O INDIVÍDUO COMO SUJEITO DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

July 3, 2017 | Autor: Hugo Monteiro | Categoria: International Relations, International Law
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O INDIVÍDUO COMO SUJEITO DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Hugo Monteiro Universidade de Évora, Licenciatura em Relações Internacionais, Direito Internacional Público, 31051 RESUMO A caracterização, ou classificação, do individuo como sujeito de Direito Internacional não é uma tarefa fácil. Existem vários autores que o defendem como sujeito de DIP, outros que não o vêem como tal. É nesse sentido que procurámos elaborar este trabalho. Tentar perceber, de que forma pode o individuo ser considerado como um sujeito de Direito Internacional. Para tal, numa primeira fase, olhámos para a tradição jurídica, bem como esclareceremos as características fundamentais que os sujeitos de Direito Internacional público têm que ter para os podermos considerar com personalidade jurídica internacional. Traçaremos então, uma caracterização dos dois mais tradicionais sujeitos de Direito Internacional Público, os Estados e as Organizações Internacionais, de modo a percebermos como estes adquirem a sua personalidade jurídica internacional, passando então a caracterizar o individuo como possível sujeito de direito internacional público. Mostraremos ainda algumas situações em que o individuo aparece com algumas características que o mostram como tendo essa capacidade, nomeadamente, em questões relativas aos direitos fundamentais do ser humano. Concluiremos que, apesar da evolução já ter permitido ao individuo, algum tipo de personalidade jurídica internacional, o seu campo de acção e actuação no Direito Internacional, ainda é muito restrito, encontrando inúmeras barreiras. Palavras-Chave: Direito Internacional, Sujeito de Direito, Individuo, Personalidade Jurídica, ABSTRACT The characterization, or classification, of the individual as a subject of international law is not an easy task. There are several authors who hold it as DIP subject, others do not see it as such. That is why we tried to prepare this work. Trying to understand, how can the individual be considered as a subject of international law. To this end, initially we looked at the legal tradition and will clarify the fundamental characteristics that the subject of public international law must have to be able to consider with international legal personality. We trace then a characterization of the two most traditional public international law subjects, States and International Organizations, in order to realize how they acquire their international legal personality, then going to characterize the individual as a possible subject of public international law. Also, we will show some situations in which the individual appears with some features that show you as having this ability, in particular on issues relating to fundamental rights of human beings. We conclude that, despite the developments have already allowed the individual some kind of international legal personality, its field of action and action in international law is still very restricted, finding numerous barriers. Keywords: International Law, Subject of Law, Individual, Legal Personality

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1. INTRODUÇÃO Sendo o conceito de sujeito de direito uma convenção do ordenamento jurídico, os seus contornos fixam os seus pressupostos e efeitos. É ai que se centra a importância vital de se definirem os atributos e capacidades entregues a quem possuir personalidade jurídica num Estado de Direito. No panorama internacional, tal definição reveste-se de igual importância. Mesmo com a inexistência de um poder central, o Direito Internacional Público (DIP) dependem das relações internacionais, não se confundindo estes com os actores internacionais. O conceito de actor internacional tem uma âmbito alargado, inserido no seu campo todos os sujeitos que procuram espaço na cena internacional. O sujeito é aquele que tem direitos e obrigações. Dentro destas características, temos duas que são essenciais: a capacidade de estar em juízo, e a capacidade de, no caso de um sistema representativo, elaborar as normas às quais se deve obediência. Dentro desta perspectiva, divida em três janelas (capacidade jurídica, capacidade de agir e direito de representação), procuramos analisar de que modo os Estados, as Organizações Internacionais (OI) e os indivíduos estão sujeitos ao DIP. Posteriormente, serão focadas as facetas e limites da personalidade jurídica dos Estados e das OI, reconhecidos sujeitos do DIP, para depois mergulharmos na complexidade dos indivíduos no âmbito do DIP. 2. A TRADIÇÃO As Ideias mais remotas do Direito das Gentes, sempre tiveram uma base constante: a noção de unidade do género humano e a defesa da paz e da fraternidade universal, noções que atravessavam o tempo e o espaço, e era grande a procura de uma base jurídica para tais pensamentos. O termo Direito das Gentes é originário desta procura, da busca de igualdade entre os povos. A própria origem do Direito Internacional como o conhecemos hoje, produto de uma sociedade politicamente organizada, transpõe os pensamentos atrás descritos. A escola Espanhola do Direito das Gentes, contemporânea dos descobrimentos marítimos, tinha conteúdo naturalista e já admitia a existência de uma comunidade internacional. Francisco de Vitória, um dos primeiros a ideializar o Direito internacional, não gostava dos ideais nacionalistas e defendia o relacionamento entre as nações, ideias que encontram novo defensor em Hugo Grocio, tendo este ultimo enfatizado o aparecimento de regras por comum acordo entre os Estados. Com base nestas ideias, enraizadas no direito natural e ao ius gentius Romano, os autores clássicos de Direito Internacional admitiam a personalidade jurídica internacional do individuo, tendo esta desaparecido a partir do século XIX. Com o aparecimento do Estado Moderno, relegou-se o individuo para segundo plano e a sua acção no plano internacional ficou limitada à acção através dos Estados. Já no século XX, entram no campo jurídico internacional as OI, tendo tido um crescimento no que se refere à sua importância com o passar dos anos. Nos dias de hoje, são dos sujeitos de DIP mais actuantes. Com a ausência de uma norma legal internacional que determine o que são sujeitos de DIP, o pensamento contemporâneo dos diversos autores é de opiniões, por vezes, muito divergentes. Porém, apoiados na longa tradição do poder dos Estados e no peso das OI, sendo estas criadas e regidas pelos

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Estados, tornam estes como o principal sujeito de DIP, sendo a sua personalidade jurídica amplamente aceite. 3. PERSONALIDADE JURIDICA INTERNACIONAL Nos nossos dias, fruto de uma forte interdependência entre Estados, o Direito Internacional enfrenta grandes desafios. Surgem outros actores nas relações internacionais, e, de certa forma, a preocupação com o individuo está de novo no centro das questões, decorrente da preocupação generalizada com a violação dos direitos humanos. Segundo Celso de Mello, existem razões com importância suficiente para que o individuo seja considerado sujeito de DIP, como a dignidade humana, ou mesmo a própria noção de Direito, feito pelo homem para o homem. As doutrinas em confronto nesta questão, são a doutrina estatal e a individualista. A primeira surge através da concepção voluntarista do DI, que afirma o Estado como único sujeito de DI. Da ordem jurídica assim formada, não surgem direitos e deveres para o individuo, sendo este, afectado pela ordem formada de modo indirecto. A doutrina individualista, com concepção monista, coloca o individuo como único sujeito de DI. Os Estados, segundo esta doutrina, seriam apenas técnicas de gestão de interesses colectivos. Hans Kelsen tem uma opinião diferente. Para ele, tanto os Estados como os indivíduos têm personalidade internacional. Diz que a opinião tradicional de que os sujeitos de DI são apenas os Estados e não os indivíduos, é errada, pois todo o direito é uma forma de regulação da conduta humana. Contudo, o personalidade jurídica do individuo, mesmo tendo por base o pensamento de Kelsen, não se mostra conclusivo. O que ele evidencia é que, mesmo de forma indirecta, o sistema jurídico tem por objectivo o comportamento humano. Se colocarmos na base da reflexão as suas ideias, o individuo seria sempre sujeito de DI, independentemente de existirem, ou não, normas internacionais que o contemplem. Rezek, uma das vozes mais ouvidas contra a personalidade jurídica do individuo como sujeito de DI, diz que, mesmo que as normas contemplem o individuo, não quer dizer que tenha personalidade jurídica. Afirma que, mesmo a fauna e a flora são objecto de protecção pelo DI, mas não lhes é atribuída personalidade jurídica. Apenas se os individuo possuírem capacidade de exercício de direitos e responsabilização, esta situação poderia ocorrer. Com as visões contrarias acima demonstradas, podemos evidenciar dois elementos utilizados para questionar a existência do individuo como sujeito de DI. O primeiro, é a existência de direitos e obrigações dos indivíduos, independentemente dos Estados. O segundo, se os indivíduos têm a capacidade de exercer os seus direitos, ou de ser responsabilizados pelos seus actos, sem o Estado como intermediário. Pode, no entanto, ser considerado um terceiro elemento que caracterize um individuo como sujeito de DI. O de este ser um agente criador do direito, de ter a possibilidade de actuar na sua formação e modificação, estabelecendo relações com os outros sujeitos de DI. Isto dependeria sempre, da sua capacidade, de, independentemente da sua nacionalidade, estabelecer relações com Estados, organizações internacionais, ou outros sujeitos de DI.

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4. SUJEITOS DE DI 4.1 O ESTADO Sendo os Estados os principais sujeitos de DIP, formam ainda o coração do sistema de normas, independentemente da sua forma politica interna, sendo a soberania dos Estados um dos pressupostos vitais do DIP. Como se pode ver na obra de Guido Soares, citando Pierre-Marie Dupuys, as capacidades internacionais de cada Estado são divididas em cinco categorias: i.

Capacidade de produzir actos jurídicos internacionais;

ii.

Capacidade de se lhe verem imputados factos ilícitos internacionais;

iii. Capacidade de acesso aos procedimentos de resolução de conflitos internacionais; iv. Capacidade de pertencerem activamente a OI; v. Capacidade de estabelecer relações diplomáticas com outros Estados. Ainda segundo o mesmo autor, uma outra capacidade é a de exercer a protecção em relação a outros Estados, dos indivíduos, ou instituições, que sejam de sua nacionalidade. Esta acção pura cidadania é uma característica própria dos Estados-Nação, acção que não existe nas OI. Nestas, a relação com os indivíduos que dela fazem parte, é puramente funcional. Por outro lado, no campo dos deveres que os Estados têm na cena internacional, temos: i.

Não ingerência no assuntos internos de outros Estados;

ii.

Estabelecer restrições a actividades que utilizem de forma excessiva os seus territórios;

iii. O exercício de competência sobre os indivíduos no seu território ou jurisdição. O Estado, como sujeito de DIP, deve possuir três características fundamentais. População, território e governo soberano. No caso da população, esta é o conjunto de pessoas que nele habita, não se confundindo com o povo, sendo este formado pelos cidadãos. Os cidadãos têm a capacidade de intervir nas decisões politicas, enquanto a população, enquanto conceito, tem carácter demográfico. Podemos assim dizer que, a nacionalidade tem por natureza um vinculo politico entre o Estado e o individuo. O território, por seu lado, é delimitado pelo espaço sob a alçada jurisdicional do Estado, podendo ser terrestre, aéreo ou marítimo. A territorialidade diz que todos os sujeitos de direito, uma vez num território, devem respeitar as leis em vigor nesse território. Naturalmente, este principio é relativo, pois existem excepções em diversas matérias, no entanto, não se admite a intervenção externa, devido ao principio da não ingerência e igualdade jurídica entre Estados. É com o Estado Moderno que surge o conceito de soberania, caracterizado pelas teorias absolutistas e concentração de poderes. Sendo no seu inicio, um tipo de poder absoluto, deveria ter acima o direito natural e o direito das gentes. Evitar a flexibilização do carácter absoluto da soberania, era negar o próprio DIP. Deste modo, o Estado soberano é aquele que não se encontra numa situação de dependência em relação a outro Estado. A soberania pode ser dividida em duas vertentes. A primeira, a soberania interna, representa o monopólio do Estado na possibilidade do uso da força num território. A soberania externa, configura uma reivindicação de universalidade limitada a um espaço geográfico.

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Os Estados membros de organizações supranacionais são submetidos a um poder que lhes é superior, o qual representa a colectividade. No caso das organizações intergovernamentais, o limite à soberania não existe, predominando ai os interesses individuais de cada sujeito. Ao olharmos para os três elementos da organização politica – população, território e governo soberano – e, estando os mesmos presentes, pode essa organização politica ser reconhecida como Estado. 4.2 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS Sendo as OI associações voluntárias entre Estados, com o objectivo de atingir objectivos comuns entre os seus membros, estas diferem das organizações não-governamentais, criadas por particulares. Também não se confundem com os Estados. Não é adoptada uma tipologia que seja unânime na caracterização destas entidades. As características clássicas de uma OI são a capacidade contratar, de entrar em juízo, e de posse. Estas características podem divergir do que são os desejos dos Estados que as compõem. Para Guido Soares, estas organizações devem ser criadas por um tratado, ter poderes decisórios que não dependam de nenhum Estado em particular, e ser reguladas pelo DIP. Em relação às suas competências, estas têm que ter uma relação próxima com os seus objectivos. Dividem-se em competências deliberativas, normativas, operacionais, controlo e impositivas.. pás as colocar em prática, dependem de dois órgãos fundamentais. A assembleia geral e a secretaria geral. A assembleia geral tomas as decisões, e a secretaria geral tem o poder executivo de colocar em prática as decisões da assembleia. É frequente o recurso a um conselho permanente nas OI de carácter predominantemente politico. A exemplo desta situação temos o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Tal como os Estados, as OI são reconhecidas como sujeitos de DIP, o que deriva directamente das suas competências. Esta definição de personalidade jurídica foi estabelecida pelo Tribunal Internacional de Justiça (TIJ). Dessa forma, com o reconhecimento da sua personalidade jurídica, as suas finalidades são vinculadas a esta. Se olharmos por outro prisma, a personalidade jurídica das OI é limitada quando comparada com a dos Estados. Em caso de conflito entre um Estado e uma OI, o TIJ apenas emite pareceres consultivos, já que as OI não podem tomar partido em assuntos que envolvam Estados. Mas mesmo para a solicitação de um parecer ao TIJ, este obriga a que sejam cumpridos três requisitos: o organismo deve estar devidamente autorizado, a solicitação deve ser somente sobre questões jurídicas, e deve cair dentro da esfera da organização que solicite o parecer. Fica assim claro que, as organizações intergovernamentais são sujeitos de DIP, mas não possuem os mesmo poderes e direitos atribuídos aos Estados. O DIP trata estes dois de forma diferenciada. 4.3 O INDIVIDUO Classificar os Estados e as OI como sujeitos de DIP é fácil, mas quando tentamos faze-lo com os indivíduos, a situação complica-se. A personalidade internacional da pessoa humana foi reconhecida já no séc. XVII, por Hugo Groccio, quando diz, na sua obra O Direito da guerra e da Paz, que considera os Estados e indivíduos como pessoas internacionais, compreensão essa que se insere na prerrogativa que torna o compromisso de particulares perante inimigos de guerra uma obrigação também do Estado. Se considerarmos o direito uma proporção entre coisas e pessoas, do homem para o homem, não é

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concebível a noção da pessoa humana como objecto do direito. Contudo, ainda hoje não é um sujeito de DIP pleno, pois não são concedidas todas as faculdades que são conferidas a outros. O individuo, enquanto individuo, não se envolve na criação de normas internacionais. Isso cabe aos Estados e OI. Os governos (dos Estados), deveriam representar a vontade das suas populações, mas a nível internacional, tal noção de representatividade é difícil de conceber, como está concebido nos moldes internos de cada Estado. No caso das ONGs, se estas tivessem os mesmos direitos e deveres dos sujeitos de DIP, poderiam ser um contributo efectivo para a criação de normas mais legitima e próximas da vontade das populações. O homem goza de direitos fundamentais na ordem internacional – liberdade individual, direito à vida, protecção no trabalho, etc. -, sendo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, o principal documento que garante esses direitos. Contudo, ao mesmo tempo que tem direitos, também tem deveres, como a possibilidade de ser julgado a nível internacional como criminoso de guerra. Verificada a capacidade jurídica internacional do individuo, mesmo assim, a sua personalidade jurídica não é plena. Não participa na criação de normas internacionais e não tem capacidade de acção. Para que exista plenitude de personalidade jurídica, o individuo deveria ter a possibilidade de se dirigir aos fóruns internacionais com o objectivo de reclamar os seus direitos. De facto, podemos distinguir dentre dois tipos de sujeitos de DIP. Os directos e os indirectos. Os primeiros possuem direito, pretensão e acção, enquanto os outros apenas têm direito e pretensão. O individuo está inserido na segunda categoria, já que não pode agir directamente na cena internacional, mas sim, representado por um Estado. De certa forma, o individuo pode ser considerado sujeito de DIP, se o admitirmos como indirecto, apoiados na força que têm os Estados. Tendo o individuo uma limitada capacidade internacional, esta situação não lhe retira o estatuto de pessoa jurídica. O facto de existir a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aceite de forma clara pela grande maioria dos sujeitos de DIP, e a possibilidade de lhe serem imputados factos ilícitos, são características que fazem com que o individuo seja sujeito de DIP, mesmo não sendo pleno. Os limites das demais capacidades, mostra o caminho possível, que tem de ser percorrido, até que o individuo garanta a sua qualificação como tendo personalidade jurídica internacional. 5. O INDIVIDUO CONTEMPLADO COMO SUJEITO DE DI Existem inúmeras normas que contemplam o individuo no DI. Algumas poderão ser mais claras, enquanto outras, por sua vez, serão mais difusas, sendo necessária uma analise mais profunda sobre a possibilidade de o sujeito possuir características de sujeito de DI. Iremos agora analisar algumas das situações onde esta situação ocorre, e verificar se realmente o individuo é visto como sujeito de DI, ou não. 5.1 CRIMES INTERNACIONAIS A pirataria foi dos primeiros crimes a ser absorvido pela ordem jurídica internacional, muito por esta actividade ocorrer, não raras vezes, fora do âmbito jurisdicional de qualquer Estado. Porém, sendo um crime praticado por indivíduos, tem a sua normatização fixada na Convenção de Genebra sobre o alto mar, de 1958, e dirige-se directamente aos Estados, dando a possibilidade de um navio aprisionar um outro suspeito de pirataria, e posteriormente o poder de o Estado julgar o(s) individuo(s) prevaricadores no âmbito do seu Direito Interno.

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Mais tarde, surge a responsabilização por crimes contra a humanidade, que decorre da necessidade de punição dos indivíduos que cometessem tais crimes, mas que, de uma forma ou outra, estivessem protegidos no âmbito do Direito interno. Podemos citar os casos do tribunal de Nuremberga, os tribunais Penais para a Ex-Jugoslávia e Ruanda. Todos foram constituídos em tribunais penais ad hoc, e nos quais existiu a responsabilização do individuo pelos seus actos directamente da ordem internacional, não sendo os Estados parte nos litígios, mas sim os próprios indivíduos. Sendo estes tribunais de carácter temporário, e de objectivo meramente excepcional, não podemos considerar que até então tenha existido um DI que considerasse, de forma permanente, o individuo como sujeito de DI. Mesmo em 2002, com a criação do tribunal Penal de Haia, não se verifica uma clarificação quanto a este assunto. Este foi criado com o objectivo de promover o DI, com mandato de julgar os indivíduos, e não os Estados, mas tem competência para julgar apenas os crimes mais graves cometidos por indivíduos: genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão. Sendo um grande passo em direcção à universalidade do Direitos do Homem, ainda está longe de considerar todos os indivíduos como sujeitos de DI. Apenas os considera de forma excepcional. 5.2 PROTECÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DO HOMEM A protecção internacional dos direitos do homem sofreu evoluções significativas nos últimos 60/70 anos. Inicialmente, tinha como objectivo a protecção meramente diplomática dos nacionais que se encontrassem em território estrangeiro, evoluiu para a protecção do homem independentemente do Estado a que esteja vinculado, apenas em decorrência da sua condição humana. São inúmeros os tratados que têm por objecto a protecção dos direitos fundamentais, no entanto, na sua grande maioria, os indivíduos aparecem apenas afectados através dos Estados, sendo estes últimos, os destinatários dos acordos, sendo responsabilizados pela realização dos direitos dos indivíduos. Dentro deste contexto, a Declaração Universal dos Direitos do Homem têm a sua importância, a partir do ponto em que impõe um código de conduta para os Estados, com o objectivo de proteger os direitos do individuo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo emanada na forma de resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, tem peso politico e moral, mas não efectividade jurídica real. Não foi previsto sequer, nenhum instrumento de controle da aplicabilidade das normas ai inscritas, o que sugere uma eficácia muito reduzida. Por outro lado, o impacto que teve este documento, provocou a sua transposição para as constituições nacionais, criando desse modo, efeitos jurídicos sobre esses direitos. Não obstante o seu peso politico e moral, a personalidade jurídica internacional do individuo não ficou melhorada com tal declaração. Apenas procurou garantir os direitos dos indivíduos dentro da ordem jurídica de cada país. Tem como seus destinatários os Estados, no sentido de que estes garantam tais direitos aos seus cidadãos, e não permite aos indivíduos, formas de fazer valer os seus direitos na cena internacional, Senão através do Estado, o que, faz com que o individuo ainda permaneça fora do DIP. É importante referir que a Carta das Nações Unidas, nos seus artigos 1º e 3º, demonstra que um dos propósitos da ONU é o de promover e estimular o respeito pelos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. Com base nesta premissa, uma violação a esses direitos fundamentais pode fazer com que o infractor seja sujeito a medidas de coerção, previstas também na referida Carta. Esta possibilidade também tem problemas. Vai contra o conceito de não ingerência interna, ou seja, de os Estados não interferirem nos assuntos internos de

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outros Estados, isto, num período em que as relações dos cidadãos de um Estado com o seu próprio Estado não era preocupação do DIP. É com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Roma, 1950), e a Convenção Americana dos Direitos do Homem (Costa Rica, 1969), que surgem transformações, transformações essas, que dão a hipótese de os indivíduos actuarem directamente, numa organização internacional, para fazer valer os seus direitos. No Art. 44 da Convenção Americana, está previsto que qualquer pessoa, ou grupo de pessoas, ou qualquer entidade não governamental legalmente constituída dentro de um Estado membro da organização dos Estados Americanos, pode apresentar petições à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por violações aos Direitos Humanos perpetradas por um Estado membro. Desta forma, podemos vislumbrar uma personalidade jurídica internacional por parte do individuo, sem a necessidade de intervenção do Estado a que pertence. Porém, a actuação do individuo, neste caso, não se faz directamente com o Tribunal Interamericano dos Direitos humanos, mas sim, numa primeira fase, com a queixa apresentada à Comissão Interamericana. Se o Estado em questão, após apresentada a queixa, após notificação da Comissão para a resolução do problema, não o resolver, a Comissão apresenta a reclamação junto do Tribunal. Uma outra critica ao sistema, é o da necessidade de se esgotarem os recursos jurídicos internos para se poder efectuar a reclamação junto das instancias internacionais da Organização dos Estados Americanos, mas mesmo assim, esta pode resultar inconsequente, pois dez dos Estados membros da referida organização, não assinaram a Convenção. A sistemática da convenção Europeia dos Direitos humanos é, grosso modo, a mesma descrita acima, pois esta teve grande influencia na redacção da Convenção Americana, mas existe uma peculiaridade a ressalvar. Ao contrario do sistema americano, na Europa há a possibilidade de o individuo actuar directamente junto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Numa primeira fase, as petições dos indivíduos deveriam passar, numa primeira fase, pela analise por parte da Comissão Europeia, mas a partir do ano 2000, o individuo pode enviar os seus pedidos directamente ao tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Não obstante, a possibilidade de actuação directa do individuo na Europa, também é bastante restrita, com inúmeros requisitos e longos prazos de averiguação. A importância de estas duas convenções é a de demonstrar um elemento novo. O de invocarem, de certo modo, a personalidade jurídica dos indivíduos. Sendo assim, ficam claros 2 dos requisitos para podermos considerar o individuo como um sujeito pleno de DIP. Tem direitos e deveres contemplados na ordem internacional, e pode actuar directamente na defesa dos seus direitos. Contudo, falta talvez o mais importante. O da possibilidade de participar na formação e modificação do DIP, em conjunto com os tradicionais sujeitos de DIP. 6. CONCLUSÕES Podemos concluir que, até ao momento, não existem normas especificas que contemplem todos os indivíduos como sujeitos plenos de DIP. Porém, não significa que não o seja. O facto de não possuir todos os pressupostos que caracterizam um sujeito de DIP, faz-nos crer que existe uma personalidade jurídica internacional limitada. Podemos então afirmar que, existem 2 tipos de sujeitos de direito internacional. Os de pleno direito, e aqueles que, não tendo o pleno direito, têm algum campo de actuação, ao que podemos chamar de sujeitos menores de DIP.

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Podemos também afirmar que, a ideia de que o Direito Internacional é diferente do Direito Interno está a ficar um pouco esbatida. A conjugação de pactos com textos constitucionais, a transposição de normas internacionais para dentro das Constituições cria uma área em que não se diferencia o que é nacional e o que é internacional. o conceito de Homem, pessoa privada, exilado na sociedade dos Estados, poderá estar a cair por terra, perante a possibilidade de serem fixados princípios que aceitem o individuo como finalidade do Estado, e não o Estado como a finalidade do individuo. A consolidação do Estado Moderno, que resultou no fortalecimento da sua soberania e da inexistência de qualquer organismo internacional acima dele como forma de limitação do seu poder, levou a que o individuo fosse arredado do Direito Internacional durante muito tempo. O DI passou a preocupar-se apenas com as relações entre Estados. Perdeu de vista os princípios basilares do direito natural, transcendentes e limitadores da vontade do soberano. A preocupação com o género humano e a fraternidade universal passou para segundo plano, num direito que passou a visar apenas as relações entre Estados soberanos, que não queriam ceder parte do seu poder. Actualmente, este processo tem sofrido evoluções significativas. Com a proliferação de organizações Internacionais, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, e o crescimento das suas competências, veio criar uma certa limitação à soberania dos Estados. Estes passaram a estar sujeitos a normas internacionais, mesmo sobre normas sobre as quais não manifestou a sua aprovação, como as relativas ao jus cogens. Em conjunto com esta evolução, a permanente valorização dos direitos humanos, proporcionou um reaparecimento do individuo no Direito Internacional. Toda esta evolução, permitiu ao individuo ser considerado como sujeito de Direito Internacional, porém, este será sempre um sujeito secundário, não preenchendo os requisitos para uma personalidade jurídica internacional plena. As formas de responsabilizar os indivíduos perante a comunidade internacional aumentaram, bem como as formas de poderem fazer valer os seus direitos fundamentais. Esta evolução poderá representar um regresso aos valores que fizeram surgir o Direito Internacional, de unidade do género humano e fraternidade universal, ou mesmo ao fundamento jusnaturalista presente na sistematização do Direito Internacional, iniciada na formação dos Estados Modernos. A evolução do Direito Internacional, poderá levar-nos a um verdadeiro Direito das Gentes, afastando-se de um simples Direito entre Estados. 7. BIBLIOGRAFIA 7.1 LIVROS E MANUAIS ACCIOLY, Hildebrando, Manual de Direito Internacional Público, 20ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2012 BONAVIDES, PAULO. Ciência Politica, 18ª Edição, São Paulo: Malheiro Editores, 2011 DALLARI, Djalmo de Abreu, O Individuo como sujeito de DIP, Palestra proferida no Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria, Abril de 2001 GROCCIO, Hugo, O Direito da Guerra e da Paz, Ijui: UNIJUÍ, 2004, 2v GUTIER, Murillo S., Introdução ao Direito Internacional Público, Uberaba-MG, 2011 KELSEN, Hans, Teoria Geral do Direito e do Estado, Tradução de Luís Carlos Borges, 3ª Edição – São Paulo: Martins Fontes, 1998 MELLO, Celso, Curso de Direito Internacional Público, 12ª Edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2000

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SOARES, Guido, Curso de Direito Internacional Público, SP: Atlas, 2002 REZEK, Francisco, Direito Internacional Público: Curso Elementar, 15ª ed. Rec. E actual, São Paulo: Saraiva, 2014 7.2 DOCUMENTOS OFICIAIS Convenção Europeia dos Direitos do Homem, recuperada a 16 de Novembro de 2014, em http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, recuperada a 16 de Novembro de 2014, em http://www.rolim.com.br/2002/_pdfs/pactoSanJose.pdf Carta das Nações Unidas, recuperada a 16 de Novembro de 2014, em http://www.gddc.pt/direitoshumanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/onu-carta.html

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