O início do inverno no Ceará e o dia de São José (19 de março): uma abordagem estatística

June 24, 2017 | Autor: José Nilson Campos | Categoria: Drought
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THE BEGINNING OF THE HUMID SEASON IN CEARÁ AND THEST. JOSEPH’S DAY: A STATICAL APROACH O INÍCIO DO INVERNO NO CEARÁ E O DIA DE SÃO JOSÉ (19 DE MARÇO): UMA ABORDAGEM ESTATÍSTICA

José Nilson Beserra Campos Henrique Vieira Costa Lima

I Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste Recife Nov./1992 Vol. 2 Pág. 253-260

THE BEGINNING OF THE HUMID SEASON IN CEARÁ AND THE ST. JOSEPH’S DAY: A STATICAL APROACH O INÍCIO DO INVERNO NO CEARÁ E O DIA DE SÃO JOSÉ (19 DE MARÇO): UMA ABORDAGEM ESTATÍSTICA JOSÉ NILSON BESERRA CAMPOS Professor Titular Universidade Federal Do Ceará Caixa Postal 6006 60451-970 – Fortaleza –Ce HENRIQUE VIEIRA COSTA LIMA Bolsista De Iniciação Científica – CNPq Universidade Federal De Ceará Caixa Postal 6018 60451-970 – Fortaleza – Ce RESUMO – Trata-se neste trabalho da aplicação de um modelo de simulação de invernos em duas regiões do Estado do Ceará. O modelo utiliza séries históricas de dados pluviométricos diários e, a partir do balanço hídrico do solo, determina a probabilidade de ocorrência de inverno, definido como período úmido com duração suficiente para proporcionar produção agrícola de uma cultura em 90 dias de ciclo vegetativo. Procurou-se analisar, particularmente, a crença regional de que se o inverno não iniciar até 19 de março, dia de São José, tem-se como certo o advento de uma “seca”. ABSTRACT – This paper deals with the application of a “humid winter” simulation model for two regions in Ceará State. The model uses rainfall daily records and performs the moisture budget in soil to compute the probability of occurring a humid winter which is defined, in this paper, as a humid season long enough to provide yield conditions of a crop of 90 days of vegetative cycle. Na special emphasis is given to probability of the humid season to start after march, 19th, Saint Joseph’s day, that according the people of the regions s the last day to wait for a good humid season. INTRODUÇÃO O regime pluviométrico do Nordeste Semi-Árido é caracterizado pela ocorrência de duas estações bem definidas: uma chuvosa, com duração média que oscila de três a cinco meses e concentra cerca de oitenta por cento da pluviosidade anual, e uma seca onde somente ocorrem chuvas esparsas. A estação chuvosa, embora aconteça predominantemente no verão-outono austral, é denominada, no Norte e Nordeste, de “inverno”. O inverno pode ter ainda um significado mais restrito, qual seja: período chuvoso que propicia condições de umidade no solo favoráveis à produção agrícola das culturas tradicionais da região. Nessa linha conceitual existe uma gradação qualitativa: um bom inverno significa uma estação úmida capaz de propiciar uma boa produção agrícola; um inverno regular implica em uma produção regular, porém capaz de manter o homem no campo, sem auxílio externo; no lado oposto, a ausência de inverno, ou “seca”, significa que a estação chuvosa gerou uma produção agrícola nula ou insuficiente para a sobrevivência do homem, na sua região, às suas próprias expensas. Entretanto, é importante Ter em mente a relatividade do conceito de “bom”. Para o sertanejo, meeiro ou pequeno proprietário, um bom inverno não significa a formação de excedentes que o permita enfrentar, quando ocorrer, um ano “seco”. Um “bom inverno” significa apenas a obtenção do suficiente

para aguardar, sem grandes penúrias, um outro bom inverno no ano subsequente. Então, a ocorrência, ou não, de um inverno é que define, anualmente, o futuro próximo do sertanejo, que pode: a) ficar na terra às próprias expensas; b) ficar na terra incorporado “às frentes de serviços”; c) migrar para as grandes cidades, transmudando-se de trabalhador rural em pedinte urbano. Por outro lado, a história tem mostrado que o advento de um inverno é um acontecimento incerto. Dessa maneira, a população rural do Nordeste tem seu destino, de curto prazo, dependente da ocorrência de evento não confiável. Nesse processo formou-se o que poderia ser denominado “ciclo anual de sobrevivência”. Esse ciclo, para fins didáticos, pode ser dividido em duas fases: a fase da expectativa, ou do aguardo do inverno, e a fase da ação. Desse modo, a tradição sertaneja estabeleceu o dia 19 de março, dia de São José, como a data limite da passagem da primeira para a segunda fase. A escolha do dia de São José para essa data tem sido objeto de análises e especulações. Por certo, o sentimento religioso do sertanejo está embutido na tradição, sendo, porém, de esperar, também, uma motivação de ordem lógica, de alguma maneira quantificável. A busca dessa razão lógica é o objetivo do presente trabalho. Para isso, partiu-se do balanço de umidade do solo e usando o conceito de seca edafológica como equivalente à seca agrícola determinou-se a probabilidade do inverno inicia somente após o dia 19 de março. CONCEITOS BÁSICOS A primeira dificuldade a enfrentar é conceituar, de modo quantificável, o que seria uma seca – u ausência de inverno. Várias são as abordagens e definições existentes na literatura nacional e internacional, todavia todas elas dependem do ponto de vista de quem as define. Na verdade, não existe, de forma absoluta, definição de seca, existem definições de secas: existe a seca no abastecimento d’água, a seca hidrológica, a seca agrícola etc. Do interesse do presente trabalho é conceituar a seca que mais se aproxima das que ocorrem no Nordeste brasileiro e dão origem às migrações e às frentes de serviços – são as secas na produção agrícola. Partiu-se, então, da conceituação proposta por Campos (1983) que parte do balanço hídrico no solo e utiliza o nível de umidade no mesmo através dos conceitos de capacidade de campo e ponto de murcha permanente. O Balanço Hídrico no Solo Seja um dado solo, com uma determinada capacidade de retenção de umidade medida em lâmina (S), alimentado, a nível diário, por uma altura de chuva (P) e esvaziado, também a nível diário, por uma lâmina de evapotranspiração (E). Admitindo-se o solo com teor de umidade nulo no início de cada ano, o balanço de massas no solo pode ser calculado pela equação: Hi+1 = MAX {S, MIN {Hi + Pi – Ei ; 0}}. Sendo: Hi = lâmina de umidade no solo no dia i; S = lâmina máxima de umidade que o solo pode reter; Pi = lâmina precipitada sobre o solo no dia i.

(1)

O modelo matemático anterior pode ser comparado ao balanço hídrico do solo, em condições médias, supondo-se o seguinte: Hi representa a lâmina de água do solo a disposição das culturas; S representa o teor máximo de água disponível do solo a nível do sistema radicular e é igual à diferença entre a Capacidade de Campo e o ponto de Murcha Permanente; Pi é igual a lâmina diária diretamente precipitada sobre o solo; Ei é a evapotranspiração média diária da cobertura vegetal do solo. Ciclo Máximo Anual Contínuo De Umidade (CMACU) Fazendo-se, em um dado ano hidrológico, um balanço diário de umidade do solo, obtém-se uma série de períodos contínuos onde o solo é úmido, alternado por uma série de períodos onde o solo está seco (figura 1). Define-se, então, como Ciclo Máximo Anual Contínuo de Umidade (CMACU) à duração, medida em dias, do maior período do ano em que o solo mantém, continuamente, o nível de umidade

acima de zero. O CMACU, que representa uma variável aleatória, foi pela primeira vez definido e utilizado por Campos (1983), com o símbolo de LMAX, para avaliar a periodicidade de ocorrência de secas no Estado do Ceará.

Figura 1. Representação esquemática do teor de umidade no solo em função do tempo Inverno e seca agrícola Em sentido largo, uma seca agrícola pode ser considerada como uma deficiência de umidade no solo em relação às necessidades das culturas a nível do sistema radicular. Nesse enfoque, uma anormalidade pluviométrica pode provocar, por exemplo, uma seca para o milho e não afetar a produção de feijão. Igualmente, em um certo ano, uma cultura plantada em um solo de baixa capacidade de retenção de água pode sofrer uma seca, enquanto que a mesma cultura cultivada em um solo de alta retenção pode ter uma produção normal. É possível também que, para uma dada cultura e tipo de solo, haja deficiência em um ano com pluviosidade acima da média e boa produção em um ano de chuvas abaixo da média. Do exposto é fácil concluir da complexidade a enfrentar na definição e modelagem de uma seca agrícola. As opções vão desde modelos extremamente simples, usando uma única variável – a pluviosidade anual – até aqueles complexos que buscam estimar a produção agrícola utilizando diversos parâmetros e variáveis ligadas ao solo, às culturas e ao clima como o SWRRB (Simulator for Water Resources in Rural Basins) Arnold et al. (1990). No presente trabalho, buscou-se harmonizar a simplicidade à tratabilidade dos resultados e adotou-se o conceito de seca edafológica como equivalente ao de seca agrícola. Diz-se, então, que em um dado ano aconteceu uma seca agrícola para uma certa cultura se, naquele ano, o solo não manteve o seu teor de umidade, na zona radicular da cultura, acima do ponto de murcha permanente por um período de tempo contínuo maior ou igual ao ciclo vegetativo da cultura (DCV). Tem-se, então, uma notação matemática: INVERNO SECA

– -

CMACU  DCV CMACU < DCV

Sendo: CMACU - Ciclo Máximo Anual Contínuo De Umidade;

DCV

- Duração Do Ciclo Vegetativo Da Cultura. SIMULAÇÃO DE INVERNOS

Seleção da Áreas A metodologia usada para a quantificação das secas e invernos é ilustrada com aplicação ao Estado do Ceará. Foram selecionadas, para análise, duas regiões homogêneas do ponto de vista climatológico. A região Sul, representada pelo Carirí, onde o regime pluvial é definido por dois sistemas: o avanço das frentes frias vindas do Sul do País e a descida da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Nessa região as secas são menos frequentes e a estação chuvosa inicia mais cedo comparativamente ao restante do Estado. A região Central, representada pelo Sertão dos Inhamuns, onde o inverno se deve quase que totalmente a ZCIT. Considerando as disponibilidades de dados pluviométricos foram escolhidos cinco postos para aplicação da metodologia, sendo dois no Carirí e três no Sertão dos Inhamuns. Todos os postos selecionados dispõem de séries históricas de durações acima de cinquenta anos, conforme tabela1. TABELA 1 – Características das estações pluviométricas usadas na simulação das secas REGIÃO ESTAÇÃO MUNICÍPIO ANOS CARIRÍ CRATO CRATO 64 MISSÃO VELHA MISSÃO VELHA 65 SERTÃO SANTO ANTÔNIO TAUÁ 51 SABOIRO SABOEIRO 54 TAUÁ TAUÁ 59

LAT. 07 13 07 15 05 51 06 32 06 01

LONG. 39 23 39 09 40 21 39 54 40 25

Critério De Quantificação Do Início Do Inverno / Seca A conceituação de seca, descrita anteriormente, envolve cinco importantes variáveis que intervém no processo: a pluviosidade anual, a distribuição temporal das chuvas, a capacidade de retenção do solo, o consumo diário médio de água pela planta e a duração do ciclo vegetativo da cultura. Uma análise global, abrangendo um campo de definição mais amplo, é objeto de uma pesquisa em andamento que terá o campo de aplicação ficou restrito às seguintes condições: a) b) c) d)

para o regime pluvial utilizou-se os postos selecionados; para a capacidade de retenção do solo adotou-se o valor de 80 mm; para a duração do ciclo vegetativo (DCV) admitiu-se o valor de 90 dias; para a evapotranspiração diária adotou-se o valor da evapotranspiração potencial de Hargreaves multiplicada pelo fator de cultivo 0,75.

Aplicou-se, então, a metodologia proposta e obteve-se para cada ano, para fins de análise, o valor do CMACU e a data de seu início. Partiu-se daí para um estudo frequencial do início do CMACU para anos com ocorrência de inverno ou seca. A data de 19 de março foi tomada como marco de referência. RESULTADOS Estudo frequencial do início d inverno (CMACU) Os resultados do estudo frequencial do início do CMACU apresentados sob forma de histograma (figura 2) permitem as seguintes observações: 1) como era esperado o início da estação chuvosa, na região do Carirí, se dá mais cedo que na Região do Sertão. Este fato, parece indicar, ou corroborar, a continuidade dos efeitos de atuação dos sistemas: frentes frias e ZCIT. Em outras palavras, a descida da ZCIT se dá, geralmente, em curto intervalo de tempo após o final das frentes frias. O percentual de anos em que o CMACU se inicia na Segunda quinzena de março, ou após, é muito baixo na Região do Carirí (6,3%); porém não tão baixo para a Região do Sertão do Inhamuns (21,3). Este último número, por si só, não justifica adotar o Dia de São José última data para que se espere

pelo inverno. Entretanto, como mostrado a seguir, uma grande parte dos anos em que o período úmido inicia após 19 de março a sua duração é insuficiente para garantir umidade no solo durante o ciclo vegetativo de uma cultura de 90 dias.

Figura 2. Freqüências simples acumuladas da data de início do ciclo máximo anual contínuo de umidade (CMACU) O início do Inverno e o dia de São José Foram analisadas quatro situações particularmente importantes, a saber: 1) probabilidade de ocorrer inverno com início anterior a 19 de março (CMACU > 90 dias e INÍCIO < 19/03); 2) probabilidade de ocorrer inverno com início posterior a 19 de março (CMACU > 90 dias e INÍCIO > 19/03); 3) probabilidade de ocorrer seca com início do período mais úmido antes de 19 de março (CMACU < 90 dias e INÍCIO < 19/03); 4) probabilidade de ocorrer seca com início do período mais úmido posterior a 19 de março (CMACU < 90 dias e INÍCIO > 19/03). Os resultados apresentados sob forma de gráficos de setores (figura 3) mostram claramente o seguinte: existe uma probabilidade muito baixa do período chuvoso mais favorável ter seu início após 19 de março e ter ainda uma duração suficiente para propiciar produção agrícola; isto é a probabilidade de o inverno iniciar após o dia de São José é: 0,8% na Região do Carirí e 3,0% na Região do Sertão. Os resultados mostram a lógica contida na sabedoria popular. Certamente, a adoção de dias próximos a 19 de março, para delimitar a fase da expectativa de inverno, não implicaria em resultados significativamente diferentes. Todavia se a data limite de espera havia de ser na Segunda quinzena de março, porque não escolher o dia de São José? Essa foi a maneira que a sabedoria popular encontrou para harmonizar a lógica à religiosidade.

Figura 3. Diagramas de setores da probabilidade do início de inverno/seca ocorrer antes e depois de 19 de março (esquerda – cariri; direita Inhamuns).

REFERÊNCIAS ARNOLD, J. G. , WILLIAMS, J. R. , NICKS, A. D. e SAMMONS, N. B. (1990), A Basin Scale Simulation Model for Soil and Water Resources Management. Texas : Texas A & M University Press. CAMPOS, J. N. B. (1983), Um critério de Seca Agrícola e Sua Aplicação ao Estado do Ceará In: Boletim Técnico de Recursos Hídricos n. 1 . Fortaleza: Universidade Federal do Ceará 1983.

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