O IMPOSTO SOBRE HERANÇAS E DOAÇÕES BRASILEIRO: SISTEMA JURÍDICO E REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

June 4, 2017 | Autor: Gabriel Fernandes | Categoria: Direito Tributário, Impostos
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

GABRIEL DA NÓBREGA FERNANDES

O IMPOSTO SOBRE HERANÇAS E DOAÇÕES BRASILEIRO: SISTEMA JURÍDICO E REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

NATAL/RN 2015

Gabriel da Nóbrega Fernandes

O IMPOSTO SOBRE HERANÇAS E DOAÇÕES BRASILEIRO: SISTEMA JURÍDICO E REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

Monografia

apresentada

como

requisito parcial à conclusão do Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Orientador: Prof. Dr. Otacílio dos Santos Silveira Neto

NATAL/RN 2015

Dedico este trabalho à toda minha família e amigos.

RESUMO

Há diversas manifestações sobre aspectos pontuais do imposto sobre heranças e doações brasileiros. Todavia, o mesmo não acontece com a visão global do imposto, em obras dedicadas exclusivamente para o sistema jurídico no qual o ITCMD está incluído e para a análise detida de todos os seus critérios. É o que esse trabalho pretende fazer, claro que sem o viés exaustivo, impossível na doutrina jurídica, de interpretações inesgotáveis. O estudo se volta para a análise do imposto com base em método próprio, desenvolvido sobre as balizas do constructivismo lógico-semântico. Assim, tal tomada de posição faz dissecar o objeto de estudo em três planos, no sintático ou estrutural, semântico ou de sentidos, e pragmático ou de uso. Noutro viés, especificamente quanto à análise da exação tributária principal, o estudo é empreendido sob o manto da teoria da regra-matriz de incidência tributária, norma jurídica especializada, a disposição do estudioso para análise de todas as categorias que permitem a identificação do ITCMD. Palavras-chave: Direito tributário. Imposto sobre heranças e doações. ITCMD.

ABSTRACT

There are various events on specific aspects of the Brazilian tax on inheritances and gifts. However, the same does not happen with the overview of the tax in works devoted exclusively to the legal system in which the ITCMD is included and the careful analysis of all your criteria. That's what this paper intends to do, of course without the exhaustive bias, impossible in legal doctrine of endless interpretations. The study turns to the analysis of the tax based on proprietary method, developed on the goals of logical-semantic constructivism. Thus, such a pronouncement affects the subject matter of the division into three plans, the syntactic or structural, semantic or sense and pragmatic or use. In another aspect, specifically regarding the analysis of the main tax exaction, the study is undertaken under the cover of the theory of tax incidence rule-matrix, specialized rule of law, the provision of scholar for analysis of all categories that allow the identification of ITCMD. Keywords: Tax law. Inheritances and gifts tax. ITCMD

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................10 2 HISTÓRICO DO IMPOSTO SOBRE HERANÇAS E DOAÇÕES ...................15 3 BREVES ESCLARECIMENTOS SOBRE O MÉTODO CIENTÍFICO ............19 3.1 DIREITO COMO SISTEMA: SEMÂNTICA E SINTAXE ..............................25 4 DOS PRINCÍPIOS JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS ......................................30 5 PRINCÍPIOS DA REPÚBLICA E DO PACTO FEDERATIVO ........................35 6 DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .................35 7 PROPRIEDADE E VEDAÇÃO AO CONFISCO TRIBUTÁRIO ......................43 8 DIREITO FUNDAMENTAL À HERANÇA ......................................................46 9 O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO: ESTUDO SOBRE A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA ........................................48 10 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE A TEORIA DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA ...............................................................................56 11 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS ...............................................................................................59 11.1 HIPÓTESE NORMATIVA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS ............................................................................................................59 11.1.1 Critério material ......................................................................................59 11.1.1.1 Impossibilidade da incidência de Imposto de renda sobre o critério material do Imposto sobre transmissão causa mortis e doação .........................63 11.1.2 Critério espacial ......................................................................................68 11.1.3 Critério temporal .....................................................................................71 11.2 CONSEQUENTE NORMATIVO ................................................................74 11.2.1 Critério pessoal .......................................................................................74 11.2.2 Critério quantitativo .................................................................................76

12 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS ...............................................................................................80 12.1 HIPÓTESE NORMATIVA DO IMPOSTO SOBRE DOAÇÕES ..................80 12.1.1 Critério material ......................................................................................80 12.1.2 Critério espacial ......................................................................................83 12.1.3 Critério temporal .....................................................................................85 12.2 CONSEQUENTE NORMATIVO ................................................................87 12.2.1 Critério pessoal .......................................................................................87 12.2.2 Critério quantitativo .................................................................................88 13 VISÃO GLOBAL DO ITCMD NO SISTEMA TRIBUTÁRIO-FINANCEIRO BRASILEIRO: HOJE E AMANHÃ ....................................................................89 14 CONCLUSÕES ............................................................................................95 REFERÊNCIAS ................................................................................................99

1 INTRODUÇÃO

Desde 1809, se nos reportarmos ao Alvará de 17.06.1809, texto legal que instituiu a “décima da herança” no então Brasil Imperial (imposto de 10% sobre o valor da herança ou legado), tínhamos tributo semelhante que incidia sobre as heranças. Apesar do histórico, por muito tempo o hoje ITCMD, ficou relegado a segundo plano na arrecadação tributária dos Estados. Não se sabe por que, mas o fato é que ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação) e o IPVA (Imposto sobre Propriedade Automotiva) deixaram o ITCMD lá atrás na corrida, seja no quesito fiscalização, seja na arrecadação propriamente dita. Só que, em tempos de crise econômica, somadas à constatação da crescente desigualdade social, além de um Estado abarrotado de obrigações, voltado sempre para o desígnio de novas fontes de receita, começam a vir à tona os debates político-legislativos a respeito da reformulação do Imposto sobre heranças brasileiro. Assim, tratar do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD é, antes de qualquer coisa, um desafio. Não obstante, aceitamos esse projeto. Em primeiro lugar, pelo intuito de contribuir, ainda que de maneira modesta, com a pesquisa sobre o imposto. Diferentemente de outras espécies tributárias, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD, foi objeto de poucas obras literárias que se voltassem exclusivamente para o estudo global do imposto. As análises descritivas da doutrina que recaem sobre ele ou estão em obras coletivas, ou em revistas especializadas, apresentadas em artigos científicos focalizados em aspectos específicos da exação, sendo, ambas, também em pequeno número. Por outro lado, as notícias que chegam dia após dia mediante a imprensa é a de que os governos estaduais, através de suas Assembleias Legislativas, estão se movimentando para aumentarem as alíquotas do imposto sobre heranças e doações, tudo em razão de uma prática incessante da União no sentido de degradar a receita dos Estados através de suas mirabolantes 10

contribuições sociais, não sujeitas às repartições ordinárias de receitas, nem às imunidades tributárias, limitações constitucionais ao poder de tributar às quais os impostos ficam submetidos. Não bastasse isso, observa-se o próprio Governo Federal interferindo nessa discussão, tentando arquitetar acordos políticos para que o teto de oito por cento, estabelecido pelo Senado Federal para as alíquotas do ITCMD, conforme ordem da Constituição, seja elevado para cerca de vinte por cento, a fim de que, assim, a União, mediante possíveis alterações legislativas e constitucionais a serem arquitetadas, também possa retirar parte desse bolo tributário, o qual, no total, já chega a quase quarenta por cento do Produto Interno Bruto do Estado brasileiro. Foram essas as razões que despertaram o interesse em produzir trabalho voltado exclusivamente para a exação estadual. Acreditamos que o papel do jurista é operar com o sistema do direito posto, interpretando-o, e com isso, sedimentando, para que, eventuais deliberações legislativas que vierem no futuro (que no caso do ITCMD parece ser um futuro bem próximo), tenham à disposição análises técnico-científicas que indiquem ao legislador onde ele está pisando e como pode se mover. Amparado nessas perspectivas, portanto, é que desenvolvemos a presente pesquisa, a ser empreendida tomando por base o estudo analítico do Direito posto, somado às descrições científicas empreendidas pela doutrina brasileira, além de complementar com aspectos pragmáticos da Jurisprudência constantemente renovada e reeditada pelos Tribunais Superiores do país, além de algumas reflexões sobre a jurisdição de Cortes estaduais e Regionais Federais. O capítulo de número 2 será destinado à análise da história do Imposto sobre transmissão causa mortis e doação nos sistemas jurídicos do Brasil e em alguns países do mundo, especialmente França e Inglaterra, Estados-nações pioneiros na tributação das heranças e doações, oportunidade em que se estudará a evolução pela qual experimentou o imposto, suas principais mudanças e como está hoje estabelecido, no Brasil, desde a entrada em vigor do novo ordenamento jurídico vindo com a Constituição Federal de

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1988. Este primeiro momento será importante para situarmos o objeto a ser estudado no trabalho. Identificada a exação no ordenamento jurídico atual, é chegada a hora de esclarecer de onde se partirá para se chegar ao estudo do Direito posto que se remete ao ITCMD. É nesse momento – capítulo 3 – que realizaremos alguns esclarecimentos quanto ao corte epistemológico feito pelo trabalho, assim como o método analítico utilizado para a análise do objeto. Neste particular, dar-se-á ênfase ao método científico utilizado pela Escola do “construtivismo lógico-semântico”, doutrina encabeçada pelo jurista Lourival Vilanova e disseminada no Brasil – especialmente na doutrina tributária - por Paulo de Barros Carvalho, quem toma o Direito, antes de tudo, como expressão de linguagem, corte epistemológico que dará sustentação dogmática ao nosso estudo. Ainda nesse aspecto particular, de estudo do que entendemos do objeto da ciência jurídica, será aberto um item para tratar do Direito enquanto sistema jurídico, seja do ponto de vista semântico, seja da estrutura sintática identificada. Além disso, serão observadas, pelo menos em parte, as consequências desta tomada de posição pelo estudioso, oportunidade em que se utilizará de conceitos estudados por Niklas Luhman, jurista, sociólogo e filósofo alemão que desenvolveu, sobre os pilares deixados por Talcott Parsons, a chamada teoria dos sistemas, isso sem exaurir o tema, abordado, aqui, sob o ponto de vista de autores brasileiros que já se debruçaram sobre a aplicação da teoria ao ambiente jurídico. Logo em seguida, o capítulo 4 debaterá sobre o que os princípios jurídicos representam dentro do sistema jurídico, sua condição enquanto norma jurídica ou não, entre outras considerações. Daí, parte-se para estudar, nos itens seguintes, aqueles princípios constitucionais que repercutem em maior grau sobre o ITCMD. Não que o referido imposto não deva estar em conformidade com o sistema jurídico brasileiro como um todo, mas elegemos aqueles princípios que têm sua carga valorativa mais próxima e corriqueira da norma jurídica apta a prescrever o imposto sobre heranças e doações. 12

Tendo isso em mente, o ITCMD receberá, aqui, a carga axiológica e/ou os limites objetivos desempenhados pelos princípios do pacto federativo e republicano, da igualdade e capacidade contributiva, propriedade e vedação ao confisco, além do direito fundamental à herança insculpido no inciso XXX do art. 5º da Constituição do Brasil. Nestes itens, é importante ponderar, além da análise semântica (atribuição de sentido) dos citados princípios jurídico-constitucionais, procurarse-á identificar a repercussão direta que estes devem desempenhar na construção da norma jurídica que estabelece o imposto analisado por este trabalho. Antes de entrar na análise da regra-matriz do ITCMD, o capítulo 5 servirá para esclarecer as peculiaridades que atingem a competência tributária dos Estados quando exercida para tributar a herança e doação. Isto porque, além de o Código Tributário Nacional não prever, na condição de lei complementar que é, a tributação da transmissão não onerosa de bens móveis, a Constituição Federal ainda condiciona a tributação de herança ou doações havidas no exterior à existência de lei complementar prévia, de modo a evitar conflitos de competência entre os entes. Diante disso, far-se-á necessário a elucidação de tais questões, descrevendo o tratamento normativo dado pelo sistema jurídico à competência tributária dos Estados nesses casos, objeto, como dito, do capítulo 5 deste trabalho. Passados os temas mais amplos, por assim dizer, vamos ao estudo, analítico e hermenêutico, das normas jurídicas que prescrevem o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação no Brasil. Para empreender tal jornada, nos muniremos do instrumento cognoscitivo “regra-matriz de incidência tributária”, espécie de norma jurídica estruturada na doutrina tributária brasileira também por Paulo de Barros Carvalho. Essa teoria servirá para delinear um caminho claro e objetivo para a análise do ITCMD. Isto porque ela recorta a norma jurídica tributária principal em diversas categorias lógicas que podem ir sendo preenchidas pela construção de 13

sentido feita pelo intérprete/estudioso do Direito, construção essa que toma por base os textos do Direito positivo. Assim, enquanto que o capítulo 6 terá como objeto a teoria abstrata da regra-matriz de incidência tributária, os dois capítulos seguintes servirão de base para o preenchimento semântico das regra-matrizes que o ITCMD possui, tendo em vista que, tanto a exação motivada pela transmissão de bens por causa de morte, como pela doação, guardam, cada uma, regra-matriz de incidência própria, pelo que serão estudadas em separado, no capítulo 7 e 8, respectivamente. Assim, depois de explicarmos a referida teoria, nos utilizaremos dela para dissecar o Imposto sobre transmissão Causa Mortis e Doação. Por último, o capítulo 9 termina por abordar uma visão mais ampla da exação tributária estadual. Fugindo um pouco da dogmática da ciência do direito tributário, serão abordados aspectos financeiros de arrecadação e da repercussão desta na autonomia financeira dos Estados. Serão visitados também alguns aspectos dos impostos sobre herança e doação estrangeiros, em especial nos Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. No capítulo derradeiro, de número 10, será o momento para elencarmos as conclusões retiradas do estudo empreendido no presente trabalho.

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2 HISTÓRICO DO IMPOSTO SOBRE HERANÇAS E DOAÇÕES O imposto sobre heranças está entre os mais antigos da história da tributação e há quem entenda que a exação era cobrada desde os tempos do Império Romano, sob a forma da vigésima, que representava cinco por cento, sobre as heranças e os legados deixados1. Bem antes disso, entretanto, quase que nos primórdios da civilização, há registros de papiro, datado de 117 a.C., mencionando determinada lei que tornava obrigatória a inscrição das heranças nos registros públicos, sob a condição do pagamento de dez a quinze por cento sobre o valor dos bens transmitidos2. Inobstante, é só a partir dos séculos XVII e XVIII quando o imposto sucessório passa a integrar de maneira definitiva os sistemas tributários dos países. O Estado que dera início à persecução sistemática de imposto sobre as heranças e doações fora a Inglaterra, quando em 1694 adotou a exação “probate duty” (que numa tradução livre quer dizer tributo de sucessão), a qual gravava os bens móveis e recaía sobre a massa hereditária líquida – hoje, quinhão hereditário3. Estamos, aí, na época do Estado patrimonial, com grandes resquícios do feudalismo, passando, porém, para o estágio reconhecido como Estado policial, em face do surgimento dos Estados-nações, fenômeno reconhecido na literatura pelo “O princípe” de Nicholau Maquiavel, base teórica para o modelo estabelecido a partir de então. Ademais, o Reino Unido, na época, passa por período peculiar de sua história, vivendo sob o modelo estabelecido pela Revolução Puritana, que teve como figura predominante Oliver Cromwell. Ademais, só em 1894, após a criação de sucessivos e diferentes impostos para tributar a herança e doações, o Estado inglês estabelece, mediante a reforma de Harcourt, a unificação das leis tributárias em duas

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TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2011. p. 385. 2 ARAÚJO, Petrônio Baptista de. O imposto sobre a transmissão da propriedade. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas. 1954. p. 197. 3 FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Imposto sobre transmissão causa mortis e doação – ITCMD. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002. P. 25.

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exações que recaiam sobre o “real estate” (a recair sobre bens imobiliários) e “personal estate” (incidente sobre ativos financeiros e patrimônio pessoal, ou seja, bens móveis), instituindo assim, com praticamente a mesma configuração dos impostos sucessórios contemporâneos, a tributação sobre a transmissão não onerosa de bens móveis e imóveis4. Antes disso, em 1791, o Estado Francês, acabando com os privilégios fiscais da nobreza, firmava um imposto forte sobre heranças e doações bastante moderno e universal para a época, segundo nos conta Thomas Piketti. Implementado após a Revolução Francesa – isso explica o fim da vida boa, pelo menos fiscal, para os nobres franceses -, o imposto era tido por universal, porque: (i) atingia da mesma maneira todos os tipos de bens e propriedade (de terras agrícolas a títulos da dívida pública), (ii) não importando seus proprietários (sejam eles nobres ou plebeus) e (iii) independentemente de seus valores, sejam de grande vulto ou não5. O interessante é que, naquela época, o imposto francês tinha mais a função de registro das propriedades do que de arrecadar dinheiro para o novo regime instalado depois da Revolução. Tratava-se de um objetivo ideológico do novo Poder (burguesia) garantir a todos, indistintamente, o exercício do direito de propriedade sem nenhum embaraço da Igreja, do Estado ou da nobreza, o que era plenamente alcançado após o registro do bem e o recolhimento do imposto devido. Tanto era assim que o sistema de registro de propriedades, estritamente vinculado ao da arrecadação do imposto, um servindo ao outro, é mantido até hoje no país europeu6. No Brasil, por sua vez, o imposto a recair sobre a herança e doações se estabelece por volta de 1809, através da chamada “décima de heranças e legados” (sobre bens móveis), da “sisa dos bens de raiz” (sobre imóveis) e da “meia sisa dos escravos”, exação de 5% sobre o valor dos escravos transferidos à título gratuito, seja por doação, seja por causa de morte7.

4

Ibidem. PIKETTI, Thomas. O capital no século XXI. Trad.: DE BOLLE, Monica Baumgarten. Rio de Janeiro: Editora Intríseca. 2014. p. 329. 6 Ibidem. 7 FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Op. cit. p. 27 5

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É nesse período histórico, aliás, quando se dá início à formação, ainda que embrionária, do sistema tributário nacional, reflexo da chegada da Corte Portuguesa um ano antes, após a invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte, então imperador francês. As características dessas exações eram basicamente as seguintes, segundo nos conta Regina Celi Pedrotti Vespero Fernandes: isenção para qualquer transmissão em linha reta (ascendentes ou descentes); alíquota de dez por cento para os parentes colaterais até segundo grau; e de vinte por cento sobre o patrimônio transferido, no caso dos demais parentes. Ou seja, progressividade estabelecida com base no grau de parentesco entre o de cujus e os eventuais herdeiros8. Só a partir de 1869, entretanto, é que a transmissão em linha reta passou a ser tributada, diante da edição do decreto nº 4.355, fixando em dez por cento a alíquota para transmissão não onerosa para herdeiros necessários, ou seja, aqueles que guardam tal condição em virtude de comando legal, e não por causa do testamento feito pelo de cujus (herdeiros testamentários). Foi através desse decreto, também, que se unificou, no imposto sobre transmissão de propriedade, as exações anteriores, que de alguma forma recaiam sobre parte da herança e doações, quais sejam, a taxa de heranças e legados, a siza de bens de raiz e a meia siza de escravos9. Em 1891, foi quando restou estabelecida no Brasil a competência tributária dos Estados-membros para a tributação da transmissão, onerosa ou não, de propriedade. A Constituição brasileira de 1934 manteve tal disposição, também repetida na Carta Maior do Estado Novo de Vargas, em 193710. Esse quadro normativo é alterado em 1961, passando o imposto sobre transmissão de propriedade imobiliária inter vivos para a competência dos Municípios, depois da emenda constitucional nº 5 à Carta Republicana de 194611.

8

Ibidem. p. 26. BRASIL. Decreto nº 4.355 de 17 de abril. Regulamento para a arrecadação do imposto de transmissão de propriedade. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-435517-abril-1869-552944-publicacaooriginal-70560-pe.html >. Último acesso em: 09/11/2015. 10 FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Op. cit. p. 48 11 ARAÚJO, Petrônio Baptista de. Op. cit. p. 323. 9

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Em 1965, vem a Reforma Tributária empreendida pelos militares, através da qual se estabelece grandes mudanças na tributação do Estado brasileiro, agora sim, criando-se um sistema tributário nacional com bases mais sólidas e conceitos sistematizados, época do advento do Código Tributário Nacional. É nesse momento histórico quando se cria um imposto único sobre transmissão, a qualquer título, de bens imóveis, oportunidade em que se fundiu, num só tributo, o imposto sobre transmissão inter vivos e a exação sobre transmissão causa mortis, excluindo-se toda e qualquer tributação a recair sobre a transmissão de propriedades mobiliárias. Vale lembrar que essa previsão, até os dias de hoje, não sofreu qualquer alteração legislativa. Olhando só para o Código Tributário Nacional, válido no Direito brasileiro desde 25 de outubro de 1966, continuaria este imposto único recaindo sobre transmissão a qualquer título de bens imóveis, sendo não tributadas as operações não onerosas de bens móveis. Entretanto, assim não permanece porque a Constituição brasileira de 1988 reestabeleceu a tributação sobre a transmissão não onerosa de bens móveis, além dos imóveis, através do ITCMD, imposto que continuou sob a competência estadual, enquanto que a transferência onerosa de propriedade imóvel passou a ser gravada pelo imposto municipal de transmissão inter vivos. Por sua vez, a transmissão onerosa de bens móveis, empreendida em caráter comercial, como se sabe, é hipótese de incidência do ICMS, também de competência estadual. Aliás, quando há transferência, a qualquer título, de bens móveis, em caráter civil, não há previsão de qualquer tributo a incidir sobre a operação.

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3 BREVES CIENTÍFICO

ESCLARECIMENTOS

SOBRE

O

MÉTODO

A razão de iniciar este trabalho com tais esclarecimentos do corte epistemológico12 e do método de trabalho que tomaremos para aprofundar nosso estudo é o receio de seguir um rumo desfocado, sem método, que enseje confusão na aplicação da metodologia jurídica. Tal preocupação ficou maior quando tomamos como tema a visão analítica e hermenêutica de toda a norma jurídica que configura o ITCMD, imposto cheio de peculiaridades e fonte de profundos debates. Ademais, esses apontamentos de início hão de dar sustentação, também e principalmente, ao que iremos discorrer a respeito da teoria da regramatriz de incidência tributária, categoria a ser utilizada para a depuração analítica do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD. É verdade que estão cada vez mais em voga as análises interdisciplinares do Direito, e tais abordagens são importantes, porque representam fonte de elucidações sobre o objeto estudado. Um exemplo primordial é a análise econômica do Direito, teoria que observa o Direito e a economia para criar um terceiro discurso, que descreve o modo como o ordenamento jurídico deveria ser em busca de uma eficiência (conceito econômico) maior, ferramenta extremamente útil para a formulação de políticas públicas, por exemplo. A abordagem que fizemos no segundo capítulo desse trabalho, por exemplo, tem cunho muito mais histórico do que jurídico propriamente dito. Ali não foi produzida ciência jurídica propriamente dita, que descreve a validade jurídica dos disciplinamentos normativos. Daí, o problema é que, nesses pontos de vista, a disciplina jurídica é esquecida, produzindo-se, na realidade, estudos sociológicos, históricos, econômicos, contábeis, sobre o Direito, que, vale repetir, são extremamente válidos, mas guardam - como toda ciência - um olhar próprio sobre o fenômeno, diferente do prisma utilizado pela ciência jurídica. 12

Que quer dizer estudo do conhecimento científico.

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É esse o alerta que traz Cristiano Carvalho13, quando propõe:

Cabe ressaltar que é preciso cautela na utilização das ciências interdisciplinares, sob o risco de se confundir a aplicação metodológica de cada Ciência em particular. Não há problema, por exemplo, em utilizar-se do método econômico para interpretar o direito, desde que o intuito seja fazer Ciência da economia. Já a aplicação da metodologia das ciências econômicas no campo do Direito, com o intuito de fazer Ciência jurídica, acarretaria resultados totalmente funestos ao conhecimento do objeto pretendido.

Também assim se pronuncia Aurora Tomazzini de Carvalho, quando diz:

A evidência da adoção de um referencial filosófico e a demonstração de premissas eleitas para a construção do objeto, além de serem fundamentais para a credibilidade da teoria é, também, um ato de humildade para com o leitor. Uma série de conclusões jogadas ao léu, por mais que tenham sido construídas com propósitos sérios, reclamam o conhecimento do modelo por aquele que entra em contato com a teoria14.

Entenda-se que o que não se quer com isso, e há de se deixar bem claro, é o alijamento de qualquer olhar crítico sobre o Direito posto. Não, pelo contrário. Só que a crítica a ser engendrada (é essa nossa tentativa) virá através dos instrumentos dispostos na própria ciência do Direito, especialmente por aquela que tudo ampara, a Teoria Geral do Direito. É que “viver é recortar o mundo”15, como escreveu Pontes de Miranda, e não há um dado sequer que não chegue à nossa mente sem que ela faça o recorte necessário. O mesmo acontece com o estudo do fenômeno Direito. É preciso dizer de onde se estar partindo para defini-lo e, daí, seguir esmiuçando-o. A partida, neste pequeno estudo, se dará pelo método do Construtivismo Lógico-Semântico (CSL), aplicado pela primeira vez na doutrina 13

CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico - direito, economia e tributação. São Paulo: Quartier Latin. 2005, p. 53. 14 CARVALHO, Aurora Tomazzini. Curso de Teoria Geral do Direito – O Constructivismo Lógico-Semântico. 3ª Ed. São Paulo: Editora Noeses. 2013. p. 42 15 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. O problema Fundamental do Conhecimento. Porto Alegre: Editora Globo, 1937, p. 27.

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do direito tributário por Paulo de Barros Carvalho16, tese na qual se analisou a norma jurídica tributária sob o prisma de que a sua incidência sempre dependerá de um intérprete, que constrói a norma jurídica, aplicando-a ao caso concreto. Tal proposição é diferente do que se vê nas teorias hermenêuticas tradicionais. Estas trabalham sob a batuta da Filosofia da Consciência e colocam o intérprete como sujeito que retira dos textos positivos o sentido que neles já preexistiriam17. Pela metodologia neste trabalho adotada, não se vê como retirar sentido de um objeto. Seria como se tirar sentido de uma xícara, duma caneta ou outro objeto qualquer. Esse “sentido”, conforme entendemos, é por nós construído, de acordo com os referenciais que tomamos e com o contexto vivenciado. Por isso o nome da teoria iniciar com “Construtivismo”. Além disso, fala-se em “Lógico”, porque, pelo método, o intérprete se aproxima da compreensão do Direito utilizando-se das categorias lógicas e de suas respectivas leis, apreendendo a composição estrutural (sintática) do objeto estudado, pelo que se abstrai, nesse estágio de estudo, do lado semântico e pragmático das normas. E “semântico”, porque o Construtivismo é desenvolvido para a busca, pelo operador da linguagem jurídica, dos significados desta, auferindo-se o sentido “das acepções dos vocábulos jurídicos, às vezes vago, imprecisos e multissignificativos”18. Das próprias premissas que supõe a nomenclatura dada ao CSL, se denota que tal corte permite estudar o Direito como uma expressão de linguagem, portanto. Sendo assim, a Semiótica – ciência que estuda os signos linguísticos – é mais uma ferramenta através da qual o Direito pode ser investigado.

16

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário - Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Editora Saraiva. 1989. 17 CARVALHO, Aurora Tomazzini. O Constructivismo lógico-semântico como método de trabalho na elaboração jurídica. In: CARVALHO, Paulo de Barros... [et al.]. Constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Editora Noeses. 2014. p. 17 18 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 5ª Ed. São Paulo: Editora Noeses, 2013. p. 216

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Esta investigação se dá em três planos dessa linguagem, quais sejam: o sintático, que corresponde à relação entre os signos (suporte físico do discurso, marcas de tinta no papel); semântica, dizendo respeito à interação entre os signos e as realidades que eles representam (significações, sentidos); e pragmática, consubstanciada no estudo da relação entre os signos e o intérprete19 (aplicação dos textos no contexto comunicacional20). Quando se diz que o Direito é expressão de linguagem, está se tomando uma posição perante o fenômeno. É que tudo que for “Direito” será veiculado por meio de textos, e se toma “texto” aqui, como aquilo que possa ser entendido (seja um dispositivo de lei, uma decisão judicial, um gesto do guarda de trânsito, etc.). Além do mais, esse texto, a partir do qual serão construídas as normas jurídicas, tem um fim específico: regular as condutas humanas em sociedade, implementando valores acolhidos por esta; por isso guardam caráter prescritivo. As normas jurídicas estão estabelecidas mediante uma linguagem prescritiva porque voltadas para a aplicação, a regulação das condutas sociais. E afirmar isso equivale dizer que elas se sujeitam à lógica deôntica (do deverser) dos sistemas prescritivos, não cabendo a valoração, na análise destas, de certa ou errada, por exemplo, pois as mesmas veiculam mandamentos permissivos, proibitivos ou obrigatórios. Para ilustrar a questão, nos socorremos do exemplo que aponta Charles William McNaughton21:

Uma descrição do tipo ‘a porta está fechada’ pode ser verdadeira ou falsa. Agora, não há sentido qualificar uma ordem do tipo ‘feche a porta’ como verdadeira ou falsa. Pode ser ‘válida’ ou ‘inválida’ que são os valores lógicos que colorem a linguagem prescritiva

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Ibidem. p. 36. CARVALHO, Aurora Tomazzini. Op. cit. p. 169. 21 MCNAUGHTON, Charles William. Sistema jurídico e ciência do Direito. In: CARVALHO, Paulo de Barros [et al.]. Constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses. 2014. P. 49. 20

22

Outra questão proveniente desta tomada de posição é ter como certo o princípio da homogeneidade sintática de tais normas. Elas estão sempre estruturadas sobre uma mesma estrutura lógica: um antecedente e um consequente, relacionado por uma hipótese condicional (ex.: “dado o fato A, deve ser a consequência B”)22. Não obstante, sabe-se também que tal princípio há de conviver com o da heterogeneidade semântica, significando dizer que, mesmo com estruturação formal equivalente, as normas recebem, dos intérpretes, os mais variados significados, pois sujeitas às construções dos seus destinatários23. Aliás, é essa a prova de que o sentido não está escondido nos textos. Quem o constrói é o homem. E, no Direito, alguns desses intérpretes são autorizados pelo sistema para que suas normas jurídicas prevaleçam em detrimento de outras construções. A interpretação que irá prevalecer, portanto, será aquela transformada em norma jurídica, que passa a integrar o sistema. Noutras palavras, “o direito que prevalece num conflito de interesses é aquele construído (interpretado) pelo Judiciário”24, do contrário, se mantém aquela que o intérprete entende mais coerente com o Sistema, mais justa, justificável, etc. Se fosse diferente, não haveria razão para tantas discrepâncias interpretativas quanto aos textos normativos postos, tantas conclusões doutrinárias diametralmente opostas sobre a mesma matéria25. Se o sentido tivesse lá, naquelas letras expostas no Código Tributário Nacional, por exemplo, bastava lê-las e retirar o sentido nelas contido, o que inequivocamente não acontece. Isso porque o Direito é objeto cultural, desenvolvido historicamente e sujeito à cultura do intérprete também. Como aquele existe para concretizar valores, não se pode fugir da concepção axiológica na sua produção (legislador),

22

É importante esclarecer que tal estruturação nem sempre estará claramente disposta para o intérprete ou cientista do Direito. São eles quem enquadram as disposições do texto legal no esquema sintático das normas jurídicas. 23 LACERDA GAMA, Tácio. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2009. P. 44 24 CARVALHO, Aurora Tomazzini. Op. Cit. P.240. 25 Ibidem. P. 225.

23

compreensão (jurista) e aplicação (julgador). O poder de tributar, por exemplo, é o exercício da competência tributária voltada para a concreção de valores estabelecidos no sistema, especialmente na Constituição Republicana, fonte por excelência do Direito brasileiro. E por causa desse dado é que o Construtivismo não se descura da análise hermenêutica, indo além da concepção simplesmente analítica e sintática (lógica), insuficiente para a compreensão do Direito. Como é o homem que o constrói, à cultura do tempo daquele está atrelado o fenômeno jurídico. É atento a tal percepção que Eros Roberto Grau ensina que “apenas podemos indagar o que é e como é o direito em cada sociedade”26, ou seja, não há direito, mas sim, direitos. Cada sociedade, cada lugar e cada tempo detém o seu regime, construído histórica e culturalmente, com valores próprios. A prova disso é sempre dada nos compêndios de iniciação à ciência jurídica pelo exemplo da placa, fincada na praia, com os dizeres: proibido usar biquíni. É bem provável que, cinquenta anos atrás, a interpretação dada ao texto descrito seria no sentido de que somente o uso de maiôs, pelas mulheres, seriam permitidos. Ao revés, se interpretada dias de hoje, a probabilidade de que a norma jurídica daí construída seja no sentido de que na praia em questão praticase nudismo, pelo que seria proibido trajar qualquer roupa de banho, é bem mais plausível, diante do contexto comunicacional da época.

26

GRAU, Eros Roberto. Direito posto e pressuposto. 8ª Ed. Malheiros: São Paulo, 2011. p. 112

24

3.1

DIREITO COMO SISTEMA: SEMÂNTICA E SINTAXE

Desde os bancos da faculdade se aprende os métodos interpretativos do Direito, na cadeira de Hermenêutica Jurídica. Literal, histórica, teleológica, etc., todas são técnicas que pode o intérprete utilizar para a concretização da norma jurídica. Acontece que, nenhuma delas será suficientemente válida caso desagrade o que prelecionaria a interpretação sistêmica do Direito. Do ponto de vista hermenêutico, de construção do sentido através dos textos jurídicos, Paulo de Barros Carvalho descreve o percurso que o intérprete faz em quatro planos: S1 (plano dos enunciados), S2 (plano das proposições), S3 (plano das normas jurídicas); e S4 (plano da sistematização). O primeiro corresponde àquele dado físico no papel, o conjunto de símbolos organizados. À medida que o intérprete os lê e passa a atribuir significações a tais símbolos, estamos no S2. De posse dessas significações, ele as joga na fórmula lógico-sintática das normas jurídicas (hipotética condicional), construindo-as – fase enquadrada no plano S3. Por fim, a norma jurídica (aqui ainda em sentido estrito) é contextualizada no sistema jurídico, momento em que se estabelecem os vínculos subordinativos, de coordenação, fase última da interpretação, consubstanciada no plano S4, da sistematização27. Voltando-se, como exemplo, ao objeto central desse breve ensaio, o ITCMD, temos o seguinte: primeiro, o jurista se depara com a lei 5.887/1989 do Estado do Rio Grande do Norte. Depois, atribuindo significações ao seu suporte físico (S2), as encaixa na lógica hipotética-condicional dos sistemas prescritivos (se X, então deve ser Y) – S3 -, chegando à norma jurídica da exação tributária. Daqui, portanto, o operador partirá para o plano S4, quando porá a referida lei subordinada à Constituição brasileira e eventual portaria regulamentadora embaixo de ambas; enfim, colocará o texto normativo interpretativo em seu devido lugar, dentro do sistema jurídico28.

27

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 26ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2015. P.134/135. 28 E, é interessante notar, que, na situação dita, caso estejamos falando de um intérprete credenciado pelo sistema – por exemplo, um juiz da Vara da Fazenda Pública de Natal/RN – este irá inserir novos enunciados prescritivos mediante uma sentença, por exemplo, remetendo-se novamente ao plano S1, ditando-se um movimento incessante de interpretações, que provoca o conhecimento do Direito.

25

Tratando sobre esse percurso gerador de sentido e enfatizando a capacidade de exaustão da interpretação sistemática, em detrimento de outros métodos, Paulo de Barros Carvalho diz assim:

os métodos literal e lógico estão no plano sintático, enquanto o histórico e o teleológico influem, tanto no nível semântico, quanto no pragmático. O critério sistemático da interpretação envolve os três planos e é, por isso mesmo, exaustivo da linguagem do direito. Isoladamente, só o último (sistemático) tem condições de prevalecer, exatamente porque antessupõe os anteriores. É, assim, considerado o método por excelência.29

Por isso, no plano hermenêutico, de construção de sentido dos textos normativos (semântica), não se pode nunca perder de vista o método sistemático, metodologia por excelência, conforme leciona o citado autor. E a delimitação desse conjunto é justamente para alertar que não se pode cair na armadilha da “interpretação do Direito por tiras”, prática há muito condenada por Eros Roberto Grau. Ao tratarmos, nesse estudo, do ITCMD, não poderemos nos furtar de estabelecer o quadro normativo em que ele se encontra (plano S4). O regime jurídico ao qual se submetem os impostos, os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, seus princípios, as imunidades tributárias, as regras que estabelecem a competência tributária e, inclusive, as normas jurídicas advindas do que estabeleceu o legislador privado, enfim, todo o sistema jurídico. Essa diretriz hermenêutica tem sua razão de ser na estruturação sintática do Direito enquanto sistema. Abstraindo-se da semântica e fixando-nos na análise sintática, também temos que o Direito é uno, por isso sistema jurídico. E o que é sistema, nesse aspecto? Para Paulo de Barros Carvalho, “onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência

29

CARVALHO, Paulo de Barros. 2015. Op. cit. p. 100

26

determinada, teremos a noção fundamental de sistema”30. Indo mais além, Cristiano Carvalho31 encontra quatro acepções principais para o vocábulo:

1) conjunto de partes coordenadas entre si; 2) reunião de proposições, de princípios coordenados de molde a formarem um todo científico ou um corpo de doutrina; 3) reunião, combinação de partes reunidas para concorrerem para um certo resultado; 4) método, combinação de meios de processo destinados a produzirem um certo resultado.

E Roque Antônio Carrazza32 complementa:

sistema, pois, é a reunião ordenada de várias partes que formam um todo, de tal sorte que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras. As que dão razão às outras chamam-se princípios e o sistema é tanto mais perfeito, quanto em menor número existam

Nota-se, portanto, que além de pressupor uma ordem estabelecida, o sistema necessita de elementos conformadores desse arranjo, no caso, os princípios. Outrossim, essa coordenação entrepartes, da qual Cristiano Carvalho trata, existe porque cada sistema opera com uma linguagem própria, um código próprio. Enquanto

que

na

política,

por

exemplo,

o

código

binário

governo/oposição é preponderante, ou, na Religião, sagrado/profano; no Direito, lícito/ilícito (direito/não direito) é que ocupa esse lugar. Esse código de comunicação própria evidencia que o sistema jurídico trabalha em níveis de complexidades e abstrações distintas. “O que não está nos autos, não está no mundo da decisão” é o jargão típico que explica a peculiaridade desse sistema 33. À mesma conclusão se chega quando estamos diante do princípio do non-liquet, ou da proibição de denegação de justiça, que impede o Direito de se abster de dizer o que ele mesmo é, ou seja, de dar a última palavra sobre o que é jurídico (permitido e/ou obrigatório) ou não jurídico (proibido). 30

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário - fundamentos jurídicos da incidência. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 4. 31 CARVALHO, Cristiano. Op. cit. p. 38 32 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário Brasileiro. 10ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2010. p. 4 33 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão judicial. 2ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2011. p. 76

27

Para Lourival Vilanova, tal dever de julgar confere a completude ao sistema jurídico, que é reproduzido por ele mesmo, à medida que o Direito impõe ao próprio Direito, por intermédio de um elemento seu (juiz), o dever de se autocriar, reproduzindo-se num ciclo. Disso se retira que o Direito é um sistema dito autopoiético, conforme a dicção de Niklas Luhmann34. E é desse fenômeno também por meio do qual se constata que, enquanto sistema, o Direito opera de modo fechado e aberto, ao mesmo tempo. Primeiro, é fechado porque, como se vê, ele se reproduz, produzindo novas normas jurídicas, utilizando-se de códigos internos ao próprio sistema jurídico. Segundo, fala-se em operação aberta, também, pois essa demanda externa – que ele resolve via seus elementos internos – representa exatamente a abertura cognitiva do sistema35, ou seja, as demandas ocorridas no estrato social chegam a ele, que transforma esses códigos externos em linguagem jurídica, e devolve novas prescrições a integrarem o sistema. Contudo, é importante deixar claro que essa constatação não quer dizer que o sistema jurídico abarcaria unicamente esse percurso de criação “autêntica” ou “oficial” do Direito. Este é produzido, dia após dia, no bojo das relações sociais pela iniciativa privada e os indivíduos. Sobre o tema, eis o que ensina Celso Fernandes Campilongo, sempre amparado na teoria dos sistemas de Niklas Luhman:

a comunicação acerca do direito ocorre, na maioria das vezes, fora do circuito composto por tribunais, juízes, promotores e advogados. Basta pensar nas incontáveis estratégias de criação privada do direito e nos variados mecanismos que filtram as questões jurídicas com acesso aos Tribunais. Ou seja, a periferia do sistema jurídico opera num grau de complexidade mais elevado do que o seu centro. O sistema jurídico espera, sem que isso o desfigure ou enfraqueça, que a maioria das comunicações jurídicas de sua periferia não desemboque no seu centro, isto é, nos tribunais (do mesmo modo, o sistema político organiza-se de forma que nem todas as comunicações políticas se transformem em decisões coletivamente vinculantes).36

34

Ibidem. p. 81 Ibidem. p. 82 36 Ibidem. p. 84 35

28

Dito isso, para concluir, cabe uma importante distinção, muitas vezes não lembrada pela Doutrina, fazendo confundir os tais códigos próprios do sistema jurídico. É que, ao nos aproximarmos do fenômeno jurídico, é importante não perder de vista que a classificação estabelecida em matérias do direito tributário, família, sucessório, trabalho, etc. -, está situada unicamente no sistema da ciência do direito (dogmática), portanto, numa meta/sobrelinguagem (que descreve outra linguagem), não sendo qualidade do Direito, que é objeto daquela. Logo, vale sempre diferenciar os dois sistemas com os quais se depara: o Direito positivo, sistema prescritivo composto por normas dirigidas à regulação da conduta humana no plano das relações sociais, e ciência do Direito, vertida em linguagem descritiva do Direito, linguagem essa submetida à lógica apofântica (ser ou não ser, verdade ou falso, lógica das ciências, ou lógica clássica), que constrói o sentido desse objeto, por isso consubstancia-se como metalinguagem (outra camada de linguagem) em relação ao Direito positivo37. Descrito o caráter sistêmico do Direito positivo, diferenciando daquele visto na ciência do Direito, passa-se ao estudo dos elementos conformadores desse primeiro sistema, vale dizer os princípios jurídicos.

37

CARVALHO, Paulo de Barros. 2015. Op. cit. p. 35

29

4 DOS PRINCÍPIOS JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS

Conforme já citamos, os princípios atuam num sistema como elementos de sustentação e, no Direito, não é diferente. Eles levam nas costas justamente a carga valorativa (axiológica) e servem, por isso, de norte interpretativo das normas que compõem o sistema, assim como de “norte legislativo” daquelas que por ventura venham a integrá-lo (direcionados, portanto, ao legislador em sentido amplo). Princípios podem, enquanto norma jurídica propriamente dita, trazer os valores que fundam o sistema jurídico ou, também nessa condição, representar limites objetivos - vale dizer, instrumentos jurídicos - para a efetivação desses valores. Além disso, se fala em mais dois usos dessas categorias: na condição de valores inseridos em normas jurídicas de posição privilegiada no sistema, além de limite objetivo inserto nas normas jurídicas, mas ambos independentes da estrutura normativa em que estão inseridos. Na conceituação de Eurico Marcos Diniz De Santi, os princípios jurídicos interferem diretamente na formulação da norma jurídica, moldando sua estrutura, tanto no antecedente (hipótese), quanto no consequente normativo (relação jurídica estabelecida). Nas palavras do autor, princípios jurídicos são:

fragmentos normativos, unidades de significação de enunciados normativos, que integram o arcabouço de normas jurídicas, alterando, constituindo (positiva e negativamente) e delineando a estrutura dual da regra, seja pelo antecedente, seja pelo seu consequente normativo.38

Naquelas duas primeiras acepções, portanto, fala-se em princípios como normas jurídicas, nas duas últimas, inclusive na abarcada pelo jurista citado, eles são valores ou limites objetivos trazidos pelo sistema, que apesar de integrarem, em alguns momentos, a construção das normas jurídicas, estão destas independentes39.

38 39

DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento tributário. São Paulo: Editora Max Limonad. 1999. p. 94. Ibidem. p. 157.

30

No sistema tributário nacional, por exemplo, temos a isonomia tributária, capacidade contributiva e vedação ao confisco como princípios jurídicos veiculadores de valores, no caso, constitucionalmente previstos, assimilados pelo estudioso através do instrumental da axiologia, ou teoria dos valores. Por outro lado, são limites objetivos tributários, por assim dizer, a legalidade, irretroatividade tributária, ou até as imunidades40. Para checar o cumprimento, pelo legislador, desses últimos princípios, basta fazer a subsunção do fato à norma (ex.: verificar se a norma tributária produziu efeitos no mesmo exercício, em descumprimento à anterioridade tributária), enquanto que analisar se uma norma tributária cumpre o princípio da isonomia, justiça ou segurança jurídica requer um esforço argumentativo bem maior, hercúleo, diríamos. Noutro prisma de discussão, não se pode perder de vista que, às vezes, os princípios jurídicos não estão descritos especificamente num ou outro dispositivo, legal ou constitucional. Para identifica-los, é preciso que o intérprete percorra um caminho maior sobre os textos normativos, a fim de que, da interpretação de diversas partes do sistema jurídico, encontre o princípio jurídico, que muitos chamam de implícito, mas que na verdade está explícito, só que não em um só texto específico, mas sim em vários deles, cabendo ao estudioso sua identificação e fundamentação dentro do sistema. Diante de tais enunciações, passemos à análise dos princípios constitucionais, já que é na Constituição (individualizada num instrumento ou não) onde se identifica a norma basilar do sistema jurídico, não perdendo de vista tudo quanto fora dito até o momento. Ressaltamos que a abordagem não tem ânimo exaustivo, diante da infindável carga semântica que deveria ser colocada nos conceitos vindos à tona. Por isso, a análise se dará mais no sentido de compreender a maneira como os determinados princípios jurídicos, seja na condição de normas jurídicas, sejam na condição de valores ou limites objetivos, repercutem, ou devem repercutir, sobre a construção da norma jurídica que sobressai dos textos legais 40

CARVALHO, Paulo de Barros. 2013. Op. cit. p. 292

31

relacionados ao imposto sobre heranças e doações estabelecido no sistema jurídico brasileiro.

32

5 PRINCÍPIOS DA REPÚBLICA E DO PACTO FEDERATIVO

“Tanto o princípio republicano quanto o princípio federativo são os alicerces necessários da presente formação do Estado brasileiro”41. E é logo no caput do artigo 1º onde se encontra a disposição constitucional que ampara esses dois princípios fundadores. O dispositivo inicial da Carta Magna do Brasil ordena que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democrático de Direito (...)”, deixando expressa a opção pelo sistema político-administrativo republicano, composto - indissoluvelmente - pelos Estados, Municípios e Distrito Federal. Em seguida, elevando ao patamar de imutável sua opção - pelo menos na Constituição vigente -, o constituinte escolheu como cláusula pétrea a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais, impedindo a proposta de emenda constitucional que tenda a abolir tais formulações (art. 60, §4º). No sistema constitucional tributário, tais princípios, e especialmente o do pacto federativo (que, lembremos, não pode ser interpretado isoladamente no sistema), também repercute (limita) na forma como o legislador (em sentido amplo42) há de tratar sobre o sistema tributário nacional. Ele - o princípio - traz o valor da autonomia dos entes federativos e garante que essa autonomia seja privilegiada, tanto do ponto de vista tributário, como do financeiro em geral. Diz-se do ponto de vista tributário, porque o sistema jurídico garante que cada ente federativo exerça plenamente, sem embaraços, a sua competência e administração tributárias.

41

CARVALHO, Paulo de Barros. 2013. Op. cit. p. 293 Enquanto que legislador em sentido amplo representa todos aqueles que produzem Direito, normas jurídicas, como por exemplo: juízes, membros de um Tribunal de Contas, policiais, etc., o legislador em sentido estrito corresponde exclusivamente ao produtor da lei, em seu sentido formal, vale dizer, os membros do Poder Legislativo que ali estão por força democrática. 42

33

Ricardo Lopes Becho ainda encontra nos princípios da República e da Federação outros que deles decorrem, na seara tributária. Provém do princípio republicano, os princípios da indelegabilidade da competência tributária e da vinculabilidade da tributação. Por outro giro, decorrendo do princípio federativo, identifica-se o princípio da autonomia municipal, da não discriminação tributária em razão da procedência ou destino dos bens, da territorialidade e da uniformidade da tributação43. No caso aqui em estudo, os princípios em estudo atuam para que os Estados guardem sua competência sobre o ITCMD, legislando - claro que dentro dos limites também constitucionais do sistema - a respeito do citado imposto e impedindo que entes diversos avancem sobre esse campo competencial, que é único e exclusivo, segundo a Constituição da República Federativa do Brasil. Por outro lado, fala-se também do ponto de vista financeiro porque não há como se falar autonomia federativa se não é dada a autonomia orçamentária, financeira, aos entes que compõem o Brasil, razão pela qual a Constituição também prega, por intermédio de tais princípios, que os entes federados tenham capacidade de se autogerirem financeiramente, sem dependência uns dos outros. Além do mais, os ditos princípios constitucionais, apesar de “fundantes”, ou seja, direcionados aos fundamentos da estrutura políticoadministrativa estatal, eles repercutem perenemente nos direitos e garantias dos contribuintes, sujeitos passivos da relação jurídico-tributária. Ora, se determinado ente tributante invade a competência tributária de outro, legisla e cobra tributo que a Constituição determina competir a outro ente, é o sujeito passivo o lesado, cabendo-lhe a insurgência contra a exação indevida, que desrespeita a autonomia das unidades federadas44, por isso a importância dos citados princípios também no prisma “micro” do sistema, por assim dizer.

43

BECHO, Ricardo Lopes. Lições de Direito Tributário – teoria geral e constitucional. São Paulo: Editora Saraiva. 2011. p. 361 44 CARVALHO, Paulo de Barros. 2013. Op. cit. p. 291.

34

6 DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

O princípio jurídico-tributário da capacidade contributiva é corolário da isonomia tributária (art. 150, II, CRFB), que, por sua vez, vincula-se ao princípio da igualdade, elencado no art. 5º, caput, da Constituição brasileira. Ele, além de estar vinculado topograficamente na Constituição aos impostos, tem sua aplicação nessas espécies controvertida em certas situações, diante da postura consciente do constituinte ao aduzir que esse tipo de tributo, só quando possível, terá caráter pessoal e será graduado conforme a capacidade econômica do contribuinte. Eis o teor do art. 145, §1º da CRFB:

Art. 145, § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.45

Paulo de Barros Carvalho46, sem deixar de criticar a diferenciação entre capacidade contributiva absoluta e relativa trazida pela doutrina (segundo ele, incialmente pelo jurista espanhol Vicente-Arche Domingo), entende que o princípio da capacidade contributiva resta obedecido quando o legislador apanha dos fatos sociais aqueles que têm consigo uma repercussão econômica, presumem riqueza, supondo o Estado que tais contribuintes possuem condições de arcar com seu preço. Para o citado autor, capacidade contributiva seria tão somente a absoluta, não havendo que se falar em capacidade contributiva relativa. Na verdade, esse preceito decorreria do próprio princípio da justiça, alcançado via aplicação, no caso, da proporcionalidade, além da igualdade (art. 5º, caput) e da própria vedação ao confisco (art. 145 IV), fundamentos esses que obrigam o legislador na aplicação da proporcionalidade em toda e qualquer exação tributária que componha o sistema.

45 46

BRASIL. Constituição Federal de 1998. Art. 145, §1º. CARVALHO, Paulo de Barros. 2013. Op. cit. p. 333

35

Luís Eduardo Schoueri47, ao contrário, adota o referido critério dizendo que a capacidade contributiva, além de ser “um parâmetro para a distinção entre situações tributáveis e não tributáveis” (absoluta), é “um limite ou critério para a graduação da tributação” (relativa). Com palavras diferentes: além de pinçar fatos sociais valoráveis economicamente (absoluta), é dever do legislador, segundo o valor expresso na capacidade contributiva, arrumar a norma jurídico-tributária de forma tal que, quem detenha maior riqueza, pague sempre proporcionalmente mais imposto do que aquele menos abastado (relativa). Sabendo-se dessa fragmentação da capacidade contributiva, que adotamos existente, não se pode esquecer, porém, que temos impostos cujo fato-signo que presume essa riqueza se volta para aspectos diferentes da conta bancária, do patrimônio como um todo, ou das fontes de renda do contribuinte, ou seja, não guardam o caráter pessoal, nem são graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte48. É o caso do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbano - IPTU, exemplo de imposto dito “real” (em referência a coisas), conforme denomina a doutrina. O mesmo pode se dizer do ICMS, ou ISS, os quais, embutidos nos preços dos produtos e serviços, não se vinculam às características econômicas pessoais de quem os adquire. Tanto o rico quanto o pobre paga o mesmo valor a título de tributo num quilo de arroz ou num serviço médico, como exemplos. Por isso há quem professe que o princípio da capacidade contributiva, na sua acepção relativa, só poderá produzir efeitos no caso dos impostos ditos “pessoais”, como o Imposto de Renda, por exemplo. E, assim, essa seria a razão para a expressão constitucional “sempre que possível”, exposta no artigo 145, §1º, anteriormente citado49. Diferentemente de Elizabeth Nazar Carraza e outros, Paulo De Barros Carvalho aponta que a ressalva - “sempre que possível” - feita pelo constituinte, é ineficaz, inócua, já que, independentemente desse preceito, o legislador 47

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 332. CARAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU e progressividade. Igualdade e capacidade contributiva. Curitiba: Editora Juruá. 1992, p. 50 49 Ibidem. 48

36

poderá sempre escolher quando poderá ser cumprido ou não os dizeres do art. 145, §1º, da CRFB, de modo que a dicção referida seria indiferente ao poder optativo do legislador quanto à vinculação ou não, dos impostos, ao caráter pessoal e capacidade econômica do contribuinte50. Noutro ponto de vista, seguindo a interpretação de Roque Antônio Carrazza, a expressão “sempre que possível”, consignada pelo constituinte na enunciação do princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º), é justamente para prescrever que sempre quando “a regra-matriz do imposto (traçada na Constituição Federal) permitir, ele deverá necessariamente obedecer ao princípio da capacidade contributiva [relativa]” 51. A isso equivale dizer que, quando o imposto captar fato vinculado à pessoa (renda, por exemplo), deve-se obedecer a capacidade contributiva relativa, trazida no art. 145, §1º. Do contrário será quando o fato-signo presuntivo de riqueza se voltar para coisas, bens em geral, independentes da capacidade econômica global do contribuinte (exemplo: IPVA, IPTU), situações em que não será possível instituir impostos com caráter pessoal, nem graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. Dentro desse quadro, eis a pergunta, referente ao conteúdo central dessa atividade: a regra-matriz de incidência tributária do ITCMD permite a sua curvatura ao princípio da capacidade contributiva (relativa)? Vejamos. Bem, o imposto estadual objeto deste trabalho abarca duas regrasmatrizes e, portanto, duas hipóteses e dois consequentes normativos. Quando se der uma transferência de bem, móvel ou imóvel, em razão da morte do proprietário, incidirá o ITCMD (claro que não havendo imunidade, isenção e estando validada pelo sistema a norma jurídica aplicada, claro). Também caberá a exação quando perfectibilizada - nos termos da legislação civil - uma doação, seja de bens móveis, seja de imóveis. Por isso, partimos do pressuposto de que o Imposto sobre heranças e doação recai sobre a transmissão de coisas que, em muitas das vezes, não

50 51

CARVALHO, Paulo de Barros. 2013. Op. cit. p. 336 CARRAZA, Roque Antônio. 2010. Op. cit. p. 110.

37

encontram na capacidade econômica do contribuinte a justificativa de sua cobrança em valor maior ou menor. Em viés diferente do adotado aqui, pondera Ricardo Lobo Torres a respeito do “princípio da personalização”, expresso em várias leis alienígenas que preveem a graduação do imposto tomando por base o grau de parentesco entre herdeiro e de cujus, pelo que o ITCMD seria um imposto pessoal, e não mais real, como ordinariamente se entendia. No mesmo sentido caminha Aliomar Baleeiro, cujo entendimento é resumido dessa maneira: sendo a base de cálculo do Imposto sobre herança o valor líquido dos quinhões e legados herdados, tende a considerar a exação sobre transmissão causa mortis como de caráter “direto e pessoal sobre o herdeiro, e não imposto real sobre o monte ou espólio”52. Para fundamentar isso, o autor aponta:

Embora Nitti inclua o imposto sucessoral entre os indiretos, sua moderna utilização sobre os quinhões hereditários coloca-os entre os diretos e pessoais. As legislações contemporâneas acentuam diferentes caraterísticas da personalização atual desse tributo, especialmente quanto: a) à discriminação pelo grau de parentesco (alíquotas menores entre descendentes, ascendentes e cônjuges; médias para colaterais e pesadas entre estranhos – cresce o índice numérico de progressão à medida que se distancia o parentesco); b) à isenção para pequenos quinhões, sobretudo se os herdeiros são órfãos, assim como para instituições filantrópicas; c) às reduções para herdeiros de avançada idade ou que não são ricos; d) à escala progressiva, segundo o vulto dos quinhões; e) à agravação do tributo, se o herdeiro reside noutro Estado ou no estrangeiro; f) à possibilidade de encarar os encargos de família do defunto e do herdeiro para mitigação da tabela (lei francesa que estabelece deduções quando o de cujus deixa vários filhos ou quando os tem numerosos o herdeiro).

Em nota de atualização da obra do referido autor, Misabel de Abreu Machado Derzi defende o mesmo, trazendo alguns exemplos de países que,

52

BALEEIRO, Aliomar. Atualiz.: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar. 2014. P.343

38

considerando o imposto sobre heranças como “imposto pessoal”, utiliza-se da progressividade na tributação sobre herança53. Em que pese a ponderação graúda dos estudiosos, com ela não concordamos. E por duas razões: em primeiro lugar, a progressividade, quando submetida aos critérios de filiação, conforme leciona Aliomar Baleeiro, não capta parâmetros econômicos para sua aplicação. Essa graduação por grau de parentesco fere, frontalmente, o princípio da capacidade contributiva absoluta, pois baliza a tributação por fatores alheios à capacidade econômica que eventualmente detenha o herdeiro. Dito de outro modo, a progressividade instalada nesses moldes não capta fatos econômicos para graduar a tributação, desrespeitando claramente a capacidade contributiva absoluta, descritas linhas atrás. Ainda nessa primeira razão, se discorda especialmente de Misabel de Abreu Machado Derzi quando ela descreve que pensar contrariamente à progressividade por grau familiar é esquecer-se da proteção constitucional à família, elencada no art. 226 da Constituição brasileira, relembrando os ensinamentos que reproduzimos no início deste trabalho, quanto à unidade do sistema jurídico54. Na nossa visão, a tributação progressiva pautada na filiação, não encontrando fundamento na capacidade contributiva absoluta, é inválida perante o sistema constitucional vigente, restando insustentável frente ao sistema jurídico posto. Ora, não é lógico defender a proteção especial à família como princípio constitucional a gerar efeitos sobre a tributação, defendendo, ao mesmo tempo, maiores alíquotas sobre o patrimônio daqueles que também são família, mas guardam menor grau de parentesco com o de cujus. O fato de se tributar de modo mais gravoso os parentes mais longínquos, não quer dizer que se está protegendo especialmente a família. A

53 54

Ibidem. p. 345 Ibidem. p. 360

39

primeira providência não leva ao cumprimento do art. 226 da Constituição Republicana, conforme descreve a autora Por outro lado, estamos com Roque Antônio Carrazza para entender que a regra-matriz de incidência do ITCMD não permite o cumprimento do princípio jurídico da capacidade contributiva relativa. E veja-se que a conclusão doutrinária tem um porquê, segunda razão de nossa discordância com os autores supracitados. É que o fato de tributar coisas, apesar de ser um aspecto econômico (portanto, cumprir a capacidade contributiva absoluta), não garante que o mais rico pague mais imposto que o mais pobre, restando inoperante o poder da capacidade contributiva relativa. Se ambos recebem de herança uma casa avaliada em R$ 200.000,00, que para aquele será utilizado como investimento e a este servirá de morada, ambos pagarão o mesmo valor a título de ITCMD, alijada, daí, a capacidade contributiva enquanto parâmetro da exação (relativa). Nesse caso, a graduação da tributação, em alíquotas progressivas com o patrimônio, de nada serviria para identificar quem possuísse mais riqueza e, via de consequência, faze-lo pagar mais imposto. Daí porque, tomando a progressividade como instrumento da capacidade contributiva (relativa)55, temos que ela não poderá ser utilizada pelo legislador estadual no caso do ITCMD, pelo que se descreveu linhas atrás. Repita-se: ainda que as alíquotas do ITCMD sejam proporcionais, crescendo de acordo com o valor do patrimônio doado ou transferido pela morte, a capacidade contributiva relativa continua a ser descumprida. O sujeito pobre que recebeu um imóvel, avaliado em R$ 200.000,00, pagou o mesmo montante

55

Sabendo que tal proposição não é unânime, temos que Linneu Albuquerque de Mello entende diferente: “O princípio da capacidade contributiva exige que os contribuintes que possuem maior capacidade de contribuir devam pagar mais tributo. Apenas isso. Tal princípio não demanda que o tributo seja progressivo. O que demanda que o tributo seja progressivo é o ideal redistributivo do Estado Social de Direito. (...) O assunto não é pacífico. O próprio Humberto Ávila, na mesma obra citada, afirma que a progressividade decorre da capacidade contributiva. Ricardo Lobo Torres, a seu turno, entende que a progressividade é a concretização da capacidade contributiva, princípio este vinculado à ideia de justiça.”. MELLO, Linneu de Albuquerque. Progressividade do imposto de renda no Brasil. In: TORRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Ordem econômica. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 503.

40

de ITCMD que o filho de certo investidor imobiliário, que havia recebido um imóvel, de igual valor, cujos frutos lhe serviriam de mesada, por exemplo. E aqui vale relembrar trecho do voto vencido que proferiu o Ministro Marco Aurélio de Mello no Recurso Extraordinário nº 562.045/RS. O raciocínio empreendido pelo membro da Corte foi o mesmo:

Ora, como fiz ver no julgamento do Recurso Extraordinário nº 234.105/SP, da relatoria do ministro Carlos Velloso, aquele que compra um bem de vinte mil reais não pode receber tratamento tributário semelhante ao que adquire um bem de um milhão de reais. É patente: quem compra ou possui imóvel de valor exorbitante revela maior capacidade contributiva, pode pagar mais tributo. Quem recebe esses mesmos bens em herança, doação ou legado, por fato alheio à vontade, talvez não apresente igual capacidade 56.

Entretanto, não é assim que se posiciona o Supremo Tribunal Federal. Desde o julgamento do Recurso Extraordinário nº 562.045/RS, cuja repercussão geral restou reconhecida, o Supremo passou a entender pela constitucionalidade de lei estadual que institua a progressividade de alíquotas para os “impostos reais”, especialmente do ITCMD. Antes disso, já se havia declarado a inconstitucionalidade da progressividade do IPTU - alheia ao art. 156, §1º, CRFB - (RE 153.771/MG) e do ITBI (RE 234.105/SP). Este último resultou na aprovação da súmula 656 (“É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis com base no valor venal do imóvel”), de modo que a jurisprudência da Corte Suprema seguia o entendimento adotado neste trabalho até o citado julgado. A interpretação que se mostrou vencedora na mudança de paradigma vingada pelo RE 564.045/RS fora aquela inaugurada pelo Ministro Eros Grau, detentor do voto divergente do relator originário, Ministro Ricardo Lewandowski. Para o autor, a expressão “sempre que possível”, indicaria que todos os impostos devem subserviência ao princípio da capacidade contributiva relativa, mesmo os que não tivessem caráter pessoal.

56

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 562.045/RS. Tribunal Pleno. Relatoria originária: Ministro Ricardo Lewandowski. Relatoria para o Acórdão: Ministra Cármen Lúcia. Publicação em Diário de Justiça eletrônico: 27/11/2013.

41

Todavia, em razão de tudo que já se descreveu aqui neste tópico, não temos por que concordar com a interpretação dada pela nossa Corte Constitucional.

A

interpretação

encabeçada

pelo

Ministro

Eros

Grau

simplesmente faz de conta que não existe a expressão “sempre que possível”. Ora, se o constituinte quisesse ter dito que todos os impostos, sem exceção, deveriam se submeter ao princípio da capacidade contributiva, assim o faria sem colocar, no texto, a expressão “sempre que possível”. Bastaria o comando e pronto. É regra interpretativa clássica a de que não há nos textos normativos palavras inúteis. Ainda neste ponto particular, e caminhando para a conclusão do tópico, é importante ressalvar que a progressividade é permitida pelo STF única e exclusivamente quando ela abraçar o princípio da capacidade contributiva absoluta. Vale dizer: as alíquotas podem ser tanto maiores quanto maior for tamanho do patrimônio transferido, e só. Não é válido texto normativo que crie maiores alíquotas tomando por base outra coisa a não ser essa. Leis estaduais que trazem o grau de parentesco entre o de cujus e os herdeiros, por exemplo, são inconstitucionais, segundo já se manifestou o Supremo Tribunal Federal57. Conforme expusemos antes, essas leis, quando progressivas em razão da filiação, não retiram dos fatos sociais aqueles com repercussão econômica e, portanto, não cumprem a capacidade contributiva (absoluta) Conclusão: no Direito brasileiro, hoje, a progressividade de alíquotas, instrumento da capacidade contributiva relativa, é válida sim, e para todos os impostos, só que deve ser utilizada de acordo com a capacidade contributiva absoluta, captando fatos econômicos para fundamentar sua instalação.

57

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 854.869/PE. Orgão julgador: Segunda Turma. Relatoria: Ministra Cármen Lúcia. Julgamento em 25/08/2015. Divulgação em Diário de Justiça eletrônico: 03/09/2015.

42

7 PROPRIEDADE E VEDAÇÃO AO CONFISCO TRIBUTÁRIO

Se é verdade que o princípio da capacidade contributiva encontra-se nas dobras do da isonomia, não menos correto dizer que a vedação ao confisco - estabelecido pelo art. 150, inciso IV da Constituição do Brasil - está imbricado com o princípio jurídico da propriedade, presente no art. 5º, inciso XXIII e no art. 170, II, ambos da Carta Maior. O princípio ora em estudo é daqueles que demanda grande esforço analítico-hermenêutico do intérprete para conceituação. Conforme leciona Ricardo Lopes Becho, a sua elucidação está no campo dos juízos a posteriori, posto que é na experiência que o intérprete poderá identificar o (des)respeito ao comando, atividade sempre mais fácil de desempenhar quando atenta à axiologia (teoria dos valores) que resvala sobre o ditame constitucional58. Isto porque, como sugerido no início deste trabalho, sabemos que o Direito é fruto de um contexto cultural e prescreve condutas que buscam, através de normas jurídicas submetidas à lógica deôntica (dever-ser), atingir determinados valores, que merecem observação desde a criação (legislador) até a sua aplicação (intérprete). Pois bem. Quanto à vedação ao confisco, a Constituição de 1934 deixava tudo mais simples: fixava em vinte por cento do valor do tributo o limite máximo para a tributação (artigo 185). Não obstante, o sistema jurídico atual não prevê tal teto. E é melhor que assim o faça, já que somente diante do texto normativo é que permitirá se construir a norma jurídica cabível. Não obstante isso - e aqui tentando avançar na atribuição de sentido ao ditame, num primeiro estágio de reflexão - ninguém discorda que o tributo será confiscatório quando aniquilar, destruir a propriedade privada, ou seja, no momento em que absorver toda a renda ou patrimônio do contribuinte. Exemplo: se o sujeito detém uma renda de R$ 10.000,00, será indiscutivelmente confiscatório o tributo que for no valor de R$ 10.000,00. Disso ninguém tem por que discordar.

58

Op. Cit. p. 424.

43

Em segundo plano, o princípio do não confisco relaciona-se, também, com “a insuportabilidade da carga à luz do princípio da existência digna”59, porque além de não poder destruir totalmente a propriedade privada do contribuinte, o legislador está proibido de adentrar na parcela mínima vital à existência digna daquele60. Nas palavras do então Ministro Ilmar Galvão: “não precisa tirar do bolso do servidor tudo que ele ganha para que haja confisco. Basta tornar insuportável sua vida”61. Avançando ainda mais, concordamos com Ayres Fernandino Barreto62 quando ele ensina que restará descumprido o princípio constitucional:

sempre que houver afronta aos princípios da liberdade de iniciativa, ou de trabalho, ofício ou profissão, bem assim quando ocorrer absorção, pelo Estado, de valor equivalente ao da propriedade imóvel ou quando o tributo acarretar a impossibilidade de exploração de atividades econômicas.

Portanto, o limite objetivo advindo da propriedade privada revela que nem o Estado, nem outros cidadãos, podem interferir no direito que cada um sujeito tem de possuir bens. E mais: é ilícito depredar, também, o meio utilizado por aquele que busca possuir bens. Esse meio que falamos é a livre iniciativa e o trabalho, fundamentos do sistema econômico constitucional (art. 170, caput, CRFB). Voltando todas essas reflexões para análise do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, vê-se que, nesse caso, apesar de continuar a dificuldade na sua delimitação semântica, o não confisco ganha especial relevância, tendo diferentes desdobramentos. Primeiro porque o que se tributa, especialmente na transmissão causa mortis, é patrimônio construído anteriormente pelo de cujus e sujeito à tributação 59

SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. p. 342. Neste particular, é imperioso admitir a grande dificuldade de delimitação semântica de tais preceitos. Existência digna, carga tributária insuportável, mínimo existencial, são daquelas acepções muito vagas, imprecisas e ambíguas. O dever hermenêutico, como já dissemos, é pesado e árduo. 61 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 20102/DF. Plenário. Relator Ministro Celso de Mello. Publicação no Diário de Justiça Eletrônico: 12/04/2002. 62 BARRETO, Aires Fernandino. Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1986, p. 108. 60

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durante toda a vida deste, de modo que não se trata de um patrimônio novo, como um ganho de capital sujeito ao Imposto de Renda. Em segundo lugar, conforme se tratará no item seguinte, o direito fundamental à herança, estabelecido pela Constituição do Brasil, no seu art. 5º, inciso XXX, atua claramente como mais um limite-objetivo (não só em aspectos tributários), somando-se em carga valorativa ao princípio da vedação ao confisco tributário, limitando ainda mais o avanço destruidor da tributação sobre a herança. Esses dois aspectos revelam que, no ITCMD, o princípio da vedação ao confisco via tributação ganha ainda mais força, merecendo, especialmente, ainda maior atenção pelo legislador (fala-se aqui em sentido estrito), quando da edição de textos normativos que alterem sua estrutura, especialmente seus aspectos quantitativos (base de cálculo e alíquotas).

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8 DO DIREITO FUNDAMENTAL À HERANÇA

A herança e, consequentemente, a sucessão causa mortis, são institutos que instrumentalizam a continuidade das relações jurídicas frente à finitude do humano, impedindo, assim, distorções e paralisia do sistema jurídico em face das alterações vividas no tecido social. A Constituição brasileira alocou no art. 5º, inciso XXX, a seguinte asserção: “é garantido o direito de herança”, direito individual fundamental, portanto, impossível de modificação mediante emenda constitucional, nos termos do art. 60, §4º, inciso IV, também da Carta da República. Em sua acepção semântica, herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações que constava em nome de quem faleceu e que não foram extintos em razão da morte. Diz-se “conjunto” porque, segundo o Direito brasileiro, a herança é um bem unitário, além de ser considerado imóvel63. E fala-se “que não foram extintos em razão da morte”, porque não estão contidos na herança direitos personalíssimos do de cujus, como, por exemplo, o cargo de consultor executivo de determinada Sociedade Anônima. Em palavras mais claras: “Herdeiros sucedem no patrimônio, não na pessoa do de cujus”64. Aqui, também (mais uma prova do Direito enquanto sistema), observa-se que o direito fundamental guarda relação com outros princípios, seja o da liberdade (art. 5º, caput), propriedade (art. XXII) e, mais especificamente, da livre iniciativa econômica (art. 170, II) e da proteção à família (art. 226, caput), todos escritos no texto constitucional. A norma jurídica daí construída revela comando destinado ao legislador (em sentido amplo). A determinação é no sentido de que qualquer intervenção estatal (seja de expediente tributário, de mudanças no rito

63

BRASIL, Código Civil. Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: II - o direito à sucessão aberta. 64 MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lênio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang; CANOTILHO, J. J. Gomes. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva e Almedina. 2013. P. 337.

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processual das sucessões, etc.) que atinja direito de herança não pode ser no sentido de extingui-lo, nem de torna-lo inviável, de difícil exercício. Assim, a análise do ITCMD, especialmente em sua matriz da transmissão causa mortis, deve perpassar também por este princípio jurídico, sabendo-se que é inválida norma jurídico-tributária que confisque ou inviabilize a herança, não só pela vedação ao confisco tributário, mas, também, pelo direito fundamental garantido pela Constituição, por isso a intensidade normativa maior do comando. Daqui, portanto, partimos para a análise da regra-matriz do ITCMD, tendo sobre ela a interferência, seja como limite-objetivo, seja como carga axiológica, dos princípios jurídicos anteriormente elucidados. Antes disso, contudo, há de se esclarecer peculiaridades do quadro normativo desse imposto que interfere diretamente no exercício da competência tributária dos Estados.

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9 O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO: ESTUDO SOBRE A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Antes de delinearmos o método a ser utilizado no estudo analítico do ITCMD (teoria da regra-matriz de incidência tributária), é importante que se desenvolva a questão da competência tributária relativa ao imposto, especialmente por causa das peculiaridades que o contexto normativo entrega para o estudioso do Direito. A Constituição do Brasil estabeleceu no artigo 155, inciso I, serem competentes para instituir impostos sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens e direitos, os Estados e o Distrito Federal. Nesse sentido, são esses os entes federativos que podem se utilizar do comando constitucional para cobrar impostos sobre os citados critérios materiais. Em paralelo a isso, sabe-se caber à lei complementar tributária (Código Tributário Nacional - lei 5.172/66 -, recepcionado pela Constituição de 1988 como tal) as seguintes atribuições: disposição acerca de conflitos de competência em matéria tributária (art. 146, I, CRFB); regulação das limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, I, CRFB); além do estabelecimento de normas gerais sobre legislação tributária, em especial sobre (art. 146, III):

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Esse quadro normativo repercute em grande discussão quando o assunto é o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. Explicamos o porquê.

48

É que o Código Tributário Nacional, como sabido, veio à tona em 1966 e estabelecia um contexto jurídico diferente do existente hoje, pós Constituição de 198865. Antes da Carta Republicana atual, havia o “imposto sobre transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos” (art. 35, CTN), de competência dos Estados mais Distrito Federal, que incidia sobre a transmissão, a qualquer título, oneroso ou gratuito, da propriedade tão somente de bens imóveis ou de direitos reais sobre estes. Ou seja, no CTN, o imposto estadual não recaia sobre a transmissão de bens móveis. Diante disso, surge a pergunta: não havendo lei complementar sobre o imposto que recai sobre a transmissão, no caso, gratuita, dos bens móveis, tem competência os Entes federados para legislarem sobre o mesmo? Poderiam os entes federativos, sem lei complementar que declare as normas gerais da exação (fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, e.g.), exercerem sua competência plenamente, outorgada pela Constituição? Em primeiro lugar, seguindo a exposição de André Ramos Tavares, tem-se como certo que “Dois são os elementos conceituais da lei complementar: 1º) matéria própria; 2ª) quórum próprio”, não havendo qualquer diferenciação hierárquica entre ela e lei ordinária, já que ambas encontram fundamento de sua validade na mesma norma, a Constituição da República66. Aquela interpretação, antes professada por juristas como Geraldo Ataliba67 e José Afonso da Silva68, no sentido de que as leis ordinárias se encontram em patamar hierárquico inferior ao das leis complementares, não há como concordar. É esse, entretanto, o entendimento que propõe Ives Gandra da Silva Martins, para quem a norma complementar figura como elo integrativo entre os princípios constitucionais e os comandos de aplicação das leis ordinárias (com

65

Capítulo 2: histórico do Imposto sobre heranças e doações. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2012. P.1296. 67 ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar na Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1971. P.29 68 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2007. V. 1. p. 237. 66

49

o que se concorda), sendo, entretanto, posta acima destas – legislação – e abaixo daqueles – dos princípios constitucionais, pelo que ela seria superior às leis ordinárias69. Noutro revés, entendemos que a interpretação que fica é a de que uma lei complementar revoga a ordinária em razão da especialidade da matéria, e não por ser superior àquela, assimilação no mesmo sentido da exposta por Celso Ribeiro Bastos, quem afirma que as leis (ordinária e complementar) versam sobre matérias diferentes, pelo que não se pode falar em hierarquia entre elas, mas tão somente em invasão de competência de uma pela outra, afinal, ambas têm seus fundamentos de validade expostos diretamente na Constituição70. Nada obstante, temos que, nesse caso, o próprio sistema constitucional já previu a hipótese de falta do legislador quanto à edição de leis complementares que trate sobre normas gerais. E assim o fez em duas oportunidades. Primeiro, no artigo 24, que trata da competência legislativa concorrente dos entes federados (União, Estados e Distrito Federal, exceto Municípios), se tem o § 3º, cuja redação é no seguinte sentido:

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

Isso indica, para o intérprete, que, inexistindo a lei complementar estabelecendo normas gerais acerca da matéria, a competência legislativa dos Estados não encontrará limites postos em normas gerais, podendo exerce-la para levar a efeito o seu poder de tributar concedido pela Constituição da República.

69

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Necessidade de lei complementar para a conformação do imposto de transmissão “Causa Mortis” e por doação de bens e recursos recebidos do exterior – inteligência do artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal. Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 99. São Paulo: Escrituras. 2003. p. 154. 70 BASTOS, Celso Ribeiro. Lei complementar – Teoria e Comentários. 2ª Ed. São Paulo: Edição do próprio autor. 1999. p. 57.

50

Neste ponto, entretanto, vale o alerta de Luís Eduardo Schoueri, amparado nas lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior:

“Esta competência, entretanto, apenas pode ser exercida na medida necessária para que eles, Estados, possam exercer sua competência própria de legislador sobre normas particulares”71

A isso equivale dizer: as leis criadas pelos Estados, quando na falta de lei nacional tributária, devem ser indispensáveis para o exercício de suas respectivas competências, “para atender a suas peculiaridades”, conforme o texto da lei maior. Em nada pode deliberar um Estado, mediante lei sua, sobre decisões que atinjam, eventualmente, interesses de outros Estados, conforme, inclusive, já decidiu a Suprema Corte do Brasil72. Não obstante, há ainda outra justificativa para a defesa da competência plena dos Estados – e Municípios – na ausência de lei nacional editada pela União. É que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, através do art. 34, §3º, prescreve assim:

“Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.”

Neste sentido, a Constituição permite aos entes federados a edição quantas leis forem necessárias ao cumprimento do sistema tributário nacional, aqui incluído, exercício de suas respectivas competências tributárias. Por último, ainda cabe ponderar que esse desfecho só não deve acontecer, em se tratando de ITMCD, nos casos em que o doador dos bens tiver domicílio ou residência no exterior, ou ainda, quando o de cujus possuía bens ou teve seu inventário processado fora das fronteiras brasileiras. Nessa hipótese, não há norma estrutural de competência que permita a exação incidente sobre a transmissão causa mortis, face a necessidade 71

SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. cit. p. 82 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 136.215-RJ. Tribunal Pleno. Relator Ministro Octávio Gallotti. Publicação no Diário Oficial da Justiça: 16.04.1993 72

51

específica de lei complementar para a instituição do imposto sobre heranças e doações73. E não se pode pensar, aqui, que estamos dando interpretação diversa ao que fora advertido também neste tópico, linhas atrás. É que nessas situações (residência ou situação de bens no exterior), diferente daquelas outras expostas no início desse item, a Carta da República ordena expressamente, pelo seu art. 155, inciso III, alíneas “a” e “b”, que a competência para a instituição do ITCMD depende de regulação prévia via lei complementar. Na simples instituição do imposto sobre transmissão causa mortis e doação sobre bens móveis, a Constituição Federal, como faz com outros tributos, revela ser desnecessária a edição de lei complementar, posto que a própria lei ordinária pode criar qualquer tributo, por isso a possibilidade de exercício pleno de competência. Diferentes são as situações do art. 155, inciso III. Não porque será uma lei complementar o instrumento normativo apto a regular o exercício da competência tributária estadual no caso, já que, para dispor de competência tributária, só a Constituição Federal estaria autorizada a fazê-lo74. Mas sim porque, nessas situações, a lei complementar deve expedir norma geral especificamente para evitar conflitos de competência75. Da mesma maneira, tendo que os critérios temporais do ITCMD – mais na frente delineados - são, para bens imóveis, o Estado onde estiverem situados os bens e, para bens móveis, o Estado no qual se processar o inventário ou arrolamento ou onde tiver domicílio o doador, fica claro que todas essas regras perdem validade quando se trata de país estrangeiro, por isso a necessidade da lei complementar.

73

Sobre posicionamento em sentido contrário, ver: MARTINS, Adriano Vidigal. Constitucionalidade das leis estaduais que instituem a incidência do ITCMD sobre doações provenientes do exterior. Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 223. São Paulo: Editora Dialética. 2014. 74 MOURA, Frederico Araújo Seabra de. Lei complementar e normas gerais em matéria tributária. São Paulo: Editora Quartier Latin. 2007. P. 131. 75 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Necessidade de lei complementar para a conformação do imposto de transmissão ‘causa mortis’ e por doação de bens e recursos recebidos no exterior: inteligência do artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Editora Dialética. Nº 99. p. 156.

52

Diante disso, a regra geral do ITCMD não se aplica a tais situações, necessitando-se de lei complementar para que a mesma diga quem é o sujeito ativo, qual o critério espacial possível, etc. Afinal, lembremos aqui as lições de Luís Eduardo Schoueri, expostas alhures, no sentido de que nunca o exercício da competência estatal, presente ou não a lei complementar, poderá interferir em interesses de outros entes federativos, cabendo a edição de leis que digam respeito somente à sua própria competência. A edição da lei complementar, aqui, portanto, se faz indispensável justamente por isso: há o envolvimento de interesses de mais de um Estado, já que mais de um deles poderiam se julgar competentes para legislar sobre o ITCMD

incidente

sobre

sucessão

realizada

em

âmbito

internacional,

ocasionando, aí, inúmeros problemas de conflitos de competência entre tais entes. Ilustremos a situação:

Tome-se, por exemplo, uma doação de bens móveis em que o doador possua domicílio fora do País; o donatário, no Estado de São Paulo, e os bens móveis (cotas de sociedade, e.g.) estejam situados em Minas Gerais. Poderia ocorrer, diante da mesma situação, a cobrança do tributo por ambos os Estados-membros: aquele, porque é local de residência de quem, afinal, manifesta capacidade contributiva com a doação; este, porque é o lugar em que estão os bens objeto de transmissão76

Sendo assim, atendendo a este comando constitucional, a lei que regula a exação no estado do Rio Grande do Norte – lei nº 5.887/1989 – reproduz tal texto normativo em seu artigo 4º, parágrafo único77. Em sentido contrário é a de São Paulo (lei estadual nº 10.705/2000), que contempla a tributação no art. 4º, inciso I, alínea “b” e II, alínea “b”. 76

PEIXOTO, Daniel Monteiro. Sucessão familiar e planejamento tributário i. In: PRADO, Roberta Nioac; PEIXOTO, Daniel Monteiro; DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Direito societário: estratégias societárias, planejamento tributário e sucessório. São Paulo: Editora Saraiva. 2009. p. 192 77 RIO GRANDE DO NORTE. Lei nº 5887/1989. “Art. 4º - Considera-se local da operação: I - tratando-se de imóvel e de direitos a eles relativos, o da situação dos bens; II - tratado-se de bens móveis, títulos e créditos: a) relativamente à transmissão “causa mortis”: onde se processar o inventário ou arrolamento; b) relativamente à doação: o do domicílio do doador. Parágrafo único - Na hipótese da alínea “a”, do inciso II, se o “de cujus” possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, e ainda se o doador tiver domicílio ou residência no exterior, o local da operação será o indicado em lei complementar.

53

Entretanto, o Tribunal de Justiça desse Estado tem posicionamento sólido no sentido da necessidade de expedição, pelo Congresso Nacional, da lei complementar tributária, julgando reiteradamente pela inconstitucionalidade do citado artigo 4º da lei estadual nº 10.705/200078. Essa linha de raciocínio, aliás, já fora adotada pelo Supremo Tribunal Federal quando declarara a inconstitucionalidade de leis estaduais que dispunham sobre o antigo tributo Adicional de Imposto de Renda, existente até 1995, e que consistia num acréscimo de até cinco por cento do que era pago à União a título de IR incidente sobre lucros e ganhos de capital, pago pelas empresas ou pessoas físicas sediadas no território estadual. No julgamento do Recurso Extraordinário de nº 136.215/RJ, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da lei carioca que instituía o imposto estadual sem lei complementar que estabelecesse normas gerais da tributação no caso. E o fundamento que se firmou foi o de que a diversidade de possíveis critérios temporais do imposto causaria conflitos de competência entre os Estados. Eis pequeno trecho do voto do Ministro Octávio Gallotti, relator do citado RE79:

Admito que se preste esse permissivo, entre a disciplina de outras matérias, a possibilitar a instituição de tributos, dispensada, a título de formalidade, para esse fim, a prévia edição de lei complementar. Jamais, entretanto, quando a existência desta se torne materialmente imprescindível, para a dirimência de conflitos de competência entre os Estados. É esta última – e tipicamente – a hipótese em discussão, onde a diversidade de critérios legislativos estaduais sobre o domicílio de pessoas físicas e jurídicas (contribuintes e fontes de retenção), especialmente quando possuem mais de um estabelecimento, é campo fértil de inaceitável bitributação.

Inobstante, foi reconhecida repercussão geral do tema pelo Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual a norma jurídica autêntica (como diz Hans Kelsen) sobre o tema há de ser brevemente estabelecida, dirimindo as dúvidas sobre a aplicação dessas normas. O recurso extraordinário paradigma é o de nº 851108/SP, que tem como relator o Ministro Dias Toffoli.

78

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação nº 104 1045511-54.2014.8.26.0053. 12ª Câmara de Direito Público. Relatoria: Desembargadora Isabel Cogan. Publicação em Diário de Justiça eletrônico 03/07/2015. 79 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraodrinário nº 136.215/RJ. Tribunal Pleno. Relatoria: Ministro Octávio Gallotti. Publicação em Diário de Justiça: 16/04/1993.

54

Enfim, esclarecendo previamente esta questão relativa à competência tributária dos Estados quanto ao Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de bens móveis, não prevista no Código Tributário Nacional, passemos, agora, à identificação da regra-matriz de incidência tributária do ITCMD.

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10 ALGUMAS PALAVRAS SOBRE A TEORIA DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

Paulo de Barros Carvalho, atento às lições de Lourival Vilanova (quem comunga de parte da visão de Hans Kelsen), cunha norma jurídica como a expressão irredutível do dever-ser. Vilanova, abstraindo-a dos aspectos semânticos e pragmáticos, formula, em simbolismo lógico, a norma jurídica como sendo: “D [ F  (S’RS’’) ]”, interpretando tal formulação no seguinte sentido: “deve ser que, dado o fato F, então se instale a relação jurídica R, entre os sujeitos S’ e S’’”8081. Vê-se, logo, que a composição lógica da norma jurídica está estruturada sobre o condicionante (se, então), que revela, antes dele, um antecedente, e depois, um consequente normativo, este último representado pela relação jurídica, “constituída pelo direito, entre dois sujeitos, com referência a um objeto”82. Claro que, conforme já salientamos, não é necessariamente nessa estruturação que os textos normativos aparecem para o intérprete; é ele quem, num exercício analítico, encaixa as proposições do texto dentro do modelo criado, atingindo o plano S3 (plano das normas jurídicas) no caminho atributivo de sentido. No tocante às normas jurídicas tributárias, Paulo de Barros Carvalho trabalhou de modo a especializar a categoria lógica dessas normas. Antes de formular a teoria da regra-matriz de incidência tributária, porém, o citado autor deixou claro que o modelo estruturado dizia respeito às normas tributárias em sentido estrito, ou seja, “aquela que assinala o impacto jurídico da exação”. Isto porque não são todas as normas objeto de estudo da ciência do Direito tributário que expressam o dever jurídico de pagar tributo. Pelo contrário,

80

Essa visão teve como mérito o acréscimo dos sujeitos na relação jurídica estabelecida. A proposição lógica (estrutura sintática) da norma jurídica por Hans Kelsen não previa isso, pelo que só trazia “D ( F  R )”. 81 BRITTO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo. São Paulo: Editora Noeses. 2014. p. 35. 82 CARNELUTTI, Francesco. Teoría general del derecho. Trad. F.X. Osset, Madrid: Civitas 1955. P. 184. In: BARROS CARVALHO, Paulo. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses. 2013. P. 618.

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muitas trazem normas gerais, de competência, obrigações acessórias, etc., de modo que é só àquelas outras que a teoria se refere. Com isso, eis o núcleo lógico-estrutural da norma jurídica tributária em sentido estrito: “D {[Cm (v . c) .Ce . Ct]  [Cp (Sa . Sp) . Cq (bc . al)}]”. Desta simbologia, retira-se a seguinte significação: “D”, como em toda norma jurídica, representa a lógica à qual a proposição está submetida, no caso, deôntica (dever-ser), tendo em conta que a norma prescreve sempre uma obrigação, faculdade ou uma proibição. A primeira parte é a hipótese normativa, composta por: critério material (“Cm”) – descrição objetiva do fato apto a desencadear a relação (atuação estatal ou fato do particular) -, que por sua vez se constitui pelo verbo e seu complemento (“v.c”). Essa seria a chamada hipótese de incidência do tributo, que no Código Tributário Nacional, em linguagem desprovida de rigor científico, chama, muitas vezes, de fato gerador. Depois, vem o critério espacial (“Ce”), aspecto que atribui um lugar ao fato jurídico tributário83; e o critério temporal (“Ct”), determinante de quando se dá por realizado tal fato jurídico. A segunda parte da norma construída – relação jurídica estabelecida - se liga à primeira pelo conectivo hipotético condicional “”, ou seja, (se) dado o antecedente, inevitavelmente, necessariamente, (então) deve ser (com o perdão do pleonasmo) o consequente. Este último corresponde à relação jurídica que deve ser formada, constituindo-se por: critério pessoal (“Cp”), através do qual chegamos aos sujeitos passivo e ativo (“Sa.Sp”); e critério quantitativo, fruto da conjugação entre a base de cálculo e a alíquota (“bc.al”). Pois bem. É justamente nessa segunda parte da formulação que a proposição de Paulo de Barros Carvalho ganhou mais relevo dentre os tributarias, já que, antes disso, a doutrina, principalmente anterior ao século XXI, pensava tão somente o antecedente normativo como o verdadeiro vetor da dogmática tributária.

83

BRITTO, Lucas Galvão de. Op. cit. p. 124

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Encabeçados pelo italiano Dino Jarach, juristas brasileiros como Amílcar De Araújo Falcão, Geraldo Ataliba, Alfredo Augusto Becker e Ruy Barbosa Nogueira desenvolveram o que depois se chamou de “Escola de glorificação do fato gerador”, assim chamada pelo tremendo foco que se dava à hipótese normativa tributária, tida como a essência do tributo 84, em detrimento do consequente normativo. Para tais autores, tudo que não fosse hipótese de incidência era matéria periférica no direito tributário, não dizendo respeito à substancialidade deste ramo. Paulo de Barros Carvalho, ao contrário, formulou a teoria da regramatriz atento ao fato de que “o objeto de qualquer exame de Ciência do Direito deve ser sua unidade, isto é, a norma jurídica”85, não abstraindo nenhuma parte desta última, que, como toda outra, é una. Logo, “O principal mérito da figura apresentada está em dar o devido peso ao consequente da norma tributária”, conforme leciona Luís Eduardo Schoueri86. Sendo assim, é pautado nessa didática que o presente estudo caminhará sobre o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.

84

CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. p. 615. BRITTO, Lucas Galvão de. Op. cit. p. 51 86 Op. Cit. P. 469. 85

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11 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS

Diante da pluralidade de critérios materiais - dois especificamente tem-se que o ITCMD guarda duas regras-matrizes, representando, portanto, duas exações, motivo pelo qual iremos estudar de modo apartado os mesmos, iniciando com a exação que recai sobre a transmissão de propriedade em virtude de morte.

11.1

HIPÓTESE

NORMATIVA

DO

IMPOSTO

SOBRE

TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS

11.1.1 Critério Material Respeitando o itinerário elucidado anteriormente, iniciamos o estudo analítico do “ITCM” pelo seu critério material, formado, lembra-se, por verbo mais complemento. Neste caso, o critério material restará caracterizado quando se transmitir propriedade, por causa da morte, de quaisquer bens e direitos, conforme dita a Constituição (art. 155, I). A transmissão em razão de morte, segundo o Código Civil (art. 1.784), se perfectibiliza através da transferência da herança, deixada pelo de cujus, aos herdeiros legítimos – que guardam essa qualidade em razão da lei -, ou testamentários – herdeiros pela vontade do de cujus expressa no testamento. É importante ter em mente que somente com aceitação da herança é que está concretizada a transmissão da propriedade; renunciada aquela, nada se transfere (art. 1804, CC/2002), especialmente porque esses atos são irrevogáveis (art. 1.812, CC/2002). Essa aceitação , pode ser declarada pelo herdeiro, reduzindo a termo sua intenção, como também restar presumida, enquanto que a renúncia “deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial” (artigos 1.804 e 1.805, CC/2002).

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Ademais, por força dos artigos 80, inciso II, 1.808 e 1.791 do Código Civil brasileiro, tem-se como inválida a aceitação ou renúncia de parte da herança, a termo ou sob alguma condição futura e incerta. A isso equivale dizer que tais atos, se promovidos nestas condições, não produzirão qualquer efeito no sistema jurídico, posto que ilícitos, não se falando na concretização do critério material do ITCMD. Seguindo na elucidação semântica deste critério, resta correto descrever que morte, aqui, há de ser entendida nos moldes do sistema jurídico brasileiro, o qual prevê o instituto como sendo causa de extinção da pessoa natural (art. 6º, CC/2002), podendo, inclusive, ser presumida quanto aos ausentes na forma da lei, situação em que também haverá transmissão de herança e, por via de consequência, caracterizado estará o critério material do imposto. A decretação da morte presumida pode se dar nas condições que a lei civil autoriza a abertura da sucessão do ausente, ou, independentemente disso, quando for extremamente provável a morte de alguém que estava em perigo de vida, ou ainda quando alguém, combatente, é desaparecido ou feito ferido em campanha, não aparecendo após dois anos do término da guerra, conforme dita o artigo 7º do Código Civil brasileiro. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal aprovou a súmula de número 331, admitindo que o ITCMD é devido no inventário por morte presumida87. Por último, conforme já tratamos nas linhas iniciais, a transmissão em razão da morte será de quaisquer bens, móveis ou imóveis, e direitos relativos a ambos. O artigo 35 do Código Tributário Nacional, tratando, como já sabemos, exclusivamente da transmissão de propriedade de bens imóveis, traz as seguintes determinações, as quais, inclusive, cabem para as duas regramatrizes aqui estudadas, relativas à causa mortis e à doação:

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

87

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 331: “É legítima a incidência do imposto de transmissão ‘causa mortis’ no inventário por morte presumida”.

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I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

É daí que retiramos a complementação do texto constitucional (normas gerais dos impostos ali discriminados). No caso de transmissão causa mortis sobre bens imóveis, o ITCMD incidirá na transferência da propriedade, domínio útil e direitos reais sobre eles, exceto os de garantia. A cessão de direitos, trazida no inciso III, está abarcada na hipótese normativa da regra-matriz sobre a doação, razão pela qual trataremos do tema no momento oportuno. Diante disso, observa-se que, enquanto propriedade relaciona-se ao domínio pleno da coisa, o domínio útil, direito real não mais previsto desde a entrada em vigor do Código Civil atual, estava atrelado à ideia de posse, somada ao pagamento de um valor específico anual ao proprietário do imóvel. Segundo determina o artigo 1.228 do Estatuto Civil, quem é proprietário pode fazer uso, gozo e livre disposição da coisa, além de guardar consigo o direito de reavê-la de quem a possua de maneira injusta. Além do mais, é sempre presumível que esse direito seja pleno e exclusivo do proprietário, até prova do contrário (art. 1.231, CC/2002). Noutro viés é o domínio útil. Como dito, esse direito real fora extirpado do sistema jurídico de hoje. O Código Civil anterior88 previa seu atrelamento à enfiteuse, ocorrida quando o proprietário transferia o domínio útil do imóvel para alguém que ficava obrigada a pagar um foro anual (art. 678), regime que continua vigente, hoje, tão somente para os chamados “terrenos de marinha” - bens públicos da União (art. 20, inciso VII, da Constituição do Brasil) -, segundo manda o art. 49, §3º do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, CF/88; por isso não trataremos de esmiuçá-lo. Além da transmissão da propriedade dos bens imóveis, o Estado captará também as hipóteses em que outros direitos reais sobre imóveis forem

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BRASIL. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916.

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transferidos, tanto por causa de morte, como por doação. E quais são esses direitos reais? É o artigo 1.225 do Código Civil que nos dará a resposta. Ele elenca doze direitos reais nos seus incisos, incluída propriedade. Incidirá o ITCMD sobre a transmissão de nove deles, já que retiramos o penhor, a hipoteca e a anticrese, direitos reais de garantia de dívidas, alheios, portanto, ao critério material do imposto. E os nove são: propriedade, superfície, servidões, usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador de imóvel, concessão de uso especial para fins de moradia e concessão de direito real de uso. Todos eles, quando referidos à bens imóveis, encontram-se perfectibilizados pelo registro no Cartório de Registro de Imóveis – escritura pública -, ou, quando forem relativos à bens móveis, estarão perfeitos através da tradição do bem. Diante de tudo quanto exposto, é certo, ainda, que o imposto não poderá incidir sobre: a renúncia pura e simples da herança ou legado; o rendimento do bem do espólio havido depois do falecimento do autor da herança ou legado; ou ainda, a importância deixada ao testamenteiro, a título de remuneração89, situações excluídas do critério material do imposto.

89

PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos federais, estaduais e municipais. 9ª Ed. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado. 2015. p. 237

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11.1.1.1 Impossibilidade da incidência de Imposto de renda sobre o critério material do Imposto sobre transmissão causa mortis e doação Em última análise, importante esclarecer que os critérios materiais do ITCMD não atraem a incidência do Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. A renda tributável, que diz respeito ao acréscimo patrimonial decorrente de nova riqueza, fruto de trabalho e/ou capital90, é diferente da herança e doação, recebidas a título gratuito em razão da morte de alguém ou do contrato específico de doação. Não obstante, é relevante lembrar que o artigo 23, §1º, da lei 9532/1997 (cuja vigência se deu a partir de 1º de janeiro de 1998) estabeleceu a tributação via IR sobre o ganho de capital decorrente da venda de bens recebidos por herança ou doação (em adiantamento da legítima) pelos herdeiros. Noutras palavras, se o falecido transmitiu bem cujo valor, na data da transferência (óbito) chegava à “x” e, transferida a propriedade aos herdeiros, estes venderam esse bem por “2x”, incidirá o Imposto sobre a renda daí advinda, segundo o referido texto normativo. Até aí tudo bem; concordamos com Vittorio Cassone, para quem, apesar de a herança se sujeitar constitucionalmente à tributação privativa dos Estados, nada impede que se tribute o ganho de capital sobre o excesso patrimonial decorrente da alienação dos bens que foram recebidos por herança91, posto que caracterizada, neste caso, a hipótese normativa do Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, de competência da União. Discordamos, portanto, de Sacha Calmon Navarro Coelho, quem refuta a validade de qualquer imposto sobre a renda na operação em referência, o que, segundo o autor, representaria grave afronta à repartição constitucional de competências92.

90

CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a renda. São Paulo: Editora Malheiros. 2005. p. 35 CASSONE, Vittorio. Tributação da herança: o art. 23 da Lei 9.532/97 em face das competências privativas da união (IR) e dos estados (ITCMD). Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 184. São Paulo: Editora Dialética. 2011. p. 142. 92 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Heranças, doações e o Imposto de Renda. In: Imposto de renda: alterações fundamentais. Coord.: ROCHA, Valdir de Oliveira. São Paulo: Editora Dialética. V.2. 1998. p. 217. 91

63

Ultrapassado isso, o problema maior fica por conta da retroatividade da referida lei que tantas vezes é perquirida pela Fazenda Nacional. É que o Órgão costumava cobrar o IR sobre o ganho de capital detectado na diferença entre os valores dos bens contidos em declaração de bens anterior a 1998 (início da vigência da lei), confrontados com aqueles obtidos na reavaliação dos mesmos bens quando do processo sucessório (inventário ou arrolamento). Se atendo a caso concreto nesses moldes, o Superior Tribunal de Justiça acolheu o entendimento de que na data da abertura da sucessão - antes de 1º de janeiro de 1998 – o regime jurídico isentava de tributação de IR a transferência nessas condições. Por isso, ter como ocorrido o ganho de capital tomando por base a última declaração dos bens do de cujus que fosse anterior à vigência da nova lei, e a data de reavaliação desses bens no processo sucessório, é desrespeitar os princípios da irretroatividade e anterioridade tributária, que elucidam claros limites-objetivos impositivos ao legislador ordinário93. Para fundamentar, o STJ aderiu ao posicionamento que já encampava Gisele Lemke, no sentido de que o ganho de capital, hipótese de incidência do IR, estaria constituído a partir da abertura da sucessão, de modo que seria lá o critério temporal do IR nesse caso, razão pela qual o valor considerado deve ser aquele obtido no momento da morte do de cujus, e não o que foi eventualmente declarado antes disso94. Por isso que, aberta a sucessão antes de 1998, ainda que haja uma reavaliação dos bens, posterior à vigência da nova lei, impossível se falar em ganho de capital, e, via de consequência, em tributação diferente do ITCMD. Neste quadro, como o STJ admite que o ganho de capital relacionado à herança sujeita-se às normas vigentes no momento da transmissão dos bens, o que ocorre com a abertura da sucessão95, critério temporal do IR nesse caso, desde então, portanto, se pode cobrar o Imposto de Renda, mesmo que antes

93

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 805.806/RJ. Primeira Turma. Relatoria: Ministra Denise Arruda. Julgamento em 18/02/2008. 94 LEMKE, Gisele. O Imposto de Renda incidente sobre Heranças e Legados e a IN-SRF Nº 53/98. Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 40. São Paulo: Editora Dialética. 1999. p. 50 95 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 829.932/RS. Segunda Turma. Relatoria: Ministro Castro Meira. Julgamento em 23/04/2012

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da alienação dos bens havidos por herança ou adiantamento de parte desta, tudo desde que o ganho de capital seja detectado entre a data da abertura da sucessão e a época da avaliação destes no processo sucessório. Assim, o inventariante, doador ou cônjuge sobrevivente, que recebem bens da herança, devem, antes do julgamento do processo de inventário e partilha, recolher o Imposto de Renda sobre o ganho de capital da alienação futura desses bens. Isso, claro, se o bem efetivamente recebido pelo herdeiro experimentou aumento de valor desde a abertura da sucessão (morte). O problema aqui apareceria no caso de o herdeiro simplesmente não alienar o bem havido por ocasião de herança, deixando no seu patrimônio desde a transferência por causa da morte. Nesse momento específico é que entendemos serem aplicáveis as ponderações de Sacha Calmon Navarro Coelho. Ora, se o contribuinte tem o dever de recolher o IR sem o acontecimento fático da hipótese normativa deste, o que se está tributando, na realidade, por meio de outro imposto, é a transmissão da herança e doação, grandeza privativa de incidência do Imposto estadual. Caso o herdeiro ou donatário não realize a alienação dos bens transferidos via herança ou doação, não se fala em fato gerador do IR, mas tão somente daquele relativo ao ITCMD, tratando-se, nesse caso, de hipótese clara de dupla incidência, sem qualquer autorização constitucional para tanto. A dupla incidência, ou bis in idem, seria absurda, segundo conta Ricardo Lobo Torres, principalmente quando o problema é visto pelo prisma do federalismo fiscal, princípio que repele a cobrança de dois ou mais tributos sobre a mesma grandeza, a não ser que haja expressa previsão constitucional. Da mesma forma, o contribuinte não enriquecera, nem obtivera capacidade contributiva que tornasse válida a incidência de outro imposto, além do estadual, pago pelos herdeiros/donatários nessas situações96. As leis estaduais já incidem sobre a transferência de patrimônio decorrente de sucessão hereditária e doação. O IR, que compete à União, só 96

TORRES, Ricardo Lobo. A incidência do imposto de renda na transferência de direitos de propriedade. Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 32. São Paulo: Editora Dialética. 1998. p.82-83.

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poderá ser cobrado se concretizado seu critério material no mundo dos fatos. Do contrário, a bitributação, o desrespeito ao pacto federativo e princípio republicano e às regras de competência tributária estabelecidas na Constituição ficam patentes, já que o patrimônio havido pela herança está sujeito unicamente ao ITCMD. Nesse sentido vem julgando o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, considerando ausente o ganho de capital quando ainda não alienados os bens9798, restando a tributação neste contexto verdadeira afronta à competência tributária dos Estados, como já defendido aqui. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por sua vez, chega à mesma conclusão, só que por fundamentos diferentes, com os quais este trabalho concorda. Para este órgão, o ganho de capital do IR é auferido pela diferença entre o valor da avaliação do bem no processo sucessório e o valor efetivo da venda posteriormente feita pelo herdeiro, pois não importa o momento em que os bens passaram ao patrimônio do herdeiro, mas sim do lucro (i)mobiliário auferido pela venda destes, base de cálculo do Imposto sobre a Renda. Afinal, o critério temporal do IR é diferente do ITCMD: naquele é quando o ganho de capital se soma ao patrimônio do herdeiro (alienação), enquanto que no ITCMD é a abertura da sucessão99. Por essa linha de argumentação, tanto há o respeito à irretroatividade e anterioridade da lei tributária, como também à regra-matriz de incidência de ambos os impostos, em especial seus critérios material e temporal, por isso a concordância deste trabalho com ela. Inobstante isso, pelo mandamento expedido pelo STJ, último intérprete autêntico da legislação infraconstitucional, a tributação do ganho de capital será

97

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação nº 2005.34.00.032745-7/DF. Corte Especial. Relatoria: Desembargador Luciano Tolentino Amaral. Publicação em Diário de Justiça Eletrônico: 11.04.2014. p. 639 98 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Agravo nº 01000273170/MG. Quarta turma. Relatoria: Desembargador convocado Hilton Queiroz. Publicação em Diário de Justiça Eletrônico: 21.02.2002 99 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Cível nº 2012.51.01.001228-0. Terceira Turma. Relatoria: Desembargadora convocada Geraldine Pinto Vita de Castro. Publicação em Diário de Justiça Eletrônico: 04/11/2013.

66

auferida pelo comparativo feito entre o valor dos bens na data de abertura de sucessão e a época em que os mesmos foram avaliados no processo sucessório.

67

11.1.2

Critério espacial

O critério espacial consiste na categoria da regra-matriz que identifica o campo dentro do qual a norma jurídica tributária tornou-se pronta e acabada. Neste ponto, vale ter em mente a advertência feita pela doutrina sobre a distinção entre critério espacial da regra-matriz de incidência e o plano de vigência territorial da lei tributária. Essa diferenciação é para se dizer o seguinte: enquanto o critério espacial do IPTU, por exemplo, é o logradouro em que o imóvel está estabelecido, o domínio espacial de vigência da lei tributária do IPTU seria o perímetro urbano, ou seja, os limites do Município. Noutras palavras, o plano de eficácia territorial ao qual a lei tributária faz referência, vale dizer, o espaço em que ela opera (ex: perímetro urbano de Natal), nada tem que ver com o critério espacial da norma jurídico-tributária (ex: terreno de uma casa)100. Por isso a distinção. Dito isso, sabe-se que o critério espacial do Imposto sobre transmissão por causa de morte é daqueles “bem genéricos, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares”101. A revelação do critério espacial do ITCMD, não obstante, é exercício que precisa se debruçar detidamente sobre a Constituição brasileira e a legislação privada. Nelas onde estão os textos dos quais se extraem as normas jurídicas que prescrevem onde – vale dizer, em qual Estado ou no Distrito Federal - deverá o contribuinte recolher o imposto. O artigo 155, §1º, incisos I e II, comanda que, quando a transmissão não onerosa se referir a bens imóveis e seus direitos, o fato jurídico tributário acontecerá no Estado em que esteja situado o bem, determinação reproduzida pelo artigo 41 do Código Tributário Nacional. E se houverem diversos bens imóveis, situados em Estados distintos? O texto normativo constitucional, ao apontar que o imposto sobre a transmissão

100 101

BRITTO, Lucas Galvão de. Op. cit. p. 132 CARVALHO, Paulo de Barros. 2015. Op. cit. p.266

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causa mortis caberá ao Estado da situação do bem, faz entender que o imposto recairá sobre a pluralidade de imóveis que forem transmitidos no território estadual, cabendo ao Estado apenas o imposto que incidir sobre aquela parcela de patrimônio transmitida por causa da morte. Vale dizer: se haviam em nome do de cujus trinta apartamentos, dentre os quais vinte localizavam-se no Rio Grande do Norte e dez no estado da Paraíba, o ITCMD sobre os vinte, caberá ao RN, sendo calculado conforme sua lei específica, e o que incidir sobre a base tributável dos dez imóveis, será da Paraíba, também conforme sua lei estadual. Neste caso, a definição do locus facti do ITCMD independerá de onde se transmitiu a herança em sua globalidade, por força do citado comando constitucional, reproduzido no Código Tributário e, no caso do Estado do Rio Grande do Norte, na lei 5887/1989. Adota-se, portanto, o local da situação do bem como critério espacial do imposto. De outra maneira será caso a transmissão não onerosa for de bens móveis. Aí o fato jurídico poderá estar localizado em três espaços, segundo o texto constitucional: no lugar onde se processar o inventário ou arrolamento, onde for o domicílio do doador, ou, em última hipótese, no Distrito Federal. Como nos reportamos, neste item, ao Imposto sobre transmissão por causa de morte, tem-se que, abaixo dessas disposições constitucionais, encontra-se o artigo 1.785 do Código Civil brasileiro, cujo teor prescreve: “a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido”. Assim, o lugar da exação tributária não depende de onde o de cujus veio a falecer, nem de onde estiverem seus bens, mas sim do lugar onde era seu domicílio civil. Lembra-se, aqui, que domicílio civil é aquele onde a pessoa estabelece a sua residência com ânimo definitivo, nos termos do art. 70 do Código Civil vigente, diferentemente do domicílio tributário, instituto diferente e sujeito à regulação pelo artigo 127 do Código Tributário Nacional. Isso será diferente só na ocasião de o mesmo não possuir domicílio certo quando de sua morte, oportunidade em que a sucessão há de iniciar no lugar da situação dos bens. Ainda assim, possuindo uma pluralidade de bens 69

móveis, situados em Estados distintos, será no lugar da morte a sucessão, conforme estabelecido no artigo 96, parágrafo único, incisos I e II do Código de Processo Civil. Logo, conclui-se que: o imposto será recolhido, quando da transferência de bens imóveis, no lugar de sítio destes, independentemente da transmissão da herança enquanto conjunto, patrimônio do de cujus. Quando se transmitirem bens móveis, entretanto, será o domicílio do falecido o local da exação. Sendo este desconhecido, será o espaço em que localizados os bens. Se forem vários os bens móveis, localizados em Estados distintos, será onde ocorrera o óbito o critério espacial do imposto.

70

11.1.3

Critério temporal

O critério temporal apresenta grau de importância elevado porque é através dele que se descobre a data exata do “surgimento de um direito subjetivo para o Estado (no sentido amplo) e de um dever jurídico para o sujeito passivo”102. Se a exação em estudo tem como critério material a transmissão por causa da morte; se tal transferência se opera tão logo da abertura da sucessão, e esta última inicia logo quando do momento do óbito do transmitente, é o evento morte o critério temporal do imposto sobre heranças. Assim deve acontecer pelo que ficou estabelecido no artigo 1.784 do Código Civil, cujo teor prescreve que “Aberta a sucessão, a herança transmitese, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”, texto normativo que abarcou, segundo conta a doutrina civilista, o princípio da “saisina”. Nesse aspecto, pela lucidez da explanação, remonta-se breves palavras elaboradas por Guilherme Calmon Nogueira da Gama103:

Diante da extinção da personalidade civil do falecido não há mais como reconhecer direitos e deveres relativamente à pessoa que deixou de existir, fazendo com que o conjunto de bens jurídicos (patrimoniais e extrapatrimoniais) transmissíveis seja destacado do autor da sucessão para integrar a esfera da personalidade (patrimonial ou não) de seus sucessores a título universal ou a título singular.

Desta feita, considera-se ocorrido o fato jurídico tributado na morte do de cujus. E isso se mantém mesmo diante do fato de que a herança, para transmitir-se definitivamente, deve ser aceita, conforme aduzimos no item reservado ao critério material da regra-matriz. Daí porque a aceitação da herança pelo herdeiro, retroage desde a abertura da sucessão. Noutras palavras, “Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão”, conforme expressão do artigo 1.804, Código Civil brasileiro.

102

Ibidem. p. 268. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito civil: sucessões. V. 7. 2ª Ed. São Paulo: Editora Atlas. 2007. P. 35 103

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Não obstante, cabe, para pôr fim ao tópico, uma ponderação final. É que, como se sabe, o Código Tributário Nacional, mediante o artigo 35, parágrafo único, impôs que “Nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários”, ordenando, com essas palavras, que a exação tributária recaia não sobre a herança, enquanto instituto global, conjunto inseparável; mas sim, sobre aquele montante líquido efetivamente transmitido aos herdeiros e legatários, cujo nome é quinhão hereditário. A norma que daí advém respeita aquela extraída dos artigos 1.791, parágrafo único e 1.792, caput, ambos do Estatuto Civil, inclusive. Da primeira, ordena-se que até o momento em que partilhados os bens que compõem a herança, esta será tida como indivisível (bem imóvel, nos termos do art. 80, II), regulada conforme as regras do condomínio civil. Da segunda, e mais importante, tem-se que o herdeiro não pode responder por encargos que sejam superiores ao que receberam decorrente da herança. Tendo esse quadro, então, fica impossível a constituição do crédito tributário até que a autoridade competente estabeleça a grandeza a ser tributada pelo ITCMD, a saber, o quinhão hereditário. E quando se chega a esse momento104? A configuração da grandeza tributável – vê-se que a discussão interfere no critério quantitativo do imposto -, somente ocorrerá depois de processados um dos três ritos estabelecidos no sistema jurídico para que se opere a transmissão da herança, sendo eles: inventário, judicial ou extrajudicial, ou arrolamento de bens, todos regulados pelos artigos 982 a 1.038 do Código de Processo Civil. Esse é o entendimento cristalizado na súmula 114 do Supremo Tribunal Federal, cujo texto indica que o ITCMD não é exigível, por que não constituído, antes da homologação do cálculo da exação pelo juízo em que se processa a sucessão. Noutros termos, eis interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça:

104

Esse “momento”, repita-se, é totalmente diferente de critério temporal do ITCMD, que é a morte.

72

(...) enquanto não homologado o cálculo do inventário, não há como efetuar a constituição definitiva do tributo, porque incertos os valores inventariados sobre o qual incidirá o percentual da exação, haja vista as possíveis modificações que os cálculos sofrerão ante questões a serem dirimidas pelo magistrado, nos termos dos arts. 1.003 a1.011 do CPC (...). 105

E é assim até porque o artigo 192, caput, do próprio Código Tributário Nacional, já manda que a sentença que julgar partilha ou adjudicação de bens só poderá ser prolatada pelo Juízo depois da prova, pelo sujeito passivo, claro, da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio e suas rendas, o que inclui aí o ITCMD. Nota-se que se está diante de constituição do crédito tributário feita pelo julgador da lide. Essa situação, peculiar quanto ao ITCMD, faz enfraquecer a tese adotada e ordenada pelo Código Tributário Nacional, artigo 142, no sentido de que o lançamento tributário é ato privativo da autoridade administrativa. Quem também alerta sobre essa reflexão é José Eduardo Soares de Melo106.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1257451/SP. Segunda Turma. Relatoria do Ministro Humberto Marins. Publicação no Diário de Justiça eletrônico em 13/09/2011. 105

106

PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Op. cit. p. 238

73

11.2

CONSEQUENTE NORMATIVO

11.2.1

Critério pessoal

No consequente é quando se destaca a relação jurídica decorrente do acontecimento, no mundo dos fatos, da hipótese normativa. A consequência, portanto, é a instalação de relação entre dois sujeitos, ativo e passivo, tendo como obrigação, no caso, o tributo, quantitativamente calculado pela aplicação da alíquota à grandeza tributável, ou, base de cálculo; tudo para dar como acabada a norma jurídica tributária (em sentido estrito, lembra-se). O estudo do critério pessoal parte do apontamento, no caput do artigo 119, do Código Tributário Nacional de que “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento”. É bem verdade que a disposição do referido texto legal é insuficiente107, pois o sistema garante a possibilidade de transferência, pelo ente federado, de sua capacidade ativa, de arrecadação ou fiscalização do crédito tributário, razão pela qual o texto vai de encontro com o que prescreve o sistema jurídico, devendo, pois, ser coordenado com o que impõe o artigo 7º do Código Tributário Nacional, cujo teor é:

Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição. § 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir. § 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido. § 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.

Sem perder atenção a isso, há de se dizer que, no caso do ITCMD, o sujeito ativo será o Estado competente para legislar sobre o imposto, ou seja, aquele onde aconteceu a transmissão por causa da morte, podendo essa

107

CARVALHO, Paulo de Barros. 2015. Op. cit. p. 298.

74

capacidade ativa ser conferida a outrem, nos termos do artigo 7º citado logo aí atrás. Desta maneira, depois de verificado, lá na hipótese normativa, o critério espacial, constatado também restará o sujeito ativo da exação tributária ora em estudo. Por fim, no que toca à identificação do sujeito passivo do imposto de transmissão por causa de morte, esta deliberação ficou cedida aos Estados, na medida em que a lei complementar tributária nacional estabeleceu, no artigo 42, caput, que: “Contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada, como dispuser a lei”. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o contribuinte do imposto é o herdeiro ou legatário, conforme o artigo 11, II da lei 5887/1989, sendo sujeitos responsáveis os tabeliães, escrivães e outros serventuários de ofício (art. 12, inciso I) e empresas, bancos ou todos que caibam o registro da transmissão dos bens (art. 12, inciso II, lei do ITCMD no Rio Grande do Norte). Entretanto, repita-se, não há qualquer óbice legislativo para a implantação do doador como sujeito passivo, apesar de fugir um pouco à lógica sempre imprimida pela manifestação de riqueza que advém do donatário ou do herdeiro,

quem

teve

seu

patrimônio

aumentado,

em

detrimento

do

empobrecimento do doador ou do espólio.

75

11.2.2

Critério quantitativo

Chegando-se ao último critério para finalizar a regra-matriz de incidência do imposto sobre transmissão por causa de morte, cabe a análise dos dois elementos que o compõem: base de cálculo e alíquota. Por meio deles é que se alcança o valor da dívida tributária. A base de cálculo do imposto agora estudado está revelada nos bens que são transmitidos do de cujus para os respectivos herdeiros. É o quinhão hereditário, portanto. Esse quinhão é patrimônio apurado e líquido transferido, podendo constar dentro dele bens móveis (ex.: automóveis, títulos de crédito) e/ou bens imóveis (terrenos, apartamentos, usufruto de uma casa, etc.) e direitos a ambos relativos. Ele é dimensionado ao fim do processo judicial de inventário, ou no arrolamento. No primeiro caso, feito o cálculo, o Juízo há de homologá-lo, após oitiva da Fazenda estadual. No segundo, é o próprio inventariante quem apresenta as primeiras declarações junto com a prova de quitação dos tributos que incidem sobre os bens do espólio108. Diante disso, ademais, o Código Tributário Nacional estabelece que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal desses bens (artigo 38, caput). Logo de cara poderíamos interpretar tal texto normativo utilizando-se da prescrição do artigo 144, também do CTN. Ele dita que a constituição do crédito – lançamento – reportar-se-á sempre à data do “fato gerador”109, regendo-se pela lei então vigente acolá, “ainda que posteriormente modificada ou revogada”. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, possivelmente vendo aí uma dificuldade de ordem prática na aplicação desse ditame no caso do ITCMD, que tem como data do “fato gerador” a morte do indivíduo, firmou a linha de raciocínio de que a base de cálculo do imposto será equivalente ao valor venal dos bens ao qual se chegou na data da avaliação destes (súmula 112). 108

FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Op. cit. p. 87 Lê-se “fato gerador”, aqui, como o acontecimento, no mundo dos fatos, do critério material estabelecido na hipótese normativa, no caso, a transmissão de bens em razão da morte. 109

76

No antigo acórdão tido como paradigma para a formulação da súmula, o Supremo se utilizou de argumento unicamente econômico, e não jurídico, para a formulação do entendimento: o passar do tempo entre a data da abertura da sucessão – morte – e a conclusão sobre o quinhão hereditário fazem os bens terem seus valores alterados, pelo que se mostraria cabível a atualização do valor dessa base de cálculo110. Mas acontece que o fato jurídico tributável aconteceu sobre o patrimônio da época da abertura da sucessão. É lá de onde se retirou o signo representativo da riqueza. Por isso que a base de cálculo deveria ser calculada, na realidade, com base nos valores dos bens naquela época. Do contrário, o próprio princípio da irretroatividade da lei tributária (que carrega um limite-objetivo à atuação do legislador) resta desrespeitado111. De igual gravidade é o choque contra o artigo 144 do Código Tributário Nacional, cuja ordem, como dito, faz o lançamento tributário se reportar sempre à data de ocorrência do fato gerador da obrigação. Inobstante, mantido está o entendimento do STF expresso na súmula 112. Por fim, vale a pena consignar ainda duas questões relativas à base de cálculo do imposto sobre heranças brasileiro. A primeira é que está fora da grandeza tributável do ITCMD aqueles bens deixados pelo de cujus que, por direito, cabem ao cônjuge sobrevivente. Noutras palavras, a meação do cônjuge não integra a base de cálculo do imposto hereditário brasileiro, já que ela não integra a extensão semântica do conceito “herança”, transmitida por ocasião da morte. A parte do cônjuge sobrevivente é estabelecida previamente à abertura da sucessão, a depender do regime de bens do casamento ou união estável ao qual estava submetido o de cujus, ou ainda no caso de pacto antenupcial vigente entre o casal. A isso equivale dizer: há uma comunhão de

110

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Recurso Extraordinário nº 50.733-MG. Relator Ministro Cunha Mello. Publicação: Diário de Justiça de 05/12/1962. 111 BALEEIRO, Aliomar. Atualiz.: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Op. cit. p. 344

77

propriedade firmada ainda em vida, não se tratando de transmissão por causa da morte. Pactuando com o que descrevemos aqui, o civilista Silvio Rodrigues:

É óbvio que só aquilo que constituía seu patrimônio é transmitido a seus herdeiros. Portanto, se o defunto era casado pelo regime da comunhão, separa-se, antes da partilha, a meação do cônjuge sobrevivente. Essa meação não se confunde com a herança, e o cônjuge sobrevivente apenas conserva aquilo que já era seu e que estava no condomínio do casal112

No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Em caso em que avaliava a não incidência das custas processuais sobre o valor da meação do cônjuge sobrevivente, a Corte Superior deu como certa a não incidência, também, do ITCMD. Tomou-se, na oportunidade, a meação, como um direito decorrente da dissolução da sociedade conjugal, não implicando em herança, já que tal parcela não compunha o patrimônio do falecido113. O segundo apontamento que repercute na identificação da base de cálculo do imposto é sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal quando o promitente vendedor em um contrato falece antes de recebido o preço total e de transferida a propriedade do bem vendido. Exemplo: o de cujus havia vendido um terreno cujo preço acertado ficou em R$ 50.000,00 a título de sinal, mais R$ 400.000,00. Depois de receber tão só o primeiro montante, o promitente vendedor morre. Nesta situação, o ITCMD é calculado sobre os R$ 450.000,00, valor total do bem, ou só sobre os valores a receber, R$ 400.000,00? A resposta está na súmula 590 do Supremo Tribunal Federal: “Calcula-se o imposto de transmissão ‘causa mortis’ sobre o saldo credor da promessa de compra e venda do imóvel, no momento da abertura da sucessão do promitente vendedor”. Noutras palavras, só servirá de base tributável para o ITCMD aquilo que efetivamente for transferido ao patrimônio dos herdeiros, pelo

112

RODRIGUES, Silvio. Direito das sucessões. 26ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2003. p. 124. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 343.718/SP. Segunda Turma. Relatoria: Ministra Eliana Calmon. Publicação em Diário de Justiça Eletrônico: 20/06/2005. 113

78

que há de se averiguar o valor do crédito existente quando da abertura da sucessão do promitente vendedor. Passados os apontamentos sobre a base de cálculo, resta tratar da alíquota. Como identifica-la? Ao contrário do que se firmou quanto à base de cálculo do ITCMD – tratada antes -, tem-se que a alíquota a ser utilizada sobre essa base tributável será aquela vigente na época do critério temporal do imposto, vale dizer, quando da morte do falecido transmitente. Inclusive, é esse o texto posto no sistema jurídico pelo Supremo Tribunal Federal através da súmula 113, cuja dicção é assim: “O imposto de transmissão ‘causa mortis’ é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão”. Isso porque, como vimos, o critério temporal da exação é exatamente esse: data da abertura da sucessão, dado por meio do qual se decide o texto normativo de onde se retirará a norma exacional do ITCMD, pelo que se concorda com o referido texto sumular. Por último, não se pode esquecer que o artigo 155, inciso IV, da Constituição Federal aponta ser o Senado Federal ente competente para estabelecer as alíquotas máximas do imposto, seja quanto à transmissão causa mortis, seja no caso da doação. O cumprimento dessa norma se deu através da resolução 09, de 05 de maio de 1991, cujo texto indica a alíquota máxima de oito por cento para o ITCMD. Ademais, o Senado Federal, sob a presidência do então senador Mauro Benevides, trouxe no artigo 2º da citada resolução a progressividade dessa alíquota em razão do quinhão hereditário114, respeitado, é claro, o teto dos oito por cento.

114

Sobre a progressividade das alíquotas do ITCMD ver item 4.2 deste trabalho.

79

12 REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE DOAÇÕES

12.1

HIPÓTESE NORMATIVA

12.1.1 Critério material

Entramos na segunda regra-matriz de incidência do ITCMD. Aqui, o imposto recai sobre a transmissão não onerosa de bens, móveis e imóveis, por ato entre vivos, critério material da exação. Ou seja, é o firmamento de um contrato específico – doação – que caracterizará o critério material do ITCMD nessa regra-matriz. Do mesmo modo como na primeira situação – da transmissão causa mortis – a transmissão via doação restará perfeita, apta a sofrer a incidência do imposto, quando cumpridos seus requisitos impostos pelo sistema jurídico. Tendo que a tributação, no caso, recai sobre um negócio jurídico de cunho obrigacional específico, inevitável a ida ao Código Civil para entender quando está caracterizada uma doação. Pois bem. O referido Estatuto estabelece, através do art. 538, que a doação existe quando alguém, por liberalidade, firma contrato para transferir bens ou vantagens para outrem. Esta liberalidade indica que a doação nunca advém de um dever jurídico, vez que ela, elemento do instituto, consiste na ação desinteressada, sem estar obrigado, de dar algo a outrem. Entendemos, portanto, esse “desinteresse” como uma ausência de dever decorrente de uma obrigação jurídica ou mesmo de uma recompensa em troca da qual se transfere um bem. A doação ocorre quando o doador não tem a obrigação jurídica ou até moral e, mesmo assim, transfere, gratuitamente, um bem para o donatário, que o aceita. Assim,

quando

presente

um

dever

moral,

por

exemplo,

descaracterizada estaria a doação, pensamento disseminado pelo jurista José Eduardo Soares de Melo. Vejamos: O espírito de liberalidade constitui a nota característica da doação, o que não se verifica se o benefício decorre do adimplemento de obrigação jurídica (contraprestação de serviços, fornecimento de bens, etc.), recompensas (atendimento gratuito por médico da família), ou

80

cumprimento de dever moral e social (gratificação em razão de benefícios115

Há quem diga, entretanto, que o cumprimento de um dever moral, como no exemplo do autor, uma gratificação doada em razão de benefícios auferidos, não seria apto a afastar o elemento da liberalidade que constitui o contrato de doação. Isto porque a liberalidade seria justamente a vontade que o doador tem de ver o donatário mais rico, com patrimônio maior, não importando a causa desse ato, se amizade, temor de censura, gratidão, etc116. A razão dessa liberalidade só seria capaz de desconfigurar o contrato de doação se ela for uma obrigação jurídica. Mas é bem verdade que não se pode considerar doação, por exemplo, situações como os donativos de pequeno valor por caridade, dever puramente de cunho moral, e não contratual. O mesmo se diz dos costumes sociais tais como donativos por ocasião de festas religiosas, ou serviços prestados (gorjetas), etc, todos não sujeitos à disciplina legal do contrato de doação117. A localização topográfica do dispositivo (título VI – espécies de contrato) já indica a natureza contratual do instituto, no qual duas vontades, do doador e donatário, devem convergir para que se aperfeiçoe o negócio jurídico. Desta maneira, o ato de aceitação por parte do donatário é elemento indispensável para a confirmação do contrato de doação, por isso que só com ele – que pode ser expresso, tácito, presumido ou ficto – é que caracterizado estará o critério material do imposto. É importante ter em mente também que a doação é contrato unilateral, não requerendo, para que seja aperfeiçoado, a entrega da coisa ao donatário. A partir do momento em que se formaliza o contrato, o donatário guarda o direito

115

PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Op. cit. p. 239 Eis o que pensava, há tempos, o jurista Agostinho Alvim: “Na doação, o donatário objetiva o aumento do seu patrimônio; e o doador objetiva isso mesmo: o aumento do patrimônio do donatário, mediante ato de liberalidade. O motivo, porém, que tiver levado o doador a doar, se é amor, amizade, vaidade, ou temor de censura alheia, isso não importa, porque não constitui elemento da doação, que se contenta com o rótulo da liberalidade, externado na gratuidade do ato”. ALVIM, Agostinho. Da doação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1963. p. 17 117 OLIVEIRA, Angelina Mariz de. Tributação das Doações. Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 124. São Paulo: Editora Dialética. 2006. p. 17 116

81

subjetivo de exigir do doador a entrega dos bens118. Note-se que isso repercutirá no critério temporal da regra-matriz. Além disso, a doação que se referir a bens imóveis deverá ser implementada via escritura pública, enquanto que a transmissão não onerosa de bens móveis poderá ser feita por instrumento particular (art. 541, CC/2002). Por último, fora da incidência do imposto sobre doações, estão as mesadas transferidas gratuitamente de pais para filhos, posto que obrigação decorrente do pátrio poder (conforme art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente), aplicando-se o mesmo raciocínio às demais obrigações alimentares, que, ainda que cumpridas espontaneamente, decorrem de obrigação jurídica119.

118 119

Ibidem. p. 11. Ibidem. p. 18.

82

12.1.2 Critério espacial

O lugar do fato jurídico tributário no caso do imposto sobre doação é de mais singela constatação, se comparado ao locus facti da transmissão causa mortis. Isto porque a Constituição brasileira propõe no artigo 155, §1º, incisos I, II e III, o seguinte: a exação sobre doação de bens imóveis e direitos a eles relativos terá ocorrido no Estado em que estiverem localizados esses bens. Por outro lado, caso a doação seja sobre bens móveis, a norma jurídica tributária terá gerado seus efeitos no lugar em que tiver domicílio o doador. Como acontece na transmissão por causa de morte, o recolhimento da exação se dará no Estado em que estiverem os bens imóveis (art. 155, §1º, inciso I, CRFB), independentemente se o doador residia em Estado distinto. Já quanto ao mobiliário, ainda que ele esteja localizado em diversos Estados da federação brasileira, o fato jurídico tributário acontecerá naquele onde detiver domicílio o sujeito doador (art. 155, §1º, inciso II, CRFB) Aqui, diferente do que acontece na transmissão mortis causa, seguimos o entendimento de que o domicílio sobre o qual fala a Constituição Federal, no caso da doação, é o tributário. Isto porque lá, na exação sobre a herança, a Carta Maior é expressa ao ordenar que o imposto caberá ao Ente federado no qual se opere o processo sucessório, a ser processado no lugar do domicílio civil do de cujus. E aqui, na doação, o Constituinte afirma categoricamente o lugar do tributo como sendo aquele do domicílio do doador. É nesse sentido também a interpretação de Regina Celi Pedrotti Vespero Fernandes120. A principal diferença entre os institutos – domicílio civil e tributário – estaria na possibilidade de escolha do contribuinte no caso deste último, interpretação retirada do próprio artigo 127, caput, do CTN, que, antes de deliberar sobre quais os elementos que configurariam o domicílio tributário em determinado local, afirma que eles só se aplicariam “na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário (...)”. 120

“o domicílio estabelecido pelo legislador constitucional foi o domicílio civil do autor da herança, definido pelo Código de Processo Civil e pelo Código Civil brasileiro, e não o domicílio fiscal do Código Tributário Nacional (art. 127), uma vez que é a própria norma constitucional que estabelece a competência ao ente federado e ao Distrito Federal onde se processar o inventário ou o arrolamento de bens” FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Op. cit. p. 83-84.

83

Ocorre que os fundamentos para essa escolha deverão ser baseados na legislação aplicável, que seria, no caso, a legislação correspondente ao ente tributante. Por sua vez, não existindo essa lei dispondo acerca do domicílio tributário passível de escolha pelo contribuinte, fica-se com o que dispõe o Código Tributário Nacional, ainda mais quando uma eventual escolha de domicílio tributário fora dos limites do Estado tributante, competente para o ITCMD, acarretaria flagrante conflito de competência, mais um motivo para a necessidade de parâmetros previstos na lei complementar tributária – CTN – quando da escolha do domicílio tributário pelo contribuinte do imposto sobre doações brasileiro121. Noutro giro e caminhando-se para a conclusão do tópico, a discussão que se teve quanto à necessidade de edição de lei complementar para o exercício da competência tributária sobre a transmissão não onerosa de bens localizados no exterior se aplica também aqui, no caso da exação em virtude de doação. O dispositivo constitucional que enseja esta norma jurídica é o §1º, inciso III, alínea “a”. É valioso lembrar que essa construção já foi julgada válida pelo Supremo Tribunal Federal quando a discussão recaia sobre o antigo adicional ao imposto de renda, oportunidade em que se declarou inconstitucional sua instituição em virtude da ausência de lei complementar tributária do artigo 146 do CTN122.

121

PEIXOTO, Daniel Monteiro. Op. cit. p. 190 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 149955-9. Tribunal Pleno. Relatoria do Minsitro Celso de Mello. Publicação no Diário de Justiça da União em 03/09/1993. 122

84

12.1.3 Critério temporal

O instante em que ocorre o fato jurídico tributário, como já sabe, está identificado na categoria critério temporal da regra-matriz de incidência. A norma jurídica que estabelece imposto cujo critério material é a doação de bens, acontecerá, estará pronta e acabada, quando o instituto da doação passar a integrar o sistema jurídico. Estando presentes, portanto, a manifestação de vontade pelo doador, mais a aceitação da doação pelo donatário, estabeleceu-se a relação jurídica tributária, já que definitivamente formalizado o contrato. A transferência de domínio, quando se está diante de doação de bem imóvel, ocorrerá no dia do registro do título translativo – contrato de doação – no Registro de Imóveis, nos termos do artigo 1.245, do Código Civil. Por seu turno, sendo doados bens móveis, a propriedade será transmitida para o donatário a partir do momento em que o proprietário (no caso, o doador) entrega o bem móvel a este último, movimento chamado pelo Código Civil de tradição, diante da ordem estabelecida no artigo 1.267 desse mesmo Estatuto. Não obstante, valendo-se do que fora estudado a respeito do critério material do imposto, esses atos jurídicos, de tradição e de registro público do contrato, são posteriores ao contrato de doação, critério material do ITCMD. Não é o momento deles – que representam tão somente a transferência de titularidade dos bens - que vai determinar o critério temporal dessa regra-matriz, mas sim, a data em que restou perfeito o contrato. E tal interpretação é a válida porque é nesse sentido que dispõe o próprio artigo 116, inciso II, do Código Tributário Nacional, que diz considerar ocorrido o fato gerador quando, tratando-se de situação jurídica – contrato de doação -, esteja esta definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável, vale dizer, a legislação civil pertinente. Mesmo assim, há quem pense diferente quando se ampara especificamente nas dicções do artigo 35 do CTN, que prevê a tributação sobre a transferência de titularidade do bem, a título não oneroso, sem atentar para o dispositivo constitucional que, desde 1988 – depois do Código Tributário

85

Nacional – tributa especificamente o contrato de doação de bens, e não a mudança de titularidade destes por via gratuita123. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por exemplo, tem julgados, que se referem à instituição de usufruto, no sentido de que se considera ocorrido o fato gerador somente quando o direito real for efetivamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis, de modo que, ausente este, não ocorrido o fato jurídico tributável do imposto sobre doações124. Por fim, é importante consignar aqui, ainda, que nas hipóteses de doações condicionais, aquelas que dependem da ocorrência de evento futuro e incerto, só restarão submetidas ao ITCMD quando ocorrida a tal condição, nos termos do que prescreve o artigo 117 do Código Tributário Nacional: sendo suspensiva a condição estabelecida, terá ocorrido a hipótese normativa desde o momento do implemento desta condição, que, quando for resolutória, será no momento em que praticado o ato ou celebração do negócio.

123

MELO, José Eduardo Soares de. Imposto Estadual sobre Doações. In: Coord.: ROCHA, Valdir Oliveira. Grandes questões atuais do Direito Tributário. 5ª Ed. São Paulo: Editora Dialética. 2001. p. 223. 124 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 20130111567216. 3ª Turma Cível. Relatoria: Desembargadora Ana Cantarino. Publicação em Diário de Justiça Eletrônico: 19/10/2015.

86

12.2

CONSEQUENTE NORMATIVO

12.2.1

Critério pessoal

É no consequente onde encontramos os requisitos formuladores da relação jurídica tributária advinda do acontecimento da hipótese normativa. No critério pessoal, por sua vez, estabelecemos os sujeitos dessa relação. Conforme já explicamos no critério pessoal relativo especificamente à regra-matriz de incidência do imposto sobre heranças, no caso da exação sobre a doação, o Constituinte também estendeu aos Estados a possibilidade de escolha dos sujeitos passivos da obrigação tributária. Pela lei do Rio Grande do Norte, por exemplo, é o donatário aquele quem recolhe o ITCMD, conforme disposição do art. 11, inciso I da lei 5887/1989. No estado de São Paulo, acontece o mesmo, diante do que manda o art. 7º, inciso III, da lei 10.705, de 28 de dezembro de 2000. Entretanto, em Rio Grande do Sul, o artigo 8º da lei estadual nº 8821/1989 elege o doador como contribuinte do ITCMD. Isto acontece porque a possibilidade de escolha do Estado-membro é clara pela norma jurídica advinda do artigo 42 do Código Tributário Nacional: “Contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributária, como dispuser a lei”. Isso, porém, pode gerar choque com o que determina o princípio da capacidade contributiva, especialmente na sua faceta absoluta, que ordena ao legislador a captação de fatos econômicos – representativos de riqueza – para fazer incidir a tributação. No caso, quem expressa presumivelmente a riqueza é o donatário (ou herdeiros), pois revela um acréscimo patrimonial, em detrimento do doador, quem diminui de patrimônio após a operação, considerações por nós já trazidas na primeira regra-matriz tratada.

87

12.2.2 Critério quantitativo No critério quantitativo, é chegada a hora de explorar a base de cálculo e a alíquota aplicável ao imposto sobre a doação, a fim de que se descubra o quanto se deve pelo contribuinte, e ao mesmo tempo, o quanto pode cobrar o Estado. Aqui, há de se aplicar o mesmo raciocínio empreendido para o imposto sobre a transmissão por causa da morte, cabendo só acrescentar que a base de cálculo é determinada na data da perfectibilização do contrato de doação. No caso de o Estado determinar o recolhimento já no momento do título translativo no Registro de bens imóveis é de se calcular a grandeza tributável pelo valor venal dos bens, o que equivale dizer ao valor de mercado. A legislação do Rio Grande do Norte traz aspecto interessante que é a possibilidade de o contribuinte não concordar com a estimativa fiscal tida pela Fazenda Estadual, pelo que poderá solicitar ao Órgão uma nova avaliação mediante requerimento dirigido à autoridade competente (art. 6º, caput e parágrafo único, lei 5887/1989). Ademais, no caso de doação de direitos reais, seja sobre bens imóveis, seja sobre móveis, fica bastante difícil a mensuração dessa grandeza tributável, pelo que a legislação do Estado de São Paulo, dentre outros Estados, traz, por exemplo, que a base de cálculo será de dois terços do valor da nuapropriedade doada, ou de um terço na transmissão de usufruto. Esta dificuldade não é tão grande no caso da transmissão mortis causa porque será auferida judicialmente, conforme o rito estabelecido no Código de Processo Civil, conforme já se tratou no item 6.2.2 desse trabalho.

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13 VISÃO GLOBAL DO ITCMD NO SISTEMA TRIBUTÁRIOFINANCEIRO BRASILEIRO: HOJE E AMANHÃ

Não teríamos como finalizar o presente estudo sem deliberar amplamente, alheios às amarras científicas da análise dogmática das normas jurídico-tributárias, mas tentando não perder de vista os alicerces construídos na parte inicial deste trabalho, relativa ao método científico seguido aqui. Assim, andando agora em certa distância da dogmática do direito tributário, acreditamos na importância de se avaliar o Imposto sobre heranças e doações brasileiro sob a perspectiva financeira e seu posicionamento no sistema competencial dos Estados da federação. Antes de qualquer coisa, entretanto, reiteramos o que se disse no introito dessa pesquisa a respeito do esquecimento político e legislativo pelo qual passou o ITCMD durante a maior parte de nossa jovem democracia pós 1988. Sobre esse fenômeno, Eduardo Maneira e Alexandre Teixeira Jorge identificam que o motivo está no fato de que a exação estadual sempre ter possuído baixo impacto financeiro nas contas estaduais, pelo que é visto como imposto de importância secundária. Vejamos nas palavras dos estudiosos: O tributo, enquanto principal fonte de custeio das despesas públicas, tem sua importância graduada conforme a receita que proporciona aos respectivos entes competentes para sua cobrança. Essa correlação repercute diretamente na atuação estatal. Priorizamse esforços no sentido de evitar quaisquer perdas na arrecadação de gravames considerados ‘estratégicos’, ao passo que outras exações, que não impactam tanto na execução orçamentária e financeira, passam a ocupar lugar de coadjuvantes nos respectivos sistemas tributários. O resultado dessa preferência por certos tributos, em detrimento de outros, reflete-se também no campo legislativo e político, seja através da falta de debates em torno do aperfeiçoamento dessas figuras tributárias renegadas, seja na defasagem das suas respectivas legislações de regência. É justamente nesse cenário que se encontra o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, de quaisquer bens e direitos (ITCMD) (...)125

Dito isso, em primeiro lugar, e voltando-se aqui especificamente para o Estado do Rio Grande do Norte, o fato é que se tem um imposto de legislação 125

MANEIRA, Eduardo; JORGE, Alexandre Teixeira. O ITCMD nas doações coletivas. Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 228. São Paulo: Editora Dialética. 2014. p. 31.

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não tão complexa quanto outros como o Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços de transportes interestaduais – ICMS. Tal contexto pode gerar certa dificuldade no recolhimento do imposto, pois há necessidade de parâmetros objetivos para a delimitação de conceitos como a base de cálculo do imposto, especialmente nas questões relativas à doação de direitos reais, domicílio tributário possível, entre outras, questões não esclarecidas pela legislação de regência estadual. Noutro pórtico, do ponto de vista da destinação financeira, sabe-se que o ITCMD não guarda nenhum fim específico, face a o arquétipo constitucional dos impostos126. Quando o quesito é arrecadação, o imposto sobre transmissão causa mortis e doação também fica na lanterna do ranking. No estado de São Paulo, por exemplo, a receita tributária de 2014 atingiu o montante de R$ 140.338.600.000,00 (cento e quarenta bilhões, trezentos e trinta e oito milhões e seiscentos mil reais). Desse montante, enquanto que o ICMS alcançou R$ 120.482.800.000,00 (cento e vinte bilhões, quatrocentos e oitenta e dois milhões e oitocentos mil reais) e o IPVA R$ 13.524.300.000,00 (treze bilhões, quinhentos e vinte e quatro milhões e trezentos mil reais), o ITCMD atingiu tão somente R$ 1.714.400.000,00 (um bilhão, setecentos e quatorze milhões e quatrocentos mil reais), ficando atrás até mesmo das taxas cobradas pela Fazenda de São Paulo, que representaram R$ 4.617.000.000,00 (quatro bilhões e seiscentos e dezessete milhões reais) do total127. As alíquotas, por sua vez, têm um patamar não elevado se comparado a esses mesmos impostos. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o ICMS fica em dezessete por cento mais ou menos, enquanto que o ITCMD se mantém em três por cento sobre o valor do patrimônio transferido, por causa de morte ou via

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STEFANI, Anderson. ITCMD e o processo judicial de inventário ou arrolamento. Revista Jus Vigilantibus. 03 de maio de 2.007. Disponível em Acesso em: 07/11/2015> 127 Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Histórico da receita tributária (1994-set.2015). Disponível em: http://www.fazenda.sp.gov.br/relatorio/2015/outubro/tabelas/tabela12.asp. Acesso em: 30 de outubro de 2015.

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doação. Isso parece não acontecer em outros países considerados “desenvolvidos”: Nos Estados Unidos da América, o ITCMD daqui são dois impostos lá: o “gift tax”, que representa o imposto sobre doação e o “estate tax”, incidente sobre a herança. É verdade que as alíquotas deste último são bem mais consideráveis do que no Brasil, só que, por outro lado, e disso muita gente se esquece quando fala da exação brasileira, o número de isenções e não incidências de ambos os impostos estadunidenses é tão grande que a maior parte das transmissões não onerosas de patrimônio no país restam não submetidas às exações. “Desde 1982”, diz Misabel de Abreu Machado Derzi, “a porcentagem de declarações [feitas pelos contribuintes para fazer o recolhimento do imposto] raramente passou de 2% do número de mortes”128. Naquele país, ainda se vê institutos como a “annual exclusion” (em português, exclusão anual) que representa um montante anual de doação, detido pelo contribuinte, que não é tributado. Em 2009, por exemplo, se poderia doar até treze mil dólares isentos de tributação por ano. Além do mais, são isentas do imposto qualquer doação feita ao cônjuge, instituições de caridade, entre outros129. Especialmente por causa dessa primeira isenção é que planejamentos são feitos pelos contribuintes para que se chegue ao fim da vida sem patrimônio a ser tributado pelo “estate tax”. Quanto a este último, Misabel Abreu de Machado Derzi descreve que, enquanto em 2002 o valor da isenção do imposto chegava a um milhão de dólares, em 2009 o herdeiro que recebesse patrimônio menor que três milhões de dólares não pagava “estate tax”130. Na Inglaterra, por seu turno, o “inheritance tax” (no vernáculo, imposto sobre herança) só incide, desde 2009, sobre a transmissão causa mortis de patrimônio maior que trezentos e vinte e cinco mil euros, enquanto que o imposto sobre heranças alemão (“Erbschaft-und schenkungsteuer”), também segundo a 128

BALEEIRO, Aliomar. Atualiz.: DERZI, Misabel de Abreu Machado. Op. cit. p. 346. Ibidem. p. 347. 130 Ibidem. p. cit. 129

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jurista mineira, recebeu da nova lei do imposto – em vigor desde janeiro de 2009 -, um tratamento com algumas peculiaridades. Desde então, na Alemanha, cada indivíduo pertence a uma certa classe fiscal, a qual guarda direito a determinado valor isento. Cônjuge sobrevivente e filhos, são classe um, enquanto que pais, avós e irmãos pertencem à classe dois. Na classe três ficam os demais. Assim, as alíquotas são calculadas tomando por base o valor do patrimônio e a classe fiscal do beneficiário. Por exemplo: o donatário que é beneficiário de patrimônio acima de vinte e seis milhões de euros, e pertence à classe fiscal um, pagará trinta por cento a título de imposto sobre a doação ou herança131. Tomando por base o sistema jurídico do Brasil, especialmente pelo que se constatou no item dedicado ao estudo da aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos (item 4.2), somente a progressão conforme o patrimônio seria válida, enquanto que a alteração de alíquotas com base em questões alheias à capacidade contributiva não teria cabimento. O quadro internacional, por razões que fogem do objeto desse trabalho, não é de taxação tão forte da herança e doações, como tentam levar a crer alguns que, ao estudarem o imposto, analisam tão somente o quantitativo das alíquotas, sem se dar conta das inúmeras isenções, não incidência e imunidades existentes nesses países. Mesmo assim, há grande movimentação dos Estados brasileiros, especialmente depois da crise financeira internacional de 2008, que vem atingindo o Brasil com cada vez maior gravidade, de buscar o aumento das alíquotas relativas ao ITCMD. Durante a confecção desse trabalho, inclusive, houve votação na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte de propostas voltadas para o aumento das alíquotas do imposto no Rio Grande do Norte. Caso vire lei tais projetos, votados na sessão de 27 de outubro de 2015, ao invés dos três por cento antes habituais, as alíquotas serão progressivas em razão do patrimônio transmitido não onerosamente: até quinhentos mil reais, fica em três por cento a alíquota; quatro por cento será para patrimônio entre quinhentos e um milhão de 131

Ibidem. p. 355

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reais, cinco por cento para valores entre um e três milhões de reais; e seis por cento para bens que valham mais de seis milhões de reais132. Ademais, há notícia de proposta estabelecida pelo Conselho Fazendário Nacional - CONFAZ, que reúne, sob a presidência do Ministro da Fazenda, todos os Secretários de Fazenda Estaduais, e encaminhada ao Senado Federal para que seja alterado o teto das alíquotas do ITCMD (até vinte por cento), que hoje fica em até oito por cento, conforme já explicado em tópico anterior. Esse aumento, não há dúvida, pode ser empreendido por resolução do Senado Federal, conforme prevê a Constituição Federal no artigo 155, §1º, inciso IV. Entretanto, cabe frisar que, por dever de observância ao limite-objetivo carregado pelo princípio da legalidade (art. 150, inciso I, CF/88), os Estados federados só poderão cobrar o imposto sob a possível nova alíquota quando expedirem textos normativos legais, lei em sentido estrito, para que se remaneje esses valores, alterando-se o critério quantitativo do imposto. E ainda terão que esperar o prazo nonagesimal estabelecido também pela Constituição brasileira no art. 150, inciso III, alínea “c”. Ademais, concluindo tudo quanto dito até agora, nunca é demais lembrar que o imposto sobre heranças e doações, não só no Brasil, como no mundo todo, possibilita inúmeros mecanismos legais de planejamento fiscal, devendo as secretarias fazendárias estaduais respeitarem a possibilidade dada pelo sistema jurídico de o contribuinte escolher uma tributação a menor, claro que mediante a utilização de elementos contidos no próprio sistema jurídico. O primeiro e mais claro deles, presente no Brasil, é a necessidade imposta pela Constituição de um elemento de conexão – lei complementar – para que possam os Estados exercerem a competência relativa à tributação de transmissão não onerosa de bens situados no exterior, ou cujo doador/de cujus tenha residência no estrangeiro.

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G1 Rio Grande do Norte. Deputados estaduais aprovam aumento de três impostos no RN. Disponível em: < http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2015/10/deputados-estaduais-aprovamaumento-de-tres-impostos-no-rn.html >. Acesso em: 30 de outubro de 2015.

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Como ainda não há a lei complementar, o contribuinte – respeitando as regras do sistema, especialmente aquelas relativas ao domicílio, fiscal e civil – que se encaixa nesta situação fica livre da tributação. Além dessa hipótese, existem outras que esse trabalho não se presta a disseca-las, mas só serve para mostrar que a arrecadação muitas vezes prevista pelos Estados com o aumento de impostos, especialmente deste estudado, pode ruir em razão dos planejamentos sucessórios e tributários feitos pelos contribuintes, ensejando mais atritos na relação Fisco-contribuinte, com aumento de passivos tributários e discussões judiciais e administrativas.

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14 CONCLUSÕES Diante de tudo quando fora abordado nesse singelo trabalho, eis algumas conclusões que dele podem ser sacadas: No primeiro capítulo pós introdução, vimos que o Imposto sobre heranças e doações está entre os mais antigos da história da tributação no mundo, datando, segundo registros, de 117 a.C. Não obstante, é em torno dos séculos XVI a XVIII que ele começa a tomar as feições que hoje são empregadas, movimento iniciado na França e no Reino Unido. Em terras brasileiras, o imposto surge logo em seguida à chegada da Corte Imperial Portuguesa ao então Brasil colônia, estando, hoje, previsto na Constituição Federal de 1988 e recaindo sobre a doação de bens, móveis ou imóveis, e sobre a transmissão destes por causa da morte do proprietário. Em seguida, foi-se apresentada a doutrina do Constructivismo LógicoSemântico, que toma o Direito como fruto de expressão linguística, analisandoo sob o prisma da sintática, oportunidade em que a lógica e suas leis entram em cena, semântica, utilizando-se da hermenêutica, e pragmática, que observa a aplicação dos dois primeiros no contexto comunicacional do Direito. Se é expressão de linguagem, Direito é construído por quem lhe interpreta, daí surgindo as normas jurídicas, que podem ser válidas ou inválidas, quando comparadas e coordenadas com o sistema jurídico, característica também explorada nesse trabalho, demonstrando-se a linguagem própria sobre a qual se manifesta o fenômeno jurídico. Depois disso, chegamos aos princípios jurídicos na condição de alicerces do sistema. Lá se analisou: os princípios da República e da federação, a garantir o exercício da competência tributária dos entes e, por via de consequência, da arrecadação fruto dessas competências; isonomia tributária e capacidade contributiva, esse último em repercussão limitada ao ITCMD, brecando, no entender do trabalho, a aplicação da progressividade de alíquotas, entendimento não validado pelo Supremo Tribunal Federal; propriedade e vedação ao confisco tributário, princípio de alta carga valorativa e de difícil delimitação semântica, cujo teor se vincula à garantia do mínimo existencial, além da propriedade, da livre iniciativa e do trabalho; e por fim, o direito fundamental à herança, preceito que se soma à vedação ao confisco quando o 95

assunto é herança, limitando em maior grau a atuação do legislador no critério quantitativo do imposto sobre heranças. No capítulo nove, o estudo recaiu sobre a competência tributária dos Estados no caso do ITCMD. Chegou-se, aqui, a uma conclusão principal que resolve as duas problemáticas estudadas no citado item: na falta de lei complementar tributária, o exercício da competência pelos entes federados será pleno, desde que esse exercício não implique em conflitos de competência, ou seja, não atinja interesses de outros entes da federação, o que se aplica ao caso do ITCMD incidente sobre bens situados fora do país ou cujo doador/de cujus tinha domicílio no exterior. Como a legislação, por um ente, pode ensejar o conflito de competência com outros Estados, que se julguem competentes para a instituição do imposto, resta inválida a tributação nestas situações quando ausente lei complementar para dirimir eventuais conflitos de competência, vocação constitucional desse instrumento. Em seguida, se estruturou, logica e semanticamente, a teoria da regra-matriz de incidência tributária, que serve para o estudo da norma jurídicotributária em sentido estrito, ou obrigação tributária principal. Daí, partiu-se para a aplicação dessa teoria no Imposto sobre transmissão causa mortis e doação, dividindo a exação em duas regrasmatrizes, uma relativa à transferência de propriedade em razão da morte, e outras no caso da tributação do contrato de doação. Estudando primeiro a regra-matriz relativa à transmissão por causa de morte, concluiu-se no critério material que o Imposto de renda pode recair sobre o ganho de capital obtido na transferência de bens havidos por herança e alienados posteriormente. Aqui, ainda, analisando a vigência da lei que instituiu essa tributação, entendeu-se que só será possível verificar o ganho de capital tomando por base a comparação entre o valor dos bens na abertura da sucessão e a avaliação feita no decorrer do processo sucessório, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. No critério espacial, chegou-se à conclusão de que o imposto será recolhido, quando da transferência de bens imóveis, no lugar de sítio destes, independentemente da transmissão da herança enquanto conjunto, patrimônio do de cujus. Quando se transmitirem bens móveis, entretanto, será o domicílio 96

do falecido o local da exação. Sendo este desconhecido, será o espaço em que localizados os bens. Se forem vários os bens móveis, localizados em Estados distintos, será onde ocorrera o óbito o critério espacial do imposto. O critério temporal do imposto sobre heranças é a morte do sucessor, em virtude do princípio da saisine, adotado pelo Código civil brasileiro. Por isso, é na morte quando acontece o fato jurídico-tributário. O ato de aceitação da herança, por exemplo, retroage a essa data. Entretanto, sabendo que o critério quantitativo do imposto é composto pelo quinhão hereditário, parcela de patrimônio líquido transferido ao herdeiro, será só depois que definida essa grandeza tributável – ou seja, no curso do processo judicial ou extrajudicial de inventário ou arrolamento – que poderá se calcular o valor do imposto devido. Nesse cálculo, aliás, deverá ser levado em consideração o valor venal dos bens ao qual se chegou na data da avaliação destes (súmula 112-STF). No critério quantitativo, se reproduziu que a base de cálculo do imposto não poderá integrar a meação do cônjuge, direito adquirido ainda em vida. Do mesmo modo, no caso de falecimento do promitente vendedor, o imposto incidirá sobre o saldo credor do que não havia recebido o de cujus, e não sobre o valor total do objeto do contrato de compra e venda, conforme súmula 590-STF. As alíquotas do imposto sucessório serão calculadas tomando por base a lei vigente na época da abertura da sucessão, critério temporal do ITCMD, nos termos da súmula 113 do Supremo Tribunal Federal, linha de raciocínio mais acertada do que aquela empreendida na edição da súmula 112, alheia ao critério temporal do imposto. Sobre o imposto incidente nas doações, tem-se o critério material como o contrato de doação, perfeito nas condições da legislação privada: liberalidade do doador mais aceitação do donatário. O lugar do tributo vai ser o Estado no qual estão situados os bens imóveis, ou, no caso de móveis, onde tiver domicílio o doador. Quanto ao critério temporal, o estudo empreendido mostrou que, ao invés da transferência efetiva dos bens, é a data da perfectibilização do contrato o critério temporal do imposto sobre doação, já que o objeto da tributação é o contrato de doação, nos termos da Constituição Federal, art. 155, inciso I. 97

No critério pessoal, lembra-se que aos Estados foi outorgada a possibilidade de escolha, só que a coerência com o sistema é maior quando o recolhimento fica a cargo do donatário, sujeito que expressa capacidade contributiva. Não obstante, o critério quantitativo da doação encontra dificuldades de elucidação quando a legislação estadual não dispõe acerca da base de cálculo a ser utilizada quando da doação de direitos reais. No caso, dos bens, a base tributável será o valor venal deles. No último estágio dessa breve análise, se chegou a algumas conclusões: o ITCMD realmente sempre dispôs de baixo impacto financeiro para os Estados, motivo pelo qual há tempos vinha sendo relegado a segundo plano no campo político e legislativo, assim como no científico. Por outro lado, apesar de muito se falar em baixa tributação da herança e doações no Brasil, o fato é que, em outros países, apesar de alíquotas maiores, o imposto tem sua incidência barrada por grande número de isenções e hipóteses de não incidência, pelo que, tanto na Europa como nos Estados Unidos, grande parte da sucessão hereditária fica alheia ao imposto sucessório, que só incide quando o patrimônio transferido é extremamente alto. Não obstante, a crise financeira e imobiliária internacional de 2008, que ainda é sentida nos países emergentes, fez os estados brasileiros encamparem mudanças nas alíquotas a que está sujeito o ITCMD. Contudo, como dito, esta alteração quantitativa não quer dizer que, necessariamente, haverá aumento significativo na arrecadação financeira estadual decorrente dessa exação, já que, tanto há a possibilidade de um grande número de sucessões serem adiantadas antes da entrada em vigor dessas novas alíquotas, como também podem os contribuintes se preocuparem com planejamentos sucessórios mais eficazes do ponto de vista tributário, desde que lícitos, é claro.

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