O Irã no contexto do “Paraíso de Zahra”

September 7, 2017 | Autor: L. Garcia de Oliv... | Categoria: Iranian History, Iranian Politics
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O Irã no contexto do "Paraíso de Zahra"

Luciana Garcia de Oliveira


Foi no auditório do Itaú Cultural, na Avenida Paulista que o cartunista argelino-americano, Khalil Bendib apresentou o seu mais novo trabalho, O Paraíso de Zahra, realizado em parceria com o escritor Amir. Coincidência ou não, exatamente na mesma semana em que o Brasil contava com a presença do presidente do Irã, na conferência internacional sobre o meio ambiente, Rio + 20. Ao iniciar o seu discurso, Bendib defendeu que as manifestações conhecidas mundialmente como a "Primavera Árabe" tiveram início nas ruas de Teerã, na contra mão do que havia sido propagado pela imprensa internacional, a qual elegeu a Tunísia, como percursora das manifestações populares existentes tão somente no mundo árabe.
O livro em formato de graphic novel (história em quadrinhos), é uma ficção com elementos de realidade da política e do contexto iraniano. Conta a história de uma mãe, Zahra, cujo nome compõe o título do livro, que procura por seu filho Mehdi de 19 anos, desaparecido durante as manifestações após o resultado da eleição presidencial em junho de 2009. Ao mesmo tempo em que o irmão, idealizador do blog, cujo nome é o mesmo da obra O Paraíso de Zahra, descreve toda a peregrinação em busca por informações sobre o desaparecimento de Mehdi. Tanto o blog quanto a obra revelam, por sua vez, a imagem de uma Teerã não moderna, corrupta, miserável, com um trânsito caótico e uma política intolerante, devidamente representada, em uma de suas páginas, na imagem de um casal de homossexuais enforcados em praça pública.
A obra, então situada no período subseqüente às eleições no Irã em 2009, realiza com maestria uma composição entre ficção, personagens reais e eventos políticos, em uma conjuntura em que mais nada pode ser escondido dos vídeos do You Tube e nos testemunhos via twiter , facebook e blogs.
Ao ler a novela, nota-se que o título O Paraíso de Zahra não foi escolhido por acaso, trata-se do nome de um cemitério em Teerã e da protagonista da narrativa, a mãe Zahra que, como muitas mães iranianas, passa toda a narrativa por uma uma angustiante procura pelo seu filho desaparecido nas manifestações de rua, em junho de 2009. É também o nome do blog do irmão de Mehdi e, muito coincidentemente, o nome de uma fotojornalista canadense que, segundo a obra, foi brutalmente assassinada no dia 23 de junho de 2003.
O livro destaca, por sua vez a parte mais triste e sombria do Irã, o seu sistema político. A violência advinda do Estado é notada em muitas ocasiões ao londo da história, está presente na corrupção, na miséria, no descaso com os serviços públicos básicos, com a censura das informações, no atraso social e sobretudo na brutalidade, muito marcante na repressão policial aos atos considerados subversivos pelo Estado. Toda essa brutalidade pôde ser constatada, entre outras imagens, no momento em que Zahra, à procura por notícias de Mehdi em um hospital, é surpreendida com a invasão dos guardas revolucionários que imediatamente pegam à força os manifestantes ainda feridos e muito debilitados em suas macas.
O descaso com o atendimento ao público nos departamentos estatais também aparece com ênfase na obra. É no presídio Evin, em Teerã, que o desprezo com a população é apresentado ao leitor, na figura do funcionário da penitenciária e de seu guarda-costas que ignoram o pedido de informações e o desespero de Zahra. O atraso é apresentado, mais tarde, ao tentarem reproduzir as fotos do Mehdi em uma copiadora chinesa que mal funciona, é exatamente nesse mesmo instante, inclusive que o leitor é surpreendido com a seguinte provocação: " ... e o mundo se preocupa com o programa nuclear iraniano?" (p. 75).
A miséria e a violência pode ser reparada durante o percurso em um taxi, no momento em que o veículo permanece parado no trânsito caótico de Teerã, aproxima-se uma criança pedindo esmolas, em um cenário formado por ruas e avenidas com nome de tantos mártires que "quase faz você pensar se Teerã não é apenas o subúrbio do Paraíso de Zahra" (p. 88). Ainda, ao chegar ao destino, a câmara dos deputados, toda a corrupção é observada na figura do funcionário que atende prontamente qualquer cidadão mediante propina. É nesse momento em que o narrador desabafa: "milagre dos milagres: um pouco de graxa em movimento as engrenagens da justiça" (p. 109).
Entre tantos tipos de violência, a mais cruel é a brutalidade policial do regime, sumariamente denunciada no testemunho de Ali, amigo de Mehdi, ao relatar sobre todos os abusos cometidos durante o seu interrogatório, quando de maneira irônica afirmou à Zahra: "Fui estuprado em nome de Deus. Em nome do Irã, do profeta deles, do Mahdi deles. É a chamada República Islâmica deles" (p. 135). Ao repetir demasiadamente a expressão "deles", torna-se evidente que a fé das personagens da obra que compõem alegorias da sociedade iraniana, mantém-se extraordinariamente inabalada.
Por outra parte, a reação popular não é omitida em O Paraíso de Zahra, sobretudo quando, mais pra frente, a protagonista depara-se com uma reunião de mulheres em um parque da capital, a chamada "Mães de Luto". O movimento de mulheres, entre outras muitas organizações surgiram em resposta à um projeto de revolução eminentemente violenta, sob o slogan: "morte a América! Decapitem o infiel, chicoteiem o gay, enforquem o herege, apedrejem a puta" (p. 148). Muito diferente do que é de fato propagado pela religião islâmica.
Toda a imagem de atraso, da demora e do descaso desaparecem repentinamente quando Zahra decide procurar por Mehdi no cemitério. Muito surpreendentemente, no "Paraíso de Zahra" o sistema é completamente digitalizado. Imediatamente é observado, no entanto que, "os vivos esperam na fila a vida toda. Os mortos tem serviço expresso" (p. 165).
A certa altura, o funcionário do "Paraíso de Zahra" lembra de Neda, estudante de Filosofia que morreu nas manifestações de 2009. Segundo o personagem, foi a partir da morte da estudante que a comunidade internacional começou a se antever ao estado de exceção no Irã. Justamente por isso, de acordo com o funcionário, a fim de esconder as marcas da violência nos corpos dos manifestantes mortos, a administração passou a realizar enterros em concreto.
Ao final na obra, quando finalmente a morte de Mehdi é revelada, Zahra é surpreendida com uma condição perversa. A autorização para a liberação do corpo de seu filho, somente seria possível caso a família assinasse "um documento afirmando que não fará um funeral público" (p. 204), numa clara tentativa de apagar a existência de Mehdi. Em troca, foi oferecido quantia atraente em dinheiro à família Alavi.
O clímax da narrativa, por fim, aparece no desabafo emocionante de Zahra, no enterro de Mehdi. Ao se debruçar no caixão lacrado, em voz alta declara: "se eu abrisse este caixão, não encontraria Mehdi. Encontraria a assinatura de um povo sem nome e sem rosto, sem história e sem futuro!" (p. 225).
A genialidade da obra reaparece no final, nas as últimas páginas, no momento em que o leitor percebe que o título, além de representar alguns personagens fictícios e reais, faz alusão à todas as mães que, como Zahra, compartilham da dor de terem de enterrarem seus filhos no Irã. E, ao mesmo tempo, o livro é uma declaração de amor à religião muçulmana, uma vez que toda a violência denunciada em seu conteúdo nunca aparece em associação à religião, ao contrário, o islamismo é evocado de modo a contestar essas práticas que são cometidas injustamente em nome do livro sagrado, que prega acima de tudo a paz, o amor e a tolerância.








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