O juiz escolheu esperar: a ineficácia do mandamento constitucional de imediato relaxamento da prisão ilegal

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O juiz escolheu esperar: a ineÞcácia do mandamento constitucional de imediato relaxamento da prisão ilegal – Por Breno Zanotelli Colunas e Artigos

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Por Breno Zanotelli – 09/07/2015 Extrai-se do inciso LXV do art. 5º da Constituição Federal o dever do magistrado relaxar imediatamente a prisão ilegal. O presente texto discute o alcance dessa determinação temporal pelo constituinte e diagnostica, a partir de duas situações reais e infelizmente bastante recorrentes, a existência de um desrespeito institucionalizado por esse mandamento constitucional. Cena 1: Advogados conversam com o juiz sobre o pedido formulado de relaxamento de prisão cautelar. Este demonstra concordância com as teses apresentadas, mas afirma que, ainda que reconhecesse que a prisão se tornara ilegal, não poderia deixar de cumprir a portaria do Tribunal de Justiça que determinava que os pedidos de relaxamento e revogação de prisões cautelares deveriam ser decididos apenas após manifestação do Ministério Público.

Cena 2: Advogados requerem e obtêm decisão liminar do desembargador relator do habeas corpus determinando a soltura do paciente preso preventivamente em processo no qual era acusado de venda de CD’s e DVD’s piratas (art. 184, § 2º, do Código Penal). Além da teratologia intrínseca de tal decisão, sendo a pena máxima prevista para o crime de 4 anos, não caberia a prisão cautelar por força do disposto no art. 313, I, do Código de Processo Penal. Por não encontrarem o desembargador em seu gabinete, no fim do expediente do tribunal, os advogados conversam com seus assessores e, após, com o diretor do cartório da câmara criminal e todos respondem a mesma coisa quanto ao cumprimento da decisão: na prática cotidiana desse julgador ele sempre expede ofício aos juízes coatores para emitirem a ordem de soltura. Com isso, o paciente ficou quase 24 horas encarcerado após a juntada da decisão que determinou a soltura aos autos, pois o magistrado de primeiro grau somente expediu o alvará no dia seguinte, que foi cumprido no final da tarde. O que as duas situações verídicas narradas têm em comum é a atitude de juízes – de primeira e de segunda instância – que insistem em não dar eficácia ao direito fundamental consagrado no art. 5º, LXV, da Constituição de República, segundo o qual “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. O texto constitucional não deixa margem para dúvidas acerca do momento em que os magistrados devem relaxar as prisões em contrariedade com o direito posto, ao delas tomar conhecimento: imediatamente. Compreendemos que o trâmite dos processos pelos setores de protocolo, de distribuição, mensagerias, cartórios, gabinetes e afins, toma, naturalmente, tempo, que pode e deve ser melhorado com técnicas próprias de gestão e logística. Entretanto, a crítica principal que dirigimos é às autoridades judiciárias que, tomando ciência da ilegalidade da prisão e tendo condições de agir imediatamente para fazer valer o direito fundamental do preso, se omitem por razões diversas. No segundo caso, o paciente, cuja prisão ilegal durava alguns dias, teve seu tormento prolongado em decorrência de uma falha burocrática que poderia ser resolvida de forma simples, com a expedição imediata do alvará de soltura, como ocorre normalmente quando as liminares em habeas corpus são concedidas no plantão judiciário. No primeiro caso, convencido da ilegalidade da prisão, o magistrado insistiu que deveria cumprir uma portaria do Tribunal de Justiça e somente se manifestar sobre a prisão após o parecer escrito do promotor, ignorando que ao fazer isso atropelou a Constituição. Tem razão Lenio Streck quando diz que os juristas brasileiros possuem uma verdadeira paixão pela legislação “baixo clero” ou de “quarta divisão”, como resoluções, instruções normativas e portarias.[1] Rios de tinta são gastos discutindo a força normativa da Constituição, mas o que se vê na prática é a força normativa do chefe da repartição.

Quanto ao possível argumento de que a manifestação obrigatória do representante do Ministério Público antes da decisão do magistrado nesses casos privilegia o contraditório, consideramos incorreto. Fosse tal princípio reconhecido pelo ordenamento jurídico como absoluto, seria sempre necessária a manifestação por escrito da defesa quando fossem requeridas prisões cautelares pela acusação. Sabemos que tal medida é inviável e que geraria uma quantidade absurda de “fugas preventivas”. Sendo a liberdade o direito maior de cada cidadão e considerando que a Constituição é expressa ao determinar o relaxamento imediato das prisões ilegais, ainda mais absurda do que essa hipotética exigência de manifestação defensiva prévia é a concepção de que o magistrado, por respeito ao contraditório, depende da posição do Parquet para se pronunciar acerca da legalidade das prisões processuais, pois se encontra em clara contradição com o texto constitucional. Em que pese concordemos com as ferrenhas críticas feitas por alguns autores contra a importação de categorias próprias do processo civil para o processo penal, vale ressaltar que até mesmo quando se buscam interesses disponíveis em uma lide civil é possível obter uma tutela antecipatória ou cautelar antes da oitiva da parte contrária, diante da urgência e da relevância da situação concreta. Ora, o que pode ser mais urgente e relevante, do ponto de vista dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, que a soltura de alguém preso ilegalmente? É preciso que os magistrados criminais tenham coragem para efetivar o que dispõe o art. 5º, LXV, da Constituição e analisem com urgência e prioridade absoluta os pedidos de relaxamento e revogação de prisões cautelares. Inclusive tal medida pode diminuir a quantidade de habeas corpus impetrados nos tribunais, já que, vigorando o entendimento combatido no texto, o pedido liminar nesta ação constitucional é a única ferramenta de que podem se valer os advogados para que tenham analisada de plano por um magistrado a regularidade das prisões de seus clientes.

Notas e Referências: [1] STRECK, Lenio Luiz. As portarias, o mensalão e o “fator Carminha”. 2012. Disponível em: .

  . Breno Zanotelli é Advogado. Vice-Presidente do Instituto Capixaba de Criminologia e Estudos Penais (ICCEP). Secretário da Comissão de Política Criminal e Penitenciária e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES. Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC.

Imagem Ilustrativa do Post: 3D Judges Gavel // Foto de: Chris Potter // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/86530412@N02/8213432552/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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