O jornalista como curador em um cenário algorítmico

May 27, 2017 | Autor: G. D'andréa Rodri... | Categoria: Programação Algoritmos, Jornalismo Digital, Gatekeepers, Algoritmo, Curadoria de Conteúdo
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O JORNALISTA COMO CURADOR EM UM CENÁRIO ALGORÍTMICO

Gabriella D'Andréa Rodrigues
Universidade de São Paulo

RESUMO
O advento da internet permitiu que qualquer usuário fosse um potencial produtor de conteúdo, aumentando exponencialmente a quantidade de informações disponível. Esse crescimento gerou a necessidade de organizar e estruturar as informações. Nesse contexto, foram criados algoritmos que têm como tarefa filtrar e personalizar aquilo que chega a cada usuário. O presente artigo aponta a importância dos jornalistas no processo de curadoria das informações e caminhos para que o profissional trabalhe em conjunto com os algoritmos.

Palavras-chave: algoritmo; curadoria; dados; jornalista.

O algoritmo-curador na profusão informativa

Uma das características do ciberespaço é a possibilidade de aportar um grande número de dados. Diferentemente de uma prateleira, o ambiente online não impõe limites quanto ao número de narrativas que ali cabem. O resultado é uma sobrecarga de informações, expressão cunhada em 1970 pelo escritor e futurista Alvin Toffler. Seu desdobramento reside na dificuldade de absorção da ampla oferta de informações e na falta de garantia que os dados serão trabalhados para virar informações e, posteriormente, conhecimento (Côrrea e Bertochhi, 2012).
Para lidar com o excesso informativo, algoritmos foram desenhados com o objetivo de fazer a curadoria dos conteúdos oferecidos em websites, aplicativos e outros dispositivos móveis. O código de programação consiste em um passo a passo para cumprir uma determinada tarefa. No caso dos algoritmos curadores, a meta é levar a cada usuário o que há de mais relevante de acordo com seus interesses, já que, em meio à profusão de informações disponíveis, a atenção se torna um bem escasso e, ao mesmo tempo, valioso (Parisier, p.27, 2012).
Atualmente, sites como Google e Facebook trabalham com algoritmos potentes – Page Rank e Edge Rank, respectivamente - para levar a seus usuários conteúdo personalizado, ou seja, para oferecer aquilo que supostamente é relevante para cada um. No caso da mídia social, se não houvesse o algoritmo, cada usuário teria acesso a 1.500 publicações por dia. Mas a filtragem faz a priorização de 300 posts diários.
Se levarmos em consideração que a exibição de um conteúdo na página de buscas ou na linha do tempo do usuário é feita com base em um sistema, é possível questionar onde fica o papel de mediador/curador que o jornalista historicamente exerce. Como colocado por Côrrea e Bertocchi (2012),
"Estamos diante de um cenário cibercultural para o mundo informativo que disponibiliza para as redações contemporâneas uma rede mundial de computadores com um excesso de informações nunca visto; uma proposta de médio prazo de uma outra rede – WS; uma realidade iminente de um processo de construção da opinião coletiva pautado por plataformas baseadas em algoritmos curadores"

O papel do jornalista

Com esse pano de fundo, a função de gatekeeper do jornalista, de decidir aquilo que será ou não publicado, passa a ser exercida por um sistema algorítmico. Antes, o critério de seleção de notícias era pautado pela linha editorial do grupo do qual o jornalista fazia parte e pelo cenário em que se encontrava (WOLF, 2012). Na configuração vigente, em que as redações jornalísticas se deparam com uma filtração automatizada, o conceito de gatekeeper no jornalismo é ressignificado. Agora, as narrativas são pensadas a partir da relevância atribuída pelo código.
No entanto, a lógica não deve ser baseada na substituição, e sim no trabalho em conjunto com ferramentas que apoiem o jornalista no trabalho de curar informações em meio a uma crescente base de dados. Como analisado por Côrrea e Bertocchi (2012), o trabalho do jornalista é fundamental, pois um algoritmo não é capaz de fazer análises mais complexas, ter empatia com os usuários e oferecer conteúdos que, a priori, não se enquadram no perfil de cada um. Cabe ao comunicador agregar à construção do algoritmo seus conhecimentos sociais e culturais, em um processo de refinamento do código, e adquirir conhecimentos que facilitem o diálogo com aqueles códigos já existentes.
Para atingir esse ideal, existem alguns caminhos possíveis. Um deles é saber trabalhar técnicas de SEO (Search Engine Optimization), que consiste em produzir um conteúdo no qual seja possível desenvolver título, olhos, tags e metadados de forma estratégica, a fim de melhorar seu posicionamento em sistemas de busca de forma orgânica. A habilidade torna-se indispensável diante do extenso campo de informações que a web dispõe, o que cria uma competição entre aqueles que produzem conteúdos e desejam que eles sejam vistos nas primeiras páginas de motores de busca.
Outro meio de caminhar em um ambiente de abundância informativa é o trabalho do jornalista na configuração do publicador utilizado, o CMS (Content Management System). As plataformas permitem que o comunicador incorpore as palavras-chave que são estratégicas dentro de determinada linha editorial, marcando o conteúdo que será personalizado pelo algoritmo. Portanto, além de fazer uma análise do segmento com o qual conversa, o jornalista deve fazer o trabalho prévio de definir marcadores – etapa englobada pelo SEO (Côrrea e Bertocchi, 2012).
Também é importante levar em consideração que sistemas de inteligência artificial já conseguem processar uma enorme base de dados e produzir notas informativas, como é o caso da agência de notícias Associated Press, que possui um software imbuído de algoritmos que analisam relatórios financeiros de empresas e produzem notas entre 150 e 300 palavras. Mesmo que conteúdos mais extensos possam ser produzidos no futuro, a capacidade de se aprofundar nos assuntos e oferecer óticas diferentes sobre uma mesma base de dados deve ser desenvolvida por jornalistas. Portanto, emerge a necessidade de desenvolver a capacidade de compilar e analisar dados, fazendo correlações entre aquilo que se apresenta em uma planilha e questões relevantes no cenário contemporâneo, articulação que um algoritmo sozinho não consegue fazer (Rogers apud Côrrea e Bertocchi, 2012).

Considerações finais
O desenvolvimento de algoritmos que organizam e filtram informações foi essencial para uma navegação menos caótica. No entanto, a personalização excessiva pode acabar prejudicando a visão de mundo dos usuários, colocando-os em uma bolha ideológica (Parisier, 2012). Diante desse fato, fica clara a importância da atuação do jornalista como curador em um cenário permeado por algoritmos. Para tal, o comunicador deve se atualizar e ficar em linha com as ferramentas que darão o suporte necessário para levar os conteúdos desejados até os usuários.
Também é importante observar que a interação constante entre jornalistas e algoritmos já tem refletido nos cursos de jornalismo de universidades norte-americanas. Ciente de que a curadoria jornalística dialoga diretamente com os códigos programáticos, a academia tem oferecido uma formação interdisciplinar, combinando o ensino de ciências sociais ao de tecnologia da informação. A Universidade de Columbia, por exemplo, criou, em 2014, um mestrado em comunicação com linhas de pesquisas voltadas à elaboração de algoritmos e programação de base de dados (Renó e Renó, 2015).

Bibliografia

CARPANEZ, Juliana. A nova bolha. Disponível em: http://tab.uol.com.br/nova-bolha/. Acessado em: 9 de outubro de 2016.

GREGO, Maurício. Na Associated Press, robô vai produzir notícias financeiras. Exame.com. Disponível em: http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/na-associated-press-robo-vai-produzir-noticias-financeiras. Acessado em: 9 de outubro de 2016.

PARISIER, Eli. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

RENÓ, Luciana, RENÓ, Denis. Jornalismo de dados e tecnologia: algoritmo na produção transmídia. Razón y Palabra Online, Primera Revista Electrónica en Iberoamérica Especializada en Comunicación, n 92, Diciembre 2015 – Marzo 2016. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=199543036048. Acessado em: 9 de outubro de 2016.

SAAD CORRÊA, Elizabeth; BERTOCCHI, Daniela. A cena cibercultural do jornalismo contemporâneo: web semântica, algoritmos, aplicativos e curadoria. Matrizes (Online), Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo, v.5, p. 123-144, 2012. Disponível em: http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/MATRIZes/article/viewFile/8141/7508. Acessado em: 9 de outubro de 2016.

SAAD CORRÊA, Elizabeth; BERTOCCHI, Daniela. O algoritmo curador: o papel do comunicador num cenário de curadoria algorítmica de informação. XXI Encontro Anual compós, junho. 2012. Disponível em: http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/2852/Elizabeth%20Saad%20Corrêa.pdf?sequence=1. Acessado em: 9 de outubro de 2016.

WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. Martins Fontes, 2012.





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