 1996), 49-70; Salvatore Settis, The Future of the Classical (Londres: Polity Press, 2006); Fernando Wulff Alonso, Romanos e Itálicos en la Baja República. Estudios sobre sus relaciones entre la II Guerra Púnica y la Guerra Social (201-91 a.C.) (Brussels: Latomus, 1991); Fernando Wulff Alonso, Las esencias patrias: historiografía e historia antigua en la construcción de la identidad española (siglos XVI-XX) (Barcelona: Crítica, 2003) and papers in Catherine Edwards (ed.), Roman Presences: Receptions of Rome in European Culture, 1789-1945 (Cambridge: Cambridge University Press, 1999); Richard Hingley (org.), Images of Rome: Perceptions of Ancient Rome in Europe and the Unites States of America in the Modern Age (Journal of Roman Archaeology, Supplementary Series No. 44, 2001); Maria Wyke and Michael Biddiss (eds), The Uses and Abuses of Antiquity (Bern: Peter Lang, 1999). 25. David. S. Potter, Literary Texts and the Roman Historian (Londres: Routledge, 1999), 152. 26. Thomas N. Habinek, The Politics of Latin Literature: Writing, Identity and Empire in Ancient Rome (Princeton: Princeton University Press, 1998).

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apropriando-se de um legado da Grécia antiga e transformando-o por meio da criação de um vasto império com pretensões globais27. Um aspecto poderoso dessa perspectiva diz respeito ao conceito romano de humanitas, às vezes, traduzido como “civilização”. Greg Woolf explorou como essa idéia dava uma justificativa moral, a partir da criação de uma identidade romana ideal, para o processo de imperialismo e de dominação de outras comunidades28. A definição de “barbárie” à sociedade colonizada pelos seus senhores romanos foi usada para dar uma justificativa direta para a dominação política, militar e territorial desses povos, por meio do argumento de que o controle imperial permitia a transmissão de uma civilização superior a povos culturalmente inferiores. A idéia de que essa civilização, em si mesma, tinha sido transmitida aos romanos pelos gregos do período clássico, ajudou a dar uma forte justificativa ideológica para a conquista e o controle de sociedades às margens da ordem imperial. O fato de que os romanos tinham herdado essas idéias como resultado da influência dos povos da Grécia clássica sobre suas sociedades, foi, por sua vez, utilizado para dar justificativas à dominação romana daquelas que eram rotuladas de sociedades “bárbaras”29. Essa idéia poderosa foi recebida e transformada pelas potências ocidentais durante o século XIX, para justificar relações imperiais. Durante o início do século XIX, interpretou-se que Roma disseminara uma “civilização” única através de uma parte considerável do mundo, incluindo áreas que, hoje, se encontram dentro da Europa, do norte da África e do Oriente Médio. Essa idéia forneceu um legado conceitual a ser emulado pelas nações modernas que revisitaram e reinterpretaram as ambições imperiais de Roma30, Hingley (2001 op.cit. n.9), (2005 op.cit. n.2); Duncan F. Kennedy, “‘Augustan’ and ‘Anti-Augustan’: Reflections on Terms of Reference,” in Roman Poetry & Propaganda in the Age of Augustus, ed. Anton Powell (Bristol: Bristol Classical Press, 1992), 26-58; Greg Woolf, Becoming Roman: The Origins of Provincial Civilization in Gaul (Cambridge: Cambridge University Press, 1998); Greg Woolf, “Inventing Empire in Ancient Rome,” in Empires: Perspectives from Archaeology and History, eds Susan Alcock, Terrence N. D’Altroy, Kathleen D. Morrison and Carla M. Sinopli (Cambridge: Cambridge University Press, 2001b), 311-22. 28. Woolf (1998 op.cit. n.12), 54-60. 29. Hingley (2005 op.cit. n.2), 62-7. 30. Philip Freeman, “”Romanisation” and Roman Material Culture,” Journal of Roman Archaeology 6 (1993): 438-45; Philip Freeman “British Imperialism and the Roman Empire,” in Roman Imperialism: Post-colonial Perspectives, eds Jane Webster and Nicholas J. Cooper (Leicester Archaeological Monographs No. 3, Leicester: School of Archaeological Studies, University of Leicester, 1996), 19-34; Hingley (2001 op.cit. n.9), (2005 op.cit. n.2); Herfried Münkler, Empires: The Logic of World Domination from Ancient Rome to the United States (Cambridge: Polity, 2007). 27.

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abrindo à Europa e, especialmente, à Europa ocidental, um precedente no que diz respeito à ambição imperial31. Narrativas anteriores da cultura romana projetavam tais concepções ao focarem a suposta unidade da civilização imperial romana a partir do uso da teoria (ou teorias) de “romanização”, idéias que enfatizavam um processo de “progresso” desde uma cultura “bárbara” até uma “romana” na expansão do império32. Ao operarem assim, os estudos clássicos adotaram e ajudaram a criar as polaridades e as hierarquias que deram forma às poderosas ferramentas da armaria conceitual das nações imperiais modernas. Nesses termos, o saber clássico reinventou-se no mundo moderno para dar forma a um elemento vital de um crescente discurso de modernidade pelo qual as relações imperiais foram criadas e transformadas. Tem-se definido modernidade como um esquema conceitual que foi (e continua sendo) fundamental para os empreendimentos imperiais das potências ocidentais – um conjunto de noções a partir do qual se imaginou e se manipulou o mundo. O saber foi construído por meio do pensamento modernista que mapeou o mundo a partir da posição segura do centro, um lugar autodefinido como superior e o mais avançado em termos materiais e simbólicos33. A periferia, as colônias ou as possessões coloniais, eram definidas como subservientes a esse centro, ocupando posições na hierarquia de acordo com o grau de “civilização” que era definido pelos que criaram o sistema. Embora esse discurso de modernidade, que se desenvolve em circunstâncias particulares após o Iluminismo, marcasse uma descontinuidade dramática em relação ao passado, muitos dos conceitos a partir dos quais se delineou a modernidade eram, no final das contas, tirados de textos greco-

Ferrary (1994 op.cit. n.9); Hingley (2001 op.cit. n.9). Ver os importantes trabalhos de Wulff Alonso (1991 op.cit. n.9); Nicola Terrenato “Tam Firmum Municipium. The Romanization of Volaterrae and its Cultural Implications,” Journal of Roman Studies 88 (1998b): 94-114; Nicola Terranato, “Introduction,” in Italy and the West: Comparative Issues in Romanization, eds Simon Keay and Nicola Terrenato (Oxford: Oxbow, 2001), 1-6 acerca da contribuição de Mommsen, e Freeman (1993 op.cit. n.15), 1996) e Hingley (2005 op.cit. n.2), 31-7 acerca de Haverfield. 33. Mike Featherstone, Undoing Culture: Globalization, Postmodernism and Identity (Londres: Sage, 1995), 10; John Tomlinson, Globalisation and Culture (Oxford: Polity, 1999), 32-47. Para uma abordagem constrastante das modernidades contemporâneas, ver Bruce M. Knauft (ed.), Critically Modern: Alternatives, Alterities, Anthropologies (Bloomington: Indiana University Press, 2002). 31. 32.

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romanos34. Adotavam-se e adaptavam-se idéias germânicas por meio da releitura de um herdado e poderoso discurso de dominação. As imagens clássicas formavam uma fonte rica de inspiração para as classes dominantes das nações européias durante as aventuras imperiais do fim do século XIX e início do XX, porque elas falavam, no interior desses contextos, de forma autoritária e poderosa 35. Parte do poder dessas imagens, no entanto, derivavam da herança (ou re-formulação) de conceitos clássicos, que eram sentidos como capazes de fornecer uma autoridade adicional às idéias que se desenvolviam36. Como tal, a teoria da romanização tomou grande parte de seu poder explanatório a partir de conceitos que estão articulados em textos clássicos37. Romanização está ligada a ideologias imperiais e nacionais mais recentes, embora se relacione às narrativas de império e de civilização formuladas nos períodos romanos do fim da República e do início do Império38. Em seu núcleo, estão idéias imperiais que projetavam o império como algo sancionado divinamente, com uma missão de civilizar bárbaros39. Algumas dessas idéias inerentes desde o passado – por exemplo, “civilização”, “barbarismo” e a idéia de “guerra justa” – continuaram populares, e continuam a serem redefinidas, hoje, a fim de justificar as ações internacionais das nações ocidentais40. 34. Anthony Giddens, The Constitution of Society: Outline of a Theory of Structuration (Cambridge: Polity, 1984), 239; Tomlinson (1999 op.cit. n.18), 36. 35. Paolo Desideri, “La Romanizzazione dell’Impero,” Storia di Roma 2, 2 (1991): 577-626; Hingley (2000 op.cit. n.9) 36. Para a posição relativamente imutável do texto clássico em épocas anteriores, ver Joseph Farrell, Latin Language and Latin Culture: From Ancient to Modern Times (Cambridge, Cambridge University Press, 2001); Kennedy (1992 op.cit. n.12), 37 and Wyke and Biddiss (1999 op.cit. n.9). 37. Greg Woolf, “Beyond Roman and Natives,” World Archaeology 28 (1997): 339; Woolf (1998 op.cit. n.12), 54-67; Hingley (2005 op.cit. n.2), 15. 38. Woolf (1997 op.cit. n.22), 339. 39. Ibid. 40. Derek Gregory, The Colonial Present (Oxford, Blackwell, 2004), 47-8; Hingley (2005 op.cit. n.2), 15; Münkler (2007 op.cit. n.15). Diferenças de opiniões existem acerca de se vivemos agora num mundo pós-imperial ou pós-colonial, diferenças que projetam idéias comparáveis sobre a continuidade da modernidade. Muitos, tais como Michael Hardt e Antonio Negri, Empire (Londres: Harvard University Press, 2000), argumentam que o sistema mundial atual não é mais do tipo imperial, ao passo que outros afirmam que o imperialismo mantém-se presente e vem sendo revivido de novas e poderosas maneiras nos últimos anos. Ver, por exemplo, Timothy Brennan, “The Italian Ideology,” in Debating Empire, ed. Gopal Balakrishnan (Londres: Verso, 2003), 93; Chalmers A. Johnson, The Sorrows of Empire: Militarism, Secrecy, and the End of the Republic (Londres: Verso,

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A herança clássica constitui um elemento vital nos modos como se tem imaginado e manipulado o mundo. O importante papel exercido nesse debate pelo “saber” (textos, língua e vestígios arqueológicos) clássico requer que nos dirijamos para o papel ideológico desempenhado pela arqueologia clássica e pela história antiga ao longo de toda a era moderna41. Como as percepções atuais da ordem imperial e da cultura romana relacionam-se hoje com o império?

Modelando a heterogeneidade hoje Numa reação contra a continuidade inerente a tal abordagem modernista, com sua ênfase sobre a unidade e a ideologia incorporativa da civilização imperial romana, o foco dos estudos, durante a década de 1960, começou aos poucos a mudar para a variabilidade das respostas locais a Roma. Inicialmente, ao mudar as perspectivas que se usavam para informar as novas abordagens de escavação e prospecção regionais através da Europa ocidental e do Mediterrâneo42. Uma variedade de novos tipos de sítios e de paisagens veio a ser reconhecida como capazes de ajudar a desafiar as percepções anteriores e a desenvolver novas abordagens de se interpretar a sociedade43. Algumas

2004); James F. Petras and Henry Veltmeyer, Globalization Unmasked: Imperialism in the 21st Century (Londres: Zed, 2001) and Edward W. Said, Orientalism (Londres: Penguin, New Edition 2003 [1st ed. 1978]), xiii-xvi. Para o uso do conceito de “guerra justa” no mundo romano, ver os artigos em John Rich and Graham Shipley (eds), War and Society in the Roman World (Londres: Routledge, 1993) e Jane Webster, “The Just War: Graeco-Roman Text as Colonial Discourse,” in TRAC 1994: Proceedings of the Fourth Theoretical Roman Archaeology Conference Durham 1994, eds Sally Cottam, D. Dungworth, Sarah Scott and Jeremy Taylor (Oxford: Oxbow, 1995), 1-10; sobre essa mesma idéia no mundo contemporâneo, ver Hardt and Negri (2000), 12, 36-7 and Petras and Veltmeyer (2001). 41. Barbara Goff, “Introduction,” in Classics and Colonialism, ed. Barbara Goff (Londres: Duckworth, 2005), 1-24; Hingley (2000 op.cit. n.9), (2001 op.cit. n.9), (2005 op.cit. n.2); Sara Owen, “Analogy, Archaeology and Archaic Greek Colonization,” in Ancient Colonizations: Analogy, Similarity and Difference, eds Henry Hurst and Sara Owen (Londres: Duckworth, 2005), 5-22; Settis (2006 op.cit. n.9), 106-7; Phiroze Vasunia, “Hellenism and Empire: Reading Edward Said,” Parallax 9 (2003): 88-97. 42. Peter van Dommelen, “Roman Peasants and Rural Organization in Central Italy: an Archaeological Perspective,” in Theoretical Roman Archaeology: First Conference Proceedings, ed. Eleanor Scott (Aldershot: Avebury, 1993), 167-86; Stephen L. Dyson, The Roman Countryside (Londres: Duckworth, 2003), 53. 43. Dench (2005 op.cit. n.3), 232; Hingley (2005 op.cit. n.2), 36.

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das primeiras narrativas “pós-imperiais” eram “nativistas”, identificando as populações locais como conjuntos integrados, e delimitando-os a partir de sua oposição ao dominante poder romano44. Essas narrativas perpetuavam as distinções simples entre romanos e nativos apresentadas nos escritos anteriores, mas dava prioridade mais aos últimos que aos primeiros45. Eles reagiam às agendas imperiais dos estudos anteriores, mas não questionavam, de fato, os fundamentos conceituais sobre os quais essas narrativas precedentes tinham se baseado, pelo simples fato de que redirecionavam a atenção às resistências de nativos ao controle romano em lugar de mirarem a romanização direcional e simples46. Abordagens que tratam da interpretação da romanização continuaram a mudar gradualmente, cada vez mais focando, desde a década de 1980, os métodos pelos quais grupos no interior da Itália e das províncias vieram a adotar uma forma variável de cultura romana47. Uma série de interpretações desenvolveu-se, durante os anos 1990, para dar conta do papel ativo das elites locais na adoção e na adaptação da cultura imperial oferecida a eles pelo sistema imperial em expansão, elementos que eram usados por causa de seus papéis distintos nos novos modos de vida48. Não há porquê imaginarmos que tais narrativas estão de alguma maneira desprovidas de juízo de valor, quando comparadas às abordagens anteriores acerca da romanização49. Em 44. Exemplos de tais estudos incluem os trabalhos de Marcel Bénabou, La résistance africaine à la romanisation (Paris: François Maspero, 1976) e de Richard Reece, “Town and Country: The End of Roman Britain,” World Archaeology 12 (1980): 77-91. 45. Leonard A. Curchin, The Romanization of Central Spain: Complexity, Diversity and Change in a Provincial Hinterland (Londres: Routledge, 2004), 9-10; Dench (2005 op.cit. n.3), 84-5; van Dommelen, 1993 op. Cit. n.27); Hingley (2005 op.cit. n.2), 40-1. 46. van Dommelen (1997 op.cit. n.27). 47. Sobre o interesse, que cresce na mesma proporção, no que tange ao uso da literatura clássica para os estudos de gênero, sexualidade, “raça” e “desabilidade”, ver Dench (2005 op.cit. n.3), 225-6. 48. Martin Millett, The Romanization of Britain: an Essay in Archaeological Interpretation (Cambridge: Cambridge University Press, 1990); Nicola Terrenato, “The Romanization of Italy: Global Acculturation or Cultural bricolage?” in TRAC 97: Proceedings of the Seventh Annual Theoretical Roman Archaeology Conference, Nottingham 1997, eds Colin Forcey, John Hawthorn and Robert Witcher (Oxford: Oxbow, 1998a), 20-7; Woolf (1998 op.cit. n.12); papers in Simon Keay and Nicola Terranato (orgs.), Italy and the West: Comparative Issues in Romanization (Oxford: Oxbow, 2001). 49. Dench (2005 op.cit. n.3), 11; William S. Hanson, “Dealing with Barbarians: The Romanization of Britain,” in Building on the Past: Papers Celebrating 150 Years of the Royal Archaeological Institute, ed. Blaise Vyner (Londres: Royal Archaeological Institute, 1994), 149-63.

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vez disso, o que elas valorizam difere das narrativas anteriores, ao darem uma importância diferente para a tradição e para a localidade, em contraste ao foco imperial de muitos trabalhos anteriores50. Reconstrói-se o império romano como concentrado em numerosas elites, no interior do núcleo imperial do Mediterrâneo, que negociava suas próprias identidades para criar um sistema imperial que trabalhava para o benefício de todos, ou, ao menos, para uma parcela significante (a mais significante?). A cultura “romana” não é mais vista como uma entidade monolítica e claramente delimitada, mas como derivada de uma variedade de fontes ao longo do Mediterrâneo. Durante os séculos finais do primeiro milênio a.C., grupos dominantes através da Itália desenvolveram uma progressiva unidade por meio de um processo que Nicola Terrenato chamou de “negociação da elite” 51. Uma nova cultura emergiu como resultado dos benefícios dados a esses grupos, a partir dos contatos mais próximos com o crescente poder de Roma52. Nicola Terrenato argumentou que, como parte desse processo, comunidades dentro do império em expansão tornaram-se aliadas de Roma e foram incorporadas, precisamente porque se lhes oferecia, elas barganhavam ou lutavam por, o privilégio de reterem o núcleo de sua organização tradicional dentro de um esqueleto imperial que se propunha a garantir ordem e estabilidade53. A narrativa de Greg Woolf do “tornar-se romano” na Gália explorou esse modo de lidar que destaca as elites no interior dessas províncias54. Vêm-se os conceitos de romano e de nativo caírem completamente por terra num império global que recria a si mesmo por meio dos compromissos locais55. As formas mais avançadas de tais teorias integram forças imperais e interesses locais, ao explicarem os modos por que as tentativas dos povos de fora de Roma e da Itália de “se tornarem romanos” realimentavam a questão relacionada

Para o contexto contemporâneo, ver Knauft (2002 op.cit. n.18), 25. Terrenato (1998a op.cit. n.33), (2001 op.cit. n.17) 52. Terrenato (2001 op.cit. n.17), 3; ver também: Andrew Wallace-Hadrill “The Roman Revolution and Material Culture,” in La Révolution Romaine après Ronald Syme: Bilans et perspectives (Entretiens sur l’antiquité classique, Genève: Vandœuvres, 2000), 311 and Dench (2005 op.cit. n.3). 53. Terrenato (2001 op.cit. n.17), 5. 54. Woolf (1997 op.cit. n.22), (1998 op.cit. n.12); Greg Woolf, “The Roman Cultural Revolution in Gaul,” in Italy and the West: Comparative Issues in Romanization, eds Simon Keay and Nicola Terrenato (Oxford: Oxbow, 2001a), 173-86. 55. Woolf (1997 op.cit. n.22). 50. 51.

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a conceito cada vez mais desenvolvido do que era ser romano ao longo de grande parte do império56. Essa abordagem pode estar sujeita a crítica por sua ênfase à construção de consensos57. Também se pode criticá-la por seu foco na elite, ressaltando um viés inerente a abordagens prévias da romanização58. Carol van DrielMurray argumentou que a aplicação dessas abordagens recentes aos batavos do Vale do Baixo Reno constrói elites “indefinidas, indiferenciadas e aparentemente só masculinas” 59, uma crítica que também se pode aplicar, no geral, aos importantes estudos produzidos por Terrenato, Woolf e, ultimamente, por Dench60. Em resposta a tais críticas de elitismo, os estudos do início do

56. Por exemplo, Terrenato (1998a op.cit. n.33), (2001 op.cit. n.17); Woolf (1997 op.cit. n.22), (1998 op.cit. n.12). Woolf (2001a op.cit. n.39), 183, em sua discussão da “revolução cultural romana na Gália”, dá exemplos de banhos, terra sigillata, arquitetura e viticultura. 57. C. Berrendoner, “La romanisation de Volterra: ‘a case of mostly negotiated incorporation, that leaves the basic social and cultural structure intact’ (N. Terrenato, in Italy and the West, Oxford 2001),” Digressus: The Internet Journal for the Classical World 3 (2003): 46-59; Simon James, “Romanization and the Peoples of Britain,” in Italy and the West: Comparative Issues in Romanization, eds Simon Keay and Nicola Terrenato (Oxford: Oxbow, 2001), 198; Henrik Mouritsen, Italian Unification: a Study in Ancient & Modern Historiography (Londres: Institute of Classical Studies, 1998), 42. 58. Susan Alcock, “Vulgar Romanization and the Dominance of the Elites,” in Italy and the West: Comparative Issues in Romanization, eds Simon Keay and Nicola Terrenato (Oxford: Oxbow, 2001), 227-30. 59. Carol van Driel-Murray “Ethnic Soldiers: The Experience of the Lower Rhine Tribes,” in Kontinuität und Diskontinuität: Germania inferior am Beginn und am Ende der römischen Herrschaft. Beiträge des deutsch-niederländischen Kolloquiums in der Katholieke Universiteit Nijmegen (27. bis 30.06.2001), eds Thomas Grünewald and Sandra Seibel (Berlin: Walter de Gruyter, 2002), 200. Lisa Rofel, “Modernity’s Masculine Fantasies,” in Critically Modern: Alternatives, Alterities, Anthropologies, ed. Bruce M. Knauft (Bloomington: Indiana University Press, 2002), 175-93, rotula o livro Império de Hardt e Negri de um exemplo de “fantasias masculinas da modernidade”; muitas narrativas do império Romano mostram-se abertas a críticas similares. Críticas de gênero são relativamente raras na arqueologia romana. Para exemplos, ver Eleanor Scott, “Tales from a Romanist: a Personal View of Archaeology and ‘Equal Opportunities’,” in TRAC 97: Proceedings of the Seventh Annual Theoretical Roman Archaeology Conference, Nottingham 1997, eds Colin Forcey, John Hawthorn and Robert Witcher (Oxford: Oxbow, 1998), 138-47, and van Driel-Murray 2002). 60. Richard Hingley, “The ‘Legacy’ of Rome: the Rise, Decline and Fall of the Theory of Romanization,” in Roman Imperialism: Post-colonial Perspectives, eds Jane Webster and Nicholas J. Cooper (Leicester Archaeological Monographs No. 3, Leicester: School of Archaeological Studies, University of Leicester, 1996), 35-48; James (2001 op.cit. n.42) e, ultimamente, por Dench. Ver a autocrítica de Dench (2005, op.cit. n.3), 367.

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século XXI começaram a fragmentar a identidade romana61, ao se voltarem para interpretações mais complexas que, com freqüência, valem-se de vestígios materiais. Alcançou-se isso, por exemplo, pela criação das idéias de “subculturas” e de culturas regionais, que, agora, alguns defendem terem formado partes constituintes de um império heterogêneos, mas relativamente unificado62. Essas novas abordagens procuram estabelecer a intensidade com que a cultura romana (genericamente definida) atraia os grupos de status e riquezas diferentes ao longo do império. Como uma reação às idéias precedentes da centralidade do poder, a pesquisa acadêmica transformou-se mais uma vez, ao dar forma a novas abordagens que explorassem “a complexidade entrelaçada das identidades culturais”, incluindo as que se baseiam na riqueza, na ocupação, na região e no gênero, construindo a idéia da cidadania romana, e também da identidade romana, segundo a definição de Dench de “comunidade virtual” 63. Podem-se ver grupos tais como os de soldados, suas esposas e famílias, comerciantes, trabalhadores e agricultores redefinirem-se nos novos contextos criados pela expansão do império64. Por exemplo, recrutavam-se soldados das populações nativas para integrarem as unidades auxiliares do exército romano, lugar em que lhes ensinavam uma versão da cultura romana65. Se eles sobrevivessem até a aposentadoria, tornavam-se cidadãos romanos após 25 anos de serviço. Era comum esses soldados servirem longe de casa, e, junto com os comerciantes que viviam fora de suas comunidades nativas, eles podem ter ajudado a propagar um cultura romana internacional que lhes dava uma identidade dentro de um meio cultural estranho e desafiador66.

Hingley (2005 op.cit. n.2), 91-116. James (2001 op.cit. n.42); Hingley (2005 op.cit. n.2), 91-109; Ray Laurence, “Roman Narratives: the Writing of Archaeological Discourse - a View from Britain?” Archaeological Dialogues 8 (2001a): 90-101; Ray Laurence, “The Creation of Geography: An Interpretation of Roman Britain,” in Travel and Geography in the Roman Empire, eds Colin Adams and Ray Laurence (Londres: Routledge, 2001b), 6794; van Driel Murray (2002 op.cit. n.44). 63. Dench (2005 op.cit. n.3), 134. 64. Soldados: James (2001 op.cit. n.42), suas esposas e famílias: van Driel Murray (2002 op.cit. n.44), comerciantes: Laurence (2001b op.cit. n.47), trabalhadores: Sandra R. Joshel, Work, Identity and Legal Status at Rome: A Study of the Occupational Inscriptions (Londres: University of Oklahoma Press, 1992) e agricultores: Evan W. Haley, Baetica Felix: People and Prosperity in Southern Spain from Caesar to Septimius Severus (Austin: University of Texas Press, 2003), 4. 65. James (2001 op.cit. n.42). 66. ibid, 203; Laurence (2001a op.cit. n.47). 61. 62.

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Acabei de apresentar levantamento muito breve de uma série de estudos, com intuito de explorar as transformações ocorridas no contexto acadêmico de conhecimento. Pode-se caracterizar a natureza da mudança desse debate nos termos da influência crescente de idéias mais amplas sobre sociedade67. Atitudes cambiantes em relação ao mundo atual, associadas à coleção de novas classes de dados arqueológicos ajudaram a desafiar as idéias herdadas, possibilitando aos classicistas e aos arqueólogos clássicos imaginar o passado romano de maneiras novas e mais complexas. Isso permite perceber-se o império romano como uma sociedade mais heterogênea, em que grupos e indivíduos atuavam diferentemente para “se tornarem romanos”, ao passo que mantinham o núcleo de suas identidades herdadas, e também contribuíam para uma iniciativa cultural imperial centralizadora. Essas novas áreas de entendimento relacionam-se com o modo como as interpretações do passado clássico desenvolveram-se no contexto de nossas idéias sobre o mundo contemporâneo. Pretendeu-se que essas novas perspectivas levassem em conta uma variedade maior de experiências culturais através do império68. Ao operarem assim, os estudos clássicos refletem as mudanças de perspectivas ocorridas nas humanidades (sociologia, ciência política, estudos culturais, estudos do desenvolvimento, e antropologia), em que a apreciação da “localidade” tornou-se cada vez mais importante desde os anos 196069. O foco prévio que via as culturas como entidades absolutamente delimitadas e coerentes e a investigação do “desenvolvimento” e da “modernização” como simplesmente a forma de “progresso” desde o tradicional até o moderno, aos poucos mudou para uma situação em que o contexto indígena de mudança é levado bem mais em consideração. Essas maneiras de lidar com assunto visam a ampliar (des-centrar) a compreensão e a desafiar as interpretações anteriores da centralidade da civilização imperial e sua lógica progressista, ao explorar 67. Hingley (2005 op.cit. n.2), 30-48 aplica os conceitos de modernismo e de pós-modernismo a esse debate, mas também reconhece alguns dos problemas de empregar tal perspectiva. 68. Por exemplo, Huskinson (2000 op.cit. n.3); Ray Laurence, “Introduction,” in Cultural Identity in the Roman World, ed. Ray Laurence and Joanne Berry (Londres: Routledge, 1998), 1-9. 69. Ver Georg G. Iggers, Historiography in the Twentieth Century: from Scientific Objectivity to the Postmodern Challenge (Londres: Wesleyan University Press, 1997); Katy Gardner and David Lewis, Anthropology, Development and the Post-modern Challenge (Londres: Pluto Press, 1996); Gilbert Rist, The History of Development: from Western Origins to Global Faith (Londres: Zed, 1997); Teodor Shanin, “The Idea of Progress,” in The PostDevelopment Reader, eds Majid Rahnema and Victoria Bawtree (Londres: Zed, 1997), 66.

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a complexidade das identidades, a partir de ênfase à localidade. De fato, em alguns trabalhos recentes, entende-se que a variabilidade local representa uma ferramenta na criação e na manutenção da ordem mundial global, integrando os povos em estruturas de poder complexas, dicotômicas e transformadoras70. Argumenta-se que a heterogeneidade e o hibridismo culturais no mundo moderno possibilitam a integração dos sistemas político e econômico pela transformação de relações de poder pré-existentes. Os escritos de Hardt e Negri sugerem que muito longe de ser oposta, a diversidade articula a lógica inclusiva de uma ordem espontânea que não mais formula a si mesma em torno da criação de categorias e de hierarquias71. Como Balakrishnan sugeriu na recensão do livro de Hardt e Negri, mesmo a distinção entre “ações sistemáticas e anti-sistemáticas nubla-se de forma irreconhecível” 72. Um estado de “Império” global é criado pelo vir à tona de “padrões de desigualdade” (e de oposição) “menos dicotômicos” e “mais intrincados” que aqueles que formaram as ferramentas fundamentais do imperialismo durante boa parte do século XX73. Valendo-me desses escritos 74, tenho argumentado que algumas descrições recentes do império romano desenvolvem uma Gestalt de fluxos e de hierarquias com dimensões imperiais – um padrão de desigualdade mais

Akhil Gupta and James Ferguson, “Beyond “Culture”: Space, Identity, and Politics of Difference,” in The Anthropology of Globalization: a Reader, eds Jonathan X. Inda and Renato Rosaldo (Oxford: Blackwell, 2002), 75; Hardt and Negri (2000 op.cit. n.25), 445; Knauft (2002 op.cit. n.18), 25 and Balakrishnan (2003 op.cit. n.1), xiv. Essa interpretação do “Império” contemporâneo não deixa de receber críticas. Ver Gopal Balakrishnan, “Gopal Balakrishnan on Michael Hardt and Antonio Negri, Empire. Globalization as a New Roman Order, Awaiting its Early Christians” New Left Review 5 http://www.newleftreview.net/NLR23909.shtml; (September-October, 2000), Balakrishnan (2003 op.cit. n.1); Brennan (2003 op.cit. n.25); Atilio A. Boron, Empire & Imperialism: A Critical Reading of Michael Hardt and Antonio Negri. Londres: Zed, 2005); Rofel (2002 op.cit. n.44). 71. Balakrishnan (2000 op.cit. n.56), 3, (2003 op.cit. n.1) xiv; Hardt and Negri (2000 op.cit. n.25), 44-5. 72. Balakrishnan (2000 op.cit. n.56), 2. 73. Balakrishnan (2003 op.cit. n.1), x. É importante registrar que Balakrishnan (2000 op.cit. n.56), (2003 op.cit. n.1) tem problemas similares com a sugestão de Hardt e Negri de que o multiculturalismo está no coração do Império. O uso que Hales faz dos comentários de Bhabha, que a rejeição do pós-modernismo apenas leva a retornar ao modernismo, com sua lógica imperialista inerente, vale-se de um ponto similar. 74. A precisão com que Hardt e Negri usam os textos clássicos não me é de grande interesse neste capítulo, embora muito se poderia escrever sobre esse tópico; tampouco me concernem o valor, ou as dúbias conotações éticas, de sua idéia de “Império”. Ver Brennan (2003 op.cit. n.25) e Boron (2005 op.cit. n.56) acerca desses tópicos. 70.

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intrincado e menos dicotômico que o demonstrado pelas interpretações anteriores75. Vêm-se as idéias de romano e nativo, de elite e não-elite e de incorporação e resistência caírem por terra, pelo menos, em certa medida, num império global que recria a si mesmo por meio de compromissos locais76. O império romano torna-se uma série por demais variável de grupos locais, mantidos juntos, de forma rude, pelas forças direcionais de integração que formavam um todo organizado que sobreviveu por vários séculos77. A heterogeneidade torna-se uma força que ata a estabilidade imperial – uma ferramenta destinada à criação de uma ordem imperial perpétua78. Esse novo olhar sobre a centralidade do poder imperial ajuda a explicar a variável resposta local à mudança nas relações de poder, uma vez que as pessoas eram autorizadas a mudar seus costumes79. Ao mesmo tempo, trazse também à tona uma questão ética, cujo olhar recai sobre a continuidade do poder do passado clássico para as idéias a respeito da identidade ocidental. Nossas descrições da cultura romana continuam, no geral, a ter uma atitude completamente positiva em relação aos efeitos do imperialismo romano que se pode, talvez, considerar que fornece uma fundamentação histórica para os modos de compreender a influência que autoriza a globalização. A elite romana aparece, a partir dessa perspectiva, envolvendo-se numa série de

O que acho relevante é o modo como eles trabalham as idéias de ancestralidade no desenho que fazem do presente. Hardt e Negri mostram-se seguir uma abordagem que se compara a certos classicistas e arqueólogos clássicos que recentemente vêm defendendo a relevância do passado clássico no presente. Ver Cindy Benton and Trevor Fear, “Introduction: From Rome to Buffalo,” Arethusa 36 (2003): 267-70; Hingley (2005 op.cit. n.2); Jerry Toner, Rethinking Roman History (Cambridge: Oleander Press, 2002) e Ika Willis, “The Empire Never Ended”, in Classics in Post-Colonial Worlds, eds Lorna Hardwick and Carol Gillespie (Oxford: Oxford University Press, 2007), 329-48. Tal olhar enfatiza a herança linear do que pode ser intitulado de um “discurso de dominação” dentro da sociedade ocidental. 75. Hingley (2005 op.cit. n.2), 48, 117-8. Ver Dench (2005 op.cit. n.3), 34-5, 218-20 para o contexto. 76. Woolf (1997 op.cit. n.22). 77. Ibid; Dench (2005 op.cit. n.3), 220-1. 78. Um dos leitores deste capítulo notou que, no mundo romano, diferenças culturais também eram usadas para estabelecer oposições, a fim de esmagar e exterminar povos; heterogeneidade e força imperial tiveram uma inter-relação complexa. Esse assunto discute-se mais abaixo. 79. Francisco Beltrán Lloris, “Writing, Language and Society: Iberians, Celts and Romans in Northeastern Spain in the 2nd and 1st Centuries BC,” Bulletin of the Institute of Classical Studies 43 (1999): 131-51; Woolf (1997 op.cit. n.22).

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ações políticas conexas que permitia a membros de várias sociedades nativas definirem suas identidades de maneiras novas e estimulantemente originais, permitindo, também, a incorporação de vários membros da não-elite nesses desenvolvimentos. Mudanças na identidade eram realizadas por meio do uso de contatos bem esparsos e supérfluos, aí incluídos o serviço no exército romano, o envolvimento na indústria, no comércio e na agricultura. Se perseguirmos tal perspectiva, o império romano é visto como tendo existido e sobrevivido, por causa do caráter variado das relações que se estabeleceram entre populações habitantes de uma área vasta. A incorporação de diversos povos à estrutura variável do império foi um componente fundamental, tanto para as idéias sustentadas pelos romanos acerca de sua própria identidade, como também para os métodos que levaram à criação e à perpetuação do império80. É possível entender que isso sugere que, a despeito das tentativas vigorosas de desconstruir as narrativas da identidade grego-romana desde os anos 1960, a avaliação manifestamente positiva da cultura clássica que formou a base de muitas descrições do século XIX e do início do XX tem de ser, contudo, substituída por uma perspectiva mais balanceada81. Muitas das mais influentes descrições de identidade e de mudança social no império dos períodos augustano e pós-augustano enfatizam a negociação e a interação social. Tais descrições e mudança desenvolvem novas narrativas predominantes, mas que não fornecem um ponto-de-vista equilibrado, uma vez que elas continuam a desprestigiar as diferenças, a diversidade local e as alteridades. Ser membro do exército, assim como se envolver na ampliada produção agrícola-industrial, pode ter incorporado uma parte substancial da população (talvez 25%), mas essas pessoas devem ter continuado sendo a minoria. Em contrapartida, camponeses e escravos, que compunham a maioria da população, foram obrigados, talvez, a se excluir, em grande medida, dos discursos culturais “romanos” 82, que eram dominantes e machistas. De fato, mesmo a minoria substancial que era, em parte, incorporada deve ter continuado a ser marginalizada pela natureza dos processos de assimilação a que estavam sujeitos. A cultura romana, na época de Augusto, agia como uma poderosa cultura de incorporação imperial, mas

Dench (2005 op.cit. n.3); Hingley (2005 op.cit. n.2). Hingley (2005 op.cit. n.2), 119, valendo de Brennan (2003 op.cit. n.25), 98. 82. Hingley (2005 op.cit. n.2), 115-6, comenta informações relevantes concernentes à relativa falta de integração ao império de vários grupos no sul da Bretanha. 80. 81.

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como Emma Dench recentemente argumentou83, representava também, a um só e mesmo tempo, uma “cultura de exclusão social por demais carregada ideologicamente e cada vez mais internacional”. Certos aspectos da cultura extremamente visíveis – tais como a dicção correta na pronúncia do latim, o vestir a toga, ou a etiqueta correta num banquete – quiçá ajudaram a criar uma coerência “internacional” nas híbridas culturas “romanas” locais que levou a excluir os que careciam de experiências e conhecimentos avançados. Essas questões de incorporação e de marginalização encontram eco em escritos recentes a respeito do presente colonial84, que nos exige refletir mais sobre as teorias que desenvolvemos. Precisamos de um foco maior em direção à administração de processos de marginalização no interior do império romano, ao mesmo tempo em que necessitamos de uma atenção nova a assuntos que muitas pessoas, hoje, acham menos palatáveis, aí incluídos os temas corriqueiros da imposição de ordem, do genocídio, da deportação, da escravização e do recrutamento militar forçado85. Emmanuele Curti, por exemplo, chamando a atenção para a imposição violenta de ordem, de normas sociais e de novas práticas culturais que não raro acompanham as situações coloniais modernas, argumenta que abordagens teóricas recentes da arqueologia romana efetivamente sanitizam o passado, por causa do politicamente correto86. Simon James explora como modelos influentes de negociação vindos da elite romana atenuam o significado da violência, desde a simbólica e implícita à ameaçadora e letal87. Carol van Driel-Murray refere-se à criação e ao recrutamento, entre os batavos do Vale do Baixo Reno, de “tropas étnicas” e ao modo como os usos que se faziam dessas pessoas mantinham-nas excluídas dos centros do poder

Dench (2005 op.cit. n.3), 35. Derek Gregory, numa reflexão sobre os escritos de Hardt e Negri no livro Império (2000 op.cit. n.25), afirmou o seguinte: “Se o capitalismo global é agressivamente desterritorializante, movendo-se sempre em direção ao exterior num processo de expansão incessante e de destruição furiosa de barreiras ao acúmulo de capital, então a modernidade colonial é intrinsecamente territorializante, instalando sempre cisões entre “nós” e “eles”. Gregory (2004 op.cit. n.25), 253-5. 85. Hingley (2005 op.cit. n.2), 120. 86, Emmanuele Curti, “Toynbee’s Legacy: Discussing Aspects of the Romanization of Italy,” in Italy and the West: Comparative Issues in Romanization, eds Simon Keay and Nicola Terrenato (Oxford: Oxbow, 2001), 24. 87. James (2001 op.cit. n.42), 198. 83. 84.

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imperial (ver abaixo) 88. O desenvolvimento detalhado de estudos de caso de tais perspectivas permanece, contudo, uma ocorrência rara. Um estudo equilibrado não deveria investigar a vida de quem foi autorizado excluir outras pessoas, matando, marginalizando e explorandoas89; com efeito, em alguns casos, os dois grupos não devem ter formado categorias exclusivas, porquanto vimos que as pessoas podem ser assimiladas de maneiras que serviam para desenvolver sua alteridade e relativa marginalidade. Só equilibrando o que talvez pudéssemos considerar atributos positivos e negativos do império, e investigando os grupos marginalizados que os arqueólogos, os historiadores antigos e os classicistas, com freqüência, mostram ter dificuldades em identificar e compreender, é que podemos apresentar um contexto crítico à idéia de que Roma permitiu integrações interregionais e regionais, trazendo benefícios a todos, posição essa que (inconscientemente) reforça conceitos positivos, ao fornecer uma genealogia das idéias sobre a natureza emancipadora da globalização contemporânea. Eu deveria enfatizar que essa crítica não torna inválidas as análises das sub-culturas e da heterogeneidade cultural dentro do mundo romano, uma vez que a pesquisa recente sobre literatura clássica e materiais arqueológicos parece sustentar o caráter por demais variável da sociedade, apresentando um quadro de complexidade que era muito simplificado pelas interpretações anteriores. De fato, urgência de se lidar com a articulação complexa de integração e hibridismo faz o relacionamento entre poder imperial e resposta local mudar as relações de poder que são de uma importância contemporânea vital90.

Autorizando e obrigando a cultura escrita local Há várias maneiras de seguir a agenda que estou propondo, umas focam grupos particulares (entre os quais soldados e comerciantes) e outras se referem a variações nas culturas regionais através do império e às forças que as produziam. Alguns desses campos de pesquisa envolvem áreas em que as disciplinas mais ou menos diferentes da História Antiga e da

88. 89. 90.

van Driel Murray (2002 op.cit. n.44), 215. Hingley (2005 op.cit. n.2), 115-6. Dench (2005 op.cit. n.3); Woolf (1997 op.cit. n.22); Hingley (2005 op.cit. n.2).

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Arqueologia deveriam ter interesses em comum91. Farei uma descrição breve da exploração militar de uma sociedade provincial específica que ficava à margem do controle imperial, com o intuito de sustentar a necessidade de equilibrarmos nossas descrições. Isso envolve uma revisão do desenvolvimento da cultura escrita do latim entre os batavos do Vale do Baixo Reno (figura 1)92, um estudo que se vale dos escritos de Ton Derks, Nico Roymans e Carol van Driel-Murray93. O estudo de Derks e Royman apresenta uma descrição poderosa de uma das maneiras variáveis a partir das quais as populações nativas se integravam à cultura imperial romana, que, em si, era bastante variável94. Isso também pode ser formulado como uma crítica à idéia de que o desenvolvimento de uma cultura romana variável ao longo do império foi, sobretudo, um processo autorizado, empregando uma perspectiva mais crítica aos objetivos e aos resultados das ações por meio das quais essas (e outras) populações se incorporaram ao império95.

91. Hingley (2005 op.cit. n.2), 11. Tais estudos podem ser melhor empreendidos de maneiras que utilizem todas as fontes disponíveis de materiais. O impressionante e recente livro de Dench (2005 op.cit. n.3) critica uma variedade de abordagens atuais vindas dos “arqueólogos da Bretanha romana” (ibid, 84 e nota 149). O que alguns dos trabalhos que Dench repudia visa a realizar, segundo minha leitura, o desenvolvimento de uma perspectiva não tão centrada nas elites, por meio de uma exploração dos vestígios materiais de sociedades passadas. Embora eu possa concordar com algumas das preocupações de Dench acerca das tentativas de fazer descrições puramente arqueológicas do passado romano (ver Hingley [2005 op.cit. n.2, 10-11]), a ênfase nas elites, dada por muitos dos trabalhos provenientes de um olhar centrado na literatura antiga, requer que examinemos outras fontes de prova. Por exemplo, uma fonte útil poderia ser fornecida pela informação material relativa às versões locais da cultura escrita do latim. Ver Greg Woolf, “Afterword: how the Latin West was Won,” in Becoming Roman, Writing Latin? Literacy and Epigraphy in the Roman West, ed. Alison Cooley (Journal of Roman Archaeology, Supplementary Series No. 48, 2002). 92. van Driel Murray (2002 op.cit. n.44), 204, discute os problemas de identificação geográfica dos batavos, um assunto que é tratado na discussão feita no fim desta seção. 93. Ton Derks and Nico Roymans, “Seal-Boxes and the Spread of Latin Literacy in the Rhine Delta,” in Becoming Roman, Writing Latin? Literacy and Epigraphy in the Roman West, ed. Alison Cooley (Journal of Roman Archaeology, Supplementary Series No. 48, 2002), 87-134; Nico Roymans, “The Sword or the Plough: Regional Dynamics in the Romanisation of Belgic Gaul and the Rhineland Area,” in From the Sword to the Plough, ed. Nico Roymans (Amsterdam: Amsterdam Archaeological Studies No. 1, 1996), 9-126; Nico Roymans, Ethnic Identity and Imperial Power: The Batavians in the Early Roman Empire (Amsterdã: Amsterdam University Press, 2004); van Driel Murray (2002 op.cit. n.44). 94. Para o contexto, ver Hingley (2005 op.cit. n.2), 91-116. 95. van Driel Murray (2002 op.cit. n.44).

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Ton Derks e Nico Roymans argumetaram que o latim se propagou mediante as ações do exército romano em parte do Vale do Baixo Reno. Essa região parece ter sido a terra natal de uma série de diferentes agrupamentos tribais, dentre os quais os batavos96. Nessa região, o desenvolvimento da sociedade nativa, não raro, é visto pelos arqueólogos, é o caso de Derks e Roymans, como aberrante e anormal em comparação ao suposto desenvolvido “padrão” de cidades e de uillae em muitas regiões do Ocidente romano97. Temse argumentado que os batavos testemunharam uma romanização mais lenta, ou menos completa, do que as áreas vizinhas à Gália na direção ao sul98, como resultado do desenvolvimento de uma forma de organização social diferente, cujas origens remontam ao período pré-romano99. É comum definir esse território como, acima de tudo, uma “paisagem sem as características de uma uilla” 100, o que contrasta, de forma dramática, com áreas tais como a Gália, onde as uillae e as cidades prósperas se tornaram comuns101. Os assentamentos predominantes consistem de uma ou mais casaslongas de madeira tradicionais, e compreendem uma área habitável e um estábulo no mesmo espaço doméstico102. Sua economia também se mostra diferente das zonas vizinhas com características de uilla, pois enfatiza mais a criação de gado que a agricultura arável103. Uma série de assentamentos erigiu elementos arquitetônicos romanos (tais como pórtico de madeira, celeiro de pedra, muros de gesso pintado, ou um teto parcialmente coberto com telhas), mas era comum que essas inovações não afetassem a organização tradicional básica do espaço doméstico no interior de uma casa particular104.

96. Ton Derks, Gods, Temples and Ritual Practices: the Transformation of Religious Ideas and Values in Roman Gaul (Amsterdam: Amsterdam University Press, 1998); Derks and Roymans (2002 op.cit. n.83); Nico Roymans, “Romanization, Cultural Identity and the Ethnic Discussion. The Integration of the Lower Rhine Populations in the Roman Empire,” in Integration in the Early Roman West: The Role of Culture and Ideology, eds Jeannot Metzler, Martin Millett, Nico Roymans and Jan Slofstra (Dossiers d’Archéologie du Musée National d’Histoire et d’Art, 4. Luxembourg: Musée National d’Histoire et d’Art, 1995), 47-64; Roymans (1996 op.cit. n.83), (2004 op.cit. n.83). 97. Hingley (2005 op.cit. n.2), 95. 98. Derks (1998 op.cit. n.86), 55-66; Roymans (1995 op.cit. n.86), 48. 99. Derks (1998 op.cit. n.86), 64. 100. Derks and Roymans (2002 op.cit. n.83), 88. 101. Roymans (1995 op.cit. n.86), 48. 102. Derks (1998 op.cit. n.86), 63-4; Roymans (1995 op.cit. n.86), 49-50. 103. Derks (1998 op.cit. n.86), 64-5. 104. Roymans (1995 op.cit. n.86), 50-3.

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Para as poucas uillae que, de fato, existem nessa área, a hipótese que venho defendendo é a de que se trataria de moradias de soldados veteranos, retornados depois de um período de serviço militar. Tem-se argumentado que os centros urbanos do período romano localizados no Baixo Reno foram estabelecidos, como parte de uma política romana oficial, numa área que continha sociedades não-acostumadas ao urbanismo105. Esses centros urbanos podem ter sido dominados por colonos que vinham de longe em direção ao sul e pelo exército romano, ao passo que a elite local tinha, na grande maioria das vezes, apenas uma contribuição limitada para seu estabelecimento, desenvolvimento e administração106. Nico Roymans recentemente desafiou esse argumento, ao propor um papel mais ativo para a elite nativa na criação dessas cidades107. Essa interpretação adapta-se ao desenvolvimento de uma perspectiva acerca do urbanismo romano, segundo a qual a administração romana teria, sempre que possível, usado a elite nativa no desenvolvimento dos centros urbanos locais108. A despeito da relativa falta de uillae e de urbanização nativas, tem-se argumentado que existem evidências consideráveis, entre a população nativa local, de uma cultura escrita do latim109. A descoberta de várias das chamadas “caixas de selo” pode indicar a difusão da cultura escrita do latim a partir do recrutamento de batavos pelas forças auxiliares romanas. Os batavos eram conhecidos pelas suas habilidades pugnazes, e os homens da comunidade foram levados, em grande quantidade, às unidades auxiliares do exército110, quiçá pelo recrutamento que utilizava um sistema nativo pré-romano, adaptado como resultado de tratados entre a administração romana e os líderes

105. Maureen Carroll, “The Genesis of Roman Towns on the Lower Rhine,” in The Archaeology of Roman Towns, ed. Pete Wilson (Oxford: Oxbow, 2003), 22; Roymans (2004 op.cit. n.83), 196-200. 106. Roymans (1995 op.cit. n.86), 55-8; Maureen Carroll, Romans, Celts and Germans: the German Provinces of Rome (Stroud: Tempus, 2001), 60-1; Carroll (2003 op.cit. n.95), 28. 107. Roymans (2004 op.cit. n.83), 202-5. 108. Hingley (2005 op.cit. n.2), 82, 95. 109. Derks (1998 op.cit. n.86), 228-30; Derks and Roymans (2002 op.cit. n.83). 110. Alan, K. Bowman, Life and Letters on the Roman Frontier (Londres: British Museum Press, 1994a), 26-7; Brain Campbell, War and Society in Imperial Rome, 31 BC - AD 284. Londres: Routledge, 2002), 30; Carroll (2001 op.cit. 96), 65; Roymans (1996 op.cit. n.83), (2004 op.cit. n.83).

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nativos111. Quando eram recrutadas, poder-se-ia, talvez, permitir às unidades auxiliares batavas servirem sob as ordens de seus próprios comandantes, recrutados de famílias pertencentes à elite da tribo112. Quase todas as famílias devem ter suprido o exército romano com um ou dois membros113. É provável que essa prática de recrutamento militar tenha tido um grande impacto no desenvolvimento da sociedade. Não raro se interpretam as caixas de selo como recipientes usados para envolver uma gama de itens, em especial, documentos escritos. Grande parte dos que foram achados em território dos batavos está em sítios militares, em Nijmegen e no complexo do grande templo de Empel, mas também se espalham através dos assentamentos rurais114. Derks e Roymans consideraram que isso evidencia um alto grau de cultura escrita, durante os séculos I e II d.C., entre as pessoas que vivam nos assentamentos rurais dessa região que não eram uillae, em contraste com áreas vizinhas do norte da Gália, onde as caixas de selo são raras115. A evidência de cultura escrita entre essa população talvez reflita o fato de que se exigia dos soldados auxiliares a comunicação, em latim, dentro de suas unidades militares116. A aquisição de cultura escrita pode, de fato, ter sido um dos benefícios do serviço militar117. O corpo de funcionários militares no forte de Vindolanda, na Bretanha, incluía unidades auxiliares batavas e tungras, que, de acordo com as evidências provenientes de escavações arqueológicas, eram letradas118. A diversidade dos estilos de escrita contida nas tabuinhas de escrever provenientes desse sítio, que data de um período entre 90 e 120 d.C., provavelmente indica que a cultura escrita estava bem difundida entre essas unidades militares, embora seja provável que o comum da soldadesca fosse incapaz de ler e de escrever num padrão tão alto quanto

Roymans (1995 op.cit. n.86), 58. Bowman (1994a op.cit. n.100), 26-7. 113. Derks and Roymans (2002 op.cit. n.83), 87-8; Willem J.H. Willems, “Romans and Batavians: a Regional Study in the Dutch East Rivers Area II,” Berichten van de Rijksdienst voor het Oudheidkundig Bodemonderzoek 34 (1984): 236. 114. Derks and Roymans (2002 op.cit. n.83), 94-7. 115. Ibid. 116. Alan K. Bowman, “The Roman Imperial Army: Letters and Literacy on the Northern Frontier,” in Literacy and Power in the Ancient World, orgs Alan K. Bowman and Greg Woolf (Cambridge: Cambridge University Press, 1994b), 112. 117. van Driel Murray (2002 op.cit. n.44), 207. 118. Bowman (1994a op.cit. n.100), (1994b op.cit. n.106). 111. 112.

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o dos oficiais. As caixas de selo encontradas noutros assentamentos rurais que não as uillae localizados no território dos batavos, indicam, quiçá, que a população do Baixo Reno se estava valendo de aspectos da cultura romana – a língua latina e a tecnologia da escrita –, por meio de um compromisso ativo com o sistema imperial119. O recrutamento em larga escala, no período julioclaudiano, de auxiliares provenientes dos batavos deve ter levado a uma intensificação da ideologia marcial daquela sociedade tradicional120. A ênfase dada à cultura militar e a aparente grande estima pela posse de gado talvez tenha resultado numa sociedade em que os elementos da cultura da elite romana, tais como a edificação de uillae e competição urbana, tinha pouca relevância cultural para a vasta maioria da população121; ao invés disso, o aprendizado e a escrita do latim dão a impressão de ter sido vitais a esse povo. O estudo de Derks e Roymans é de um interesse particular, porque, no passado, era comum associar o latim em contextos provinciais às elites, seja da própria província, seja do império. Num contexto de elite, a adoção do latim poder-se-ia conectar ao desejo de “tornar-se romano” 122. A difusão da língua para outras pessoas menos favorecidas dentro das sociedades nativas situadas ao longo do império romano, então, tem de explicar-se a partir da idéia de que essas pessoas desejavam tornarem-se romanas, assumindo alguma forma de aceitação passiva da cultura imperial123. A evidência vinda do Baixo Reno, no entanto, expressa o valor prático tanto da língua latina, quanto da tecnologia da escrita para uma gama mais ampla da população124. O latim e a prática da escrita podem, de fato, terem sido usados extensamente por diferentes membros da sociedade, como resultado do valor potencial de várias formas de comunicação, conforme o contexto, que ofereciam a muitas pessoas125. É possível que a compreensão do latim e a habilidade em escrevê-

Roymans (1995 op.cit. n.86), 48. Ibid, 60. 121. Derks and Roymans (2002 op.cit. n.83), 102; Roymans (1995 op.cit. n.86), 55. 122. Alison Cooley, “Introduction,” in Becoming Roman, Writing Latin? Literacy and Epigraphy in the Roman West, ed. Alison Cooley (Journal of Roman Archaeology, Supplementary Series No. 48, 2002), 9, valendo-se do trabalho de Woolf. 123. Veja os comentários de James N. Adams, “”Romanitas” and the Latin Language,” Classics Quarterly 53 (2003): 189, on the attempts of potters at La Graufesenque to become Roman and my comments (Hingley (2005 op.cit. n.2), 101) nessas observções. 124. Derks and Roymans (2002 op.cit. n.83), 101. 125. Bowman (1994b op.cit. n.106), 123. 119. 120.

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lo tenham se propagado amplamente, graças ao recrutamento de soldados auxiliares oriundos dessas comunidades126. Talvez se exigissem essas habilidades para que cada soldado efetivamente atuasse no exército romano e se comunicasse com parentes e amigos distantes. Pode ser também que o latim e a sua cultura escrita tenham permitido aos membros das famílias dos soldados falecidos se comunicarem com seus próprios parentes distantes e, por exemplo, reclamarem as economias dos homens que morreram127. A adoção do latim, nesse contexto, não indica, necessariamente, um anseio claro por participar mais amplamente da cultura da elite romana. De fato, para os batavos, isso coincide com uma adoção apenas gradual de vários aspectos materiais que comumente se têm por definidores da cultura romana128. Adotar o latim e a escrita indica, quiçá, as vantagens práticas de duas grandes inovações específicas que se propagaram até o norte da Europa com o império romano: uma língua comum que permitiu a comunicação entre pessoas separadas por grandes distâncias e as tecnologias que a tornaram possível. Em outras palavras, essas pessoas não estavam, necessariamente, buscando seu próprio jeito local, sua maneira regionalmente distinta, de “tornarem-se romanos”, mas mantendo o núcleo de sua identidade cultural, adotavam algumas inovações poderosas que os assistiam a viverem suas vidas de maneiras novas, em ocasiões de mudanças políticas129. Um modo de ver esses desenvolvimentos é argumentar que o sistema administrativo romano autorizava certos povos batavos a adotarem tal aproximação, ao fornecer-lhes os meios pelo quais membros da tribo eram recrutados pelas forças armadas. Reconstrói-se o império romano como um fomentador com todo um conjunto de políticas administrativas para encorajar a integração e incorporação locais, mas, como vimos, essas explicações põem de lado outras perspectivas130. Uma maneira de lidar alternativa é ver os desenvolvimentos entre os batavos em termos do recrutamento de povos

Derks and Roymans (2002 op.cit. n.83), 100. van Driel Murray (2002 op.cit. n.44), 211. 128. Ian P. Haynes, “The Impact of Auxiliary Recruitment on Provincial Societies from Augustus to Caracalla,” in Administration, Prosopography and Appointment Policy in the Roman Empire, Proceedings of the First Workshop of the International Network Impact of Empire (Roman Empire, 27 BC - AD 406) Leiden, June 28- July 1, 2000, ed. Lukas de Blois (Amsterdã: J.C. Giebner, 2001), 71. 129. Hingley (2005 op.cit. n.2), 99. 130. Para exemplos adicionais de incorporação flexível, ver Hingley (2005 op.cit. n.2). 126. 127.

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periféricos como uma “tropa étnica”, situação que os mantinha numa posição dependente e excluía-os dos centros do poder político131. Tal abordagem enfatiza a natureza assimétrica do relacionamento entre batavos e romanos, argumentando que as “tropas étnicas” representavam um aspecto da criação deliberada da relação imperial desigual. A língua latina e a cultura escrita devem, entre os batavos, ter sido um grande símbolo dessa subserviência cultural, uma vez que a educação dos jovens membros da elite governante romana deveria assegurar sua importância como uma cultura de exclusão por demais efetiva; a dicção correta fornecia, talvez, um jeito extremamente confiável de diferenciar, ao longo do império, os muito educados dos relativamente não-educados132. A elite imperial recrutava e usava esses soldados para seus próprios interesses, encorajando o desenvolvimento de uma etnicidade militar preexistente que era posta em prática com intuito de manter os soldados batavos numa posição de dependência, simbolizada, de uma maneira efetiva, pelo caráter não-romano da cultura deles133, sua relativa falta de envolvimento na vida urbana, e a ausência geral de uillae e de outros aspectos da cultura imperial em seu território134. É possível que aspectos da cultura batava projetassem a marginalização dessas pessoas em relação às noções centrais de cultura imperial “romana”, tanto dentro de seu próprio território, quanto na ocasião em que viajavam para outras áreas do império. Nesses termos, voltando às observações feitas por Isayev, a que fizemos referência acima, podemos seguir van Driel-Murray, quando interpretam a formação e a transformação ativas da comunidade dos batavos e do território que ocupavam, como a criação, por Roma, de uma nova etnicidade que servia aos fins estratégicos do império135. Novas categorias van Driel Murray (2002 op.cit. n.44), 215. Anton Corbeill, “Education in the Roman Republic: Creating Traditions,” in Education in Greek and Roman Antiquity, ed. Yun Lee Too (Leiden: Brill, 2001), 282-4; Greg Woolf, “Literacy,” in Cambridge Ancient History, XI: The High Empire, AD 70-192, eds Alan K. Bowman, Peter Garnsey and Dominic Rathbone (Cambridge: Cambridge University Press, 2000), 887. 133. van Driel Murray (2002 op.cit. n.44), 215. 134. Seria interessante tentar estabelecer até que ponto alguns membros da ciuitas dos bataui (além das mulheres) eram excluídos da participação nas tropas auxiliares. 135. van Driel Murray (2002 op.cit. n.44), 203. Para saber até que ponto as comunidades situadas no Vale do Baixo Reno, durante os cinqüenta anos subseqüentes à conquista de César, eram manipuladas por Roma, além de quão amplos eram os deslocamentos dessas comunidades, ver Roymans (2004 op.cit. n.83), 23-9. 131. 132.

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de pensamento, juntamente com a criação de fronteiras impostas e artificiais, fizeram com que os administradores romanos formassem uma nova, e parcialmente unificada, identidade militar entre os grupos, outrora, fragmentados do Vale do Baixo Reno; essa identidade teve particular eficiência, já que se construiu sobre algumas noções originais que provinham desses povos subjugados136. Estudiosos modernos têm usado, desde o século XVI, a referência feita aos batavos nas fontes clássicas, além de materiais arqueológicos oriundos dessa área, para contar histórias profícuas sobre origens nacionais; elas definem uma protonação (ou grupo étnico) valente que era, ao mesmo tempo, claramente delimitado e distintamente não-romano, fornecendo uma origem nacional à civilidade holandesa137.

Resumindo: heterogeneidade e Império A dificuldade com muitas descrições de integração imperial está no fato de que elas enfatizam as maneiras como o império permitia que as populações locais se integrassem à sociedade imperial, criando um contexto em que poderiam promover a si e a suas famílias, ao explorar suas próprias reservas e habilidades inatas. No contexto do fim do século XX, com a crescente crítica às conseqüências da construção do império ocidental, isso talvez se mostrasse uma abordagem útil para se ter, dado que enfatizava a capacidade de ação dos povos nativos, construindo suas identidades variáveis dentro de um império autocrático. Hoje, por razões exploradas acima, essa idéia mostra-se mais problemática, porquanto bastantes interpretações atuais deixam de prestar atenção suficiente tanto aos aspectos negativos da imposição da ordem romana, quanto aos desapossados que viviam nas sociedades provincial e romana. O fato de se partir de uma perspectiva mais equilibrada não serve, no entanto, para negar que muitas pessoas foram capazes de explorar novas situações para seu próprio bem; mas isso, com certeza, exige que investiguemos com que intensidade os contextos locais

ibid, 203-9. See Wilfried Hessing, “Foreign Oppressor versus Civiliser: the Batavian Myth as the Source for Contrasting Associations of Rome in Dutch Historiography and Archaeology,” in Images of Rome: Perceptions of Ancient Rome in Europe and the Unites States of America in the Modern Age, ed. Richard Hingley (Journal of Roman Archaeology, Supplementary Series No. 44), 126-44.

136. 137.

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eram criados, manipulados e articulados pela administração imperial, além de pensarmos como as populações locais respondiam a essas situações. Impérios dependem de negociação e de acordo para vir a existir e a sobreviver, mas outras estratégias, entre as quais a força e a violência, também desempenham um papel. Como Dick Whittaker argumentou, as duas posições, a de um estado romano intervencionista e a de uma população nativa pronta para responder, não agem, necessariamente, em oposição; intervenção e inovação diretas poderiam ocorrer uma ao lado da outra138. As sociedades locais não se estabeleciam inteiramente como marginalizadas ou assimiladas, uma vez que tais categorias, na maioria dos casos, não estavam separadas, mas, ao contrário, sobrepunham-se. Os assuntos discutidos neste capítulo suscitam questões à prática contemporânea relativa aos estudos sobre Roma, olhando para os propósitos, as teorias e os métodos139. Isso inclui pensar no papel dos estudos do passado romano num contexto de mudança do conhecimento do presente. O livro Império de Hardt e Negri põe em grande relevo as genealogias antigas do mundo pós-moderno140. Para concluir este capítulo, gostaria de enfatizar a seguinte idéia: os estudiosos do mundo clássico deveriam trabalhar numa direção oposta, a fim de procurar o contexto em que nosso entendimento do imperialismo romano se desenvolveu141. Ressaltei o valor ideológico, para as nações ocidentais, através das épocas, de idéias tiradas tanto da Roma republicana, quanto imperial. Se não encararmos de frente o contexto político

Charles R. Whittaker, “Integration of the Early Roman West: the Example of Africa,” in Integration in the Early Roman West: The Role of Culture and Ideology, eds Jeannot Metzler, Martin Millett, Nico Roymans and Jan Slofstra (Dossiers d’Archéologie du Musée National d’Histoire et d’Art, 4. Luxembourg: Musée National d’Histoire et d’Art, 1995), 21. 139. Benton and Fear (2003 op.cit. n.60); Paul Cartledge, “Classics: from Discipline in Crisis to (Multi-) Cultural Capital,” in Pedagogy and Power: Rhetorics of Classical Learning, orgs. Yun Lee Too e Niall Livingstone (Cambridge: Cambridge University Press, 1998), 16-28; Hingley (2005 op.cit. n.2); Settis (2006 op.cit. n.9), 106-7. 140. Hardt e Negri (2000 op.cit. n.25); Balakrishnan (2003 op.cit. n.1), xiii. Ver também os artigos recentes de Paul James e Tom Nairn. “A Critical Introduction to Globalization and Culture,” http://www.sagepub.com/upm-data/9930_45373intro.pdf (2006); Roland Robertson and David Inglis, “The Global animus,” in Globalization and Global History, orgs. Barry K. Gills and William R. Thompson (Londres: Routledge, 2006), 33-47 and Willis (op.cit. n. 60). 141. Hingley (2005 op.cit. n.2), 117-20. 138.

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do trabalho que produzimos, seguiremos uma longa tradição acadêmica de recriar o fantasioso e o impossível: um campo neutro e apolítico dentro do qual os estudos clássicos pudessem funcionar142.

Agradecimentos Sou grato ao AHRC (Arts and Humanities Research Council) e à Universidade de Durham pelos dois períodos de pesquisa, em 2003-4 e em 2006-7, que me possibilitam desenvolver e finalizar os argumentos apresentados neste capítulo. Agradeço também a Shelley Hales e a Tamar Hodos por me convidarem a escrever este capítulo e por sua ajuda e seus comentários a versões prévias do meu texto. David Mattingly, Alison Wylie e Greg Woolf fizeram comentários muito úteis a respeito das idéias discutidas neste capítulo, enquanto Simon James, Ian Haynes e Fernando Wulff Alonso apontaram várias referências relevantes. Nico Roymans e Carol van DrielMurray deram informações e conselhos sobre o estudo de caso referente aos batavos, ao passo que Christina Unwin me ajudou a refinar as idéias apresentadas aqui. Também sou grato às pessoas que assistiram aos encontros em Stanford (USA, Cultures of Contact Conference, 2006), em Birmingham (Roman Archaeology Conference, 2005), em Canterbury (Meeting on Rural Settlement either side of the North Sea/Channel, 2007), e em Bristol (Crossing Cultures Conference, 2005), pelos vários comentários feitos a versões anteriores deste capítulo.

Cartledge (1998 op.cit. n.129), 20; Hingley (2005 op.cit. n.2), 3; Toner (2002 op.cit. n.60), 2.

142.

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Tentativa de mapear o território dos batavos, mostrando as localizações em que as caixas de selo vêm sendo encontradas e os cinco tipos de artefatos que foram achados (segundo Derks and Roymans 2002, Figures 7.5. and 7.6.; Plates 7.I to 7.XII).

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O

MURO DE

A DRIANO

EM TEORIA :

UMA NOVA AGENDA

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Estão os estudos sobre as fronteiras romanas (EFR) condenados, para sempre, a seguir com relutância ao invés de tomar total partido ou, mesmo, encabeçar uma pesquisa acadêmica transcultural mais ampla sobre as fronteiras, cuja riqueza de seus dados permitiria fazêlo? (James 2005, 502).

Introdução 144 Este curto capítulo, cujo intento é ser provocativo, trata de um enigma: o declínio sério e dramático, nas universidades britânicas, da pesquisa relativa ao primeiro monumento romano da Bretanha, o Muro de Adriano. A partir da metade da década de 1850, essa grande fronteira era o foco de uma vívida tradição acadêmica de pesquisa (Birley 1961; James 2002), mas não seria por demais exagerado dizer que o assunto mostra-se, hoje, moribundo. Poucas pesquisas acadêmicas sobre o Muro estão sendo feitas nas universidades britânicas ou em instituições acadêmicas ultramarinas, ao passo que as escavações são intermitentes (para reflexões mais abrangentes acerca do estado dos estudos sobre a fronteira romana, ver James 2005). Uma importante pesquisa vendo sendo conduzida, por exemplo, pelas Consultorias do Museu de Tyne e Wear, mas a situação, nas universidades, mostra-se terminal: o número de doutorandos que pesquisam o Muro pode ser contado nos dedos

143. Originalmente publicado como: R. Hingley 2008 ‘Hadrian’s Wall in theory: a new agenda’, in P. Bidwell (ed.) Understanding Hadrian’s Wall. The Arbeia Society. Titus Wilson, Kendal. 144. Sou muito grato a David Breeze pelos comentários sobre uma versão anterior deste capítulo.

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de uma só mão. Os volumes ultimamente publicados, resultantes das séries da Conferência de Teoria da Arqueologia Romana, de 1990 para cá, contêm pouco material. Num resumo recente da arqueologia da Bretanha romana (James e Millett [org.] 2001), referências ao Muro são numericamente limitadas (Hingley 2002), sugerindo uma estagnação dessa pesquisa em comparação aos estudos de urbanismo, de assentamento rural e de achados romanos (ver James 2005, 501). A comunidade que pesquisa o Muro de Adriano está envelhecendo; num encontro recente envolvendo cerca de 30 pesquisadores, eu era um dos cinco mais jovens presentes e vejam que terminei meu doutorado em 1983. Faltou enfatizar que algo por demais inovador está sendo realizado a respeito das fronteiras romanas em termos gerais (e.g. Whittaker 1994) e sobre o limes (por exemplo, o trabalho de Haffner e von Schnurbein 1996 e de Roymans, Derks e Heeren 2007, acerca da interação entre comunidades indígenas e ádvenas). Para o Muro de Adriano, houve avanços substanciais, incluindo a identificação recente de trincheiras defensivas na berma do Muro e a coleta de informação, resultante do Programa Nacional de Mapeamento do English Heritage, relativa aos sistemas de terras cultiváveis de grande escala do período anterior ao Muro; esses projetos fornecem novos materiais que ajudam na compreensão do simbolismo e do contexto do monumento. Valendose do trabalho supracitado a respeito do limes, é significativo que um foco importante tenha se desenvolvido acerca da relação entre povos invasores e indígenas, desde que esse tópico foi sublinhado no Congresso de Estudos da Fronteira Romana, em 1986, e um importante trabalho veio à baila na GrãBretanha (e.g. Hunter 2007; para uma recensão desse tópico, ver Hingley 2004). Contudo, como Simon James argumentou, dentro da Grã-Bretanha e através da Europa e do norte da África, a transição para uma abordagem mais comparativa das fronteiras tem começado a duras penas (James 2005, 501), a despeito do fato de que o estudo acadêmico de fronteiras de outros períodos seja, no momento, um tópico que está na moda (Russell 2001). Está claro para qualquer um com conhecimento de arqueologia e história da Grã-Bretanha que o Muro é um dos nossos mais significativos monumentos e, como tal, constitui-se como uma atração turística considerável (Breeze 2006; Bidwell 1999). Neste capítulo, estudam-se algumas das possíveis razões para a atual escassez de pesquisas sobre a Muralha e argumenta-se que certas ações são urgentes, se tencionamos revitalizar o assunto. Tal transformação requer que revisitemos nossos problemas de pesquisas e as

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teorias que abarcam. São propostas várias novas direções para os estudos que poderiam ajudar a estimular tal revolução.

Razões para o declínio A partir da minha experiência docente na Universidade de Durham, o Muro de Adriano é considerado uma atração para os graduandos. Se forem propostos, a estudantes do primeiro-ano, dez títulos de um trabalho a respeito da Bretanha romana, dentre os quais um sobre a história ou a estrutura do Muro de Adriano, é provável que 80 a 90% dos alunos escolham esse último. A despeito disso, dá a impressão que o Muro não oferece um foco viável a uma pesquisa de doutorado. Um único fator pode explicar ambas as observações: “sabemos tudo sobre o Muro de Adriano”. David Breeze (Comunicação pessoal) observou que abordagens anteriores de pesquisa e publicações tenderam a enfatizar a extensão de nosso conhecimento e a garantia de nossas interpretações da estrutura e da história do monumento (para uma razão adicional, relacionada à natureza fechada do grupo que estudou o Muro, ver Breeze 2003, 15). Atitudes como essas sugerem que já possuímos a maior parte do que precisamos saber e que resta pouca coisa para se alcançar; uma visão também expressa por muitas publicações populares e pela cobertura televisiva recente. O monumento parece ser fácil de se interpretar, seguro e imutável, uma fundação sólida sobre a qual baseamos nossas idéias do passado antigo de nosso país; além disso, ele dá uma imagem de importância a uma área do norte da Inglaterra (“Terra do Muro de Adriano”) que, às vezes, aparece como marginal diante dos interesses do governo nacional. Os resquícios substanciais e proeminentes desse monumento ajudam a criar uma visão sobre permanência e estabilidade que se refletem na maneira como o interpretamos. O Muro é uma parte fundamental de nossa identidade nacional, usada para definir, por bem mais de um milênio, anglicidade e escociocidade. Sua estrutura é vigorosa, bem estabelecida e aparentemente previsível e fácil para pessoas apreciarem. O fundamento da tessitura histórica relativa a sua construção e ao seu uso é relativamente simples e relaciona-se com a história da nação de um modo interessante (Hingley, no prelo). Por exemplo, tornouse um grande foco de interesse para poetas, antiquários e historiadores, tanto do fim do reinado de Elizabeth I quanto do período do rei Jaime I, e, novamente, no fim do século XVII e início do XVIII, quando se considerava

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a unificação da Inglaterra e da Escócia (Hingley, no prelo). No fim do período vitoriano, assim como na época eduardiana, os oficiais do império e os militares ficavam fascinados com os resquícios do Muro, valendo-se dele como um paralelo para a fronteira britânica no noroeste da Índia (Hingley 2000). Ele se tornou uma metáfora relacionada ao limite de civilização, uma vez que a Escócia foi arrastada para dentro de uma nação “civilizada”. Isso resultou em infelizes associações imperais referentes ao Muro, que sofreu com o realinhamento geral dos estudos romanos em direção a aspectos do registro arqueológico relacionados à identidade e à capacidade de agir dos povos indígenas (ver Beard and Henderson 1999, 48). A partir dessa perspectiva, os detalhes da seqüência e da história do Muro mostram-se relativamente desimportantes; alguns escritores populares, visitantes e vários graduandos parecem, com freqüência, interessarem-se apenas com a data, o contexto imperial e com suposto papel que o Muro desempenhou como divisa nacional entre a Inglaterra e a Escócia. É significativo que algumas iniciativas, aí incluído o projeto Escrever no muro (ver http://www.writingonthewall.org.uk/), demonstrem, de fato, concepções alternativas de monumento e de sua respectiva paisagem sendo articuladas no campo da cultura popular. Há uma relação interessante entre os textos e as imagens surgidas desse projeto e algumas das tendências sublinhadas numa prospecção recente das fronteiras coloniais de um passado não tão distante (ver Russell 2001). Isso me sugere que chegou a hora de os arqueólogos seguirem a posição de vanguarda dos historiadores, dos geógrafos, dos romancistas, e dos artistas, ao re-encarar a maneira como nos dirigimos às fronteiras romanas. As aparentes compreensibilidade e solidez do Muro dão conta de sua popularidade como um tópico para trabalhos de graduandos. Toda criança educada em escolas da Inglaterra dá a impressão de ter aprendido uma versão de “fatos” básicos acerca do Muro, e, em geral, é difícil enfrentar esse saber, por causa de sua provável importância como parte de mitos de origem fundamentais sobre a Inglaterra, Escócia e a Grã-Bretanha. Talvez isso também explique a aparente não-popularidade do Muro entre os estudantes que desenvolvem pesquisas: a garantia de saber, junto com a extensão e o detalhamento da informação disponível sugerem que se poderá estudar pouca coisa de importância real, durante um período de três anos. Como pode a pesquisa de só um estudante contribuir para uma história tão monumental? Vale a pena despender um período de tempo importante, contribuindo para

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um campo de saber aparentemente tão bem conhecido, que, além do mais, parece difícil para desafiar sem ser refutado com argumentos baseados num saber bem detalhado dos possíveis orientadores e dos examinadores? A enorme quantidade absoluta de informação impede o envolvimento de estudantes na pesquisa da história e da importância do Muro.

Razões para otimismo? Os especialistas no Muro de Adriano entendem que a idéia de que nosso conhecimento a respeito dele é preciso trata-se de uma fantasia. Há muita coisa que não sabemos, como atualmente vêm demonstrando a conferência em South Shields, no último mês de novembro, e a discussão para o Sistema de Pesquisa do Muro de Adriano. Todavia, minha observação é a de que, em vários encontros recentes, evidências detalhadas da estrutura e da seqüência do Muro dão a impressão de soterrar as tentativas de construir compreensões mais amplas e gerais. A atenção ao detalhe está minando o progresso das idéias. Precisamos direcionar ao menos uma parte de nossa atenção para questões gerais e desenvolver as teorias e os métodos para explorá-las. Isso, provavelmente, ajudaria a gerar um novo foco de atenção e de financiamento de pesquisa. No restante deste capítulo, sugiro uma série de áreas que poderiam formar a base de uma nova agenda de pesquisa. Essa lista não se pretende, de modo algum, definitiva ou exclusiva, e um grande número de outras questões de pesquisa deveriam ser formuladas.

O Muro articulou um discurso romano de identidade imperial? Os esforços de Augusto para alargar a cidadania romana, junto com a formalidade e a definição crescentes das fronteiras romanas no século I e início do II d.C., talvez tenham levado a uma crise de identidade baseada na discussão de quem era romano e de quem não o era (alguns aspectos relevantes da identidade romana recentemente foram tratados por Dench 2005). A introdução de provinciais no senado romano evidentemente causou espécie por entre a elite tradicional em Roma, mas outras comunidades radicadas nas províncias foram empurradas para uma identidade cultural romana lato sensu, a partir de seu serviço nas forças auxiliares romanas e de sua adoção de modos romanos de vida (ver Hingley 2005). A construção e a

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natureza do Muro de Adriano podem relacionar-se a uma necessidade de definir os limites de uma identidade romana híbrida e em transformação, no contexto particular de territórios fora do controle imperial ocupados pelos “bárbaros” (para o contexto teórico geral, ver Münkler 2007, 97 e Russell 2001). Em princípio, o Muro aparece como a expressão física de um conceito imperial (Mann 1990). Ele define, de forma monumental, uma barreira para uma instável formação social romana. É, como John Mann argumentou décadas atrás, uma afirmação física do fim de uma ambição – um limite à extensão da expansão romana. Definindo e identificando a extensão da província romana numa forma física clara, ela observou dois caminhos. A construção do Valo significou que a fortificação efetivamente punha frente a frente tanto o norte quanto o sul, uma expressão das margens incertas e, possivelmente, instáveis do controle imperial. Isso não quer dizer que o exército romano não poderia subjugar e dominar esse território por meio de um conflito armado. A fronteira expressava uma insegurança mais profunda a respeito do presente e do futuro, refletindo as preocupações do imperador e da elite imperial da cidade de Roma. Tal perspectiva vale-se da incerteza crescente da identidade imperial, levando à formação de barreiras materiais claras. Isso poderia ser mais explorado por um estudo do simbolismo do Muro em relação a outros projetos de edificações, ao longo do império, pertencentes ao período de Adriano. Por que a fronteira da Bretanha era tão importante, se comparada às barreiras imperiais de outros lugares? Como se relaciona a projetos de edificações urbanas em Roma e nas cidades provinciais?

Como as experiências acerca do Muro de Adriano estavam relacionadas à existência de outras fronteiras Ao comparar o Muro de Adriano com outras fronteiras romanas situadas na Europa, na África, no Oriente Médio e no sul da Ásia, podemos explorar seus contrastes e suas semelhanças. Questões de importância, no contexto do Muro de Adriano, incluem as razões por trás de sua escala considerável e de sua aparente formalidade. Muitas fronteiras, no mundo moderno, não se marcam por traços físicos distintos; o caráter do Muro relaciona-se às idéias de que os romanos tinham a respeito da Bretanha como palco especial (Clarke 2001; Evans 2003), isto é, um lugar particularmente

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bárbaro, marginal e perigoso? É uma resposta a necessidades imperiais específicas ou à situação no campo de batalha? Podemos basear-nos na abordagem de David Mattingly das “experiências discrepantes” (Mattingly 1997; Mattingly 2004; Mattingly 2006), a fim de estudar as vidas de diferentes pessoas ao redor do Muro e os contrastes entre várias fronteiras romanas? Há, atualmente, uma fixação crescente por fronteiras, regiões limítrofes e limites fronteiriços físicos; entre os quais, por exemplo, escritos sobre a Grande Muralha da China, a cerca imposta aos palestinos pelos israelenses (Gregory 2004, 95-101), a fronteira EUA-México (Juffer org. 2006) e o Mar Mediterrâneo entre a África e a Espanha (Mazanas Calvo 2006). Todos esses exemplos fornecem paralelos e contrastes potenciais à experiência de Roma de sua fronteira norte, estudo que tem valor a partir de uma perspectiva internacional e transdisciplinar (James 2005, 502).

Como o Muro valeu-se de paisagens pré-existentes e como sua presença influenciou as experiências de vários eleitorados Os romanos não impuseram seu sistema imperial numa tela em branco. Pessoas viveram e morreram ao longo do norte da ilha por muitos milênios antes de os romanos forçarem a própria presença na paisagem. A ação e a infra-estrutura militares romanas respondiam às pessoas com quem se defrontaram nas paisagens que colonizaram (Hingley 2004). Talvez devêssemos, a partir de nosso estudo, procurar tornar o Muro estranho, assim como Richard Bradley recentemente argumentou acerca do estudo dos monumentos neolíticos (Bradley no prelo). Os romanos não eram totalmente iguais a nós e focar sobre a diferença e a incompreensibilidade do Muro ajudará a fazer novos trabalhos desafiadores e importantes. O exame da história cultural das paisagens que foram transformadas pela construção do Muro e pela colocação, nele, de tropas – os locais de ritual, as áreas de ocupação e de cultivo, e as linhas de comunicação – podem ajudar-nos a entender a localização em que se construiu o Muro e a sua forma (ver Russell 2001 para uma discussão do impacto potencial do ritual indígena sobre as sociedades fronteiriças). É provável que as escolhas feitas na superfície do campo de batalha por aqueles que construíram a fronteira fosse uma resposta à história passada de atividade nas paisagens colonizadas pelas fortificações militares.

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A construção do Muro deve, também, ter influenciado de forma fundamental as pessoas que viviam ao seu redor e que o ocupavam. As populações indígenas devem ter experimentado novos modos de vida existentes nessa paisagem (James 2001), embora fosse interessante saber quão próximo dos soldados era-lhes permitido chegar. Quando eles passavam por entre o monumento através de um portão, como seus movimentos eram controlados? Possivelmente, eles eram vigiados, mas conheciam o acesso e podiam observar os interiores dos fortes e dos fortins, e, sendo assim, como reagiam ao que testemunhavam a respeito da forma física ou desses lugares e acerca das vidas dos soldados que foram para lá. Os soldados auxiliares devem também ter sido desafiados pelas novas exigências de viver ao redor do Muro, manipulando suas identidades, para explorar as novas oportunidades. Um grande foco de pesquisa poderia envolver um estudo da natureza física do monumento e as maneiras pelas quais ele deu uma resposta a e influenciou tanto os que viviam nele, quanto os que ao seu redor. A localização dos portões e como esses podem ou não ter respondido à ocupação prévia, a lugares de ritual e a linhas de comunicação, é relevante aqui. Por que o Muro perdurou por tanto tempo? Se era uma resposta a uma situação imperial particular, por que se manteve e foi usado por muitos séculos? Seus sentidos e suas funções transformaram-se ao longo dos tempos em que foi ocupado e adaptado? Sua história posterior ajuda a explicar a razão de sua construção inicial, ou seu papel foi totalmente redefinido durante o correr dos três séculos em que dá a impressão de ter sido usado?

O que o Muro significou para as populações posteriores? O significado do Muro e de sua paisagem, desde o século VIII até o presente, é objeto de um novo projeto, sob minha direção, com financiamento substancial do Arts and Humanities Research Council: Relatos da Fronteira (para um resumo desse projeto, ver http://www.dur.ac.uk/roman.centre/ hadrianswall/); meus colegas nesse projeto são: Dr. Divya Tolia-Kelly, Dr. Rob Witcher e Dr. Claire Nesbitt. Nossos modos de ver e de interpretar o Muro influenciam nossas questões, o que decidimos mencionar, registrar e publicar. Tópicos relevantes, estudados por esse projeto, incluem o uso do Muro nas idéias definidoras das identidades inglesa, escocesa e imperial britânica (também tratado, brevemente, em Hingley, 2000, e Hingley, no prelo), além da bolsa de estudos sobre o Muro (a qual se criou em Birley, 1961).

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Revitalizando o estudo do Muro Se realmente tivermos a convicção de explorar essas questões gerais, a pesquisa sobre o Muro há de se revitalizar, atraindo uma variedade de novos pesquisadores e ajudando a transformar os estudos. Se, no entanto, continuarmos as abordagens existentes que dão contribuições modestas a um tópico aparentemente fácil de se compreender, será difícil visualizar de onde virá a próxima geração de pesquisadores do Muro.

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