O Largo da Carioca no Rio de Janeiro: complexidades de um espaço urbano

July 5, 2017 | Autor: Joy Till | Categoria: Historia Urbana, Rio de Janeiro, Graphical Representation
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O LARGO DA CARIOCA NO RIO DE JANEIRO: COMPLEXIDADES DE UM ESPAÇO URBANO Roberto Segre1, Naylor Vilas Boas1, Gilson Dimenstein Koatz1, Joy Till1 1 Programa

de Pós-Graduação em Urbanismo / Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]

Resumo O centro do Rio de Janeiro sempre foi marcado por grandes transformações determinadas não só pelas tensões existentes entre o meio natural e o espaço construído, mas também pela sua grande capacidade de renovação. Dentro desse contexto, o Largo da Carioca, inserido no sistema urbano articulado pelo Morro de Santo Antônio - que compreende também a Rua da Carioca, a Rua do Lavradio e a Lapa - teve sua forma modificada intensamente ao longo do século XX, sem que sua identidade tenha sido completamente respeitada. Ali se entrelaçam fragmentos edificados de diferentes tempos, estruturas espaciais novas e tradicionais, além de intensas dinâmicas de uso do espaço urbano, que dão origem às complexas relações que o caracterizam como um dos mais significativos espaços urbanos do centro da cidade. Abstract The center of Rio de Janeiro has always been marked by great changes, determined not only by the tensions between the natural environment and the built space, but also by its great capacity for renewal. Within this context, the "Largo da Carioca", inserted in the urban system articulated by the "Morro de Santo Antônio" - which also includes the "Rua da Carioca", "Rua do Lavradio" and the "Lapa" - also had its form greatly changed throughout the XXth century, many times without its identities have been completely respected. There we have built fragments from different times, new and old spatial structures, besides intense utilization dynamics of the urban space, which originates complex relationships that characterize it as one of the most interesting urban spaces of the city center. Palavras-chave Rio de Janeiro, História Urbana, Largo da Carioca, Representação Gráfica Keywords Rio de Janeiro, Urban History, Largo da Carioca, Graphic Representation

1.- Paradoxos dos Espaços Públicos O Rio de Janeiro teve três centros político-administrativos ao longo das diferentes etapas da história do Brasil: a Praça XV constituiu o primeiro espaço público de valor simbólico na cidade na época colonial; o Campo de Santana reuniu edifícios governamentais construídos durante o Império no século XIX; e a Praça Marechal Floriano (Cinelândia) manteve uma intensa vida política e cultural identificada com a República durante o século XX (SISSON: 2008). Mas podemos afirmar que esses foram os mais importantes espaços públicos da história do Rio de Janeiro? E a sua significação social, arquitetônica e urbanística, perdurou até a atualidade? A estrutura urbana do Rio de Janeiro sempre foi dinâmica, tanto pela expansão do seu território quanto pela localização diversificada dos espaços públicos. A primeira praça da cidade estava localizada no Morro do Castelo, em frente à Igreja de São Sebastião, reunindo as atividades religiosas até a derrubada do morro em 1922. Quando a cidade desceu para a várzea, o Largo do Paço (Praça XV) concentrou prédios e atividades

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políticas, religiosas, sociais e comerciais, dinâmica de uso que se estendeu ao longo da Rua Direita (1º de Março). Mesmo assim, no século XVIII, o Largo da Carioca, devido à presença do principal chafariz da cidade, e o Largo do Rossio (atual Praça Tiradentes), concentrando algumas atividades culturais e residências nobres, assumiram certa significação popular.

Figura 1: Largo da Carioca no início do século XIX.

Com a expansão da cidade em direção à residência do Imperador, no Palácio de São Cristovão, era previsível que o Campo de Santana, situado a meio caminho entre o centro e o bairro imperial, se transformasse em um novo centro. Nele, além dos edifícios públicos, seriam localizadas residências, segundo o projeto de Grandjean de Montigny. No entanto, apesar das celebrações patrióticas, nunca teve uma significativa vitalidade, anulada quando se transformou em um parque público desenhado por Auguste Glaziou na segunda metade do século XIX. Durante a República, a Cinelândia conservaria um importante dinamismo, dada a articulação entre atividades políticas e culturais que marcaram a história da cidade no século XX. No século XXI, assistimos a uma negação dos significados originais dos espaços públicos do centro histórico. A Praça XV, cortada pelo Elevado da Perimetral, é um espaço de trânsito de pedestres articulado com a estação das barcas para Niterói. Por sua vez, o Largo da Carioca é também definido por um sistema de fluxos organizados em função das saídas do Metrô. O Campo de Santana, circundado por intensa movimentação de carros e com escassa população residente no entorno, é subutilizado pelos pedestres. A Praça Tiradentes continua tendo limitadas atividades culturais, apesar da recente eliminação das grades. A Cinelândia, circundada pelo Theatro Municipal, pela Biblioteca Nacional, pelo Museu Nacional de Belas Artes e pelo Centro Cultural da Justiça Federal, mantém maior uso popular. Porém, como todo o Centro de Rio de Janeiro, esvaziam-se significativamente nos fins de semana. 2.- Patrimônio e Cultura Popular Na visão do Largo da Carioca de Guta (NUNES PEREIRA: 1999), a presença da natureza é evidente no contexto do Morro de Santo Antônio, ainda íngreme e circundado por pântanos. Até o século XVIII, a cidade, apertada entre os morros do

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Castelo, Santo Antônio, Desterro, São Bento, Senado e da Conceição, era limitada às escassas ruas em direção à Zona Norte. Em particular, as lagoas do Desterro, da Sentinela e de Santo Antônio dificultavam as comunicações com as áreas rurais. O Convento e a Igreja de Santo Antônio, que os padres franciscanos começavam a construir no início do século XVII, em um canto do Morro de Santo Antônio, somado à igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, aceleraram o lento processo de preenchimento das lagoas daquela área da cidade. Aterrada a lagoa, no espaço livre aos pés do morro surgiu o Campo de Santo Antônio, conformando a segunda praça da cidade (MONTEIRO DE CARVALHO: 2011). Um dos problemas mais sérios da cidade sempre foi o abastecimento de água, devido à escassez de rios na região. A proximidade do Rio Carioca permitiu utilizar essa fonte com um aqueduto que chegava ao Largo da Mãe do Bispo, ao lado do Convento da Ajuda (hoje Cinelândia). Em 1720, o Governador Aires Saldanha construiu um aqueduto – os Arcos da Lapa –,para levar a água do Morro de Santa Teresa até o Campo de Santo Antônio, depois denominado Largo da Carioca. Ao lado do chafariz, construído em 1723, instalaram-se um sistema de tanques para as lavadeiras e outro para dar água aos animais, além de ter sido instalado um cano para levar água para os navios que aportavam no cais da Praça XV, onde Mestre Valentim projetaria o segundo chafariz da cidade. Posteriormente, foi aberta a Rua do Cano – atual Sete de Setembro. A presença de água deu partida ao sistema de ruas que permitiram o acesso ao chafariz, desde o Convento da Ajuda – Rua da Guarda Velha –, e em direção Norte, pela Rua do Piolho, depois Rua da Carioca. A água se transformou no elemento aglutinador das camadas populares da cidade. Ali se encontravam brancos, mulatos e negros escravos, soldados e lavadeiras. Para evitar brigas e confusões, e organizar o uso do chafariz, instalou-se uma brigada militar denominada Guarda Velha, cujo pequeno quartel deu o nome à rua. Também incidiu na sua vitalidade a dedicação dos padres franciscanos aos pobres, assim como os da Ordem Terceira que, em 1748, construíram um hospital que ocupou todo um lado do Largo até a Rua da Carioca; e nas proximidades existiu um cemitério de escravos. Na Quaresma passava a Procissão das Cinzas, que descia do Convento para o Largo e se espalhava pela cidade, estabelecendo uma dinâmica social no Largo da Carioca (SANSÃO: 2004). Os elementos dominantes foram o chafariz e o volume cúbico do hospital, de arquitetura severa e despojada. Nas proximidades, casas precárias e lojas de produtos de consumo cotidiano abasteciam os usuários do Largo. Houve ali uma das primeiras cervejarias da cidade e, no térreo do hospital instalara-se o Bar do Necrotério, conhecido pelo apelido de “Chope dos Mortos”. Em 1843, o chafariz original foi substituído por uma construção mais sólida, já não escultórica quanto o primeiro, mas arquitetônica e de estilo Neoclássico, com três portais talhados em pedra, separados por pilastras, projetado por Grandjean de Montigny, que permaneceu ali até 1926 e cuja expressão monumental outorgou certa personalidade ao Largo. 3.- A Dinâmica da Vida Urbana Entre a chegada da Corte em 1808 e a reforma de Pereira Passos, iniciada em 1903, o Largo da Carioca constituiu uma identidade própria, baseada na diversificação de funções localizadas naquele espaço. Em primeiro lugar, a presença do convento e as duas igrejas incrementaram a movimentação social, não somente em função das atividades religiosas, mas também de docentes, já que ali funcionou um centro de ensino universitário. Ao longo do século XIX, a significação simbólica e funcional do chafariz e do hospital foi mantida, mas se consolidaram novas construções ao longo da Rua da Guarda Velha (Treze de Maio), em direção ao Largo da Mãe do Bispo, área

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pouco concorrida pela presença dominante do Convento da Ajuda. Na rua se instalariam o Circo Olímpico, a Cervejaria e o Café Concerto da Guarda Velha. A identificação do Largo como espaço multifuncional aconteceu na segunda metade do século XIX, com a localização do Teatro Imperial Dom Pedro II, em 1871 – na República denominado Teatro Lírico – e a construção do edifício da Imprensa Nacional, de estilo Neomanuelino, realizada pelo engenheiro Paulo Freitas em 1877. Entre os trabalhadores da Imprensa e os assistentes ao teatro – que no seu momento de apogeu foi um dos principais da cidade –, o Largo mudou de nível social, com uma maior presença da burguesia, intensificada em 1895 quando circula o primeiro bonde elétrico, estabelecendo a conexão com o bairro de Flamengo. Assim, a movimentação das linhas da Companhia do Jardim Botânico e do Ferro-Carril Carioca definiu a significação desse espaço como um nó do novo sistema de transporte urbano. Com a República, o Campo de Santana perde significação e a Praça XV é abandonada. A Cinelândia ainda se constituía como centralidade, com a localização dos importantes prédios: o Theatro Municipal, a Escola Nacional de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio Monroe. Enquanto isso, o Largo se transformava no espaço mais vital e movimentado da cidade. No desejo de regularizar e modernizar o centro urbano, Pereira Passos alargou as ruas da Carioca e Uruguaiana e dilatou a Praça do Largo derrubando o hospital e o substituindo por um prédio eclético de escritórios, projetado pelo escritório de Antônio Januzzi Irmãos (1906), sede do jornal Correio da Manhã. A presença do hotel Avenida (1908), construído pela empresa Light & Power, criou um intenso centro de vida social, relacionando-o com a Avenida Rio Branco, reforçado através da Galeria Cruzeiro, terminal da linha dos bondes. A homogeneidade estilística do volume compacto do Hotel Avenida – que ocupava um quarteirão inteiro – era reforçada pela presença do prédio do jornal O Globo – identificado pela cúpula sobre a esquina cilíndrica – e do Liceu de Artes e Ofícios, que delimitavam a Rua Treze de Maio até a Avenida Almirante Barroso. Ao longo dessa sequência de fachadas havia lojas, o conhecido Café Nice, o Cine Eldorado, restaurantes, e a famosa livraria Freitas Bastos. O Largo possuía parterres, uma fonte “Wallace” de ferro fundido ao centro e uma arborização que protegia com sombra a circulação dos pedestres. 4.- A Crise da Modernização A cidade eclética da Belle Époque teve seu fim a partir da proposta do Plano Diretor de Donat-Alfred Agache (1927-1930), e com as iniciativas renovadoras do governo de Getúlio Vargas. Com a construção dos edifícios Guinle (1928) e A Noite (1929) na Avenida Rio Branco, teve início a derrubada dos prédios originais, substituídos pelas altas torres de escritórios. O desprezo dos jovens membros da vanguarda carioca pela arquitetura acadêmica – Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Alcides da Rocha Miranda, entre outros –; se transformou em uma ação concreta com a criação do IPHAN em 1937, que apoiou a eliminação dos edifícios ecléticos, cujos terrenos serão ocupados pelos ícones da arquitetura moderna (GUIMARAENS: 2000). Assim, é declarada a decadência do Largo da Carioca, substituído na sua hegemonia como espaço público por uma Cinelândia transformada com os buildings do quarteirão Serrador. Em 1933, a Venerável Ordem Terceira constrói um edifício de escritórios de dez pavimentos de feição Déco. Em 1934 some o Teatro Lírico e, em 1941, é derrubada a Imprensa Nacional. A partir de 1937, a estação dos bondes se concentra no Tabuleiro da Baiana, situado em um dos limites do Largo. O longo espaço, definido por um desenho paisagístico que mantinha um equilíbrio entre pedestres e o sistema veicular, é dilatado para se somar ao Morro de Santo Antônio, com a previsão da sua derrubada que começará no início dos anos

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cinquenta. O Largo se transforma em terra de ninguém, ocupada por estacionamentos de carros. E o golpe final acontecerá quando, em 1953, somem o Hotel Avenida, o edifício do O Globo e o Liceu de Artes e Ofícios, provocando a perda da unidade estilística e espacial do conjunto de prédios ecléticos. Assim, os quarteirões despojados são ocupados pela sede da Caixa Econômica Federal (1956) e pelo edifício Avenida Central de Henrique Mindlin (1957), que praticamente dão as costas ao Largo, privilegiando as ruas laterais. Com a abertura da Avenida Chile, inaugurada por Juscelino Kubitschek em 1959, o Largo é a atravessado pelo eixo que continua pela Avenida Almirante Barroso. Em 1970 iniciam-se as obras do Metrô e a estação Carioca é inaugurada em 1981. O Largo perde a definição espacial e arquitetônica, tanto pela desproporção da altura dos arranha-céus próximos – os escritórios do Rodolpho de Paoli (1964) e a sede do Citibank (1979) (SEGRE; GONZÁLEZ MONTANER: 2009) –, quanto pelos jardins de Burle Marx, separados por grades da área dos pedestres e as pouco expressivas entradas do Metrô. Assim, ainda hoje, esse complexo espaço público se soma ao “não lugar” da Esplanada de Santo Antônio – parafraseando Marc Augé – (SOUZA; 2011), conformando no centro da cidade uma articulação de espaços públicos ricos em suas significações históricas, mas pouco atrativos para a vivência e para o exercício da cidadania.

Figura 2: O Largo da Carioca em 1952.

5.- O espelho da contemporaneidade - o dia a dia da praça Buscando identificar os usos e funções presentes do Largo da Carioca atual, utilizamos, além de visitas sistemáticas para observação e produção de registros fotográficos de seu cotidiano, diversas bases iconográficas, de acordo com a metodologia desenvolvida pelo LAURD em suas pesquisas. A partir da base cadastral, cruzamos os dados com informações obtidas através de ferramentas digitais, como as do sistema Google Earth, Maps e Street View e as da própria prefeitura, o que nos instrumentalizou para a análise gráfica de seu espaço urbano.

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Fotografias e vídeos foram realizados tanto no nível do olhar do pedestre, como a partir do Convento de Santo Antônio, que nos oferece um amplo ponto de vista, especialmente da Praça Estado da Guanabara, permitindo a observação dos fluxos. Simples passantes, ambulantes e trabalhadores ocupam aquele grande calçadão: vendedores ambulantes, camelôs, pastores religiosos, manifestantes, artistas e moradores de rua, pedintes à porta da igreja etc. Uma abrangente seleção dos registros pode ser visitada no endereço www.flickr.com/photos/paisagemgrafica.

Figura 3: Mapa de funções e usos do Largo da Carioca.

Figura 4: Imagem panorâmica, onde se destacam os edifícios da Petrobrás e BNDES à esquerda, seguidos pelo Convento, Rua Uruguaiana ao fundo, e edifício Avenida Central à direita.

É interessante notar como o largo, nas suas diversas conformações ao longo da história, sempre se caracterizou como local de prestação de serviços para a população carioca. A grande movimentação de pessoas, deslocando-se principalmente em função das três saídas da maior estação do metrô da cidade, torna o local lugar ideal para diversas manifestações populares e oficiais. Pelos seus dois eixos principais, observamos um maior deslocamento entre a Rua Uruguaiana e a Av. 13 de Maio e entre a Av. Rio Branco e o restante do morro de Santo Antônio, que dá acesso à igreja de São Francisco da Penitência, ao Convento e ao edifício do BNDES. De fato, o fluxo é intenso em todos os sentidos, visto termos pontos de interesse comercial e institucional importantes em torno da praça. De grande porte, encontramse ali o BNDES, a sede da Petrobrás, a Catedral Metropolitana, o edifício central da

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Caixa Econômica Federal, o edifício Avenida Central e o conjunto do Convento de Santo Antônio. Estamos no efervescente centro de negócios negócios carioca, recheado de escritórios, restaurantes e empresas que prestam serviços somente encontrados ali. Podemos observar vários serviços de entrega, desde os tradicionais “burros sem rabo” até grandes caminhões estacionados em locais destinados à carga carga e descarga e circulando em pontos extremamente movimentados, em horários horários diversos e inadequados a essa atividade, visto o grande volume de veículos presentes. Nas bordas do largo, pontos de táxi com filas de automóveis ao longo da Av. Nilo Peçanha, junto aos diversos ônibus vindos dali e também da Rua da Assembléia, promovem um enorme acúmulo de trânsito no início da Rua da Carioca. No limite oposto, a Av. Almirante Barroso e sua continuação, na Av. Chile, concentram igualmente pontos de táxi e uma grande grande quantidade de linhas de ônibus, porém um pouco melhor articulados, já que as caixas das ruas são bem mais largas e as paradas dos coletivos ordenadas.

Figura 5: À esquerda, o trânsito sofre com o estreitamento das ruas. Em primeiro plano a banca de jornal especializada em música. Na imagem à direita o senhor cruza a grade com a feirinha ao fundo.

Diversas bancas de jornal, de grande porte e especializadas em segmentos como concursos, mapas ou música nordestina partilham o calçadão com um grande comércio informal de alimentos, principalmente em torno das das saídas do metrô, pontos de táxi e pontos de ônibus da Av. Chile. Da informalidade à ilegalidade, também se apresenta intenso o comércio de cd’s e dvd’s de softwares piratas, ao lado de policiais e da guarda municipal. Existe também uma feira com barraquinhas, ao pé do Convento, que durante a semana vende artesanato, roupas e diversos produtos, ocupando uma área cercada por gradis que permanecem com as as portas abertas durante o dia. Bastante relevante é a frequência religiosa ao Convento de Santo Antônio e à Igreja de São Francisco da Penitência. A igreja é frequentada em seus diversos horários de missas e, próximo à sua entrada, pedintes e moradores de rua se instalam à espera da esmola dos fiéis. Observamos Observamos algumas famílias abrigadas na área cercada de acesso ao conjunto religioso e também junto ao relógio, os dois elementos mais antigos do largo. A subida para o edifício do BNDES é realizada por um jardim projetado por Burle Marx. Este se configura em um agradável ambiente semiprivado, formando um óasis contrastante com todo o movimento do centro da cidade. É um caminho bastante utilizado por aqueles que ali atravessam em direção ao edifício ou para cortar caminho para a Av. Chile. Ali observamos preocupações preocupações legítimas com as questões relativas à acessibilidade, que não são vistas em outras áreas do Largo da Carioca. 7

6.- Metodologias Gráficas para o Estudo das Transformações Urbanas As investigações para o estudo das transformações urbanas que o Largo da Carioca e a contígua Rua da Carioca sofreram ao longo do século XX passam por processos metodológicos que foram desenvolvidos no Laboratório de Análise Urbana e Representação Digital. Nesse sentido, a investigação se constrói a partir de análises iconográficas que descrevem a área em diferentes momentos do período estudado, que são entendidas como uma etapa inicial para a posterior elaboração de modelos digitais que descrevem tridimensionalmente a área ao longo do tempo. Tais documentos iconográficos, entendidos como representações sociais (CHARTIER: 1990) produzidas por uma sociedade em uma época específica, contém informações fundamentais sobre uma cidade. A partir do conceito de síntese (VILAS BOAS: 2007), se elaborado com rigor metodológico e tiver seu processo construtivo devidamente documentado, o modelo digital pode ser entendido como a reunião, em um único objeto, de todas as fontes consultadas para a sua construção. A partir de então, suas características instrínsecas - sendo a tridimensionalidade a mais importante delas - possibilitam abrir novas frentes de pesquisa a partir da sua manipulação, oferecendo ao pesquisador novos pontos de vista que os documentos originais, por si só, não têm condições de oferecer Devemos considerar também a natureza aberta dos modelos urbanos digitais e seu papel como ferramenta de pesquisa, onde seu processo de construção é mais importante do que sua eventual conclusão. Assim, os modelos parciais tem sua validade como meio para testar hipóteses e visualizar determinadas situações. Dessa forma, podemos entender que modelar uma cidade é uma maneira - ou um método para estudar sua história. A pesquisa inicialmente privilegiou o estudo do Largo da Carioca e da Rua da Carioca, que constituem dois espaços de um mesmo sistema urbano, em duas abordagens conduzidas em paralelo. A primeira abordagem se debruçou sobre a representação da Rua da Carioca na atualidade. Na outra abordagem, foi estudado o Largo da Carioca no início do século XX, onde se procurou reconstruir, através da modelagem digital, o antigo Chafariz e o Hospital da Penitência, considerados dois importantes marcos arquitetônicos que davam identidade ao largo. O estudo da Rua da Carioca tem por objetivo a sua modelagem digital no estado presente para servir de ponto de partida em direção ao seu passado, em um momento imediatamente anterior ao seu alargamento, ocorrido em 1905, ocasião em que um dos lados da rua foi inteiramente demolido. Inicialmente, foi feito um levantamento fotográfico dos dois lados da rua, a partir do qual foi elaborada uma elevação geral do casario. Essa elevação foi articulada com uma imagem aérea para que fossem identificadas inconsistências entre as fachadas e a divisão dos lotes. Uma vez feita essa primeira aproximação, passou-se para o estudo das condições da rua no final do século XIX, feita a partir da articulação entre dois mapas históricos que a descrevem de maneira complementar. O primeiro mapa, produzido em 1870, representa toda a área central a partir das construções inseridas em seus lotes com bom nível de detalhamento, e é considerado o primeiro cadastro imobiliário da cidade (CZAJKOWSKI: 2000). O segundo mapa, conhecido como "Mapa Architectural da Cidade do Rio de Janeiro", elaborado em 1874, tem a peculiaridade de descrever a cidade a partir do rebatimento das fachadas das edificações na planta urbana, o que fornece informações acerca das fachadas e das alturas das edificações. A articulação destes dois documentos é de grande importância para o processo de modelagem da rua no final do século XIX, não só por serem complementares entre si, mas também por serem documentos que descrevem a cidade a partir de dois pontos

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de vista diferentes com apenas quatro anos de diferença. Nesse sentido, podem ser entendidos como "instantâneos" da cidade na década de 1870. A sobreposição dos dois mapas, elaborada como uma primeira etapa para aferir a precisão de suas informações, revelou inconsistências em alguns poucos lotes no final da Rua da Carioca, que não correspondiam com as fachadas representadas. Tais inconsistências deverão ser revisadas a partir da incorporação de outros documentos que refinem as informações em etapa posterior da pesquisa, e não impedem o começo do processo de modelagem digital da rua.

Figura 6: A sobreposição dos dois documentos revela inconsistências na descrição dos lotes na Rua da Carioca no final do século XIX.

A outra abordagem da pesquisa se preocupou com a reconstrução digital do Chafariz e do Hospital da Penitência, em uma primeira etapa para a reconstrução total do Largo da Carioca no início do século XX. Foi utilizado como base documental um Projeto de Alinhamento da prefeitura da cidade datado de 1905, que evidencia a intenção da demolição do hospital para o alargamento do Largo da Carioca. Tal projeto apresenta, com bom nível de detalhamento, informações em visão de topo do chafariz e do hospital, que foram articuladas com antigas fotografias do largo. No entanto, somente tais fotografias não seriam suficientes sem o Projeto de Alinhamento, que fornece a informação complementar fundamental para o entendimento de suas proporções.

Figura 7: Em primeiro plano, o modelo digital do Chafariz do Largo da Carioca sobre fotografia do início do século XX.

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O processo de modelagem digital passa pela articulação dos dois tipos de documentos e pela eleição de algumas fotografias específicas que mostram detalhes relevantes dos edifícios. As alturas dos seus elementos são aferidas a partir da estimativa das alturas das pessoas que aparecem em suas proximidades, o que oferece um ponto de partida para a descrição da sua forma volumétrica. Uma primeira versão do modelo é comparada novamente com as fotografias para que suas proporções sejam refinadas, até que uma versão final é alcançada e o detalhamento posterior possa ser iniciado. Os resultados obtidos descrevem os dois edifícios em sua escala arquitetônica, ou seja, apresentam um detalhamento suficiente para uma aproximação do olhar, afastando-se dos tradicionais "blocos brancos" que constituem os modelos urbanos tradicionalmente elaborados. A produção desses dois primeiros edifícios do Largo da Carioca, constitui o ponto de partida para a inteira descrição do seu aspecto no início do século XX - outros edifícios já estão em processo de reconstrução digital - e será articulado com o modelo da Rua da Carioca em uma etapa posterior da pesquisa. 7.- Referências CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Lisboa: Difel, 1990. CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Do Cosmógrafo ao Satélite: Mapas da Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2000. FAUSTO MONTEIRO DE CARVALHO, Ana Maria; COSTA RIBEIRO, Rosa Maria; TOVAR SILVA, Cesar Augusto. Memória da Arte Franciscana na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Artway, Artepadilla, 2011. GUIMARAENS, Cêça. Paradoxos entrelaçados. As torres para o futuro e a tradição nacional. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002. MONTEIRO DE CARVALHO, Ana Maria Fausto; COSTA RIBEIRO, Rosa Maria; TOVAR SILVA, Cesar Augusto. Momória da Arte Franciscana na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arway, Artepadilla, 2011. NUNES PEREIRA, Carlos Gustavo. Largo da Carioca. 1608 a 1999. Um passeio no tempo. Rio de Janeiro: Novas Direções, 1999. SANSÃO FONTES, Adriana. A nova forma da Esplanada de Santo Antôno. O projeto urbano na área central do Rio de Janeiro no século XXI. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PROURB/FAU/UFRJ, 2004. SOUZA, Estela Maris de, O entorno da Catedral Metropolitana: a construção de um não-lugar”. Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 2011. SEGRE, Roberto; GONZÁLEZ MONTANER, Alberto (Edits.), GAL. Guias de Arquitectura Latinoamericana. Río de Janeiro. Buenos Aires: Arq. Clarin, 2009. SISSON, Rachel. Espaço e poder. Os três centros do Rio de Janeiro e a chegada da Corte Portuguesa. Rio de Janeiro: Arco, 2008. VILAS BOAS, Naylor. A Esplanada do Castelo: Fragmentos de uma História Urbana. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: PROURB, 2007.

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