O INICIO DA PROPRIEDADE DA TERRA NO BRASIL E O TERRITÓRIO

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DISCIPLINA FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA E TERRITORIALIDADES Profº Drº Carlos Alberto Rizzi

O INICIO DA

PROPRIEDADE DA TERRA NO BRASIL E O TERRITÓRIO

MARINA MENDONÇA DE CASTRO WILLIAM SOUSA POIATO

RESUMO “O primeiro que, cercando um terreno, lembrou-se de dizer “isto é meu” e encontrou pessoas bastante simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores não teriam poupado ao gênero humano por aquele que, arrancando suas estacas ou tapando o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “ Não escutem esse impostor! Vocês estarão perdidos se esquecerem que os frutos pertencem a todos e a terra a ninguém!”“ (ROUSSEAU,2012:91)

O presente artigo pretende tratar sobre a inter-relação entre a terra, a propriedade-privada e o território, à medida que um reorganiza outro remodelando-o e remodelando também a sociedade, a forma das pessoas interagirem com seu meio, suas técnicas , e por fim sua realidade material. Sendo a lei n° 601 de 1850, denominada lei de terras, um dos marcos fundantes, propiciando a propriedade absoluta no Brasil, em um processo onde o mundo passava por um levante do liberalismo Inglês com a política do laissez-faire que pregava o Estado mínimo na economia, influenciando a dada lei que transfere o poder da terra à donatários, não sendo mais concessão da coroa/imperador/Estado, diminuindo a inferência do Império sobre esta cultura agro–exportadora que acontecia no pais .

Partindo de alguns pressupostos históricos e conceitos territoriais, tentando fugir de um anacronismo, analisamos como a quebra com o regime anterior (sesmarias), e a construção de um novo regime(independencia) sobre as terras nacionais (lei de terras) reorganizam o território, enquanto criação e recriação dos povos , do espaço e da propriedade. Palavras chave: Território-sesmarias-Império-lei de terras-

Sumário

Resumo 1

Introdução textual e concepções teóricas

2

Regime de sesmarias

3

Panorama a cerca da Independência brasileira

4

Lei de terras e suas propostas sobre o território

5

Considerações finais

6

Referências Bibliográficas

1

Introdução textual e concepções teóricas

O Espaço Vital, conceito trabalhado por Ratzel (1844-1904) , é um produto das visões mantidas pelos Estados-Nações sobre o território

na segunda metade do século XIX, o território

demarcado por fronteiras , e autodeterminado , que detém de seus recursos naturais e deve resguarda-los para seu avanço, segundo Ratzel “Quando a sociedade se organiza para defender um território, transforma-se em Estado” (MORAES,2007:15); sendo assim, ao observar a relação “homem x solo” desta teoria podemos considera-la fundante e fundada pelo/do nacionalismo (se ignorarmos sua noção expansionista), segundo Marilena Chauí o nacionalismo é “instrumento poderoso da unificação social não só por que fornece a ilusão de comunidade indivisa (nação),mas também porque permite colocar a divisão fora do campo nacional, isto é , na nação estrangeira”(CHAUI,1993:21) No Brasil, durante a independência (1822), o discurso nacional era presente , aliás um dos principais vetores ideológicos segundo Luís Toledo Machado “ O nacionalismo no Brasil , que percorreu longo caminho , inspira-se na exigência de políticas próprias de desenvolvimento e autodeterminação, mergulhando suas raízes no ideário da independência de José Bonifácio, Gonçalves

Ledo

e

do

grupo

dos

“mamelucos

nacionais”

de

Cipriano

Batata”(MACHADO,2000:180) destacando assim a antiga colônia para sua criação enquanto Estado-Nação, sendo seu povo , os brasileiros , que constituiriam assim a nova nação continental, porém uma série de insurreições ocorreram entre a década de 30’ e 40’ deste século, tais rebeliões, afim de separar-se do território, foram reprimidas com a coerção do Império que formou , de forma parecida a Confederação-Germanica do mesmo período onde “na contra –revolução, forma-se um bloco reacionário unitário estreitam-se os laços políticos” (MORAES,2007:37); no caso brasileiro reforçando fisionomia do território nacional. Tais movimentações coincidem com a regionalização feita por Darcy ribeiro em sua obra “Os brasileiros”onde ele elucida 5 brasis, sendo eles: O Brasil criôlo, caboclo , sulino, sertanejo e caipira. Os quatro primeiros representados, respectivamente, pelas revoltas dos Malês (1835; BA), Cabanagem (1840;PA,MA) ,farroupilha (1843-45;RS) e posteriormente

Canudos (1896-97);

demonstrando assim um Brasil regionalizado ,uma dicotomia econômico/cultural, ou seja, de múltiplas territorialidades. Tais demonstrações deixam uma evidencia que existe algo para além da cultura de fronteiras que uma primeira impressão da teoria de Ratzel nos traz, se levarmos em conta a relação

“território x natureza” que ele propõe – a ponto de ser um dos inspiradores do determinismo geográfico- e o conceito de natureza, sintetizado em uma fala de Elisée Reclus:“O homem é a natureza adquirindo consciência por si próprio” ,ou seja, a natureza é o homem tomando consciência dela, enquanto ser natural também pertencente a natureza , talvez o território também seja o homem tomando consciência dele (construindo-o) enquanto ser territorial pertencendo também a ele, criando

assim uma outra organização territorial além das

fronteirista, uma territorialização interna marcada pela biografia individual e/ou de coletivos com relação a sua construção material, cultural e histórica. Partindo destes pressupostos este artigo analisara a lei de terras de 1850 e a reconstrução territorial que ela propôs, para tal passaremos pela definição do regime de sesmaria, um panorama da Independência brasileira e a lei de terras de terras de 1850.

2 Regime de sesmaria A lei de terras sesmarias foi criada em Portugal por D. Fernando em 1375, obrigava os senhorios a cultivar as terras, e entregar outra parte a agricultores, visando

ampliar a

produção rural. “A Lei de Sesmaria de Dom Fernando, promulgada em 1375, tentou enfrentar os dois problemas: o do latifúndio e o do êxodo de trabalhadores do campo para as cidades. Contra o latifúndio, pelo esbulho do proprietário que por incúria ou falta de meios deixasse inaproveitadas as terras aráveis”. (FREYRE, GILBERTO 1987:213)

No Brasil a lei de terras sesmaria foi implantada a partir de 1534, com o sistema de capitanias hereditárias, D. João III determinou que cada donatário recebesse como de sua exclusiva propriedade, enquanto concessão da coroa, uma faixa de dez léguas, contada a partir da linha litorânea, e distribuísse, a título de sesmarias, o restante do território ficaria sob seu comando, a sesmaria era uma subdivisão da capitania. Os donatários poderiam distribuir as sesmarias a qualquer pessoa, contanto que fossem cristãos e cultivassem a terra. Segundo Caio Prado Jr. entre cada sesmaria havia ainda um pedaço da terra sem produção para dividi-las. “Entre cada sesmaria ou fazenda mediava ainda uma légua de terras que se conservavam devolutas; nesta légua nenhum dos conflitantes

podia levantar construções ou realizar quaisquer obras; ela funcionava apenas de divisa, providência necessária, onde não se usam cercas ou quaisquer outras tapagens, para evitar a incursão do gado em fazendas vizinhas e confusão do rebanho”(PRADO JR 2007: 192)

O sistema de sesmaria não obteve resultados tão positivos no Brasil como em outras colônias portuguesas. Alguns fatores contribuíram para a decadência desse sistema, principalmente pelo fato de que a lei não foi adaptada a realidade da colônia e também porque não havia fiscalização das terras pela colônia e os donatários das sesmarias ocupavam terras muito além da que lhe pertencia. Então com a generalização da ocupação sem título das terras, em 1822 o Príncipe Regente suspendeu a concessão de sesmarias.

3. Panorama a cerca da Independência brasileira O processo de independência brasileiro foi marcado pela vinda da família real ao Brasil, em 1808. “ A transferência da Corte portuguesa para o Brasil em 1808 veio dar à nossa emancipação política um caráter que a singulariza no conjunto do processo histórico da independência das colônias americanas. Todas elas, mais ou menos pela mesma época, romperam os laços de subordinação que as prendiam às nações do Velho Mundo. Mas, enquanto nas demais a separação é violenta e se resolve nos campos de batalha, no Brasil é o próprio governo metropolitano quem, premido pelas circunstâncias, embora ocasionais, que faziam da colônia a sede da monarquia (...)” ( PRADO JR 1933: 45)

A vinda da família real, foi motivada por uma serie de acontecimentos, como a Era Napoleônica que agitava a Europa visando tornar a França uma potencia industrial, para isso Bonaparte procurou retaliar o monopólio britânico, que era a atual potencia. No ano de 1806, o governo napoleônico impôs o Bloqueio Continental à Europa, o qual exigia que nenhuma nação europeia tivesse relações comerciais com a Inglaterra, o Príncipe regente de Portugal não acatou a ordem francesa e em reposta Napoleão ameaçou invadir o território português. A Inglaterra propôs ajudar Portugal, escoltando a família real até o Brasil e ajuda militar para proteger os solos portugueses contra Napoleão. Em troca dessa ajuda, Portugal teria de mudar

a capital para o Rio de Janeiro e estabelecer um conjunto de tratados que abrissem os portos brasileiros às nações do mundo e oferecessem taxas menores aos produtos ingleses. A abertura dos portos e a criação do Reino Unido do Brasil praticamente cortaram os vínculos coloniais e prepararam a independência brasileira. As revoltas do final do século XVIII, como a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana e a Revolta Pernambucana, mostra o enfraquecimento do sistema colonial. Com a decadência desse sistema, surgiu projeto recolonizador, com ele o “partido Brasileiro”, “(...) o “partido brasileiro” como já era chamado e que representava as classes superiores da colônia, grandes proprietários rurais e seus aliados (...)” (PRADO JR 1933: 50) tinha ideias da criação de uma monarquia dual, para preservar a autonomia administrativa e a liberdade de comércio. A revolução do porto em Portugal,em 1820, e a volta da Corte Portuguesa, deixando D. Pedro como regente do Brasil. Fez com que a burguesia portuguesa exigisse que o Brasil voltasse a situação de colônia. “Os meses que medeiam da partida de D. João à proclamação da Independência, período finam em que os acontecimentos se precipitaram, resultou num ambiente de manobras de bastidores, em que a luta se desenrolava exclusivamente em torno do príncipe regente, num trabalho intenso de o afastar da influência das cortes portuguesas (...).( PRADO JR 1933: 52)

No final do ano de 1821 a corte portuguesa exige a volta de D. Pedro, a obediência das províncias a Lisboa e fim dos tribunais e partidos brasileiros. Essas exigências começaram uma onda de inquietação por todo Brasil, o “ partido brasileiro” passou a apoiar a independência e se estabeleceram uma serie de organizações contra a colonização. Com toda essa inquietação em solos brasileiros D. Pedro resolveu desacatar as ordens da Corte Portuguesa e ficar no Brasil. Então em 1822 com a possibilidade de tropas portuguesas serem enviadas ao Brasil D. Pedro rompe definitivamente os laços de união política com Portugal. “Resulta daí que a Independência se fez por uma simples transferência política de poderes da metrópole para o novo governo brasileiro. E na falta de movimentos populares, na falta de participação direta das massas neste processo, o poder é todo absorvido pelas classes superiores da ex-colônia, naturalmente as únicas em contato direto com o regente e sua política. Fez-

se a Independência praticamente à revelia do povo; e se isto lhe poupou sacrifícios, também afastou por completo sua participação na nova ordem política. A Independência brasileira é fruto mais de uma classe que da nação tomada em conjunto.”( PRADO JR 1933: 52)

4 Lei de terras e suas propostas sobre o território Panorama histórico: Europa em convulsão Em 1850 o mundo se preparava para a segunda revolução industrial, ainda no meio técnicocientífico, iniciando o capital industrial, a Inglaterra capitaneava a economia mundial com a política de “laissez-faire” , estendendo sua zonas de influencia. Enquanto isso a Europa estava em convulsão, o “Manifesto do partido comunista” acaba de ser publicado por Marx e Engels na confederação germânica , mesmo ano onde ocorreu o que Hobsbawn denomina “a primavera dos povos” como ele mesmo diz “1848,foi claramente, e sobretudo em termos internacionais, uma afirmação de nacionalidade, ou melhor, de nacionalidades rivais.” “1848 e 1870[...] era sobre a criação de uma Europa de nações-estados.” (HOBSBAWN,2009:24) ,era um mundo em revolução observando o devir histórico dos Estados-Nações. No mesmo século, na década de 20’ ,observa-se a independência das Américas hispânica e portuguesa, no Brasil o processo acontece em 1822 sobre o protetorado inglês, -como já foi elucidado. Enquanto a Europa já enfrentava tais movimentações oriundas das contradições da industrialização , o Brasil mantinha-se uma economia agrário-exportadora sobre as estruturas da “casa grande” definida

por Gilberto Freyre “A casa-grande, embora associada

particularmente ao engenho de cana e ao patriarcalismo nortista, não se deve considerar expressão exclusiva do açúcar, mas da monocultura escravocrata e latifundiária”(FREYRE ,1977:41),sofrendo as consequências da medidas lusitanas contra manufaturas, o Brasil ainda vivia em sua fase de “Brasil arquipélago” como diz Milton Santos (SANTOS & SILVEIRA 2008)caracterizado por cidades distantes espalhadas pela costa de difícil comunicação. Além da base escravocrata de força de trabalho o país não desenvolvera um mercado interno satisfatório, sendo que o trabalho assalariado não se desenvolvera com força suficiente para o consumo, demonstrando assim seus resquícios enquanto recente colônia, para contornar a situação e introduzir o país no sistema internacional inicia-se sua modernização técnica e a integração do território à economia, a “implantação de sistemas de engenharia[...] a partir 1850, convidavam a construção de cais nos portos do Rio de Janeiro, Bahia, São Luís do

Maranhão, Recife, Cabedelo e as docas do Belém do Para, que até então operavam como precário ponto de desembarque. No Rio do Janeiro a novas infraestruturas portuárias nascem em solidariedade com as primeiras estradas de ferro de Pedro II” (SANTOS & SILVEIRA 2008:33).Para dar o passo inicial em tal caminho a legislação precisava ser reestruturada, por isso a lei de 1850 – lei de terras - parece estruturante ao processo.

lei n° 601 de 1850(Lei de terras) A lei de terras data de setembro de 1850, proclamada por D. Pedro II, e trazia uma série de normativas para uma nova abordagem sobre o território agrário do Brasil. No primeiro parágrafo a lei já anuncia seu objetivo:

’’Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por titulo de sesmaria sem preenchimento das condições legais. bem como por simples titulo de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeiro na forma que se declara.”

A lei dispõe que as terras já ocupadas sobre titulo das sesmarias, ou demais títulos prérevolução tornam-se propriedade de seus donatários, deste objetivo claro já surgem as primeiras problemáticas, á partir da revolução 22' o país fica até o período desta dada lei sem legislação vigente o que propiciou possessões de terras e ocupações cujo as quais o Império teria de lidar, a origem das grilagens acontece para legitimar estas possessões.

“Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra.”

Sobre o artigo 1°, fica claro o inicio da propriedade privada sobre a terra e a mercantilização da mesma criando assim uma estrutura e nova fonte para multiplicação e controle de capital tanto para o Estado como para a iniciativa privada. O Estado lançava novos lotes para venda das terras devolutas segundo previsto no décimo quarto Artigo:

” Art 14.Fica o Governo autorizado a vender as terras devolutas em hasta publica, ou fóra della, como e quando julgar mais conveniente, fazendo previamente medir, dividir, demarcar e descrever a porção das mesmas terras que houver de ser exposta á venda”

Exigia o pagamento a vista em moeda nacional, o que claramente restringe o acesso às camadas mais elevadas economicamente- aristocracias agrárias/urbanas – a aquisição de terras diretamente do Estado não deixou de ser um privilégio como nas sesmarias, apenas promovia uma movimentação de capital para acumulação do Império,além de vantagens de compra previstas no décimo quinto Artigo.

“Art 15.Os possuidores de terra de cultura e criação, qualquer que seja o titulo de sua acquisição, terão preferencia na compra das terras devolutas que lhes forem contiguas, comtanto que mostrem pelo estado da sua lavoura ou criação, que tem os meios necessarios para aproveital-as.”

O artigo terceiro e quarto definem as terras devolutas definindo-as como aquelas que não estão fora de uso publico/nacional e as terras não caracterizadas como propriedade , além das legisladas pelas sesmarias no regime anterior:

“Art. 3º São terras devolutas: § 1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal. § 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo,nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial,não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura. § 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo,que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei. § 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei. Art. 4º Serão revalidadas as sesmarias, ou outras concessões do Governo Geral ou Provincial,que se acharem cultivadas, ou com principios de cultura, e morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionario, ou do quem os represente, embora não tenha sido cumprida qualquer das outras condições, com que foram concedidas.”

O Artigo 5° traz uma abertura na lei para posse de povos e famílias tradicionais sobre uma série de prerrogativas, uma delas no § 2 que traz no caso destas comunidades , famílias ou

nos

termos da lei “posseiros” estiverem sobre propriedade de sesmarias caberá apenas um pagamento de indenização o que compreende a uma nova problematizarão para o Império, sobre os títulos que surgiriam sobre fazendas e/ou comunidades já estabilizadas,quase sempre realizadas a favor do titulo (real ou não) em detrimento destes coletivos.

”Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria,ou havidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas,ou com principio de cultura,e morada, habitual do respectivo posseiro [...]§ 2º As posses em circumstancias de serem legitimadas, que se acharem em sesmarias ou outras concessões do Governo, não incursas em commisso ou revalidadas por esta Lei, só darão direito á indemnização pelas bemfeitorias.”

Dos artigos 6 ao 13 tratam-se de medidas técnicas de medições, apossamento e possessões de terras no 16° encontramos uma medida curiosa já prevendo a importação de estrangeiros para terras nacionais, para fins de povoamento e cultura tentando assim conciliar e criar a mão de obra assalariada para consumo, tão cara ao país, prevendo e já legalizando o movimento de migração da década de oitenta do mesmo século o que viria a ser a força de trabalho necessária ao capital porém com toda uma roupagem de um patronado escravagista.

“Em nossas terras, o interesse dos latifundiários,acostumados ao sistema escravagista, não caminhava para introdução de pequenos agricultores independentes, eis que aqueles queriam produzir em seus latifúndios – e em alguns casos até mesmo tentaram

reproduzir em suas terras, com os

imigrantes - formas de trabalho não muito diversa do que alcançavam com escravos, pagando baixíssimos salários e impondo que a compra de bens de consumo se fizesse em negócios administrados por eles” (CAVOLAN & GONZALES:11)

Estas caracterizaram estão previstas no artigo abaixo: “Art. 17. Os estrangeiros que comprarem terras, e nellas se estabelecerem,

ou vierem á sua custa exercer qualquer industria no paiz, serão naturalisados querendo, depois de dous annos de residencia pela fórma por que o foram os da colonia de S, Leopoldo, e ficarão isentos do serviço militar, menos do da Guarda Nacional dentro do municipio.” “Art. 18. O Governo fica autorizado a mandar vir annualmente á custa do Thesouro certo numero de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agricolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração publica, ou na formação de colonias nos logares em que estas mais convierem; tomando anticipadamente as medidas necessarias

para

que

taes

colonos

achem

emprego

logo

que

desembarcarem. Aos colonos assim importados são applicaveis as disposições do artigo.”

Observando de forma prévia a lei em si, percebemos o seu viés econômico sobre o território , assim como os cerceamentos ingleses iniciaram a propriedade privada absoluta sobre as terras na Inglaterra a lei de terras é um alicerce onde os patrimonialistas rurais passaram a ser o legítimos proprietários , expandindo seus poderes e seu campo de atuação , sendo claramente uma lei de viés liberalista onde como diz Maria Secreto em seu artigo ,“a lei de terras operou a transição entre o período no qual a terra era concedida pela coroa, em um período no qual se tornou domínio publico[...]na qual representa poder econômico”(SECRETO,2007:14) , um processo que também facilita as vias de investimento e transição das produções que o mercado externo poderia exigir do Brasil, tendo agora intento e investimento em terras de produtores/exportadores e não mais em terras do Estado brasileiro , a propriedade neste sentido separou o solo da nação, ao referir-se quanto ao controle de produção e extensão da mesma ,aproximando-se assim da proposta liberalistas de Estados-Região,

Luiz Toledo

Machado ao analisa-la diz: “ Sua ideologia é a reestruturação geográfica do Estado nacional, uma vez que desconhece o espaço político da nação em favor das chamadas “regiões naturais” voltadas para mercado”(MACHADO,2000:75)o que de forma talvez menos radical acontece em contradição com desejo nacional que formulou a nação, não ignorando a luta interna a favor do nascente mercado do café, porém outras produções coexistiam, lembrando também que futuramente este processo se mostra de forma mais aparente. Outra questão é a apropriação inepta de terras segundo Ariovaldo de Oliveira “O processo de grilagem das terras públicas no Brasil iniciou-se depois da entrada em vigor da Lei de Terras de 1850”(OLIVEIRA,2008:1) pois ela proibia a apropriação de terras e valorizava as antigas sesmarias o que propiciou o aparecimento deste tipo de procedimento, que é a falsificação de documentos de terras para apropriação, feito pelas camadas mais abastadas da sociedade, a

grilagem garantiu um acumulo muito maior de terras , o problema se tornou tão grande que se é um fardo histórico para o direito nacional onde por exemplo no estado do Mato Grosso ainda existe esta batalha contra a terras apropriadas por grilagens pelo

“agronegócio”, a

exemplo do passado a aristocracia agrária acumulando terras como donatários a partir de documentos de origem suspeita é em suma uma outra forma de apossamento da elite. Assim, demonstrando que a lei de terras enquanto reguladora da mercantilização da terra no mercado nacional, onde a produção e a riqueza se multiplicam a partir dela, desencadeia uma série de problemáticas que se tornam questões de organização espacial históricas no Brasil, além de validar uma mentalidade patrimonialista já arraigada em nossa cultura autoritária.

5 Considerações finais

A lei te terras legitimou uma crescente acumulação de um grupo ou classe social , formando uma aristocracia rural/urbana que traz resquícios até os dias de hoje. Tal acumulação é histórica e crescente pois a ocupação legitimada se inicia nas sesmarias que foi uma subdivisão das capitanias hereditárias, com o objetivo de povoar e cultivar a terra que formaram um “grupo primário de donatários” , grupo este com alta escala social escolhido direta ou indiretamente pela coroa, este grupo primário é validado e mantido com a lei além de incentivado pela própria que o da vantagens na compra de novos lotes. Ao analisarmos dada lei em relação a algumas outras da época encontraremos um panorama bem propicio para multiplicação de capital desta elite , como por exemplo a lei Euzébio de Queiroz proclamada no mesmo ano , que pela influencia Inglesa, suspende a compra brasileira de escravos pelo comercio transatlântico , oque fomenta e infla o valor do escravo no mercado interno em conjunto com a “lei hypotecaria” de 1864 que traz entre outras coisas em seu segundo artigo :“Art 2[...] § 1° só podem ser objecto de hypotheca:[...] Os escravos e animais pertencentes ás propriedades agrícolas, que forem especificados no contracto, sendo com as mesmas propriedades”, o que propicia uma transferência do valor, ou seja , de capital investido muitas vezes ancestralmente, do escravo para a aquisição de moeda, neste caso, em sua maioria, investido em novas terras, vale ressaltar também que naquele dado momento histórico já se sabia ou se esperava sua alforria pelas pressões dos mercados externos o que torna este artigo uma fuga histórica para manutenção de poderio destas elites. Este domínio das terras na economia brasileira sempre significou um

grande domínio

econômico ,o que reforça sua posição social aristocrática/agrária -, e permite que este grupo

de donatários tenha um montante de capital que quando a “maré econômica” se transforma e a industrialização chega ao Brasil no séc. XX este mesmo grupo é o “investidor” , que transfere o poderio da terra para a nascente indústria, a ponto do historiadores econômicos como Wilson Suzigan ao tentar traçar um recorte histórico para a industrialização nacional denomina o

primeiro

período

de

“O

crescimento

industrial

induzido

pela

economia

agroexportadora,1901-1929”(SUZIGAN ,2000:21) formando assim uma aristocracia urbana oriunda do mesmo ciclo. Além das compras de terras as “grilagens” infestam o país, à possessão indevida de terras muitas vezes são anexadas a patrimônios latifundiários acelerando o processo de acumulação deste grupo e de ocupação da terra. Tal atribuição propõe também toda uma nova abordagem sobre o território brasileiro, pois em toda a ordem anterior, um movimento histórico de três séculos de dominação, formulou toda organização interna, um povo brasileiro oriundo de uma miscigenação étnica, cultural , econômica entre outros aspectos com diversos outros povos que aqui se encontraram, formaram diversas territorialidades marcadas nos modos de vida , na técnica do seu dia a dia, construídas socialmente, como diz o historiador econômico Barsanufo Gomildes Borges ao discutir a produção agrária goiana

“a produção agrícola goiana manteve-se organizada como economia de excedente até o inicio do séc. XX a população sertaneja dedicava-se ao cultivo de produtos para sub-existência cujo excedente era comercializado em seu restrito mercado local. A terra era explorada, em geral, em regime de trabalho familiar[...]”(BORGES,2000:10)

Demonstrando certo equilíbrio formado onde a propriedade não alcançou até este dado momento histórico -no caso de Goiás o isolamento geográfico propiciou sua manutenção de modo de vida até o séc. XX e o inicio das ferrovias pelo país- porém estes vários brasis ou estes vários contatos com o meio, ou seja, estas multiterritorialidades eram horizontais entre si e começam a ser gradativamente expulsas de seus territórios e transformadas em apenas duas classes, dois territórios , “aqueles que possuem” e “aqueles que não possuem” , verticalizando relações, formando a dicotomia no dado momento onde a propriedade privada se apresenta. É claro que este processo não é absoluto, nem mesmo imediato, é um processo gradual, que acontece até os dias atuais, as disputas “agrárias x indígena”, por exemplo, fazem parte deste processo, além do mais ,ainda pode-se encontrar características do passado e destes grupos

por toda parte sendo este o principio da rugosidade do espaço descrita por Milton Santos “A rugosidade é o espaço como acúmulo desigual de tempos.”(SANTOS, 1997:33). Do ponto de vista social acontece um processo de alienação destes grupos com seus territórios, ou seja, da onde é oriundo suas representações coletivas – visível na discrepância semântica das palavras , mesmo em um pais de língua única ,ou quase única se considerarmos o

nheengatu também muito difundido no período , objetos tem nomes e sonoridades

diferente , forças de expressão são forjadas e ha resistência dos locais que recebem estes expropriados em assimilar esta linguagem diferenciada da sua própria, que não faz sentido com aquela nova/outra realidade – outro processo de alienação acontece com seus trabalhos tradicionais , ao inserir-se gradativamente no mercado de trabalho que começa a ser criado no pais. Todo este Artigo demonstra que ao colocar a propriedade de forma absoluta e concreta , e não mais idealizada na distancia da coroa, existe toda uma remodelação territorial interna , impulsionada pela necessidade de produção que o momento histórico exige ,começam a ser criados sistemas de engenharia e uma reorganização agrária , que será o embrião do capital central da indústria do séc. XX , toda uma movimentação para o

mercado externo, que

também retira do cerne nacional a produtividade do solo, sendo inferência e investimentos externos “melhor-vistos”. Demonstrando um movimento das pessoas para se reorganizarem enquanto coletivos, gradativamente, á partir de novas técnicas , novos acúmulos sociais e culturais

e claramente da expropriação direta deles de sua autônima de um modo de

produção semi próprio, para um completamente alheio a eles , não que as organização anteriores não pertencessem a um regime de capital ,ou fossem inclusivas, porém mesmo com ela estes grupos se mantém, criam-se e recriam-se e sobre estes trezentos anos formulam um território e uma identidade, que é ignorada pelo processo seguinte de apossamento e apropriação a partir do poder que a força econômica de uma classe o “grupo primário de donatários” que segue quase uma linear com os modos de produção hegemônicos sobre seu domínio. Assim percebendo que há um território para além do conceito de fronteiras e de poder, um território construído pelas pessoas no seu dia-a-dia com suas biografias individuais e coletivas, ou seja, construindo multiterritorialidades, que neste momento começam a não mais existir para alguns grupos , substituído pela grande propriedade e suas classe representativas sendo por vezes expulsos e tendo de se formar em outros lugares do território nacional atendendo a novos interesses e a novas organizações, readequando e estranhando-se no seu trabalho e modo de subsistência, tendo assim de se reformular enquanto ser territorial.

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Nota: O estudo deste tipo de temática é de suma importância para demonstrar uma das características do Brasil que são as mudanças extremamente conservadoras, a concentração de poder econômico na mão de poucos , poucos estes que detém o poder e o Estado, mostrando também que para além dos territórios fronteiriços existem aqueles criados por cada pessoa e por cada grupo, também da ao estudante uma propriedade da história de seu país

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