O internalismo versus o externalismo em filosofia da mente: diálogo possível com a psicologia?

July 5, 2017 | Autor: Marcelo Araldi | Categoria: Psychology, Cognitive Science, Philosophy of Mind
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC

RELATÓRIO FINAL

O DEBATE INTERNALISMO VERSUS EXTERNALISMO EM FILOSOFIA DA MENTE: DIÁLOGO POSSÍVEL COM A PSICOLOGIA? Kleber Bez Birolo Candiotto

CURITIBA AGOSTO/2015

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MARCELO WALMIR ARALDI

KLEBER BEZ BIROLO CANDIOTTO PSICOLOGIA – ESB BOLSA PIBIC – PUCPR

O INTERNALISMO VERSUS EXTERNALISMO EM FILOSOFIA DA MENTE: DIÁLOGO POSSÍVEL COM A PSICOLOGIA?

Relatório Final apresentado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e órgãos de fomento, sob orientação do Kleber Bez Birolo Candiotto.

CURITIBA

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SUMÁRIO

RESUMO ......................................................................................................

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1 INTRODUÇÃO .........................................................................................

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2 OBJETIVO .............................................................................................

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3 MATERIAIS E MÉTODO .......................................................................

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4 RESULTADOS .........................................................................................

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5 DISCUSSÃO ............................................................................................

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6 CONCLUSÃO ..........................................................................................

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REFERÊNCIAS ............................................................................................

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RESUMO De um modo geral, o debate internalismo-externalismo em filosofia da mente referese ao significado. O presente trabalho busca identificar em que sentido os estados mentais são internos e adquirem seu significado na obra de John Searle. Na sequência, consideram-se algumas críticas externalistas de Daniel Dennett à Searle. Finalmente, discutem-se algumas consequências e relações encontradas nesse percurso para a psicologia tomada no sentido das ciências cognitivas. Para tanto, situa-se o debate, percorre-se alguns conceitos fundamentais da filosofia de Searle e finaliza-se com uma breve discussão destes conceitos em relação à posição de Dennett e da ciência psicológica contemporânea. Apesar do internalismo do filósofo estar intimamente associado com um “realismo externo”, toda sua explicação psicológica depende de um nível intencional e interno que não se confunde facilmente com as teorias materialistas contemporâneas da mente consciente. A posição de Searle, intitulada por si próprio de naturalismo biológico, pode soar controversa em relação a essas teorias por enfatizar a subjetividade ontológica como um problema incontornável para a construção de uma ciência psicológica. Entretanto, apesar do forte apelo à experiência de primeira pessoa essa posição constitui um desafio ao paradigma fisicalista dominante na ciência psicológica, que busca explicar o significado a partir de fenômenos externos. Palavras-chave: John Searle; debate internalismo-externalismo; subjetividade ontológica.

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Relatório Final - PIBIC

1 INTRODUÇÃO Que tipo de informação é necessária e suficiente para a explicação das motivações, processos psicológicos e comportamentos dos seres humanos? Informações a respeito do seu funcionamento neurofisiológico? Informações a respeito das condições ambientais e sociais nas quais estes comportamentos se produzem? Talvez ainda informações referentes a um nível explicativo próprio, mental, tais como pensamentos, sentimentos, consciência, autoconsciência, entre outros? A construção de uma psicologia passa necessariamente por estas questões. Em filosofia, sobretudo em filosofia da linguagem e filosofia da mente, existem dois grandes posicionamentos para responder estas questões, a saber, o internalismo e o externalismo. O internalismo refere-se à posição de que a psicologia e as ciências cognitivas em geral devem utilizar principalmente informações sobre o sujeito na construção de suas explicações. Por outro lado, o externalismo compreende que a psicologia e as ciências cognitivas devem utilizar informações principalmente sobre o mundo em que o sujeito está inserido (BIZARRO, 1999). As experiências de pensamento da Terra Gêmea e da Artrite são tradicionalmente apontadas como originadoras do debate entre internalismo e externalismo nessa área. Essas experiências tendem a ser compreendidas como uma demonstração de que o conteúdo dos estados mentais só pode ser advindo do mundo externo. Consequentemente, o significado “não está na cabeça”. Entretanto, essa é uma questão em aberto, visto que é possível questionar o estatuto lógico das experiências de pensamento (BIZARRO, 1999). Esse debate adquire relevância por mais de um motivo. Todavia, um motivo especialmente importante para este trabalho reside na resposta ao problema semântico. Uma forma de colocar este problema é a seguinte: “De onde os termos do vocabulário psicológico de nosso senso comum obtêm seu significado?” (CHURCHLAND, 2004, p. 91). Entre outras coisas, a resposta a essa pergunta possibilita estabelecer critérios de avaliação para qualquer teoria do significado, que por sua vez gera implicações a outros grandes problemas de filosofia da mente na busca por uma teoria geral da explicação psicológica.

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Relatório Final – PIBIC

2 OBJETIVOS 

Situar o debate existente em filosofia da mente em torno do tema

externalismo versus internalismo; 

Identificar o internalismo de John Searle considerando as críticas de Daniel

Dennett; 

Avaliar possíveis implicações e relações deste debate para a ciência

psicológica.

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3 MATERIAIS E MÉTODO O presente trabalho procedeu de leituras de dissertações, livros, capítulos, artigos, pesquisa de verbetes, traçadas de acordo com os propósitos especificados. Desta forma, foram realizadas leituras relacionadas ao núcleo do problema presente no debate internalismo-externalismo em filosofia da mente, tais como a dissertação de mestrado de Sara Bizarro (1999) e um artigo enciclopédico de Basil Smith [2012?]. A seguir procedeu-se de leituras relativas ao posicionamento internalista de John Searle (1997; 1998; 1999; 2000; 2002), bem como de um artigo de Patricia Cañas (2003), cujo tema coincidia com os propósitos de identificar o internalismo de Searle. Posteriormente, a partir da réplica de Dennett à crítica recebida por Searle (1998) chegou-se à revisão crítica de Dennett (1993) do livro A redescoberta da mente, de Searle. Buscou-se compreender esta revisão de Dennett a partir de leituras previamente realizadas e que foram úteis para contextualizar as críticas de Dennett, que ocorrem a partir de um ponto de vista externalista (DENNETT, 1991; MIGUENS, 2002). Finalmente,

buscou-se

avaliar

a

partir

desse

percurso

algumas

consequências possíveis deste debate internalismo-externalismo para a psicologia. Foi realizado um recorte, entendendo a psicologia como um ramo das ciências cognitivas, tal como se pode encontrar no manual Ciência psicológica (2005) de Gazzaniga e Heatherton. Também foi possível aproveitar leituras efetuadas previamente para este propósito, como é o caso da história do movimento cognitivista descrita por Gardner (2003).

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4 RESULTADOS Numa tentativa de colocar da maneira sucinta, o debate internalismoexternalismo em filosofia da mente relaciona-se à questão de que fatores são relevantes para a explicação psicológica (BIZARRO, 1999; SMITH, [2012?]), na forma de individuação do conteúdo de crenças e desejos que são expressos pela linguagem ou outras ações. Uma posição internalista sustentará que a explicação psicológica depende unica ou predominantemente de aspectos internos ao sujeito incluindo-se, dependendo da posição, fatores tais como o cérebro, estados mentais, consciência. Já uma posição tipicamente externalista argumentará em favor de aspectos externos ao sujeito, entre eles o mundo, seus objetos, os aspectos sociais. Estas posições são características principalmente em filosofia da mente e da linguagem. Entretanto, cabe ressaltar que elas existem dentro de outro debate acerca do conhecimento e da justificação na epistemologia contemporânea (SIECZKOWSKI, 2008). Esse é um debate paralelo. O que interessa para esse trabalho é o debate exclusivamente na filosofia da mente. Nesse contexto, Bizarro (1999) e Basil [2012?] situam a inauguração do debate entre internalismo e externalismo nas experiências de pensamento1 da Terra Gêmea – proposta por Hilary Putnam – e da Artrite – proposta por Tyler Burge. Avalia-se que é importante partir de uma exposição dessas experiências para que o debate se torne mais evidente. A experiência da Terra Gêmea constrói o seguinte cenário: suponha-se que exista um planeja idêntico em todas as coisas em relação à Terra. A única exceção reside que em vez da composição química da substância água ser H2O, na Terra Gêmea ela equivale à XYZ. Os habitantes são idênticos também, só que enquanto a personagem Oscar da Terra tem uma referência para água, Oscar da Terra Gêmea tem outra. “Segundo Putnam (...) a palavra ‘água’ tem (...) significados diferentes [pois] (...) uma diferença de referência implica uma diferença de significado, [logo] conclui que ‘os significados não estão na cabeça’” (BIZARRO, 1999, p. 7). Deste

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“As experiências de pensamento são exercícios controlados da imaginação (...) [em que] apresenta-se uma determinada situação (...) e pergunta-se o que diríamos, o que faríamos ou o que aconteceria nessa situação” (BIZARRO, 1999, p. 10).

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modo, essa conclusão nos encaminharia para uma posição externalista do significado na explicação psicológica. Por sua vez, no cenário da experiência da Artrite, uma pessoa com dores é diagnosticada como portadora de artrite. Passa a sentir dores nas coxas, mas o médico diz que essa dor não pode ser artrite, pois esta doença afeta somente as articulações. Num outro mundo possível, que tudo se mantêm idêntico, um indivíduo com as características também idênticas vai ao médico e este lhe informa que a dor na coxa é devido à artrite, pois aqui a doença é entendida como uma enfermidade das articulações e também dos ossos. Deste modo, A experiência de pensamento de Burge (...) sugere que o significado das palavras depende, não só do mundo físico, mas também do mundo social. [Entretanto], a finalidade principal de Burge é a de alargar as consequências da sua experiência de pensamento para o âmbito do mental (BIZARRO, 1999, p. 8).

Daí que “se aceitarmos que se tratam de crenças diferentes2 (...) temos de concluir que o mental também ‘não está na cabeça’” (BIZARRO, 1999, p. 9). A autora, posteriormente, fará uma revisão do papel e estatuto das experiências de pensamento em geral no contexto da filosofia. Analisando o entendimento tradicional de que as experiências de pensamento possuem uma função de testar teses e argumentos filosóficos, observa que um dos requisitos criados para que esse recurso não seja validamente utilizado é ser extravagante demais. Elas são “extravagantes ou irrazoáveis quando implicam grandes alterações no mundo ou no sujeito da experiência nos aspectos relevantes para proposta que está em análise” (BIZARRO, 1999, p. 11). Nesse sentido, as experiências de Putnam e Burge serão consideradas válidas, ou seja, não-extravagantes. No entanto, pelo fato de que as consequências das experiências de pensamento em questão possam ser falseadas tanto em relação ao significado quanto ao mental, Bizarro concluirá que Em vez de considerarmos as experiências de pensamento como testes, talvez devamos considerar como desafios. Elas desafiam as teorias a desenvolverem-se de tal forma que implicações indesejadas das 2

Crenças diferentes, pois no primeiro caso o sujeito atribuía a dor na coxa à artrite, portanto tinha uma crença falsa. No segundo, possuía uma crença verdadeira, pois a concepção de artrite abrangia a dor que sentia.

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experiências possam ser ultrapassadas. Se for este o papel das experiências de pensamento do tipo terra gémea, então o seu estatuto parece ser mais um estatuto heurístico do que um estatuto de argumento. De facto, se este diagnóstico está correto, as experiências de pensamento têm como principal virtude o facto de estimularem o debate e a crítica filosófica (BIZARRO, 1999, p. 16, grifo nosso).

Posto o problema, e entendendo-se o debate internalismo e externalismo no sentido da disputa por uma teoria do significado que seja uma base sólida para suportar a explicação psicológica do sujeito da maneira mais realista possível, qual é a posição ocupada por Searle neste contexto? Antes de entrar propriamente na resposta à pergunta é interessante fazer algumas considerações das “posições-padrão” das quais Searle parte. As categorias de seu posicionamento serão majoritariamente internas, desenvolvidas em torno do núcleo de sua obra, que é a Intencionalidade3. Todavia, a forma assumida por essas características internas peculiares que se agrupam na experiência consciente estarão implacavelmente submetidas a um “realismo externo” e a uma “teoria da verdade como correspondência4”. Outra consideração importante consiste em perceber o forte compromisso de Searle para explicar a mente consciente em continuidade com o restante de fenômenos naturais, compromisso que o autor chamará de naturalismo biológico. Assim, a consciência, que o autor considera o objeto fundamental do estudo da mente, (...) é uma característica biológica de cérebros de seres humanos e determinados animais. É causada por processos neurobiológicos, e é tanto uma parte da ordem biológica natural quanto quaisquer outras características biológicas, como a fotossíntese, a digestão ou a mitose (SEARLE, 1997, p. 133).

Buscando detalhar essa consideração, cabe ressaltar que apesar dos estados mentais conscientes serem causados por processos neurobiológicos, o naturalismo 3

Em algumas de suas obras, como é o caso de Intencionalidade (2002), Searle utiliza o conceito com “i” maiúsculo propositalmente, afirmando que se trata de um termo técnico. Nesse sentido, a Intencionalidade não é uma característica que indica que os estados mentais tem uma intenção, no sentido de ter o propósito de fazer algo. No momento adequado o conceito usado por Searle será definido. 4 “Essas duas pressuposições de Pano de Fundo [Background] têm histórias longas e vários nomes famosos. A primeira, de que há um mundo real que existe independentemente de nós, eu gostaria de chamar de ‘realismo externo’. (...) O segundo ponto de vista, segundo o qual uma afirmação é verdadeira se as coisas no mundo são da maneira como a afirmação diz que são, é a chamada ‘teoria da verdade como correspondência’” (SEARLE, 2000, p. 22).

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biológico defendido por Searle não é uma explicação que busca uma relação causaefeito simples entre o cérebro e o estado mental correspondente, como na teoria da identidade (CHURCHLAND, 2004). Antes, trata-se de uma tentativa de entender que o funcionamento de microconstituintes M do cérebro (como os neurônios) produzem estados mentais E. Esta é uma forma de superveniência, assim como a liquidez é uma propriedade superveniente de H2O. Só que diferentemente de outros posicionamentos acerca da superveniência, Searle atribui um papel causal a estes estados mentais E, o que significa que rompe com a ideia de que a mente é um mero epifenômeno do funcionamento do cérebro que não produz efeitos na realidade (SEARLE, 1997). Em vez disso, uma das características dos estados mentais é serem portadores de Intencionalidade, que possui uma causalidade própria. O seguinte trecho pode, além de definir de uma maneira geral a Intencionalidade, evidenciar algo das considerações até aqui discutidas. (...) o principal papel evolutivo da mente é nos proporcionar certas formas de relação com o meio ambiente, e especialmente com as outras pessoas. Meus estados subjetivos me relacionam com o resto do mundo, e o nome genérico dessa relação é “intencionalidade”. Esses estados subjetivos incluem crenças e desejos, intenções e percepções, bem como amores e ódios, medos e esperanças. Repetindo, “intencionalidade” é o termo genérico para todas as diversas formas pelas quais a mente pode ser dirigida a, ou referir-se a, objetos e estados de coisas no mundo (SEARLE, 2000, p. 83).

Ou seja, aqui se tem que a mente consciente é um fenômeno emergente do cérebro, e tem um valor evolutivo no sentido da adaptação da espécie (SEARLE, 1997). Daí que a preocupação do autor seja a de “naturalizar a intencionalidade” (SEARLE, 2000). Além disso, essa característica de dirigir-se a, referir-se a, indica que “(...) os estados Intencionais representam objetos e estados de coisas no mesmo sentido de ‘representar’ em que os atos de fala representam objetos e estados de coisas” (SEARLE, 2002, p. 6). Aqui, o termo representação não é tomado no sentido de uma estrutura formal, como ocorre na ciência cognitiva – da qual Searle é um severo crítico inclusive –, onde pode assumir a forma de um enunciado e/ou de uma imagem, enfim, de uma entidade individuável (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005;

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GARDNER, 2003). Em todo caso, a ‘representação’ no sentido empregado pelo autor evidencia a estrutura dos estados Intencionais. Assim: Dizer que uma crença constitui uma representação é simplesmente dizer que ela tem um conteúdo proposicional e um modo psicológico, que seu conteúdo proposicional determina um conjunto de condições de satisfação sob certos aspectos, que seu modo psicológico determina a direção de adequação do seu conteúdo proposicional (SEARLE, 2002, p. 16).

Deste modo, o conteúdo proposicional5 são os “objetos e estados de coisas” aos quais os estados mentais referem-se. O modo psicológico é a modalidade do estado mental, como por exemplo, ser uma crença, um desejo, amor, entusiasmo, paixão, tristeza, ódio, intenção de, imaginar se, respeito entre uma infinidade de outras. O conteúdo proposicional determina um conjunto de condições de satisfação6 pois é possível dizer que uma crença é verdadeira ou falsa de acordo com como o mundo é. Por exemplo, se alguém diz que está chovendo a condição de satisfação desse relato é que esteja chovendo. Finalmente, o modo psicológico determina a direção de adequação ou ajuste do seu conteúdo proposicional, pois cada modalidade de estado mental possui diferentes compromissos com a realidade do mundo. Para usar um exemplo do próprio autor: Crenças e hipóteses são ditas verdadeiras ou falsas dependendo se o mundo realmente é da maneira como a crença o representa. Por essa razão, digo que as crenças têm a direção de ajuste mente-mundo. É uma responsabilidade da crença, por assim dizer, equiparar-se a um mundo que existe de forma independente. Desejos e intenções, por outro lado, não têm a direção de ajuste mente-mundo porque, se um desejo ou intenção não for satisfeito, o fato de não conseguir se ajustar ao conteúdo do desejo ou da intenção não é, por assim dizer, responsabilidade do desejo ou da intenção, mas do mundo (SEARLE, 2000, p. 96-97).

Ainda há a casos que não se inserem em nenhuma destas duas direções, pois há a pressuposição de que o ajuste já aconteceu. Esse seria o caso, por 5

Diz Searle: “Os estados conscientes sempre têm um conteúdo. Ninguém nunca pode ser somente consciente; ao contrário, quando alguém é consciente tem que haver uma resposta à pergunta: ‘De que esse alguém é consciente?’ Mas o ‘de’ de ‘consciente de’ nem sempre é o ‘de’ de intencionalidade. Se estou consciente de uma batida na porta, meu estado consciente é intencional, porque faz referência a algo além disto mesmo, a batida na porta. Se estou consciente de uma dor, a dor não é intencional, porque não representa nada além dela mesma” (1997, p. 125). 6 Sobre o uso da expressão “condições de satisfação”, Searle (2000, p. 96) adverte: “Precisamos de uma noção mais geral do que a noção de verdade, porque precisamos de uma noção que abranja não apenas aqueles estados intencionais como crenças, que podem ser verdadeiras ou falsas, mas estados, como desejos e intenções, que podem ser satisfeitos ou frustrados, vir a ocorrer ou não”.

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exemplo, de quando alguém está triste por estar chovendo. Para essas situações, Searle diz que há uma direção de ajuste nula (SEARLE, 2000). Apesar de todos esses conceitos terem sido originalmente propostos para análise dos atos de fala, o filósofo entende que eles podem ser transpostos completamente para a análise dos estados mentais Intencionais. Não é nem mesmo apenas através da linguagem que a análise da Intencionalidade ocorre, mas também através de qualquer tipo de ações. Ainda, os estados mentais, como indicado anteriormente, não são meros epifenômenos. Para Searle (2000), existe uma causalidade intencional que os tornam autorreferenciais. Assim: Se eu quero beber água, e então bebo água como uma maneira de satisfazer meu desejo de beber água, então meu estado mental, o desejo (de beber água), faz com que seja o caso que eu beba água. O desejo, neste caso, tanto causa quanto representa sua condição de satisfação. Algumas vezes, faz parte das condições de satisfação do próprio estado intencional que ele só seja satisfeito se funcionar de maneira causal. Assim, por exemplo, se tenho a intenção de levantar o braço, então a intenção, para ser satisfeita, exige mais do que eu levantar o braço. Pelo contrário, faz parte das condições de satisfação da minha intenção de levantar o braço que essa intenção específica faça com que meu braço se levante. Por essa razão, digo que as intenções são causalmente auto-referenciais. (...) Essa auto-referencialidade está presente não apenas nos estados “volitivos”, como as intenções, mas também nos estados “cognitivos” de percepção e lembrança (SEARLE, 2000, p. 100-101).

Feitas essas considerações e introduzido o conceito de Intencionalidade e sua estrutura, avalia-se que é possível iniciar a discussão de como as ações, a percepção e a linguagem de uma maneira geral significam algo. Para Searle,

(...) o problema do significado, em sua forma mais geral, é o problema de como passar da física para a semântica, ou seja, como passar (por 7 exemplo) dos sons que saem da minha boca para o ato ilocucionário ? (...) de que modo a mente impõe a Intencionalidade a entidades não intrinsecamente Intencionais, entidades como sons e sinais gráficos, que constituem, segundo determinada concepção, apenas fenômenos físicos no mundo como quaisquer outros? Uma emissão pode ter Intencionalidade, da mesma forma como uma crença tem Intencionalidade, mas enquanto a

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Um ato ilocucionário seria um ato de fala que tem uma intenção de representação e também uma intenção de comunicação em um dado contexto. Podem ser “(...) assertivos, quando dizemos aos ouvintes (verdadeira ou falsamente) como as coisas são; diretivos, quando tentamos fazer com que realizem coisas; compromissivos, quando nos comprometemos a fazer alguma coisa; declarações, quando provocamos mudanças no mundo através de nossas emissões; e expressivos, quando expressamos nossos sentimentos e atitudes” (SEARLE, 2002, 231-232). Cada uma dessas categorias de ato ilocucionário possuem diferentes direções de ajuste.

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intencionalidade da crença é intrínseca a da emissão é derivada (2002, p. 37).

Ou seja, aqui temos a introdução de uma primeira distinção entre tipos de Intencionalidade. Os estados mentais, para Searle, são portadores de uma Intencionalidade intrínseca, o que quer dizer que são inerentes aos estados mentais e independem de observadores. Por exemplo, independentemente da opinião de outra pessoa um indivíduo identifica que está com fome. Isso possui algumas consequências importantes para o pensamento de Searle para elucidar seu internalismo entre elas a subjetividade ontológica dos estados mentais Intencionais, a defesa do seu acesso direto em primeira pessoa, além de esse acesso ser dado sempre a partir de um ponto de vista especial. Esses pontos exigem um detalhamento maior. A subjetividade ontológica é uma subjetividade num sentido da forma como os estados mentais existem. Não se trata da subjetividade epistêmica, que se refere mais à relatividade do julgamento ou uma preferência subjetiva como em “Acho a cor vermelha mais bonita”. O como sinto esta dor existindo agora, por exemplo, é uma experiência de primeira pessoa, que é vivida diretamente pelo próprio indivíduo8. Desta forma, “o que é verdadeiro em relação a dores é verdadeiro em relação a estados conscientes em geral” (SEARLE, 1997, p. 140). Em conjunto, avalia-se que essas considerações são suficientes para expor as bases do internalismo de Searle, em termos gerais é a Intencionalidade intrínseca que impõe o significado à percepção, ações e atos de fala, fazendo que sejam mais do que, por exemplo, olhar, realizar movimentos ou proferir certos sons. Todavia, retornando ao contexto evidenciado no trecho citado acima, o autor ainda nos indica que a linguagem tem uma Intencionalidade derivada, que difere da intrínseca basicamente por ser um tipo de intencionalidade que depende dos observadores (SEARLE, 2000). Ainda que seja a Intencionalidade intrínseca que possibilite a

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Há, contudo, estados mentais em que a outra pessoa pode ter mais clareza do que o próprio sujeito portador do estado mental, como é o caso do ciúme. Mas isso deixa ainda intocada a subjetividade ontológica do estado mental de ciúme. Searle será acusado por Dennett (1993) de pautar sua filosofia “altamente idiossincrática” (tradução livre) pelo acesso privilegiado, sendo impermeável as críticas que toquem suas intuições fundamentais. Contundo, Searle acredita que esse conceito é gerador de confusão, pois ele visa “substitui a metáfora visual de introspecção pela metáfora espacial do acesso privilegiado, um modelo que sugere que a consciência é como uma sala privativa dentro da qual somente nós podemos entrar” (1997, p. 145).

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emergência do significado, o significado ele mesmo é uma forma de intencionalidade derivada. Afirma o autor: (...) o significado é uma forma de Intencionalidade derivada. A Intencionalidade original ou intrínseca do pensamento do falante é transferida para palavras, frases, marcas, símbolos e assim por diante. Se pronunciadas de forma significativa, essas palavras frases, marcas e símbolos passam a ter uma intencionalidade derivada dos pensamentos do falante. Elas não têm apenas um significado linguístico convencional, mas também um significado desejado pelo falante. (...) Quando um falante realiza um ato de fala, ele impõe sua intencionalidade àqueles símbolos. Como ele faz isso exatamente? (...) Fenômenos intencionais, como medos, esperanças, desejos, crenças e intenções, têm condições de satisfação. Assim, quando um falante diz alguma coisa e quer dizer alguma coisa, está realizando um ato intencional, e sua produção de sons faz parte das condições de satisfação de sua intenção de fazer o proferimento. No entanto, quando ele faz um proferimento significativo, está impondo condições de satisfação a esses sons e marcas. Ao fazer um proferimento significativo, ele está impondo condições de satisfação a condições de satisfação (SEARLE, 2000, p. 131).

Ainda, num outro contexto: Existe significado apenas onde houver uma distinção entre o conteúdo intencional e a forma de sua externalização, e perguntar pelo significado é perguntar por um estado intencional que acompanha a forma de externalização (SEARLE, 2002, p. 38-39).

Desta maneira, tem-se que a Intencionalidade intrínseca permite ao sujeito impor o significado de acordo com o seu desejo, mas esse significado em si não é integralmente emitido pela linguagem em sua forma derivada, pois há uma variedade de fenômenos Intencionais acontecendo simultaneamente. Além disso, que o significado pode ser apreendido pelas condições de satisfação da representação, na medida em que é externalizado na forma de uma ação ou ato de fala. Quando externalizado exprime um conteúdo Intencional, e se há uma intenção de comunicação nesse ato, há o desejo de que o interlocutor compreenda essa intenção de representação. Contudo, por mais que a intenção significativa originalmente dada seja uma, o relato linguístico pode assumir outro significado para o interlocutor. É nesse sentido que o significado é uma forma de intencionalidade derivada, pois depende de outros observadores. Entretanto, isso pode soar ambíguo, até mesmo contraditório. Se já se disse que Searle possui um posicionamento internalista, como poderia o significado 11

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depender de outros observadores? Isso não nos encaminharia para uma saída externalista? Ou seja, qual é especificamente o internalismo de Searle? Busca-se adiante responder essas perguntas. Foi possível encontrar poucas referências aos termos “internalismo” e “externalismo” nas obras de Searle que o autor deste trabalho teve acesso. Mais precisamente, duas referências. A primeira pode ser encontrada na obra Intencionalidade (2002), onde o autor dedica um capítulo intitulado “Estarão os significados na cabeça?” para a discussão. A segunda, brevemente aparece em um artigo intitulado The Future of the Philosophy, de 1999. Nesta segunda, Searle situa o debate internalismo-externalismo na filosofia da linguagem, considerando que esta seria um ramo da filosofia da mente. Também argumenta que o externalismo é um erro, pois não tem condições de explicar o significado, pois os “fenômenos externos não poderiam cumprir a função de relacionar a linguagem com o mundo da mesma forma que os significados relacionam as palavras com a realidade” (SEARLE, 1999, p. 2077, tradução livre). É na primeira referência que Searle especifica em detalhes sua posição internalista. Nela, o autor pretende refutar as posições de Putnam e Burge, os posicionamentos que pressupõe a necessidade de uma distinção entre conteúdos de dicto e de re e também outros argumentos derivados. Um traço que caracterizaria as posições externalistas está em seu modo de compreender as expressões indexicais de referência9, às quais pouco ou nada de conteúdo mental seria necessário para desenvolver uma explicação do significado (SEARLE, 2002). Para demonstrar que os significados estão na cabeça, Searle irá evidenciar três fatores: a autorreferencialidade das expressões indexicais, o conteúdo descritivo não indexical e a consciência do contexto da emissão. Cabe aqui uma apresentação sucinta destes fatores. A autorreferencialidade das expressões indexicais pode ser apreendida pelo fato de que “em cada caso (...) sua emissão expressa um conteúdo Intencional que indica relações que o objeto a que ele refere guarda com a própria emissão” (SEARLE, 2002, p. 309). Deste modo, como o conteúdo Intencional só pode ser

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“O traço definidor das expressões indexicais de referência é simplesmente esse: ao emitirem expressões indexicais de referência, os falantes fazem a referência por meio de relações de indicação que o objeto referido

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interno como se buscou evidenciar até aqui, os indexicais indicariam que o sentido completo de uma emissão também só pode ser interno, visto que apresenta relações com o objeto que não existem nos fenômenos externos. E são autorreferentes, pois indicam que o significado é apreendido em relação á perspectiva de primeira pessoa. O conteúdo descritivo não-indexical representa o restante do significado lexical de uma proposição ou sentença (SEARLE, 2002). Suponha-se que alguém emita o seguinte ato de fala: “Ele é um sujeito obstinado”. Enquanto “ele” representa uma expressão indexical que indica uma pessoa, o restante atribui qualidades que complementam o sentido da emissão completa. Por fim, em algumas situações, uma emissão pode ainda não comportar um “sentido fregueano completo”. Portanto, Searle liga esses dois fatores anteriores com um terceiro, que é a consciência do contexto da emissão. Pode-se demonstrar isso numa variação do exemplo anterior. Suponha-se que o ato de fala “este homem é um sujeito obstinado” numa conversa entre duas pessoas fosse acompanhado de um gesto que sinaliza quem é a pessoa à qual a emissão faz referência. Assim, o sentido completo seria atingido “pelo conteúdo Intencional da emissão indexical juntamente com o conteúdo Intencional da consciência, por parte do falante e do ouvinte, do contexto da emissão” (SEARLE, 2002, p. 314). Por fim, numa tentativa de sintetizar grande parte do esforço realizado aqui para evidenciar a postura internalista de Searle, destaca-se um trecho que se avaliou extremamente revelador: Meu pressuposto básico é simplesmente este: as relações causais e de outros tipos com o mundo real só são relevantes para a linguagem e outros tipos de Intencionalidade na medida em que causem um impacto sobre o cérebro (e o resto do sistema nervoso central), e os únicos impactos que interessam são aqueles que produzem Intencionalidade, inclusive a Rede e o Background. Alguma forma de internalismo deve estar correta, pois não há nada mais que possa realizar a tarefa. O cérebro é tudo que dispomos para os propósitos de representar o mundo para nós mesmos e tudo que podemos usar deve estar no interior do cérebro. (...) A necessidade desse internalismo fica oculta para nós, em muitas dessas discussões, pela adoção de uma terceira pessoa. Adotando um ponto de vista divino, imaginamos poder identificar quais as crenças reais de Ralph, ainda que ele não consiga. Mas o que esquecemos quando tentamos conceber uma crença não situada inteiramente na cabeça de Ralph, é que somente a guarda com a emissão da própria expressão”. Para exemplificar, algumas expressões indexicais dessa natureza incluem as palavras “eu”, “você”, “aqui”, “agora”, entre uma grande variedade.

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concebemos na nossa cabeça. Ou, para dizê-lo de outra forma, mesmo que houvesse um conjunto de conceitos semânticos externos, estes teriam de ser parasitários de um conjunto de conceitos internos e inteiramente redutíveis ao mesmo (2002, p. 320).

Assim, a título de fechamento desta seção, consegue-se ainda demonstrar que o significado se configurará a partir não de um estado mental Intencional isolado, mas de uma Rede de outros estados mentais que devem ser pressupostos em qualquer análise, aumentando substancialmente a complexidade da tarefa. A Rede faz parte do Background10 (SEARLE, 1997), que é, por sua vez, conformado pelas “posições-padrão” às quais se fez alusão no início.

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O Background “é um conjunto de capacidades mentais não representacionais que permitem a ocorrência de toda representação. Os estados intencionais apenas têm as condições de satisfação que têm e, portanto, apenas são os estados que são sobre um Background de capacidades que, em si mesmas, não são estados Intencionais. Para que eu possa ter agora os estados Intencionais que tenho, preciso ter determinados tipos de saber prático (know-how): preciso saber como as coisas são e preciso saber como fazer as coisas” (SEARLE, 2002, p. 198).

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5 DISCUSSÃO O posição internalista de Searle deve ser compreendida como um antagonismo ao paradigma da mente representacional predominante nas ciências cognitivas, encontrando sua origem em sua defesa da Intencionalidade Intrínseca e ataques à “intencionalidade atribuída” ou, como Searle chama, como-se11. Sobre a divisão entre Intencionalidade intrínseca e intencionalidade atribuída, observa Miguens: Esta distinção é fulcral na discussão da intencionalidade: a aceitação ou não aceitação da noção de intencionalidade intrínseca divide claramente as posições em filosofia da mente, e uma das razões para tal é o facto de a ligação da intencionalidade intrínseca com a consciência impedir a independência da questão do conteúdo relativamente à questão da consciência (2002, p. 139).

A estratégia de Dennett (1991) para a explicação dos estados mentais consiste em atribuir intencionalidade aos estados mentais por meio do método heterofenonomelógico, um método que se pretende neutro, de terceira pessoa. Pressupõe que o indivíduo não seja a autoridade mais confiável para dizer o que lhe ocorre visto que o autor entende que a consciência nada mais é do que uma máquina virtual (software) instanciada no cérebro, que não permite o conhecimento (ilusão do usuário) do hardware, ou seja, do cérebro. Deste modo, a crítica de Dennett (1991; 1993; SEARLE, 1998) à Searle reside na defesa deste último da Intencionalidade intrínseca, que abre margem para a subjetividade ontológica, perspectiva de primeira pessoa, a doutrina do acesso privilegiado, incorrigibilidade e o dualismo na visão do crítico. Essas características seriam incompatíveis com a construção de uma ciência psicológica em terceira pessoa, neutra, falseável, baseada em fenômenos observáveis. Para Dennett (1991), essas características problemáticas agrupam-se em sua crítica aos qualia, na qual o autor defende que tais aspectos qualitativos da experiência são no máximo secundários, mas em todo caso não são essenciais para a explicação psicológica. 11

Searle não chega a considerar o como-se uma forma de Intencionalidade genuína, mas em sua diferenciação dos tipos de Intencionalidade, argumenta que, em alguns casos, atribuímos metaforicamente estados Intencionais a coisas que não possuem Intencionalidade. Um exemplo utilizado é o seguinte: “As plantas de meu jardim têm fome de nutrientes” (SEARLE, 2000, p. 90).

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A despeito das críticas de Dennett, a subjetividade e a Intencionalidade estão sendo incorporadas, ou, no mínimo, consideradas para o desenvolvimento de uma ciência psicológica. Por exemplo, Gazzaniga e Heatherton, em seu manual da ciência psicológica, afirmam: “talvez a maior pergunta não respondida nas ciências biológicas hoje seja como a atividade neural do cérebro dá origem à consciência fenomenal do mundo que associamos ao estado de consciência” (2005, p. 272). Sem essa resposta, dificilmente o estudo do cérebro poderia avaliar com profundidade as consequências da posição internalista do significado de Searle. No entanto, desde 1990, com a chamada “revolução biológica” e “década do cérebro”, alcançada pelo desenvolvimento de técnicas de estudo do cérebro como o diagnóstico por imagem (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005), há uma forte crença de que é questão de tempo para que isso seja possível. Por outro lado, o modelo assumido pela ciência psicológica contemporânea, tal como apresentada em Gazzaniga e Heatherton (2005) está dentro de um modelo criticado por Searle, por não permitir um estudo dessa característica psicológica mais fundamental que seria a subjetividade. Nesse sentido (...) nosso modelo moderno de realidade e da relação entre realidade e observação não pode acomodar o fenômeno da subjetividade. O modelo é aquele em que observadores objetivos (no sentido epistêmico) observam uma realidade objetivamente (no sentido ontológico) existente. Mas não há como, neste modelo, observar o próprio ato da observação. Porque o ato de observação é o acesso subjetivo (sentido ontológico) à realidade objetiva. Embora eu possa facilmente observar uma outra pessoa, não posso observar a subjetividade dele ou dela. E, pior ainda, não posso observar minha própria subjetividade, pois qualquer observação que pudesse me interessar fazer é, ela mesma, aquilo que se esperava que fosse observado. Toda a ideia de haver uma observação da realidade é precisamente a ideia de representações (ontologicamente) subjetivas da realidade. A ontologia da observação – por ser oposta à sua epistemologia – é precisamente a ontologia da subjetividade. Observação é sempre observação de alguém; é em geral consciente; sempre se dá a partir de um ponto de vista; tem uma impressão subjetiva etc. (SEARLE, 1997, p. 145-146).

Além disso, nas ciências cognitivas também existe uma forte tendência a considerar a mente amplamente como um “mecanismo evoluído para resolver problemas adaptativos” (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005, p. 25), que inclusive não é tão recente assim (GARDNER, 2005). Apesar disso não contradizer o que

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Searle (1997) defende, parece um tanto reducionista em relação ao seu posicionamento. De uma maneira ampla, o que Searle, indica é que a explicação psicológica – que passa pela construção de uma teoria do significado – deve pressupor o funcionamento da consciência entendida como uma propriedade natural, no sentido evolucionário, dos seres vivos com Intencionalidade intrínseca, bem como as condições sociais complexas (no sentido institucional) que tomaram forma nesse momento da evolução e que são permeadas de alguma forma por uma “intencionalidade compartilhada” (SEARLE, 1997; 2000). A partir da tese de que “no que diz respeito à ontologia da mente, o comportamento é irrelevante” (SEARLE, 1997, p. 115) poder-se-ia objetar que o estudo da mente consciente é impossível. De acordo com ela, simplesmente não é possível decidir se há uma entidade como a representação por meio das imagens ou enunciados, por exemplo. Contudo, isso se refere exclusivamente ao modo de existência dos fenômenos mentais conscientes, não dos seus efeitos. Nesse sentido, talvez fosse interessante apontar que a ciência psicológica contemporânea busca estudar o comportamento em vários níveis de análise, como o comportamental, perceptivo/cognitivo, social/cultural, tendo o cérebro como o paradigma para o estudo empírico de processos mentais conscientes e internos nestes níveis (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Esta estratégia parece ser compatível com a posição de Searle acerca da consciência como propriedade superveniente do cérebro. Se tomada em conjunto com a noção de causalidade intencional e autorreferencialidade, avalia-se que a ciência psicológica poderia encontrar aí conceitos úteis para a pesquisa acerca das estruturas internas da consciência – se é que existem – de modo normativo, a partir de seus efeitos. Searle indica um caminho para a construção de uma ciência da mente que funcione numa lógica do um, do singular, da diferença, ao invés de uma lógica do universalizante, do padrão. Isso não significa uma aventura de pensamento sem rigor. Significa que a nível epistemológico é possível, segundo Searle, apreender de alguma maneira objetiva esse subjetivo. Talvez isso não ganhe a forma esperada de uma ciência em terceira pessoa como os ideólogos da “razão cognitiva”, como Dennett, nutram expectativas.

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CONCLUSÃO Searle parece propor a delimitação de um campo inegociável, ou melhor,

irredutível, que seria a condição minimamente necessária a partir do qual se deve considerar e estudar a mente consciente. A Intencionalidade intrínseca, que tem um papel decisivo na produção do significado, bem como a tese da irrelevância do comportamento para o estudo da ontologia da mente, são suficientes para evidenciar o tipo de internalismo defendido pelo autor. Esse internalismo tem profundas implicações sobre a forma que uma explicação psicológica deveria assumir. O externalismo tende a desconsiderar a subjetividade ontológica dos estados mentais evidenciadas por Searle, de modo que se depara com a desafio de ser um posicionamento contra-intuitivo em relação à experiência de primeira pessoa. Por sua vez, o internalismo, por seu forte apelo intuitivo, depara-se com o desafio da possibilidade de construir uma ciência a partir dessa perspectiva de primeira pessoa em um cenário onde o fisicalismo é o paradigma dominante.

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