O jeito tucano de governar Alagoas

July 22, 2017 | Autor: Railton Da Silva | Categoria: Violência, Alagoas, IML
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de 4 a 10 de outubro de 2012

brasil

“O jeito tucano de governar Alagoas” Antonio Cruz/ABr

SAÙDE O médico e sindicalista Wellington Galvão não poupou duras críticas ao governador do Estado, ao secretário de Defesa Social e ao Tribunal de Justiça Railton Teixeira de Maceió (AL)

APROXIMAVA-SE das 15h quando o telefone tocou. Do outro lado da linha uma voz não tão estranha – porém não identificada – vociferava a notícia de que o presidente do Sindicato dos Médicos de Alagoas seria preso por dois delegados que estavam se dirigido ao seu consultório. Era uma segunda-feira, 24 de setembro, e em poucos minutos, um grande número de médicos se reunira no local em solidariedade ao sindicalista que vinha defendo os médicos-legistas em sua greve. Pouco a pouco a imprensa também fora chegando e um clima de tensão afligia a cidade de Maceió (AL) com a ameaça dos profissionais de saúde deflagrarem greve em repúdio à liminar.

“No dia da prisão me senti de volta aos anos da ditadura militar e a tudo aquilo que rebatia. Foi um golpe à democracia que feriu diretamente a Constituição Federal” Enquanto esperava pelo cumprimento da ação judicial, o médico e sindicalista Wellington Galvão não poupou duras críticas ao governador do Estado, ao secretário de Defesa Social e ao Tribunal de Justiça. Considerando a atitude desnecessária e arbitrária Galvão disparou: “Eles chamaram todos os médicos de bandidos, agora quem deveria ser preso não vai, que é o governador Teotonio Vilela – que deixou a saúde chegar onde chegou. Uma saúde sucateada e sem as mínimas condições de trabalho onde as pessoas morrem à míngua nos corredores do Hospital Geral e os mortos estão sendo enterrados como indigentes sem a possibilidade de fazer um exame de DNA”. O sindicalista fora autuado em seu consultório localizado no bairro da Mangabeiras, em Maceió, por dois delegados da Delegacia de Investigação Criminal – Ana Luiza e Antonio Nunes. Ambos

Para os médicos, o governador Teotonio Vilela Filho (foto), é responsável pelo sucateamento da saúde no Estado

estavam acompanhados por um oficial de justiça e por um agente da Polícia Civil que foram cumprir um mandado judicial expedido pelo juiz substituto e assessor da presidência do Tribunal de Justiça Diogenes Tenório. “É com pesar que venho cumprir esta ação judicial, uma vez que o senhor é um homem de bem” disse ao médico o oficial de justiça, conduzindo-o até a Central de Polícia Civil, de onde foi liberado após três horas de depoimento. Na ocasião, não apenas os médicos-legistas, como também médicos de várias unidades públicas de saúde se manifestaram contra o cumprimento da liminar. Eles exigiam que a decisão fosse cumprida na sua integra – uma vez que ela de-

terminara não apenas a prisão do sindicalista como também dos profissionais que se recusassem retornar ao trabalho e uma multa diária de R$ 10 mil ao sindicato. “Estamos aqui para sermos presos também”, destacou o legista Sidney Pinto da Silva, plantonista do dia. “Também quero ser preso, pois toda a classe médica de Alagoas também vai. Não cumpri a determinação”, dizia o profissional com apoio dos demais. A prisão do médico mexeu com as estruturas palacianas, que se negaram falar com a reportagem sobre o ocorrido. O governador Teotonio Vilela foi procurado no dia posterior à prisão do sindicalista, onde estava reunido com um grupo de empresariado local, e, de acor-

Greve dos médicos-legistas MPE Alagoas

Os legistas retomaram a greve em 25 de setembro, paralisando todas as atividades desenvolvidas no Estado

A real situação do IML Alguns dias depois do ocorrido, a reportagem entrevistou um médico-legista que exerce a função no Instituto Médico Legal (IML) de Maceió há quase duas décadas. Ele aceitou conversar com o Brasil de Fato sob a garantia de anonimato, neste caso o identificaremos como Simões. Para ele a prisão do sindicalista foi um golpe à democracia. “No dia da prisão me senti de volta aos anos da ditadura militar e a tudo aquilo que rebatia. Foi um golpe à democracia que feriu diretamente a Constituição Federal que nos garante o direito de greve e como forma de repressão fomos impedidos de realizar a nossa manifestação. É o jeito tucano de governar Alagoas”, desabafou indignado. “É porque ninguém sabe como eram as nossas condições de trabalho no IML de Maceió”, comentou, acrescentando ainda que “há mais de 80 anos que o instituto funcionava de forma improvisada, sem os instrumentos básicos de trabalho. Usávamos conchas dessas de feijão, facas e colheres de cozinha para fazer as necrópsias. Para abrir os crânios era preciso utilizar serra de cano desta de água para fazer o trabalho até quando nós médicos e não o governo, é preciso deixar bem claro, nos juntamos e compramos uma maquina especifica para este tipo de manejo. Mas se fôssemos esperar pelas autoridades públicas...”, enfatizou. Ele ainda destacou que as salas eram desconfortáveis, com infiltração, insetos e roedores. “E não era só isso, os corpos eram necropsiados no quintal do instituto, o que é errado, mas era o único local que tínhamos para executar o trabalho, caso contrário poderíamos ser contaminados naquelas salas inadequadas”, revelou. “Teve outro dia que tinha mais de cinco corpos em alto estado de putrefação para serem necropsiados, diga-se de passagem, no quintal do IML, quando de repente apareceu um urubu, pousou sobre um deles e na primeira bicada que deu levou o maxilar”, sorriu ao lembrar-se do caso rememorando ainda que “o pior foi explicar para a família que houve um procedimento em que foi necessário retirar o maxilar”.

DNA e exames clínicos não são realizados por falta de estrutura Por não haver a realização do exame de DNA, os corpos vão para as covas rasas de indigentes

de Maceió (AL)

Aliado à péssima e quase nenhuma condição de trabalho, uma série de fatores levou à paralisação dos médicos-legistas. Entre elas, a questão salarial está em pauta, pois segundo o presidente do Sindicato dos Médicos de Alagoas, Wellington Galvão, o profissional recebe o menor salário do país que é de R$ 2,6 mil, muito abaixo da média do nordeste que chega a R$ 9 mil. “Você sabe o que é passar mais de 12 anos em uma universidade, se especializando para ser legista e no fim se deparar com um improviso na hora de exercer a sua função e aliado a isso receber um salário que não condiz? É revoltante. Esses médicos são guerreiros”, destacou momentos antes da prisão. A greve tivera início em junho deste ano e fora suspensa – temporariamente – após o entendimento da categoria juntamente com o presidente do Tribunal de Justiça de que o retorno ao trabalho era – por hora – a solução. “Não havíamos saído, estávamos em estado de greve e neste meio termo o TJ esteve sempre intermediando a situação, até quando conseguimos a priori fechar o antigo IML”, explicou Simões, médico-legista que aceitou conversar com a reportagem sob a condição de anonimato. Neste imbróglio os legistas retomaram a greve em 25 de setembro, paralisando todas as atividades desenvolvidas no Estado. Segundo Simões, após a Secretaria de Defesa Oficial se omitir e não comparecer às reuniões. “Desprezando toda a categoria, como percebemos que eles só queriam nos enrolar, retomamos a greve”, especificou. Simões ainda destacou que após o fechamento do Instituto Médico Legal,

do com ele, tudo o que tinha para falar sobre o assunto já havia se pronunciado por meio de uma nota publicada na Agência Estado. O secretário de Defesa Social, Dário César, foi procurado, mas sem sucesso. Por meio da nota, Vilela destacou que a decisão sobre a ilegalidade da paralisação e o mandado de prisão foram expedidos pelo Poder Judiciário em desobediência e que não tivera responsabilidade alguma sobre o ocorrido.

de Maceió (AL)

Reunião entre representantes dos médicos e do governo para discutir o fim da greve

no bairro do Prado, em Maceió, os legistas ficaram jogados. “Pela manhã um legista vai para o Hospital Sanatório fazer exames de Corpo de Delito e no turno da tarde este mesmo profissional vai para o Serviço de Verificação de Óbito (SVO) que cedeu um horário para a gente realizar os nossos trabalhos. Agora apenas um profissional para necropsiar mais de 15 corpos, isso diariamente, desta forma seria impossível manter os 30%”, explicou, justificando o porquê do não cumprimento da manutenção do número mínimo de profissionais previsto em lei durante a mobilização. “Pois Alagoas é o único estado onde as famílias querem os corpos em menos de 12 horas. Enquanto nos demais, dependendo da situação, chega a demorar duas semanas, aqui não, apenas olhamos, identificamos e liberamos, nada aprofundado”, esclareceu. Acúmulo de trabalho Atualmente 30 médicos-legistas trabalham no Instituto Médico Legal em dois municípios, em Maceió e Arapiraca. Para Galvão esse número é insuficiente e vem causando acumulo de trabalho. “Neste Estado onde se mata mais do que se nas-

ce o legista acumula trabalho, chegando a exercer a função por seis, isso é muito perigoso, pois ninguém saiu do seu estado para prestar concurso e ganhar um salário deste. Ou seja, passaremos a conviver nesta situação por longas e longas datas”, defendeu a categoria. Enquanto isso, nas contas de Simões, há mais de 150 corpos para serem exumados, uma vez que nas duas mobilizações, a Secretaria de Defesa Social determinou a liberação dos corpos – mesmo sem necrópsia – sob aviso de uma possível exumação. “Não acredito que todos estes corpos sejam exumados, acho muito difícil”, duvidou. A greve foi encerrada no último dia 25 de setembro após o governo apresentar uma proposta. Nela a categoria terá um reajuste salarial de R$ 3,5 mil como também foi prometido que a partir de janeiro de 2013 será implantado o Plano de Carreira dos Médicos-Legistas, separados dos peritos técnicos. A proposta ainda garante que no prazo de 30 dias o anexo do prédio de Ciências Biológicas (CCBi), próximo à antiga sede do IML, será reformado e logo após alojará os serviços enquanto a nova sede do instituto – orçado em R$ 4,5 milhões – não é entregue. (RT)

A situação do Instituto Médico Legal de Alagoas é bem pior do que se imaginava. De acordo com Simões, há quase dois anos que os corpos – sem identificação – que dão entrada no IML não passam pelo exame de DNA. O motivo, segundo o legista, seria a não renovação do convênio que existia entre o Laboratório de Perícias Forenses, da Universidade Federal de Alagoas, e o instituto. “O caso é muito sério, quantas famílias que não sabem o paradeiro dos seus familiares, que estão procurando desesperadas pelos seus entes poderiam ter um alívio ou uma resposta para esta eterna dúvida. Mas por não haver a realização do exame de DNA, os corpos vão para as covas rasas de indigentes”, revelou. Ainda segundo ele, não apenas os exames de DNA não são realizados. “Se entrar uma vítima de estupro, por exemplo, recolhemos uma amostra e encaminhamos para um laboratório, por não possuirmos um equipamento adequado, caso contrário temos que realizar os exames a olho nu, o que é muito perigoso”, salientou Simões, médico-legista que não quis se identificar. “Infelizmente quem sofre com tudo isso é a população, que fica à míngua de todos os serviços que deveriam ser oferecidos. A categoria reivindica melhores condições de trabalho para que seja retornado para a própria população que precisa do laudo do legista, que nada mais é que um documento, e esse laudo precisa ser bem trabalhado – mas aquele chiqueiro que era o IML não nos dá condições”, concluiu o profissional. (RT)

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