O Juiz e a Prova Pericial no Novo Código de Processo Civil – produção e controle

July 4, 2017 | Autor: Murilo Avelino | Categoria: Perícia, Novo Código De Processo Civil Brasileiro, Provas No Processo, Jurisdição
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Artigo Publicado na Revista de Processo n° 242. Referência: AVELINO, Murilo Teixeira. O juiz e a prova pericial no novo Código de Processo Civil – Produção e controle. Revista de Processo. Vol. 242. ano 40. p. 67-87. São Paulo: Ed. RT, abr. 2015.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (FDR-UFPE), Especialista em Direito Constitucional, Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, Advogado e Professor.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil – vol.1. São Paulo: Atlas, 2014. p. 463.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Problemas atuais da livre apreciação da prova. In.: OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org.). Prova Cível. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 56
É o caso clássico da investigação de paternidade, onde, muitas vezes, só há disponível o exame de DNA. Nesse sentido: TJPE, AC 320669-1, Relator Desembargador Eurico de Barros Correia Filho, 4ª Câmara Cível, DJE 09/04/2014.
Idem. Ib idem. p. 56. Esclarece, ainda, o autor: "Nesse ponto, impõe-se observar que nos sistemas ligados ao common law essa consequência tende a ser minimizada, em virtude de neles ser a prova produzida exclusivamente pelas partes, verificando-se além disso exacerbado contraditório entre as testemunhas técnicas trazidas ao confronto, valendo ressaltar a inexistência de perito de confiança do órgão judicial." (p. 56). Em nosso sistema, em face deste fenômeno de valorização da prova produzida pelo expert, ganha importância cada vez mais destaca a figura do assistente técnico, pois possibilita à parte o exercício do contraditório em face da prova técnica produzida pelo auxiliar do juízo. Apresentando perspectiva diversa para o problema: ALMEIDA, Diogo de Assumpção Rezende. A prova pericial no processo civil: o controle da ciência e a escolha do perito. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 77, ao afirmar que há uma presunção de imparcialidade e idoneidade do perito, o que leva "o juiz a deixar de exercer o controle adequado sobre o resultado da perícia e de investigar se a aparente capacitação técnica do perito de fato existe. A conclusão do laudo é transposta para a fundamentação da sentença sem maiores reflexões."

ALMEIDA, Diogo de Assumpção Rezende. A prova pericial no processo civil: o controle da ciência e a escolha do perito. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 79.
Não se olvide, pois, as recentes teorias a respeito da relativização da coisa julgada. É reconhecida a possibilidade de repropositura da ação para reconhecimento de vínculo de paternidade, mesmo após o trânsito em julgado, quando as técnicas utilizadas à época do primeiro processo não eram acessíveis ou suficientes para a prova do vínculo.
Em face do dogma da irrelevância da vontade das partes dentro do processo, diversos autores como Daniel Mitidiero e Cândido Rangel Dinamarco não admitiam, sob a vigência do CPC/73 a possibilidade de negócios jurídicos processuais. Sob a vigência do NCPC, essa perspectiva foi descartada, mormente em face do seu artigo 189. Sobre o tema, tratamos em outro artigo, intitulado Art. 189 do NCPC e os negócios jurídicos processuais atípicos, ainda no prelo.
É a ideia de AROCA quando afirma que "a função da jurisdição deve orientar-se no fato de que o juiz, sendo terceiro e imparcial, é o último garante dos direitos que a ordem jurídica reconhece ao indivíduo, seja qual for o ramo do Direito que se tenha em conta. Naturalmente os direitos que mais importam são os fundamentais, eis que de maior transcendência, mas o certo é que a garantia se refere a todos os Direitos. Na aplicação do direito privado deve-se, por meio do processo, fazer com que o particular veja seus direitos subjetivos – de caráter econômico, ou não –, tal como afirmados, foram examinados e decididos conforme as garantias próprias do processo." In.: AROCA, Juan Montero. Prova e verdade no processo civil – contributo para o esclarecimento da base ideológica de certas posições pretensamente técnicas. DIDIER JR., Fredie; NALINI, José Renato; RAMOS, Glauco Gumerato; LEVY, Wilson. (orgs). Ativismo Judicial e Garantismo Processual. Salvador: JusPodivm, 2013. pp. 503-504.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao código de processo civil, vol. 5: do processo de conhecimento, arts. 332 a 341, tomo 1. São Paulo: RT, 2005. p. 122.
Idem. Ib idem., p. 134. No mesmo sentido, Ravi Peixoto e Lucas Buril: "Ao juiz, então, não cabe encontrar a verdade, mas, como política de qualidade para o processo, admitir que busca a verdade, servindo tal ideal como fundamento axiológico para a prestação jurisdicional, legitimando-a eticamente, no entanto, tendo plena ciência do intransponível limite de sua atividade cognitiva: deve atribuir significado (valorar) às proposições de fato das partes. A 'verdade' atingida no processo é dialética, alcançada mediante o convencimento intersubjetivo pelo discurso, tendo fundamento no procedimento e na autoridade do mesmo, como meio coercitivo de objetivação. Em outras palavras, a busca da verdade é um dos elementos essenciais à legitimação da atuação jurisdicional mediante o processo." MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. Ônus da prova e sua dinamização. Salvador: JusPodivm, 2014. p.66
Nesse sentido, AROCA questiona qual a função da prova. Há estreita relação, ainda que multívoca, entre prova e verdade. A prova, talvez, figure como um elemento de busca aproximada da verdade. O processo não pode abrir mão de chegar o mais próximo da realidade, ainda que, em face da constatação de que os fatos são únicos e irrepetíveis, o máximo que se pode buscar da verdade é uma aproximação, da qual não pode fugir o processo, ainda que se tenha consciência de que o fato que se deseja provar não será mais reproduzido. In.: AROCA, Juan Montero. Ob. Cit., pp. 501-502.
ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende. Ob. Cit., p. 118.
Sempre que o conhecimento técnico exigido para a elucidação das questões de fato for superior ao conhecimento médio (há certos conhecimentos técnicos admitidos ao homem-médio), é necessária a prova pericial. Mesmo que o magistrado disponha de conhecimento técnico específico na área de conhecimento exigida para a perícia (p.ex., um juiz que tem formação em direito e em engenharia civil), ele não poderá dispensar a perícia e a nomeação de um perito. É que ao juiz não é permitido o acúmulo de funções no processo. "Tanto quanto o juiz-testemunha, o juiz-perito é recusado pelo sistema" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil – vol.3. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 586).
Utiliza-se como referência a numeração dos artigos constante na versão aprovada pelo Senado Federal. É que, quando da elaboração do presente trabalho, o texto final do Novo Código de Processo Civil ainda estava pendente de sanção pela Presidência da República.
Vide, p.ex., art. 477, §3° do NCPC (em comparação ao art. 439, parág. único do CPC/73); art. 366 do NCPC (que retirou a expressão "livre" constante no original do PL 166); art. 368 do NCPC (em comparação ao art. 131do CPC/73); art. 423 do NCPC (em comparação ao art. 386 do CPC/73).
O texto deixa a dúvida: um profissional "legalmente habilitado" tem que estar regularmente inscrito nos órgãos de controle de sua profissão? Por exemplo, para que um engenheiro funcione como perito no processo, é necessário que esteja regulamente inscrito no CREA? Entendemos que sim, na medida em que, para o exercício da profissão de engenheiro, é necessário que esteja o profissional inscrito no órgão. Como a perícia é uma das atividades desenvolvidas pelo profissional, para que seja regular, exige a inscrição no conselho de fiscalização. Tal requisito faz parte da habilitação legal.
A lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais) já trazia a previsão de procedimento semelhante em seu artigo 35. Trata-se exatamente de produção de prova técnica simplificada.

Carlos Alberto Álvaro de Oliveira já adiantava a necessidade de se admitir este negócio jurídico processual típico pois, "no presente estágio de desenvolvimento da sociedade brasileira, seria de todo conveniente desfrutasse o perito da confiança não só do órgão judicial mas também dos litigantes. Dentro dessas coordenadas, tudo aconselha – nomeadamente nos parâmetros de uma desejável e inafastável visão cooperativa do processo – a prévia audição das partes a respeito da escolha do expert, possibilitando-lhes até sugerir que deva realizar a diligência. Com essa providência – que pode ser adotada inclusive sem lei expressa a respeito – em muito ganharia a busca da verdade dentro do processo, mormente nas espécies de alta complexidade técnica ou científica, possibilitando-se o exercício da livre apreciação da prova com legitimação externa mais acurada do Poder em face da sociedade civil." In.: OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Ob. Cit. p. 58. O autor faz referência, ainda, ao artigo 568, 2, do CPC Português, onde orienta-se pela oitiva das partes antes de nomeação do perito.
CINTRA, Antonio Carlos Araujo de. Comentários ao Código de processo civil, vol IV: arts. 332 a 475. Rio de Janeiro: Forense, 2000. pp. 201-202.
Tratamos de legitimidade reforçada pelo fato de que a atuação do perito nomeado pelo procedimento geral do código também é legítima, sendo também objeto de controle pelas partes. No caso, todavia, trata-se de uma escolha delas próprias, diminuindo a possibilidade de desconfiança e questionamentos durante e após a produção da prova.
Mais uma vez, a nós não parece haver qualquer sinal de adversarialidade na escolha comum do perito. Na verdade, denota-se cooperação. O processo adversarial caracteriza-se pelas partes colocadas em polos opostos da relação, adversárias – não é sem razão que nos EEUUA os cases são identificados com o "versus". Não é o que ocorre aqui. No momento da escolha consensual do perito as partes estão caminhando juntas e não em vias opostas. Trata-se do processo cooperativo.
Atente-se: o juiz não está apto a analisar a aptidão do método para a comprovação do fato. Sua análise recairá sobre a comprovação que fez o perito a respeito de sua confiabilidade e aceitação em sua área do conhecimento, podendo pesar este elemento com os demais elementos de prova nos autos.
"No momento em que o juiz escolhe o perito, a confiança que nele deposita pode implicar com frequência em verdadeira delegação da jurisdição sobre a matéria técnico-científica. O próprio juiz se torna presa das conclusões da perícia, pela impossibilidade de controle da sua credibilidade, o que, segundo RICCI, acaba por transformar a perícia numa prova legal, que se sobrepõe à própria livre convicção." GRECO, Leonardo. A prova no processo civil: do código de 1.973 ao novo código civil. Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005., p. 388. Apud ALMEIDA, Diogo de Assumpção Rezende. Ob. Cit., p. 68 (nota 131).
TARUFFO, Michele. La motivación de La sentencia civil. Madri: Editorial Trotta, 2011. pp. 333-343.
ALMEIDA, Diogo de Assumpção Rezende. Ob. Cit., pp. 68-69.
DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso de Direito Processual Civil – vol. 2. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 224. No mesmo sentido, ALMEIDA, Diogo de Assumpção Rezende. Ob. Cit., p. 106, ao afirmar: "Na busca da verdade do fato científico, o juiz deve, pois, se certificar que a verdade científica apresentada corresponde àquilo que pensam os pesquisadores da área no momento em que a prova é produzida, sob pena de se pribilegiar uma falsa verdade."
CAMEJO FILHO, Walter. Juízo de Admissibilidade e juízo de valoração das provas. In.: OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org.). Prova Cível. Rio de Janeiro: Forense, 2005. pp. 6-7. Adiante, afirma o autor que as normas que regulam o tema "impõem limitações em dois momentos distintos: como juízo de admissibilidade, onde os parâmetros referem-se ao objeto da prova, aos meios probatórios, bem como aos procedimentos empregados nas operações referentes à colheita de material probatório. E como juízo de valoração, quando os participantes do processo influenciam o convencimento judicial, principalmente levando-se em conta o moderno caráter de colaboração do processo." (p. 23). Assim, corrobora-se com a ideia de que a admissibilidade e valoração da prova servem como instrumentos à garantia de direitos e à legitimação da função jurisdicional.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Ob. Cit., p. 229.
Idem. Ib idem., p. 231. Marinoni e Arenhart citam Michele Taruffo no exame da matéria: "la verità non scaturisce solo dalle prove favorevoli all'esistenza di quel fatto, ma anche – e soprattutto – dal confronto tra prove favorevoli e prove contrarie. Se le prove contrarie ad una determinata ipotesi, l'accertamento di quel fatto non è adequatamente giustificato, in quanto non risultano le ragioni per le quali se esclude che tale accertamento potesse essere diverso. Occorre poi considerare che una motivazione 'implicita' è in realtà una non-motivazione: il fatto che il giudice giustifichi la própria decisione facendo riferimento alle prove A, B e C non dice nulla, e quindi non la giustifica in alcun modo, intorno alla decisione di non considerare rilevanti le prove contrarie D, E ed F. Se il giudice ha ritenuto queste prove non attendibili, deve spiegare adequatamente le ragioni di questa sua valutazione; in caso contrario la motivazione del giudizio di fatto è incompleta". (pp. 231-232, nota de rodapé n. 9).
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Ob. Cit., p. 61.
Idem. Ib Idem., p. 60.
CINTRA, Antonio Carlos Araujo de. Ob. Cit., p. 227-228.
Idem. Ib idem., p. 228.
ALMEIDA, Diogo de Assumpção Rezende. Ob. Cit., pp. 124-125.
O Juiz e a Prova Pericial no Novo Código de Processo Civil – produção e controle
Murilo Teixeira Avelino

Resumo: O novo Código de Processo Civil verte nova luz a respeito da produção e do controle da prova pericial. A aplicação de conhecimentos científicos na produção da prova, necessária à elucidação de matérias objeto de apreciação judicial, exige cuidado especial tanto na escolha do expert quanto no controle de sua atuação no processo. Não basta ao juiz valorar o resultado da prova cientifica, é imperioso que fiscalize também sua produção, em constante diálogo com partes e auxiliares do processo. Este trabalho visa contribuir – ainda que minimamente – com o tema, sob a ótica do processo cooperativo.
Palavras-chave: Prova Pericial; Controle da Prova; Novo Código de Processo Civil; Princípio da Cooperação.

Abstract: The new Brazilian Civil Procedure Code sheds new understanding about the production and control of expert evidence. The application of scientific knowledge in the production of the evidence necessary for the elucidation of the object of judicial consideration requires special attention in the choice of the expert and in controlling its activities in the procedure. It is not enough just to evaluate the result of scientific proof, it is imperative that the judge also control its production, in constant dialogue with the other parties and court auxiliaries. This work aims to contribute - even minimally - with the theme from the perspective of the cooperative process.
Keywords: Expert Evidence; Control of the Evidence; New Brazilian Procedure Code; Principle of Cooperation.

1. O estado atual da questão.
O tema da produção e controle da prova pericial no processo não é fácil, especialmente pela necessidade de se valer de conhecimentos científicos na investigação dos fatos. O juiz se depara com informações que não é capaz de compreender por si só, em virtude da natural falta de conhecimento especializado necessário. Esta tensão entre processo e ciência nos interessa:
Não há dúvida, nessa perspectiva, de que a confiança, até certo ponto indispensável, na informação científica impenetrável ou de difícil acesso, aumenta a tensão entre a liberdade para apreciar a prova e o processo cognitivo normal, pondo em xeque o próprio princípio da livre apreciação da prova.
Assim, a praxe trouxe à tona um problema: como controlar a prova produzida através da aplicação de conhecimentos técnicos indisponíveis ao juiz e às partes do processo? Sem dúvida, o contexto probatório produzido nos autos delimita sua aptidão para o convencimento. Contudo, nas hipóteses onde a única prova disponível é o exame ou laudo pericial, temos nos deixado levar pela saída mais fácil: atestando o expert a solução de fato, toma-se a afirmação como verdade insofismável, livre de qualquer possibilidade de dúvida, não seja pela atuação dos assistentes técnicos que, quando presentes, são sujeitos necessariamente parciais. É nesse contexto que se põe a discussão a respeito da possibilidade de o órgão judicial transferir, em alguma medida, a sua função judicante ao expert, sem legitimação para tal. Diogo Assumpção Rezende de Almeida traz interessante perspectiva do problema:
Controlar o resultado da perícia, que já é atividade improvável na hipótese de nomeação do perito pelo juiz, torna-se algo quase impensável quando é criado o mito de que todas as afirmações e conclusões obtidas no laudo devem ser consideradas verdadeiras. Mais do que isso. As assertivas do perito são verdadeiras, porquanto baseadas na ciência, esta sim infalível.
Acrescente-se ao problema a necessidade de o processo ter fim em prazo razoável, atingido pela imutabilidade da coisa julgada. Ocorre que as técnicas utilizadas pela ciência são mutáveis e sujeitas às variações do desenvolvimento tecnológico. A ciência não produz uma certeza petrificada e está em constante processo de desenvolvimento; o processo exige uma certeza estável, a certo termo imutável.
Não se pode simplesmente desviar do problema, principalmente no alvorecer de um novo processo civil, coroado com a recente aprovação de um Novo Código de Processo Civil. Estamos no olho do furacão, no momento de fomentar dúvidas, esmiuçar o novo texto, encontrar os problemas e propor soluções.
Deve-se dizer, no que refere ao tema ora abordado, a perspectiva é favorável. O controle judicial da prova pericial ganhou um elemento novo: a possibilidade as partes indicarem, consensualmente, o perito que deverá atuar no processo (art. 468 do NCPC), um bom exemplo, dentre os diversos negócios jurídicos processuais típicos consagrados no NCPC. Poder-se ia dizer que esta alternativa denota as características de um modelo adversarial de processo, o que não seria tecnicamente adequado afirmar. Esta é uma tendência do processo cooperativo, no sentido de aproximar as partes e reduzir a litigiosidade.
O processo civil está em um momento de virada. As lições do instrumentalismo já estão consolidadas e o desenvolvimento da relação entre processo e Constituição nos coloca perante um novo marco: o neoprocessualismo ou formalismo-valorativo. Há direitos fundamentais processuais inseridos na Constituição, destacando-se a garantia do contraditório e devido processo legal. Como corolário, pode-se afirmar o direito fundamental à prova, apto a reger a atuação de todos os sujeitos do processo – partes, juiz e demais intervenientes, como peritos. Nesse contexto, é através da jurisdição que o Estado-Juiz oportuna a aplicação de todos os princípios, regras e direitos fundamentais consagrados no texto constitucional à relação processual.
Ponto nevrálgico dentro do processo é a prova, pois é através dela que o magistrado se convence a respeito dos fatos alegados, elemento indispensável à causa de pedir e, por conseguinte, à procedência ou não do pedido. A decisão, produto final da atividade jurisdicional, tendente à solução do conflito apresentado é fruto de uma atividade criativa. O juiz, ao decidir o conflito, deve fazê-lo em um ambiente de diálogo, de participação e cooperação com as partes e demais sujeitos. E tratar o processo como um ambiente dialógico é indispensável para compreender a real função das provas neste exercício: o juiz não pode mais ser visto como o único destinatário da prova. Ainda que seu destinatário imediato, as partes também dialogam entre si, tendo como destinatário da prova por si produzida também o seu adversário, pois que a prova se põe a convencer todos os sujeitos da relação processual. A inclusão do juiz no ambiente cooperativo do processo, como sujeito do contraditório, volta atenções à solução justa do litígio. O processo não deve ter por escopo resolver, mas solucionar os conflitos.
O juiz adquire papel fundamental nesse fenômeno ao proporcionar e participar do diálogo processual, efetivando o contraditório, o devido processo legal, a boa-fé e a cooperação no processo. Ao mesmo tempo em que assume, no processo democrático, a posição de sujeito do contraditório, deve propiciar um ambiente de diálogo que favoreça a tomada de uma decisão justa. Tudo isso somente é possível através de um controle sobre a produção e valoração das provas produzidas.
Marinoni e Arenhart, ao tratar do problema da verdade no processo, apresentam perspectiva de grande interesse: "Como é lógico, uma decisão definitiva é legítima quando resulta de um processo que confere às partes a devida oportunidade de participação. É essa participação que legitima a coisa julgada material, e não o encontro da verdade dos fatos.". A oportunidade de participação de todos os sujeitos processuais é indispensável à legitimação da prestação da atividade jurisdicional. Continuam os autores:
É certo que o juiz deve buscar se convencer da verdade. Mas, essa convicção se faz com base na argumentação ou nas provas trazidas ao processo, inclusive as determinadas de ofício, o que gera uma verdade construída no processo. O que legitima a decisão jurisdicional ou a coisa julgada é a devida participação das partes e do juiz, ou melhor, as próprias regras que criam as balizas para a construção da verdade processual.
A verdade, como essência, é inalcançável; a segurança para as decisões judicias, decorrente do debate democrático no processo, é exigência. A verdade, então, passa a ser um valor, um objetivo que, apesar de inatingível, preenche o significado do processo como veículo de prestação de uma atividade jurisdicional justa e legítima. Busca-se a convicção de verdade no processo.
Tudo isso só reforça o problema principal: em face da necessidade da atuação de um perito, com um conhecimento específico em relação a uma área do conhecimento desconhecida para os demais sujeitos do processo, a figura consagrada como auxiliar do juízo, na prática, pode atuar como o próprio juiz caso suas afirmações de fato sejam tomadas por verdade. Esse quadro demonstra, por si só a importância dos instrumentos que possibilitam verificação mais profunda a respeito de como fora produzida a prova técnico-científica, em sua forma e seu conteúdo, antes, durante e depois de sua produção.
Em uma das poucas monografias dedicadas à matéria, Diogo Assumpção Rezende de Almeida, é enfático: "Não é exercida nenhuma espécie de controle sobre a lei científica ou técnica dotada nem se verifica se realmente foi devidamente empregada aos fatos da causa. É considerado verdadeiro o resultado da perícia e, a partir daí, o juiz passa a decidir. Na verdade, o perito já havia decidido." Caso não haja controle a respeito da prova produzida, a sentença passa a funcionar como mero ato de homologação e "juridicização" da decisão do perito. Transferir ao perito, ainda que indiretamente, poderes decisórios, é ferimento direto ao devido processo legal. A função jurisdicional é indelegável.
2. O princípio da Cooperação processual e a ampla participação dos sujeitos processuais.
O princípio da cooperação processual surge como marco de um processo civil constitucionalizado, fruto do neoconstitucionalismo. A Constituição assume posição central no ordenamento jurídico, irradiando valores, princípios e regras a todos os demais ramos do direito. O processo civil não fica de fora, absorvendo a influência das normas e preceitos constitucionais.
O princípio da cooperação representa uma virada na concepção do processo civil moderno. O estudo do processo como uma relação triangular ou piramidal, consagra um processo que não funciona como ambiente para a justa solução de conflito, mas sim de disputa de interesses das partes, digladiando-se por uma solução que os favoreça, enquanto o Estado se posiciona como ser poderoso, juiz imparcial perante o qual devem se dirigir as partes na demonstração de suas razões.
Essa visão não mais se coaduna com o princípio constitucional da cooperação. Os atores processuais são postos em posição simétrica em uma relação de colaboração. Isso tudo visando a justa composição do conflito. A perspectiva da relação processual muda, de modo a não mais identificar-se com o processo adversarial – com predomínio de atuação das partes – ou inquisitivo – com predomínio de atuação do juiz – mas sim com um processo cooperativo.
São exatamente os valores de solidariedade, participação, além da aplicação direta dos princípios e dos direitos e garantias fundamentais, que regem a relação processual. O princípio da cooperação, de origem e base constitucional, encontra assim seus fundamentos em outros princípios, com destaque para o Contraditório, o Devido Processo Legal e a boa-fé objetiva. Além deles, os fundamentos de democracia participativa e solidariedade social, consagrados Carta de 1988. A cooperação se relaciona com a produção e valoração da perícia.
A prova pericial pode ser requerida pelas partes da mesma forma que ordenada de ofício pelo juiz. Além disso, as partes podem, através de negócio jurídico processual decidir a respeito de quem será o expert a atuar no processo – trata-se da perícia consensual, figura trazida pelo Novo Código de Processo Civil. Doutra forma, o laudo pericial precisa ser fundamentado, não somente no que concerne aos seus resultados, mas ao método escolhido para o exame. As partes e seus assistentes técnicos podem discutir não só os resultados, mas a forma como a técnica foi aplicada. Isso tudo denota a importância do diálogo para a solução da causa, reforçado pelo NCPC.
A especialidade da figura do perito respeita a um elemento especial de sua atuação: tratar daquilo que nem partes nem juiz estão aptos a fazê-lo, em virtude da exigência de um conhecimento que foge ao homem-médio. O expert vem ao processo pela necessidade de tecer considerações sobre certas questões de fato que exigem uma formação específica. Sob a égide do NCPC, deixa-se de lado a figura de auxiliar do juízo, para tratar do perito como auxiliar do processo, exercendo papel de destacada importância para a solução do conflito.
A prova é produzida para o processo, não para um sujeito ou outro, por isso o reconhecimento de princípios como o da aquisição processual da prova, com desdobramento específico: vez requerida e admitida a produção da prova, ou ordenada de ofício pelo juiz, a desistência de sua produção exige a concordância dos demais sujeitos. A participação deve ser ampla na produção da prova técnica e, ainda que as partes não tenham conhecimento para uma análise mais profunda, a elas é dada a faculdade de nomearem assistentes técnicos, figura intrinsecamente parcial, funcionando como olhos, boca e ouvidos da parte, fiscalizando e cooperando com a produção da prova técnico-científica. A participação do assistente é reforça na novel legislação.
3. A prova pericial no NCPC.
O NCPC inova em diversos pontos no tratamento da prova pericial, não obstante a estrutura básica de sua regulamentação seja mantida. Tratemos, então, das inovações mais sensíveis.
De antemão, merece atenção a diminuição, no texto do NCPC, dos termos "livre" e "livremente" quando se trata do convencimento do magistrado. É que o convencimento não é "livre", mas limitado pelos elementos constantes nos autos. Assim, o sistema da persuasão racional põe limites à atuação do juiz. Deixando de se falar em livre convencimento, reforça-se a necessidade de fundamentação da decisão.
Tratando propriamente da perícia no NCPC, o artigo 145 do CPC/73 encontra correspondência no novo art. 156. O NCPC regula de forma muito mais aprofundada o método de escolha e nomeação do perito. Fala-se agora em "profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado". De fato, o NCPC traz para o texto expediente prático comum no foro, qual seja a manutenção de cadastros específicos mantidos no juízo; não é dispensada, por obvio, a habilitação técnica do expert. É prevista, ainda, consulta pública para a formação do cadastro e um processo de avaliação periódico para sua manutenção.
Se antes para a nomeação do perito bastava o "filtro" da confiança por parte do magistrado, o NCPC acrescenta um maior rigor à escolha, sendo elemento de controle prévio da prova pericial. Há previsão de consulta pública para a formação de cadastro dos peritos vinculados ao Tribunal, e ainda de avaliações periódicas para atualização e manutenção dos dados, verificando-se a formação científica dos cadastrados. Tudo isso favorece a seleção e escolha do especialista, assim como deve proporcionar um aumento na qualidade dos profissionais.
O artigo 157 inova em um ponto específico: quem assinala o prazo para a realização da perícia, agora, é o juiz, e não mais a lei, como dispunha o art. 147 do CPC/73. A norma é consolidação do princípio da adequação e da razoável duração do processo, reconhecendo que a proximidade do juiz com o objeto do litígio possibilita a fixação de prazo mais adequado para a realização do ato, que aquele abstratamente fixado pela lei.
O artigo 461 do NCPC repte as hipóteses de indeferimento da prova pericial do antigo art. 420 do CPC/73. O §2° do dispositivo em comento, todavia, permite ao juiz, de ofício ou a requerimento das partes, substituir a prova pericial pela produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade. O NCPC traz previsão expressa a respeito desta figura que antes não existia no Código.
Justifica-se pela necessidade de se valer de conhecimento técnico-científico para elucidar questão de menor complexidade, onde não é adequado onerar o processo com o tempo e os custos de uma perícia. É uma via alternativa, mais célere e menos custosa para esclarecer questões que fogem ao conhecimento do homem-médio, contribuindo para a concretização dos princípios da razoável duração do processo e da eficiência. Andou bem o legislador ao prever esta figura. Consiste na oitiva de um especialista a respeito de ponto controverso da causa. Podendo ser requerida pelas partes, Ministérios Público ou ordenada de ofício pelo juiz, se produz com o depoimento do especialista em juízo, exigindo formação acadêmica específica na área do conhecimento. Apesar de não estar expresso no dispositivo, deve-se entender pela utilização do cadastro de peritos formado pelos Tribunais.
O procedimento de produção da prova é simplificado, mas o depoimento deve manter o maior nível de profundidade possível, sob pena de não atingir o seu objetivo.
O art. 462 deixa clara a necessidade de nomeação de perito especializado no objeto da perícia, alterando o prazo das partes para a indicação de assistente técnico e apresentação de quesitos de cinco para quinze dias, mais adequado a situações que exijam um exame mais acurado das questões de fato. Prazo este que se estende também à arguição de impedimento ou suspeição do perito. O §2° exige que o perito, ao apresentar a proposta de honorários, também apresente o seu currículo com a comprovação de sua especialização na área da perícia. Mais um elemento de controle prévio na escolha do profissional. Desta vez permitindo as partes que avaliem a capacitação técnica e a experiência profissional do perito que irá atuar na causa. Não comprovada a instrução técnica ideal do perito, podem as partes impugnar sua atuação.
O art. 463 acrescenta ao que já era dito no art. 422 do diploma anterior o dever de o perito assegurar aos assistentes técnicos o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, comunicando-os em prazo nunca inferior a cinco dias antes do ato. É elemento concretizador do contraditório, pois permite a participação das partes, através de seus assistentes técnicos, do momento de realização da perícia. Se antes referimos a dois momentos de controle prévio da perícia, o dispositivo em comento garante o controle concomitante à sua realização. Os assistentes técnicos atuam como verdadeiros fiscais do perito, tanto na aplicação da técnica quanto na interpretação dos resultados obtidos. Apesar de não soar como novidade esta possibilidade, a sua colocação dentro do capítulo da perícia reforça este dever de comunicação e informação do perito.
Merecem atenção apurada, todavia, os novos artigos 468, 470, 474 e 476, na medida em que constroem parâmetros mais sólidos para o tema do controle judicial da prova pericial.
O artigo 468 inaugura uma hipótese típica de negócio jurídico processual para a escolha do perito. Trata-se da chamada perícia consensual. Como noticia Antônio Carlos de Araújo Cintra, Buzaid preconizou a necessidade de diálogo processual para escolha do perito nos debates acerta do projeto do CPC/73, propondo regulação diferente da que foi posta no texto consolidado. Se não houvesse acordo entre as partes, o exame deveria ser realizado por três peritos, onde cada parte indicaria um e o juiz um terceiro "desempatador". O CPC/73, contudo, acolheu o regime de perito único, indicado pelo órgão julgador, admitindo-se a indicação de assistentes técnicos pelas partes.
O NCPC, portanto, inova no tema. Às partes é dada a opção de escolha em conjunto do perito. O ato tem um peso enorme: corrobora com a redução da litigiosidade do processo, promovendo a colaboração para a resolução das questões de fato através de um expert de confiança comum; consolida a ideia do processo como uma comunidade de trabalho para a construção de uma decisão judicial justa e legitimada democraticamente pela efetiva participação dos sujeitos interessados do processo na sua construção. O legislador andou em bem em permitir a participação de assistentes técnicos, ainda que o perito seja escolhido em comum acordo, pois, ainda assim, mantém-se como figura imparcial, função bastante diferente daqueles, necessariamente parciais. A diferença justifica sua permanência.
A perícia consensual tende a ser um procedimento mais célere que a perícia executada pelo perito indicado pelo juízo. É que se o expert é de confiança também das partes e ainda que atuem assistentes técnicos, a produção da prova ocorrerá de forma muito mais cooperativa, o que gera menores possibilidades de questionamentos e dúvidas a respeito dos resultados obtidos. Ainda, as datas para realização das diligências são previamente acertadas, subtraindo-se o tempo necessário aos atos de comunicação.
Quanto ao §3°, deve ser lido com atenção. A perícia consensual não substitui a que seria realizada pelo juiz mas, em verdade, trata do objeto que esta trataria. É questão lógica: só se substitui o que já existe e, no caso, a perícia que seria realizada pelo perito nomeado pelo juiz ainda não existe no processo, conquanto ainda não realizada. Assim a perícia consensual torna desnecessária a perícia que seria realizada pelo perito nomeado através do procedimento geral.
Temos aí um elemento essencial ao controle da perícia pelos sujeitos do processo. Escolhendo as partes o perito que irá atuar, ainda com a possibilidade de nomearem assistentes técnicos, inegável que a atuação do especialista adquire legitimidade reforçada. A chancela inicial das partes, que no seu poder de disposição a respeito do procedimento escolheram um sujeito de confiança comum reforça o caráter democrático e cooperativo da prestação jurisdicional.
O artigo 470, por sua vez, institui o dever de fundamentação para o expert. Esteve bem o legislador na redação do novo dispositivo. Não se olvide a sempre presente necessidade de fundamentação das conclusões a que chegou o perito, mesmo sob o regime do CPC/73. Acontece que este dever vem reforçado no NCPC, exigindo-se inclusive que o perito indique o método utilizado, demonstrando sua aceitação perante a comunidade científica. Esta indicação necessária a respeito do método científico permite controle muito mais criterioso da prova. Ainda que o magistrado e as partes não dominem o conhecimento específico, deve-se esclarecer se a sua utilização é tranquila e segura ou se sobre ele ainda paira algum tipo de questionamento. A confiabilidade do método utilizado será fator de influência do convencimento.
O caput trata dos requisitos necessários à regularidade da fundamentação, o que justifica a intervenção tanto do juiz, de ofício (pois destinatário da prova), quanto das partes ou do Ministério Público quando não verificados os elementos não só do inciso IV, mas também dos demais (incisos I a III). O §1° ordena o óbvio: o perito deve traduzir a linguagem de sua área de especialidade para o entendimento do homem-médio, justificando como chegou à conclusão. A atuação do perito se justifica exatamente por ser especialista em uma área de conhecimento inacessível aos demais sujeitos do processo que não os assistentes técnicos. É sua função fazer a ponte entre sua especialidade e o homem-médio.
O §2° do art. 470 revela a incidência do princípio da congruência também ao perito. Este deve se ater ao limite dos quesitos, evitando exarar impressões pessoais e restringindo-se ao exame técnico-científico. A lição anterior continua válida: o perito não afirma quem tem razão, mas atesta os fatos postos a seu conhecimento; não trata sobre questões jurídicas, mas sobre situações de fato. O laudo pericial não é o local adequado para doutrina jurídica ou jurisprudência sobre a matéria, devendo o perito limitar à resposta dos quesitos apresentados.
Caso o laudo não preencha os requisitos elencados no artigo 470, deve ser invalidado.
O novo artigo 474 corresponde aos antigos artigos 433 e 435 do CPC/73. A leitura do dispositivo mostra que o texto do §2°, II ao explicitar a exigência de manifestação do perito a respeito dos pontos divergentes apresentados nos pareceres dos assistentes técnicos. O objetivo é proporcionar uma maior colaboração entre os auxiliares do processo parciais e imparcial, servindo como elemento de controle do resultado da perícia. O desejo de não ver seu parecer contraditado ou questionado, deve impulsionar o perito a atuar junto com os assistentes técnicos, em um ambiente cooperativo.
Já o mandamento constante do artigo 476 impõe o dever de o juiz fundamentar as razões de sua valoração sobre a prova. A menção ao artigo 368 respeita ao princípio da aquisição processual da prova, devendo ser apreciada de forma homogênea. O magistrado não está vinculado ao atestado no laudo. É possível que a prova pericial, ao ser analisada individualmente, leve a certa posição não corrobora pelos demais elementos de prova constante nos autos. Assim, a perícia não pode servir como regra de julgamento, ou seja, o atestado pelo perito, por si só, não é suficiente para fazer com que o pedido seja julgado (im)procedente.
Os demais elementos de prova carreados nos autos são indispensáveis para o convencimento tanto quanto à perícia. E o que irá demonstrar às partes as razões do convencimento (que não é mais livre), é exatamente a motivação exigida na decisão judicial, no momento em que o juiz falar sobre a perícia.
Não se olvide, pode o magistrado julgar contra o atestado pelo perito, desprezando o laudo, desde que funde o seu julgamento em outras provas, motivando de forma escorreita seu entendimento. A sentença é o momento final de controle da prova pelo magistrado, onde deve analisá-la profundamente, inclusive quanto à utilização da técnica.
4. O dever de fundamentação das decisões judiciais como elemento legitimador da valoração da prova pericial.
O problema levantado inicialmente diz respeito a potencial interferência do perito na prestação da atividade jurisdicional, em face da tensão que existe entre o processo e a ciência. É preciso avaliar esta possibilidade, tendo em mente que o juiz jamais poderá perder o controle sobre a prova.
Indispensável na produção e no controle da prova técnico-científica é o dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art. 93, IX da Constituição Federal e no art. 486 do NCPC, sob pena de invalidade da decisão. O NCPC mantém o sistema da persuasão racional para a apreciação da prova pelo juiz, tendo o legislador suprimido em diversas ocasiões o termo "livre" quando se refere ao convencimento do magistrado –, exigindo motivação racional das decisões, permitindo às partes o controle de eventuais arbitrariedades através das garantias do contraditório e do duplo grau de jurisdição. É esse processo comunicativo que legitima a atuação do juiz no controle das provas no processo antes, durante e depois de sua produção.
Tomam destaque, nesse ínterim, duas razões apontadas por Michele Taruffo e que fundamentam as normas impositivas do dever de motivação. A primeira é evidenciada em tripla visão: a persuasão das partes (em especial a perdedora) quanto à justiça da decisão; maior facilidade para valoração da pertinência de impugnação, sendo possível identificar de modo mais preciso os vícios da sentença; a necessidade de que o conteúdo da decisão possa individualizar-se e se definir de modo adequado. A segunda razão é a facilitação do julgamento de eventual impugnação pelo juízo competente, pois, assim como para as partes, é a fundamentação da decisão que permite ao juízo ad quem observar as motivações de manutenção ou reforma. Denota-se, assim, que a motivação da decisão judicial reverbera para além do grau de jurisdição donde se prolata, sendo indispensável ao controle da atuação de todos os sujeitos do processo, inclusive do juiz.
O NCPC inova no que tange ao dever de fundamentação. O §1° do artigo 486 descreve diversos requisitos necessários para que uma decisão judicial seja considerada motivada. Em verdade, o dispositivo textualiza regra que já existia de forma implícita, derivadas exatamente do artigo 93, IX da Constituição, tendo a virtude de torná-las explícitas, reduzindo o ônus argumentativo para alegação de invalidade de decisão judicial por ausência de fundamentação.
Não se pode, no que refere ao exame da prova pericial, analisar o artigo 486 separado do artigo 476 já tratado. Em conjunto, nos deixam a lição de que é possível ao juiz o controle da produção da prova pericial não só após a sua produção, mas enquanto está sendo produzida e até antes do início dos trabalhos. Atuando o magistrado ativamente, a valoração da prova pericial pode ser feita com mais tranquilidade, seja para decidir de acordo com os fatos atestados no laudo, seja para desconsidera-lo. Nesse sentido, afirma Diogo Assumpção Rezende de Almeida:
A prova pericial deve, pois, ser apreciada dentro do conjunto probatório. (...) Se o juiz concluir comprovada a existência do fato técnico-científico em razão daquilo que concluiu o perito, não se eximirá do dever de fundamentar sua decisão. Deve demonstrar o caminho trilhado para alcançar o raciocínio e como retirou os dados da perícia. Não basta transcrever o laudo obtido.
É característica comum às provas técnicas, possuírem um poder de convencimento mais forte, em face do próprio conhecimento específico que trazem ao processo. Exige-se do julgador, por isso, uma atenção especial em sua valoração. Deve ser dada atenção especial à exposição das razões que levaram ao convencimento do juiz.
Não somente, o controle da prova pericial pode ocorrer mesmo antes de sua realização. É como entende Fredie Didier Jr.: "E mais, defende-se que o juiz brasileiro, no exercício do poder atribuído pelo art. 131 do CPC [art. 368 do NCPC], avalie a cientificidade do resultado da perícia, a confiabilidade do laudo, buscando, para tanto, dados não-jurídicos, como 'a aceitação ou recusa do método perante os especialistas'". A opinião da comunidade científica a respeito do método é de suma importância, pois se deve verificar sua aceitação e eventuais debates a respeito. Um método polêmico, sem a comprovação necessária do seu acerto nos resultados merece atenção do magistrado. Assim, o exercício de admissibilidade da aprova é um limite à atividade probatória. É um filtro de três níveis: licitude, adequação, pertinência. Limita-se a prova antes mesmo de entrar no processo.
A motivação da decisão é o momento em que o juiz demonstra aos demais sujeitos processuais o caminho que percorreu até seu convencimento, expondo as razões de sua convicção, seja a respeito da admissibilidade na produção de uma prova, seja efetivamente no julgamento do mérito. Na fundamentação, não basta que o juiz liste as provas que valorou, pois é possível haver ainda certa incongruência na avaliação do material probatório produzido – como por exemplo, é possível se deparar com duas ou mais versões da mesma estória, ambas plausíveis em princípio –, sendo indispensável a menção às razões que levaram ao seu convencimento em face da prova produzida. A decisão, se mal valora as provas, pode dar azo a decisões que distorcem o efetivamente provado. É indispensável que o juiz explique o conteúdo provado e seu entendimento sobre ele. Só assim é possível identificar se há contradição na fundamentação. Esclarecem Marinoni e Arenhart:
Assim, por exemplo, pode haver uma prova pericial que aponte em duas direções. Caso a prova não possa traduzir em graus a probabilidade, é necessário ao juiz referir à indefinição da prova e, por isso, a necessidade dela ser reforçada com outros argumentos de convicção. Tratando-se de prova que possa espelhar maior probabilidade em determinado sentido, essa situação também deve ser advertida pelo juiz, pois somente assim a sua valoração final (do conjunto probatório) será justificável.
A valoração da prova exige um juízo dual: é necessário que se valore a prova individualmente, como também em face do conjunto probatório nos autos. É um exercício dialético e cíclico de comunicação entre dois planos probatórios diversos dentro do mesmo processo. A prova individualmente considerada condiciona a análise global do conteúdo produzido, e é da mesma forma condicionada por este, na medida em que seu peso maior ou menor depende do resultado do todo.
Deve-se atentar: não é suficiente para a motivação da decisão que o juiz analise as provas somente suficientes à tese vencedora, devendo justificar a rejeição das provas produzidas para corroborar a tese derrotada. O processo é um exercício dialógico. "Para que ele [o juiz] realmente possa justificar a sua decisão, não pode deixar de demonstrar que as eventuais provas produzidas pela parte perdedora não lhe convenceram." Não pode haver rejeição tácita de provas existentes no processo. É necessário à higidez da decisão judicial que haja fundamentado o acolhimento de certas provas, do mesmo modo que a rejeição de outras. Não há se falar em rejeição implícita.
Pertinente a observação de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira no sentido de que a ideia de íntima convicção, ainda que positiva, pode gerar o efeito nefasto de transformar a valoração das provas em um ato incontrolável. Há de se "domesticar o poder". O autor é enfático:
O problema revela-se muito mais complexo e mostra-se bem possível que o órgão judicial, mesmo com uma autêntica proclamação de princípios, ao justificar determinada visão dos fatos lance mão de critérios vagos e indefinidos, empregando fórmulas puramente retóricas, despidas de conteúdo, aludindo por exemplo a "verdade material", "prova moral", "certeza moral", "prudente apreciação", "íntima convicção". Essas e outras expressões similares representam autênticos sinônimos de arbítrio, subjetivismo e manipulação semântica, por não assegurar nenhuma racionalidade na valorização da prova, implicar falsa motivação da decisão tomada e impedir, assim, o controle por parte da sociedade, do jurisdicionado e da instância superior.
A apreciação da prova pelo juiz, no regime da persuasão racional, não se justifica apenas na apreciação das provas que corroboram com a tese vencedora. A argumentação deve focar (e por que não com mais intensidade) nas provas produzidas pela parte derrotada. É necessário levar em conta todo o acervo probatório, ainda que para rejeitá-lo.
É a fundamentação da decisão, então, o elemento essencial para se negar a transferência da jurisdição do juiz ao perito. Não é assim com a perícia ou com qualquer outra prova, ainda que não se olvide a maior dificuldade em o juiz questionar os seus resultados em face da ausência de conhecimento técnico-científico suficiente. Reforça-se o problema, muitas vezes pelo fato de que no mesmo processo são apresentadas versões técnicas distintas, o que reforça a necessidade de diálogo entre perito e assistentes técnicos para o esclarecimento de eventuais divergências.
Em face da persuasão racional é possível – e até devido – ao magistrado analisar o contexto probatório dos autos para encontrar congruência nas provas produzidas. Apesar da perícia, caso o resultado geral das provas leve a juízo diverso do atestado naquela, o órgão judicial não pode se eximir de superá-la. Tudo, obviamente, através de fundamentação robusta. É que a verdade no processo não é absoluta, mas baseada em convicção. É comum encontrar duas ou mais versões, inclusive técnicas, perfeitamente plausíveis a respeito do mesmo fato. O debate processual, envolvendo todos os sujeitos é que demonstrará qual a mais verossímil, ou seja, qual deve informar a convicção do julgador.
Nos valemos da lição de Cintra:
O perito não é o juiz dos fatos a que se refere a sua atividade pericial e seu pronunciamento a esse respeito não vincula nem pode vincular o juiz da causa. Na verdade, o juiz não pode delegar atribuições jurisdicionais ao perito, nem aceitar passivamente as conclusões e a opinião deste, devendo apreciar o laudo com liberdade intelectual e justificar suas conclusões.
Inclusive, a atuação do assistente técnico indicado pelas partes, contraditando o laudo pericial, serve de elemento para o convencimento do juiz, mormente com a atual valorização daquela figura.
No exame do laudo e dos pareceres técnicos, o juiz deve avaliar a autoridade científica dos respectivos autores e sua idoneidade moral, verificar a aceitação da comunidade científica dos métodos por eles usados e julgar a coerência lógica de sua argumentação, atuando, assim, como peritus peritorum.
Analisando todo o contexto probatório, é perfeitamente possível que a prova produzida nos autos afaste o poder de convicção do laudo pericial. Impossível, todavia, construir critérios abstratos, caminhos predefinidos que o juiz deve seguir para apreciar o laudo pericial. Fazê-lo, seria propor um retorno ao sistema de prova legal.
O exame da prova pericial sempre colocará o julgador em uma encruzilhada: ao mesmo tempo em que não pode ser arbitrário em sua avaliação, discordando de resultados periciais sem a fundamentação adequada, o que levaria a uma realidade de autoritarismo, também não pode o juiz se submeter sem qualquer tipo de questionamento àquilo que atestado pela prova técnico-científica, sob pena de decidir o perito e não o magistrado. A saída, então, é fazer com que a decisão judicial passe pelo filtro criterioso da fundamentação e do diálogo processual cooperativo antes, durante e após ser produzida. O NCPC veio para facilitar a situação, tanto no desenvolvimento do dever de fundamentação das decisões (art. 486), quando na nova regulação da produção da prova pericial. As perspectivas são positivas, devendo a prática atentar para os caminhos abertos pela doutrina para que a decisão judicial proferida seja justa, apta a solucionar (e não apenas resolver) o conflito, com legitimidade democrática e respeito aos ditames constitucionais.

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