O jornalismo e a construção do real: notas para uma abordagem sociofenomenológica da teoria da notícia

May 31, 2017 | Autor: Joao Carlos Correia | Categoria: Critical Theory, Media Framing, News Framing, Framing Theory
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João Carlos Correia

Lição apresentada à Universidade da Beira Interior para provas de Agregação em Ciências da Comunicação

UBI, 2008

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O jornalismo e a construção do real: notas para uma abordagem sociofenomenológica da teoria da notícia

Introdução

Uma questão que recorrentemente percorre a Teoria da Notícia remete para a relação entre um universo social em contínua mudança e o modo como o jornalismo e os jornalistas instauram uma ordem significativa sobre esse universo. A pergunta que se coloca é: como que o campo jornalístico e os seus profissionais inscrevem a multiplicidade de eventos e ocorrências verificáveis neste processo de constante mutação, num universo ordenado de significação? Dito de outra forma, tendo em conta que o jornalismo lida com o imprevisto como critério de noticiabilidade pelo que o acontecimento é, por definição, tanto mais digno de relato quanto mais elevada é a sua imprevisibilidade, como é que o os jornalistas instauram ordem e significado num universo em constante mudança, em que a circunstância da emergência do que é novo, contingente e aleatório, é uma possibilidade omnipresente? A pergunta remete, em última instância, para um problema determinante: como é que o jornalismo constrói a realidade social? Não sendo possível esgotar o tema, a resposta procurada nesta lição passa

em

grande

parte

por

definir,

à

luz

de

contributos

de

inspiração

sociofenomenológica, como a realidade social é construída e como a comunicação intervém na construção dessa realidade, tentando identificar quais os esquemas cognitivos, nomeadamente as rotinas, categorias e tipificações que permitem organizar a 2

experiência de uma realidade plural, diversificada e em constante mutação. Começa-se, assim, por apresentar uma visão genérica das teorias jornalísticas que reflectem a noção de «construção da realidade». Segue-se uma revisão de conceitos sociofenomenológicos, seguida da sua aplicação ao campo jornalístico. Reconhece-se, deste modo, na Fenomenologia Social, tal como foi elaborada, em especial pelo pensador austríaco Alfred Schutz, e, posteriormente, por Peter Berger e Thomas Luckman, um conjunto de que nos ajudam a analisar os processos de construção social da realidade: destacam-se, pois, os conceitos de “tipificação”, “atitude natural”, “senso comum”, “enquadramento” e “conhecimento social”.1 Adicionalmente, dá-se relevo a alguns desenvolvimentos traçados pela Etnometodologia que se articulam directamente com o conceito de «atitude natural», como sejam os de «reflexividade» e «indexicalidade» Simultaneamente, admite-se a hipótese de esta abordagem solicitar um refinamento que passa por um diálogo com as tradições da crítica ideológica que explicitamente fizeram referência ao campo jornalístico como sejam as desenvolvidas por Stuart Hall (1982; 1993, 2004), Chibnall (2001) e Steve Hackett (1993) nos chamados estudos culturais e, ainda, por Teun van Dijk (1984, 2005) na Análise Crítica do Discurso. Neste plano reconhece-se que existem algumas investigações directamente inspiradas pela Fenomenologia Social que possibilitam encontrar tal refinamento crítico e que autorizam a realização de um diálogo produtivo em torno do conceito de “ideologia”. Finalmente, assinala-se o modo como o relato jornalístico vive numa espécie de «fio da navalha», uma ambiguidade constitutiva entre o velho e o novo, entre a regularidade e a diferença, entre o estabelecimento da ordem e eminência do acontecimento. I A construção social da realidade: uma abordagem genérica

Nos estudos sobre jornalismo, tem sido referida a existência de uma visão da notícia que enfatiza o seu papel na construção da realidade. Este tipo de abordagem permite, nomeadamente, indicar como a actividade jornalística e os enunciados produzidos na sua realização não se limitam a reproduzir a realidade mas intervêm na 1

Apesar da omissão frequente da tradição sociofenomenológica quando é referido o conceito de enquadramento, existem textos de extrema pertinência para a genealogia do conceito que explicitamente recorrem ao trabalho de Alfred Schutz e seguidores, como Peter Berger e Thomas Luckmann. É o caso de Frame Analysis (Goffman), e Making News (Tuchmann).

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construção social da mesma. Nesta perspectiva, mais do que simples espelhos de uma realidade pré-existente, os jornalistas e, consequentemente, os enunciados por eles produzidos, intervêm activamente na construção das condições e do modo em que a realidade é percepcionada. Assim, “é impossível estabelecer uma distinção radical entre a realidade e os media que devem reflectir essa realidade, porque as notícias ajudam a construir a própria realidade” (Traquina, 2001: 28). Para o paradigma construtivista, o mundo social e político não é uma realidade pré-determinada e rígida que os jornalistas reflectem. Os jornalistas não são observadores passivos mas participantes activos na construção da realidade (cf. Traquina, 2001: 30). Os factos não existem em si próprios, dotados de uma evidência e de uma espessura ontológica auto-suficiente de que os enunciados jornalísticos seriam puros reflexos. São produto de um encontro entre os factos e os seus relatos, sem os quais, aliás, não existiriam como factos jornalísticos. A realidade não é algo completamente autónomo e distinto do modo como os actores a interpretam, a interiorizam, a reelaboram e redefinem histórica e culturalmente (cf. Grossi cit. in Rodrigo Alsina, 1996: 29). São inúmeras as mediações que condicionam o modo como o jornalismo cria e processa a informação sobre a realidade, desde o schemata profissional – o modo particular como os jornalistas vêm o mundo – passando pelos objectivos, a estrutura e a rotina das organizações onde trabalham, as condições técnicas e económicas para a realização das suas tarefas e, finalmente, o jogo de poder e os conflitos de interesse que estão implicados na circulação social dessa informação (cf. Meditsch, 2002: 19). A afirmação das notícias como construção social aparece normalmente evidenciada como contraposta a uma «teoria do espelho». Argumenta-se que é impossível estabelecer uma distinção radical entre a realidade e os enunciados noticiosos que os reflectem já que as notícias participam activamente na construção da própria realidade, graças a elementos como sejam a intervenção de uma linguagem que nunca se afigura como neutral ou inocente, a factores como sejam os aspectos organizativos e orçamentais que intervêm decisivamente na representação dos acontecimentos ou, ainda, ao modo como os jornalistas dispõem uma rede noticiosa graças à qual procuram obstar à imprevisibilidade dos acontecimentos (cf. Traquina, 2002: 95; 2001: 28). Neste sentido, há uma construção da realidade que é inerente à própria perspectiva noticiosa, na medida em que as características do próprio trabalho noticioso o impõem (cf. Altheide, 1976: 24; cf. Cook; 1998: 71). A realidade oferecida pelas notícias 4

é envolta pelos modos de conhecer típicos dos jornalistas e pelos modos específicos que estes possuem de estruturarem o conhecimento através da linguagem. O que é apresentado como factos pelas notícias são interpretações enquadradas pelos dispositivos noticiosos (cf. Ericson, Baranek e Chan, 1997: 19). Os jornais e a televisão não se limitam a monitorizar os acontecimentos do mundo real. Constroem representações e relatos da realidade que são configurados pelos constrangimentos impostos sobre ele: constrangimentos que emanam das convenções, ideologias e organização típicas dos jornalismo e das burocracias noticiosas (cf. Chibnall, 2001: ix). Este tipo de abordagem mina a crença universalmente partilhada de que os jornalistas representam e reflectem a realidade, obstando a um dogma ainda enraizado na comunidade profissional (cf. Rohe apud Traquina, 2002: 96). Ainda, contrapõe-se não apenas à abordagem empirista da notícia como reflexo da realidade como também a outras abordagens que partilham uma visão conspiratória da produção jornalística, expressa numa manipulação consciente e intencional dos factos levadas a cabo de acordo com interesses dominantes: “Nos estudos da parcialidade das notícias, a teoria das notícias como espelho não é posta em causa; nos estudos que utilizam a perspectiva das notícias como construção, a teoria do espelho é claramente rejeitada” (Traquina:2002: 94) As teorias que abordam as notícias como construção constituem um paradigma que pode ser partilhado por duas visão diversas – a visão interaccionista e a visão estruturalista – as quais podem ser analisadas como teorias autónomas que comungam, todavia, diversos pressupostos de um mesmo paradigma. Na verdade, “ambas conceptualizam as notícias como uma construção” (Traquina, 2002: 105). Assim, numa visão mais interaccionista, as notícias resultam da percepção, selecção e transformação de acontecimentos em notícias, efectuadas sob a pressão do tempo, por um corpo de profissionais relativamente autónomo e autorizado que interage no seio de uma cultura comum. O termo “interaccionismo” é usado de uma forma lata para referir a existência e partilha de uma cultura comum que permite o desenvolvimento de um campo jornalístico autónomo (cf. Traquina, 2002: 106). A abordagem interaccionista, com origem na Escola de Chicago, enfatiza a descrição dos mecanismos pelas quais essa cultura se desenvolve, afirma, legitima e protege: a existência de uma autorização legal e de um mandato sobre certos saberes comuns, a existência de instituições que protejam o diploma dos profissionais e mantenham esse seu mandato, a existência de carreiras, enquanto espaços de 5

diferenciação/hierarquização, mas também enquanto espaços de socialização (cf. Fidalgo, 2009). Assim seguindo Everett Hughes (citado. por Traquina, 2004: 18), o processo de profissionalização origina grupos organizados, “dependentes de uma solidariedade cerrada e dependentes dos seus membros constituírem um grupo à parte com um ethos próprio”. É graças ao processo de profissionalização das pessoas envolvidas na actividade jornalística que é possível a emergência de um campo jornalístico autónomo dotado de autoridade e de legitimidade para decidir da noticiabilidade dos acontecimentos e problemáticas (cf. Traquina, 2001: 60). Neste sentido, importa ter presente a intervenção de uma ideologia profissional partilhada pelos jornalistas que lhes permite realizar e legitimar o seu trabalho (cf. Ericson, Baranek e Chan, 1997: 20). Por ideologia, entende-se, neste contexto, um sistema de crenças através do qual os praticantes de uma dada profissão dão sentido à sua experiência em comum. As situações de trabalho são também sistemas de interacção: as pessoas interagem em relações que são simultaneamente sociais e técnicas. Nestas interacções geram-se definições de papéis, expectativas recíprocas de desempenho de um papel, solidariedade de grupo e o desenvolvimento e definição de grupos de referência. Como criaturas sociais, as pessoas falam em padrões de acção, e partilham e os modos de pensar do seu grupo (cf. Shoemaker e Reese, 1991, citado por Traquina, 2004: 18). Já numa visão mais estruturalista, a construção da realidade por parte dos media informativos implica uma relação de determinação por dispositivos estruturais, reproduzindo, em larga medida, ainda que com relativa autonomia, os valores ideológicos dominantes: o jornalismo torna-se (ainda que involuntariamente e através de caminhos relativamente autónomos) um dispositivo do próprio processo de controlo social. Neste sentido, contribui para definir quais os acontecimentos significativos e a respectiva interpretação, assegurando a sintonia entre os seus valores e as suas práticas e as ideologias dominantes. Para as premissas neo-marxistas vigente nas análises dos estudos culturais sobre jornalismo, as notícias condensam uma relação estrutural entre os media e os definidores primários de sentido ajudando a construir uma visão da sociedade consensual e homogénea, em função da ideologia também ela dominante e hegemónica (cf. Hall, Chritcher, Jefferson, Clark e Roberts, 1993: 228 e seguintes). Aprofundando várias leituras possíveis desta dualidade, é possível conceber uma dicotomia entre por um lado, uma visão interaccionista que acentua os processos de rotina e partilha de saberes que se desenvolvem no seio da comunidade jornalística, destacando factores organizacionais, orçamentais e a necessidade de instaurar uma rede 6

noticiosa que cubra a imprevisibilidade dos acontecimentos como elementos que contribuem para a inevitabilidade dos processos de construção da realidade; e, por outro lado, uma visão estruturalista que, pese embora reconheça a estes elementos certa importância, atribui a determinação final a factores estruturais relacionados com a estratificação dos mecanismos de poder e de influência numa sociedade marcada pela existência de relações de poder e de dominação. Directamente ligada a estas duas concepções, podem-se plasmar a existência de duas abordagens distintas: a) A primeira área de pesquisa, mais facilmente articulável com uma visão estruturalista, diz respeito aos domínios sistémicos que interferem na produção jornalística. Esta área de pesquisa é mais influenciada por estudos críticos e diz, nomeadamente, respeito a mecanismos económicos e de propriedade, a dispositivos políticos e de controlo e a orientações culturais e ideológicas. b) a segunda área de pesquisa, melhor adequada a uma visão interaccionista, diz respeito ao mundo do comunicador. Trata-se de um domínio de pesquisa que esteve ligado a uma análise da interferência dos gatekeepers na passagem das notícias entre os jornalistas e as audiências. Esta análise do comunicador evoluiu claramente no sentido do seu refinamento. Se queremos entender a selecção e construção dos enunciados jornalísticos, terão que se ter em conta factores como os procedimentos que os jornalistas adoptam para identificar as suas histórias e seleccionar as suas potenciais fontes, as rotinas estabelecidas assim como os mecanismos de socialização, de partilha de ideologias e acervos de conhecimentos que informam essas decisões (cf. Schibnall, 2001: 7). Verifica-se, hoje, um certo consenso científico na aceitação da ideia de que as notícias não reflectem a realidade social, antes activamente a constroem. Saperas (1993: 139) defendeu o estudo da notícia como forma de construção da realidade social como “uma clara e eficaz possibilidade para se introduzir uma nova perspectiva no estudo da profissão jornalística”Assim, elementos como sejam o reconhecimento da dimensão cognitiva, o estudo da objectividade do real e da problemática levantada pela narração da mesma bem como da capacidade de selecção exercida pelo profissional da informação constituem, no âmbito das organizações emissoras, os elementos centrais que, para este autor, motivaram o interesse ela aplicação da sociofenomenologia ao estudo da actividade comunicativa. Altheide (1985: 10) identificou uma linha de investigação desenvolvida sob a 7

influência do interaccionismo simbólico, da fenomenologia e da etnometodologia que enfatiza como o mundo social é construído (e reificado)2 através da comunicação. Assim, a sua concepção evoluiu claramente no sentido de considerar a sociedade como atravessada por uma lógica mediática, num processo em que se atribui especial relevância aos vários media e aos seus formatos. Se em séculos anteriores os media reflectiam a força das instituições dominantes, na era moderna “são a força dominante à qual outras instituições se conformam” (Altheide e Snow, 1979 citado em Hakett, 1993: 1089. Da mesma forma, Tuchman (1978: 184) acredita que as notícias não espelham a sociedade mas, antes, “ajudam a defini-la como um fenómenos social partilhado, dado que no processo de descrição de um acontecimento, definem e moldam esse acontecimento”. Molotch e Lester (1993: 40) repudiam explicitamente a concepção dos jornalistas como “repórteres-reflectores de uma realidade objectiva, de acontecimentos reconhecidamente importantes no mundo” e consideram que “acontecimentos são aquilo a que prestamos atenção”. Assim, afirmam explicitamente que “nosso conceito não é um número finito de coisas que «realmente aconteceram lá fora» e da qual se faz a selecção”(Idem, p.35). Assim, “nós vemos os media a reflectirem não um mundo exterior mas as práticas daqueles que têm o poder de determinar a vivência dos outros”. Logo, na abordagem dos meios de comunicação de massa não se procura a realidade “mas os propósitos que estão subjacentes às estratégias de criação de uma realidade em vez de outra”(Idem, p. 50). Do mesmo modo, Hall (1982 citado por Hackett, 1993: 109): considera que a realidade não pode ser entendida como uma dada série de factos: “Os mass media definem, não se limitando a reproduzir, «a realidade». As definições de realidade eram sustentadas e produzidas através de todas aquelas práticas linguísticas (em sentido lato) por meio das quais as definições selectivas do «real» eram representadas. Isso implica o trabalho activo de seleccionar, apresentar, de estruturar e dar forma: não apenas a transmissão de um significado já existente, mas o trabalho mais activo de dar significado 2

Apesar da palavra reificatio não aparecer em qualquer dicionário latino, deriva da contracção dos termos res e facere e pode ser definida pela transformação física ou mental de algo numa “coisa”, que originalmente não era, ou seja, a tendência a objectificar o que é dinâmico. Em suma, pode referir-se a «um tornar-se coisa» de algo que não é, por direito, uma coisa. Consiste, pois, em atribuir ilegitimamente uma facticidade, uma fixidez, uma externalidade, uma objectividade, uma despersonalização, uma naturalidade, em suma, uma «coisicidade» ontológica julgada inapropriada (Vanderberghe, vol. I, 1997: 25-28). Nesse sentido, a alusão à reificação do mundo social pela comunicação significará que este é apresentado de um modo inquestionado e evidente, ignorando-se as dinâmicas sociais e culturais bem como a participação dos agentes sociais que deram origem à sua constituição.

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às coisas”. Finalmente, para Benett (cit. in Hackett, 1993: 109-110) urge “eliminar fundamentalmente a distinção entre o domínio da realidade social e o domínio das representações, um ponto que se aplica não só aos media mas também à linguagem. A significação é um processo activo que se constrói activamente, não se limitando a reflectir uma realidade pré-existente”. No jornalismo, haverá, assim, que ter em conta que um acontecimento não é uma realidade objectiva e exterior e alheia ao sujeito que o percebe. A realidade não pode ser completamente desligada do modo como os actores a interpretam, interiorizam, reelaboram e definem histórica e culturalmente. Mesmo que se dê a percepção directa do facto por um jornalista, “este siempre está interpretando la realidad de acuerdo con su enciclopedia” (Rodrigo Alsína, 1996: 17). O mesmo é dizer, de acordo, com o seu acervo de conhecimentos socialmente adquiridos, isto é o corpo de conhecimento socialmente partilhados que adquire no decurso da sua experiência quotidiana.3 Desta forma, “no ritual de passagem do facto à notícia engendra-se uma nova realidade que, correspondendo a novas representações, serve para enfeitiçar a realidade original” (Oliveira da Silva, 1998: 14). Na verdade, o mundo relatado na notícia é fruto de actividades de categorização e não de um simples acto de nomeação da realidade como se ela estivesse pronta para ser designada. O relato jornalístico não é um acto de descrever ou dizer de forma directa, determinada e precisa um facto empírico acontecido no mundo exterior, mas é um acto de apresentação de uma realidade que se constitui inclusive com a participação activa do leitor (cf. Oliveira da Silva, 2006: 8). É evidente, assim, que a partir da selecção de aquilo que se considera como facto, toda a organização discursiva da notícia implica um amplo manancial de estratégias enunciativas que produzem o enunciado noticioso num contexto de manipulações, limitações e constrangimentos cognitivos, ideológicos, organizacionais e outros, incluindo a própria evidência da organização dos significados inerentes a qualquer acto de enunciação: se aquilo que se designa por construção da realidade e por construção de significado começou mal se destacou uma certa parte do mundo, as diferentes tonalidades que o quadro simbólico (frame) aplicado ao evento pode adquirir continuam a desenvolver-se ao longo da concepção do texto, das expectativas da suas recepção, etc. Assim, toda a construção de um significado objectivo (tal como a produção de uma

Note-se que o termo “acervo de conhecimento socialmente adquirido “ tal como aqui se utiliza deve considerável influência à obra de Schutz. Refere-se a um reportório de conhecimentos disponíveis cuja origem é fundamentalmente social. 3

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notícia) é um processo histórico, social e cultural que resultou da intervenção de protagonistas da realidade social que nele participaram e de processos cognitivos que estão associados a dinâmicas sociais e culturais. Algumas das questões que se evidenciam quando se aborda esta problemática são as seguintes: Quais são as dinâmicas e interacções que têm lugar no campo jornalístico que originam uma certa relação com a realidade? Quais os esquemas cognitivos que são postos em jogo para estabelecer uma certa regularidade na multiplicidade de acontecimentos que se verificam na experiência de um mundo em mudança? Como é que os jornalistas abordam a realidade, de forma a construírem um significado comum partilhado por todos? Qual o impacto destes esquemas e destes dinâmicas no processo que se designa genericamente como construção social da realidade? Para responder a estas questões sugere-se desenvolver o seguinte percurso: a) aprofundar uma visão construtivista da notícia, recorrendo a fundamentos sociofenomenológicos, seguindo um caminho que tem a sua origem em Alfred Schutz, Peter Berger e Thomas Luckmann, mas que prosseguiu contemporaneamente, ecoando de forma mais ou menos directa em muitos trabalhos significativos para os estudos jornalísticos; b) identificar, recorrendo prioritariamente a esta teoria, as práticas sociais, cognitivas e discursivas que, no jornalismo, contribuem para a construção social da realidade e para a ordenação significativa do mundo. Neste percurso, recorre-se a alguns contributos teóricos para uma leitura dos efeitos das notícias na construção social da realidade, usando, na esteira de alguns desenvolvimentos já previamente efectuados, os conceitos de «mundo da vida», «reflexividade e indexicalidade», «atitude natural», «tipificação» e «enquadramento», todos provenientes da sociofenomenologia ou de alguns desenvolvimentos teóricos por ela fundados ou directamente influenciados. Fazem-se algumas alusões aos conceitos de “ideologia” e de “hegemonia” aflorando eventuais pontes entre uma perspectiva sociofenomenológica e uma leitura crítica da realidade mediática. Julga-se possível com esta abordagem introduzir alguns elementos que tornam possível o objectiva de superar, ao menos parcialmente, a dicotomia entre as visões que assumem uma orientação mais influenciada pela sociofenomenologia e pelo interaccionismo e as visões que assumem uma orientação de pendor mais estruturalista. Com efeito, a abordagem dos estudos culturais, donde provêm alguns dos elementos teóricos que fundamentam a segunda abordagem (mais estruturalista), dispõe de uma intencionalidade crítica que lhe permite estar atenta aos fenómenos que se traduzem, no campo da notícia, na relação entre os 1 0

jornalistas e os agentes sociais titulares de poder, bem como ao papel que estes podem ter na sintonia entre os valores noticiosos e a consolidação dos valores ideológicos dominantes. Por sua vez, uma abordagem de outro tipo, mais interaccionista, atravessada pela influência teórica sociofenomenológica através das obras de Schutz, Berger e de Luckmann, pode introduzir uma maior atenção a factores especificamente relacionados com os processo de construção do conhecimento na vida quotidiana, relacionando tais processo com as práticas de representação e categorização dos acontecimentos pelos agentes sociais directamente envolvidos, isto é, no caso, os jornalistas. Este percurso não impede aliás, a existência de matizes entre as duas perspectivas teóricas que adiante aprofundaremos. Assim, Tuchman, influenciada pela sociologia do conhecimento, pela perspectiva etnometodológica e sociofenomenológica, não descura os elementos relacionados com a estratificação do acesso e do poder. Paralelamente, Stuart Hall, não descura a importância da codificação levada a efeito pelos profissionais de Comunicação, a qual implica a intervenção de competências técnicas, ideologias profissionais, conhecimento institucional, presunções sobre a audiência, etc. (cf. Stuart Hall, 2001, pp. 51-61). Finalmente, van Dijk num conjunto de estudos mais recentes tem vindo a ultrapassar as questões associadas a esta dicotomia chamando a atenção para a dimensão cognitiva do processo ideológico.

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II

Comunicação e Sociedade A sociofenomenologia é uma corrente que se iniciou nos trabalhos de Alfred Schutz e prosseguiu nas obras de Berger, Luckman, reflectindo-se de modo decisivo no trabalho de Goffman (1986) e na Etnometodologia de Garfinkel (1967) e Cicourel (1973). Reflectiu-se também de fora muito explícita nos trabalhos sobre jornalismo ao nível da obra de David Altheide (1976; 1985) Tuchman (1978), Richard Ericson, Patrícia Baranek e Janet Chan (1987), sendo também visível nas obras dos catalães Enric Saperas (1993) e Rodrigo Alsina (1996), em Espanha, ou Eduardo Medistch (2002) no Brasil, para citar apenas alguns dos frequentemente referidos na Bibliografia de língua portuguesa. Pode-se assegurar, pois, a existência de uma produção ensaística em que a influência sociofenomenológica se faz sentir de modo mais ou menos acentuado. A sociofenomenologia parte da ideia fundamental que a realidade é um fenómeno socialmente construído e intersubjectivamente partilhado. As pessoas agem baseadas nos significados que as pessoas e os acontecimentos têm para elas, significados estes que fundam a sua natureza objectiva e partilhada na comunicação. A análise sociofenomenológica procura descrever como a realidade social, intersubjectiva e partilhada, é percebida e definida pelos membros da sociedade no decurso das suas vidas quotidianas. No centro da teoria sociofenomenológica encontra-se o conceito de mundo da vida quotidiana. O mundo da vida é “um mundo intersubjectivo comum a todos nós, no qual não temos um interesse teórico mas um interesse eminentemente prático” (Schutz, 1978: 73). É o mundo “em que nos encontramos em cada momento da nossa vida, tomado exactamente como se apresenta a nós na nossa experiência quotidiana” (Gurwitsch, 1975 b: xi). Este mundo da experiência apresenta-se como uma contínua partilha de significados, naturalizando-se como sendo a realidade, graças à suspensão dos seus processos de constituição (cf. Ponte, 2004: 58). Isto é, os agentes sociais dispensam conhecer o modo como o mundo da vida se constitui como realidade, limitando-se a aceita-lo como tal. Enquanto a fenomenologia nos transmitiu o conceito de époché 1 2

fenomenológica como a suspensão da crença na realidade do mundo, o homem, no mundo da vida, assume uma atitude natural, que, contrariamente à époché fenomenológica, não suspende a crença no mundo exterior e nos seus objectos: o que é colocado entre parênteses é a dúvida de que o mundo e os seus objectos possam ser diferentes de como aparecem. Schutz propõe chamar a este tipo particular de époché a époché da atitude natural. “Pode-se arriscar a sugestão de que o homem no mundo da atitude natural também usa uma époché, obviamente diferente da do fenomenólogo. Ele não suspende a crença no mundo exterior e nos seus objectos, pelo contrário, suspende a dúvida na sua existência. O que ele põe entre parênteses é a dúvida de que o mundo e os seus objectos possam ser outra coisa diferente daquilo que lhe aparece” (Schutz, 1962: 229). Um elemento fundamental da abordagem sociofenomenológica é a sua insistência na comunicação enquanto elemento que constitui, estrutura e torna possível a própria sociabilidade quotidiana. O mundo da vida é um mundo de evidências e de significados comuns intersubjectivamente partilhados. É a comunicação que torna possível a estruturação de contextos de significado objectivos e independentes da experiência subjectiva dos vários agentes sociais. Alfred Schutz interroga-se, a propósito: “como é que as múltiplas interpretações particulares que compõem a concepção natural do mundo, em qualquer comunidade natural, convergem para uma visão comum?” (Schuz, 1975: 99). Como se constrói uma realidade social coerente a partir de um universo plural, onde convivem diversos sub-universos de significado e sujeitos que se relacionam com o mundo a partir de experiências, situações biográficas e relações com a realidade fundamentalmente diferentes? Globalmente, este é o problema maior que a constituição de uma sociabilidade comum implica. Tal problema, no plano da investigação empreendida por Schutz, integra o conceito de transcendência, a qual ganha um significado particular: “Tudo o que se apresenta a uma pessoa como lhe sendo alheio, como não sendo parte de si, deve ser visto como uma realidade que a transcende (cf. Schutz & Luckmann: 1989: 103). Deste modo, “o conteúdo fundamental da transcendência funda-se na distinção construída na experiência entre o que nos é próprio e o que é Outro” (Schutz & Luckmann, 1989: 103). Schutz e Luckmann referem, a propósito, a existência de pequenas, médias e grandes transcendências. As primeiras dizem sobretudo à experiência das fronteiras de natureza espácio-temporal. As segundas dizem, especialmente, respeito ao entendimento com Outrem: por muito que estejamos 1 3

próximos, o mundo de Outrem transcende o meu a não ser que nos transformássemos numa e na mesma pessoa. As grandes transcendências parecem sobretudo dizer respeito a formas mais ou menos extremas de experiência estranhas à «normalidade» da vida quotidiana: a contemplação teorética, o sonho, o êxtase, a experiência mística, a experiência religiosa, entre outras (cf. Schutz & Luckmann, 1989: 120-126). Em face de todas estas experiências da transcendência que ultrapassam o meu posicionamento espácio-temporal imediato, só nos podemos referir a um mundo como «nosso» porque existe comunicação. É graças à comunicação que posso olhar para o mundo de um modo em que este se apresenta a si próprio como completo, constituído e tido-por-adquirido (taken-for-granted) (cf. Schutz, 1967: 3). O resultado da tese schutziana é que a intersubjectividade é a génese do significado comum dos actos sociais. A ordem social, a construção de uma certa regularidade em torno de significados tidos por adquiridos implica que exista um entendimento mínimo em que todos os actores possam criar uma disposição comum para perceberem os significados de uma maneira relativamente idêntica a fim de tornar possível a sua partilha. A comunicação possibilita a constituição de universos de significado comuns onde é possível compreender e ser compreendido graças a um processo de geração recíproca de expectativas no decurso da qual se constrói uma ideia partilhada de realidade social. O mundo da vida Schutziano é, assim, um mundo de significados intersubjectivamente partilhados, na base dos quais se funda, através da comunicação, a sua objectividade. A comunicação na vida quotidiana é assegurada, em larga medida, pela linguagem: é através desta – enquanto elemento fundamental da socialização – que apreendemos o mundo de forma pré-ordenada, partilhamos a nossa experiência de relação com o mundo e adquirimos capacidade própria de interferir no ordenamento de sentido do mundo. A linguagem estabelece a experiência significante do “aqui e agora” da realidade quotidiana mas permite aceder a outras transcendências, sejam elas a subjectividade de outrem ou

outros universos de representação simbólica que

ultrapassam a vida quotidiana. Desenvolveu-se, deste modo, possível abordagem frequentemente presente em muitos dos trabalhos por nós apresentados segundo a qual a “força dos media reside na sua capacidade de re-territorializar as culturas e os consumos, as mensagens e as referências, conferindo-lhe um cunho de quotidianeidade, e naturalidade. Sob o ponto de vista temático, os media lidam com realidades múltiplas ao suscitarem a interacção entre o dia a dia e outros campos de significado finitos. Na síntese do quotidiano, procede-se a 1 4

uma descontextualização de imagens que ajudam a formar e a transformar a percepção quotidiana das sociedades. De um certo modo, reduz-se a possibilidade dos acontecimentos mas simultaneamente abrem-se espaços que alargam os horizontes do quotidiano” (ver Correia, 2006). No mesmo sentido, Eduardo Medistch, escreve quando procede à delimitação entre jornalismo e ciência: “É o facto de operar no campo lógico da realidade dominante que assegura ao modo de conhecimento do jornalismo tanto a sua fragilidade quanto a sua força enquanto argumentação. É frágil enquanto método analítico, uma vez que não se pode descolar de noções pré-teóricas para representar a realidade. É forte na medida em que essas mesmas noções pré-teóricas orientam o princípio da realidade do seu público, nele incluindo cientistas e filósofos quando retomam à vida quotidiana vinda de seus campos finitos de significação. Em consequência, o jornalismo será forçosamente menos rigoroso do que qualquer ciência formal, mas em compensação também será menos formal e esotérico ” (Meditsch, 2002: p. 15). O jornalismo surge, nesta reflexão, como um espaço de sintonia com a linguagem quotidiana que permite relacionar o mundo da vida com múltiplas províncias de significação. Ao fazê-lo contribui para superar a experiência de estranheza que acompanha o contacto com as referidas transcendências. Simultaneamente, abre o espaço da quotidianeidade a uma visão que vai além dela própria.

Tipificação e atitude natural

As

noções

de

tipificação

e

de

atitude

natural

desenvolvidas

pela

sociofenomenologia encontram-se entre aquelas que de modo mais profícuo e persistente originaram conclusões no campo dos estudos jornalísticos. O estilo cognitivo do mundo na vida quotidiana é a atitude natural a qual evoca um interesse pelo mundo de natureza pragmática e utilitária (cf. Schutz, 1976: 72). A atitude natural trabalha com a "certeza" dos agentes, operando pragmaticamente na relação com o mundo social. É caracterizada por um realismo em que o indivíduo se encontra diante do objecto sem se interrogar e aceitando-o na sua evidência. Supõe, em suma, uma premissa de confiança na permanência das estruturas do mundo. Confia-se em que o mundo tal como tem sido conhecido permanecerá e que o acervo de conhecimentos obtidos formado pela experiência continuará a preservar a sua validade fundamental (cf. Schutz e Luckmann, 1973:7). Tal implica um padrão organizado de rotina apreendido a 1 5

partir do conhecimento de “receitas” e comportamentos típicos (Schutz, 1975 b: 94-95). Schutz refere-se, a propósito, a esquemas interpretativos que são organizados de acordo com as experiências do nosso passado que se apresentam em configurações de sentido do tipo “o que já se sabe”. (cfr. Schutz, 1967: 84). Estas idealizações fornecem quadros típicos que estruturam uma familiaridade típica geral. Na tipificação “o contexto de significado subjectivo, como instrumento foi abandonado. Foi substituído por uma série de contextos de significado objectivos, altamente complexos e interrelacionados de modo sistemático. Como resultado disso, dá-se o anonimato do contemporâneo, na proporção directa do número e da complexidade desse contexto de significado (…) Tal síntese de reconhecimento não apreende a pessoa única conforme ela existe dentro do seu presente vivo. Ao contrário, figura-a como sempre a mesma e homogénea, sem levar em conta todas as mudanças e todos os contornos definidos que fazem parte da individualidade.” ( Schutz, 1967: 184). Na relação com o mundo da vida social, usa-se, assim um esquema cognitivo denominado de tipificação, entendida como uma classificação em que são tidas em conta certas características básicas para a solução das tarefas práticas que se apresentam aos actores. A percepção própria do senso comum é efectuada com base em tipos. As tipificações fazem parte das antecipações e planeamentos que se empreendem na vida quotidiana porque implicam um certo estilo que Schutz classifica de “pensar como sempre.” São esquemas cognitivos que dependem de dois tipos de idealizações: “a de que o que assim foi, assim será” e a de que “posso fazer isso de novo.” Ou seja, em face de cada nova situação, o actor agirá do mesmo modo partindo do princípio de que as coisas se apresentarão idênticas àquelas que se apresentaram da última vez e que, do mesmo modo, os efeitos obtidos por acções idênticas serão, também eles, idênticos. Na tipificação, os objectos do mundo social estão, desta forma, constituídos dentro de um marco de familiaridade e de reconhecimento proporcionado por um reportório de conhecimentos disponíveis cuja origem é fundamentalmente social e a que habitualmente Schutz chamou de depósito de conhecimentos disponíveis. No mundo da vida quotidiana, ao nível do senso comum as pessoas aceitam as tipificações como um recurso para evitar a incerteza. Este tipo de conhecimento é formado por receitas fundadas na experiência para “interpretar o mundo social e para lidar com pessoas e coisas, de forma a obter em cada situação, os melhores resultados 1 6

possíveis com o mínimo esforço, evitando consequências indesejáveis.” (Schutz, 1967: 83). Nesta disposição, agir racionalmente, envolve frequentemente aplicações mecânicas de precedentes.

Da tipificação ao frame

A tipificação é uma das várias fontes teóricas que confluem na ideia de enquadramento: uma generalização que nos permite classificar e categorizar. O conceito de frame chega à análise da interacção quotidiana através de Goffman para depois assumir uma dimensão central no estudo das notícias em diversos autores. Todavia, a referência ao framing como um modo de abordagem teórica merece a reserva de que nos encontramos mais diante de um programa de pesquisa teoricamente diversificado do que diante de um paradigma unificado e consistente. A pesquisa identifica no conceito de realidades múltiplas um caminho possível para o conceito de frame. Schutz sustenta que há várias províncias de significado finitas com seu estilo cognitivo próprio (cf. Schutz, 1962: 208-259). Quando permanecemos atentos a esses mundos (por exemplo, quando fazemos de conta ou desempenhamos um papel), cada um deles permanece real. Mas quando deixarmos de lhe prestar atenção, a sua realidade esvanece-se. Segundo este ponto de vista haverá várias, provavelmente infinitas ordens de realidade que a qualquer dado momento têm um especial estilo de ser que é característico apenas de si própria. ”A origem de toda a realidade prática ou absoluta somos nós mesmos. Consequentemente, existem, provavelmente, um infinito número de várias ordens da realidade, cada uma das quais com o seu estilo de existência pessoal e separado, chamadas por James de sub-universos. Entre elas contam-se o mundo dos sentidos ou das coisas físicas tal como são experimentadas pelo senso comum; o mundo da ciência; o mundo das relações ideais, o mundo dos “ídolos da tribo”; os mundos sobrenaturais como o céu e o inferno cristãos; os numerosos mundos da opinião individual; e, finalmente, os mundos da alegre loucura, também infinitamente vários” (Schutz, 1962: 204).

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A concepção de realidades múltiplas aparece profundamente associada aos diferentes modos que pode tomar a relação entre consciência e mundo e os diferentes modos de experiência humana que caracteriza a presença no mundo. Com efeito o estilo cognitivo que acompanha cada província de significado finito é sempre fundado numa tensão específica da consciência. Tal estilo cognitivo implica formas dominantes de espontaneidade (menor no caso do sono e maior na atitude quotidiana e na atitude científica), épochés específicas, formas específicas de sociabilidade, formas específicas de se experimentar a si próprio (que podem variar, nomeadamente, consoante os papéis desempenhados) e perspectivas do tempo específicas (Schutz &Luckmann, 1973: 27-28). A noção cognitiva de frame (quadro) surge geralmente como um conjunto de pressuposições e critérios avaliativos, dentro dos quais a avaliação pessoal de um determinado assunto se processa. Quando Schutz se refere a um esquema de interpretação prevalecente que permite diferenciar uma província de significado finito de outra, esse esquema predominante delimita o que pertence ao interior e ao exterior de cada uma dessas províncias: isto é o que pode ser considerado falso ou verdadeiro dentro delas também depende do esquema organizador de cada uma das províncias e dos princípios que permitem a definição de uma determinada experiência social. Esse esquema com que se delimita uma província de significado finito, o conjunto de premissas assumidas que permitem constitui-la dizendo quais as regras que funcionam para a sua delimitação e o que pode ou não fazer parte dessa província de significado finito, viria a ser verbalizado de forma mais explicita na frame analysis, tal como seria detalhadamente trabalhada por Goffman. Para além desta matriz fenomenológica, a noção de enquadramento foi objecto da curiosidade de numerosas disciplinas que, sem abordar directamente o tema, trabalharam noções afins que permitem esclarecer o conceito de frame. Na Teoria da Comunicação e na Antropologia, surgiram abordagens sobre a ideia de frame, com Gregory Bateson e Ervin Goffman (cf. Bateson, 2000; cf. Goffman, 1986) Para Erving Goffman, os frames são construções mentais que permitem aos seus utilizadores localizar, perceber, identificar e catalogar um número infinito de ocorrências concretas (Goffman, 1986: 21). Assim, são, mais ou menos, elementos básicos que governam os acontecimentos sociais e o nosso envolvimento subjectivo neles. (cf.

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Goffman, 1986: 10). O significado de muitas situações verificadas na actividade quotidiana depende de um conjunto finito e fechado de regras que se designa por frame. Tentamos perceber os eventos e situações com enquadramentos que nos permitam responder à pergunta: “o que é que está a acontecer aqui?” (cf. Porto, 2004: 78). Assim frames seriam os princípios básicos de organização que orientam os eventos (Goffman, 1986: 11). São afinal esquemas de interpretação graças aos quais determinados acontecimentos aos quais prestamos atenção são tornados visíveis e organizados.

III Jornalismo e objectivação do significado

Depois da reavaliação produzida ao longos dos anos 60 e 70 relativa à teoria dos efeitos limitados e que percorre quer a pesquisa empírica americana quer a teoria crítica europeia (cf. Saperas, 1993: 25), concluiu-se que a suposta impotência dos meios de comunicação se traduzia afinal num erro fundamental que consistia em ver estes efeitos apenas sobre o ponto de vista da sua capacidade persuasiva a curto prazo. Observou-se a existência de um conjunto de efeitos que não podiam ser avaliados enquanto integrados nos processos de persuasão, mas que são decisivos ao nível da distribuição do conhecimento e da construção social da realidade. Nessa medida, tomou-se por adquirido que os media influem decisivamente nos “processos pelos quais qualquer corpo de conhecimentos chega a ser estabelecido como realidade” (Berger e Luckmann, 1973: 1314). Desta forma, os media surgem inseridos numa rede complexa de relações institucionais, actuando como construtores da realidade social, na medida em que tornam visíveis e enquadram um conjunto de matérias que passam a ser socialmente partilhadas (cf. Penedo, 2003: 28). Se a comunicação é determinante para a percepção da intersubjectividade do mundo da vida, então a construção social da realidade é um processo simbólico, o que, num universo mediatizado, se torna ainda mais evidente. Os seres humanos agem cada vez mais em relação à realidade com base no significado que lhe atribuem. A atribuição pública de significado provém, hoje em dia, em grande parte, de processos levados a efeito pelos media. Os processos de mediação permitem a ultrapassagem das diversas subjectividades individuais e das diferentes formas de transcendência, orientando os actores sociais na constituição da experiência comum e partilhada que temos do mundo.

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Os acontecimentos são conhecidos graças ao mass media e constroem-se na prática discursiva por eles

desenvolvida. A constituição de significados

objectivos

intersubjectivamente partilhados – um elemento central da análise sociofenomenológica – só pode ser explicada cabalmente nas sociedades contemporâneas se tivermos em conta os processos de mediação institucionalizada desempenhados pelo jornalismo enquanto instituição social. Reconhecendo a natureza essencialmente fragmentada da experiência quotidiana, o jornalismo desempenha um papel ainda mais importante: à medida que as sociedades modernas ficam mais marcadas pelo pluralismo, mais os media têm que atender a um domínio cada vez mais vasto de subsistemas. A organização noticiosa é uma instituição que permite a obtenção, armazenamento e disseminação dos mais variados tipos de informação de centenas, senão milhares de formações sociais e culturais (cf. Ericson, Baranek e Chan, 1987: 15). A intersubjectividade, na qual se encontra a génese do sentido comum dos actos sociais exige, na sociedade contemporânea, o reconhecimento da acção dos media. Neste sentido, o processo de construção da realidade passa, em larga medida, pela prática produtiva desenvolvida pelo jornalismo (cf. Rodrigo Alsina, 1996: 30). A imagem que os media constroem da realidade é resultado de uma actividade profissional de mediação praticada por uma organização que se dedica basicamente a interpretar a realidade social. A actividade jornalística é uma acção orientada para a construção da realidade social, a qual se objectiva através de práticas quotidianas de representação do acontecido. Nesta perspectiva, a construção social, no sector da investigação mediática, é a produção de sentido através da acção das práticas produtivas e das rotinas que organizam a profissão jornalística (cf. Saperas, 1993: 139-140). A profissão jornalística define-se como uma actividade especializada na construção da realidade social: “Aquilo que é próprio do profissional de comunicação é o papel socialmente legitimado e institucionalizado – por competências reconhecidas e reconhecíveis no interior de aparelhos produtivos especializados – para construir a realidade social enquanto realidade pública e colectivamente relevante” (Grossi citado por Saperas, 1993: 145). A construção da realidade social própria do jornalismo é uma construção de segunda ordem, uma segunda e ulterior construção da realidade que emerge das práticas institucionais jornalísticas e se agrega às outras, integrando-as em função de uma referencialidade pública e colectiva (cf. Grossi cit. in Saperas, 1993: 147). Assim, “os

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jornalistas são, como todas as pessoas, construtores da realidade que os rodeia. Porém, além do mais dão forma narrativa a essa realidade e difundem-na, convertendo-a em realidade pública” (Rodrigo Alsina, 1996: 15). A especificidade da construção social realizada pelos media reside em reordenar, redefinir e reconstruir em função da dimensão pública e colectiva da informação de massas uma determinada realidade que já se apresenta já objectiva, definida e construída de modo individual ou colectivo noutras instâncias sociais. A mediação institucionalizada de conhecimentos, levada a efeito pelos media faz chegar às audiências dados sobre o mundo – dados estes dos quais não dispõem de experiência directa – ao mesmo tempo que fornece mapas de significado que permitem a interpretação desses dados (cf. Penedo, 2003: 38). Os media noticiosos dispõem de um leque amplo de experiências que são definidas de acordo com uma lógica institucional, organizativa e profissional que lhes é própria. O incansável processo de objectivação da experiência efectuada pela linguagem dos media (nomeadamente a objectivação da experiência alheia, daquilo que é potencialmente distinto daquilo a que se acede na experiência pessoal e individual) reordena, reconfigura e transmite o acervo de conhecimentos socialmente disponíveis, multiplicando o conjunto de experiências e de conhecimentos que são inseridos na realidade quotidiana intersubjectiva e socialmente partilhada (cf. Altheide, 1985: 139). Logo, a percepção da vida quotidiana passa pela comunicação mediática a qual ajuda o conhecimento que os actores sociais têm do seu mundo partilhado.

Profissionalismo Jornalístico e Atitude Natural

O jornalismo é insistentemente objecto de problematização porque reproduz traços que podem ser associados à atitude natural. Na sua pratica quotidiana, a linguagem jornalística adopta frequentemente uma intencionalidade pragmática, prescindindo da abstracção e da reflexão, especialmente quando se concentra na descrição dos factos em detrimento absoluto da interpretação e da análise, A atitude predominantemente do jornalismo na sua relação com a realidade e com o conhecimento não é uma atitude reflexiva mas antes eminentemente prática: “Como forma de conhecimento as notícias não são teóricas, no sentido em que não são nem formais, nem sistemáticas nem abstractas” (Phillips, 1993: 328) Na sua socialização 2 1

profissional, o jornalista aprende o que Denis McQuail chama de “teoria da operatividade”, referindo-se ao conjunto de ideias “que sustêm os profissionais de comunicação acerca dos objectivos e natureza do seu trabalho e acerca de como obter determinados efeitos”(McQuail, 1985:18-19). Vê-se confrontado com perguntas como sejam “do que é que o público gostará?”, “que será eficaz?”, “o que tem interesse jornalístico?”(McQuail, 1985:18-19). Os jornalistas prescindem de uma atitude teorética para afirmarem, em seu lugar uma postura pragmática que opera, por razões profissionais, de acordo com algumas evidências adquiridas, práticas organizacionais burocratizadas, rotinas solidificadas pela experiência e necessidade de organizar o mundo de acordo com necessidades espaciais e temporais. Esta concepção remete-nos para a distinção entre “Knowledge About” e “Knowledge of”. Enquanto o primeiro se define como “formal e analítico, sistemático e científico, cumulativo e exaustivo”, o segundo, de que faz parte a notícia, define-se como “não sistemático, fragmentado e enraizado no senso comum partilhado por uma comunidade”(Saperas, 1993: 23). O segundo parece, de certa forma, ligado ao instinto e à intuição (Berganza, 2000: 360). O jornalista é, potencialmente caracterizado por um interesse eminentemente prático, e pela suspensão da dúvida na realidade e na permanência do mundo percepcionado. As notícias são um conhecimento em primeiramão, mais instintivo e baseado na familiaridade do que o conhecimento científico (cf. Phillips, 1993: 328). Assim, enquanto a ciência pode ser traduzida em linguagem comum, o jornalismo é conhecimento imediatamente formatado como linguagem comum. Enquanto um cientista – mesmo aquele que trabalha com a realidade social como o sociólogo – é um pensador que pode propor os problemas epistemológicos do seu próprio trabalho, o jornalista é um homem de acção: “deve produzir um discurso com as limitações do sistema produtivo no qual está inserido” (cf. Rodrigo Alsina, 2006, p. 38). Como recorda Tuchman “ao contrário dos cientistas sociais, os jornalistas têm um reportório limitado com o qual definem e defendem a sua objectividade (...) o cientista social é um “pensador”; o jornalista, “um homem de acção”(...) o cientista social tem que ocupar-se da análise epistemológica reflexiva(...); o jornalista não (....). O processamento das notícias não deixa tempo disponível para ma análise reflexiva” (Tuchman, 1993: 76). Um dos elementos que pode decorrer desta «epistemologia do concreto» é a sua focalização em elementos isolados, por exemplo acontecimentos discretos, em detrimento de temas marcados pela continuidade. Graças a este imperativo pragmático, os jornalistas funcionam como “bricoleurs” que apreendem a realidade em pequenos 2 2

mosaicos, com recurso a saberes práticos, em contradição com os teóricos que se debruçam sobre as grandes regularidades, procurando discernir causas e efeitos (cf. Phillips, 1993: 329). Tal como quais quaisquer outros agentes sociais que, na sua relação com a vida de todos os dias, recorrem a uma atitude pragmática e utilitária, o jornalista, desafiado pelo fluxo dos acontecimentos aos quais é obrigado a conferir sentido, também é chamado a aplicar uma lógica do concreto, a agir e a pensar de modo instintivo e decidido, descurando a reflexão ou o recurso ao conceito em detrimento da atenção ao pormenor. A estrutura noticiosa é relacionada com a apresentação de factos discretos e descontextualizados marginalizando elementos da realidade social que não caibam num esquema linear de princípio, meio e fim. Prefere-se um acontecimento cujo princípio, meio e fim sejam susceptíveis de serem narrados do que um “assunto” que implica considerações de natureza analítica e conceptual, eventualmente tidas por abstractas. “Isso é precisamente o métier do jornalista – aprender a realidade em pequenos pedaços” (Phillips, 1993: 329). Assim, a bem conhecida preferência por uma acção ou acontecimento simples de descrever ou de visualizar significa que a cobertura de alguns fenómenos colectivos de natureza conflitual – um motim, por exemplo – se traduz muito provavelmente por enfatizar a sua violência em detrimento das causas e de outras informações de natureza substantiva relativas ao pano de fundo que o acontecimento se desenvolve (cf. Hartmann and Husband 1973: 274). Com efeito, as rotinas do trabalho jornalístico “estão mais orientadas para a cobertura e tratamento do que é pontual e episódico, do que para o que se processa ao longo do tempo” (Correia, 1997: 147). Deste modo, “as poucas tentativas para descrever um tema com mais aprofundamento são geralmente desprovidas de sistematicidade e pouco incisivas (...) Aquilo que geralmente é transmitido ao público é a localização dos acontecimentos, os indivíduos que nele estão envolvidos e pormenores como as designações geográficas, os nomes das personagens públicas, de indústrias, etc. Com frequência, estes elementos ocupam automaticamente o primeiro lugar na memória dos destinatários, enquanto as causas dos acontecimentos permanecem em fundo. O que daí resulta é uma memória fragmentada, cheia de pormenores isolados e a que falta o contexto” (Findhal e Hoijer cit. in Wolf, 1987: 171). As notícias são uma forma de comunicação que encoraja o que Barthes classificou como a “miraculosa evaporação da história” dos acontecimentos”. Quando transmitidos como notícias, os acontecimentos tendem a ser despojados do contexto histórico que lhes dá significado. O tempo do trabalho noticioso, incluindo cobrir uma história diferente cada dia, impõe um ênfase nos 2 3

acontecimentos e não nos grandes temas. Os temas exigem explicações analíticas do mundo quotidiano enquanto experiência socialmente estruturada. Temas como “o racismo” ou o “sexismo” implicam uma descrição de processos sociais que envolvem relações entre instituições e problemas sociais enquanto o trabalho jornalístico enfatiza o individual, o acontecimento discreto susceptível de ser descrito em termos de princípio, meio e fim (cf. Tuchman, 1978: 134). Um elemento que pode resultar desta atitude natural é, no limite, a simplificação: a notícia tem que ser facilmente assimilada e facilmente compreendida por leitores com competências muito diversificadas. A simplificação responde como uma adaptação às necessidades percebidas da audiência que tendem a estabelecer dicotomias sobre a realidade, facilitando a apresentação dos acontecimentos de um modo dramático e personalizado. Graças à sua identificação com o sentido popular, o jornalista esforça-se por identificar quais os temas, pessoas e interesses que se revelam mais apelativos para os consumidores de informação (Dader, 1983: 154). Simultaneamente, tenta descobrir as formas de tornar a sua mensagem mais acessível, mais conforme às próprias competências linguísticas e culturais dos membros da audiência, que funcionariam como menor denominador comum. Nesta perspectiva, vale a pena recordar uma descrição (crítica) do estilo jornalístico: “o produtor de informação (...) suprimirá todos os dados susceptíveis de desviar o futuro leitor dos elementos narrativos «essenciais». Mas, melhor e mais importante, preferirá os sinónimos com menor número de caracteres, reduzirá o seu vocabulário às significações de base da sua língua materna (...), abolirá do seu texto toda a polissemia, preferirá o ponto final e a vírgula a formas mais complexas de pontuação, produzirá – mesmo artificialmente – parágrafos destinados a decompor em curtos «tempos» a sucessão de movimentos de leitura” (Mendes, 1985:81). Algumas características da escrita noticiosa são óbvias: peças escritas no pretérito perfeito, títulos no presente, parágrafos curtos, frases com não mais de vinte palavras e o máximo uso possível de vocábulos curtos (cf. Tuchman, 1978: 106). Ainda que se possa retorquir com razão que esta descrição funciona sobretudo quando referido a um estilo de jornalismo extremamente factual, completamente centrado na descrição em detrimento da análise e da interpretação; um jornalismo de onde não fariam parte os géneros interpretativos e opinativos e onde a própria reportagem ocuparia um espaço marginal, haverá que reconhecer que nestas palavras ressoam alguns elementos típicos do profissionalismo jornalístico. Neste sentido, se compreende esta 2 4

observação de E. B. Phillips: “Na sua melhor forma, o «jornalês» exprime-se de uma forma viva através da voz activa e caracteriza-se pela concisão, pelo realismo gráfico e pela criação de ambientes. Os jornalistas utilizam palavras concretas e a descrição detalhada para transmitir a sensação de que «se está ali»: o realismo gráfico é a marca distinta do «jornalês». O realismo jornalístico baseia-se na precisão dos pormenores e das particularidades concretas (…) Para atingir este objectivo, o repórter interpreta a acção humana através da selecção de detalhes dela extraídos, em vez de tecer comentários acerca da mesma” (Phillips, 1993:327). A organização dos elementos da notícia, por uma ordem de importância decrescente, elemento fundamental da identidade deste género, a introdução do parágrafo universalmente conhecido por lead, o uso de uma espécie de escrita branca, minutada que agradasse a todos os clientes, as exigências colocadas para assegurar a agradabilidade do relato como a utilização da frase curta e concisa, a necessidade de evitar ou abusar dos advérbios de modo, por dificultarem a leitura, o recurso aos verbos na voz activa que conferem ao jornalismo uma "personalidade própria" são orientações na criação da narrativa que se devem ter por culturais e não naturais (cf. Bird e Dardenne, 1993: 265). Nesse sentido, o género narrativo universalmente conhecido por notícia pode funcionar, nas nossas sociedades diferenciadas, como uma narrativa, na qual se cria ordem da desordem, oferecendo tranquilidade e familiaridade em experiências comunitárias (e se oferecem informações credíveis e respostas prontas para fenómenos complexos (cf. Jensen apud Bird et al, 1993: p. 266). O discurso noticioso torna-se desta forma um discurso sobre a ordem e o comportamento aceitável. A linguagem jornalística surge, de acordo com esta abordagem como uma linguagem que corre o risco de ser pouco consentânea com a sensibilidade crítica, em detrimento da sua sintonia com os padrões de socialização consensualmente aceites. Responde a uma necessidade de colocar ordem que obedece a vários imperativos: a) por um lado, simplificar o trabalho quotidiano do jornalista, o que é uma necessidade empresarial e burocrática; b) originar um produto agradável e apelativo o que muitas vezes implica a redução da complexidade e a necessidade de proporcionar uma explicação simples, consentânea com a vida quotidiana das audiências; c) proporcionar coordenadas que permitam a compreensão de um mundo crescentemente pluralista e fragmentado. Estes imperativos podem, levados ao limite, constituir-se como um impedimento à compreensão de realidades mais dinâmicas, instáveis e plurais que constituam um desafio aos esquemas de classificação dominantes. Neste sentido, o 2 5

discurso dos media constitui-se como uma fonte de conhecimento acerca do que é consensualmente adquirido e do que se entende como um desvio (cf. Cohen and Young, 1973: 342). Neste sentido, parece-me importar realçar a pesquisa conduzida por nós sobre o jornalismo televisivo como lugar de referência, um trabalho que colheu uma colaboração muito interessante com a pesquisa brasileira: “o jornalismo, como uma forma de conhecimento, tem necessidade de procurar o mundo menos hostil: é a função de familiarização”. (Vizeu e Correia, 2008: 22). Dentro de um contexto de dados iniciais e ainda em análise, estas pesquisas efectuadas em colaboração propõem-se apontar para o Jornalismo como um lugar de referência que tem como preocupação a redução da complexidade em sociedades cada vez mais fragmentadas e plurais (cf. Vizeu, Correia, 2007).4 Evidentemente, esta proximidade em relação à atitude natural e ao senso comum tem sido encarada de forma unilateral como uma espécie de fatalidade que conduz a um jornalismo simplista e sem espírito crítico. Porém a proximidade do senso comum e a natureza empírica de muitos dos saberes profissionais jornalísticos não tem que conduzir necessariamente por esse caminho. Esta velha questão que já remonta a Walter Lippman (1924), a Park (1992) não impede que nos confrontemos com fenómenos que terão de ser tidos em conta. Desde logo, há que ter em conta a diversidade dos jornalismos. Embora possa haver um estilo canónico e um padrão de profissionalismo, quer um quer outro permitem graus diversos de problematização, contextualização e raciocínio crítico. Por outro lado, a proximidade do senso comum que é própria do jornalismo funciona, muitas das vezes, como uma caminho para a democratização do saber e para a circulação do conhecimento de uma forma que permite o seu acesso mais generalizado. A atitude natural: do acontecimento à notícia. A Etnometodologia – uma corrente relacionada com a interpretação de Garfinkel e Cicourel dos estudos schutzianos – procura examinar o modo como as pessoas constroem um sentido para o mundo quotidiano assumindo uma atitude natural. Analisando de forma detalhada os processos de objectivação, um dos elementos 4

Apesar de muitas das descrições efectuadas neste parágrafo serem pertinentes, reconhece-se, todavia, que algumas delas são de preferência aplicáveis nas seguintes circunstâncias: a) em relação à noticia como género canónico, isto é um formato específico praticado, por exemplo, nas agências noticiosas, b) em relação a modelos de jornalismo predominantemente factuais, onde escasseiam, por exemplo, a análise, a crónica e , até, a reportagem. Nesse sentido, a generalização que aqui é praticada por alguns autores citados é compreensível no âmbito de uma visão redutora do jornalismo e de alguns dos seus mitos profissionais como a famosa objectividade jornalística.

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fundamentais a ter em conta consiste no esquecimento do modo como determinado significado foi produzido, nomeadamente o esquecimento das circunstâncias históricas, sociais, existenciais e culturais que estiveram na sua origem. Os enunciados portadores de significado apresentam-se despidos da sua historicidade, na sua auto-evidência, como algo tido por adquirido. Isto é, esse significado não é objecto de questionamento nomeadamente ao nível dos processos de numerosa ordem que o originaram. Os enunciados são apresentados «em si», omitindo-se as circunstâncias de enunciação que originaram

uma

determinada

representação:

constrangimentos

e

limitações

organizacionais, sociais, culturais e outros. Altheide (1976: 24) recorda que, no processo de construção da notícia, os acontecimentos são retirados das circunstâncias e significados circundantes e familiares para serem apresentados num contexto diferente como, por exemplo, um telejornal. Neste sentido, a produção de uma notícia, a transformação de um acontecimento em notícia, implica a sua descontextualização e consequente «transformação». As empresas jornalísticas são instituições que produzem diariamente milhares de notícias que possibilitam às pessoas terem acesso a um mundo que é cada vez mais complexo. Dentro dessas organizações, a realidade é descontextualizada e recontextualizada de acordo com as regras do campo jornalístico. Aprofundando a análise de constituição dos significados objectivos, Gaye Tuchman (1978: 188-189) recorreu aos conceitos de reflexividade e indexicalidade, provenientes da Etnometodologia, a qual, por sua vez, incorpora desenvolvimentos teóricos provenientes da sociofenomenologia. A reflexividade explica que os relatos dos acontecimentos estão inseridos na mesma realidade que eles próprios caracterizam, registam e estruturam. Sob o ponto de vista linguístico, designa um fenómeno natural ligado à linguagem que resulta na impossibilidade de descrever uma acção sem que possam ser fornecidos os elementos do quadro de acção onde ela ocorre. A indexicalidade surge de certo modo como o reverso deste processo de construção do conhecimento na medida em que os actores sociais – que construíram significados tendo em vista a realidade em que estão inseridos – podem utilizar tais relatos noutros contextos, atribuindo-lhes significados independentemente dos contextos em que foram criados e processados, criando uma atribuição indexical de sentido. As explicações que os actores sociais elaboram de suas condutas sociais (accounts) são expressões indexicais (indexical expressions), o que quer dizer que apenas ganham seu pleno sentido quando relacionadas a informações contextuais obtidas no pleno curso da interacção – como as

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biografias, o propósito do enunciador, o curso anterior da relação de interacção, as circunstâncias da enunciação, a relação única do locutor com seu ouvinte. Desse modo, os significados sociais estão em constante construção e reconstrução, ao mesmo tempo em que se reportam a regras tácitas de “comunidades de sentido” e a “acordos compartilhados”. Ora, as notícias são apresentadas de forma indexical, ou seja, divorciadas do seu contexto de produção. Por exemplo, o jornalista pode citar a fonte sem indicar como uma certa pergunta provocou a resposta da fonte (cf. Piccinin, 2009: 129) Este processo está de certa maneira presente na construção de toda a informação pública. O relato noticioso de um acontecimento específico (um escândalo, um assassinato, um motim) dá forma a noções públicas e partilhadas por todos acerca de todos os acontecimentos do mesmo tipo ou semelhantes. Ora, graças à ocultação do processo de enunciação, essa definição pública ocorre sem referência aos processos que transformaram o «motim – ocorrência» em «motim – acontecimento – notícia». Por outro lado, através dos seus relatos de acontecimentos específicos, dá-se forma a uma definição pública desse tipo de acontecimentos: por exemplo, através do relato de motins, configura-se a definição daquilo que se considera ser esse motim. No processo de transformação do acontecimento em notícia, verifica-se um processo de abstracção selectiva, onde se podem descurar pormenores e detalhes daquele motim particular e atribuir relevo a outros. A utilização das notícias sem referência ao contexto da sua produção funda-se no seu carácter indexical, isto é na sua descontextualização em relação à realidade social em que o enunciador estava inserido (cf. Tuchman, 1978: 190-191). Neste sentido, pode darse uma codificação dos significados à margem dos contextos em que foram originalmente produzidos, originando-se um processo em que as notícias surgem como desligadas do seu contexto situacional concreto, fechadas numa positividade que recusa a relação com a história. Assim, um repórter pode identificar um facto sem explicar como aquele facto foi produzido isto é, como um pormenor considerado não problemático A indexicalidade das notícias está presente, simultaneamente, quer na a-historicidade das notícias, quer na sua lógica do concreto, a insistente recusa dos jornalistas em apresentarem as notícias no seu contexto situacional – a recusa em analisarem a relação entre ontem, o hoje e o amanhã (cf. Tuchman, 1978: 192). As notícias são assimiladas

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como relatos não históricos e não teóricos de acontecimentos da actualidade que ocorrem em instituições específicas, omitindo a existência de circunstâncias históricas e institucionais que intervêm na sua configuração. A objectividade reforça este apresentarse da notícia como evidência: para além da marca da subjectividade, a objectividade também elimina as marcas da história. Recorrendo a Schutz, pode-se afirmar que “o processo constitutivo [pelo qual a nossa experiência configura um conjunto de conceitos acerca da experiência vivida] é inteiramente ignorado, enquanto a objectividade constituída é tida por adquirida” (Schutz, 1967: 82). Aplicando esta reflexão aos processos de objectivação do mundo empreendidos no campo jornalístico, “a nossa conceitualização do mundo quotidiano é tida por verdadeira e objectiva, ignorando-se o conjunto de realidades históricas nas quais essa conceitualização foi originada – tal como acontece aliás no jornalismo” (Correia, 2002: 48).

Atitude natural e ideologia

Numa perspectiva mais estruturalista influenciada pelos cultural studies, o jornalismo pode traduzir e naturalizar, um conjunto de definições da realidade que expressam um conjunto mais ou menos limitado de crenças e valores ideológicos. Surge, a propósito, a necessidade de referir «ideologia» e «hegemonia» como dois conceitos fundamentais para a compreensão plena da abordagem crítica, que motiva a intervenção de Stuart Hall. A ideologia, nesta perspectiva assumida por esta visão formulada especialmente no âmbito dos cultural studies, é encarada por Stuart Hall (2004: 26) como quadros mentais – linguagens, conceitos, categorias, imagens do pensamento e sistemas de representações – que as diferentes classes e grupos sociais utilizam para significar, definir e tornar inteligível o modo como a sociedade funciona. Tais recursos são utilizados pelos diferentes grupos sociais (na perspectiva marxista mais estrita, pelas classes; na perspectiva de outras correntes dos estudos culturais, por diferentes grupos sociais identificados por critérios como o género, a etnia, a orientação sexual, etc.) na luta pela obtenção da chamada hegemonia. O conceito de hegemonia define a natureza

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complexa da ligação entre os diferentes grupos que integram a sociedade, ligação esta que não é apenas política no sentido estrito do termo uma vez que está ligada à produção ideológica e cultural desenvolvida num contexto de conflito intelectual desenvolvido na sociedade civil (cf. Correia, 2004), Os relatos noticiosos podem, eles próprios, tornar-se uma peça essencial para o funcionamento ideológico dos media na medida em que reflectem os grandes consensos sociais, favorecendo a sua aceitação e a sua consagração. Verifica-se, nesta perspectiva, uma marcada tendência dos media para reproduzirem definições da sociedade de acordo com os valores hegemónicos e os prismas oficiais. Os media aparecem associados à obtenção de um consenso orgânico relacionado com a hegemonia dos grupos dominantes. Juntam-se a outras instituições culturais (como o Direito e a Ciência) construindo uma ordem que é consonante com as necessidades e interesses do grupo dominante. De acordo com uma concepção estruturalista, predomina na operacionalidade dos mass media o seu poder de reprodução da ideologia das elites, classes, e grupos sociais mais poderosos. Determinadas formulações discursivas são ideológicas não por causa das distorções manifestas nos seus conteúdos superficiais, mas porque são originadas numa matriz ideológica limitada. O profissionalismo jornalístico – destinado a produzir um tipo de relato assente em pressupostos aceitáveis por todos – implica que os media só podem sobreviver operando dentro das fronteiras do que é admitido socialmente. A ideologia limita os termos da comunicação pública: os jornalistas estabelecem as suas codificações em termos de “códigos preferenciais” de modo a que os problemas sociais sejam abordados dentro do reportório de valores ideológicos dominante, a que dá o nome de «consenso nacional». Assim, “os acontecimentos enquanto notícias, são regularmente interpretados dentro de enquadramentos que derivam, em parte, desta noção de consenso enquanto característica básica da vida quotidiana” (Hall, Chritcher, Jefferson, Clark e Roberts, 1993: 72; 87 227). As opiniões e pontos de vista que ocupam as margens do sistema recebem pouco espaço para se representarem. Assim, os media orientam-se dentro de um “enquadramento de poder” para usar uma expressão de Stuart Hall pela qual ele procura significar uma definição da realidade derivada das elites (Chibnall, 2001: 2). Nesta abordagem, a produção de definições hegemónicas da realidade estaria sobretudo relacionada com acesso privilegiado que alguns definidores primários particularmente influentes manteriam na construção dessas mesmas definições. Os media 3 0

reproduziriam as definições dos poderosos sem estarem necessariamente ao seu serviço, num sentido estrito e simplista. A pressão do tempo e a necessidade de depender de acontecimentos «pré-agendados», normalmente por instituições legitimadas para fazer convocações antecipadas, e a necessidade de fundar as afirmações dos media em instituições «credíveis» e «autorizadas» implica o recurso constante a instituições sociais importantes que forneçam informações igualmente «credíveis» e «autorizadas». A ligação privilegiada a fontes oficiais e a própria estrutura burocrática dos media, onde se enquadram imperativos institucionais como sejam rotinas, práticas e ideologias privilegiadas fomentam uma sintonia entre os relatos e interpretações da realidade e os valores estruturais dominantes. A maximização dos recursos da organização recorrendo a fontes institucionais que se articulam de modo confortável com o ciclo diário da produção noticiosa, a possibilidade de transferir facilmente a responsabilidade quanto ao rigor do conteúdo substancial da notícia do jornal para a fonte e a busca da proximidade com os protagonistas dos acontecimento podem induzir uma sintonia favorável aos poderes estabelecidos (cf. Murdock, 1973; 168). Tal produziria um acesso sistematicamente desproporcionado aos media por parte dos que detêm posições institucionais privilegiadas, gerando a dependência de uma espécie de “hierarquia de credibilidade” segundo a qual os que ocupam posições poderosas ou de elevado status na sociedade são considerados como detentores da informação mais precisa e especializada, comparativamente à maioria da população. As entidades oficiais configurar-se-iam como fontes credenciadas pelo seu estatuto social e institucional de representação de grupos ou de interesses ou pelo domínio de assuntos e de temas específicos cujo conhecimento mais próximo e detalhado ajudam à conferir à notícia credibilidade (cf. Penedo, 2003: 38). A necessidade de fundamentar as afirmações produzidas pelos media com o recurso a fontes «dignas de crédito»5 conduz à dependência de instituições sociais poderosas, nomeadamente parlamento, ministros, peritos, etc. Estas fontes poderosas têm a possibilidade de se constituírem como definidores primários pois estruturaram a definição primária do tópico em questão, a qual impõe os termos de referência q em que o debate sobre um assunto se processará. Ao invés, os media constituem-se como definidores secundários reproduzindo as definições daqueles que têm acesso aos media como fontes creditadas (cf. Hall, Chritcher, Jefferson, Clark e Roberts, 1993:228-229). As exigências práticas do trabalho jornalístico – a necessidade de trabalhar com curtos

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As aspas constam do texto de Stuart Hall, aqui citado.

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prazos de tempo e as exigências de imparcialidade e de objectividade – combinam-se para produzirem um exagerado acesso sistematicamente estruturado aos media por parte dos que detém posições privilegiadas Se a construção da realidade passa pela contextualização e identificação de acontecimentos, a fim de que o mundo não seja apresentado uma confusão de acontecimentos desordenados e caóticos, então terão que existir mapas culturais do mundo social que permitem «dar sentido» a acontecimentos imprevisíveis. Ao mesmo tempo que filtram a realidade, as estruturas cognitivas permitem mapear os acontecimentos, isto é, localizarem dentro de contextos mais vastos. Logo, o processo de significação implica o recurso a mapas que constituem a base do nosso conhecimento cultural, no qual o mundo já está traçado. Partilhamos mapas de significação: interesses, valores, conhecimentos e pressuposições sobre o mundo social comuns. Este ponto de vista consensual acentua o que nos une, valoriza os interesses comuns e minimiza a conflituosidade de interesses e classes ou grupos sociais. Os acontecimentos, enquanto tais, são interpretados dentro de enquadramentos que derivam desta concepção de consenso como característica base da vida quotidiana (cf. Hall, Chritcher, Jefferson, Clark e Roberts, 1993: 225-227). Um risco decorrente desta situação reside no facto de que as opiniões e os pontos de vista que ocupam as margens do sistema podem ser muito pouco representadas. Segundo a análise clássica de Graham Murdock (1973, pp. 155-175), a imprensa desempenha um papel fundamental no processo de gestão do conflito e da dissensão, legitimando as relações de poder, de acordo com definições partilhadas pela elite política. O autor conclui por esta opinião na análise que faz da descrição levada a efeito pelos jornalistas da manifestação contra a guerra do Vietname realizada em 27 de Outubro de 1968, em Londres, onde elementos como a presença de estrangeiros – agitadores – ou as actividades mais violentas de um grupo minoritário no interior da manifestação – foram objecto de uma atenção mais intensa (1973: 162-163). Segundo Murdock (1973: 155), os grupos que rejeitam as noções básicas deste consenso politico optando por formas de acção directa são etiquetados como desviantes e identificados como minorias activas de outsiders, de acordo com definições fornecidas pelos detentores do poder, sendo a imprensa um dos protagonistas deste processo de classificação. Não resulta daqui se possa inferir a existência de uma conspiração resultante de uma relação directa entre o enquadramento geral fornecido pelas elites governantes e o processo diário de produção de material noticioso. A ênfase dada aos media na reprodução do consenso e dos valores 3 2

dominantes não resulta de uma atitude conspiratória. Na verdade, a reprodução da ideologia dominante é encarada como produto de uma imposição estrutural e não de um conluio deliberado. Com efeito, os jornalistas definem-se a si próprios em termos de uma autonomia em face dos interesses políticos e económicos. Todavia, apesar deste elemento (enfatização da sua autonomia) os enquadramentos e definições que acompanham o relato jornalístico dos acontecimentos políticos coincidem em larga medida com a definição fornecida pelos detentores de poder e de influência. Tais representações estão longe de ser resultado de um processo aleatório, mas são o resultado lógico de uma série de rotinas de trabalho e de um conjunto partilhado de critérios acerca do que torna certos acontecimentos como noticiáveis (Murdock, 1973: 158: 163). Para estas contribuem a atenção dirigida para o acontecimento, a referência a acontecimentos anteriores e, sobretudo, a necessidade de agradar a segmentos variados da população, a qual produz a necessidade de competir pelo “middle ground” de um modo que tem várias consequências para o conteúdo e apresentação do material. O “interesse nacional” público ou comunitário dita esta necessidade de auto-legitimação assente numa fala consensual que enfatiza o interesse comum e disfarça os conflitos sociais e as perspectivas parciais que lhe estão inerentes (cf. Murdoch, 1973: 167) Assim, o problema mais significativo não é – ou, pelo menos, não é apenas – saber se os media evidenciam uma distorção ou enviesamento favorável a este ou aquele líder ou agrupamento, mas antes que tipo de conceitos e assunções a imprensa utiliza na identificação e na atribuição de significado aos acontecimentos políticos (cf. Chibnall, 2001: 3-4). Colocando a questão seguindo a linguagem da sociofenomenologia: Qual é a natureza da realidade padrão e como é construída e apresentada às audiências dos media? A realidade padrão aparece-nos de uma forma auto-evidente, uma questão de senso comum, o que qualquer homem razoável crê mas, afinal, é uma criação humana. Importa aí identificar quem é responsável por ela (Chibnall, 2001:5). Como Gitlin (1980: 12; 260) sugere, os aparelhos culturais podem manter os seus próprios procedimentos e padrões, garantindo uma certa autonomia em relação às elites políticas e económicas. Tal autonomia favorece os interesses das elites desde que não viole os valores hegemónicos centrais nem favoreçam uma crítica radical. Através das rotinas quotidianas do jornalismo, os conflitos sociais são admitidos nas instituições noticiosas nos termos da ideologia dominante. Os valores jornalísticos estão ancorados em rotinas suficientemente consistentes para susterem os princípios hegemónicos e 3 3

suficientemente flexíveis para absorver factos novos (cf. Gitlin, 1980: 270). A transmissão ideológica não é necessariamente um processo consciente por parte dos jornalistas mas pode, antes, resultar da absorção de pressuposições acerca do mundo social na qual a notícia tem que ser integrada de modo a ser inteligível para o seu público. Assim, não terá que existir a violação manifesta da autonomia dos jornalistas: os relatos não carecem de uma parcialidade ou de uma distorção manifesta. Basta serem produzidos dentro de uma matriz ideológica estreita, isto é dentro de um conceito de regras e conceitos social e historicamente determinados que constituem uma estrutura profunda que é activada inconscientemente na produção de notícias (cf. Hackett, 1993: 121). Embora as concepções de hegemonia e de ideologia utilizadas pelos cultural studies, por Todd Gitlin, Murdock entre outros autores influenciados pelo marxismo gramsciano sejam compatíveis com a ideia de senso comum e com a análise da vida quotidiana, a perspectiva sociofenomenológica acentua a dimensão do mundo vivido, embora se reconheça, ao menos da parte de alguns autores, que o mundo vivido não é imune à problemática do poder e do controlo ideológico. As abordagens críticas que valorizam os conceitos de «hegemonia» e de «ideologia» enquanto mecanismos de coerção simbólica associadas à dominação por classes ou coligação de classes dominantes valorizam a estratificação social, as relações de poder e de dominação, os mecanismos de controlo social e ideológico e a obtenção de processos de hegemonia. Dentro de uma matriz sociofenomenológica, as interacções entre os agentes sociais processam-se dentro de uma lógica, na maior parte dos casos menos determinista, valorizando-se especialmente as interacções entre os agentes sociais, neste caso, jornalistas aceitando-se a pluralidade de visões do mundo diferenciadas entre agentes sociais investidos de funções diversificadas. Todavia, pode referir-se que entre a atitude natural e os processos de construção e reprodução da ideologia existam pontos de contacto que possam ser discutidos e elaborados teoricamente, apontando para uma relativização da dualidade entre uma visão mais estruturalista e outra mais centrada nos processos de interacção que se verificam na vida quotidiana. Com efeito, a análise da atitude natural detecta uma aceitação incondicional da evidência do mundo, o que remete para uma certa postura cognitiva associada ao consenso produzido pelas rotinas e convenções jornalísticas que tem alguma compatibilidade com os pontos de vista mais dirigidos para a crítica ideológica. Resta saber se a noção de ideologia abraçada pelos teóricos dos estudos culturais ainda possui a 3 4

validade necessária, ou se não vale a pena aprofundar a sua sócio –cognitiva de um modo que a liberte da sua aparentemente irremediável relação com os processos de dominação.

Rotinas e tipificações

Ao absorver-se a noção de tipificação e a noção de atitude natural, sente-se o pulsar da vida quotidiana, a pressão do tempo e do imperativo prático. Os desenvolvimentos destes pressupostos teóricos influenciaram claramente uma abordagem metodológica orientada para a análise, estudo e observação de actividades organizadas na vida quotidiana (cf. Garfinkel, 1967: 11). A noção de tipificação conheceu um grande desenvolvimento na pesquisa especialmente no que diz respeito às ideologias profissionais, isto é o corpo de normas e crenças socialmente partilhadas pelos membros de um grupo que permitem identificar de que forma estes podem fazer parte de uma dada comunidade profissional. A tipificação é o reconhecimento de uma situação graças à rotina interiorizada na vida quotidiana e a prescrição de uma receita. Está direccionada para uma generalização baseada na experiência individual, e por conseguinte com a formação das condições que permitem o estabelecimento de um esquema de organização cognitivo. Nas grandes organizações burocráticas ela traduz-se numa anonimização da experiência, a qual perde as suas características singulares a fim de ser configurada numa generalização que se aplica a todos os casos semelhantes. No decurso da actividade quotidiana no seio da organização jornalística é frequente, segundo Tuchman, os jornalistas recorrerem ao esquema cognitivo designado por Schutz de tipificação. Os objectos do mundo social são constituídos dentro de um marco de familiaridade e de reconhecimento proporcionado por um reportório de conhecimentos disponíveis cuja origem é fundamentalmente social. As tipificações permitem agir tipicamente sobre situações similares, recorrendo a um conhecimento socialmente partilhado – um acervo de conhecimentos disponíveis – através da experiência quotidiana. 3 5

Uma tipificação refere-se a determinadas características relevantes para a solução de problemas práticos encontrados na actividade quotidiana (cf. Tuchman, 1978:50). No caso da comunicação, surge antes de mais como esquema cognitivo que tem a ver com o facto de os seres humanos só processarem uma escassa quantidade de informação e, por isso, sob a pressão do tempo, necessitarem de recorrer a esquemas que lhes permitam a produção de um significado objectivo e partilhado. . Estes esquemas cognitivos são parte de um acervo de conhecimento profissional, pelo que ser um repórter é ser capaz de lidar com ocorrências idiossincráticas usando tipificações adequadas. Gaye Tuchman mostrou como o trabalho quotidiano de recolha e de produção de notícias pode ser entendido como uma questão de ‘‘routinizing the unexpected’. No fundo, a actividade jornalística lida de perto com a proliferação de acontecimentos e carece de uma estratégia de controlo da erupção generalizada do “novo” Como qualquer organização burocrática, um medium noticioso não pode processar fenómenos idiossincráticos e precisa de subsumir os fenómenos em classificações conhecidas (cf. Tuchman, 1978: 45). Sendo uma profissão associada ao conceito comum de “novidade”, é também uma actividade que se serve de numerosas estratégias para controlar e exorcizar a proliferação do que é “novo”, permitindo a necessidade de inserção num contexto significativo ordenado. Enquanto organização burocrática especializada na formulação de significados partilhados pela sociedade, o medium tem que instaurar rotinas, procedimentos burocráticos, mecanismos de tipificação e de organização do “real”. Como parte do processo de criação de rotinas, os jornalistas usam estes esquemas classificatórios de forma a reduzir a contingência intrínseca ao trabalho noticioso, transformando ocorrências idiossincráticas verificadas na no dia-a-dia em materiais que podem ser processados e disseminados. Assim, o conjunto de tipificações produzidas pelos jornalistas durante a sua actividade profissional é que lhes permitem «agir como sempre» em face de circunstâncias idênticas. Há que recorrer ao saber de reconhecimento no qual convergem as tipificações sedimentadas pelos produtores de notícias no seu quotidiano profissional. A construção de tipificações é uma espécie de cristalização da experiência que permite conferir estabilidade à vida social, bem como assegurar celeridade e eficácia ao desempenho profissional. Analisando os precedentes enquanto modelos estabilizadores de todas as formas de relato de acontecimentos idênticos ou semelhantes detecta-se um conjunto de procedimentos, fórmulas discursivas, técnicas narrativas e descritivas que se 3 6

repetem, parecendo, de certo modo, ser os acontecimentos que aderem a fórmulas narrativas pré-existentes e não o inverso. Se as notícias são um método altamente institucionalizado de tornar a informação disponível aos consumidores, praticado por profissionais que trabalham em organizações, têm necessariamente de reflectir nas suas escolhas e na sua estrutura as práticas institucionais da profissão. A organização narrativa acaba por reflectir uma espécie de profissionalismo anónimo, onde se inscrevem a marca de procedimentos rotineiros, de fórmulas consagradas, de lugares comuns facilmente reconhecíveis. As especializações podem ser ignoradas se necessário. Todos devem ser capazes de fazer o trabalho de qualquer um dos outros, independentemente do facto de cada um deles estar prioritariamente indicado para proceder à cobertura de notícias destinadas a uma certa secção (cf. Tuchman, 1978:67). A prática procede ao estabelecimento de um conjunto de procedimentos e de formatos tendentes a assegurar a cobertura de determinados assuntos e, em especial, de determinados factos, que implicam o recurso à experiência acumulada para permitir a estabilidade na sua abordagem. Este conjunto de procedimentos implica à aprendizagem de uma experiência acumulada que permite uma certa estabilidade na abordagem de assuntos que são encarados como possuindo uma certa familiaridade entre si: estabelecese deste modo uma regra de precedentes que permite agir de modo relativamente idêntico em face de ocorrências consideradas típicas. As tipificações, assentes nas rotinas jornalísticas, funcionam deste modo como padrões estabilizados de comportamento e de modos de agir que asseguram, sem elevado risco, que os jornalistas sob a pressão do tempo e das incertezas podem transformar um acontecimento num relato noticioso. É a existência da tipificação que permite transcender momentos particulares da acção para auxiliar o jornalista na construção de uma narrativa estandardizada e padronizada pensada de modo a superar os constrangimentos espaciais e temporais e conquistar o agrado por parte das audiências. É, pois, o conjunto de tipificações a que se procede no decurso da actividade profissional que permite ao jornalista agir “como sempre” em face de circunstâncias idênticas, tipificando a ocorrência com o recurso a um conjunto de conhecimentos pré-adquiridos. Neste sentido, as tipificações noticiosas fazem parte do acervo de conhecimentos adquiridos pelos repórteres. Como testemunhou um jornalista na sequência dos acontecimentos do 11 de Setembro, os primeiros momentos depois da percepção da tragédia foram passados a 3 7

efectuar comparações: a morte de Kennedy, a crise dos reféns no Estádio Olímpico de Munique em 1972, a explosão do Challenger, o tiroteio da na escola de Columbine e até a morte da princesa Diana. Isto é, sentiu-se uma necessidade profunda de compreender o papel dos jornalistas, ultrapassando a crise, garantindo a continuidade dos desempenhos profissionais e assegurando a integração daqueles acontecimentos particularmente perturbantes e traumáticos num universo ordenado de referências reconhecíveis. Sob o efeito do trauma houve que reinventar a rotina: com esse fim as prioridades das organizações mediáticas foram rapidamente reorganizadas de forma a conseguir produzir “uma estória de convergência” (Zelizer e Allan, 2003: 3, 8). No caso dos acontecimentos da Praia de Carcavelos em 10 de Junho de 2005 – independentemente do que se tenha passado efectivamente – o “arrastão” e das praias do Rio de Janeiro foi o precedente usado para conferir aos jornalistas uma “história de convergência” que assegurasse a sintonia com um precedente. As notícias correspondem desta forma à insistente tentativa de inscrição dos acontecimentos numa certa ordem significativa pré-existente. Tuchman invoca mesmo um estudo efectuado pelo Bureau of Applied Social Science Research na Universidade de Columbia, no qual, durante entrevistas conduzidas a trabalhadores de cadeias de televisão que participaram na cobertura do assassinato do Presidente Kennedy, estes classificaram a cobertura efectuada como “business as usual”. Ou seja, os valores e normas da profissão estiveram presentes da mesma forma que noutras alturas (cf. Tuchman, 1978:64). É, pois, o conjunto de tipificações a que se procede no decurso da actividade profissional que permite ao jornalista agir de forma relativamente idêntica em face de circunstâncias idênticas, tipificando a ocorrência com o recurso a um conjunto de conhecimentos pré-adquiridos. Há uma predisposição pragmática que acciona a tipificação e o subsequente agir de modo típico com todas as consequências que daí possam resultar numa certa dificuldade em representar a estranheza, privilegiando fontes, ângulos e rotinas que sucessivamente se repetem ou assemelham entre si. Estes esquemas colectivos são encarados como fazendo parte de um processo de institucionalização resultante em larga medida do carácter organizacional da produção noticiosa. Esta é olhada como um processo colectivo mais influenciado pelas rotinas de trabalho do jornalismo do que pelas atitudes dos jornalistas (Coock, 1998: 73). Assim, pode-se falar de um vocabulário de precedentes, uma espécie de acervo de conhecimentos disponíveis adquiridos pela experiência e dirigidos para a prática diária da profissão. Adquire-se deste modo, um saber de reconhecimento que permite identificar um acontecimento em termos da sua potencial transformação em notícia; um saber de 3 8

procedimento que recorre à experiência para identificar os passos necessários para o desenvolvimento da história ao nível de questões como sejam selecção e contacto com fontes ou modos de lidar com constrangimentos espaciais e temporais; e um saber de narração, isto é como descrever um acontecimento nos termos do discurso noticioso. A base do “news judgment” é uma experiência comum e os exemplos resultantes dessa experiência. O que os jornalistas observam é mediado pelo vocabulário de recursos simbólicos e esquemas de classificação que eles desenvolvem na sua cultura profissional. O jornalista competente é aquele que é capaz de reconhecer um acontecimento em termos da sua significação como notícia, saber como agir ao seleccionar e entrevistar as fontes, e produzir um relato considerado competente no âmbito do discurso noticioso. O vocabulário de precedentes, aprendido pela socialização profissional junto de colegas, editores e fontes é um depósito de conhecimentos que os jornalistas têm como disponível para agirem e relatarem acontecimentos. O facto de apenas estar disponível através da experiência e da transmissão oral, e não através de manuais, é a chave para percebermos porque os jornalistas enfatizam a componente mais intuitiva e menos analítica e sistemática do seu trabalho, algo que é notório no conceito de “faro para as notícias” (cf. Ericson, Baranek e Chan, 1987: 133; 135).

Riscos das rotinas e tipificações

Esta orientação para a acção pode funcionar como factor para uma excessiva homogeneização dos relatos. Quer as organizações noticiosas quer os jornalistas se esforçam activamente em desenvolver a competência qualquer ocorrência num acontecimento. Porém, o esforço desenvolvido para minimizar a idiossincrasia das ocorrências também funciona como um impedimento para verificar certas ocorrências como notícias. O funcionamento da rede noticiosa molda o acesso aos media como um recurso social estratificado. Os media são mais acessíveis a determinados movimentos sociais, grupos de interesse e actores políticos do que outros. Os detentores de poder legítimo têm maior acesso do que outros. O repórter é uma pessoa integrada numa organização com objectivos, estruturas e procedimentos estandardizados que muitas vezes limitam e restringem a discricionariedade que os repórteres dispõem enquanto profissionais individuais (cf. Goldenberg citado por Tuchman, 1978: 134). Um dos problemas das rotinas jornalísticas é o facto de induzirem os jornalistas a debruçarem-se apenas sobre 3 9

ocorrências consideradas importantes pelas crenças e expectativas partilhadas na estrutura de relevâncias dominante. Esta atitude pode originar fenómenos como sejam a formulação de predições inexactas; a distorção ou simplificação arbitrária dos acontecimentos com a generalização de estereótipos; o exercício de constrangimentos sobre a criatividade individual e a capacidade de iniciativa dos jornalistas e a burocratização da profissão. A burocratização passa por pormenores como o recurso a fontes costumeiras, geralmente acessíveis; a dependência de canais de rotina que gera, por sua vez, uma maior estratificação no acesso aos media e aumenta os riscos da manipulação; a generalização do recurso à notícia de agência e, finalmente, a criação de uma lógica de relacionamento preferencial com fontes institucionais a qual se reforça pelo receio de interrupção das desejadas informações, aumentando a uniformidade dos produtos informativos e contrariando a diversidade e o pluralismo. Recorrendo a uma visão que tenha em conta, mais uma vez, as questões associadas aos fenómenos sociais da construção de hegemonia e de reprodução da ideologia, pode mais uma vez fazer-se a ponte com uma perspectiva de base sociofenomenógica. As tipificações e a instauração de rotinas e de precedentes auxiliam a possibilidade de criação de horizontes de significação comuns, construindo a sociedade como um consenso, um consenso que admite uma certa conflitualidade desde que este não ponha em causa o sistema central de valores elevando as ordens políticas e económicas dominantes para o plano da universalidade. As vozes dos media com maior capacidade de influência e de penetração instituem uma trama narrativa que parece destinada a restringir o significado, unir os fios soltos da interpretação, apresentar uma visão da sociedade na qual existem formas institucionalizadas de conflito, mas sem contradições fundamentais. Pretende-se fazer crer que um modo de ver historicamente determinado corresponde à representação natural, «verdadeira» da sociedade, elevando essa representação a um plano de universalidade que supera as dificuldades de percepção, as tensões sociais e as particularidades fracturantes.

Da tipificação ao frame O conceito de enquadramento, ou frame, refere-se ao uso de quadros interpretativos construídos socialmente e que, ao colocarem os indivíduos sob referências partilhadas, lhes permitem dar sentido às relações sociais. Nas palavras de Todd Gitlin,

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“enquadramentos mediáticos são esquemas persistentes de cognição, interpretação, e apresentação, de selecção, ênfase e exclusão, pelos quais os detentores dos símbolos organizam rotineiramente o discurso verbal ou visual (Gitlin, 1980: 7). Haverá que considerar a ideia de enquadramento como uma ideia central e organizadora que configura a percepção do acontecimento, dando mais visibilidade relativa a uns elementos em detrimento de outros, sugerindo explicações, causais e até avaliações normativas sobre o acontecimento relatado. A teoria do enquadramento tem sido incorporada pelos estudos dos media, onde se considera que os textos jornalísticos, através de elementos como os títulos, o lead ou as citações destacadas, apresentam estruturas que enquadram os eventos e lhes definem sentidos. Os enquadramentos noticiosos são padrões de apresentação, selecção e ênfase utilizados nos relatos jornalísticos (Porto, 2004: 91). Salientam a acção dos jornalistas para organizar a realidade de forma compreensível para si próprios e para o público. Assim, os enquadramentos noticiosos chamam a atenção para determinados tópicos e excluem outros, sublinham os dados fornecidos por certas fontes sobre outras, acentuam as acções de determinados agentes e minimizam outros, considerados irrelevantes. Considera-se a ideia de enquadramento como uma ideia central e organizadora que configura a percepção do acontecimento, dando mais visibilidade relativa a uns elementos em detrimento de outros, sugerindo explicações, causais e até avaliações normativas sobre o acontecimento relatado. A inclusão ou a exclusão de determinados detalhes das ocorrências, a consideração do que é relevante ou não na descrição de uma ocorrência depende da classificação ou categorização: se uma marcha de protesto é enquadrada como uma perturbação da ordem pública ou como um confronto entre os manifestantes e a polícia, o próprio conteúdo do protesto e da crítica desenvolvida pelos participantes é marginalizada ou excluída, por ser considerada irrelevante (cf. Reese, 2003: 13). Dependendo da forma como se organiza a notícia sobre a realização de uma demonstração pública contra o Governo, um grupo de pessoas que ergueram cartazes e pronunciaram todas juntas um conjunto de frases ritmadas pode ser categorizado como um levantamento, uma insurreição, uma manifestação, como agitação ou protesto popular. Entre os trabalhos que de modo mais explícito tentaram levar por diante o estudo do frame no campo jornalístico contam-se as obras de Gaye Tuchman (1978) e de Todd Gitlin (1980). Partindo de Goffman, Tuchman entende que as notícias impõem um

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enquadramento que define e constrói a realidade. Por sua vez, Gitlin analisa as práticas específicas usadas para enquadrar as posições, declarações e tipo de liderança empreendido pelo movimento estudantil contra a Guerra do Vietname. Os enquadramentos são assunções usadas para estruturar o discurso. A selecção de um ângulo noticioso que transforma um acontecimento num acontecimento noticiável e, por sua vez, num relato jornalístico, é um enquadramento. Por exemplo, os jornalistas podem apresentar uma campanha eleitoral como uma competição entre interesses e valores diversificados, um diálogo entre cidadãos comprometidos com a deliberação colectiva sobre o futuro, ou como um puro jogo em que intervém interesses pessoais e luta pelo poder. Dependendo desta escolha, os jornalistas procuraram diferentes aspectos da campanha e estrutura-os em conformidade. No caso já citado do arrastão da Praia de Carcavelos em Lisboa, a expectativa da violência por gangs de origem africana desencadeou a cobertura de um evento de grandes dimensões cuja existência foi desmentida mais tarde pelo Comando Metropolitano da Polícia. As expectativas sobre o acontecimento ditam uma orientação do olhar que se debruça sobre aquilo que considera importante. A delimitação daquele conjunto de acontecimentos como “arrastão” – um roubo colectivo praticado por gangs organizados – obrigou a incluir alguns elementos: a existência de uma organização por detrás dos acontecimentos e a busca de uma quantidade avultada de queixas por roubo, que nunca se verificou. Por outro lado, conduziu à audição como fontes de criminologistas e especialistas em fenómenos de criminalidade organizada bem como ao recurso privilegiado aos relatos dos agentes policiais que intervieram nos acontecimentos. Isto é, a classificação dos acontecimentos orientou os trabalhos de investigação jornalística. Outro exemplo pode ser dada pela manifestação promovidas por Uniões de Trabalhadores, ONGs e Grupos ambientalistas em Seattle contra as politicas da organização mundial do comércio (OMC). Apesar de a manifestação ter sido relativamente pacífica, e reunido cerca de 40 mil pessoas, a cobertura mediática incidiu sobre um número reduzido de 150 manifestantes que endureceram as suas formas de protesto, originando cenas de vandalismo e confrontos com a polícia. (cf. Martins, 2007: 32). No âmbito de pesquisas de mais acentuado pendor crítico no âmbito das notícias, o conceito de frame abre oportunidades para examinar mais explicitamente os efeitos dos media de um modo que permite acrescentar mais precisão à tradicional análise da hegemonia usada pelos estudos culturais: a luta pela obtenção da hegemonia ideológica é uma luta por definições da realidade que processa de modo conflitual em torno 4 2

nomeadamente da escolha dos enquadramentos utilizados pelos jornalistas. Neste sentido, será interessante olhar mais criticamente certos traços da perspectiva construtivista. Esta olha os frames como recursos relativamente neutros, uma espécie de ferramentas que podem estar mais ou menos acessíveis aos agentes sociais, enquanto uma perspectiva crítica olha para os frames como fazendo parte do processo de controlo social e de luta pela hegemonia relacionados com estruturas de elite ou classe. Efectuando uma tentativa de aproximação entre a análise dos enquadramentos e a crítica ideológica, Reese (2003: 9) propõe que os estudos dos media se afastem de uma preocupação estrita com o enviesamento mediático da realidade objectiva para acentuar antes o carácter ideológico das notícias, considerando a dimensão das suas relações com a sociedade. Segundo este ponto de vista, as estruturas sociais explicam as balizas ideológicas que proporcionam o enquadramento através do qual os media confinam e categorizam os acontecimentos ou temas em debate. Esta concepção está presente na algumas das orientações críticas sobre a notícia, nomeadamente em Gitlin, no Glasgow Media Group ao identificar uma imagem profunda da sociedade que enquadra as notícias sobre as relações entre empresários e trabalhadores ou no estudo dos conflitos industriais pelos media britânicos efectuados por David Morley (1976 cit. in Hackett, 1993: 121). Chibnall (2001: 10) parece seguir uma direcção semelhante quando se refere à ideologia como um enquadramento integrado de categorias, conceitos e relevâncias fundadas num particular modo de existência. Este enquadramento é, em larga medida, uma construção inconsciente que estrutura a percepção e o pensamento, excluindo certas realidades e promovendo e configurando outras. Há assim, dois componentes básicos no sistema pelos quais a imprensa identifica e interpreta as notícias. Em primeiro lugar, há um enquadramento conceptual e valorativo que a) permite a classificação dos acontecimentos em tipo de histórias (política, interesse humano, etc.) b) molda o significado do acontecimento, tornando-o compreensível em temos do sistema ideológico e definindo-o implicitamente num conjunto de maneiras: legítimo, ou ilegítimo, único ou semelhante a outros acontecimentos, etc. Este enquadramento conceptual e valorativo funciona como um componente político da ideologia da imprensa porque reproduz o sistema dominante de significação da elite. Porém, haverá a considerar uma segunda componente do enquadramento ideológico que é mais tipicamente profissional: os códigos de utilização da ideologia são fornecidos pelos imperativos profissionais do jornalismo. Morley refere que o trabalho sobre um greve pode apresentar-se equilibrado e objectivo, na medida em que são escutados igualmente representantes sindicais e 4 3

representantes patronais. Todavia, o enquadramento ideológico pode verificar-se no facto de a notícia – e os depoimentos solicitados – incidir mais sobre os efeitos da greve (o prejuízo que esta pode causar ou não) do que nas causas da mesma. Autores vários dão como exemplo da relação entre enquadramento e ideologia o que se verificou durante a Administração Reagan, quando os media norte-americanos aceitaram a definição de El Salvador como um caso de segurança nacional, ou o que se passou durante a Guerra do Golfo, no decurso da qual, a Administração Bush confinou o debate politico nos media à discussão sobre a opção apropriada para castigar o Iraque pela sua agressão ao Koweit. (Pan Kosicki, in Reese, 2001: 42; Hackett, 1993: 121) Steve Hackett considera que é possível desviar a atenção da questão da objectividade e da distorção, abordando a construção social da realidade com recurso à análise da articulação entre enquadramento e a ideologia. Nomeadamente, a análise dos enquadramentos permite ir além da superfície das notícias, alcançando as premissas ocultas na orientação assumida pelo enunciado jornalístico. Segundo, este ponto de vista, a ideologia transcende o simples enviesamento ou distorção. A ideologia, nesta perspectiva, proporciona os enquadramentos através dos quais os acontecimentos são apresentados (cf. Tankar Jr in Reese: 2001: 96). McQuail (2003: 348) recorda como quase todas as notícias sobre União Soviética e a Europa de Leste foram durante décadas enquadradas em termos de «Guerra-fria» ou «Inimigo Soviético», do mesmo modo que, durante décadas, a situação na Irlanda do Norte foi enquadrada como «Ameaça do IRA”. A questão que se levanta é a de saber, porque é que certos enquadramentos são considerados preferenciais em vez de outros. Para isso é necessário uma abordagem que tenha em conta, na análise da dimensão simbólica da construção da realidade, os elementos que dizem respeito ao nível macrossociológico, nomeadamente o poder, o controlo e a dominação exercido por elites que têm um acesso privilegiado ao exercício de determinados recursos sociais e que, por isso, se encontram numa posição privilegiada para exercerem uma posição privilegiada na mediação simbólica. “. Os exemplos parecem sugerir que “de uma forma geral, quanto mais poderosa for a fonte e maior for o controlo do fluxo de informação, tanto maior será à influência externa no processo de enquadramento” (McQuail, 2003: 348).

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IV

Conclusão: estranheza e familiaridade no relato jornalístico

Como insistem os investigadores provenientes da sociofenomenologia, enquanto a humanidade continua em busca de um determinado sentido de ordem, este sentido é continuamente ameaçado por situações marginais que são endémicas à própria existência humana: sonhos, fantasias, emergências, incidentes revelam o carácter contingente da vida quotidiana; todos se apresentam como uma ameaça de grau diversa para a realidade padrão do mundo da vida. (cf. Berger citado por Ericson, Baranek e Chan, 1987: 59). Em face destas ameaças, os seres humanos procuram mecanismos que lhes transmitam ordem e tranquilidade, uma «estrutura de plausibilidade», que assegura a ordem e a estabilidade. O jornalismo pode ser visto, em larga medida, desempenhando um papel central na instauração de uma ordem significativa, envolvendo-se activamente com a constituição de pontos de vista sobre a estabilidade e a mudança, contribuindo para instaurar um consenso de base comunitária. As notícias constituem um meio importante pelo qual a nossa cultura constrói um sentido de ordem e de consensos. (cf. Ericson, Baranek e Chan, 1987: 4; 5). Apesar da imprevisibilidade ser um dos mais poderosos valores notícia e um requisito importante para um facto ser considerado digno de tratamento noticioso, o discurso jornalístico esbate dúvidas, reduz incertezas, classifica e circunscreve, exorciza a insegurança desencadeada pela natureza abrupta do acontecimento. Graças a este discurso, o registo da notabilidade do facto é efectuado no registo de senso comum partilhado por todos (cf. Penedo, 2003: 36). Na prática quotidiana de produção de notícias, o jornalismo tenta apresentar o mundo da forma mais familiar, funcionando como uma espécie de lugar de referência num mundo cada vez mais inseguro. Fornece enquadramentos do mundo que permitem

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ao cidadão médio integrar a novidade constante nos esquemas cognitivos moldados pela vida quotidiana. Essa preocupação em tornar o não familiar em familiar é uma das características centrais do campo do jornalismo que procura estabelecer uma espécie de ordem nos caos circundantes, no quotidiano dos acontecimentos. Assim, escolhe frequentemente abordagens que possa ser compreendidas pelo maior número possível de receptores e que sejam, idealmente, olhadas como passível de ser lidas e assimiladas independentemente das diferentes opções políticas e formação cultural dos seus membros. Neste sentido, desempenha uma função mediadora: exerce a tarefa de traduzir conhecimentos de fontes especializadas de acordo com as competências da audiência, gerando um tipo de conhecimento genérico sintonizado com o senso comum. Este tipo de conhecimento possui entre outras particularidades o ser natural (inerente e intrínseco à realidade), possuir sentido prático, dirigido para cada situação específica e acessível, podendo qualquer um aceder às respectivas conclusões. O trabalho criativo dos media noticiosos é traduzir os pontos de vista de fontes especializadas, isto é dotadas de conhecimentos específicos acerca de uma matéria determinada, no conhecimento próprio do senso comum partilhado por todos (cf. Ericson, Baranek e Chan, 1997: 17). Assume, assim, uma postura centrada na inteligibilidade e na comunicabilidade, que passa por obter uma sintonia com a vida quotidiana dos seus receptores tornando o cidadão comum como seu receptor privilegiado e protagonista preferencial. Esta postura passa frequentemente por uma sintonia com as regularidades sociais vigentes e pela adopção de enquadramentos e de formatos que reproduzem, em larga medida, o que é consensualmente aceite como o corpo de valores que integram a visão relativamente natural da comunidade em que se insere. Apesar do que atrás fica dito, os media oscilam numa dialéctica entre a erupção do que é novo e a integração do novo acontecimento numa ordem de significação composta por um corpo social de conhecimentos previamente adquiridos. As notícias constituem um meio importante pelo qual a nossa cultura constrói um sentido de ordem e permite a partilha de consensos sociais que reproduzem mapas de significação nos quais os acontecimentos adquirem um sentido dentro da ordem social dominante. Porém, os media noticiosos, apesar de reflectirem um certo olhar mediano, buscando uma elevada sintonia com a vida quotidiana (cf. Altheide, 1985: 45), também são veículos privilegiados de contacto com realidades que se distanciam do mundo da vida.

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Apesar das enormes preocupações por parte de jornalistas, editores e proprietários em fazerem um produto isento de complexidades, que confirme as tipificações socialmente aceites no mundo da vida quotidiano, apesar da tendência imposta pelas necessidades organizacionais e institucionais para construir o mundo com base na experiência e em rotinas quotidianamente adquiridas, os media de massa encontram-se numa posição ambígua e reflectem as profundas contradições no seio do campo: imperativos concorrenciais cada vez mais agressivos, desejo de responder às audiências, fragmentação do mercado, imperativos deontológicos, segmentação de audiências, cultura profissional, rotinas e disputas simbólicas entre fontes dotadas de acesso desigual entram em tensão. O enunciado jornalístico aproxima-se, é certo, do quotidiano. Porém, ao mesmo tempo, também é a linguagem própria do jornalismo que aproxima essa quotidianeidade dos espaços de diferença e de estranheza. Encontra-se, assim, no jornalismo, os traços de um movimento de oscilação: entre um mundo da vida marcado pela tipicidade e pela familiaridade e a aproximação a outras realidades múltiplas. Por um lado, é impossível negar a importância da linguagem jornalística na formação das concepções do mundo, na construção dos consensos sociais, na percepção dos desafios inerentes ao ambiente social envolvente, na criação de espaços de estabilidade e segurança. Porém, terá de simultaneamente de se ter em conta o modo como, seja ao nível organizacional, seja ao nível da linguagem, reflecte uma visão dos conflitos de interesses e das desigualdades nas relações de poder e de dominação nas sociedades complexas. A forma de conhecer específica do jornalismo distingue-se exactamente por permitir a acessibilidade das novas classes urbanas a saberes especializados, os quais são tornados acessíveis a todos. É responsável pela acessibilidade de temas políticos, económicos, sociais e culturais, tornando-os acessíveis a quem não possui conhecimentos de natureza sistemática e formal sobre esses temas. Os media são a origem e a possibilidade por vezes única de contactos que transcendem a realidade – padrão do mundo da vida, nomeadamente ao nível de coordenadas espácio-temporais mais directas. São a forma mais imediata de permitir que vastas camadas das suas audiências se relacionem com províncias de significado finito que transcendem o mundo da vida quotidiano. A sua natureza e acessibilidade implica contraditoriamente, funcionar como mecanismos de controlo social mas implica também induzir uma abertura a fenómenos

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que transcendem a vida quotidiana tentando que o seu significado se incorpore na atitude natural dos cidadãos médios. Segundo esta hipótese, talvez a força do jornalismo, nas sociedades marcadas pela contingência, diga respeito à sua capacidade de criar um espaço de diálogo comum – um espaço de visibilidade mediática – que permita a transição entre realidades múltiplas, estabelecendo pontes entre o cidadão vulgar e outras províncias de significado que exigem um grau de perícia, de capacidade crítica ou esforço imaginativo que ultrapassam o pragmatismo da atitude natural. Isto é válido para províncias de significado como sejam a ciência, a cultura e a intervenção cívica, ou a aproximação de identidades diferenciadas. Assim, o jornalismo ficará ao nível de instauração de um espaço de mediação entre o senso comum sintonizado com a realidade quotidiana e com o acesso a saberes e posturas que implicam um deslocamento em relação a essa realidade – padrão. Estabelece uma dialéctica entre a busca de uma ordem e a construção de mapas de significação partilhados e o facto de se relacionar preferencialmente com a realidade na detecção do que é estranho e inesperado.

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