O justo, a justiça e sua falha Paul Ricoeur

July 10, 2017 | Autor: Carlos Orellana | Categoria: Paul Ricoeur, Paul Ricoeur (in ) Philosophy
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O justo, a justiça e sua falha

Paul Ricoeur

L'herne 2005























Ricoeur analisa a noção de justo a partir de sua preocupação em relação ao envolvimento entre as esferas políticas e éticas através do uso do aparato do poder jurídico. Assim, Ricoeur deseja compreender o uso da coerção e violência ao longo do século XX. E que culmina, segundo Ricoeur, na ocultação da legitimidade da ordem pela qual o Estado serve-se da violência como instrumento de poder político. Assim, Ricoeur compreende que a análise entre o justo e o injusto pode constituir um fundamento de uma filosofia política e no meio caminho para uma compreensão moral dos aspectos jurídicos, precisamente, de sua forma judiciária.
A contribuição de Ricoeur sobre a ideia de justiça está baseada na oposição entre dois extremos, de um lado a ideia do justo, considerado como ideia reguladora ou transcendental pelo campo do direito positivo; de outro lado a prova da falha da justiça sob sua forma judiciária marcada pela sua fraqueza de justificar seu direito de punir. De acordo com Ricoeur essa oposição entre a autojustificação da ideia pura do justo e a debilidade da argumentação em favor do direito de punir pode servir de reflexão sobre a força a a fraqueza de toda ordem jurídica quanto do direito positivo.
De acordo com Ricoeur, o justo encontra-se no topo da ordem prática quanto na ordem teórica. Ricoeur recorre a força do termo grego dikaion que se aplica à ações, agentes de ações e das instituições. Assim Ricoeur recorre ao livro V de A Ética a Nicômaco de Aristóteles na qual se compreende significar por justiça toda espécie de disposição (hexis) que toma os homens aptos em realizar as ações justas e que faz agir e querer as coisas justas; da mesma maneira a injustiça é essa disposição que faz os homens agir injustamente e a querer as coisas injustas. Tomado como habitus, a justiça é tomada aqui não pelo sentido de instituições ou normas do Estado, mas como forma subjetiva do justo. O autor contemporâneo como John Rawls que considera a justiça como a virtude das instituições sociais como a verdade está para as teorias, assim o justo é promovido ao topo da prática sociais.
Segundo Ricoeur, a justiça desenvolve, de forma clara, a ideia do bom considerado na sua relação com o outro. Assim, a justiça é considerada por Aristóteles como a virtude completa ou a mais perfeita das virtudes. Essa relação entre justiça e alteridade torna-se uma das primeiras definições de justiça, isto é, a noção de justo e igual (isos), a equivalência. Desse modo, a justiça corretiva serve como ação de de restabelecimento de igualdade rompida entre as partes. A teoria aristotélica baseia-se na lógica das proporções euclidianas na qual há quatro elementos em jogo (duas partes e dois parceiros) uma espécie de proporção ou igualdade de relações, sendo as partes sendo proporcionais as pessoas. A história das doutrinas jurídicas não desmentirá essa proporcionalidade fundamental, ou seja, supõe uma proporcionalidade entre escala de delitos a suas respectivas penas.
Desse modo, a injustiça torna-se mais fácil de se reconhecer e de culpar, ou seja, o erro sentido como sofrimento ( violência física, humilhações, tudo que atinja à dignidade) e todas as formas de reconhecimento de sentimentos negativos, cujo o modelo é a indignação, matriz emocional da culpa.
Entre a posição do justo como ideia reguladora do campo prático e a ideia de justiça nas tentativas de justificação da pena se estende o império de normas relevantes a ordem jurídica. E para distinguir, Ricoeur usa o termo justo como ideia reguladora e o legal como predicativo comum a tudo que concerne ao direito positivo.
Portanto, Ricoeur compreende que a justiça não pode ser confundida com a noção de justo. E que na noção de justo deve ser a base moral para qualquer ação de ordem jurídica, pois o justo relaciona-se a noção de bem em Aristóteles. Consequentemente, o justo encontra-se nessa disposição de equilíbrio na alteridade.
Segundo Ricoeur, o processo, a ação judiciária e todo aparato que se desenvolve representam o corte da ação violenta sendo substituída sobre o discurso sobre a violência. Essa conquista da racionalidade no plano das transações sociais. Assim, representa um avanço do campo do discurso sobre a cena efetiva da violência. Entretanto, essa superação da ação violenta realocando o discurso sobre a violência pressupõe uma série de condições estruturais: a autoridade de um Estado detentor da violência legítima, a constituição de um corpo de leis escritas, o exercício da justiça pelos magistrados. A composição desses elementos conduz a um processo em forma de debate, destinado a pôr fim a um estado de incertitude. A sentença, de acordo com Ricoeur, configura-se um elemento de conclusão entre as partes no processo que se interpõe numa distância justa entre a vingança e a justiça.
O formalismo do direito que nós destacamos intencionalmente e suas fraquezas estão no seio da força do direito anunciando a falha que aflige particularmente a forma judiciária do direito. Ricoeur propõe se apoiar em duas obras seminais para compreender a força a fraqueza do direito, Doutrina do direito de Kant e Princípios da filosofia do direito de Hegel. Nas três fórmulas do imperativo kantiano: universalização da máxima da ação (lei universal), respeito a humanidade do sujeito (fim em si mesmo) e a instauração de uma ordem na qual os sujeitos serão seus legisladores (autonomia). E diferentemente de Hegel, Ricoeur propõe uma mediação aberta contra a noção de mediação total hegeliana, como elemento constitutivo da ação judiciária. Ricoeur percorre Platão, Aristóteles e por fim Kant e Hegel para descrever os polos de referência do direito de punir: lei, vítima e acusado, isto é, a conversão de justiça violenta a justiça não-violenta. Em Platão, considera-se uma teoria sobre o culpado que seria aquele que praticando o mal e vivendo na injustiça torna-se o mais infeliz dos homens. E para retornar a um estado de bem-estar seria vantajoso ao sujeito ser castigado e tornar-se livre da maldade de sua alma, assim a justiça se consagra como imperatriz e remédio. Entretanto, Platão compreende que não é justo fazer mal a ninguém, assim não há amigos ou inimigos, nem bons nem maus, mas que apenas pela justiça seria o caminho capaz de abrir um trajeto restaurador aqueles que nos fizeram mal.
Se em Platão a pergunta foi o que fazer com o culpado, em Aristóteles a pergunta que se impõe é o que fazer com a vítima. Aristóteles propõe a constituição de uma justiça vindicativa, na qual a vergonha, a cólera e o sentimento de vingança da vítima sejam regulados por uma ação judiciária sob a lógica da infração. Uma ação de pagamento em retorno que restitua em regime de igualdade a ação sofrida, esse modelo é fundador de nossa cultura ocidental tanto de nosso lado judaico como helênico. E em Kant e Hegel, Ricoeur organiza o debate em torno da capacidade da lei e da ação externa do soberano como elementos fundamentais para a ação judiciária.
O crime, segundo Kant, constitui-se em uma infranção ou realidade objetiva de um sujeito em correlação com um agente e a lei no seu princípio de autonomia. E que a punição não recairia sobre o indivíduo, mas sobre seu aspecto moral. A punição, de acordo com a lógica kantiana, é uma homenagem a condição de ser livre que é o homem moral. A punição serviria como uma autopunição que os sujeitos deveriam realizar em relação a sua condição de seres morais e livres. Kant deseja resolver aspectos do homem transcendental com o homem empírico através de um humanismo que possa consagrar o peso ético de ser um sujeito moral e a ação judiciária.
Acima de tudo, Ricoeur propõe uma ontologia que supere as ações totalizantes sobre tempo e espaço na qual as instituições se desenvolveram.Uma ontologia que preserve a multiplicidade e polissemia da experiência humana: do próprio corpo, da consciência moral e da experiência de alteridade.

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