O jornal O Globo e o debate em relação às ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras

June 6, 2017 | Autor: Matheus de Carvalho | Categoria: History, Gramsci, Imprensa, Ações Afirmativas, O Globo
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Este texto é uma versão revisada de um artigo publicado nos anais da X Semana de História Política da UERJ. (Anais/ X Semana de História Política: Minorias étnicas, de gênero e religiosas / VII Seminário Nacional de História: Política, Cultura e Sociedade. Organização: Eduardo Nunes Álvaro Pavão, João Paulo Lopes, Layli Oliveira Rosado e Rafael Cupello Peixoto – Rio de Janeiro, UERJ, PPGH, 2015)
Graduando em História pela Universidade Federal Fluminense, orientando do Professor Doutor Marcelo Badaró Mattos - E-mail: [email protected] / [email protected]
Fora do continente americano, os últimos países a abolirem a escravidão foram o Paquistão (1992) e a Mauritânia (1985). Ver: PÉTRÉ-GRENOUILLEAU, Olivier. A história da escravidão. São Paulo, Boitempo, 2009.
A Lei de Terras, de 1850, impedia que as terras desocupadas fossem utilizadas livremente, sendo necessário compra-las.
Sobre as condições de vida e a atuação dos libertos no pós-abolição, ver: RIOS, Ana Maria; MATTOS, Hebe Maria. O pós-abolição como problema histórico: Balanços e perspectivas. Topoi, v. 5, n. 5, p. 170-198. 01/2004. Disponível em: http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/Topoi08/topoi8a5.pdf. Acesso em: 27/07/2015. Ver também: MATTOS, Marcelo Badaró. Trabalhadores e sindicatos no Brasil. 2° edição. São Paulo, Expressão Popular, 2009.
BRAGA, Amanda Batista. A mídia impressa na promoção de discursos sobre políticas de igualdade racial: o negro e a revista Raça. 2008. 113 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Linguística, Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2008.
DOMINGUES, Petrônio. Ações afirmativas no Brasil: O início de uma reparação histórica. Revista brasileira de educação, n. 29, p. 164-177. 05/2005
BRAGA, op. cit. 2008.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2014. 2 v.
Idem, p. 20
O Globo, fundado em 1925 pelo jornalista Irineu Marinho, tornou-se um dos mais conhecidos jornais do Brasil. No momento em que escrevo este trabalho, é o quarto maior jornal em circulação do país. Ver: TRISTÃO, Marisa Baesso; MUSSE, Christina Ferraz. O direito à informação e o (ainda restrito) espaço cidadão no Jornalismo Popular impresso. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação: Intercom. São Paulo, v. 36, n. 1, p. 39-59. 01/2013. p. 48
A edição pode ser encontrada em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorData=200020090202 (Acesso em 15/07/2015 às 01:26)
Professor de História e então vice-líder do governo no congresso nacional.
Na página onde constam os textos, acima do primeiro é possível verificar que há os dizeres "Nossa opinião", e acima do texto de Gilmar Machado está escrito "Outra opinião".
A edição pode ser encontrada em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorData=200020090205 (Acesso em 15/07/2015 às 01:26)
Sociólogo e doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP).
A edição pode ser encontrada em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorData=200020090209 (Acesso em 15/07/2015 às 01:27)
KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2006.
A edição pode ser encontrada em: http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorData=200020090317 (Acesso em 15/07/2015 às 01:28)
O(a) autor(a) do texto não foi identificado
Então ministro da igualdade racial.
Ex-editor de opinião de O Globo.
Colunista de O Globo.
Administrador de empresas.
Então deputado federal pelo PMDB do estado de Pernambuco
Economista ligado ao Instituto Millenium. No momento em que tal trabalho é escrito, trabalha como colunista da Revista Veja.
Revista anexa ao jornal.
Então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), militante do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
Repórter de O Globo.
Mestre em direito, ligada ao instituto Millenium.
Domingues, op. cit. p. 165.
É fundamental ter em mente que aquilo que foi veiculado pelo jornal não se encerra nas páginas do mesmo. Os mesmos argumentos que foram utilizados em sua versão impressa diária também puderam se fazer presentes na televisão, nas revistas semanais, em artigos on-line e também no rádio. Além disso, os meios das Organizações Globo não foram os únicos a promover uma campanha de combate intelectual contrária à aprovação das políticas de cotas.
O jornal O Globo e o debate em relação às ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras.
Matheus de Carvalho Leibão


Resumo: O estudo analisa, sob uma perspectiva gramsciniana, os debates sobre as políticas de ação afirmativa que reservaram vagas nas universidades públicas brasileiras a partir de critérios "raciais". Como fonte primária, utilizou-se o jornal O Globo, um dos mais importantes em circulação no Brasil, pertencente ao maior conglomerado midiático do país neste início de século. O período escolhido para examiná-lo foi o ano de 2009, quando há mudanças no acesso às universidades federais e o debate sobre "cotas" ganha muita visibilidade.
Palavras-chave: O Globo – Ações afirmativas - Universidade

Abstract: This article analyzes the debates about the affirmative remedies that reserved some spots in the Brazilian universities through "racial" criteria. As a primary source, we used O Globo, one of the most important newspapers in Brazil, which belongs to the biggest media corporation in the country in this beginning of century. We chose to analyze it through the year 2009, when there are changes in the access to federal universities and the discussions on the affirmative policies get more visible.
Key-words: O Globo – Affirmative remedies – University


Um dos traços que marcaram a formação da sociedade brasileira foi a existência da escravidão, que vitimou tanto as populações nativas da América quanto milhões de trabalhadores africanos que aqui chegaram após cruzarem o atlântico dentro dos navios negreiros. A longa duração desse regime de trabalho forçado deixou marcas que persistem até o momento em que este artigo é escrito, em meados da segunda década do século XXI.
É necessário ter em mente que um dos traços culturais da sociedade brasileira é o racismo. O Brasil é um país que conviveu com a escravidão durante séculos, sendo o último a aboli-la oficialmente no continente americano, em 1888. No entanto, mesmo após a aprovação da Lei Áurea, os antigos escravizados permaneceram majoritariamente marginalizados, uma vez que se viam distantes do direito ao uso das terras agricultáveis e do direito a participação política institucional.
Contudo, é extremamente problemático afirmar que os(as) negros(as) e os descendentes das populações nativas da América são apenas vítimas de sua própria história, e não agentes. Historicamente, as populações marginalizadas devido aos seus traços físicos se mobilizaram em torno de ideias que combatiam – e que ainda combatem – esse tipo de opressão. Braga ressalta que, durante a maior parte do século XX, foi dominante na sociedade brasileira a ideia da existência de uma democracia racial, na qual brancos, negros, pardos, índios e asiáticos viveriam harmonicamente, sendo a miscigenação a grande marca da nação. Entretanto, os indicadores sociais brasileiros na virada para o novo milênio pareciam mostrar que a democracia racial não passava de um mito.
Segundo Petrônio Domingues, o Brasil é um país no qual os indicadores sociais andam ao lado dos indicadores raciais. A segregação social leva a marca do racismo. Em seu texto, o autor defende a ideia de que os aspectos que fazem da sociedade brasileira uma sociedade racista variam desde a porcentagem de negros desempregados, até a expectativa de vida dos mesmos, passando, obviamente, pela entrada nos cursos de ensino superior. À época da publicação de seu artigo (2005), 97% dos universitários eram brancos, 2% eram negros e 1% eram descendentes de orientais.
É com o processo de redemocratização da sociedade brasileira na década de 1980 – um século depois da abolição – que a ideia de que não havia conflitos raciais no Brasil começa a ser questionada com mais força. Braga analisa o processo que levou o Estado brasileiro a aprovar uma série de medidas que visavam combater o racismo e as diferenças sociais entre brancos e não-brancos. A contribuição que a autora oferece se dá no sentido de perceber dois aspectos importantes que permeiam a discussão sobre as reservas de vagas nas universidades – o foco principal deste trabalho – a partir de critérios raciais: o primeiro é que tais reservas não ocorreram em um terreno abstrato. Assim como ocorre em diversos acontecimentos históricos, houve todo um contexto social que permitiu que o movimento negro brasileiro avançasse com suas pautas, conseguindo acumular, desde a aprovação da constituição de 1988, uma série de vitórias cuja medida mais ousada, segundo a autora, é a positivação das "cotas" para estudantes negros, pardos e indígenas nas universidades públicas brasileiras. O segundo aspecto fundamental levantado por ela foi que, justamente a partir destes avanços promovidos a partir das lutas sociais, a ideia de democracia racial foi perdendo força nos espaços institucionais brasileiros.
É necessário frisar que a discussão em torno das "cotas" ganhou muita visibilidade a partir de 2003, quando a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) se tornou a primeira a reservar uma parcela de suas vagas para estudantes afrodescendentes e indígenas. Apesar da primeira experiência ter se dado neste ano, a maioria das universidades federais brasileiras só foi adotar tal política a partir de 2009. Trata-se de uma questão que divide opiniões até o momento em que este trabalho é escrito. Desta forma, o que é divulgado pelos meios de comunicação e os debates em torno de tal proposta servem – e muito – para a formação da opinião pública, fundamental para a geração de consenso.
Quando falamos em geração de consenso, torna-se fundamental recorrer aos postulados teóricos do filósofo italiano Antonio Gramsci. Este pensador defende a ideia de que o exercício do poder político por uma classe ou fração de classe decorre de uma combinação entre coerção e consenso. Para que o consenso seja gerado, os intelectuais assumem a responsabilidade por sua geração, de forma "espontânea", fazendo com que grandes massas da população confiem em determinado tipo de sociedade defendido por eles e faça com que os mesmos ganhem a confiança dos membros da sociedade. Sendo assim, os intelectuais teriam uma função organizativa e conectiva. Já a coerção seria efetuada pelos mecanismos de poder direto, a maioria deles controlada pelo Estado, como a polícia ou o exército.
Para que o consenso seja estabelecido, Gramsci destaca a função que os intelectuais exercem na sociedade contemporânea. Ele defende a ideia que todo homem é um intelectual, embora nem todos exerçam tal função. A condição para seu exercício, segundo ele, se dá devido a processos históricos concretos, que permitiram determinadas classes ou camadas da sociedade produzir intelectuais, e não acontecem "num terreno democrático abstrato". Daí a importância de analisar os veículos de comunicação, uma vez que eles são algumas das várias ferramentas utilizadas para legitimar um poder estabelecido, ou para contestá-lo. E são neles, onde, invariavelmente, os intelectuais conseguem com mais eficácia exercer suas funções conectivas e organizativas.
Quando Gramsci escreveu na década de 1930, a imprensa escrita poderia ser considerada como o principal veículo de comunicação de massas de sua sociedade. Na sociedade brasileira do início do século XXI, entretanto, é necessário ter em mente que ela não ocupa o mesmo posto de destaque que ocupara no século anterior. De qualquer forma, não é possível afirmar que a produção deste tipo de veículo seja irrelevante para a produção de consensos, já que ele não caiu em completo desuso.
Este artigo busca avaliar como o jornal O Globo pautou a discussão sobre a adoção de medidas que reservaram vagas para estudantes negros, pardos e índios nas universidades do Brasil. Trata-se do quarto maior jornal impresso em circulação no país, pertencente ao maior conglomerado de mídia nacional, as Organizações Globo, que além deste veículo possui outro jornal impresso – Extra!, de caráter mais popular – uma editora, canais de televisão nas redes aberta e privada, canais de rádio AM e FM, uma revista de circulação semanal e o principal portal de notícias na internet do país. O período de análise escolhido para esta pesquisa se ateve ao ano de 2009, no qual foi possível verificar uma intensa cobertura sobre as "cotas", tanto com notícias de caráter factual, quanto com textos opinativos sobre o tema. Tal intensidade de produção jornalística sobre as medidas de ação afirmativa não ocorreu por uma razão aleatória. Neste ano, houve o início de uma reformulação do acesso às universidades federais a partir do novo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e a criação do Sistema de Seleção Unificado (SISU), no qual muitas universidades sinalizaram com a possibilidade de adotar medidas que reservariam até 50% das vagas para estudantes de baixa renda, oriundos de escolas públicas, negros, pardos e índios. Ao longo daquele ano, então, não apenas as universidades debateriam se tal política pública seria acertada ou não, como também o fizeram as escolas (públicas e privadas) e os veículos de comunicação.
Se tratando de um veículo pertencente ao maior conglomerado de mídia do país, o que foi veiculado por O Globo certamente teve um peso relevante na construção dos debates e na formação da opinião pública no que diz respeito às "cotas". Portanto, foram selecionados como fontes primárias para este estudo os textos opinativos que foram divulgados no jornal. Cabe aqui então discutir quem escreveu, para quem escreveu e porque escreveu o conteúdo opinativo presente neste meio de comunicação.
Através do acervo on-line de O Globo, que permite a realização de pesquisas a partir de buscas por palavras-chaves, foi possível encontrar cerca de 32 páginas que versavam sobre o tema. É impossível, devido às limitações deste trabalho, analisar minunciosamente todas elas. Sendo assim, foi feita a escolha por dissertar sobre as páginas onde o conteúdo publicado visava, explicitamente, apresentar o ponto de vista dos autores sobre o tema. A escolha por artigos contendo a opinião dos(as) autores(as) é especialmente importante porque são nessas partes onde podemos verificar com mais clareza o posicionamento político de um veículo de comunicação e identificar eventuais dissensos que podem ocorrer dentro do mesmo.
No dia 2 de fevereiro de 2009, O Globo publicou um artigo, em sua sexta página, criticando o projeto de lei que criava a reserva de vagas baseadas em critérios raciais. Nele, o(a) autor(a) – não identificado(a) – escreveu que a aprovação da lei 73/99 reduziria a importância do mérito acadêmico e privilegiaria a cor da pele nos processos seletivos. Além disso, afirmava que, caso tal projeto fosse colocado em prática, uma série de estudantes despreparados assumiria cadeiras nas universidades, e que consequentemente, formaríamos profissionais menos qualificados. Para este(a) autor(a), a solução passava por melhorias no ensino básico, e que a aprovação da lei de cotas seria uma vitória para políticos populistas que não visavam a real solução do problema na educação pública brasileira. O artigo não fazia menção a qualquer dado ou fonte que embasasse seu posicionamento político, claramente contrário às cotas.
Na mesma página do texto citado acima, um artigo assinado por Gilmar Machado argumentava a favor da aprovação da lei 73/99, justificando seu ponto de vista a partir de dados – cujas fontes não foram mencionadas – que explicitavam que em pleno século XXI, havia uma série de diferenças entre brancos e negros no Brasil no que diz respeito à grau de escolarização, renda, emprego, entre outros fatores, dando a entender que este tipo de política pública seria uma medida compensatória importante. Verificou-se que o jornal abriu espaço a opiniões divergentes em sua edição, deixando claro qual era a opinião de O Globo e que havia uma outra forma de se interpretar o projeto de lei.
Poucos dias depois, na edição de 5 de fevereiro de 2009, Demétrio Magnoli publicou um artigo que, em muitos pontos, esteve de acordo com a opinião publicada pelo jornal O Globo dias antes. Para este autor, a lei 73/99, caso fosse aprovada, seria a primeira lei racial da história brasileira. Além disso, Magnoli afirmou não existir um movimento negro organizado no Brasil, – como ocorrera em países como os EUA e a África do Sul – prevalecendo, no caso, a pressão de algumas ONGs racialistas que não possuíam legitimidade para pressionar o congresso em prol da aprovação da lei, uma vez que a maioria dos brasileiros não concordava com a separação de vagas de acordo com critérios raciais. Assim como o primeiro texto que foi discutido, Magnoli enfatizava a necessidade de se investir em educação pública, para que as cotas não se fizessem necessárias. Inclusive, lembrou de um projeto de lei de autoria do então senador Demóstenes Torres (DEM – GO) que visava garantir o ensino integral nas escolas públicas, que segundo ele, seria economicamente viável.
Curiosamente (ou não), no dia 9 de fevereiro de 2009, Demóstenes Torres viria a ser mencionado novamente em um artigo em O Globo. Dessa vez, o autor era o jornalista Carlos Alberto di Franco. Ao abrir espaço para o então senador do Democratas, este afirmou que o PL 73/99 faria com que a sociedade brasileira se visse dividida, porque tal proposta estimularia o ódio entre raças. Posteriormente, o autor fez menção à obra de Ali Kamel, diretor de jornalismo das organizações Globo, para afirmar que o Brasil nunca foi um país racista, no qual havia algumas pessoas racistas. Assim como os demais textos – à exceção do de Gilmar Machado – di Franco afirmou que a solução para tal problema se encontrava na melhoria da educação pública. Além disso, afirmou que "os negros brasileiros não precisam de favor".
Na edição de 17 de março de 2009, em outra coluna de opinião, O Globo apresentou, mais uma vez, uma série de argumentos posicionando-se contrário às cotas raciais e ao Estatuto da Igualdade Racial, que previa não só a reserva de vagas para minorias étnicas nas universidades, mas também no mercado de trabalho. O texto afirmava, além de alguns pontos já vistos anteriormente, que a medida que previa tal tipo de distribuição de vagas nas universidades era uma armadilha perigosa para o país. Apesar de reconhecer a necessidade de políticas públicas que visassem combater a desigualdade social, o jornal foi enfático ao afirmar que tal medida tinha cunho discriminatório e racista.
Além destes cinco textos de cunho opinativo, foi possível encontrar mais 14 que versavam sobre a reserva de vagas para negros índios e pardos nas universidades brasileiras. Como, muitas vezes, os argumentos tendem a tornar-se repetitivos para ambos os lados, optou-se aqui pela construção de uma tabela na qual é possível verificar a diferença quantitativa de posicionamentos pró-cotas contrários a elas.

Posicionamentos em relação às ações afirmativas em O Globo
Data e Página
Autor(a)
Posicionamento
2 de fevereiro de 2009 – 6
Não identificado(a).
Contrário às cotas.
2 de fevereiro de 2009 – 6
Gilmar Machado.
A favor das cotas.
5 de fevereiro de 2009 – 7
Demétrio Magnoli.
Contrário às cotas.
9 de fevereiro de 2009 – 7
Carlos Alberto di Franco.
Contrário às cotas.
17 de março de 2009 – 6
Não identificado(a).
Contrário às cotas.
13 de abril de 2009 – 7
Edson Santos.
A favor das cotas.
14 de maio de 2009 – 7
Demétrio Magnoli.
Contrário às cotas.
16 de maio de 2009 – 6
Não identificado(a).
Contrário às cotas.
28 de maio de 2009 – 6
Não identificado(a).
Contrário às cotas.
2 de junho de 2009 – 7
Luiz Garcia.
Contrário às cotas.
3 de junho de 2009 – 7
Elio Gaspari.
A favor das cotas.
4 de junho de 2009 – 7
João Luiz Mauad.
Contrário às cotas.
22 de junho de 2009 – 7
Raul Henry.
Contrário às cotas.
26 de junho de 2009 – 7
Rodrigo Constantino.
Contrário às cotas.
28 de julho de 2009 – Revista Magazine, Página 3
Augusto Chagas, em entrevista a Lauro Neto.
A favor das cotas.
3 de agosto de 2009 – 6
Não identificado(a).
Contrário às cotas.
22 de setembro de 2009 – 6
Não identificado(a).
Contrário às cotas.
6 de outubro de 2009 – 6
Não identificado(a).
Contrário às cotas.
25 de outubro de 2009 – 7
Roberta Fragoso M. Kaufmann
Contrário às cotas.

Pelo que se pode verificar a partir da análise da Tabela 1, nas páginas dedicadas a exposição de opiniões, O Globo apresentou 19 textos que argumentavam acerca da reserva de vagas nas universidades federais brasileiras para estudantes negros, pardos e indígenas. Destes, 15 – ou aproximadamente 79% - se posicionaram contrários à aprovação do PL 73/99, nos quais, grosso modo, os argumentos tenderam a defender a "não racialização" do país e que o problema de desigualdade no que diz respeito ao acesso ao ensino superior no Brasil não estava ligado a problemas relacionados ao racismo, mas sim à pobreza. Por outro lado, 4 textos – ou aproximadamente 21% - se mostraram favoráveis à aprovação da lei. Todos eles tocavam em questões relacionadas a necessidade de se haver uma medida de ação afirmativas para diminuir as diferenças sociais, que no Brasil, se confundem com desigualdades raciais. Nenhuma das que defendiam o PL, no entanto, enfatizava que a tramitação projeto de lei advinha de pressões dos movimentos sociais, de setores organizados da sociedade civil. Apenas aquelas que se posicionavam contrárias às cotas lembraram de tal fato, ainda que fosse para desmoralizá-los, afirmando que ONGs e movimentos sociais não poderiam se afirmar como representantes da sociedade e que os parlamentares deveriam pensar mais nos cidadãos "desorganizados".
Ao publicar textos majoritariamente contrários a uma medida que resultou na entrada de estudantes que antes se viam alijados do ensino superior público, O Globo contribuiu para a formação de uma opinião pública de caráter conservador. No ano de 2005, portanto antes da maioria das universidades brasileiras adotar o sistema de "cotas", 97% dos universitários eram brancos, 2% eram negros e 1% eram descendentes de orientais. Ou seja, o sistema de seleção de estudantes privilegiou historicamente estudantes brancos, a maioria deles advindos das famílias burguesas e de camadas médias da sociedade brasileira, o que de certa forma, contribuiu para a imobilidade social.
Além dos posicionamentos políticos que tenderam a ser mais conservadores, é importante frisar que o público-alvo de O Globo são as classes médias e altas, sobretudo da cidade do Rio de Janeiro, majoritariamente brancas e cujos filhos, em sua maioria, não estudam em escolas públicas regulares. Como se trata um de veículo essencialmente comercial, seria ingênuo esperar que uma medida que beneficiaria os mais excluídos fosse defendida com ênfase no jornal, ou até mesmo que as discussões tivessem a mesma quantidade de publicações contra e a favor.
Outro aspecto importante a ser destacado é quem escreve os textos publicados em O Globo. De todos os autores (identificados) de textos opinativos sobre as ações afirmativas que geraram as reservas de vagas para estudantes menos favorecidos, todos eles eram brancos, à exceção de Edson Santos – que coincidentemente ou não, dissertou favoravelmente à medida.
Os discursos criados em torno da oposição às ações afirmativas tenderam a minimizar o problema do racismo no país e fortalecer a ideia de democracia racial. No entanto, ao analisarmos quem obteve espaço para se expressar em um dos maiores jornais do país e verificarmos que, de 10 autores identificáveis que versaram sobre o mesmo tema em um ano, apenas um era negro, verifica-se que há algo de errado na ideia que defende que desde a abolição da escravidão, diferentes raças conviveram harmonicamente na sociedade brasileira.
No entanto, muitos brasileiros persistem em acreditar que não haja conflitos e segregação racial no Brasil. O material que foi difundido na grande imprensa brasileira, de maneira geral, colaborou para a formação de consensos, sobretudo entre as camadas médias brasileiras, a partir do trabalho dos intelectuais, que nela exercem a função de liderar moral e intelectualmente os indivíduos para a legitimação de uma determinada estrutura que favoreça uma classe ou fração de classe.



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