O LEGADO DE FULVIO PENNACCHI: A CONTRIBUIÇÃO DO AFRESCO NA CONCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO E AS PROBLEMÁTICAS QUANTO À SUA CONSERVAÇÃO

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O LEGADO DE FULVIO PENNACCHI: A CONTRIBUIÇÃO DOS AFRESCOS NA CONCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO E AS PROBLEMÁTICAS QUANTO À SUA CONSERVAÇÃO

CENTRO TÉCNICO TEMPO DA ARTE PÓS GRADUAÇÃO LATU-SENSU CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE ARQUITETURA

O LEGADO DE FÚLVIO PENNACHI: A CONTRIBUIÇÃO DOS AFRESCOS NA CONCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO E AS PROBLEMÁTICAS QUANTO À SUA CONSERVAÇÃO

Silvana Borges da Silva Orientador: Prof. M.Sc. Raymundo Rodrigues

SÃO PAULO 2014

SILVANA BORGES DA SILVA

O LEGADO DE FÚLVIO PENNACCHI: A CONTRIBUIÇÃO DOS AFRESCOS NA CONCEPÇÃO DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO E AS PROBLEMÁTICAS QUANTO À SUA CONSERVAÇÃO

Monografia apresentada ao Centro Técnico Templo da Arte para obtenção do grau de especialista na área de Conservação e Restauração de Arquitetura.

Orientador: Prof. M.Sc. Raymundo Rodrigues

SÃO PAULO 2014

Dedico este trabalho aos meus avós: João e Maria, por me despertarem o prazer pelas histórias dos lugares, e a todos aqueles que trabalham por preservar essa memória.

AGRADECIMENTOS Em primeiro o agradecimento à família, meu esteio, pela confiança, apoio e fé constantes. Devo muito a duas mulheres especiais: minha mãe pela admiração e incentivo incondicional ao meu trabalho e minha irmã que “segura todas as pontas” no escritório sem reclamar quando eu digo: “preciso ir até uma igreja”. Gratidão ao meu amor, que tem uma compreensão do isolamento necessário ao estudo, e a qualidade de ser um bom ouvinte, mesmo quando eu disparo a tagarelar de arquitetura, pintura e restauro sem parar, aos colegas da Faculdade de Arquitetura, que perdoam o meu sumiço nos nossos periódicos encontros, enfim a todos meus amigos cúmplices nesta minha busca profissional, eu agradeço à torcida e estímulo constantes. Aos meus colegas do CTTA um agradecimento especial pelo companheirismo nesta jornada, a seriedade profissional esteve presente quando necessária, mas o essencial bom humor “da turma do fundão” amenizou qualquer momento difícil. Meu obrigado à contribuição de duas parceiras de profissão, conservadoras-restauradoras: Cristiana Cavaterra que me presenteou com uma edição especial sobre a Igreja da Paz, e Sandra Margalho que gentilmente compartilhou sua experiência na recente restauração do Mural da Imprensa de autoria de Pennacchi. A todos os professores do CTTA por generosamente disporem de seu conhecimento para ampliar o olhar de seus alunos e ao orientador Prof. Raymundo Rodrigues pelas observações para que este trabalho fosse realizado. Minha profunda gratidão ao Prof. Clésio Lemos Junior, cujas palavras me emocionaram e fizeram todo esforço dedicado à esta pesquisa valer a pena, e ao Prof. Valério Assis por suas criteriosas observações e valiosas contribuições na avaliação final. Nas visitas aos afrescos, algumas pessoas fizeram toda a diferença para a realização deste trabalho: o casal Laura e Lucas Pennacchi, que abriram a sua casa para que eu me encantasse e me emocionasse diante de cada parede; na Igreja Nossa Senhora da Paz fui recepcionada pelo Padre Paolo que abriu a porta desse monumento ao me dizer: “Esta é a sua casa...”, além da atenção de Josicleide e da Sra. Socorro em auxiliar a pesquisa; no Hotel Toriba, as boas-vindas do Sr. Alberto Lenz Cesar e toda equipe, cujos préstimos agradeço na figura da Srta.Aline do Restaurante Pennacchi, não mediram esforços para meu acesso aos afrescos em todos os horários possíveis; e na Paróquia de São José, o Padre Nivaldo pelo oferecimento aos visitantes do livro com a história de seu centenário que recebi das mãos de Deise, uma valiosa contribuição, como a recebida do Sr. Domingos, esclarecendo alguns dos meus questionamentos. Mas toda essa experiência só tornou-se possível pela inigualável obra de Fúlvio Pennacchi, e que o seu legado artístico cumpra o papel de despertar o divino em cada um de nós.

Vida de Pintor Cores em cima de cores, busco em vão a harmonia o ar fica de fora, e cada coisa separada, e se no meu trabalho há poesia, falta-se vida, e se há vida, ausente está a harmonia, e se há mistério, ausente está a clareza, e se de ar se consegue um sopro leve, falta força plástica, falta cor, o íntimo e belo sentido do amor. É um ritmo leve de espaços intercalados e cores suaves de rasgos luminosos e então ausente tu estás do nosso mundo. Raro em ti é o gosto de olhar longamente o teu trabalho e sentes tal horror de teu obrar. E, mais te elevas, tão menor te sentes no espaço infinito da criação. (Fúlvio Pennacchi. Santa Helena, 2 de dezembro de 1941) “eu amo o ser humano, na realidade eu amo o ‘divino’ que todo o ser humano contém e sempre retrato ou procuro reproduzir expressões ligadas ao momento que vivo, e nelas incluo o que me parece essencial, o ser humano e sua laboriosa atividade” (Fúlvio Pennacchi)

RESUMO Esta pesquisa teve como foco principal resgatar o papel da pintura mural na arquitetura e sua influência na percepção dos espaços como elemento significativo na sua concepção, destacando a técnica do afresco nas pinturas realizadas por Fúlvio Pennacchi e da sua relevância na composição e tipologia das edificações pela investigação do espaço arquitetônico em que estão inseridas. Exemplificaram-se algumas das metodologias de levantamento cadastral (colorimetria) e identificação de patologias (luz ultravioleta) para analise dos danos ocasionados nos afrescos investigados que estejam relacionados aos aspectos de conservação do edifício: presença de umidade, desprendimento de reboco, alterações cromáticas, rachaduras, fissuras, salinização, vandalismo, impregnação de outros materiais ou intervenções causadas pela manutenção da edificação (sujeira, tintas, repinturas, material de limpeza inadequado, pregos, grampos, adesivos). Do ponto de vista da restauração, considerando que o afresco é parte constituinte do edifício, pois explora os planos de uma parede, observaram-se as condições de preservação dos afrescos atualmente, salientando como a manutenção e uso dos espaços estão relacionados ao seu estado de conservação.

Palavras chaves: Pintura mural, Afresco, Fúlvio Pennacchi, Arquitetura, Conservação-Restauração,

Colorimetria,

Luz-Ultravioleta,

Patologias.

ABSTRACT This research was mainly focused on rescuing the role of mural architecture and its influence on the perception of space as a significant element in its conception, highlighting the fresco technique in paintings by Fulvio Pennacchi and its relevance in the composition and typology of buildings by investigation of the architectural space in which they operate. Exemplified some of cadastral surveying methodologies (colorimetry) and identification of pathologies (ultraviolet light) to analyze the damages caused in the investigated frescoes that are related to the conservation aspects of the building: the presence of moisture, detachment of plaster, chromatic alterations, cracks , fissures, salinization, vandalism, impregnating other materials or interventions caused by the maintenance of the building (dirt, paint, repainting, cleaning of inappropriate material, nails, staples, adhesives). From the point of view of restoration, considering that the fresco is a constituent part of the building because explores plans for a wall, observed the conditions of preservation of the frescoes currently emphasizing as the maintenance and use of space are related to their state of conservation.

Key words: Mural Painting, Fresco, Fulvio Pennacchi, Architecture, ConservationRestoration,

Colorimetry,

UV-light,

Pathologies.

SUMÁRIO

1. Introdução.............................................................................................................. 1 2. Fúlvio Pennacchi ................................................................................................... 7 2.1 O Grupo Santa Helena......................................................................................... 9 3. O Afresco ............................................................................................................ 14 3.1 Colorimetria ...................................................................................................... 16 3.2 Materiais e etapas de execução do afresco ........................................................ 18 3.3 A técnica afresco de Fúlvio Pennacchi ............................................................. 22 3.4 O afresco no espaço arquitetônico .................................................................... 27 4. As Teorias da Conservação ................................................................................. 29 4.1 As Cartas Patrimoniais ...................................................................................... 31 4.2 A atividade de conservação e restauração do patrimônio ................................. 33 4.3 Ações na preservação dos afrescos ................................................................... 35 5. O Cadastramento e Mapeamento de Danos ........................................................ 42 5.1 Patologias .......................................................................................................... 43 6. A obra de Fulvio Pennacchi ................................................................................ 52 7. Afrescos analisados ............................................................................................. 64 7.1 Igreja Nossa Senhora da Paz ............................................................................. 65 7.2 Paróquia São José – Ribeirão Pires (SP) ........................................................... 74 7.3 Hotel Toriba – Campos do Jordão (SP) ............................................................ 80 7.4 Capela do Hospital das Clinicas ........................................................................ 92 7.5 Capela da Vila São Francisco............................................................................ 95 7.6 Residência Pennacchi ........................................................................................ 99 8. Considerações Finais ......................................................................................... 113 9. Referências Bibliográficas: ............................................................................... 118 ANEXO I – Fichas de colorimetria ....................................................................... 121 ANEXO II – Fichas de mapeamento de danos ..................................................... 133 ANEXO III – Código de Ética do Conservador-Restaurador ............................... 144 ANEXO IV – Princípios do ICOMOS para a Preservação e Conservação – Restauração das Pinturas Murais........................................................................... 152

1. Introdução Pode-se dizer que a arte mural é uma das primeiras manifestações artísticas da humanidade a partir das descobertas das pinturas rupestres de Lascaux (França) e Altamira (Espanha) 1. Também há exemplos presentes espalhados de norte a sul do território nacional, como o Parque Nacional da Serra da Capivara (Piauí), inscrito na lista do Patrimônio Mundial da UNESCO2 abrigando um dos mais ricos sítios arqueológicos do mundo3. Com a própria evolução do homem, o progresso na manipulação técnica de novos materiais em uma sucessão de estilos na arte e na arquitetura, a pintura mural variou conforme temática, técnica e estilo, mas sempre esteve presente como expressão artística nos edifícios públicos, nos templos religiosos e até no interior das residências. Sendo que um dos exemplares mais antigos de afresco existentes são as pinturas murais de Herculano e Pompéia, Figura 1, datadas do séc. I a.C. (MAYER, 2006).

Figura 1: Detalhe de afresco na Villa dos Mistérios em Pompéia. Fonte: Wikipédia

A pintura mural ou parietal é por definição do seu suporte executada diretamente sobre uma parede, diferindo-se na técnica de execução o afresco por impregnar a camada de acabamento de sua superfície pelo processo de carbonatação4 quando a pintura é agregada físico-quimicamente à constituição do reboco da própria parede, desta forma tanto fisicamente como em sua elaboração, a pintura mural, e neste caso o afresco, está intimamente ligada à arquitetura explorando o caráter plano de uma parede, sua constituição material, e interagindo na própria concepção do espaço, algumas vezes

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As investigações nesses complexos dataram as pinturas entre 35 000 e 11 000 a.C. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. 3 Disponível em: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/serra-da-capivara/ 4 Carbonatação: processo em que o hidróxido de cálcio reage com o dióxido carbônico presente na atmosfera formando o carbonato de cálcio. 2

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criando efeitos ilusórios, como ocorre no caso das decorações faux finish5 ou do trompe l’oeil6. O afresco foi uma pintura muito propagada na Europa a partir dos séculos XIII e XIV, obtendo a sua máxima expressão com os trabalhos de Giotto 7, Figura 2. É uma técnica artística antiga, onde a pintura é realizada com pigmentos geralmente de origem mineral diluídos em água e aplicados na argamassa fresca: desta forma, uma vez que a massa tenha concluído o processo de carbonatação, a cor vai se tornar totalmente incorporada à massa de revestimento da parede, adquirindo assim, uma relativa resistência.

Figura 2: Afrescos executados por Giotto na Capella degli Scrovegni, ano 1.305, Pádua – Itália. Fonte: Wikipédia

No período renascentista, Michelangelo8 cria uma das obras primas da pintura mural: os afrescos da Capela Sistina, Figura 3, porém após o Renascimento esse tipo de técnica cai em desuso, ressurgindo somente no séc.XX em um gênero mais expressionista9 no Cubismo em Paris, com vertentes no México e o importante trabalho de Diego Rivera10, no Movimento Muralista em 1.930 nos EUA e no Brasil.

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“Faux painting” ou “faux finishing” são termos usados para descrever um acabamento de pintura decorativa que imita a aparência de materiais, tais como mármore, madeira e pedra. 6 Trompe l’oeil é uma técnica artística de pintura muito utilizada na arquitectura de interiores, criando a ilusão de objetos ou espaços que não existem realmente. 7 Giotto di Bondone (1266-1337) pintor e arquiteto italiano que introduziu a perspectiva na pintura afresco. 8 Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (1.475-1.564), um pintor, escultor, poeta e arquiteto italiano, considerado um dos maiores criadores da história da arte do ocidente. 9 Expressionismo: movimento que expressa de forma subjetiva a natureza e o ser humano, dando primazia à expressão de sentimentos em relação à simples descrição objetiva da realidade 10 Diego Rivera Mural Project

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Figura 3: Afrescos no teto da Capela Sistina realizados por Michelangelo entre 1.508 e 1.512. Fonte: Wikipédia

A revalorização da pintura mural e as inúmeras experiências plásticas resultantes pela retomada das antigas técnicas muralísticas, como foi o caso da pintura do buon fresco italiano, vieram de encontro às demandas da arquitetura moderna brasileira em meados do século XX. Os artistas revisitaram as antigas práticas da arte mural incorporando novas metodologias e materiais executivos ao mesmo tempo em que ampliavam novas formas de expressão e tendências artísticas em uma linguagem estética renovada, não se limitando à temática sacra.

Mas poucos foram os artistas que realizaram esse tipo de pintura utilizando a técnica do afresco no Brasil, e talvez os raros exemplos resultem do fato de não termos essa tradição artística que requer uma técnica precisa e determinante na composição da obra, pois sua elaboração e fatura é restrita à execução das jornadas11, exigindo uma elaboração demorada do suporte com uma composição específica da argamassa de areia e cal extinta12 que irá receber a pigmentação enquanto úmida. TIRELLO (2001), em seus estudos, menciona que são poucos os afrescos executados em São Paulo, seja pela dificuldade de aprendizado e domínio da técnica, ou pela dedicação de um longo período de tempo em sua execução. Dos artistas que também executaram pinturas murais em afresco, menciona: Samson Flexor13 (1.90711

Giornata ou jornada, pequenas porções do “fresco” (argamassa fresca) para aplicação dos pigmentos antes do período de carbonatação que ocorre dentro de três horas após a aplicação da massa. 12 Cal extinta: processo de queima da cal pela hidratação, liberando calor, e produzindo o hidróxido de cálcio 13 Samson Flexor (Soroca, Moldávia 1907 — São Paulo, 1971) foi um pintor, desenhista e professor moldávio radicado no Brasil.

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1.971), Francisco Rebolo14 (1.902-1.980), Carlos Magano15 (1.921 – 1.983) e Antônio Gomide16 (1.895-1.967), citando Fúlvio Pennacchi (1.896-1.992) como um dos precursores. No caso de Fúlvio Pennacchi é possível perceber a evolução do artista transitando entre a pintura pictórica de cavalete, à parietal, e para o afresco propriamente dito. Entre 1.924 e 1.928, o artista executou na pintura mural de grandes dimensões, 13 murais à tempera e 20 murais à óleo. A partir de 1.937 executou mais de cem afrescos, sendo que o próprio artista admirava-se com o resultado de sua técnica: “Os afrescos se conservam tão perfeitos que fico boquiaberto quando os revejo. Acho que são a contribuição mais importante do meu trabalho”, (PENNACCHI, 1984) 17. Em 20 anos, Pennacchi executou afrescos do espaço residencial ao empresarial, do institucional ao religioso, sendo a temática do artista eclética, indo de cenas do cotidiano até a pintura religiosa em capelas e igrejas. O objetivo central desse trabalho é descrever por meio de pesquisa parte da produção do artista Fúlvio Pennacchi, evidenciando a importância dos bens integrados na valorização dos espaços arquitetônicos, monumentais ou não; e sua contribuição no que concerne ao conhecimento e domínio do manejo das técnicas da pintura mural em afresco, em algumas edificações de interesse histórico no estado de São Paulo. O critério de escolha dos locais considerou a possibilidade de acesso para o registro fotográfico das obras e a sua relevância no conjunto de afrescos realizados pelo artista, selecionando para a comparação do estado de conservação relacionado ou não ao uso do espaço, e as problemáticas de preservação da pintura mural em afresco, as obras realizadas nos seguintes locais: - Igreja Nossa Senhora da Paz no bairro do Glicério, São Paulo, SP; - Paróquia de São José na cidade de Ribeirão Pires, SP; - Hotel Toriba na cidade de Campos do Jordão, SP; - Capela do Hospital das Clínicas de São Paulo, SP;

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Francisco Rebolo Gonsales foi um artista plástico paulista, pintor e jogador de futebol, filho de imigrantes espanhóis, é considerado um dos mais importantes paisagistas da pintura brasileira. 15 Carlos de Aguiar Magano. Artista plástico paulista, pintor e professor de artes plásticas. 16 Antônio Gonçalves Gomide (Itapetininga, 3 de agosto de 1895 — Ubatuba, 31 de agosto de 1967) foi um pintor, desenhista, gravador e professor brasileiro. 17 Declaração de Fúlvio Pennacchi ao Jornal Folha de São Paulo publicado em 10 de dezembro de 1984.

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- Capela da Vila São Francisco, no bairro Cidade São Francisco, São Paulo, SP; - Residência da família Pennacchi no Jardim Europa, São Paulo, SP.

Pretende-se salientar desta forma a importância da preservação da pintura mural como parte integrante da composição do espaço arquitetônico e dar maior visibilidade a contribuição de Fúlvio Pennacchi na arte pouco comum das obras em afresco realizadas no Brasil, sendo ele “quem transferiu e inaugurou em São Paulo a técnica do afresco, uma arte que iluminou através dos séculos as catedrais da Itália” (BARDI, 1980, p.26), como forma de incentivar o constante diálogo entre as Belas Artes18, ou seja, a pintura, a escultura e o desenho subordinados à composição da edificação, realizando ao mesmo tempo o registro das influências artísticas e do modo de viver de uma época.

“A arquitetura atua como registro, como documento, faz lembrar uma época e as aspirações que por meio dela permanecem, ou ainda, absorve novos significados que lhe são atribuídos por outros momentos históricos. Como os livros, neste caso a arquitetura oferece um novo perfil a cada leitor e a cada época” (LE GOFF apud FERNANDES, 1998, p.1).

Desta forma, a pesquisa se inicia traçando uma breve biografia do artista com enfoque no momento histórico vivido durante o período de produção dos afrescos em estudo, tentando compreender como se deu a evolução da sua pintura, quais as influências em seu trabalho, sua trajetória no Grupo Santa Helena e a contribuição de sua pintura mural na história da arte e arquitetura brasileiras. Um levantamento histórico que contextualize a obra na época de sua execução é essencial para compreensão das intenções do artista e evitar intervenções que descaracterizem a sua obra, além disso, o conhecimento da técnica e dos materiais empregados tem relevância na escolha dos caminhos para a conservação e restauração de um patrimônio. Na segunda parte da pesquisa investigou-se na bibliografia disponível a técnica afresco tradicional e a desenvolvida por Fúlvio Pennacchi no Brasil, abordando não somente a constituição física dos materiais constituintes do afresco, mas as alterações 18

Até meados do século XIX as academias classificavam as artes em basicamente dois tipos: as artes aplicadas praticada por trabalhadores; e as artes consideradas mais nobres e dignas que compunham as Belas Artes: a pintura, a escultura e o desenho, todas elas subordinadas à arquitetura.

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químicas a que cada componente está sujeito, para então comentar sobre a Conservação e Restauro de Pinturas Murais, expondo algumas questões sobre procedimentos já realizados no que concerne à conservação do afresco, e o que é aconselhado segundo os princípios do ICOMOS19 para as ações de preservação e conservação-restauro das pinturas murais. Em cada uma das obras escolhidas para comparativo foram realizados exames organolépticos20 desse acervo e exemplos das três etapas de registro: ficha cadastral, ficha de colorimetria e mapeamento de danos. A coleta desses dados permite a avaliação comparativa do estado de preservação atual das pinturas e também no caso da ocorrência, ou não, de algum tipo de intervenção anterior, se essa ação contribuiu para o seu estado atual de conservação. Por meio de entrevistas, avaliaram-se quais ações dos usuários desses espaços, e daqueles que lidam com a administração e manutenção dos locais onde as obras estão inseridas, contribuem de alguma forma na sua conservação e se estes entendem o valor patrimonial dessas pinturas como um bem cultural a ser preservado para as gerações futuras. Com o conjunto de dados levantados e avaliação do estado de conservação atual das pinturas, realizou-se um comparativo do benefício, ou não, do uso da edificação nas ações de preservação dos afrescos como elementos integrantes dos espaços na arquitetura, identificando as ações diretas que contribuíram na preservação do legado de Fúlvio Pennacchi, e as medidas tomadas para retardar a degradação de sua obra ao longo do tempo.

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ICOMOS – International Council on Monuments and Sites observação direta com a utilização dos sentidos, fundamentalmente da visão e do tato.

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2. Fúlvio Pennacchi Fúlvio Pennacchi nasceu em 27 de dezembro de 1.905 em Pianacci, Lucca na Itália. Primogênito de cinco irmãos de uma família tradicional, recebendo sólida educação religiosa, os Pennacchi ocupam a região de Garfagnana21 desde o séc. XV. Entre 1.924 e 1.928 estuda em Lucca no “Regio Istituto di Belle Arti” e inicia os estudos da pintura mural a tempera até diplomar-se obtendo a Licença do Curso Superior de Belas-Artes na seção mural, com o diploma de honra. Desiludido com a situação política e econômica na Itália em decorrência do regime fascista22 parte para o Brasil onde já residiam dois de seus irmãos. O artista chegou a São Paulo no dia 05 de julho de 1.929, mas não consegue se estabelecer trabalhando no ofício. Então realiza serviços esporádicos e tem muitas dificuldades financeiras, chegando a pedir ao consulado italiano a repatriação em 1.931, o que não ocorre. Esse período de precariedade vivido por Pennacchi caracterizou-se pelas mudanças econômicas, sociais e políticas ocorridas no mundo com a crise da Bolsa de 1.929, abalando a economia agrária brasileira, a exportação do café, ocasionando uma queda de preços e produção, reduzindo os serviços e atividades que movimentavam a economia. “Chegado à cidade durante os desajustes provocados pela crise econômica de 1.929, vivencia em seguida a Revolução de 1.930 e, praticamente na sequência, a Revolução de 1.932 – fatos que, se abalavam o cotidiano dos locais, o que dizer dos sentimentos de um jovem recém- imigrado, possuído pela saudade dos seus e com sérias necessidades financeiras?” (ARAUJO, 2006, p.15).

As mudanças ocorridas também na política brasileira repercutem na vida social e artística com a Revolução de 1.930, culminando com o golpe de estado que depôs o presidente eleito Júlio Prestes (1.882-1.946)23 e o fim da República Velha. Em 03 de novembro, Getúlio Vargas24 assumiu a chefia do "Governo Provisório" tornando-se presidente do Brasil e dando sequência ao chamado Estado Novo (1.937 a 1.945) como 21

Garfagnana é uma região montanhosa da Toscana (Itália) Fascismo, regime político autoritário, radical e nacionalista que se destacou no início do séc.XX na Europa 23 Júlio Prestes de Albuquerque (1882-1946) foi um poeta, advogado e último presidente do Brasil na República Velha, único político eleito presidente da república do Brasil pelo voto popular a ser impedido de tomar posse. 24 Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), advogado e político brasileiro, líder civil da Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha, depondo seu 13º e último presidente Washington Luís e impedindo a posse do presidente eleito em 1 de março de 1930, Júlio Prestes. 22

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ficou conhecido o seu governo pelo autoritarismo e pela centralização do poder, nacionalismo e anticomunismo. Em um segundo período, em que foi eleito por voto direto, governou o Brasil por três anos e meio: de 31 de janeiro de 1.951 até 24 de agosto de 1.954, quando suicidou. Em meio a essa conjuntura política, Pennacchi monta um atelier informal, o Clamor (1.932-33), com Antelo Del Debbio25 (1.901-1.971). Durante um ano de funcionamento, seu atelier realiza uma vasta produção de cartazes publicitários, inaugurando os primórdios da propaganda brasileira (ZIMMERMANN, 2005). A partir de 1.933 começa a trabalhar no atelier de Galileo Emendabili26 (1.898-1.974) e conhece Francisco Rebolo27 (1.902-1.980) no I Salão Paulista de Belas Artes, quando começa a participar de salões e exposições e frequentar o ateliê de Rebolo no Palacete Santa Helena. De 1.936 até 1.940 trabalha como professor de desenho geométrico e artes no Colégio Dante Alighieri em São Paulo por indicação de Emendabili. Em 1.937 recebe a encomenda que marca a sua trajetória artística na execução de afrescos, o projeto da Igreja de Nossa Senhora da Paz no bairro do Glicério na cidade de São Paulo. Em 1946 casa-se com Filomena Maria dall’Aste Brandolini Matarazzo, neta do Conde Francisco Matarazzo (1.854-1.937) 28, com quem teve oito filhos. Na década de 1.950 Pennacchi opta por um autoexílio, declarando que “por não concordar com o caótico desenvolvimento das artes plásticas nos anos 1.950, resolvi voltar para o meu mundo e continuar a pesquisar e trabalhar” (ARAUJO, 2006, p.136). O pintor, desenhista, muralista e ceramista prossegue produzindo e participando de diversas exposições ao longo dos anos. Destacando-se entre as quatro individuais do artista em 1.973, a retrospectiva realizada por iniciativa de Pietro Maria Bardi29 (1.9001.999) em abril no MASP – Museu de Arte de São Paulo, com a redescoberta e o 25

Escultor italiano modernista, radicado no Brasil, produziu a maior parte de suas obras entre 1920 e 1950 nas cidades de São Paulo e Santos. 26 Escultor italiano, desenvolveu importantes obras em São Paulo, entre elas o Obelisco Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932 (Pq. do Ibirapuera) e o Monumento a Ramos de Azevedo (Cidade Universitária). 27 Francisco Rebolo Gonsales, artista plástico considerado um dos mais importantes paisagistas da pintura brasileira, foi jogador de futebol e desenhou em 1930 o atual escudo do Sport Club Corinthians Paulista. 28 Apesar do título conferido pelo rei Vitor Emanuel III em 1917 em troca de milhões de dólares estadunidenses, Francesco Antonio Maria Matarazzo nunca foi considerado membro da nobreza italiana 29 jornalista, historiador, crítico, colecionador, expositor e negociador de obras de arte, junto com Assis Chateaubriand, foi o responsável pela criação do Museu de Arte de São Paulo (MASP)

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reconhecimento da contribuição do conjunto de sua obra, ao que Bardi chamou de a “novata história da arte de nossa terra” (ARAUJO, 2006, p.101). Em 1.985 em comemoração aos 80 anos do artista são realizadas três individuais, integrando também outras exposições coletivas, inclusive uma novamente no MASP. Em 1.989 realiza-se a última individual do artista em vida. Vem a falecer em 05 de outubro de 1.992, onde são realizados, nos anos consecutivos, várias homenagens, retrospectivas de sua obra e publicações de livros fazendo referência ao seu importante trabalho.

2.1 O Grupo Santa Helena Grupo Santa Helena foi o nome atribuído pelo crítico Sérgio Milliet (1.8981.966) 30 aos pintores que, a partir de meados da década de 1.930, se reuniam nos ateliês de Francisco Rebolo e Mario Zanini (1.907-1.971)31 no Palacete Santa Helena, Figura 4. O edifício foi construído na década de 1.920 utilizando pioneiramente um novo material de construção importado, e muito caro na época: o concreto armado. O edifício foi considerado um marco na reconstrução da Praça da Sé em São Paulo, que se encontrava praticamente destruída após a construção da nova catedral em 1.910. O Palacete tem sempre seu nome vinculado ao grupo de pintores santa-helenistas, e também mereceu um estudo sobre a sua trajetória no campo da arquitetura (CAMPOS, 2006).

Figura 4: Vista frontal do Palacete Santa Helena por volta de 1930. Fonte: CAMPOS, 2006. 30

foi um escritor, pintor, poeta, ensaísta, crítico de arte e de literatura, sociólogo e tradutor brasileiro Pintor e decorador brasileiro, ao lado de Volpi, é um dos grandes coloristas da moderna pintura brasileira. 31

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O edifício foi inaugurado em 1.925 e demolido em 1.971 para as obras do metrô decorrentes de novas intervenções no marco zero da cidade de São Paulo, a Praça da Sé. Com seus 38 metros de altura era um dos maiores edifícios da cidade na sua época, e era destinado a atividades comerciais e de serviços, com o funcionamento do cineteatro Santa Helena. Foi concebido meio século antes da sua destruição, ironicamente com a mesma finalidade, de revitalizar o centro da capital (CAMPOS, 2006). A formação do grupo de artistas ocorreu de forma espontânea, sem nenhum tipo de compromisso conceitual, não tinham a rigidez da academia e nem a rebeldia da vanguarda modernista, eram amigos reunidos para troca de ideias e para o exercício das técnicas de aprendizado de pintura e desenho, dividindo despesas para contratação de “modelo vivo”

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para o desenho, e com o passar do tempo despertando o interesse e

acolhendo novos amigos como integrantes. “Como ponto comum, os integrantes do Grupo Santa Helena tinham o repúdio à arte acadêmica. A maioria deles era autodidata e seguia os conselhos do pintor, desenhista e arquiteto Paulo Cláudio Rossi Osir (1.8901.959) 33” (TIRAPELI, 2007, p.376). Desta forma que Pennacchi é convidado a integrar-se como membro do grupo, junto com Francisco Rebolo Gonsales, reunindo-se a: Aldo Bonadei (1.906-1.974)

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·,

Alfredo Volpi (1.896-1.988) 35, Mário Zanini, Humberto Rosa (1.908-1.948) 36, Alfredo Rizzotti (1.909-1.972) 1.988)

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, Manuel Martins (1.911-1.979)

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e Clovis Graciano (1.907-

, este último outro grande muralista em obras arquitetônicas, e quem mais

executou painéis e murais em São Paulo, mas não na técnica do afresco.

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A prática da representação do corpo humano através da observação direta de um modelo humano permanece como uma das componentes básicas da formação artística contemporânea. 33 Paulo Rossi Osir foi o responsável pela cerâmica artística desenvolvida em sua empresa para os desenhos dos painéis de Portinari na Pampulha e no Palácio Capanema no Rio de Janeiro. 34 Pintor brasileiro como importante atuação na arte moderna paulista no desenvolvimento da arte abstrata. 35 Pintor modernista ítalo-brasileiro, chegou ao Brasil com um ano de idade, autodidata, iniciou sua pintura em 1911, considerado um grande colorista na pintura têmpera sobre tela. 36 Pintor e desenhista brasileiro, sua rara obra registra a origem interiorana e a vida na São Paulo em expansão 37 Pintor, desenhista e decorador brasileiro, produzindo apenas por 15 anos devido a intoxicação pela tinta. 38 Pintor, ilustrador, desenhista, gravador, escultor e ourives brasileiro, tem sua temática voltada a vida paulistana, ao cotidiano da classe trabalhadora, paisagens do centro e arredores de São Paulo. 39 Pintor brasileiro, desenhista, cenógrafo, figurinista, gravador, ilustrador e muralista.

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Eram todos de origem humilde, imigrantes ou filhos de imigrantes, proletários, e como modo de sobrevivência exerciam os serviços braçais contratados mais diversos. Rebolo, Volpi e Zanini realizavam decoração e pinturas de paredes; Rebolo era ainda, jogador de futebol; Clóvis Graciano era ferroviário; Fúlvio Pennacchi trabalhava em um açougue, Humberto Rosa era professor de desenho; Bonadei era figurinista e bordador; Rizzotti era torneiro e mecânico de automóveis e Manuel Martins era ourives. Imbuídos de uma necessidade de expressão dedicavam suas horas livres ao exercício da sua arte, praticando a pintura e o desenho no período que sobrava entre as atividades para “ganhar dinheiro”, e sobrevivendo ao preconceito em relação aos imigrantes pobres, evidente nas críticas da época ao trabalho do grupo. Pennacchi contribuiu com sua atividade artística num momento em que os artistas começaram a se dedicar a uma integração entre a arquitetura, pintura e escultura. Ele era dos poucos que tinha prévia formação artística acadêmica e agregava sua formação classicista à sua vivência na capital paulista, é desta forma que o imaginário na pintura mural de Fúlvio Pennacchi se integra ao espaço, ele dizia que “gostava de pintar a vida dos Santos, de gente humilde e sofredora, por isso preferia Cézanne40, Segall41, Portinari42 e mais os meus mestres toscanos do Trezentos43 e do Quatrocentos44” (ARAUJO, 2006, p.25). Seus afrescos popularizam a sua arte inserida no espaço arquitetônico, porque a tradição da sua obra influenciada pela retomada dos valores ligados à arte italiana do Renascimento a torna acessível no sentido de ser sua leitura amplamente compreensível ao público. Desta forma, seu trabalho começa a ganhar destaque e apreciação nos afrescos realizados nas igrejas e residências paulistas. “Educar por meio da arte estará sempre em primeiro lugar para o artista e será essa característica que explicará a criação e manutenção de algumas das características de sua poética mais 40

Paul Cézanne (1839-1906) foi um pintor pós-impressionista francês, cujo trabalho forneceu as bases da transição das concepções do fazer artístico do século XIX para a arte radicalmente inovadora do século XX. 41 Lasar Segall (1891- 1957) foi um pintor, escultor e gravurista judeu brasileiro nascido na Lituânia, seu trabalho de Segall teve influências do impressionismo, expressionismo e modernismo. 42 Cândido Portinari (1903-1962) artista plástico brasileiro, outro grande muralista. Dentre suas obras mais famosas e prestigiadas destacam-se os painéis Gerra e Paz (1953-56), presenteados em 1956 à sede da ONU. 43 Refere-se ao “Trecento”, período da História da Arte durante todo o século XIV na Itália e que antecede a primeira fase do Renascimento, uma transição do estilo gótico para a cultura renascentista. 44 Refere-se ao “Quattrocento” a primeira fase do Renascimento.

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madura [...] seria essa compreensão da pintura como um veículo para mensagens extra pictóricas que explicaria o distanciamento de Pennacchi em relação à abstração.” (ARAUJO, 2006, p.22).

Pennacchi vive um momento histórico-cultural efervescente quando surgem, a exemplo do Grupo Santa Helena (1.935-1.944), grupos e alianças artísticas rumo à constituição de uma arte moderna brasileira após o memorável marco da semana de 1.922, dentre os quais se destacam em São Paulo: Grupo Seibi (1.935-1.972), Grupo 15 (1.948-1.949), Grupo Guanabara (1950), Sociedade Pró-Arte Moderna: SPAM (1.9321.934), Clube dos Artistas Modernos: CAM (1.932-1.933), Salões de Maio e da Família Artística Paulista45: FAP (1.937-1.940), além dos grupos cariocas: Núcleo Bernardelli (1.931-1.942), Grupo Guignard (1.943-1.944) e Grupo Portinari (1.935-1.937). A obra do pintor italiano radicado no Brasil tem relevante importância na história da arte em São Paulo, “Fúlvio Pennacchi, sem subestimar a ação das vanguardas, preferiu continuar seu caminho, para assim ser entendido popularmente” (BARDI, 1980, p.8). “Um dos debates que frutifica neste momento é o da integração entre as artes – arquitetura, pintura e escultura. A arquitetura realizada a partir destas formulações irá fornecer à cidade obras onde a arte participa do espaço público, colorindo a cidade com painéis e murais, reveladores do imaginário do período. Arte pública, que qualifica o espaço urbano e se oferece acessível aos seus habitantes.” (FERNANDES, 1998, p.2).

Pennacchi vivencia um momento de ressignificação tanto no campo da realização artística e arquitetônica como no campo da conservação do patrimônio, também objeto deste estudo, pois em 1.937 ocorre a criação e atuação do SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em São Paulo. “O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional foi instituído, na década de 1.930, em uma conjuntura muito peculiar, pois talvez estivessem, pela primeira vez, reunidos em um único movimento, vanguarda artística e patrimônio

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Pennacchi participou da primeira exposição do grupo em novembro de 1.937, no Hotel Esplanada (São Paulo)

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arquitetônico, tradição e ruptura, passado e modernidade.” (Gonçalves, 2007, p.29).

O processo de inserção de sua arte no meio paulistano e a retomada da modalidade do afresco pelo artista também coincide com o debate sobre a pintura mural na Itália com a publicação do Manifesto da Pintura Mural afirmando que “a pintura mural é por excelência social. Atua diretamente sobre o imaginário popular mais do que qualquer outra forma de pintura, e inspirou mais diretamente as artes menores”

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(tradução nossa). Pennacchi “estava atento ao debate artístico italiano no período, uma vez que naquele país vários artistas discutiam sobre a necessidade de socializarem a obra de arte a partir do renascer de uma técnica tão cara a arte italiana, como a pintura mural.” (ARAUJO, 2006, p.20). Deste modo o artista traduz a arte italiana tradicional para o cotidiano, e ao executar seus afrescos, não estava alheio às questões que mobilizavam o meio artístico brasileiro: o nacional na arte.

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O Manifesto della pittura murale, foi publicado no La Colonna, em Dezembro de 1933, do original: “La pittura murale è pittura sociale per eccellenza. Essa opera sull'immaginazione popolare più direttamente di qualunque altra forma di pittura, e più direttamente ispira le arti minori”.

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3. O Afresco Para a pintura mural ser “a fresco” conforme sua designação diz, deve ser realizada sobre a massa fresca, assim, ao invés de ser formar uma película como na pintura pela ação de uma substância aglutinante que fixa o pigmento fazendo a pintura aderir sobre uma superfície seca, no caso do afresco tem-se o processo de carbonatação, Figura 5, onde a massa de cal fresca (hidróxido de cálcio) em combinação com o ar e evaporação da água forma o carbonato de cálcio, onde a pintura adere ao suporte por coesão integrando a massa de cal depois de seca, formando uma estrutura resistente, cristalina e impermeável.

Figura 5: esquema figurativo do processo químico da carbonatação

A permanência da cor no afresco se baseia na estabilidade química de alguns pigmentos ao meio alcalino, utilizando-se aqueles mais resistentes ao exigido pela técnica. MASSEY (1967) e MOTTA (1976) relacionam os pigmentos “à prova” da cal, ou seja, resistentes ao meio alcalino da pintura, dispondo-os como a seguir:

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Quadro I: Cores e pigmentos indicados para a pintura afresco BRANCOS:

- carbonato de cálcio ou AZUIS: branco de san giovanni - sulfato de bário

PRETOS:

- preto de marfim ou VIOLETAS: marte - preto de vinha ou vegetal - preto de carbono - cádmios VERMELHOS: - ocres - cores de marte - nápoles

AMARELOS:

MARRONS:

- sombras - sienas

VERDES:

- cerúleo - cobalto - ultramar - ftalocianina - manganês - violeta de marte - vermelho ultramar - cobalto

- cádmios - terras ou óxidos de ferro (de Veneza, indiano, inglês, francês, etc). - óxido de cromo verde - terra verde - cobalto - ftalocianina - manganês

Entre os pigmentos brancos TIRELLO (2001), destaca os mais adotados para fins artísticos na mistura dos estratos preparatórios de murais em variadas técnicas, entre eles: - branco de chumbo (carbonato básico de chumbo): usado como carga e cor, tem limitações à mistura de pigmentos de outros grupos químicos, exemplo do enxofre que o faz enegrecer; - branco de chumbo-sulfúreo: pigmento mineral artificial (sulfato básico de chumbo); - branco de zinco: óxido de zinco, usado em tintas e cargas, principalmente com óleo; - branco de bário: sulfato de bário, usado em tintas e cargas, resistente à luz, aos ácidos e álcalis, usado em todas as técnicas de pintura; - caulim: silicato hidratado de alumínio, é inalterável à luz, e quando misturado à cal, resiste aos álcalis, confere maior pastosidade às massas preparatórias; - litopone: sulfeto de zinco e sulfato de bário, pigmento mineral, artificial, usado como carga em substituição às cores de chumbo; e - carbonato de cálcio ou branco-de-espanha: mineral natural, cal carbonatada, é resistente à luz, ao ar e intempéries, mas se altera com a presença de ácidos.

O entendimento dos pigmentos utilizados, suas características e reações químicas são importantes no estudo da conservação e preservação de uma obra de arte. No entanto deve-se observar que na literatura de muitas cores utilizadas na Antiguidade 15

como o terra-verde, utilizado até hoje, provavelmente não se trata do mesmo pigmento, pois o mineral natural já é extraído de outras regiões, e muitas cores comercializadas já são sintetizadas em laboratório. Em um estudo mais detalhado para conservação de uma pintura mural deve-se levar em consideração a análise química de seus pigmentos, pois a combinação de um terceiro elemento incompatível ao conjunto pode acelerar a degradação de toda a obra.

3.1 Colorimetria Atualmente, nos estudos para conservação e restauro, as cores são observadas entre outros métodos pela leitura de colorimetria, que foi executada nessa pesquisa no afresco do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão47, como forma de mapeamento da paleta cromática do artista. Isto se torna relevante quando existe necessidade de se realizar uma reintegração de lacunas perdidas da policromia, não no sentido da utilização do mesmo pigmento ou material, mas da aproximação da leitura visual àquela pretendida pelo artista ou até mesmo na realização de reproduções ou maquetes digitais. Como método instrumental disponível para medir a cor em superfícies opacas utilizou-se o colorímetro ACR-1023, Figura 6, que emprega três filtros de banda larga para obter três números na escala RGB. Um processo diferente dos métodos visuais, que medem as cores por comparativo a uma cartela de paleta de tonalidades (color matching), medindo as cores com base em estímulos físicos, trabalhando a partir das três cores primárias, correspondendo aos aspectos fisiológicos que condicionam a percepção da cor. O analisador de cor utilizado foi “projetado principalmente para medir a cor de amostras não luminosas. Nesse caso, uma fonte de luz ilumina a amostra e a luz refletida pela superfície é analisada pelo método espectral, cuja escala de operação varia de 400 nm a 700 nm” (BEZERRA, 2010, p.95). Antes de efetuar a medição da cor, é feita a calibração do instrumento para zerar o equipamento em relação à influência de medições anteriores. A amostra é iluminada em 45° na superfície e a luz refletida é medida em 0°.

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Ver Anexo I

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Figura 6: Colorímetro ACR-1023. Fonte: Instrutherm, 2014

Para análise dos resultados, as medidas obtidas na escala RGB 1023 foram transformadas para a escala RGB 255 que é mais usual nos programas de computação gráfica. As duas escalas são diretamente proporcionais, sendo que a RGB 1023 é quatro vezes maior que a RGB 255 (BEZERRA, 2010). A finalidade é a identificação das tonalidades aproximadas da paleta do artista e por isso foram escolhidas para realização do registro de colorimetria os locais onde era possível a leitura de cores em áreas visivelmente mais conservadas, geralmente regiões mais altas, menos suscetíveis a ação de abrasões e alterações químicas pela ação de produtos de limpeza, ou mesmo pelo acumulo de sujidades, e também em áreas com menor incidência de luz direta. Convém lembrar que se visualizam cores do sistema subtrativo, baseado em pigmentos, em um monitor que opera pelo sistema aditivo (RGB) baseado em luz, portanto é natural que ocorram pequenas diferenças. Os aplicativos para a conversão do sistema RGB para CMYK operam através da aplicação de uma fórmula, onde os valores R, G, B são divididos por 255 para alterar o intervalo de 0... 255 para 0...1, desta forma, R '= R / 255 G '= G / 255 B '= B / 255 Com esses resultados são calculados o código de cada cor no sistema CMYK: - a chave preta (K) é calculada a partir das cores vermelho (R), verde (G) e azul (B): K = 1- o valor máximo ( R ', G ', B ') - a cor ciano (C) é calculada a partir do vermelho (R) e preto (K): C = (1 - R '- K ) / (1 - K )

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- a cor magenta (M) é calculada a partir do verde (G) e preto (K): M = (1 - G '- K ) / (1 - K ) - a cor amarela (Y) é calculada a partir do azul (B) e preto (K): Y = (1 - B '- K ) / (1 - K )

Na definição cromática, deve ser observada a perda de pigmento e o desgaste natural devido à ação do tempo, resultando, portanto, em tons aproximados aos originais. Uma pesquisa histórica pode determinar os tons mais compatíveis e usuais com a estética da época; considerando ainda que se visualizam cores do sistema subtrativo, baseado em pigmentos, em um monitor que opera pelo sistema aditivo (RGB) baseado em luz, portanto é natural que ocorram pequenas diferenças na análise. As fichas de colorimetria, Anexo I, são importantes no processo de conservação e restauração de uma obra, além de oferecer subsídios em uma reintegração pictórica, servindo para o estudo comparativo de cores entre outras obras do mesmo artista e como referência para embasamento da escolha de determinadas cores e tonalidades em um processo de restauração. A leitura pelo ACR-1023 é aproximada e não dispensa a realização de testes in loco com as cores comerciais atualizadas para averiguação da tonalidade a ser aplicada na reintegração cromática de um elemento de interesse, fazendo os ajustes necessários. As condições de iluminação no local e no momento da medição, como a variação da quantidade de luz segundo as condições do dia, horário, céu aberto ou encoberto de nuvens também influenciam na medição da cor. As alterações entre a cor original e a observada podem decorrer da reação da tinta com outras substâncias químicas e àquelas decorrentes do estado de conservação do substrato exposto às ações degradantes do meio, a poluição e a umidade, além do envelhecimento natural da cor resultante do tempo de exposição dos pigmentos ao raio de luz ultravioleta.

3.2 Materiais e etapas de execução do afresco O mesmo cuidado é necessário na análise dos materiais de composição do afresco. MAYER (2006) descreve as etapas do afresco tradicional (figura 7), onde na aplicação das argamassas para maior durabilidade tem suas camadas aplicadas gradualmente, sendo a primeira mais áspera, e a última camada mais fina, contendo

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areia ou substituída em parte por pó de mármore. MOTTA (1976) alerta sobre o fato de que o pó de mármore na composição das argamassas não pode exceder a 50% do seu volume, ou a superfície apresentará fissuras. Entretanto o artista contemporâneo pode se utilizar da granulometria da areia ou pó de mármore para criar efeitos de textura na superfície da pintura.

Figura 7: Esquema em secção transversal de uma pintura afresco.

A execução das camadas do afresco após a preparação da parede que servirá de suporte, Figura 8, se realiza em etapas (CALDAS 2008): 1) aplicação da primeira camada áspera ou trullisatio diretamente sobre a alvenaria com 3 partes de areia e uma parte de pasta de cal com espessura entre 1,5 e 2 cm; 2) segunda camada realizada com a colocação do chamado arricio, com duas partes de areia e uma de pasta de cal, com 1 a 1,5 cm de espessura para cuja superfície é transferido o desenho em tamanho natural segundo o estudo prévio da obra para determinar as jornadas de trabalho, esse desenho é também chamado de sinopia, que é um esboço preparatório sobre o reboco que era executado com pigmentos terras provenientes de Sinope (região sul do Mar Negro), também chamado de graffito48 pelos italianos; e 3) a terceira e última camada é aplicada com 0,5 cm, chamada de intonaco, e é composta por 1 parte de areia fina e 1 parte de massa de cal, sobre a qual se realiza a pintura. Uma camada só é colocada sobre a outra camada já completamente seca, mas a superfície é umedecida para facilitar a adesão da camada subsequente e impedir as

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a técnica da sinopia foi substituída pela do graffito pelos italianos a partir do século VII (CALDAS, 2008)

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fissuras consequentes de uma rápida secagem provocada pela absorção de umidade pela superfície porosa da camada anterior seca.

Figura 8: Esquema das etapas de execução de um afresco, baseado na obra de Fúlvio Pennacchi.

O intonaco é aplicado por trechos sobre o desenho preparatório feito na camada anterior para delimitar uma área de execução possível em um determinado espaço de tempo, enquanto a argamassa estiver fresca. Esses trechos são as chamadas “jornadas”, ou giornate di lavoro. As juntas dessas áreas são planejadas cuidadosamente para tornálas o menos perceptível possível seguindo às vezes uma linha de desenho ou intersecção de cor. O cartão, ou seja, o desenho guia, Figura 9, preparado para o afresco, é novamente transferido para o próximo trecho de jornada úmido (MOTTA, 1976), portanto o papel de suporte para o desenho deve ser suficientemente resistente ao manuseio e umidade. Há dois processos de transferência: o chamado spolvo, quando o papel é perfurado ao longo do desenho e sobre esses orificios é passado um pigmento em pó que adere à superfície úmida, e ligando os pontos com pincel se tem o desenho final; ou decalcado a estilete, que não é uma lâmina afiada metálica de corte, mas de madeira, apenas com dureza e espessura suficientes para provocar uma depressão na linha de desenho, sulcando a superfície da argamassa, mas sem provocar cortes ou rasgos no

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papel. O artista pode trabalhar por períodos de três a oito horas, isso depende das condições climáticas e umidade do ar que permitam a execução da pintura com a argamassa ainda fresca. Nota-se a umidade ainda ideal ao se pressionar a superficie com uma espátula de aço, ou colher de pedreiro, e o brilho de umidade da “nata de cal” emergir (MAYER, 2006).

Figura 9: Detalhe do desenho guia, afresco “Santo Antônio que fala aos peixes”. Fonte: PENNACCHI, 2002.

Em sua pesquisa sobre restauração de pintura mural TIRELLO (2006) fez uma relação dos materiais que podem compor as massas preparatórias de murais, como: - gesso (sulfato de cal): empregado como carga de massas preparatórias e imprimaduras; - cal extinta: obtida pela calcinação e hidratação do calcário usada como aglutinante de tintas e massas preparatórias; - cal hidráulica: carbonato de cal associado a outros minerais como silicatos, argilas, magnésio, terras e cinzas vulcânicas; - cal de mármore: mármore cristalino calcinado; - barro argiloso: mistura de argilas, areia fina, mica, cal e óxido de ferro; e - areia: formada principalmente por quartzo, pode ser ainda segudo sua origem: de rio (com grande quantidade de ácido silícico), ou de mina (contém mais impurezas como argila, limo e húmus). A pintura é realizada com pigmentos puros diluídos somente em água, onde suas partículas insolúveis penetram no revestimento e ao secarem, integram a superfície

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conferindo cor no local onde os pigmentos foram aplicados. No final da jornada, os excessos de massa ao redor da área de pintura finalizada são recortados com um corte biselado49, facilitando o resultado de uma junta invisível na aplicação da massa para a próxima jornada no dia seguinte. “Nos afrescos modernos persistiram o uso das argamassas de cal e areia e o emprego de uma paleta cromática limitada, composta predominantemente de cores minerais resistentes à causticidade de seu próprio substrato; trata-se de preceitos executivos antigos que garantem bom resultados técnicos e durabilidade às obras. Sem dúvida, a tratadística tecnoartística estrangeira secular sempre significará baliza importante para a impostação de estudos analíticos sobre pinturas modernas, mas não deve ser tomada como referência absoluta, o mesmo servindo para as orientações técnicas de restauro.” (TIRELLO, 2006, p.105).

Ainda de acordo com TIRELLO (2006) não se pode distinguir uma pintura mural apenas por sua técnica, seja ela buon fresco, mezzo fresco, tempera à seco, ou tempera oleosa50, esse reducionismo pode levar a erros no diagnóstico de suas patologias e deteriorações, e refletir em opções equivocadas nos procedimentos de conservação e restauro.

3.3 A técnica afresco de Fúlvio Pennacchi De acordo com LOURENÇO (1995) as primeiras experiências murais em São Paulo já haviam surgido em 1.932 com o trabalho de Antônio Gomide (1.895-1.967) 51, seguida da atuação de Fúlvio Pennacchi, tido como um dos precursores da técnica do afresco em São Paulo quando em 1.942, participa do projeto arquitetônico e executa as pinturas murais da Igreja Nossa Senhora da Paz e da Capela do Hospital das Clínicas em 1.947, ambos de temática religiosa. 49

Diz-se da borda cortada obliquamente, de modo inclinado ou chanfrado, para que a borda não termine em aresta viva, ou seja, perpendicular ao corte. 50 Variações sobre as técnicas de pintura mural com massa fresca ou seca, e combinações de pigmentos com uso de aglutinantes: emulsões ou óleos secativos. 51 Pintor, desenhista, gravador e professor brasileiro, associado ao movimento de renovação das artes plásticas no Brasil que culminou com a Semana de Arte Moderna de 1922.

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No estudo do afresco de Pennacchi na Capela do Hospital das Clínicas em São Paulo, TIRELLO (2006) comenta que os “dados sugerem que Pennacchi usou uma camada única de argamassa com agregados de granulação fina a média. Diferenças na textura foram obtidas pela adição de gesso à argamassa”.52 É essencial que o profissional que cuidará da conservação ou restauro de uma pintura mural, e em particular neste caso, o afresco, compreender as variantes do seu processo de execução para optar pelos processos que minimizem a sua deterioração sem agregar materiais que possam provocar uma degradação ainda maior. A pintura afresco tem ainda a característica peculiar de execução sem um aglutinante53, que reveste com uma película a partícula de pigmento. Essa cor-pigmento embora agregada à própria argamassa constituinte da parede, está exposta, exigindo uma maior compreensão das ações e trocas químicas que ocorrem nessas superfícies. A boa observação e conhecimento dos aspectos técnicos são essenciais na fase de diagnóstico das patologias e, posteriormente, na definição dos métodos mais aconselháveis para recuperação da obra, impedindo que suas cores, brilhos e texturas sejam modificados de forma equivocada, podendo ocasionar a sua completa ruína. “O que se vê em seus afrescos são grandes áreas de superfícies com os grãos grossos de areia brilhante expostos, que se alternam com outras formas definidas por massas compactadas (destacadas ou não por pinceladas finas e suaves), entre outras variantes texturais cujos resultados finais são extraordinários efeitos de relevo.” (TIRELLO, 2006, p.109).

PENNACCHI (2002) relata que o artista não conhecia o afresco, sem formação teórica ou metodológica sobre o assunto, e reescreveu a sua prática como autodidata reunindo conhecimentos técnicos, empíricos, leitura e observação e “que viria a ser sua mais importante contribuição para a arte brasileira”. Fúlvio Pennacchi passa a desenvolver e estudar vários projetos de pintura afresco para os mais diversos espaços, desde áreas de grande frequência do público em empresas e instituições, espaços religiosos, até mesmo em residências particulares, em especial entre as famílias italianas estabelecidas na cidade de São Paulo. O artista variou 52

Anais da Academia Brasileira de Ciências (2009) 81(1): 115-126 Substância usada na composição das tintas que faz aderir, ligar e fixar as partículas de pigmento à base escolhida 53

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a temática do seu trabalho, alguns relativos ao próprio espaço, de acordo com um tema proposto, mas assim como na sua pintura de cavalete, Pennacchi revelava nos seus afrescos a preferência e importância que dava aos temas da família, do trabalho e cenas religiosas. “Para Pennacchi, a pintura mural apresentava dois quesitos que valia a pena explorar. Em primeiro lugar, ela resgatava técnicas tradicionais do pintar, reforçando o caráter artesanal dessa modalidade que, no embate direto do artista com os muros (ou com os grandes painéis de madeira ou tecido), reforçava aquela humildade supostamente intrínseca do pintar. Para Fúlvio Pennacchi, pintar murais parecia ser tornar visível um tema que lhe era muito caro: o trabalho. Em segundo lugar, a pintura mural ao mesmo tempo que dignificava o conceito do artista como artesão humilde, servia para disseminar para um número maior de pessoas, além da glorificação do trabalho no próprio fazer, outros temas que igualmente lhe eram significativos.” (ARAUJO, 2006, P.21).

O artista projetava no papel suas pinturas em harmonia com o espaço arquitetônico, Figura 10, esse seu empenho no desenho da obra se transferia mais tarde para o plano das paredes, percebe-se uma narrativa de acontecimentos em cada tema, ora como testemunho de uma realidade própria, da vida no campo, da família, do trabalho (quase uma oposição à vida na metrópole), ora criando um mundo paralelo (as pinturas de cunho religioso), e em ambos estão o “compromisso do artista com os ensinamentos e tradições da pintura do Quatrocento: rigor na marcação das figuras e na espacialização das cenas, sempre descritas com simplicidade e despojamento” (ARAUJO, 2006, p.9).

Figura 10: o estudo para o afresco “A Natividade” da Igreja Nossa Senhora da Paz, 1941. Fonte: PENNACCHI, 2002

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O processo de elaboração do afresco por Pennacchi era realizado basicamente em quatro etapas (PENNACCHI, 2009): 1) Concepção do tema por desenhos e pequenos esboços, com croquis do espaço arquitetônico. As etapas de um afresco começam com a concepção do tema, levando em consideração o espaço arquitetônico em que será inserido; 2) Apresentação do projeto final, uma pequena obra de arte, Figura 11, em guache ou óleo sobre cartão com todos os detalhes, em um estudo a cores, em menores dimensões da pintura que será executada, estudo este, usado como referência e guia na execução final do afresco;

Figura 11: estudos para o Painel da Imprensa, acervo da família Pennacchi. Foto: Silvana Borges.

3) Execução em papel do desenho guia em escala 1:1. O desenho guia do afresco em tamanho natural era executado em papel e transferido para a parede, Figura 12. Pennacchi também sulcava esses contornos com pequenas incisões na argamassa fresca pronta para então receber os pigmentos que coloriam a obra; e 4) Execução do afresco propriamente dito, seguindo o desenho guia em tamanho

natural e tendo como referencia o estudo a cores em miniatura.

Figura 12: Pennacchi transferindo o desenho de um afresco executado no pátio de sua residência. 54

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Disponível em: http://www.fulviopennacchi.com/d80_mural.html

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O artista também opta pela execução do afresco sobre chassis, que não entrará neste estudo por se tratar de um bem móvel. No caso particular de Pennacchi, a pintura em afresco surgiu quase de forma autodidata por algumas experiências com materiais que o próprio artista deixou relatadas, entre elas a pesquisa de terras e pigmentos brasileiros. “Pennacchi não contava com os materiais indispensáveis, mas depois de provas e mais provas, conseguiu resultados satisfatórios. Não encontrando cores adequadas, recorreu àquelas comuns dos pintores de paredes. Serviu-se de cal viva dissolvida em água, conservando-a, depois de bem descansada e bem colada, em recipientes fechados. Isso era a base de um bom resultado. [...] Produzia afrescos usando armações metálicas sobre as quais aplicava um reboco forte. Após algum tempo, a prática mostrou a Pennacchi que a utilização do composto fibroso celotex dava os mesmos resultados plásticos, em virtude de ser muito mais leve, menos frágil e mais fácil de ser manuseado.” (BARDI, 1980, p.24)

Pennacchi também optava pela técnica do mezzo fresco (QUEDAS, 2004) quando a argamassa atinge um estágio semi-seco e os pigmentos são aplicados misturados a água de cal para melhor aderência. Enquanto a cal no buon fresco é o próprio suporte, no mezzo fresco ela faz o papel de um aglutinante. De qualquer forma, a escolha do artista pelo material quase sempre é determinada pelo item que ele tem a sua disposição. Seu conhecimento da técnica não pode ser considerado uma referência absoluta, podendo ocorrer variações nos componentes utilizados, o que, por outro lado, determina uma intervenção criteriosa por parte do conservador-restaurador, onde cada caso é único, não podendo se estabelecer generalidades. No mezzo fresco Pennacchi aplicava os pigmentos na última camada já semiseca misturados à água de cal para garantir uma maior adesão, mas nesse caso a pintura tem uma menor penetração, ficando superficial, como é o caso da tempera à seco, onde o pigmento já é aplicado em forma de tinta com uma emulsão como aglutinante, e a tempera oleosa, onde como o nome diz, o aglutinante é um veículo oleoso. “O fazer pinturas a mezzo fresco não diz respeito somente às características de fixação da cor, estendendo-se às muitas variáveis constitutivas e de preparo do suporte. Se no buon

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fresco a utilização de cargas de grãos finíssimos como o pó de mármore na preparação da última camada de massa (que será colorizada) é uma constante, no segundo caso a aspereza pode ser desejada” (TIRELLO, 2006, p.107).

Isso demonstra a importância de se considerar na análise da obra, as variantes de metodologias e identificação dos materiais constituintes de sua execução. BARDI (1980) ainda menciona que em suas primeiras pinturas murais, “A história da Imprensa” na antiga sede do jornal ‘A Gazeta’, e as realizadas na Igreja da Fazenda do Sr. Agostinho Prada, Pennacchi executou esses murais em pintura a óleo. DEL LAMA (2007), também diz que as diferenças na textura, que são características nos afrescos do artista, foram obtidas pela adição de gesso à argamassa, e que apesar de Pennacchi executar os seus afrescos no buon fresco (com a argamassa ainda úmida), tirava partido do mezzo fresco para outros acréscimos a pintura com a argamassa da parede mais seca.

3.4 O afresco no espaço arquitetônico A partir da análise dos espaços em que as obras estão inseridas pretende-se demonstrar e exemplificar como a técnica do afresco influencia na percepção do espaço arquitetônico, sendo um elemento significativo na sua concepção e como o uso do espaço pode estar relacionado ao seu estado de conservação. Esta pesquisa também objetivou destacar a relevância do legado artístico de Fúlvio Pennacchi nos exemplos de afrescos em estudo, como registro das influências artísticas que se fizeram presentes pelas comunidades imigrantes, na mesma época em que os artistas brasileiros buscavam um nacionalismo nas artes, e destacar a importância das ações de preservação desse acervo como um dos raros exemplos da técnica afresco no Brasil. Observou-se como a conservação do espaço arquitetônico, e das obras em afresco nele inseridos, estão relacionados à destinação de uso desses espaços, avaliando as condições atuais desses afrescos durante a pesquisa, investigando as ações em cada local quanto a sua limpeza e manutenção e criando metodologias de análise para as patologias características desse tipo de obra, realizando para isso, na análise de alguns afrescos, um exemplo de ficha de mapeamento de danos, Anexo II.

27

Segundo FAGGIN (2011), a utilização é a melhor forma de preservar o patrimônio, já a ociosidade, a falta de uso e abandono de um bem seria um convite à sua deterioração. O uso ativo e não apenas contemplativo, incorporaria a dinâmica social a esses patrimônios, declarando ainda que: “Usar um imóvel é uma maneira de estabelecer uma relação quase de afeto com ele. Passamos a fiscalizar sua conservação, sua manutenção. Reclamamos quando as coisas não estão boas e exigimos melhorias.”55 Investigou-se nas visitas aos locais o valor patrimonial do afresco agregado ao conjunto arquitetônico da edificação, avaliando a importância da obra de arte como ponto atrativo no local e os interesses e ações da comunidade e dos usuários pela sua preservação.

55

Carlos Faggin, arquiteto e professor de história da arquitetura da FAU/USP. Foi conselheiro do Condephaat/SP por seis mandato. Fonte: matéria publicada na Folha de São Paulo em 03/04/2011.

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4. As Teorias da Conservação O comitê de Conservação do Conselho Internacional de Museus (ICOM-CC) aconselha no documento intitulado “ICOM Código da Ética – O ConservadorRestaurador: a Definição da Profissão (Copenhague, Setembro, 1.984) 56” a atividade do conservador-restaurador limitando-a a três funções: 1 - o exame técnico do bem cultural; 2 - a preservação: ação empreendida para retardar ou prevenir a deterioração e as alterações a que os bens culturais estão sujeitos como, por exemplo, o controlo do meio ambiente e o tratamento da sua estrutura, com o objetivo de mantê-los o maior tempo possível numa condição estável; e 3 - a conservação-restauro: a atividade levada a cabo para tornar identificável um objeto deteriorado ou com alterações, com o mínimo sacrifício da sua integridade estética e histórica. A ciência da Restauração começa a ter seus conceitos fundamentais discutidos com Viollet-le-Duc (1.814-1.879)

57

, com a introdução do método do restauro e cuja

ideia básica era devolver o edifício a uma forma original, com a intenção de refazer uma obra incompleta, a fim de conferir um valor histórico ao edifício. “Restaurar um edifício é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido nunca em um dado momento” (VIOLLET-LE-DUC, 2006, p.29). Em oposição a Viollet Le Duc o crítico de arte inglês, John Ruskin58 (1.8191.900) considerava a restauração uma destruição do edifício, devendo-se apenas agir na sua conservação até a ruína certa dos monumentos “em arquitetura, a beleza acessória e acidental é muito frequentemente incompatível com a preservação do caráter original [da obra]; o pitoresco é assim procurado na ruína, e supõe-se que consista na deterioração.” (RUSKIN, 2008, P.77). Camillo Boito59 (1.835-1.914), pioneiro do restauro científico reformula essas duas correntes antagônicas e seus conceitos representam uma evolução na teoria da restauração com a proposta de uma intervenção mínima restauradora, assegurando a anterioridade do monumento, conservando o aspecto artístico e pictórico da obra, e 56

Disponível na página do ICOM: http://www.icom-cc.org/47/about-icom-cc/definition-ofprofession/#.U5fLKvldX_E 57 Arquiteto francês, um dos primeiros teóricos do restauro. 58 Principal teórico da preservação na Inglaterra no século XIX. 59 Arquiteto e engenheiro italiano

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“postula a prioridade do presente em relação ao passado e afirma a legitimidade da restauração [...] ela só deve ser praticada in extremis, quando todos os outros meios de salvaguarda (manutenção, consolidação, consertos imperceptíveis) tiverem fracassado.” (CHOAY, 2006, p.165). "Para bem restaurar é necessário amar e entender o monumento, seja estátua, quadro ou edifício, sobre o qual se trabalha, e do mesmo modo para a arte antiga em geral. Ora, que séculos souberam amar e entender as belezas do passado? E nós, hoje, em que medida sabemos amá-las e entendê-las?" (BOITO, 2008, p.31).

No final do séc. XIX e início do séc.XX, Alois Riegl (1.858-1.905) procura analisar os monumentos em seus diferentes valores: artístico e histórico, equiparandoos. Desta forma o valor artístico dos bens patrimoniais tornou-se também determinante para as interferências de conservação e restauro, e inscreveu outro valor, o da “ancianidade”. “Esta diz respeito à idade do monumento e às marcas que o tempo não para de lhe imprimir [...] e diferentemente do valor histórico, que remete a um saber, o de “ancianidade” é percebido de imediato por todos.” (CHOAY, 2006, P.168-169). Com Cesare Brandi (1.906-1.988) se consolidaram os princípios da mínima intervenção, distinguibilidade e reversibilidade que passaram a nortear boa parte das intervenções de restauro a partir do séc.XX. “A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo.” (BRANDI 2004, p.33). Culminando assim às questões da intervenção mínima e reversibilidade, tão fundamentais aos procedimentos de conservação que favoreçam a preservação in situ dessas pinturas e que ressaltam a questão da retratabilidade60 (CALDAS, 2012). A expressão introduzida por APPELBAUM (1987)

61

, que reconsidera o princípio da

reversibilidade, esclarecendo sua definição e examinando as variáveis que permitem retroceder uma intervenção na obra, recomendando parâmetros específicos para 60

o critério da reversibilidade defendido por Brandi passou a ser renomeado – e reconceituado – sendo o termo retratabilidade o mais recorrentemente adotado pela teoria contemporânea da restauração 61 Barbara Appelbaum, conservadora-restauradora, desde 1972 sócia da empresa Appelbaum & Himmelstein (Nova Iorque - EUA). Artigo disponível em: http://cool.conservationus.org/jaic/articles/jaic26-02-001_indx.html

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diferentes partes de um tratamento, como as metodologias adotadas em relação à limpeza superficial, considerando que há graus de tratamento; alguns irreversíveis, e que todas essas questões devem ser consideradas em termos de se garantir o tratamento futuro ou a "re-tratabilidade". “realizar

um

tratamento

restaurador

reconhecidamente

irreversível não exime ao restaurador a responsabilidade pelo futuro do objeto, mas aumenta a importância de um fator que, por falta de um termo mais elegante, poderíamos chamar de "retratabilidade". A noção de retratabilidade muitas vezes é mais útil para avaliar tratamentos que a própria ideia de reversibilidade. ”(APPELBAUM apud MUÑOZ VIÑAS, 2003, p.113).62 (tradução nossa).

O que se pode deduzir do critério da retratabilidade, é que no caso da consolidação de algum material em desprendimento da camada pictórica de um afresco, quando a substância consolidante perder as suas características, a ação de conservação e restauro deve prever também a necessidade de futuras intervenções e, portanto, a possibilidade de “retratamento” do objeto, seja ele obra de arte ou arquitetura. “A obra de arte condiciona a restauração e não o contrário” (Brandi, 2004, p.11), esse é o entendimento do profissional conservador restaurador.

4.1 As Cartas Patrimoniais As Cartas Patrimoniais63 são códigos de posturas internacionais que orientam a conduta dos profissionais atuantes na área da conservação-restauração, além de proporcionar a ampliação das noções de patrimônio e bem cultural para os países signatários.

62

Do original: “emprender un tratamiento reconocidamente irreversible no exime al restaurador de responsabilidades sobre el futuro del objeto, pero incrementa la importancia de un factor que, a falta de otro término más elegante, podríamos denominar “retratabilidad”. La noción de retratabilidad es a menudo más útil para evaluar tratamientos que la idea misma de reversibilidad..” 63 As Cartas Patrimoniais tem seu conteúdo disponível em: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=17575&sigla=Institucional&retorno=pagina Institucional

31

Elas surgem no início do séc.XX com diretrizes e recomendações relacionadas ao patrimônio histórico, cultural e artístico, servindo como importante referência ao trabalho de restauração e conservação. O primeiro documento, a Carta de Atenas, é redigido em 1.931 na realização em Atenas da primeira conferência internacional relativa aos monumentos históricos. Em 1.964 é redigida a Carta de Veneza, publicada em 1.966, marcando a retomada dos trabalhos teóricos relativos à proteção dos monumentos históricos após a Segunda Guerra Mundial (CHOAY, 2006). Em 1.972 a Carta de Restauro Italiana assume a utilização de novos materiais e recomenda que as ruínas sejam mantidas em seu local original. A Carta de Burra, Austrália, 1.908, atualiza os diversos conceitos e amplia a ação da conservação e restauração dos bens patrimoniais no que diz respeito a sua preservação e reconstrução, norteando os procedimentos para a realização das intervenções, como a manutenção de um diário onde são registradas as decisões tomadas. No caso específico desta pesquisa é importante salientar a publicação dos princípios do ICOMOS (2003)

64

- Conselho Internacional de Monumentos e Sítios -

para a preservação e conservação-restauro das pinturas murais, diante da necessidade de um documento apropriado cobrindo os princípios da adequada conservação-restauro desse patrimônio. O documento ressalta a importância da preservação in situ das pinturas murais como parte integrante dos monumentos em que estão inseridas, alerta para as condições de sua conservação, dependendo diretamente da estrutura do edifício, o seu uso adequado e os danos decorrentes da manutenção e acréscimos incorretos decorrentes das reformas, reparos e alterações frequentes a que esses locais estão sujeitos. Aborda a problemática dos restauros pelo uso de métodos e de materiais inapropriados que podem resultar em danos irreparáveis, também consequência das práticas e das qualificações profissionais de baixo nível e inadequadas. A questão da qualificação profissional no Brasil é enfrentada no movimento pelo reconhecimento e regulamentação da profissão de Conservador Restaurador em respeito 64

ICOMOS PRINCIPLES FOR THE PRESERVATION AND CONSERVATION-RESTORATION OF WALL PAINTINGS (2003). Disponível em : http://www.international.icomos.org/charters/wallpaintings_e.pdf

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aos profissionais que já exercem essa função em uma ação interdisciplinar, comprometidos num esforço conjunto pela preservação do patrimônio nacional. No entanto, o Projeto de Lei do Senado nº 370, de 2.00765, de autoria do Senador Edison Lobão encaminhado favoravelmente pelo relator Senador Sérgio de Souza (PMBD/PR) à sanção da Presidência da República, foi vetado na sua integralidade no dia 18 de setembro de 2.013. 66 Para definir universalmente as ações e terminologias na preservação do patrimônio cultural o ICOM-CC (2008) adota de acordo com os objetivos e ações das medidas de conservação e restauro desses bens, os termos: conservação preventiva, conservação curativa e restauração. “Para conservar as pinturas do ponto de vista material só há dois caminhos: a prevenção da deterioração, que denominamos de conservação preventiva ou de preservação, e a reparação dos danos, à qual chamamos conservação-restauro ou intervenção.” (CALVO, 2006, p.19).

A ação de conservação e restauração se refere diretamente à matéria da obra de arte. O projeto de intervenção, no entanto exige a consideração não somente dos recursos técnicos e materiais, mas a instância do que a obra de arte traz de imaterial, ou seja, a sua instância histórica, tanto do momento do ato da sua criação quanto ao tempo e lugar onde está inserida na atualidade e o que ela representa para a comunidade onde está inserida.

4.2 A atividade de conservação e restauração do patrimônio O profissional conservador-restaurador necessita de uma compreensão ampla do patrimônio em estudo em dois aspectos: fisicamente, identificando os materiais que a compõe; e esteticamente, para que qualquer mínima intervenção não modifique o resultado final pretendido pelo artista ou desfigure sua característica original da obra. “A conservação-restauro seria a atividade da conservação que se ocuparia de intervir diretamente sobre os objetos, quando o tempo e os meios preventivos não foram suficientes para os 65 66

Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/601125.pdf Veto nº38. Disponível em:http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=137099&tp=1

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manter em bom estado. Ocupar-se-ia, assim, da aplicação dos tratamentos necessários que permitam a sobrevivência dos bens culturais, bem como da reparação dos danos que apresentem.” (CALVO, 2006, p.21).

E munido desses subsídios é que o conservador pode realizar a avaliação de ações para a restauração de um bem cultural, podendo ser ou não mais preservacionista em sua intervenção. “De um lado, existe a linha que prega, que a obra deverá ser mantida e consolidada em seu estágio atual, ou seja, quando se preservam e respeitam as adições e supressões ao bem cultural, assumindo-se estas como parte da obra e da sua evolução através do tempo. Outra corrente parte do princípio de que para melhor compreensão da “obra original” devem ser removidas as intervenções adicionadas ao longo do tempo, que porventura prejudiquem a leitura do bem com suas características mais antigas” (CALDAS, 2008, p.32)

Portanto, há de se considerar não apagar da leitura da obra de arte as marcas do tempo. Na sua reintegração há a dialética de duas instâncias: a histórica e a estética. De acordo com Brandi (2004), a sensibilidade histórico-crítica mais a competência técnica sugerem ao restaurador a via mais correta a ser empreendida na restauração e conservação de uma obra de arte, sendo essencial o juízo crítico que não deve ser confundido com a visão de caráter pessoal, e que, portanto, deve estar alicerçado na história da arte e estética do objeto. Alguns dos maiores riscos a que a pintura mural está sempre sujeita são decorrentes da demolição do local onde a obra se encontra. Além disso, as ocorrências de incêndio, vandalismo, além dos desgastes em função de descuido e falta de manutenção da edificação, por reformas mal orientadas ou por mudança de gosto ou uso, determinam por cobrir com novos e modernos acabamentos toda uma parede “velha”, escondendo sob camadas de tinta o trabalho mural antigo, condenando-o sob as sentenças do modismo. “Muitos antigos monumentos, tanto de arte sacra como profana, acabaram sendo vítimas não apenas de um progresso mal-entendido como também de uma equivocada busca de embelezamento” (DVORÁK, 2008, p.81).

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4.3 Ações na preservação dos afrescos Durante o século XVIII, novas técnicas foram aperfeiçoadas para a restauração e conservação de obras de arte antigas, incluindo os métodos de separar afrescos das paredes. O processo realiza o descolamento do afresco e envolve a separação da camada de tinta a partir do seu suporte natural, alvenaria, pedra ou tijolo, classificados de acordo com a técnica utilizada em: massello, stacco e strappo.67 O método mais antigo conhecido é a técnica denominada massello, Figura 13, quando se realiza o corte da parede e a remoção de uma parte considerável desta juntamente com as duas camadas: a da pintura afresco e o de reboco subjacente. O primeiro registro dessa prática data do séc.XVI, quando “em 1.566, cada parede foi retirada [e] toda a parede com essas figuras foi preservada no original, porque elas são tão valiosas e foram trazidas ao seu local atual, com muita fadiga e despesa”. (BOCCHI, 1591 apud HOVING, 1968 p.32)68. A técnica stacco, por outro lado, envolve a remoção somente da camada de preparação de argamassa, o chamado arriccio, juntamente com a superfície pintada (HOVING, 1968), também chamada de distacco por BRANDI (2004). Finalmente, a técnica strappo envolve a remoção somente do intonaco, a camada que absorveu os pigmentos, sem tocar na camada subjacente arriccio.

Figura 13: Exemplo do processo massello. Madona e menino com anjos, afresco de Masolino. Fonte: HOVING, 1968

67

Denominação italiana para os procedimentos de destacamento da pintura afresco das paredes. No original: “ in 1566, every wall was taken away [and] the entire wall with these figures was preserved because they are so valuable and brought to its present spot, with much fatigue and expense” (tradução nossa). 68

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No método do strappo descrito por HOVING (1968), um faceamento de proteção é realizado com tiras de tecido e cola animal que é aplicado sobre a superfície pintada do afresco, e que penetra na argamassa a uma profundidade variável de acordo com a porosidade da superfície. Um segundo tecido, muito mais pesado (estruturalmente), maior do que a área pintada é então colocado por último sobre as camadas de faceamento, repetindo o processo. A secagem provoca uma contração do adesivo, provocando uma tração na superfície. Também se utiliza um martelo de borracha para golpear repetidamente o afresco para que ele se desprenda da parede, onde é feita uma incisão em torno das bordas do afresco ocorrendo um descolamento dessa camada de tecido aderida a uma capa de espessura da parede. Assim a pintura é arrancada do seu substrato original e depois é recolocada em outro suporte. HOVING (1968) relata inclusive o uso de telas nessa transposição da pintura para um suporte móvel. No entanto, constatou-se o fracasso do procedimento pelo suporte não ser rígido como a parede original, e então as telas com transferência dos afrescos pelo método do strappo passaram a serem fixadas a um suporte mais rígido. As margens de segurança desse tipo de intervenção são mínimas, representando um trabalho de risco considerável para a obra de arte. Mesmo assim, no início do século XIX, o strappo era considerada a mais moderna tecnologia para remoção de afrescos de sua localização original, muitas vezes em locais de desmoronamento, ruínas ou guerras, mas dependendo da espessura da capa pictórica era retirado mais de um strappo da superfície, o que passou a ser um problema quando a utilização criminosa para extravios de obras passou a ocorrer. Os riscos a que se submetiam as pinturas afresco pelo strappo, também não deixam de existir no processo do stacco, ou do massello, onde a remoção de uma pintura mural de seu local de origem se dá juntamente com parte ou toda a parede que lhe serve de suporte. Apesar de ser um processo extremamente invasivo tem a vantagem de remover a pintura de forma mais intacta que o processo anterior, o que torna este procedimento de transferência mais desafiador devido à massa e peso, pois a pintura é removida com todo o seu substrato de origem. Muitas obras de Fúlvio Pennacchi foram removidas de seus locais de origem pelo processo do massello, uma medida drástica para salvar os murais das paredes condenadas à demolição, seja pela mudança dos proprietários ou a venda dos imóveis, na sua maioria residências particulares onde as obras foram executadas. Muitas dessas

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remoções foram realizadas com conhecimento do artista ou por intermédio de sua família. “Existe e existirá sempre um bom motivo para destruírem-se velhas e/ou antigas construções... necessitamos de uma nova avenida; o terreno se presta para um empreendimento maior e certamente mais rentável e lucrativo... com o desaparecimento da segunda geração a casa dos avós tornou-se muito grande... a rua não é mais tranquila... a mudança do gosto, do conceito do belo, do diálogo que as gerações conseguem estabelecer com a obra de arte, e concomitante com a destruição da parede, do edifício, lá se vai a decoração mural... mesmo a de um grande artista!” (PENNACCHI, 2009) 69

Essa medida extrema adotada para a preservação de sua obra mural segundo PENNACCHI (2006) sempre esteve a cargo do engenheiro Paulo Sproviero70, com os primeiros trabalhos realizados em 1.976 na Rua Polônia e em 1.982 na Rua Cravinhos em São Paulo. A Construtora Chap-Chap e a família Emendabili reuniram esforços para salvar algumas paredes das duas casas que seriam destruídas para dar lugar a um novo edifício na Rua Maria Figueiredo na cidade de São Paulo. PENNACCHI (2002) descreve o processo de como as paredes com os afrescos eram removidos pelo engenheiro Paulo Sproviero, ainda fazendo referência provavelmente ao strappo quando diz: “Sproviero se arranjou a caseira, utilizando técnicas quase artesanais mas eficazes, muito diferentes dos moderníssimos métodos físicos e/ou físico-químicos utilizados na Europa” (PENNACCHI, 2002, p.90). Os passos descritos para a remoção dos 12 afrescos que o Eng. Sproviero coordenou de 1.975 até 2.002 são descritos como os seguintes:

1) Estruturar com moldura de concreto a parede externa ao redor do afresco; 2) No verso a parede é reforçada por uma estrutura de ferro e concretada, Figura 14; 3) A parede no entorno da moldura de concreto do passo 1 é cortada, Figura 15; 4) A pintura é envolta numa armação metálica e embalada em placas de isopor e Madeirit para ser removida do local original, Figura 16; e

69 70

Fonte: http://www.fulviopennacchi.com/d80_mural.html - Consulta em 10/06/2014. Paulo Sproviero (1943) é engenheiro civil e exerce a profissão desde 1967 em São Paulo.

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5) O afresco é retirado com uso de equipamentos, para ser transportado até o local de destino, Figura 17.

Figura 14: Concretagem no verso da parede que tem o afresco. Fonte: PENNACCHI, 2009

Figura 15: Quebra da parede contornando a margem de reforço da etapa 1. Fonte: PENNACCHI, 2009.

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Figura 16: Retirada do afresco da residência da casa de Galileo Emendabili

71

Figura 17: Parede removida sendo condicionada para transporte. Fonte: PENNACCHI, 2009.

Não há descrição de como a parede era recolocada no novo lugar, apenas menciona-se que Fúlvio Pennacchi foi chamado para realizar retoques em suas obras após algumas remoções, Figura 18, em função de falhas ocasionadas por esse deslocamento das paredes de um local para outro. 71

Fonte: http://www.fulviopennacchi.com/d80_mural.html - Consulta em: 10/06/2014

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Figura 18: O artista retoca o afresco “Colheita da uva”, 120x260 cm transferido da residência de Galileo Emendabili para a sede da Pirelli (atual Companhia de Seguros Porto Seguros), no bairro de Campos Elíseos, SP. Fonte: PENNACCHI, 2009.

Os processos descritos de destacamento das pinturas afresco envolvem a remoção de uma pintura da parede ou da estrutura da qual faz parte. Já foi uma prática comum, mas com as discussões que aconselham a preservação in situ, essas metodologias tornaram-se restritas aos casos em que se apresentem como única alternativa à perda total. De acordo com o “Conselho Internacional de Monumentos e Sítios” (ICOMOS), o destacamento e transferência são operações perigosas, drásticas e irreversíveis que afetam severamente a composição física, estrutura material e as características estéticas de pinturas murais. Estas operações são, portanto, justificáveis somente em casos extremos em que todas as opções de tratamento são impeditivas ou inviáveis. Exemplo desse tipo de caso foi a campanha promovida pela UNESCO72 para salvar os monumentos da Núbia com a decisão em 1.954 da construção da barragem de Aswan no Rio Nilo inundando uma extensão do Egito ao Sudão muito rica culturalmente, assim os dois países em 1.959 solicitaram auxílio para proteção e salvamento dos monumentos em perigo, a ação resultante foi a recuperação de milhares de objetos e a relocação de uma série de templos para terras mais altas, o mais famoso deles, os complexos de Abu Simbel e da ilha de Philae. Após 20 anos a campanha 72

United Nations Educacional, Scientific and Cultural Organization

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terminou com sucesso em 10 de março de 1.980. Os seguintes monumentos estavam ameaçados pela construção da barragem73: - os pequenos templos de Debod, Qertassi e Taffa, do mesmo período que Philae, - o grande templo de Kalabsha, construído por Augusto para o deus local Mandulis, - o templo de Beit el Wali nas proximidades do Kalabsha, - o pequeno templo de Dendur mais ao sul, - o templo de pedra de Ramsés em Gerf Husein, - o templo Dakka datando do período ptolomaico, - o templo do período romano de Maharraqa, - um templo de Ramsés II em Wadi es Sebua, - um antigo templo do reinado de Tutmósis III e Amenófis II do séc. XV a.C., - o templo de pedra de Derr , às margens do Nilo, que data do período de Ramsés II, - uma capela escavada na rocha de Tutmósis III no Elleysia, - os dois templos de pedra de Ramsés II em Abu Simbel, 280 Km ao sul de Aswan. - a pequena capela escavada na rocha de Horemheb (final séc. XIV a.C.) em Abu Oda na margem oposta do Nilo, perto da grande cidade fortificada de Gebel Adda, - o templo de Ramsés em Aksha, - a cidade fortificada de Buhen com dois templos da 18ª. dinastia egípcia, e - dois templos do mesmo período nas fortalezas de Semna leste e oeste. Todos esses monumentos estavam ameaçados de desaparecer pela submersão definitiva em 50 metros ou mais de água, portanto a necessidade de recuperá-los era tão urgente como era tecnicamente desafiadora. Assim, com três exceções (o templo de Gerf Husein, as capelas de Qasr Ibrim e o templo de Abu Oda), os monumentos foram desmontados, retalhados e transportados para outro local e reagrupados. O templo de Abu Simbel foi realocado 60 m acima do seu local original. Além disso, o Egito doou quatro templos como sinais de sua gratidão aos países que principalmente contribuíram para o sucesso da campanha: Debod para a Espanha, Taffa para a Holanda, Dendur para os Estados Unidos e Ellesyia para a Itália.

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Disponível em: http://whc.unesco.org/en/activities/173

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5. O Cadastramento e Mapeamento de Danos O levantamento cadastral consiste em um inventário de dados que se inicia pela investigação histórica e iconográfica dos afrescos e a edificação onde eles se inserem por meio da bibliografia disponível sobre o artista e a arquitetura. Foram realizados os trabalhos de documentação preliminar (gráfico e fotográfico) com informações sobre o artista executor, contextualizando as influências de época, identificando e estudando a história dos locais que abrigam cada uma das pinturas em afresco, caracterizando a obra quanto à temática (iconografia) e seus materiais componentes e o entendimento da técnica adotada pelo artista. “O cadastro consiste em um inventário dos dados, metodicamente organizados, para uma determinada pintura ou conjunto destas, sendo o primeiro passo para a realização do mapeamento de danos” (CALDAS, 2008, p.53). O mapeamento de danos é realizado observando o estado em que a obra se encontra, apontando problemáticas e alterações em sua constituição. Esse levantamento de dados possibilitará formular algumas das diretrizes para a ação de conservação e restauro propriamente dita, pela escolha dos tratamentos mais adequados. O mapeamento documenta os danos ou alterações sofridos tanto pela pintura como do seu suporte, outro recurso muito importante na documentação do edifício são as prospecções arquitetônicas, que possibilitam uma série de levantamentos dos elementos da construção. Por definição, as prospecções arquitetônicas correspondem aos procedimentos de exploração que visam estudar os elementos construtivos de uma edificação. Tem por finalidade: a) identificar a evolução construtiva da edificação, b) registrar, analisar e classificar os aspectos estéticos e históricos, c) detectar causas de danos e anomalias, d) outras informações relevantes para a compreensão das relações entre usos e estado atual do edifício ou do lugar” (TINOCO, 2007, p.3)

Também é possível detectar com segurança áreas de intervenção sofridas na obra pela prospecção estratigráfica, determinando os diversos estratos ou camadas de cores e materiais aplicados, traçando uma linha de tempo das intervenções que ocorreram na pintura. No caso do afresco e pinturas murais, a realização de uma prospecção implica em retirar uma parte da pintura para a exploração da área, o que nem sempre é uma alternativa. Nem sempre é possível a retirada de amostras ou a realização de aberturas

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de prospecções, o que leva à realização de exames de raios-X que mostram as camadas sobrepostas sem danificar a camada pictórica visível. DEL LAMA (2007) e RIZZO (2007) apresentam estudos menos evasivos com a utilização de espectrometria de fluorescência de raios-X no registro de trabalhos de prospecção arqueológica de superfície para o reconhecimento da cronologia histórica de um edifício e determinação de seus materiais constituintes, bem como alguns agentes causadores de deterioração. A análise com utilização de equipamentos específicos da superfície da pintura permite um mapeamento de danos mais preciso, identificando materiais constituintes da argamassa, da parede, do reboco e inclusive a constituição dos pigmentos utilizados, sendo mais essas informações que contribuem para um melhor planejamento das ações para conservação e restauração das pinturas murais como alternativa, embora mais dispendiosa pelo custo de aquisição desses equipamentos. No exame das obras selecionadas para esta pesquisa, não foram realizadas prospecções ou uso de aparelhos mais específico, com exceção do colorímetro, o que também requer financiamento para a composição de uma equipe mais numerosa de especialistas. Foi realizada na pesquisa uma primeira avaliação dos afrescos, mediante o levantamento histórico das obras, cadastramento e realização de um mapeamento de danos (gráfico e fotográfico), das alterações visíveis nas pinturas (exame organoléptico), para verificação e identificação das prováveis patologias associadas à conservação da edificação em decorrência do seu uso.

5.1 Patologias Para observação das patologias é também importante conhecer as características dos elementos que compõe o afresco e cuja manutenção e conservação estão diretamente relacionadas à sua preservação. A parede é o suporte estrutural do afresco formado pela alvenaria (pedra ou tijolo) e o substrato da camada de reboco sobre a qual é realizado o afresco. As patologias a que a parede está sujeita podem ser estruturais, provocadas por recalques da fundação, ou referente à presença de infiltrações (umidade ascendente ou descendente), no geral provocando manchas, fissuras e desprendimento da pintura. A cal, que no caso do afresco é utilizada a “pasta de cal” (de origem calcítica), é produto da cal aérea “apagada”, pela hidratação da “cal virgem” ocorrendo uma reação

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fortemente exotérmica (1 kg de cal virgem pode elevar a temperatura de 2,3 litros de água de 12ºC para 100ºC). Chamada cal aérea porque o aglomerante endurece pela ação química do anidro carbônico presente na atmosfera, essa cal foi utilizada nas construções até o surgimento da cal hidráulica, obtida das pedras calcárias que contém argila (silicatos) em níveis superiores a 5% que no forno se decompõe e reage com o óxido de cálcio, esse produto final que se cristaliza quando em contato com a água. A argamassa é formada pela pasta de cal e areia. A pasta de cal é produzida pelo óxido de cálcio hidratado, ou seja, a “cal apagada”, e deve ser manipulada com equipamentos de proteção devendo estar armazenada em recipientes resistentes e coberta, protegida por uma lamina de água de pelo menos dois centímetros acima do nível da pasta, permanecendo em descanso por no mínimo três semanas para incrementar a sua plasticidade. A areia deve ser lavada, isenta de material orgânico e sais minerais, previamente seca e peneirada devendo ser separada pela granulometria (grossa, média e fina). Das agressões mecânicas a que a pintura a afresco está sujeita, além das ações resultantes da intervenção direta do homem, estão àquelas causadas pelas muitas partículas em suspensão no ar que com o vento são conhecidas causadoras de abrasão. Também combinadas com a umidade condensada na superfície das paredes do afresco essas partículas aderem a elas, podendo ainda essa mesma umidade solubilizar essas substâncias espalhando-as pela pintura, que absorvidas pelo suporte poroso do afresco, penetram ainda mais na argamassa dificultando a sua remoção. MAYER (2006) descreve algumas das degradações características dos materiais compositivos do afresco, chamando a atenção para o comportamento físico-químico dos materiais constitutivos da obra de arte e as alterações provocadas pelos agentes do meio-ambiente como vapores ácidos, fumaça, fuligem e a condensação e formação de sais em sua superfície pela variação da umidade do ar e temperatura. As combinações de diversos gases presentes na atmosfera em decorrência da poluição são formadoras da conhecida ocorrência da “chuva ácida”, cuja precipitação está carregada de diversos ácidos (sulfúrico, nítrico, clorídrico) e outros componentes (óxidos de azoto, mercúrio, cádmio, óxido de carbono, etc.), além de extremamente prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, são agentes também causadores da degradação do patrimônio arquitetônico provocando danos nos edifícios e estruturas expostas ao ar, especialmente os construídos ou revestidos com mármores e calcários, como é o caso do afresco. 44

A poluição ácida resultante das partículas de poluição em suspensão no ar associada à umidade favorece a transformação do carbonato de cálcio da superfície do afresco em sulfato hidratado de cálcio, cuja solubilidade é de 0.24 g/100 ml, em comparação com o carbonato de cálcio que é pouco solúvel (14 mg/L) portanto tornando a superfície da pintura facilmente deteriorável pela absorção da umidade ambiente. A umidade, em combinação com o dióxido carbônico do ar, forma o ácido carbônico; a reação química dos gases contendo dióxido de enxofre em combinação com a água resulta em ácido sulfuroso que depois se converte em sulfúrico, ambos também formadores de vapores ácidos (pH ácido, inferior a 5,5) e extremamente prejudiciais a pintura afresco (cujo pH é alcalino) gerando uma corrosão em sua superfície, resultante da reação dos ácidos carbônico e sulfúrico com os compostos de cálcio (presente no mármore, calcários e arenitos das argamassas dos afrescos) provocando a dissolução do carbonato de cálcio, que solubilizado e se desagrega da estrutura. MAYER (2006) também menciona a preocupação entre antigos tratados sobre a ação ácida em alguns pigmentos, dentre eles o azul-ultramar suscetível à ação de ácidos minerais. Cada patologia observada acarreta o estudo e a escolha de uma ação de conservação e restauro que podem ser consideradas como as especificadas a seguir: Sujidades – Ação: limpeza O método inicial de limpeza preliminar é à seco, com a utilização de pincéis e broxas de cerdas macias e se necessário o uso de um aspirador portátil de baixa sucção. Quando há deposição de material pode-se optar ainda pela retirada por raspagem com lâminas de aço (bisturis) ou canetas brunidoras de fibra de vidro; alguns casos requerem ainda a limpeza em meio úmido com a ação de solventes. Um teste de solubilidade é necessário para determinar a ação pontual, sem agir sobre a obra de arte. No caso do afresco utiliza-se uma solução com detergente neutro, aplicados com algodão e removidos com água deionizada; no caso de manchas mais resistentes uma solução aquosa com 10% de amoníaco pode ser indicada. A opção por solventes apolares (hidrocarbonetos) deve levar em consideração áreas fragilizadas e desgastadas, evitando uma perda maior da pigmentação, e no caso da remoção de alguma substância que exija essa aplicação.

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Oxidação da capa protetora – Ação: remoção e reaplicação O aspecto fosco de uma pintura afresco é uma de suas características, e por isso ela não é envernizada (MOTTA, 1976), indicando-se uma emulsão de cera como acabamento. No entanto a cera natural é um material impregnante, sem obedecer aos princípios da reversibilidade e retratabilidade; é um material orgânico que tem sua aparência alterada com escurecimento decorrente de sua degradação, e por isso aconselha-se o uso da cera microcristalina, mais estável, em substituição a cera de abelha. Atualmente entre os vernizes utilizados em restauro há uma ampla utilização do Paraloid-B7274, porém devido a sua polaridade, não é indicado como verniz final. Há estudos (Plossi e Santucci, apud MUÑOZ VIÑAS, 2003, p.110) que apontam que o produto, ao contrário do que comumente se divulga, não é totalmente reversível, pois a remoção total da resina não é alcançada posteriormente, apenas cerca de 69% do material é passível de remoção, fato já conhecido pela experiência prática dos conservadores-restauradores. A mesma prática profissional passou a indicar o uso do Regalrez-1094

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como

verniz de proteção nas ações de conservação e proteção após o restauro das obras de arte. É considerada uma resina mais estável, uma vez que passou por diversos testes de envelhecimento na National Gallery (Londres – Inglaterra). Além do aspecto técnico, outro fator a considerar é que a sua dissolução é feita em aguarrás mineral, menos volátil e tóxica que o xileno e tolueno exigidos para uso do Paraloid-B72. Desprendimento – Ação: consolidação e preenchimento A análise de superfície da pintura em afresco pode determinar a necessidade de fixação de partes em desprendimento da pintura, e para isso é realizada a fixação ou consolidação com uso de adesivos. Há várias marcas e fabricantes utilizados como o Primal, Rodopás 503D, Mowiol entre outros, e cada aplicação varia conforme a porosidade e nível de desagregação do suporte. “Nas pinturas murais, a falta de adesão da capa pictórica pode levá-la ao estado de pulverulência (desagregação da pintura). Para se consolidar e fixar uma pintura mural, 74 75

Disponível em: http://talasonline.com/photos/instructions/paraloid_b-72_data.pdf Disponível em: http://talasonline.com/photos/instructions/Regalrez_1094_data_sheet.pdf

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sobre o substrato (reboco),o fixador escolhido deve ter suficiente força adesiva para consolidar a pintura, ser incolor, conter grande poder de penetração, ser resistente à abrasão e, sobretudo, não deve modificar as cores e nem a tonalidade geral da pintura.” (CALDAS, 2008, p.76). Após a consolidação executa-se o preenchimento da lacuna, também com material mais adequado ao suporte e acabamento a ser dado à obra, objetivando recuperar a estabilidade do suporte da pintura. Perda de suporte – Ação: nivelamento O nivelamento do substrato da pintura é necessário nas lacunas para promover uma continuidade da superfície e a posterior reintegração cromática. Essas ações visam recuperar a leitura da obra de arte, sem prejuízo do original, tendo na pasta de cal com adição de resinas acrílicas um dos procedimentos que trazem bons resultados (CALDAS, 2008). Perda de camada pictórica – Ação: reintegração cromática A reintegração cromática não tem por objetivo reproduzir a parte perdida da pintura, fazendo uma cópia do original, mas provocar uma continuidade de leitura sem que esse novo espaço criado pela perda da pintura interfira criando novos padrões e contornos na obra. Nesse sentido, acerca da lacuna, discorre Cesare Brandi: “É, pois, um esquema espontâneo da percepção instituir, em uma percepção visiva, uma relação de figura e de fundo. Essa relação é depois articulada e desenvolvida na pintura segundo a espacialidade pré-escolhida em relação à imagem; mas quando no tecido da pintura manifestar se uma lacuna, essa ‘figura’ não prevista será percebida como figura para qual a pintura faz papel de fundo: donde, à mutilação da imagem, se acrescenta uma desvalorização, um retrocesso a fundo daquilo que, ao contrário, nasceu como figura.” (BRANDI, 2004, p.49)

A reintegração também obedece alguns critérios de execução, como as técnicas do trateggio, que consiste na aplicação das cores por pinceladas de linhas ou traços justapostos. No pontilhismo, como a denominação já diz, são executados centenas de minúsculos pontos coloridos. E a pintura ilusionista, em que as pinceladas procuram imitar a pintura original pela recomposição de suas cores e volumes. Todas essas 47

técnicas requerem um conhecimento ótico das cores, pois o resultado obtido se dá pelo sistema aditivo da cor por sobreposição de veladuras, ou seja pinceladas de cores transparentes sobrepostas, seja por pontos ou traços. Vandalismo – Ação: educação patrimonial As paredes estão sujeitas a todo tipo de ação humana que provoque a degradação das pinturas murais e no caso, do afresco, sendo mais comuns as pichações e as inscrições. No entanto outras são provocadas por descuido e falta de informação, caso de apoiar escadas sobre as paredes causando abrasão na superfície, respingos de material de limpeza ou tinta de pinturas das paredes e teto adjacentes, furos para instalação de algum tipo de elemento, como é o caso de canaletas para fios e instalações elétricas improvisadas. A melhor forma de precaver esses danos se dá pela educação dos usuários do local. No caso das pichações e inscrições, uma das soluções propostas é a instalação de vidros de proteção, Figura 19, que impeçam esse tipo de ação, isolando a obra do observador; ou a aplicação de proteções químicas (filmes anti pichação), mas em ambos os casos corre-se o risco de a leitura da obra ficar prejudicada por reflexos na superfície do vidro ou do filme protetor.

Figura 19: Afresco “Anunciação” (1.946) na parede da sacristia na Igreja Nossa Senhora da Paz. Foto: Silvana Borges, 2014.

Intervenções posteriores – Ação: retratabilidade ou remoção As ações desconhecidas em intervenções anteriores comprometem a estabilidade da obra, como é o caso da prática de repinturas ou rebocos com materiais incompatíveis

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ao suporte do afresco, remoção ou acréscimo de elementos de recobrimento das obras, remoção da obra de seu local de origem, acarretando as mais variadas problemáticas na sua conservação e podendo ocasionar irremediáveis perdas da camada pictórica. As intervenções resultantes de restauros anteriores devem ter seu material analisado para se determinar a necessidade ou não de retratar a superfície com as tecnologias mais atuais de forma a preservar o original da obra e reconstituir as perdas de material, (se houver) de forma a restabelecer a legibilidade da pintura, prolongando a durabilidade da obra de arte. Se a intervenção não é resultante de uma ação de restauração anterior, deve-se estudar a melhor forma de remover o material adicionado causando o menor prejuízo à pintura, o que, em alguns casos, pode ser irreversível. Microrganismos – Ação: eliminação de matéria orgânica As paredes das pinturas estão sujeitas ao acúmulo de depósitos orgânicos e dejetos de insetos, sendo a limpeza mecânica a indicada inicialmente. Em alguns casos se realiza a aplicação de compressas com soluções de limpeza, CALDAS (2008) indicando a solução de água e amoníaco com concentração máxima de 20%. Na remoção de sais a água deionizada pura já é suficiente, desde que a superfície não esteja vulnerável a ação da umidade, observando sempre que muitos artistas, apesar de pintar na massa fresca, realizam alguns acréscimos e retoques com a utilização da tempera 76, e que o uso de soluções aquosas sem o devido critério pode remover pinturas originais e causar danos irreversíveis a obra de arte. Na eliminação de flora invasora, ou seja, os microrganismos que se proliferam (algas ou fungos) em virtude de acumulo de umidade na superfície da pintura por alguma infiltração, ou ambientes insalubres com pouca ventilação. Deve-se antes do tratamento providenciar a análise de amostras do local para se realizar a esterilização com o tratamento do local e uma melhor ventilação da área afetada. Manchas por Infiltrações: ascendente e descendente – Ação: reparos na arquitetura A umidade ascendente normalmente provém da umidade do solo que por capilaridade migra para a alvenaria das paredes, e consequentemente aflora na superfície da pintura, criando manchas (fluorescências) e propiciando a proliferação de microrganismos. Algumas medidas podem ser necessárias após inspeção do 76

A tinta tempera é formada por um aglutinante emulsionado, caso da gema de ovo e caseína do leite, apesar de serem veículos gordurosos, são emulsões, e portanto solúveis em água.

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embasamento dessas paredes, como execução de calhas de drenagem no terreno adjacente a parede ou realização de barreiras hidrofugantes. No caso da umidade descendente, na maior parte dos casos as infiltrações ocorrem pela má manutenção da cobertura dos edifícios (lajes ou telhados) e entupimento das calhas que dão vazão as águas pluviais. Os reparos necessários em ambos os casos eliminam o problema. Manchas por Sais – Ação: eliminação de eflorescências salinas Outra problemática de conservação das pinturas murais decorrente da presença de umidade são as eflorescências de sais na superfície da pintura, Figura 20. Para compreender essas e outras patologias que ocorrem na pintura afresco é importante acompanhar os estudos em pinturas murais de DEL LAMA (2007). “Eflorescência, ou a cristalização de sais, é um processo que consiste na migração da umidade da parede externa para a interna, levando consigo sais solúveis. Como decorrência deste processo, aparecem manchas que afloram à superfície, alterando o aspecto visual do revestimento. Este é um fenômeno bastante danoso em bens culturais”. (DEL LAMA, 2007, p.92)

Figura 20: Exemplo da deterioração causada por eflorescências salinas antes e depois da restauração. Detalhe da cabeça de um apóstolo do afresco “A última Ceia” de Taddeo Gaddi. Santa Croce, Florença. Fonte: HOVING, 1968.

Os estudos de RIZZO (2007) obtiveram eficácia na recuperação de superfícies esbranquiçadas pelas eflorescências salinas devido aos íons insolúveis que, aderidos à pintura mural, prejudicam a sua leitura. Tal processo compreende a eliminação tanto dos íons trazidos por infiltrações como do enxofre absorvido na superfície em decorrência da poluição. Além disso, indica a aplicação de equipamentos portáteis como o

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espectrômetro, permitindo o estudo de pigmentos por um método não destrutivo, que implicaria na coleta de amostras da obra de arte, e acompanhamento dos processos de conservação no local. Alterações cromáticas – Ação: uso de materiais compatíveis com a pintura A escolha de materiais inertes que não interfiram na constituição da obra ou na sua aparência, nem sempre é uma regra de sucesso, pois a própria ação restaurativa já é uma interferência que pode inadvertidamente provocar alterações, Figura 21, a simples fricção que ocorre em uma ação de limpeza na superfície de uma obra, podendo resultar na alteração irremediável de sua superfície, provocando um polimento da superfície pelo brilho resultante, e consequente saturação do pigmento e a alteração de sua cor. A escolha dos pigmentos no instante da reintegração cromática deve considerar o meio alcalino característico do afresco que provoca alterações nos pigmentos que não tenham resistência a esse meio77. A própria diferenciação de pH entre superfície da obra e os materiais utilizados podem provocar reações químicas e alterações no aspecto da pintura. É por isso que cada material e o uso nas especificas situações devem ser estudados e planejados de forma única e particular.

Figura 21: Indicação da intervenção incorreta na perda pictórica do afresco “O Bom Pastor” (1943). Foto: Silvana Borges, 2014.

Mesmo descrevendo boa parte das patologias mais comuns encontradas e as suas possíveis soluções, deve-se salientar que estes são exemplos citados dentre as situações que podem ocorrer nas ações que envolvem a conservação e o restauro de pinturas murais em afrescos, sem com isso estabelecer uma regra geral, pois cada ação é resultado de uma série de considerações por parte do profissional conservadorrestaurador. 77

Ver tabela 1

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6. A obra de Fúlvio Pennacchi Dentre toda a produção de Pennacchi, dos murais que se tem registro segundo uma cronologia de suas obras (PENNACCHI, 2009), será listado na pesquisa apenas as obras catalogadas como pintura afresco, de forma a visualizar o panorama da produção do artista em 20 anos de trabalho dedicados a pintura mural nessa técnica e a situação atual dessas obras. Não foram considerados os “afrescos móveis” que foram executados pelo artista sobre chassis, e nem as pinturas murais realizadas exclusivamente em outra técnica que não o afresco, por se tratar de uma pintura agregada à massa constituinte de seu suporte, a parede, e cuja problemática de conservação é inerente à constituição da arquitetura da edificação, afetando diretamente a obra de arte e muitas vezes de forma irremediável. Os afrescos catalogados são listados a seguir em ordem cronológica. No ano de 1.939 Pennacchi introduz a pintura afresco no Brasil quando realiza os primeiros murais nessa técnica: “A Última Ceia” e “A Visita”, na residência de Carlos Botti no Jardim Paulistano na cidade de São Paulo. Ambos foram destruídos em 1.970, restando apenas registros fotográficos, Figura 22;

Figura 22: Fúlvio Pennacchi executando o afresco “A última Ceia”. Fonte: PENNACCHI, 2002

Em 1.940 realiza o afresco “Santa Ceia” na residência de Dimas Moraes Correa, que transferido de uma parede para outra em 1.976 durante a reforma da casa na Rua Polônia, 285 em São Paulo. O responsável pela transferência foi o engenheiro Paulo 52

Sproviero. Executa no mesmo ano o afresco “Colheita de uvas” na residência do Comendador Alberto Bonfiglioli, de onde o afresco foi retirado da parede e vendido em leilão, Figura 23;

Figura 23: Afresco colheita de uvas (1940)

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Ainda em 1.940, executa os cinco afrescos: “Fazendo o pão”, 120x260 cm, Figura 24; “Colheita da uva”, 120x260 cm, Figura 25; e afrescos menores retratando a “Sagrada Família”, 40x30 cm, Figura 26; “Madonna com menino”, 67x48cm, Figura 27; e “Madonna”, na residência de Galileo Emendabili e Plínio Emendabili na Rua Maria Figueiredo, 369/377. Os dois primeiros foram adquiridos pela Pirelli e transferidos para sua sede, hoje propriedade da Companhia Porto Seguro na Rua Barão de Piracicaba, 740 no bairro de Campos Elíseos em São Paulo. Uma das “Madonas” está na coleção particular de Sandra Papaiz.

Figura 24: “Fazendo o pão”; afresco, 120x260 cm. Fonte: PENNACCHI, 1989 78

Disponível em: http://www.fulviopennacchi.com/d40.html

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Figura 25: “Colheita da uva”; afresco, 120x260 cm. Fonte: PENNACCHI, 1989

Figura 26 (à esquerda): “Sagrada Família” (1.938), afresco, 40x30 cm. Fonte: BARDI, 1980 Figura 27 (à direita): “Madonna com menino” (1.940), afresco, 67x48 cm. Fonte: BARDI, 1980

Entre 1.941 e 1.947 Pennacchi realizou uma de suas mais importantes obras, a execução dos afrescos na Igreja Nossa Senhora da Paz, no bairro do Glicério, São Paulo; nos espaços do Altar-mor, Capelas laterais e Casa dos Padres, Figura 28. Em 1.943, ano da inauguração do Hotel Toriba na cidade de Campos do Jordão, São Paulo, realizou no local um total de 60 metros lineares de afrescos; as pinturas foram restauradas pela empresa Júlio Morais Conservação e Restauro entre 2004 e 2005. (SVEVO, 2007). No mesmo ano executa “La Pastorella” 400x300cm, Figura 29; o brasão Matarazzo e um relógio de sol na residência do Conde Eduardo Matarazzo na mesma cidade. No ano seguinte realiza o afresco “Cavalgada medieval”, 400x250 cm, Figura 30, para a residência de Miguel Forte. Esse é um exemplo das alterações a que as pinturas estão sujeitas com a mudança de gosto de quem ocupa o local. O afresco de 54

1.944 foi recoberto por tapumes, Figura 31, quando propriedade se tornou uma agencia de automóveis. O afresco assim permaneceu, até a pintura ser restaurada pela empresa de Júlio Moraes Conservação e Restauro no ano de 2.006. Atualmente o imóvel é sede da Coelho da Fonseca Imóveis localizado à Av. Brasil, nº 1.070, São Paulo.

Figura 28 (à esquerda): Pennacchi executando o afresco “A última ceia” (1947), 240x600 cm, no refeitório do convento da Igreja Nossa Senhora da Paz. Fonte: BARDI, 1980 Figura 29 (à direita): Afresco “La Pastorella” – 400x300cm. Fonte: PENNACCHI, 2002

Figura 30 (à esquerda): “Cavalgada medieval”, afresco, 400x250 cm. Fonte: PENNACCHI, 2002 Figura 31 (à direita): Parede com o afresco recoberta por painéis de gesso. Fonte: WILHELM, 2011

Em 1.945, executa dois grandes afrescos com 400x250 cm, na Catedral de Uruguaiana, Rio Grande do Sul, representando o “Nascimento de Maria”, Figura 32, e a “Apresentação de Maria ao templo”, Figura 33. Executa também outro afresco no Palácio Episcopal de Uruguaiana, “A Anunciação”.

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Figura 32 (à esquerda): Nascimento de Nossa Senhora, afresco, 340x250cm. Fonte: BARDI, 1980 Figura 33 (à direita): Apresentação de Nossa Senhora ao Templo, 400x250cm. Fonte: BARDI, 1980

Ainda em 1.945 realiza o afresco “O pão”, 150x300cm, Figura 34, na residência de Antônio Lunardelli. Com o objetivo de fotografar o afresco para o livro sobre seu pai, “Pennacchi – Pintura Mural”, Giovanna Pennacchi descobre que a residência estava em fase de demolição, a proprietária decidiu fazer a doação da pintura para a família do artista, o afresco foi transferido com supervisão do engenheiro Paulo Sproviero para a residência de Atílio Pennacchi, filho do artista, em Cristalina, Goiás79.

Figura 34: “O pão”; afresco, 150x300cm. Fonte: PENNACCHI, 2002

No ano seguinte, na casa da família em Santo Amaro, executa os afrescos: “Virgem e Menino Jesus”, “Anunciação” e “Cena Toscana”, Figura 35. A residência passou a ser propriedade de Ângelo Isola, e os afrescos continuam no local.

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“Destino devolve afresco de Fulvio Pennacchi à família” – Folha de São Paulo, 28/05/2002. Pagina E3

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Figura 35: “Cena Toscana”, 530X400cm. Fonte: PENNACCHI, 2002.

Em 1.947, executa na capela do Hospital das Clínicas de São Paulo os afrescos “Ceia de Emaús” e “Anunciação”. Ano também da execução de diversos afrescos na residência da família na Rua Espanha no Jardim Europa em São Paulo, a casa foi inaugurada em 1.948. Nesse mesmo ano, executa afrescos na Capela da Vila São Francisco em Osasco, São Paulo (vale lembrar que Osasco só se tornou município em 1.962, a Vila São Francisco atualmente é um bairro de São Paulo) e mais dois afrescos que foram destruídos, um executado para a residência de Luiz Maiorana, e o afresco “A família com paisagem toscana” 400x300 cm na residência Filizola, na Avenida Rebouças, 2.019, Figura 36.

Figura 36: “A família com paisagem toscana” 400x300 cm na residência Filizola. Fonte: BARDI, 1980

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Em 1.950, realiza o afresco “Cena toscana”, 600x400cm, Figura 37, para a residência de Mario e Vera Lunardelli Toldi em São Paulo.

Figura 37: Cena Toscana (1.950) na residência Toldi. Fonte: PENNACCHI, 2002

No ano de 1.951 executa “O balão”, 380x700cm, Figura 38, na residência de Cândido Cerqueira Leite em Mauá (SP). A parede com o afresco quando da ocupação do imóvel por uma igreja foi coberto com tinta látex creme e depois retirado do local por Paulo Sproviero, a obra foi transferida para aguardar a restauração e integrar a construção de um Centro de Artes em Campos do Jordão80, São Paulo, conforme projeto liderado pelo empresário Paulo Bilyk do Centro Hípico Polana na mesma cidade.

Figura 38: “O balão” (380x700cm) na residência de Candido Cerqueira Leite em Mauá (SP). Fonte: PENNACCHI,2002

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Informações da entrevista de Valério Pennacchi para o Diário do Grande ABC em 03/08/2.005.

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Ainda durante o ano de 1.951 executa os afrescos “Natividade do Senhor” e a “Fuga para o Egito” na parede que envolve o altar-mor da Igreja Matriz de Ribeirão Pires em São Paulo; e também o grande afresco “Paisagem com figuras italianas”, 500x400cm, realizado na residência da Rua Cravinhos e transferido em 1.981 para a residência de Alberto Hekel Tavares na Chácara Flora em São Paulo, sob a supervisão de Paulo Sproviero, Figura 39.

Figura 39: Foto de Paulo Sproviero (1984), com Fúlvio Pennacchi presente durante a transferência do afresco para a residência de Alberto Hekel Tavares na Chácara Flora/SP. Fonte: WILHELM, 2011

Em 1.953 realiza o afresco inspirado no crescimento de São Paulo, “Alegoria ao Desenvolvimento Industrial Paulista”; 700x110 cm, Figuras 40 e 41, para a antiga Sede do Banco Auxiliar de São Paulo na Av. Duque de Caxias, 136, São Paulo (SP). Esse afresco esteve recoberto por um painel plástico até a destruição por incêndio da loja que funcionava no local.

Figura 40: Esboço para a “Alegoria ao Desenvolvimento Industrial Paulista”. Fonte: PENNACCHI, 2002

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Figura 41: Projeto em escala reduzida (28x63cm) do mesmo afresco em guache. Fonte: BARDI, 1980

Percebe-se a parede com o afresco ao fundo, Figura 42, no registro publicado em 2.009 com a manchete: “Incêndio em loja revela obra de arte em São Paulo”

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.

Atualmente no endereço há uma loja, Figura 43, e confirmou-se que a parede com o afresco foi retirada do local, mas seu destino é desconhecido.

Figura 42 (à esquerda): Local após incêndio com a visão do afresco ao fundo. Foto: Walter Tabax, 2009 Figura 43( à direita): O mesmo local onde atualmente funciona a loja DK. Fonte: Google

Em 1.955 executa o afresco “Está caindo o balão”, 500x250cm, Figura 44, na residência de Mario Pucci em São Paulo; e o afresco alegórico sobre a colheita das uvas; 130 x120cm na residência de Ligia Lancelotti, a casa foi vendida a Octavio D’Andrea que posteriormente a revendeu.

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Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI3746483-EI8139,00.html

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Figura 44: Está caindo o balão (1955). Fonte: BARDI, 1980

Entre 1.956 e 1.957 executa o afresco “Ceia dos Emaús”, 290x640cm, Figuras 45 e 46, no edifício que foi sede da Liga das Senhoras Católicas em São Paulo que atualmente é propriedade da Liderança Capitalização, uma empresa do Grupo Silvio Santos, na Rua Jaceguai, 400, Jardim Bela Vista em São Paulo. De acordo com WILHELM (2011) este afresco também é eventualmente recoberto por uma estrutura, como ocorreu no caso do afresco “Cavalgada Medieval”, em decorrência da ocupação do local e pela questão do gosto estético de seus usuários.

Figura 45: estudo para mural “Ceia de Emaús” em pintura guache; 12,5x28cm. Fonte: BARDI, 1980

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Figura 46: Afresco “Ceia de Emaús”, na sede da Liderança Capitalização. Fonte: PENNACCHI, 2002

Entre os anos de 1.959 e 1.960 realiza o afresco representando a “Crucifixão”, Figura 47, na Igreja Nossa Senhora Auxiliadora, no bairro do Bom Retiro em São Paulo, este é o último afresco de grandes proporções que Pennacchi executou no espaço religioso.

Figura 47: Capela do Calvário com o afresco “Crucificação” (1960)

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As temáticas dos afrescos de Pennacchi em sua maioria retratam a família e o campo, fazendo referências à paisagem toscana e a arquitetura dessa região, com seus

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Disponível em: http://www.auxiliadora.org.br/historia/2004_novoSantuario.html

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arcos nas entradas e janelas. E buscou a reprodução dessa mesma ambientação da arquitetura nos afrescos de temática religiosa. “Membro do Grupo Santa Helena, a produção artística de Pennacchi pode ser dividida em dois grandes grupos: os temas sacros, tratados com figuras estilizadas em composições econômicas e articuladas entre figura e fundo, sempre desenvolvidas com cores sóbrias e densas; e as paisagens e cenas rurais, a vida da gente simples e trabalhadora, o coletivo constituído pelo trabalho e pelas festas, de imensa riqueza poética, com cores mais luminosas e tratamento mais livre da superfície pictórica” (ARAUJO, 2006, p.9)

Algumas de suas pinturas e desenhos fazem parte do acervo do MAC-USP, mas com exceção dos afrescos na Capela do Hospital das Clínicas que constam com processo de tombamento, nenhuma outra pintura mural é protegida pela legislação. De 2.009 a 2.011 o professor Percival Tirapeli do Instituto de Artes (IA) da Unesp, Campus de São Paulo, atuou como consultor em processos de bens imóveis apresentando proposta de tombamentos para o CONDEPHAAT83, entre eles o da Igreja Nossa Senhora da Paz, pela importância do projeto como o mais significativo para a colônia de imigrantes da cidade de São Paulo. Segundo Tirapeli, “sua arquitetura caracteriza os anseios tanto de integração religiosa quanto de rumos artísticos, de São Paulo e da Itália, sendo de fato um marco de modernidade da arte sacra” comentando sobre o diálogo e unificação da arte e arquitetura tão presente nos afrescos de Pennacchi [...] constituindo um conjunto inigualável das artes da arquitetura/escultura/pintura modernas no Estado de São Paulo”.84

83

Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, órgão subordinado à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo criado pela Lei Estadual 10.247 de 22 de outubro de 1.968. 84 Informações publicadas em 14/12/2.012 no portal da UNESP e consultadas em 10/06/2.014: http://www.unesp.br/portal#!/noticia/9776/especialista-em-arte-sacra-presta-consultoria-paracondephaat/

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7. Afrescos analisados Dentre a sua extensa obra em pintura mural produzida de 1.937 a 1.967, foram escolhidas obras cujo acesso fosse possível para viabilizar o seu estudo visando verificar a problemática de conservação dos afrescos, também intrínseca a condição da edificação já que os planos das paredes não são apenas suportes da pintura, mas parte constituinte da própria obra assim como da arquitetura, compondo os volumes externos e internos de seus espaços. Ao mesmo tempo em que as paredes conferem um suporte rígido e estável para a preservação das pinturas murais, também são propagadoras dos agentes de sua degradação, por isso dependem da manutenção do edifício com um todo. As obras foram fotografadas com uso da luz ambiente (sem o uso de flash), registrando o estado atual dos afrescos. As fotografias com luz ultravioleta (UV) permitiram identificação de algumas alterações não visíveis a olho nu, complementando o primeiro diagnóstico do estado da pintura, Figura 48.

Figura 48: Foto com luz UV à esquerda torna nítido o preenchimento na restauração do afresco do Restaurante Pennacchi em 2.006, à direita, a intervenção é menos visível. Foto: Silvana Borges, 2014.

“A fotografia de fluorescência visível com radiação ultravioleta (UV) é uma técnica em que é registrada a fluorescência gerada pela radiação UV que incide na pintura. Como cada cor ou composto emite sua própria fluorescência, a imagem obtida por UV de uma pintura pode revelar informações não antes observadas a olho nu. A fluorescência ocorre sobretudo em compostos orgânicos, sendo rara nos inorgânicos” (Fonte: NAP85)

85

Núcleo de Apoio à Pesquisa de Física Aplicada ao Estudo do Patrimônio Artístico e Histórico da Universidade de São Paulo. http://www.usp.br/faepah/?q=pt-br/fotografia-com-luz-vis%C3%ADvelradia%C3%A7%C3%A3o-ultravioleta-reflectografia-com-infravermelho-luz-rasante-luz

64

7.1 Igreja Nossa Senhora da Paz A Igreja Nossa Senhora da Paz, Figura 49, está localizada na Rua do Glicério, 225 na cidade de São Paulo e pertence à Região Episcopal da Sé. Foi construída em 1.940, o autor do projeto foi Leopoldo Pettini com a colaboração de Fúlvio Pennacchi, além dos afrescos de Pennacchi a Igreja conta com um acervo de esculturas de autoria de Galileo Emendabili.

Figura 49: Igreja Nossa Senhora da Paz. Foto Silvana Borges (2014)

Em seu centenário a Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos Borromeu planejou o projeto da edificação em um terreno de 10.000 m², que previa a construção da igreja (estilo românico italiano), e um centro de convivência comunitária para receber os imigrantes recém-chegados e preservar a cultura italiana (BASSANI, 2014). Atualmente a Missão Paz atua no ensino da língua portuguesa aos imigrantes haitianos. “Fúlvio Pennacchi é o maior ‘affreschista’ do Brasil, ele que do afresco soube ressuscitar o valor conhecendo-o apenas, e não tendo jamais antes destas obras, executado-o. Os italianos de São Paulo devem muito a esse artista, que criou um oásis de italianidade muito límpida e pura“ (Giuseppe Sacapinelli 1949, apud BARDI, 1980, p.36)

A ideia inicial de Fúlvio Pennacchi foi considerada no projeto do arquiteto Leopoldo Pettini e seguiu alguns fundamentos da arquitetura moderna: “ausência de ornamentos, funcionalidade, racionalismo e comprometimento com os aspectos estruturais e econômicos [...] O projeto arquitetônico é simples, imponente, simétrico,

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conciso, racional e equilibrado entre a proporção e o estilo, a forma e a função”. (RAMOS, 2008). A Igreja da Paz representa a maior realização de Pennacchi, segundo BARDI (1980) onde seus afrescos seriam “os mais prestigiosos do Brasil”. “Fúlvio Pennacchi encontrou no afresco, o gênero predileto [...] Elogiável é a atitude do Padre Milini que não receou entregar a um pintor moderno, profundamente imbuído de espírito religioso, a construção e a pintura de seu templo que constitui, realmente um feito inédito na arquitetura de nossas igrejas.” (BARDI, 1980, p.34)

A igreja compreende uma área de construção de 1.225 m², com as dimensões de 18 m de altura por 25 m de largura e 49 m de comprimento. Compondo a volumetria da arquitetura tem-se a torre do campanário com 37,50 m de altura. Sua capacidade de lotação é para 368 pessoas sentadas e 200 em pé (RAMOS, 2008). Os afrescos da Igreja Nossa Senhora da Paz e Convento foram executados a partir de sua construção em 1.941 sendo relacionados em ordem cronológica a seguir (PENNACCHI, 2002). Em 1.943 Pennacchi inicia a execução dos afrescos do Altar-Mor, Figura 50, com a figura principal, o “Cristo Crucificado” ao centro da composição com 6 m de altura dividindo a abside embaixo em duas cenas dispostas horizontalmente; o “Nascimento da Virgem” e a “Natividade do Senhor”. As figuras destes dois conjuntos medem 2,50 a 2,80 m de altura por 20 m de comprimento. Realiza ainda no mesmo ano os afrescos da Capela do Santíssimo Sacramento com as representações das cenas de “O Bom Pastor” e a “Ceia de Emaús”, Figura 51, com dimensões: 280x600 cm.

Figura 50: Altar-mor da Igreja da Paz. Foto: Silvana Borges, 2014

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Figura 51: Afrescos “O bom pastor” e “Ceia de Emaús”. Foto: Silvana Borges, 2014

Em 1.944 executa o conjunto de afrescos de “O Juízo Final”, Figura 52, na parede interna sobre a nave central da Igreja, distribuídos numa parede de 10 m de altura por 13 m de largura. No centro existe uma janela de 6,00 x 2,50 m que divide o espaço em três partes. Na parte superior está a cena “O Divino Juiz e seus apóstolos”, no lado direito foram distribuídas quatro ordens de “bemaventurados” havendo do lado esquerdo o espaço destinado “aos condenados”.

Figura 52: Afresco “O juízo Final”. Foto: Silvana Borges, 2014.

Em 1.945 inicia das pinturas localizadas nas capelas laterais, Figura 53. Seus espaços internos são divididos pelas imagens obras do escultor Galileo Emendabili dispostas ao centro com dois conjuntos de afrescos em cada lateral medindo 2,80x3,00 m. Esse padrão é mantido em todas as capelas. Os desenhos da decoração do interior da igreja com seus afrescos e esculturas demonstram como cada elemento foi planejado juntamente com a arquitetura, a sua iconografia está amplamente detalhada em GALLO (1950).

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Figura 53: Planta baixa da igreja com a localização dos afrescos e das capelas laterais

A capela dedicada a “São Francisco” foi a primeira a ser executada, e também durante 1.945 foram inauguradas as capelas de “Santa Rita de Cássia”, Figura 54, “São João Batista” e “São Carlos Borromeo”, Figura 55. Sucessivamente em 1.946 executou os afrescos das capelas dedicadas a São José e Santa Catarina de Siena, Figura 56, e o afresco da “Anunciação”, pintado na parede externa da Sacristia. Em 1.947 finaliza as pinturas dos afrescos das capelas laterais com a execução da pintura da capela dedicada a “Santo Antônio de Pádua”, Figura 57.

68

Figura 54: Capelas de São Francisco e Santa Rita de Cássia (1.945). Fotos: Silvana Borges, 2014

Figura 55: Capelas de São João Batista e São Carlos Borromeo (1.945). Fotos: Silvana Borges, 2014

Figura 56: Capelas de São José e Santa Catarina de Siena (1.946). Fotos: Silvana Borges, 2014

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Figura 57: Capela dedicada a Santo Antônio de Pádua (1.947)

Com a inauguração, em fevereiro de 1.947 da Casa dos Padres junto à Igreja do Glicério, são executados os afrescos: a “Última Ceia” no refeitório (240x600 cm) os “Mistérios Gozosos” nos quartos e “A chegada de Monsenhor Scalabrini” (300x600 cm) no apartamento originalmente reservado às visitas. “O caráter exemplar inerente à temática religiosa que o artista aborda nos anos 1930 – a série de pinturas sobre a vida de São Francisco foi produzida nessa época – é o melhor exemplo dessa tendência pedagógica que Pennacchi conferia à sua produção.” (ARAUJO, 2006, p.22)

Observa-se a influência da narrativa sacra nos afrescos executados. Quando questionado a respeito das referências utilizadas na elaboração das pinturas, Pennacchi declarou: “Sabe, para pintar afresco, a gente precisa ter alguma coisa dentro da gente, não pode haver modelo. Eles estavam dentro da minha cabeça. Fui tirando e pintando depressa, antes que secasse a argamassa, é isso.” (PENNACCHI apud RAMOS, 2008). Desde sua execução os afrescos não sofreram restauração, com exceção do painel da “Anunciação”, Figura 58, que está protegido por vidros. Segundo WILHELM (2011) essa é uma das práticas utilizadas para proteção de pinturas murais, neste caso o vidro age como barreira para impedir a degradação causada pelo vandalismo, ou seja, a ação direta das pessoas que marcam, riscam e fragmentam a superfície da pintura, acelerando a deterioração do afresco.

70

A

B Figura 58: Parede da sacristia onde foi instalado um vidro em frente ao afresco “A Anunciação”, com detalhe da fixação superior (A) e inferior (B). Foto: Silvana Borges, 2014

Os afrescos de forma geral apresentam em sua superfície deposição de sujidades, isso é ainda mais visível nas áreas onde a argamassa é mais áspera e a textura facilita a ancoragem e o acumulo de poeira e dejetos de insetos, Figura 59. Já no caso dos afrescos que compõem o Juízo Final as cores estão mais preservadas, com menos sujidades, e coincide com o fato de ser a parede onde a argamassa é mais lisa.

Figura 59: Detalhe do afresco “O Bom Pastor”. Foto: Silvana Borges, 2014

Alguns pontos tiveram um desprendimento visível do substrato da pintura e foram reparados, isso já foi observado em referência ao painel “O Bom Pastor” 86

86

na

Ver Capítulo 5.1

71

sacristia, onde se percebe um nivelamento na superfície que não é similar ao restante do aspecto áspero característico do reboco, e conferindo uma diferença da superfície. Pequenas fissuras e manchas são visíveis nas paredes capelas porém sem comprometer a estabilidade do substrato, mas o problema maior está atrás do altar, onde um recalque da fundação decorrente de uma infiltração por baixo do piso, segundo informações do Padre Paolo87, fez ceder toda a área de entorno do Altar-mor e as fissuras do chão se prolongam por pontos das paredes e continuam pelas superfícies onde estão os afrescos, Figura 60.

Figura 60: indicação atrás do altar-mor das fissuras e afundamento por toda a extensão do piso. Foto: Silvana Borges, 2014

As fissuras na base das paredes que circundam o Altar-mor, e que servem de suporte para os afrescos, são também visíveis nas placas de mármore que as revestem entre o nível do piso e as pinturas, as linhas de fissuras avançam pelas placas de mármore e foi observado que elas também se prolongam pela superfície da pintura do afresco em alguns locais, Figura 61.

87

A informação foi obtida em entrevista realizada na visita ao local no dia 28/07/2.014

72

Figura 61: Indicação à esquerda da fissura no mármore que reveste a base do afresco, à direita a indicação do prolongamento da fissura pela superfície da pintura. Foto: Silvana Borges, 2014.

Outras degradações, em alguns trechos de parede de suporte do afresco, foram causadas pela instalação elétrica. É mais comum do que se possa imaginar a situação de fixação de objetos por pregos e de iluminação, tomadas, caixas de som e toda sorte de outros sistemas por cima das pinturas, mesmo não estando sobre as figuras da composição, toda a área compreende a obra de arte e não está salva do dano porque ele é feito à sua margem, Figura 62.

Figura 62: Degradações decorrentes da instalação de uma caixa de passagem elétrica sobre o afresco com fissuras na região onde está a assinatura do artista no detalhe. Foto: Silvana Borges, 2014

Pelo que foi observado na visita ao local, os afrescos necessitam urgentemente de uma intervenção de conservação, há muita sujidade aderida à superfície das pinturas, 73

o estado do piso do Altar-mor compromete todo o entorno das paredes onde está o conjunto de afrescos com “O Crucificado” para onde as fissuras se estendem, as instalações elétricas necessitam ser revistas e planejadas de forma a não serem fixadas na superfície que compõe a obra de arte. É um trabalho de grande complexidade, pois existem diferenciações de estrutura e textura das pinturas dentro de um mesmo local, além disso representa um projeto desafiador pela importância e monumentalidade do conjunto que envolve não apenas a edificação e os afrescos, mas também as esculturas de Galileo Emendabili, no significativo diálogo proposto entre as artes (pintura e escultura) que caracterizam o conjunto da Igreja Nossa Senhora da Paz.

7.2 Paróquia São José – Ribeirão Pires (SP) A Paróquia de São José, Figura 63, localiza-se na Avenida Santo André, 110 no bairro Centro Alto, no município de Ribeirão Pires em São Paulo. Sua construção se iniciou no ano de 1.893, mas a fachada atual foi ampliada e inaugurada em 1.964 com execução pela prefeitura do município na administração do prefeito Adaquir Prisco.

Figura 63: Paróquia de São José em Ribeirão Pires. Foto: Silvana Borges, 2014

A cidade de Ribeirão Pires fica a cerda de 50km de distância da capital paulista. Seu surgimento se deu a partir de 1.887 quando chegaram da Itália cerca de 40 famílias que receberam do governo do Estado uma gleba de terra para colonizar, a comunidade despertou o interesse dos padres missionários de São Carlos (conhecidos atualmente

74

como “escalabrinianos”), que começaram a oferecer assistência religiosa a essas famílias. Não se sabe a autoria do projeto da Paróquia de São José, que foi erigida pela comunidade liderada por párocos italianos e passou por várias reformulações desde a primeira capela erguida em 1.893 e logo ampliada em 1.908. A Paróquia de São José foi efetivamente erigida em 21 de dezembro de 1.911. Em 1.917 o Padre Navarro apresentou os desenhos para ampliação da Igreja Matriz que seria inaugurada parcialmente em 1.943 pelo Pároco Luiz Corso, e reinaugurada totalmente em 19 de março de 1.954 pelo Pároco Fernando Sperzagni. Mas a inauguração da paróquia depois de ampliada e com a fachada atual ocorreu somente em março de 1.964 pelo pároco Pe. Francisco Dodi. (MAZIERO, 2012). Nota-se a semelhança volumétrica com a fachada da Igreja de Nossa Senhora da Paz que RAMOS (2008) assemelha a igreja de Santo Apolinário erguida em Ravena, Figura 64. O que se percebe é que o interior da Paróquia de São José apresenta similaridades com essa tipologia arquitetônica, Figura 65, uma influência da imigração italiana evidente também no projeto da Igreja de Ribeirão Pires trazendo mais uma vez o estabelecimento de diálogos no Brasil com a arquitetura italiana de outros períodos.

88

Figura 64: igreja de Santo Apolinário, Itália . Fonte: RAMOS,2008

Um projeto de ampliação da Paróquia, datado de 2.009, previa a construção da torre e de naves laterais, Figura 66, mas não foi executado, curiosamente na vista interna do projeto não se faz referência aos afrescos de Pennacchi na parede do altarmor.

88

Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/obras/igreja_sp_files/img05.jpg

75

Figura 65: Fotos do interior da Paróquia de São José com a estrutura da nave similar a Igreja de Santo Apolinário. Foto: Silvana Borges, 2014

Quanto ao estado de conservação dos afrescos, a pintura está de forma geral íntegra e mantém as cores vibrantes, porém observaram-se algumas patologias decorrentes da instalação mal planejada de equipamentos de proteção de incêndio e instalações elétricas, intervenções que comprometem a integridade do conjunto de afrescos.

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Figura 66: Projeto de ampliação da Paróquia de São José do Estúdio Brasil Arquitetura e Urbanismo.

Existem dois pontos críticos de degradação de cada lado do altar-mor. Na lateral esquerda há uma série de perdas pictóricas visíveis, furos e abrasões. De acordo com a pessoa que cuida do local, o Sr. Domingos90, apesar das orientações do pároco em não encostar escadas nas paredes ou fixar instalações nas paredes dos afrescos, as pessoas que realizaram esse tipo de serviço não prestaram atenção ao cuidado requerido. 89

Disponível em: http://estudiobrasilarquitetura.blogspot.com.br/2009/03/igreja-de-sao-jose-ribeiraopires-sp.html 90 Entrevista realizada em 17/09/2014

76

Mais uma vez se verificou como as instalações elétricas não planejadas provocam danos na superfície do afresco, com a instalação de luz de emergência, furos de instalações anteriores e abrasões causadas pelo apoio da escada de manutenção na parede, Figura 67A; instalação elétrica improvisada com uso de canaletas plásticas em todo alinhamento inferior dos afrescos, fixada com pregos causando perda do substrato da pintura, Figura 67B; colocação de pregos para fixação improvisada de fios com uma faixa de intervenção com repintura das partes com perda pictórica que foram danificadas em momento anterior, Figura 67C.

A

B ABRASÃO FUROS

INSTALAÇÃO ELÉTRICA

C LUZ DE EMERGÊNCIA

PREGO REPINTURA

Figuras 67- A/B/C: Indicações das deteriorações provocadas pela instalações realizadas sem critério. Foto: Silvana Borges, 2014.

Toda essa problemática de causas de degradação dos afrescos é uma situação antiga como declarou o Padre Cerantola em 2.005: “Um crime”. É assim que o padre Pedro Cerantola, da Igreja de São José, em Ribeirão Pires, define o fato de haver buracos de prego, objetos como conduítes e sistema de iluminação improvisado sobre o afresco de Fúlvio Pennacchi (1.905-1.992) intitulado Maria, José e o Menino no Presépio e Fuga Para o Egito, de 1.954, realizado na parede que envolve o altar da

77

igreja. Embora as interferências tenham prejudicado a integridade e a visualização da obra, o pároco não cogita uma restauração [...] Para mexer na obra, não adianta agir sem fundamento, sem conhecimento. Isso a prejudicaria ainda mais”91

O outro ponto crítico de degradação detectado na lateral direita do altar é uma lacuna de preenchimento irregular visível na parede do afresco, Figura 68, que segundo o relato do Sr. Domingos, ao se rebaixar a parede do lado posterior ao da pintura para instalação de um equipamento, Figura 69, o lado do afresco sofreu uma ruptura e a perda da argamassa original foi preenchida de forma improvisada.

Figura 68: Afresco com a “Fuga para o Egito” com uma interferência na área de pintura. Foto: Silvana Borges, 2014

Figura 69: À esquerda o detalhe do reparo. À direita o rebaixo na parte posterior da parede para instalação de um aparelho na sacristia. 91

Diário do Grande ABC, publicação de 12/04/2005. Disponível http://www.dgabc.com.br/Noticia/232710/afrescos-de-pennacchi-em-ribeirao-estaoabandonados?referencia=buscas-lista

em:

78

Na parte exterior da igreja, Figura 70, constata-se a problemática da umidade descendente pelo mau estado visível de calhas e rufos e as manchas decorrentes, como também de umidade ascendente com destacamento da pintura em estado pulverulento nas paredes ao nível próximo do chão. Essa umidade é passível de migrar para as áreas internas da igreja, sendo fator causador de patologias em afrescos.

Figura 70: umidade exterior descendente à esquerda e ascendente à direita. Foto: Silvana Borges, 2014.

Os afrescos da Paróquia de São José têm cores mais integras que os da Igreja Nossa Senhora da Paz, a superfície da pintura é, por comparativo, mais lisa, tendo menor aderência ao depósito de sujidades. O estado de conservação das pinturas seria satisfatório não fosse pelas inúmeras degradações decorrentes das intervenções de instalações elétricas realizadas e fixação de elementos que comprometem a integridade da superfície dos afrescos. Esse tipo de dano recorrente demonstra a necessidade de um diálogo entre os setores de manutenção, engenharia e conservação para a preservação do patrimônio. Está prevista uma reforma e os afrescos devem ser restaurados, o desejo pela execução do projeto de ampliação da igreja seria realizado até 2.011 quando da comemoração do centenário da paróquia, mas não foi possível. Como declarou o padre Pedro Cerantola para o Diário do Grande ABC: “É preciso preservar, é patrimônio”.

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7.3 Hotel Toriba – Campos do Jordão (SP) O Hotel Toriba, Figura 71, está localizado na Estrada Ernesto Diedericksen, 2.962, no município de Campos do Jordão, São Paulo. Foi inaugurado em 1.943, mesmo ano da execução dos afrescos por Fúlvio Pennacchi. O acesso é feito saindo da Rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro pela Estrada Municipal do Toriba, uma estrada secundária que atravessa a Estrada de Ferro Campos do Jordão inaugurada no ano de 1.965 que a partir de 1.947 tinha “Toriba” como uma de suas paradas. Em 2.013 a Estação Toriba, depois de anos desativada, foi reaberta, reformada pelos administradores do hotel.

Figura 71: Hotel Toriba em Campos do Jordão. Foto: Silvana Borges, 2014.

Campos do Jordão dista cerca de 170 km da capital paulista e tem sua origem nas glebas adquiridas pelo brigadeiro Manoel Rodrigues do Jordão em 1.825. Apesar de o seu sobrenome batizar a região, Jordão faleceu em 1.827 sem nunca estar na propriedade. Entre a década de 1.920 e 1.930, foram construídos os primeiros sanatórios, e em 1.934 Campos do Jordão tornou-se município. Em 1.940 a preocupação das autoridades médicas pelo contágio da tuberculose obrigou a separação do zoneamento de áreas para doentes e turistas, e desta forma os grandes hotéis mantinham uma sala de raios X de forma a não hospedar pessoas doentes (SVEVO, 2007). A construção do Hotel Toriba data do início do crescimento do município, e foi executado pelo Escritório Técnico Ramos de Azevedo, Severo e Villares e Cia. Ltda. sob a responsabilidade dos engenheiros Affonso Lervolino e Roberto Batista Pereira de Almeida, no ano de 1.941. Tem em seu interior 60 m lineares de afrescos, 11 murais ao 80

todo, executados por Fúlvio Pennacchi nos espaços denominados atualmente como: Bar Vindima, Restaurante Pennacchi (com dois ambientes) e Salão da Lareira. O tema das pinturas foi extraído do cancioneiro popular brasileiro: “Tristeza do Jeca” de autoria de Angelino de Oliveira em 1.918 e “Casinha da Colina” de autoria de Luiz Peixoto. “Por força da sua sensibilidade, talento e simplicidade de espírito, a absorção de tudo o que seu meio ambiente lhe forneceu o transforma no intérprete plástico do poético e bucólico

mundo

da

vida

dos

humildes

do

campo.”

(PENNACCHI apud BARDI, 1998)

O Hotel Toriba que em tupi-guarani significa algo como “paz, alegria e felicidade” foi inaugurado em 1.943 no alto dos 1.750 metros da Serra da Mantiqueira em uma área de 70.000 m² com 19 apartamentos e 20 quartos apenas com pia, onde os banheiros ficavam ao final do corredor. Suas instalações foram modernizadas com banheiros privativos e acesso gratuito a rede de internet sem fio. A ampliação das acomodações com quartos externos e chalés isolados foram instalados no terreno de entorno oferecendo uma vasta estrutura de resort em quase 2 milhões de m² de área particular, disponibilizando além da hospedagem, gastronomia e lazer 92. De acordo com o Sr. Alberto V. Lenz Cesar93, as pinturas foram limpas e restauradas entre os anos de 2.004 e 2.005 pela empresa Júlio Moraes Conservação e Restauro, Figura 72, com apoio da lei Rouanet. Os afrescos tem a mesma idade do hotel, foram executados em 1943.

Figura 72: à esquerda foto antes do restauro (Fonte: SVEVO, 2007), à direita, um registro atual (Silvana Borges, 2014)

92 93

Disponível em: http://www.toriba.com.br/ Entrevista concedida pelo Sr. Alberto V.Lenz Cesar, diretor geral do Hotel Toriba em 29/07/2014.

81

O casal Fúlvio e Filomena Pennacchi conheceram os proprietários do hotel, eram amigos da família e provavelmente isso levou a contratação para a execução dos afrescos, e também por conhecimento das pinturas anteriormente executadas na casa do Conde Matarazzo, que fica próximo ao hotel. Das problemáticas encontradas por ocasião da restauração em 2.004, além das decorrentes de umidade, sujidade, manchas por respingos de comida, muitas vezes transportados pelo toque das pessoas na parede, o problema maior e que motivou a ação pela preservação das pinturas foi causado por um gerente anterior que para incrementar a decoração dos salões realizou uma série de furos na superfície para fixação de objetos e também tinha intenção de pintar de branco todas as paredes com os afrescos. Depois dessa grande intervenção de restauração, os afrescos sofreram mais duas pequenas intervenções em locais onde surgiram manchas escuras impregnadas na argamassa, Figuras 73, uma análise química determinou que Pennacchi por utilizar areia de rio na sua argamassa, pode em um determinado ponto ter usado o material com algum tipo de contaminante biológico.

Figura 73: Indicação no canto superior direito da lareira com manchas causadas por microorganismos na imagem à esquerda. Indicação à direita das manchas de permeabilidade das telhas com necessidade de manutenção, uma das causas das problemáticas da umidade descendente. Foto: Silvana Borges, 2014.

Com o restauro de 2.005 esse material foi exposto e “oxigenado” fazendo com que se proliferasse. Mesmo diante desta suspeita foram explorados os pontos da fundação onde não se determinou uma umidade ascendente que fosse a causa do problema, aumentando os argumentos favoráveis ao contaminante biológico. E ainda não satisfeito, o Sr. Alberto colocou próximo a esse local um desumidificador, tentando conter a mancha para que não atingisse a área com as pinturas, Figura 74. Se a umidade e oxigenação estão entre as causas detectadas na análise para o surgimento do fungo, cessando as causas, eliminam-se essas patologias, Figura 75.

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Figura 74: Indicação da área na parede do afresco no Restaurante Pennacchi com manchas causadas por microrganismos, acima a seta indica a localização do desumidificador instalado. Foto: Silvana Borges, 2014.

O aconselhamento do restaurador Júlio Moraes, na época da restauração a gerência do hotel, para melhor preservação dos afrescos foi de se abrir as janelas ao dia e fechar a noite promovendo uma ventilação do ambiente. O Sr. Alberto declarou que nem sempre isso é possível devido ao fluxo de hóspedes e a temperatura exterior.

A Figura 75: Parede do afresco com as manchas causadas pelos microorganismos. À direita, face exterior do local com a seta indicando a localização perpendicular da parede interna com uma caixa de inspeção de águas pluviais no mesmo alinhamento (A). Fotos: Silvana Borges, 2014

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Outra preocupação do Sr. Alberto quanto à conservação das pinturas é a escolha do tipo de iluminação mais adequado, atualmente os afrescos recebem luz indireta, sem que o facho luminoso esteja direcionado diretamente à superfície da pintura, Figura 76.

Figura 76: Spot de luz direcionado para o teto em sistema de iluminação indireta. Foto: Silvana Borges, 2014

A administração do hotel não permite qualquer ação de limpeza sobre as paredes com os afrescos, nem a mais simples remoção de pó, ciente que os afrescos não possuem uma superfície lisa e, portanto, uma ação mecânica incorreta de limpeza promoveria a abrasão da superfície, danificando as pinturas. O conjunto de afrescos está localizado nos ambientes de uso comum a disposição dos hospedes para realizar as suas refeições, sendo interligados pelo Salão da Lareira: o Bar Vindima e o Restaurante Pennacchi dividido em dois ambientes: área de café da manhã e área de almoço e jantar, Figura 77.

Figura 77: Salão da Lareira com os acessos aos dois salões do Restaurante Pennacchi. Foto: Silvana Borges, 2014.

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Sobre os afrescos serem a atração do hotel, o Sr. Alberto estima que das 20 pessoas que demonstram curiosidade sobre as obras, 18 delas não fazem a mínima ideia do que é um afresco e do diferencial da sua execução, a pintura sem o uso de tinta, utilizando o pigmento puro sobre a massa fresca ao qual adere por uma reação química. Ficou como sugestão a criação de um folheto que fizesse esse papel informativo, uma vez que a educação patrimonial é uma das contribuições mais eficientes para a preservação dos bens culturais. As interferências causadas pelo não planejamento das instalações elétricas também estão presentes no Toriba, Figura 78, o problema dessas instalações não está somente em sua localização, mas nas degradações a serem provocadas por manutenções futuras se o profissional não for corretamente orientado.

Figura 78: exemplos das interferências causadas por instalações elétricas na superfície dos afrescos. Foto: Silvana Borges, 2014

Os elementos decorativos observados no local: cortinas, piano, e iluminação do tipo abajur com pedestal, dispostos diante dos afrescos criam um obstáculo visual que interfere na leitura das imagens que compõem as pinturas, Figura 79.

Figura 79: Interferência causada por objetos diante das pinturas, prejudicando a sua leitura. Foto: Silvana Borges, 2014.

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O hotel não tem elevadores, e para a questão de acessibilidade, os hóspedes com necessidades especiais dispõem de chalés ao longo de alamedas no entorno do hotel. O Toriba foi o primeiro hotel construído em Campos do Jordão e por estar afastado do centro comercial, tem uma concepção arquitetônica diferenciada, tirando partido da tipologia do local. Seus hóspedes buscam outro tipo de atrativo, oferecido pelos serviços do hotel, muito diferente da exploração turística no centro da cidade que de certo modo depõe contra a arquitetura de seus edifícios, procurando imitar estilos, sem autenticidade, numa reprodução falsa de outras edificações em localidades europeias. O “Salão Lareira” serve de interligação aos outros espaços de uso comum dos hóspedes onde estão os afrescos. Figuras 80 e 81.

Figura 80: Afrescos do Salão Lareira. Fotos: Silvana Borges, 2014.

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Figura 81: Afrescos do Salão Lareira. Fotos: Silvana Borges, 2014.

A temática dos afrescos abordam no Salão Lareira as canções populares da autoria de Angelino de Oliveira e Luiz Peixoto, alguns trechos das músicas foram inscritos por Pennacchi no rodapé de cada pintura, ao todo são nove murais que preenchem todas as paredes do salão. No espaços destinados às refeições a temática brasileira nas pinturas se mescla às origens de Pennacchi, impressa em trechos das musicas que a Sra. Elisa Villares Lenz César escolheu para inspiração do artista: Tristeza do Jeca e A Casinha da Colina (PENNACCHI, 2009). Outras referências presentes são as missões dos bandeirantes, a vindima e o churrasco gaúcho, aos quais Pennacchi faz acréscimos da iconografia toscana característica da sua obra. O bar do hotel é denominado “Bar Vindima” conforme a temática do afresco que ocupa sua parede lateral, retratando um grupo de

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pessoas, bebendo, cantando e dançando ao lado de uma videira, fazendo alusão à temática do vinho, Figura 82.

Figura 82: Afresco do “Bar Vindima”. Foto: Silvana Borges, 2014

Os dois grandes salões que compõem o “Restaurante Pennacchi” são contínuos ao “Salão Lareira” e interligados por portas em arco de folhas duplas. O primeiro espaço é utilizado para os serviços de café da manhã e chá da tarde, com dois afrescos de temática das missões bandeiristas: uma pintura traz um personagem carregando a bandeira à frente de uma comitiva com figuras indígenas fazendo o papel de carregadores, e a outra representa o desbravamento do território pelas vias fluviais. O curioso em ambos os afrescos é a representação da família pela figura feminina retratada carregando uma criança no colo, Figura 83.

Figura 83: Restaurante Pennacchi, afrescos do salão de café da manhã e chá. Fotos: Silvana Borges, 2014.

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O segundo salão é o espaço principal do “Restaurante Pennacchi”, onde se realiza o serviço de almoço e jantar, com dois afrescos dominando o ambiente, sendo que um deles está na parede de maior extensão do conjunto. A temática nesse espaço é o churrasco gaúcho, com a fogueira e os personagens masculinos trajando a vestimenta característica das comunidades do sul do Brasil, Figura 84.

Figura 84: Restaurante Pennacchi, afrescos do salão de almoço e jantar. Fotos: Silvana Borges, 2014.

Nesse último local foi possível realizar a observação da superfície com luz ultravioleta e fazer o registro fotográfico das patologias que evidenciam as degradações que as pinturas estão sujeitas a sofrer em função do uso do espaço. Pela fluorescência UV detectou-se, mesmo que mínimos, alguns respingos de substâncias na altura dos afrescos mais próximos às áreas das mesas de refeição, Figuras 85 e 86.

Figura 85: áreas com respingos de material orgânico próximo a região das mesas do restaurante, também visível na luz natural. Foto: Silvana Borges, 2014

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Figura 86: respingo de material sobre a pintura, não visível a olho nu. Foto: Silvana Borges, 2014.

Já no caso do salão do Restaurante Pennacchi, onde se realiza o serviço de café e chá, a problemática de respingos de substância estranha sobre as pinturas é visível a olho nu. Observou-se que o teto do salão foi recentemente pintado de branco, o que corresponde à evidência de que o problema identificado sobre os afrescos é consequência dos respingos de tinta branca da execução da repintura do teto, sem proteção prévia das paredes com os afrescos, Figuras 87 e 88

Figura 807: Detalhes dos afrescos do salão de café e chá, com indicação dos respingos de tinta branca. Foto: Silvana Borges, 2014

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Figura 81: Detalhe do afresco do salão de café e chá, com indicação dos respingos de tinta branca. Foto: Silvana Borges, 2014

Os danos observados nos afrescos, de forma geral são mínimos e pontuais. Medidas simples de proteção das paredes quando da repintura do espaço, e uma remodelação da disposição das mesas evitando que respingos acidentais de alimentos alcancem as paredes minimizariam a incidência dessas patologias e prolongariam o intervalo entre ações de limpeza por um profissional conservador-restaurador para a preservação desse importante conjunto de pinturas. Salienta-se ainda a importância de se observar soluções mais planejadas levando em conta a conservação dessas pinturas quando do planejamento futuro de instalações elétricas, hidráulicas e de proteção de incêndio para as necessárias adequações desses espaços às exigências dos hóspedes e à legislação vigente. O restauro finalizado em 2.005 reintegrou a leitura das figuras e reavivou as cores pela limpeza da superfície dos afrescos, por esse motivo foi o local escolhido para a realização da leitura de colorimetria. Este é atualmente o maior conjunto em extensão de pinturas em afresco de Pennacchi melhor conservados.

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7.4 Capela do Hospital das Clinicas O ICHC (Instituto Central do Hospital das Clínicas), Figura 89, está localizado na Avenida Dr. Enéas Carvalho Aguiar, 255 no bairro de Cerqueira César, São Paulo; é uma autarquia do governo do estado de São Paulo. Foi inaugurado em 1.944, anos após a cerimônia de lançamento de sua pedra fundamental em 10 de outubro de 1.938 por Adhemar de Barros, nomeado no mesmo ano interventor federal no estado de São Paulo por Getúlio Vargas. A capela que está situada no 11° andar do Instituto Central, prevista no primeiro projeto da construção do Hospital das Clínicas, foi inaugurada em 15 de maio de 1.945 e instituída pela Lei 2.065 de 24 de dezembro de 1.952, que dispunha sobre a criação de dois cargos de capelão. As missas são celebradas às terçasfeiras (18h30), às quintas-feiras (12h) e aos domingos (10h) 94.

Figura 89: Entrada do ICHC onde está localizada a Capela. Fonte: WIKIPEDIA

Pennacchi foi contratado em 1.946 para decoração das paredes da capela do Hospital das Clínicas e executou os afrescos da “Ceia de Emaús” e da “Anunciação de Nossa Senhora”, além da representação do “Divino Espírito Santo” com 13 raios folheados em ouro. O conjunto mural é protegido, tombado pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Processo 9079/69) e pelo CONPRESP – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Processo 16-001.857-91*00). A Capela do Hospital das Clínicas possui, além dos 94

Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/historiahc/capela.htm

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afrescos de Fúlvio Pennacchi, esculturas de Victor Brecheret e vitrais baseados em desenhos de Di Cavalcanti, tombados pelo Condephaat, pelo Decreto 13.426 de 16 de março de 1.979. O tombamento do acervo da capela do Hospital das Clínicas incidiu sobre as obras de conceituados artistas: Fúlvio Pennacchi, autor de dois afrescos executados na parede que se encontra atrás do altar; Victor Brecheret, que esculpiu a estátua em bronze do Cristo Crucificado, a estátua de São Paulo e o conjunto de 14 grupos escultóricos da via sacra, executados em terracota; além de quinze vitrais com motivos florais e figuras inspiradas em desenhos de Di Cavalcanti. 95 DEL LAMA (2007) e equipe realizaram o estudo de eflorescências dos afrescos de Pennacchi no Hospital das Clinicas em São Paulo, e nas fotos de sua pesquisa, são identificados os locais onde a deterioração foi detectada. Na foto em detalhe, Figura 90, a pesquisadora descreve que a eflorescência se dá sobre a superfície da parte pintada no afresco e na parede; suas análises apontaram “que os sais presentes nas obras investigadas são oriundos da argamassa de assentamento da alvenaria de tijolos e o caminho para a migração destes sais solúveis seriam as trincas presentes na parede externa à capela”.96

Figura 90: Afresco “Anunciação de Nossa Senhora”, com indicação das patologias

no detalhe à direita. Fonte: DEL LAMA (2007)

No afresco Ceia de Emaús, DEL LAMA (2007) notou já um avançado estado de deterioração, mais visível na foto em detalhe, Figura 91. Neste caso a eflorescência concentra-se entre o estrato pictórico e a camada subjacente, onde também descreve que há “nos afrescos porções restauradas e/ou repintadas, sem muita integração com a pintura original [...] nas partes pigmentadas em preto e marrom. Nestas, observa-se 95

Fonte: Secretaria da Cultura do Estado de SP Publicação revista Arqueometria, MARÇO-2006. Disponível em: http://www.restaurabr.org/arc/arc01pdf/032_ElianeAparecidaDelLama.pdf 96

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biodeterioração, que pode ser relacionada a materiais utilizados em antigos restauros, incompatíveis com a obra original.”

Figura 91: Afresco “Ceia em Emaus” com as eflorescências salinas visíveis no detalhe à direita. Fonte: DEL LAMA, 2007

A Capela do Hospital das Clínicas foi recém-restaurada pela empresa de Engenharia, Construção Civil e Reforma SPPO97 (Sociedade Paulista de Projetos e Obras Ltda.), Figura 92. Ao custo de R$ 554 mil, os reparos incluíram tratamento acústico e iluminação especial para as peças98.

Figura 92: Foto da capela após a última restauração. Fonte: http://www.sppo.com.br

Nota-se na imagem que a cor das paredes difere da pintura anterior de 1.988, descrita por DEL LAMA (2007) que apresentava a cor salmão, a mesma de quando os afrescos foram restaurados em 1.992, mas não há registros da intervenção anterior que possa esclarecer porque as paredes de afresco no contorno das figuras estão pintadas. 97 98

Disponível em : http://www.sppo.com.br/ Fonte: Veja SP 29.11.2013. Disponível em: http://vejasp.abril.com.br/materia/reforma-na-capela-hc

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7.5 Capela da Vila São Francisco A Capela da Vila São Francisco, Figura 93, está localizada na Avenida Doutor Cândido Motta Filho, 757. Foi construída em 1.973 na Cidade São Francisco ou Vila São Francisco, bairro situado no sudoeste da capital paulista, que era parte da Fazenda São Francisco do conde Luís Eduardo Matarazzo, que posteriormente foi loteada em 1.955, tais áreas atualmente fazem parte dos municípios de Osasco e São Paulo (PONCIANO, 2004).

Figura 93: Capela da Vila São Francisco. Foto: Silvana Borges, 2014.

Ocorre que os autores PENNACHI (1989), ZIMMERMANN (1993), ARAUJO (2006, p.135), PENNACCHI (2002, p. 66), PENNACCHI (2009, p.255) mencionam nas referidas publicações na cronologia das obras em afresco executadas por Fúlvio Pennacchi, que em 1.948 o artista decorou com afrescos a Capela da Vila São Francisco em Osasco, São Paulo99. Em visita ao local não se encontraram os afrescos de Pennacchi, as pinturas existentes atualmente são de autoria de Tulio Costa, Figura 94.

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A emancipação do município de Osasco ocorreu apenas em 1963

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Figura 94: Pintura da parede do altar assinada por Túlio Costa em 1975. Foto: Silvana Borges, 2014

PONCIANO (2004) relata que após o falecimento do conde Luís Eduardo Matarazzo, sua filha Graziela assumiu o controle das empresas e entregou a pequena igreja em 1.973, Figura 95, e que esta recebeu afrescos e pinturas que conforme datação do artista Túlio Costa na assinatura da obra existente no local, estas foram executadas em 1.975, Figura 96. Existe uma diferença de dois anos da datação de inauguração e doação da capela e da execução da pintura do altar (as pinturas laterais não possuem data). Por o afresco ter uma característica muito particular de não ser uma película de tinta sobre a parede e sim parte integrante do reboco, percebe-se em especial no caso das pinturas laterais, Figura 97, que não se tratam de afresco. No caso da pintura do altar há partes em que se nota um mezzo fresco, mas constatar se verdadeiramente existe sob as pinturas atuais alguma obra de Pennacchi, conforme relatam as bibliografias consultadas sobre a obra do artista, necessitaria de exames mais específicos como Raios-X e infravermelho, o que não foi possível de se realizar nesta pesquisa.

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Figura 95: placa de inauguração da capela em 1973. Foto: Silvana Borges, 2014

Figura 96: Assinatura de Túlio Costa na parede do altar datada no ano de 1975. Foto: Silvana Borges

Figura 97: As pinturas nas paredes laterais são em outra técnica de pintura que diverge do afresco. Foto: Silvana Borges, 2014.

Quanto à questão da preservação da capela, verificou-se a degradação das pinturas existentes pela patologia mais comum presente nos casos de pinturas parietais investigados: a ação de infiltrações nas paredes pela umidade exterior, ascendente ou descendente, provocando um estado de desprendimento da camada pictórica, chegando

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a perdas do substrato da própria parede e consequentemente a deterioração das pinturas com o aspecto pulverulento da superfície característico desse tipo de patologia. A ocorrência de infiltrações na capela está presente em vários pontos das paredes internas, mas observou-se um avançado estado de perda mais crítica da camada pictórica nas pinturas localizadas na parede do altar, causado pela ação da umidade ascendente visível ao nível do piso que já atinge as pinturas, Figura 98.

Figura 82: indicação da principal causa da perda do substrato da pintura é percebida pelo efeito da umidade ascendente ao longo do piso das paredes do altar, provocando a desagregação e desprendimento de material do reboco da parede e perda da camada pictórica. Foto: Silvana Borges, 2014.

Não há registros em livro tombo na capela para consulta da sua construção ou reforma, nem outro tipo de bibliografia encontrada que esclareça a divergência de informações quanto à presença dos afrescos de autoria de Pennacchi100. A pesquisa não pretende contestar a autoria das pinturas existentes, mas essa questão evidencia a importância da documentação iconográfica de sítios históricos e do levantamento cadastral dos bens culturais como forma de se manter um registro da edificação quanto à sua construção bem como a ocorrência de intervenções posteriores de forma que o profissional conservador-restaurador tenha dados para fundamentar as ações pela preservação do patrimônio. 100

Na visita ao local em 29/06/2014 a Sra. Aurora que administra o local, informou que não há registros ou documentos sobre a capela disponíveis para consulta.

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7.6 Residência Pennacchi A primeira residência para a família projetada e construída foi em Santo Amaro a beira da represa. A segunda residência, Figura 99, na Rua Espanha, no Jardim Europa em São Paulo, é também projetada pelo artista, Figura 100. Foi construída em 1.947 onde o Conde Atílio Matarazzo criava seus cavalos.

Figura 99: Vista da fachada principal da residência Pennacchi na Rua Espanha. Foto: Silvana Borges, 2014

“A princípio, o projeto da residência, iniciado no final da década de 1940 (1948, mais precisamente), estende-se por décadas, até o final da vida do artista, dentro de um importante entrecruzamento de influxos italianos e locais. Tendo em mente as grandes casas senhoriais de sua Toscana original e também os grandes solares do Brasil colônia, a residência espalha-se generosamente pelo terreno de esquina, incorporando à sua estrutura um pátio interno que não deixa de recender aos velhos pátios coloniais latino-americanos, quer pela vegetação local luxuriante, quer por pássaros nativos que ali habitam ou então o visitam em busca de alimento e água.” (ARAUJO, 2006, p.31)

Pennacchi não era arquiteto por formação, mas pensava e concebia os espaços para seus afrescos como um todo, Figuras 101 e 102, no “difícil caminho de combinar a arquitetura e a pintura mural, o fez com a intenção de harmonizar o projeto arquitetônico, utilizando para tal os elementos essenciais da identidade arquitetural italiana, vale dizer, arcos e colunas, àquele da decoração”. (PENNACCHI, 2009, p.138) 99

Figura 100: Desenho de Fúlvio Pennacchi para o projeto da residência. Fonte: PENNACCHI, 2002

Figura 101: (à esquerda) Estudo de Pennacchi para os afrescos da sala da residência. Fonte: PENNACHI, 2002. Figura 102: (à direita). Sala de estar na residência com os afrescos do estudo. Foto: Silvana Borges, 2014.

Em visita a residência com o filho do artista, Sr. Lucas Pennacchi 101 observa-se claramente como cada detalhe da casa foi executado com planejamento pelo artista, desde o desenho dos volumes arquitetônicos, os detalhes das passagens em arcos que são constantemente reproduzidos nas cenas toscanas de seus afrescos. A casa tem formas simples, sem ornatos ou materiais ostensivos. Há uma sobriedade numa arquitetura de influência românica, cuja rusticidade é quebrada pelo colorido dos afrescos, painéis de azulejos pintados, painéis em cerâmica, e motivos florais sobre as bandeiras das portas. A casa tem uma identidade familiar em cada nicho, móvel ou objeto de decoração cuidadosamente estudados e executados pelo artista, Figura 103.

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A visita e entrevista foram realizadas no dia 15 de Julho de 2.014

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Figura 103: Pennacchi pintando um afresco com a esposa na residência em 1947. Fonte: PENNACCHI, 2002.

A casa detém a maior produção de cerâmica, azulejo, pintura, afresco, estudos e desenhos do artista. A argamassa que reveste as paredes externas é uma mistura com adição de sílica deixada pelo artista para ser reproduzida quando for necessária a sua manutenção, a parte interior é a mesma argamassa, mas sem cor, Figura 104, não há pintura das paredes. Lucas Pennacchi teme pelo destino da casa e seu acervo no futuro. Seu desejo é que o local seja utilizado para preservação da memória e trabalhos realizados pelo pai.

Figura 104: Pátio interno da residência com a mesma argamassa de revestimento interior, sem a pigmentação vermelha característica das paredes das fachadas externas. Foto: Silvana Borges, 2014.

A influência toscana dos arcos, e a curiosa reprodução da “chave”, também nas janelas quadradas, Figura 105. É a manutenção estética da “pedra angular”, que é a 101

aduela central de um arco ou de uma abóbada, normalmente de maiores dimensões que as restantes aduelas, que em algumas arquiteturas é frequentemente decorada, não por razões funcionais mas estéticas.

Figura 835: Detalhe da “chave” ou “pedra angular” usada como ornato das aberturas. Foto: Silvana Borges, 2014.

A pavimentação externa é planejada com cerâmica, seixos rolados e pedra, e no telhado, a projeção de grandes beiras circundam toda a construção, Figura 106.

Figura 106: Detalhe do acabamento dos pisos externos e avanço dos beirais da cobertura. Foto: Silvana Borges, 2014

A construção é predominantemente térrea com exceção da elevação da torre que se destaca marcando a volumetria da fachada, Figura 107.

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Figura 847: A torre se destaca harmoniosamente na volumetria da arquitetura. Foto: Silvana Borges, 2014

Os arcos continuam nas passagens pelo interior da casa. Há doze ornamentos para decorar as bandeiras semicirculares dando o acabamento em arco das portas internas, quando estas não seguem esse formato em suas folhas, Figura 108.

Figura 108: Detalhe dos arcos nas aberturas interiores. Foto: Silvana Borges, 2014

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Foi realizado o levantamento cadastral dos afrescos observados, que são listados a seguir em ordem cronológica com descrição do estado de conservação atual. Pennacchi inicia a decoração parietal de sua residência em 1.948 executando os afrescos: Cena toscana I, Figura 109, e Cena Toscana II, Figura 110; a medida total do conjunto é de 180x400cm.

Figura 109: Cena Toscana I Foto: Silvana Borges,2014

Figura 8510: Cena Toscana II Foto: Silvana Borges,2014

Cena Toscana I: A pintura é executada em um nicho com leve recuo do nível da parede à frente, com acabamento no alto em arco. O artista cria uma ilusão de continuidade do espaço com perspectiva da parede, colunatas, e piso conduzindo para uma cena exterior de paisagem toscana com 3 personagens em primeiro plano e um jarro como elemento de destaque no chão. O desenho é feito com uma leve incisão na própria argamassa que também não é uniformemente lisa. O artista tira partido das texturas de sua superfície de granulometria irregular nos efeitos pictóricos. Estado de conservação: superfície íntegra, suporte estável sem perdas, algumas fissuras visíveis nos intervalos das jornadas. Cena Toscana II: Aqui o artista cria uma ilusão de continuidade do espaço com perspectiva da parede a direita, colunata e projeção do vigamento de um alpendre que conduz para uma cena exterior de paisagem toscana com 5 personagens em primeiro

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plano: homem, mulher, duas crianças e um cachorro. Com exceção do verde e azul, as tonalidades vão do branco ao terra avermelhado. Estado de conservação: superfície íntegra, suporte estável sem perdas, escorrimento de uma infiltração que ocorreu na parede ainda visível no quadrante superior esquerdo, a pintura da face do homem perdeu a nitidez, onde foi realizada uma intervenção restaurativa de limpeza, mas não foi executada nenhuma intervenção pictórica. Realizou-se o comparativo da situação atual com os detalhes do desenho esmaecidos da face da figura masculina, com o registro iconográfico anterior obtido de uma publicação (PENNACCHI, 2002), Figura 111. O Sr. Lucas Pennacchi mencionou que a parede sofreu em época anterior uma infiltração pela cobertura escorrendo pela parede do afresco nessa região.

Figura 8611: à esquerda a foto do estado atual (Silvana Borges, 2014), à direita fotografia de publicação (PENNACCHI, 2002).

No mesmo ano executou o afresco “Família Toscana”, Figura 112, medindo 180x150cm. O afresco está inserido em uma espécie de moldura criada com duas colunatas e um degrau abaixo, como um portal de acesso a uma cena exterior a sala, o que se evidencia pela pilastra de tijolos aparentes à esquerda (os tijolos têm sua junta desenhada em sulcos na argamassa do afresco). Na arquitetura de suas pinturas o artista repete o elemento em arco e os barrotes aparentes no teto. A cena possui dois elementos de destaque: o sobrado e uma árvore, compondo a cena seis personagens e um cão. O trabalho pictórico e de textura é muito evidente na folhagem da árvore e decoração das vestimentas, com sulcos nos drapeados do vestido e no colete da figura masculina.

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Figura 8712: Família Toscana. Foto: Silvana Borges, 2014.

Estado de conservação: superfície íntegra, suporte estável sem perdas, fissura profunda na figura da menina, Figura 113, a rugosidade mais acentuada percebida nas fotos em detalhe, da qual o artista tirava partido, favorece a impregnação de sujidades. Há pontos mínimos observados de perda pictórica.

Figura 113: à esquerda, indicação do local com fissura, à direita, a variação de texturas na superfície da pintura. Fotos: Silvana Borges, 2014

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Na década de 1.950 Pennacchi executou os “doze ornamentos” para decorar as bandeiras semicirculares sobre algumas portas na área social da residência e em 1.951 executa no pátio interno o afresco “Festa Junina”, medindo 140x140 cm, Figura 114.

Figura 8814: Festa Junina. Foto: Silvana Borges, 2014.

O afresco está inserido em uma espécie de friso de argamassa. A cena possui como elemento de destaque central o balão, circundado por várias figuras masculinas, femininas e crianças. Presença dominante dos tons terrosos característicos da paleta cromática do artista, com acréscimo de algumas tonalidades azuis e verdes. Estado de conservação: superfície íntegra, suporte estável com perdas pontuais no quadrante inferior esquerdo, nota-se um desbotamento de cores mais acentuado na lateral esquerda, e um escorrimento na faixa inferior do afresco, sujidades e pontos de perda pictórica. Esse afresco está localizado no pátio interno da casa, em uma área coberta, aberta sofrendo maior incidência de sol e chuva pela lateral esquerda da pintura onde se nota uma maior alteração cromática e perda pontual da camada pictórica, Figura 115.

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Figura 8915: Detalhe do canto inferior esquerdo do afresco com escorrimentos e perdas pontuais. Foto: Silvana Borges, 2014.

Em 1.951 executou o afresco “Paisagem toscana”, Figura 116, medindo 130x230 cm. Os elementos compositivos, colunatas, friso inferior e arcos da alvenaria, enfatizam o efeito de continuidade do espaço da sala para o um espaço externo ao da residência, a pintura tem o efeito de uma janela para o observador contemplar as cenas toscanas em uma paisagem exterior ao ambiente da sala de jantar.

Figura 9016: Paisagem toscana. Foto: Silvana Borges, 2014

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Estado de conservação: superfície íntegra, cores nítidas, suporte estável e sem perdas. Em 1.960 executou em uma parede exterior, o afresco com a temática de “São Francisco”, Figura 117, medindo; 260x120 cm.

Figura 117: São Francisco. Foto: Silvana Borges, 2014

O afresco está inserido em uma espécie de rebaixo da parede com certa de 10cm, com uma diferença de nível do piso do pátio interno. As duas figuras principais: São Francisco e um frei da sua ordem, o afresco retrata a cena em que o santo falou aos pássaros, compõe a obra as duas figuras, uma árvore à esquerda, e paisagem ao fundo, ao chão ainda se distingue os pássaros, que tem um relevo peculiar na argamassa. Estado de conservação: o afresco encontra-se em péssimo estado, superfície degradada, com sujidades, desbotamento das cores, uma impregnação escura na faixa inferior da obra, e formação de sais em decorrência da umidade. O Sr. Lucas Pennacchi informou que um restaurador passou um impermeabilizante no local, mas que o efeito 109

foi de aderir mais sujidade e piorar o estado de conservação, e que este ainda teria acrescentado elementos pictóricos que não existiam no original; ao mesmo tempo em que se preocupa com a conservação, teme pelas intervenções sem critério com acréscimos de materiais incompatíveis às pinturas. Localizado em uma parede do pátio interno da residência protegido da chuva e incidência do sol apenas pelo beiral do telhado e um mínimo desnível de piso, o afresco está mais sujeito às intempéries e com uma maior degradação superficial da faixa inferior, e o fenômeno característico das eflorescências salinas em decorrência da umidade presente. Foi possível a observação da evolução do estado da degradação cromática e formação das eflorescências salinas que prejudicam a nitidez da pintura atualmente, realizando um comparativo, Figura 118, a um registro iconográfico anterior.

Figura 918: à esquerda percebe-se o nível de perda cromática comparando a foto atual (Silvana Borges, 2014); à direita o registro iconográfico de uma publicação anterior (Fonte: PENNACCHI, 2002)

Em 1.963 realiza a pintura do afresco “Casa toscanas”, Figura 119; 260x90 cm. Esse afresco foi executado na parede de final de um corredor interno da residência, mais uma vez o artista utiliza a ilusão da perspectiva, sugerindo a continuidade do espaço na pintura. Estado de conservação: encontra-se em ótimo estado de conservação, exceto pelo desgaste e abrasão ao nível próximo do piso com perda da camada pictórica.

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Figura 929: Casas Toscanas. Foto: Silvana Borges, 2014.

No mesmo ano pinta o afresco “Aldeia do interior e a cidade”, Figura 120; medindo 200x150cm. É o último afresco de grandes dimensões realizado pelo artista, a sua característica peculiar é o formato irregular do contorno da pintura. Estado de conservação: a pintura está em excelente estado de conservação, com a intensidade das cores preservadas.

Figura 9320: Aldeia do interior e a cidade. Foto: Silvana Borges, 2014.

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“Se a Igreja Nossa Senhora da Paz pode ser considerada a grande despedida pública de Fúlvio Pennacchi a toda sua bagagem italiana, a residência que projetou para sua família na esquina entre as ruas Espanha e Alemanha, no Jardim Europa, em São Paulo, deve ser entendida como o seu esforço maior no sentido de reordenar toda a sua bagagem italiana, moldando-a e adaptando-a à nova cultura que abraçava como artista e como indivíduo.” (ARAUJO, 2006, P.31).

Em virtude do centenário de seu nascimento (1.905 – 1.992), a família de Fúlvio Pennacchi fez uma ampla pesquisa a fim de reunir a maior parte da obra deste grande artista italiano radicado no Brasil, além dos afrescos a Residência da Rua Espanha reúne pinturas, esculturas, painéis cerâmicos e de azulejos pintados onde a marca da arte de Pennacchi se faz presente. O reconhecimento do valor cultural de todo conjunto arquitetônico da residência da Rua Espanha e o testemunho do acervo artístico que abriga, é o primeiro passo para justificar a sua preservação e a conservação desse importante patrimônio.

112

8. Considerações Finais O legado artístico de Fúlvio Pennacchi não é um produto isolado, a concepção da sua obra abrangeu o diálogo de sua formação acadêmica com as influências de uma nova cultura integrada esteticamente à sua produção artística. “A experiência artística de Fúlvio Pennacchi no Brasil resgata como poucas os processos de adequação problemática de um artista que, a partir de uma aprendizagem erudita e dentro dos padrões consagrados pela tradição de seu país de origem, vê-se imerso, de repente, não apenas em um novo país, numa outra cultura, mas, igualmente, num momento em que aos poucos vão chegando novas concepções artísticas e estéticas – muitas excludentes entre si – sobre as quais ele, obrigatoriamente, vêse levado a enfrentar e a interagir.” (ARAUJO, 2006, p.32)

Da relação de obras catalogadas executadas em afresco por Fúlvio Pennacchi, aquelas que se encontram em bom estado de conservação são as do Hotel Toriba, que zela pela sua preservação, sendo recentemente restauradas pelo escritório de Júlio Moraes. Na Igreja do Glicério, uma de suas mais importantes obras, as pinturas precisam de uma ação de conservação imediata, sendo o maior obstáculo nesse caso o custo do projeto de restauro. Apenas os afrescos existentes na capela do Hospital das Clínicas de São Paulo são tombados pelos órgãos de proteção. Não foram encontrados inventários específicos junto aos órgãos de preservação referente à arte mural. A ausência de tombamento da maioria das obras denuncia que não há oficialmente um levantamento dos órgãos de proteção no Brasil que trate da pintura mural, o que seria de grande importância para a sua divulgação, estudo e preservação. Um inventário, com a documentação e registro dessas obras, seria de grande valia para monitoramento, fiscalização, agindo como um importante instrumento da conservação desse patrimônio. “Tudo o que a arte criou é produto precioso e constitui o patrimônio do desenvolvimento espiritual da humanidade, cuja preservação é de interesse para a sociedade em geral e coloca a todos – comunidades e povos, Igreja e Estado, determinadas obrigações [...] A preservação de monumentos é uma das

113

obrigações

das

comunidades

e

das

nações”

(Dvorák,2008,p.101)

Diante do legado deixado por Pennacchi, é inegável a importância do conjunto de sua obra, tanto pela diversidade de expressões a que se dedicou de forma a integralas no espaço arquitetônico, quer seja a escultura, painéis de azulejo ou cerâmicas, e os seus afrescos, cuja dedicação em experimentos revelou uma obra de caráter único. Essa coleta de dados pode fundamentar ainda mais o reconhecimento do valor da obra desse artista como importante conjunto a ser preservado para as futuras gerações. O uso de uma edificação, aliado a fiscalização de sua manutenção, e a conservação de suas características originais, é a melhor ferramenta para a preservação do patrimônio arquitetônico e ao mesmo tempo da sua valorização pela sociedade. “A obra arquitetônica, por ser uma arte eminentemente utilitária, necessita ser continuadamente usada para sobreviver. As ruínas, em sua maioria, são testemunhos de edifícios que ficaram ociosos. A readaptação é uma das soluções para preservar a obra de arquitetura de valor cultural, mas ela deve atender à vocação específica da tipologia arquitetônica a que pertence o monumento”. (LYRA, 2005)

As igrejas são exemplares arquitetônicos que já trazem o conceito de monumento em sua concepção. Sua finalidade está impressa na tipologia do edifício com a presença de elementos artísticos integrados, como as pinturas que revestem as paredes e tetos. Apesar disso enfrentam a questão do alto custeio de conservação, quase sempre dependendo da arrecadação entre a própria comunidade. A igreja de Ribeirão Pires por exemplo, tem um projeto de reforma de 2.009 que deveria ser concluído em 2.011 e que até hoje não foi iniciado. Por outro lado, os edifícios concebidos sem intenções plásticas, ou seja, não nasceram monumentos e não possuem uma expressão artística significativa, foram definidos em sua tipologia segundo a utilidade do seu uso (a residência e o hotel) e seguiram estilos próprios de seu tempo. Algumas das residências, por imposição do modismo ou da especulação imobiliária, acabaram demolidas, apagando o testemunho de um modo de viver e de saber, valores que merecem ser resgatados e protegidos enquanto registro histórico de uma época.

114

O valor cultural dos edifícios, no caso desse estudo, não se resume apenas a sua tipologia, ou sua arquitetura, mas neles estarem inseridos obras de arte que estão agregadas a sua arquitetura, e dependem da preservação do edifício para sua sobrevivência. “Cada obra arquitetônica pertence, portanto, a uma determinada família em que cada membro tem traços comuns que identificam uma linha vocacional. Além disso, cada edificação tem uma história própria e uma relação específica com a comunidade a que pertence, fatores que devem condicionar a escolha de uma nova função.” (LYRA, 2006, p.57)

Durante a pesquisa ocorreram dois exemplos bem distintos de como o uso está atrelado à preservação do edifício e do patrimônio artístico nele inserido. E coincidentemente nos dois casos, há uma ligação de afeto entre os usuários: O Hotel Toriba e a Residência Pennacchi, provando o que alega FAGIN (2011) que não é preciso que o imóvel seja tombado para que seus proprietários decidam preservá-los e comunicar esse valor à sociedade. Já no caso da Igreja da Paz, uma das maiores obras de Pennacchi, o tombamento seria um dos mecanismos para estimular uma ação de conservação e restauro desse patrimônio, visto que em virtude de suas dimensões, necessitaria de um patrocinador que com auxílio dos mecanismos legais de incentivo a cultura, tornaria viável tal empreitada. Ressalta-se a importante contribuição de VIÑAS (2003) considerando que a ação de conservação e restauro não se caracteriza apenas pelas técnicas aplicadas ou instrumentos. O autor muda o foco das ações de restauração direcionadas para a materialidade dos objetos para o significado e função que esse mesmo objeto desempenha para uma comunidade. A obra não é mais restaurada levando em conta apenas o que ela contém de matéria, mas o que ela carrega de significado para um determinado grupo de pessoas que sentem a necessidade de sua preservação. “Devemos continuamente reconhecer que os objetos e lugares não são por si mesmos, o que é importante no patrimônio cultural; são importantes pelos significados e usos que as pessoas atribuem a esses bens materiais e os valores que eles

115

representam. (AVRAMIL et all, 2000 apud MUÑOZ VIÑAS, 2003, p.139).” (tradução nossa) 102

Na área da preservação há necessidade de reunir profissionais de variadas áreas e especificidades envolvidas diretamente nas intervenções necessárias a restauração e conservação do patrimônio, mas principalmente é preciso investir no treinamento e instrução do pessoal responsável por manter as práticas de manutenção do edifício, caso das instalações elétricas improvisadas, pois essas pessoas atuam diariamente na sua conservação. Não se pretende, contudo, ignorar o mérito e competência requerida pelo profissional conservador-restaurador, mas ações educativas visando criar uma maior participação das pessoas envolvidas na rotina diária do patrimônio despertando um interesse coletivo pelo bem cultural e pela sua preservação. O restauro do afresco, ainda necessita de mais estudos, sendo que ele não pode ser reposto ou refeito, o que traz os comentários de alguns autores que como CALDAS (2012), afirmam não serem obras passíveis de restauro. “O fato é que as intervenções devem, a priori, ser pautadas pelos princípios éticos da conservação e restauro, por profissionais habilitados e que se mantenham em constante aprofundamento teórico e aperfeiçoamento prático. Cada peça deve ser estudada e analisada individualmente quanto às suas necessidades de preservação, respeitando sempre a sua história – passada, presente e futura, sua estética, sua integridade física e, não menos importante, seus sujeitos, visto que as questões relativas à conservação-restauração não são simples nem tampouco passíveis de soluções generalistas, pois envolvem uma complexa rede de princípios, critérios, escolhas e saberes.” (CALDAS, 2012, p.23)

É preciso reavaliar os critérios e métodos utilizados de forma a adequar as ações de preservação à realidade testemunhada no uso dos espaços. Nem sempre opiniões e críticas são bem vindas. Mas nunca se falou tanto na conscientização da sociedade como atualmente, em todas as esferas, na preservação ambiental e na educação. A memória

102

Do original: “Debemos reconocer continuamente que los objetos y lugares no son, por sí mismos, lo que es importante en el patrimonio cultural; son importantes por los significados y usos que las personas atribuyen a estos bienes materiales y a los valores que representan”

116

passada e presente merece ser preservada, pois na sociedade atual a noção de bem cultural toma um âmbito muito mais amplo, onde tudo se faz patrimônio. A maioria das ações pela preservação foram promovidas pela família Pennacchi e por instituições que conhecem o valor cultural desse patrimônio e providenciam a sua correta conservação, como o recente restauro do Mural da Imprensa. Porém, isso não ocorreu em boa parte dos afrescos realizados em residências, onde 14 foram retirados de seu local de origem pelo engenheiro Paulo Sproviero na tentativa de salvaguardá-los da destruição eminente pela demolição das casas que os abrigavam. “sua obra, um legado às novas gerações, pulsa ainda à espera de novas análises que ajudarão a compreendê-la não apenas dentro do contexto mais restrito da arte do país, mas, igualmente, no cenário da história brasileira recente, cenário este que muitos imigrantes, como Pennacchi, ajudaram a construir.” (ARAUJO, 2006, p.33) O levantamento de dados e análise do material coletado pelo exame de cada obra, a pesquisa histórica, a observação da relevância do conjunto da obra e das edificações, forneceram os subsídios para avaliação dos trabalhos em afresco de Fúlvio Pennacchi no momento atual, atestando o seu o valor como patrimônio cultural a ser preservado e alertando para uma ação imediata de conservação, como o grande conjunto da Igreja Nossa Senhora da Paz. As ações de preservação do patrimônio cultural são necessárias e contínuas, e a valorização do bem cultural por aqueles que fazem utilização desses espaços é a forma mais viável da manutenção da memória e do legado artístico de Fúlvio Pennacchi, para que não desapareçam.

“na minha solidão, continuei a ser eu – continuei a pintar...” (Fúlvio Pennacchi) 117

9. Referências Bibliográficas: APPELBAUM, Barbara. Criteria for Treatment: reversibility. Volume 26, Number 2, Article 1 (pp. 65 to 73), Journal of American Institute for Conservation (JAIC), 1987. Disponível em: http://cool.conservation-us.org/jaic/articles/jaic26-02-001.html ARAUJO, Marcelo Mattos (org.). Pennacchi: 100 anos. SP: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2006 BARDI, Pietro Maria. Pennacchi. – Série Aristas do Brasil. São Paulo: Raízes Artes Gráficas, 1980. BASSANI, Jorge; ZORZETE, Francisco (org.). São Paulo: Cidade e Arquitetura – um guia. 1ª. Edição. São Paulo:Zorzete, 2014. BEZERRA, Ana Luísa Furquim. As cores das fachadas de edificações históricas pintadas a cal. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina, para a obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Florianópolis, UFSC, 2010. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. São Paulo, Ateliê Editorial, 2004. CALDAS, Wallace. Pinturas Murais: restauração e conservação. RJ: In-Fólio, 2008. CALDAS, K. V. ; SANTOS, V. C. B. ; SANTOS, C. A. A. Retratabilidade: renomeando e reconceituando um critério. Seminário de História da Arte, v. 2, p. 1-26, 2012. Universidade Federal de Pelotas, RS, 2012. CALVO, Ana. Técnicas e Conservação de Pintura. Portugal: Ed. Civilização, 2006. CAMPOS, Candido Malta; JUNIOR, José Geraldo Simões (org.). Palacete Santa Helena: um pioneiro da modernidade em São Paulo. São Paulo: SENAC, 2006. CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. 4.ed. São Paulo: Estação Liberdade: Unesp, 2006. DEL LAMA, Eliane A. ; KIHARA, Y. ; ANDRADE, F. R. D. ; TIRELLO, R. A. . Estudo de Eflorescências em Pinturas Murais de Fúlvio Pennacchi. Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação, v. 1, p. 92-95, 2007. FERNANDES, Fernanda. Arte e Arquitetura em São Paulo nos anos 50. V Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Campinas: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, PUC, p1-7, 1998. GALLO, Revista O Mensageiro da Paz, 1950, nº 135 GONÇALVES, Cristiane Souza. Restauração Arquitetônica – A experiência do SPHAN em São Paulo, 1937-1975. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2007.

118

HOVING, Thomas, MEISS, Millard e PROCACCI, Ugo. “The Great Age of Fresco: Giotto to Pontormo. An Exhibition of Mural Paintings and Monumental Drawings.” Metropolitan Museum of Art, New York, N.Y.1968. LOURENÇO, Maria Cecília França. Operários da modernidade. São Paulo: Hucitet, Edusp, 1995. LYRA, Cyro Corrêa. A importância do uso na preservação da obra de arquitetura. REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS EBA UFRJ –p.53-58, 2006. MASSEY, Robert. Formulas for painters. Watson-Guptill Publications, 1967. MAYER, Ralph. Manual do artista. São Paulo: Martins Fontes, 2006. MAZIERO, Joel (org.). Igreja Matriz São José Ribeirão Pires – 100 anos de Evangelização. São Paulo: Edições Loyola, 2012 MOTTA, Edson; SALGADO, Maria Luiza Guimarães. Iniciação à Pintura – Ed. Nova Fronteira, RJ, 1976. PENNACCHI, Lucas (org.). Ofício de Pennacchi. São Paulo: Gema Design Editora, 1989. PENNACCHI, Valério Antônio. Pennacchi: Pintura Mural. São Paulo: Metalivros, 2002. PENNACCHI, Valério Antônio. Fúlvio Pennacchi, seu tempo, seu percurso. São Paulo: Lazuli Editora, 2009 QUEDAS, A. R. Pennacchi, afresco e pioneirismo em São Paulo. Dissertação de Mestrado, IA-UNESP, 139p. 2004. RAMOS, Flávia Rudge. Fé e Modernidade: Arquitetura e Arte em Igreja Paulistana. 19&20,

Rio

de

Janeiro,

v.

III,

n.

4,

out.

2008.

Disponível

em:

. RIZZO, Márcia; APPOLONI, Carlos Roberto e PARREIRA, Paulo Sérgio. “Procedimento de restauro para remoção de sais insolúveis sobre pinturas murais na igreja da Paróquia Imaculada Conceição (São Paulo, SP) com acompanhamento por equipamento portátil de EDXRF”. Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação. Vol.1, No.5, pp. 246 – 251, 2007. SVEVO, Célia; NEDOPETALSKI, Sandra. O Toriba na cultura de Campos do Jordão. São Paulo: Metalivros, 2007. TIRAPELI, Percival; SILVA, Manoel Nunes da (fotografias). São Paulo: Artes e Etnias. SP: UNESP, 2007

119

TIRELLO, Regina A. (org.). O restauro de um mural moderno na USP: o afresco de Carlos Magano. SP: CPCPRCEU- USP, 2001 TIRELLO, Regina A. Afresco de Fúlvio Pennacchi na capela do Hospital das Clínicas da FMUSP: estudos científicos de caracterização material e executiva. R. CPC, São Paulo, v.1, n.1, p. 103-120, nov. 2005/ abr. 2006. TINOCO, Jorge Eduardo Lucena. Prospecções arquitetônicas e arqueológicas – orientações ao Gestor de Restauro. Olinda: Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada, 2007. VIÑAS, Salvador Muñoz. Teoría Contemporánea de la Restauración. 1.ed. Madrid: Sintesis. 2003. WILHELM, Vera Regina Barbuy. A arte mural e a prática da preservação. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. USP, 2011 ZIMMERMANN, Silvana Brunelli (org.). Os “reclames” de Fúlvio Pennacchi: primórdios da propaganda brasileira. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2005.

120

ANEXO I – Fichas de colorimetria

121

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.01

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Detalhe da cena do churrasco, com duas figuras de corpo ereto em duas ações, o personagem de chapéu toca gaita e o com lenço no pescoço bebe um chimarrão. As vestimentas fazem alusão aos trajes típicos do sul do Brasil, pequenos arbustos com flores na decoração ao nível do chão da composição. No canto inferior esquerdo está a assinatura de Fúlvio Pennacchi. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

01

121,110,114

0,000-0,0909-0,0579-0,525

02

65,66,50

0,0152-0,000-0,242-0,741

03

133,99,74

0,000-0,256-0,444-0,478

04

106,105,75

0,000-0,00943-0,292-0,584

05

117,86,57

0,000-0,265-0,513-0,541

122

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.02

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Detalhe da cena do churrasco com a fogueira assando um espeto de carne, no chão entre os arbustos de pequenas flores que decoram a composição estão uma garrafa de bebida e um copo. Os dois personagens usam chapéu e lenço adornando o pescoço, um está de joelhos fatiando a carne a ser servida para o personagem em pé, os pássaros voando contribuem com a ilusão de movimento da ação retratada. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

06

137,106,86

0,000-0,226-0,372-0,463

07

136,104,66

0,000-0,235-0,515-0,467

08

128,90,54

0,000-0,297-0,578-0,498

09

123,59,31

0,000-0,520-0,748-0,518

10

130,82,33

0,000-0,369-0,746-0,490

123

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.03

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Detalhe da pintura com personagem tocando viola, agregando o tema da música na composição, personagem ereto, com chapéu e esporas nas botas. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

11

132,86,34

0,000-0,348-0,742-0,482

12

112,62,30

0,000-0,446-0,732-0,561

13

152,102,66

0,000-0,329-0,566-0,404

14

108,97,53

0,000-0,102-0,509-0,576

15

72,52,53

0,000-0,278-0,264-0,718

124

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.04

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Detalhe da pintura mural com um personagem sentado bebendo chimarrão, usando chapéu, lenço no pescoço e vestimentas características do sul do Brasil. O nível do chão da cena é evidenciado pelos pequenos arbustos floridos que estão em toda composição. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

16

131,84,54

0,000-0,359-0,588-0,486

17

177,135,92

0,000-0,237-0,480-0,306

18

121,98,85

0,000-0,190-0,298-0,525

19

90,72,72

0,000-0,200-0,200-0,647

20

100,82,42

0,000-0,180-0,580-0,608

125

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.05

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Detalhe com dois personagens, o da esquerda gesticula, tem um copo na mão (a garrafa está no chão ao centro), aparecem a arma de fogo e a faca compondo o traje típico. O personagem da direita trás nas costas uma veste como se fosse uma capa ou o poncho característico dessas regiões mais ao sul do Brasil. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

21

110,84,62

0,000-0,236-0,436-0,569

22

135,80,45

0,000-0,407-0,667-0,471

23

115,57,20

0,000-0,504-0,826

24

162,111,58

0,000-0,315-0,642-0,365

25

91,71,57

0,000-0,220-0,374-0,643

126

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.06

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Duas figuras uma ereta e outra agachada, nessa composição o artista realça a padronagem dos tecidos das vestes dos personagens com quadriculados e listras, o ornamento na lapela, lenço e chapéu estão presentes, a figura agachada bebe chimarrão, os passáros compõem o espaço do firmamento decorado por uma estrela. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

26

140,62,19

0,000-0,557-0,864-0,451

27

75,46,22

0,000-0,387-0,707-0,706

28

138,104,84

0,000-0,246-0,391-0,459

29

132,68,40

0,000-0,485-0,697-0,482

30

149,89,26

0,000-0,403-0,826-0,416

127

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.07

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Detalhe do personagem próximo a fogueria com mais uma das padronagens quadriculadas nas calças, usa lenço e chapeú, e tem as esporas nas botas. Está em pé, proximo a fogueira e seu gesto evidencia a ação de se alimentar. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

31

121,109,59

0,000-0,0992-0,512-0,525

32

156,130,79

0,000-0,167-0,494-0,388

33

129,79,28

0,000-0,388-0,783-0,494

34

148,101,51

0,000-0,318-0,655-0,420

35

156,90,48

0,000-0,423-0,692-0,388

128

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.08

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Destalhe da fogueira, elemento central do afresco, fazendo alusão à temática da pintura, o churrasco gaúcho. A composição tem ainda ao fundo uma árvore com frutos e pássaros. A carne assando é acompanhada de um copo de vinho, com a garrafa ao nível do chão da pintura. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

36

163,118,73

0,000-0,276-0,552-0,361

37

110,75,41

0,000-0,318-0,627-0,569

38

134,76,41

0,000-0,433-0,694-0,475

39

144,100,75

0,000-0,306-0,479-0,435

40

127,102,61

0,000-0,197-0,520-0,502

129

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.09

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Detalhe de figura à direita da fogueira, com um copo na mão, apoiada em uma bengala, outro copo e garrafa estão ao pé desta, tem um lenço ao pescoço, uso do chapéu, e faca ao cinto, mas sem as esporas nas botas. A decoração do céu tem uma borboleta. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

41

150,119,88

0,000-0,207-0,413-0,412

42

125,117,77

0,000-0,064-0,384-0,510

43

185,147,96

0,000-0,205-0,481-0,275

44

167,111,60

0,000-0,335-0,641-0,345

45

180,128,80

0,000-0,289-0,556-0,294

130

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.10

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Detalhe do personagem infantil na composição do afresco, um menino com as vestimentas características dos adultos na pintura, a capa tipo poncho, o chapéu, as botas com esporas, e uma arma presa ao cinto. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005 e 2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

46

165,113,73

0,000-0,315-0,558-0,353

47

139,106,59

0,000-0,237-0,576-0,455

48

140,89,37

0,000-0,364-0,736-0,451

49

145,98,46

0,000-0,324-0,683-0,431

50

134,77,44

0,000-0,425-0,672-0,475

131

FICHA DE COLORIMETRIA Ambiente: Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba

No.11

Elemento: Pintura Mural

Data: 30/07/2014

Fotografia Silvana Borges - CANON EOS 100D

Tipo: Afresco

Descrição: Detalhe do último personagem a direita da composição, desta vez aparece o cachorro, outro personagem presente nas composições de Pennacchi em pintura mural. Esse detalhe é parte do grande mural executado na parede principal do Restaurante Pennacchi no Hotel Toriba em Campos do Jordão em 1943. Restaurado entre 2005-2006. Registro das cores principais revelando predominância de tonalidades terrosas, índices mínimos ou nulos da faixa CYAN na medição de colorimetria.

Quantidade de tonalidades medidas: 05 Tonalidade

Legenda

RGB

CMYK

51

147,126,76

0,000-0,143-0,483-0,424

52

192,153,91

0,000-0,203-0,526-0,247

53

153,100,60

0,000-0,346-0,608-0,400

54

153,91,51

0,000-0,405-0,667-0,400

55

153,122,86

0,000-0,203-0,438-0,400

132

ANEXO II – Fichas de mapeamento de danos

133

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA: Natividade do Senhor (detalhe). Igreja Nossa Senhora da Paz – São Paulo (SP) Técnica: Afresco

Autor: Fúlvio Pennacchi

Localização/Medida Altar – Mor / 2,80m de altura por 10m de comprimento Foto (Silvana Borges,2014)

Ano de execução: 1943 Ambiente: ( X ) interior (

) exterior

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: No canto inferior direito interferência causada por instalação de caixa de eletricidade com fissuras ao longo do afresco (foto em detalhe acima), existência de manchas generalizadas pela deposição de sujidades Não há aparentemente nenhum desprendimento do substrato da argamassa nesse trecho.

Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F - furos

134

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA: Altar-mor. Igreja Nossa Senhora da Paz – São Paulo (SP) Técnica: Afresco

Autor: Fúlvio Pennacchi

Localização/Medida : Altar – Mor / Extensão do piso: 20m de comprimento Foto (Silvana Borges,2014)

Ano de execução: 1943 Ambiente: ( X ) interior (

) exterior

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: As fissuras ocasionadas por um recalque das fundações no alinhamento das paredes do altar-mor provocaram fissuras ao longo das paredes em que se executaram os afrescos. Ambos lados do altar-mor possuem uma fissura e afundamento por toda a extensão do piso, indicados pelas setas.

Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F – furos

135

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA: São Francisco – pátio interno da Residencia Pennacchi Técnica: Afresco

Autor: Fúlvio Pennacchi

Localização/Medida Parede do pátio interno/ 260x120cm Foto (Silvana Borges,2014)

Ano de execução: 1960 Ambiente: ( ) interior ( X ) exterior

1

2

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: A superfície está muito degradada, a parte inferior com perda total da camada de pintura e alterações cromáticas por uma grande mancha (2) causada por microrganismos favorecidos pela umidade ascendente na parede. Esbranquiçamento de algumas áreas em decorrência das fluorescências formadas pela umidade causando alterações cromáticas e perda de leitura em toda a obra (1).

Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F - furos

136

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA: Festa Junina – pátio interno da Residência Pennacchi Técnica: Afresco

Autor: Fúlvio Pennacchi

Localização/Medida Pátio interno/ 140x140cm Foto (Silvana Borges,2014)

Ano de execução: 1951 Ambiente: ( ) interior ( X ) exterior

1

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: superfície íntegra, suporte estável com perdas pontuais no quadrante inferior esquerdo, nota-se um desbotamento de cores mais acentuado na lateral esquerda, e um escorrimento na faixa inferior do afresco, sujidades e pontos de perda pictórica. Esse afresco está localizado no pátio interno da casa, em uma área coberta, aberta sofrendo maior incidência de sol e chuva pela lateral esquerda (1) da pintura onde se nota uma maior alteração cromática e perda pontual da camada pictórica. Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F - furos

137

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA: Fuga para o Egito – Paróquia São José (Ribeirão Pires-SP) Técnica: Afresco

Autor: Fúlvio Pennacchi

Localização/Medida Parede do altar-mor Foto (Silvana Borges,2014)

1

Ano de execução: 1951 Ambiente: ( X ) interior (

) exterior

2

3

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: Há uma mancha visível de interferência na área de pintura. (1) Localização do furo da parede no afresco. (2) detalhe do preenchimento com perda cromática e do reboco. (3) Detalhe do verso da parede (sacristia) com a instalação de equipamento que provocou o destacamento da argamassa do lado da parede do afresco. Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F - furos

138

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA: Natividade do Senhor – Igreja Nossa Senhora da Paz Técnica: Afresco

Autor: Fúlvio Pennacchi

Localização/Medida Altar mor / 10m x 2,8m Foto (Silvana Borges,2014)

Ano de execução: 1943 Ambiente: ( X ) interior (

) exterior

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: fissura no mármore na figura a esquerda que reveste a base do afresco, à direita a fissura do mármore de revestimento se prolonga no mesmo local pela superfície da pintura. As fissuras estão indicadas pelas setas. As sujidades são generalizadas.

Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F - furos

139

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA:” Natividade do Senhor” e “Fuga para o Egito” – Paróquia São José – Ribeirão Pires (SP) Técnica: Afresco

Autor: Fúlvio Pennacchi

Localização/Medida Paredes do altar-mor Foto (Silvana Borges,2014)

3 2

Ano de execução: 1951 Ambiente: ( X ) interior (

) exterior

4

1 5

6

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: ): instalação de luz de emergência (1) e furos de instalações anteriores (2), abrasões causadas pelo apoio da escada de manutenção na parede (3), instalação de canaletas plásticas sobre a superfície de pintura (4) com pregos, tipo “miguelão” (5) e com repinturas das partes danificadas anteriormente (6). Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F - furos

140

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA: Paroquia de São José – Ribeirão Pires Técnica: Alvenaria

Autor: desconhecido

Ano de execução: 1964

Localização/Medida Fachada lateral externa e cobertura Foto (Silvana Borges,2014)

Ambiente: ( ) interior ( X ) exterior

1

2 2 1

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: Na paredes exteriores da igreja constata-se a problemática da umidade descendente (1) pelo mau estado visível de calhas e rufos e as manchas decorrentes, e também de umidade ascendente (2) com destacamento da pintura em estado pulverulento nas paredes ao nível próximo do chão. Essa situação é recorrente em toda a parte exterior da edificação.

Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F - furos

141

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA: “Churrasco gaúcho” – Restaurante Pennacchi – Hotel Toriba (Campos do Jordão-SP) Técnica: Afresco

Autor: Fúlvio Pennacchi

Ano de execução: 1943

Localização/Medida Restaurante Pennacchi – salão de almoço e jantar Foto (Silvana Borges,2014)

Ambiente: ( X ) interior (

) exterior

1

1

2

2

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: Exame com Luz Ultravioleta nas imagens à esquerda, identificando as áreas com respingos de material orgânico próximo a região das mesas do restaurante. Respingos visíveis a luz natural (1) e respingo de material sobre a pintura, não visível a olho nu (2).

Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F - furos

142

MAPEAMENTO DE DANOS OBRA: Afrescos com temática “Os bandeirantes” – Hotel Toriba (Campos do Jordão – SP) Técnica: Afresco

Autor: Fúlvio Pennacchi

Localização/Medida Restaurante Pennacchi (salão de chá e café) Foto (Silvana Borges,2014)

Ano de execução: 1943 Ambiente: ( X ) interior (

) exterior

EXAME ORGANOLÉPTICO DE PATOLOGIAS. Observações: Identificação das áreas dos afrescos do salão de café e chá com respingos de tinta branca. Degradações observadas em destaque: A – umidade/ infiltrações B – manchas/ perda cromática C – sujidades D – fissuras C – respingos de tinta ou outro material E – microrganismos/fungos F - furos

143

ANEXO III – Código de Ética do Conservador-Restaurador

144

CÓDIGO DE ÉTICA DO CONSERVADOR-RESTAURADOR INTRODUÇÃO CÓDIGO DE ÉTICA DO CONSERVADOR-RESTAURADOR 1. Relação com os bens culturais 2. Pesquisa e documentação 3. Relação com proprietário ou responsável legal 4. Relação com o público 5. Relação com colegas e com a profissão INTRODUÇÃO Conservar e restaurar obras do patrimônio histórico, artístico e cultural é uma profissão que requer de quem a ela se dedica extensa cultura, treinamento e aptidões especiais. Aos cuidados destes profissionais são entregues bens culturais que constituem herança material e cultural da sociedade. Por bens culturais entendemos aqueles objetos a que a sociedade atribui particular valor artístico, histórico, documental, estético, científico, espiritual ou religioso. A sociedade atribui ao conservador-restaurador o cuidado destes bens, o que exige grande senso de responsabilidade moral, além da responsabilidade em relação ao proprietário ou responsável legal, a seus colegas e a seus supervisores, à sua profissão, ao público e à posteridade. Entendemos preservação de modo abrangente, compreendendo todas as ações que visam retardar a deterioração e possibilitar o pleno uso dos bens culturais. Conservaçãorestauração seria o conjunto de práticas específicas, destinadas a estabilizar o bem cultural sob a forma física em que se encontra, ou, no máximo, recuperando os elementos que o tornem compreensível e utilizável, caso tenha deixado de sê-lo. Por conservação preventiva designamos o conjunto de ações não- interventivas que visam prevenir e/ou retardar os danos sofridos, minimizando o processo de degradação dos bens culturais. O papel fundamental do conservador-restaurador é a preservação dos bens culturais para benefício da atual geração e das gerações futuras. Para tal, este profissional realiza diagnóstico, tratamentos de conservação e restauração dos bens culturais, a respectiva documentação de todos os procedimentos, além do estabelecimento de atividades referentes à conservação preventiva. É ainda da competência do conservador-restaurador: � Desenvolver programas de inspeção e ações de conservação e restauro. � Emitir pareceres técnicos e dar assistência técnica para a conservação e restauro dos bens culturais. 145

� Realizar pesquisas sobre a conservação e restauro. (materiais e métodos). � Desenvolver programas educacionais, de treinamento, e lecionar conservação e restauro. � Disseminar informação obtida através do diagnóstico, tratamento ou pesquisa. � Promover conhecimento e maior entendimento sobre conservação e restauro. O conservador-restaurador não é artista, nem artesão. É um profissional de nível superior, que pode ser oriundo das áreas de ciências humanas, exatas ou biológicas. O artista e o artesão criam, dominam as técnicas e podem conhecer bem os materiais, mas não possuem a formação, nem dispõem de conceitos fundamentais para a intervenção em bens culturais. O presente código visa estabelecer normas e princípios que orientem o conservadorrestaurador na boa prática de sua profissão. CÓDIGO DE ÉTICA DO CONSERVADOR-RESTAURADOR 1. Relação com os bens culturais 1. Toda a atuação do conservador-restaurador deve ser orientada pelo absoluto respeito ao valor e significado estético e histórico, bem como à integridade física dos bens culturais que lhe estejam afetos. 2. O conservador-restaurador deve contratar e empreender apenas os trabalhos que possa realizar com segurança, dentro dos limites de seus conhecimentos e dos equipamentos de que dispõe, a fim de não causar danos aos bens culturais, ao meio ambiente ou aos seres humanos. 3. Sempre que for necessário ou adequado, o conservador-restaurador deve consultar especialistas de qualquer uma das atividades que lhe complementem a atuação, envolvendo-os em ampla troca de informações. 4. Em qualquer situação de emergência onde um bem cultural esteja em perigo iminente, o conservador-restaurador deve dar toda a assistência possível, independentemente de sua área de especialização. 5. O conservador-restaurador deve levar em consideração todos os aspectos relativos à conservação-preventiva, antes de intervir em quaisquer bens culturais e sua iniciativa deverá restringir-se apenas ao tratamento necessário. 6. O conservador-restaurador, em colaboração com outros profissionais relacionados com a salvaguarda dos bens culturais, deve levar em consideração a utilização econômica e social dos bens culturais, enquanto salvaguarda desses mesmos bens. 7. Em qualquer trabalho executado em um bem cultural o conservador-restaurador deve envidar esforços para atingir o máximo de qualidade de serviço, recomendando e executando aquilo que julgar ser o melhor no interesse do bem cultural,

146

independente de sua opinião sobre o valor ou qualidade do mesmo e sempre de acordo com o princípio do respeito e da mínima intervenção possível. 8. É obrigação do conservador-restaurador realizar intervenções que permitam, no futuro, outras opções e/ou futuros tratamentos, não devendo a forma de utilização e os materiais aplicados interferir, sempre que possível, com futuros diagnósticos, tratamentos ou análises. Os materiais aplicados devem ser compatíveis com aqueles que constituem os bens culturais e devem ser evitados produtos e materiais que ponham em risco a integridade da obra. 9. O conservador-restaurador nunca deve remover materiais originais ou acrescidos dos bens culturais, a não ser que seja estritamente indispensável para a sua preservação, ou que eles interfiram em seu valor histórico ou estético. Neste caso será retirada uma amostra, que embora mínima, possibilite a identificação do problema. Para tal, será solicitado o consentimento do proprietário ou responsável legal. O material removido deve ser, se possível, conservado, como parte da documentação do bem cultural. 10. Na compensação de acidentes ou perdas, o restaurador não deve, eticamente, encobrir ou modificar o que existe do original, de modo a não alterar suas características e condições físicas após o evento. 11. É responsabilidade do conservador-restaurador manter-se atualizado frente ao progresso, as pesquisas e inovações desenvolvidas em seu campo de trabalho, bem como buscar constantemente o aprimoramento de seu discernimento, bom senso, habilidades e perícia. 12. Sendo responsável pela proteção, guarda e preservação do objeto que lhe foi confiado, o conservador-restaurador não deve contratar, ou admitir em sua equipe, pessoas insuficientemente treinadas, a não ser que possa estar permanentemente presente na constante supervisão dos trabalhos. 13. Nos casos em que a utilização ou exposição de um bem cultural seja prejudicial à sua preservação, o conservador-restaurador deve alertar o proprietário ou seu responsável legal dos riscos a que este está submetido. Havendo necessidade de reproduzir uma obra removida de seu local de origem, esta reprodução deverá ser feita por um especialista, evitando o uso de materiais e procedimentos nocivos à obra original. 2. Pesquisa e Documentação 14. Antes de iniciar qualquer ação ou intervenção em uma obra o conservadorrestaurador deve colher todas as informações capazes de gerar e salvaguardar o conhecimento a seu respeito, além de levar a cabo um acurado exame de sua composição e estado de conservação, recorrendo para isto, se necessário, a instituições e técnicos de outras áreas, nacionais ou internacionais. Os resultados desse exame devem ser extensamente anotados e documentados, fotograficamente, por meio de gráficos, mapas, tabelas e análises estatísticas. Baseado nestes dados, o

147

restaurador elaborará um relatório sobre a peça e estabelecerá o procedimento a ser seguido, o qual deverá ser apresentado ao proprietário ou guardião legal do bem. 15. Durante o tratamento devem ser anotadas todas as intervenções de conservaçãorestauração, como produtos químicos (com a proporção ou percentagem de cada componente, da mistura) e técnicas empregadas, seus efeitos e resultados, bem como quaisquer informações consideradas relevantes. A documentação fotográfica deverá acompanhar os passos mais expressivos do tratamento e registrar o efeito final da obra após o término do trabalho. 16. Esta documentação poderá ser apresentada em congressos ou publicada em periódicos técnicos. Deverá, ainda, ser fornecida sob a forma de relatório, ao proprietário ou responsável legal pelo bem cultural, aos curadores de museus e instituições. Entretanto, no caso de pessoas sem o devido conhecimento técnico, não é aconselhável o fornecimento da listagem de materiais químicos e detalhamento de sua utilização, a fim de evitar possíveis danos causados pelo uso inadequado. 17. Toda esta documentação comporá um dossiê, propriedade intelectual do conservador, que passará a ser parte integrante do bem cultural em questão. 3. Relação com proprietário ou responsável legal 18. O restaurador tem a liberdade de contratar seus serviços com particulares, instituições, órgãos governamentais etc, contanto que este contrato ou acordo não contrarie os princípios aqui definidos e tendo a liberdade de escolha do critério técnico e filosófico de restauro, que julgar mais adequado à obra 19. O estabelecimento da remuneração por um trabalho a ser realizado deve ser justo, tendo em vista o respeito ao proprietário ou responsável legal e à profissão. Para estabelecer um preço é correto considerar: � tempo e mão de obra necessários � custo do material a ser empregado � despesas fixas � custos de análises científicas e pesquisas históricas � custo de seguro (se houver) � grau de dificuldade do tratamento a ser executado � riscos pessoais e insalubridade � problemas advindos do tratamento de objeto de excepcional valor � despesas com embalagem e/ou transporte � preço de mercado para trabalhos semelhantes � periodicidade do serviço: permanente ou esporádico. 148

20. A situação financeira do proprietário não justifica a elevação do preço em relação ao trabalho executado. 21. O conservador-restaurador não deve supervalorizar nem desvalorizar seus serviços. A peculiaridade de cada caso impede o estabelecimento de tabelas de padronização de tarifas a serem cobradas. 22. Alterações no custo de um serviço contratado, bem como modificações no tratamento previsto, só podem ser feitas com o conhecimento e aquiescência do proprietário ou responsável legal. 23. O conservador-restaurador deve ter em mente que o proprietário ou responsável legal é livre para selecionar, sem influências ou pressões, o serviço do restaurador ou restauradores de sua confiança e com a mesma liberdade trocar de um para outro. Entretanto, uma vez o serviço contratado verbalmente ou por escrito, nenhuma das partes pode eticamente romper este contrato, a não ser de comum acordo. 24. Tendo em vista que raramente o proprietário tem suficiente conhecimento para julgar o que se faz necessário para a conservação da obra que possui, o conservador-restaurador deve com sinceridade e honestidade expor o tratamento que considera adequado ao caso. Pela mesma razão deve se negar a realizar ações que sejam requisitadas, mas que possam por em risco, desfigurar, ou comprometer a integridade e autenticidade da obra. 25. O conservador-restaurador deve informar o proprietário ou responsável legal sobre os meios adequados para a sua manutenção futura, incluindo questões referentes ao transporte, manuseio, armazenagem e exposição. 26. Uma vez solicitado a executar um trabalho, o conservador-restaurador deve estabelecer um prazo aproximado para término e devolução da obra, e fazer o possível para respeitá-lo. 27. Mesmo considerando que o conservador-restaurador empregue o máximo de seus conhecimentos e de sua habilidade para conseguir os melhores resultados no tratamento de uma obra, não seria excessivo o fornecimento de garantia pelo serviço realizado. Isto, entretanto, não impede que o mesmo se prontifique a corrigir alterações não previstas ou prematuras que possam ocorrer, desde que estejam observadas as recomendações de conservação mencionadas no “item nº25” deste documento, sem que para isto cobre remuneração extra. 28. O conservador-restaurador é obrigado a manter confidencialidade profissional. Sempre que queira fazer referência a um bem cultural deve obter o consentimento do proprietário ou legal responsável, salvo para fins didáticos ou científicos.

149

4. Relação com o público 29. O conservador-restaurador deve usar as oportunidades que se apresentarem para esclarecer o público sobre as práticas de preservação e as razões e meios da restauração. 30. O conservador-restaurador, quando solicitado, deve prestar esclarecimentos e dar conselhos àqueles que forem vítimas de práticas negligentes ilegais ou antiéticas, salvaguardando a honorabilidade da profissão. 31. Fazer “expertise” ou autenticação remunerada não é considerada atividade apropriada ou ética para um conservador-restaurador, embora seu trabalho de exame e restauração de uma obra o tornem habilitado a contribuir para o conhecimento de sua história e autenticidade. 32. Propaganda feita através de jornais, revistas etc, não é condenável desde que não envolva comparação de habilidades ou preços com outros profissionais. 5. Relação com colegas e com a profissão 33. O conservador-restaurador deve manter um espírito de respeito aos colegas e à profissão. 34. O conservador-restaurador deve, dentro dos limites do seu conhecimento, competência, tempo e meios técnicos, participar da formação de estagiários e assistentes. Os direitos e objetivos do instrutor e do aprendiz devem ser claramente estabelecidos por ambos, que firmarão um acordo formal, do qual constarão itens como remuneração, duração do treinamento e áreas de abrangência do mesmo. Do certificado a ser emitido devem constar nome da instituição e do responsável pelo curso ou estágio, conteúdo do aprendizado e carga horária. O conservador-restaurador é responsável pela supervisão do trabalho realizado pelos assistentes e estagiários, devendo responsabilizar-se igualmente pelo resultado deste trabalho. 35. O conservador-restaurador contribuirá, compartilhando suas experiências e conhecimentos, com os colegas de profissão. O criador de novos métodos de tratamento ou novos materiais prestará esclarecimentos sobre a composição e as propriedades de todos os materiais e técnicas empregadas, salvaguardados os direitos de patentes de propriedade do criador. Os registros relativos à conservação e restauração pelos quais o conservador-restaurador é responsável são a sua propriedade intelectual. 36. O conservador-restaurador não deve dar referências ou recomendação de uma pessoa candidata a um posto de profissional a não ser que esteja absolutamente seguro do treinamento, experiência e habilidade que a qualifiquem para tal.

150

37. Se no decorrer de um tratamento o restaurador se defrontar com problemas que lhe suscitem dúvidas ou incertezas, este deve, sem hesitação e apoiado pelos preceitos da ética profissional, recorrer a outro colega que o auxilie na solução do problema. 38. É considerado anti-ético dar comissão a outro conservador ou qualquer outra pessoa pelo encaminhamento ou recomendação de um cliente. A divisão de remuneração só é aceitável quando existe a divisão de tarefas. 39. Nenhum membro de qualquer uma das associações profissionais da área pode emitir parecer ou falar em nome destas, a não ser quando para isto designado por votação efetuada em reunião da diretoria e/ou instâncias apropriadas de cada associação. 40. Caso surjam situações não mencionadas neste documento, o conservadorrestaurador deverá consultar-se com as associações representativas da categoria. O presente texto foi elaborado a partir dos Códigos do International Council of Museums - ICOM, do American Institute of Conservation - AIC, do European Federation of Conservator-Restorers’ Organizations – ECCO e de DUVIVIER, Edna May de A, Código de Ética: um enfoque preliminar, in: Boletim da Associação Brasileira de Conservadores-Restauradores de Bens Culturais – ABRACOR, Ano VIII, N. 1 – Julho/1988, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

151

ANEXO IV – Princípios do ICOMOS para a Preservação e Conservação – Restauração das Pinturas Murais

152

153

Introdução e Definição As pinturas murais têm sido expressões da criação humana através da história, desde os seus mais longínquos princípios, tais como a arte rupestre, estendendo-se até aos murais actuais. A sua degradação, acidental ou por destruição intencional, constitui uma perda que afecta uma significativa parte do património cultural mundial. A Carta de Veneza (1964) proporcionou princípios gerais para a conservação-restauro do património cultural. A Declaração de Amsterdam (1975), introduzindo o conceito de conservação integrada, e o Documento de Nara sobre a Autenticidade (1994), que trata da diversidade cultural, expandiram esses princípios. Tendo em atenção estes dois e outras contribuições adicionais relevantes, tais como o Código de Ética do ICOM-CC (1984), o Documento de Pavia (1997) e as Linhas Profissionais de Orientação (1997), o objectivo do actual documento é proporcionar princípios mais específicos para a protecção, preservação e conservação-restauro das pinturas murais. No entanto, este documento reflecte princípios e práticas básicos e universalmente aplicáveis, e não leva em especial atenção os problemas particulares das regiões ou dos países, os quais podem ser suplementados ao nível regional ou nacional pela preparação de mais recomendações, sempre que necessárias. A riqueza das pinturas murais encontra-se na variedade das expressões culturais, das realizações estéticas, e na diversidade dos materiais e das técnicas usadas desde os tempos antigos até à actualidade. Os artigos seguintes referem-se às pinturas criadas sobre suportes inorgânicos tais como o estuque, o tijolo, a argila ou a pedra, e não incluem as pinturas executadas sobre suportes orgânicos tais como a madeira, o papel ou a tela. Os materiais compósitos existentes em muitos edifícios históricos merecem uma consideração especial no que respeita ao objectivo deste documento. As superfícies arquitectónicas e as respectivas camadas de acabamento, com os seus valores histórico, estético e técnico têm que ser considerados como componentes igualmente importantes dos monumentos históricos. As pinturas murais são uma parte integral dos monumentos e dos sítios, e devem ser preservadas in situ. Muitos dos problemas que afectam as pinturas murais estão relacionados com a má condição do edifício ou da estrutura, com o seu inadequado uso, com a falta de manutenção, e com reparações ou alterações frequentes. Também os restauros frequentes, as revelações desnecessárias, e o uso de métodos e de materiais inapropriados podem resultar em danos irreparáveis. As práticas e as qualificações profissionais de baixo nível e inadequadas conduziram a resultados infelizes. É por essa

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razão que é necessário um documento apropriado cobrindo os princípios da adequada conservação-restauro das pinturas murais.

Artigo 1: Política de Protecção A listagem e a elaboração de inventários dos monumentos e dos sítios que incluem pinturas murais, mesmo no caso em que não estejam actualmente visíveis, é uma abordagem necessária para a protecção das pinturas murais de todas as culturas e religiões. As leis e os regulamentos para a protecção do património cultural devem proibir a destruição, a degradação ou a alteração das pinturas murais e das suas envolventes. A legislação não só deve proporcionar a protecção das pinturas murais, mas também deve prever recursos para a investigação, para o tratamento profissional e para a monitorização, e proporcionar o apreço dos seus valores tangíveis pela sociedade. Se forem necessárias intervenções, esta devem ser executadas com o total conhecimento e com a autorização das autoridades responsáveis. Devem ser previstas sanções legais para qualquer violação de tais regulamentos. As provisões legais também devem considerar as novas descobertas e a sua preservação enquanto aguardam protecção formal. As obras de desenvolvimento regional, urbano e arquitectónico, tais como a construção de estradas, de barragens, a conversão de edifícios, etc. que afectem pinturas murais não devem ser executadas sem que seja feita uma avaliação inicial do seu impacto e sem que sejam previstas soluções apropriadas para a sua salvaguarda. Devem ser feitos esforços especiais, através da cooperação de várias autoridades, para se acomodarem e respeitarem as funções de culto das pinturas religiosas sem se comprometer a sua autenticidade.

Artigo 2. Investigação Todas as obras de conservação devem começar por investigações académicas. O objectivo dessas investigações é descobrir-se o máximo possível sobre a fábrica da estrutura e sobre as suas camadas sobrejacentes, bem como as suas dimensões histórica, estética e técnica. Isto necessita de uma abordagem multidisciplinar. Os métodos de investigação devem ser, tanto quanto possível, não destrutivos. Deve ser prestada uma especial atenção às pinturas murais que tenham estado ocultas por baixo de caiações, de camadas de tinta, de estuque, etc. Os pré-requisitos para qualquer programa de conservação são a investigação científica dos mecanismos da degradação, à macro e à micro escala, a análise do material e o diagnóstico da condição.

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Artigo 3. Documentação De acordo com a Carta de Veneza, a conservação-restauro das pinturas murais deve ser acompanhada por um programa de documentação exacto sob a forma de relatórios analíticos e críticos, ilustrados com desenhos, cópias, fotografias, mapas, etc. Devem ser registados a condição das pinturas, os elementos técnicos e formais pertencentes ao processo da sua criação e a história do objecto. Além disso, também devem ser documentados todos os estados da conservação-restauro, os materiais e a metodologia usada. Este relatório deve ser depositado nos arquivos de uma instituição pública e postos à disposição do público interessado. Também devem ser mantidas in situ cópias dessa documentação, ou então na posse dos responsáveis pelo monumento. Também se recomenda que sejam publicados os resultados do trabalho. Esta documentação deve considerar áreas de trabalho definíveis nos termos dessas investigações, diagnósticos e tratamentos. Os métodos tradicionais de documentação escrita e gráfica podem ser suplementados por métodos digitais. No entanto, seja qual for a técnica, é da maior importância a permanência dos registos e a futura disponibilidade da documentação.

Artigo 4. Conservação Preventiva, Manutenção e Gestão do Sítio O objectivo da manutenção preventiva é a criação de condições favoráveis à minimização da degradação, e evitarem-se tratamentos curativos desnecessários, prolongando-se assim a amplitude de vida das pinturas murais. A monitorização e o controlo apropriados do ambiente são ambos componentes essenciais da conservação preventiva. As condições climatéricas inapropriadas e os problemas de humidade podem provocar a degradação e ataques biológicos. A monitorização pode detectar os processos iniciais da degradação da pintura ou da estrutura de suporte, evitando-se assim danos adicionais. A deformação e a ruína estrutural, que podem evoluir até ao possível colapso da estrutura de suporte, podem ser reconhecidas numa fase prematura. A manutenção regular do edifício ou da estrutura é a melhor garantia para a salvaguarda das pinturas murais. As utilizações públicas dos monumentos e dos sítios com pinturas murais, se forem inadequadas ou descontroladas, podem levar à sua danificação. Esta situação pode exigir uma limitação de visitantes e, em certos casos, envolver um encerramento temporário do acesso público. Mas é preferível que o público possa ter a oportunidade de experimentar e de apreciar as pinturas murais como fazendo parte do património cultural comum. Por esta razão, é importante incorporar-se um cuidadoso planeamento do acesso e do uso na gestão do 156

sítio, preservando-se, tanto quanto possível, os valores autênticos tangíveis e intangíveis dos monumentos e dos sítios. Por diversas razões sociológicas, ideológicas e económicas, muitas pinturas murais, frequentemente situadas em localizações isoladas, têm sido vítimas de vandalismo e de roubo. Nestes casos, as autoridades responsáveis devem tomar medidas preventivas especiais.

Artigo 5. Tratamentos de conservação-restauro As pinturas murais são parte integrante do edifício ou da estrutura. Por essa razão, deve ser considerada a sua conservação em conjunto com a da fábrica da entidade arquitectónica e da sua envolvente. Qualquer intervenção no monumento deve ter em atenção as características específicas das pinturas murais e os termos da sua preservação. Todas as intervenções, tais como consolidações, limpezas e reintegrações, devem ser limitadas a um nível mínimo necessário para se evitarem quaisquer reduções do material ou da autenticidade pictórica. Sempre que possível, devem ser preservadas amostras das camadas estratigráficas que testemunham a história das pinturas, de preferência in situ. O envelhecimento natural é um testemunho da passagem do tempo e deve ser respeitado. Devem ser preservadas as transformações químicas e físicas, caso a sua remoção seja prejudicial. Os anteriores restauros, adições e sobre-pinturas fazem parte da história da pintura mural. Devem ser encarados como testemunhos das interpretações passadas e avaliados criticamente. Todos os métodos e materiais usados na conservação e no restauro das pinturas murais devem ter em atenção a possibilidade de futuros tratamentos. O uso de materiais e de métodos novos deve ser baseado em dados científicos abrangentes e em resultados positivos de ensaios, tanto em laboratório como nos sítios. No entanto, deve-se ter sempre em atenção que os efeitos a longo prazo dos materiais e dos métodos novos para pinturas murais são desconhecidos e podem ser prejudiciais. Por essa razão, deve ser encorajado o uso de materiais tradicionais, se forem compatíveis com os componentes da pintura e da estrutura envolvente. O objectivo do restauro é melhorar-se a legibilidade da forma e do conteúdo da pintura mural, ao mesmo tempo que respeitar-se a criação original e a sua história. A reintegração estética contribui para a minimização da visibilidade dos danos e deve ser executada principalmente com material não original. Os retoques e as reconstruções devem ser executados por forma que sejam distinguíveis do original. Todas as adições devem ser facilmente removíveis. A sobre-pintura deve ser evitada.

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A revelação de pinturas murais exige o respeito pela situação histórica e a avaliação sobre o que pode estar perdido. Esta operação só deve ser executada depois de investigações preliminares à sua condição, extensão e valor sem a ocorrência de danos, sempre que possível. As pinturas recentemente reveladas não devem ficar expostas a condições desfavoráveis. Em certos casos, a reconstrução da pintura decorativa das paredes ou das superfícies arquitectónicas coloridas pode fazer parte de um programa de conservação-restauro. Isto implica a conservação dos fragmentos autênticos, e pode necessitar da sua total ou parcial cobertura com camadas protectoras. Uma reconstrução bem documentada e profissionalmente executada, usando materiais e técnicas tradicionais, pode testemunhar as aparências históricas das fachadas e dos interiores. Deve ser mantida uma competente direcção das obras de conservação-restauro, em todas as suas fases, e deve ser obtida a aprovação das autoridades competentes. Pode ser desejável que seja garantida uma supervisão independente da obra, por autoridades ou instituições competentes, que não tenham interesse comercial nos resultados. Devem ser mencionados os responsáveis pelas decisões de gestão, e a obra deve ser executada por profissionais com os apropriados conhecimentos e competências.

Artigo 6. Medidas de emergência Em casos urgentes, é necessário um tratamento de emergência para a salvaguarda das pinturas murais. Os materiais e as técnicas empregues devem permitir posteriores tratamentos. Devem-se seguir medidas de conservação apropriadas, tão cedo quanto possível, com a autorização das autoridades relevantes. O destacamento e transferência são operações perigosas, drásticas e irreversíveis que afectam severamente a composição física, a estrutura material e as características estéticas das pinturas murais. Assim, estas operações só são justificáveis em casos extremos quando não forem viáveis nenhumas opções de tratamento in situ. No caso dessas situações ocorrerem, as decisões envolvendo o destacamento e a transferência devem ser sempre tomadas por uma equipa de profissionais, e não pelo indivíduo que está a executar a obra de conservação. Sempre que possível, as pinturas destacadas devem ser recolocadas nas suas localizações originais. Devem ser tomadas medidas especiais para a protecção e para a manutenção das pinturas destacadas, e para a prevenção do seu roubo e dispersão.

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A aplicação de qualquer camada protectora recobrindo uma decoração existente, executada com a intenção de se evitarem danos ou degradações pela exposição a um ambiente inóspito, deve ser executada com materiais compatíveis com a pintura mural, e por forma que permita uma futura revelação.

Artigo 7. Investigação e Informação Pública O estabelecimento de projectos de investigação no campo da conservação-restauro das pinturas murais é um requisito essencial da política de preservação sustentável. Devem ser encorajadas as investigações baseadas em questões de estudo que tenham o potencial de aumentar o conhecimento dos processos de degradação. É essencial, na implementação de projectos de conservação apropriados, a investigação que vá expandir o nosso conhecimento sobre as técnicas de pintura originais, bem como sobre os materiais e os métodos das passadas práticas de restauro. Esta investigação também é relevante para as disciplinas de arte e de ciência correlativas. Deve ser minimizada a perturbação da fábrica significativa, consequente de estudo ou de obtenção de amostras. A disseminação do conhecimento é um elemento importante da investigação, devendo ser feita ao nível profissional e ao nível popular. A informação pública pode acrescentar substancialmente a consciência da necessidade de preservação das pinturas murais, mesmo que as obras de conservação-restauro possam provocar inconvenientes temporários.

Artigo 8. Qualificações e Formação Profissional A conservação-restauro das pinturas murais é uma disciplina especializada no campo da preservação do património. Como este trabalho requer conhecimentos específicos, competências, experiência e responsabilidade, os conservadores-restauradores deste tipo de património cultural devem ser profissionalmente ensinados e treinados, conforme está recomendado no Código de Ética do ICCOM – Comité da Conservação (1984) e por associações tais como a E.C.C.O. (European Confederation of ConservatorRestores’ Organisayions) ou como o ENCoRE (Eurpoean Network for ConservationRestoration Education).

Artigo 9. Tradições de renovação Em muitas regiões do mundo, as práticas de pintura autênticas dos artistas e dos artesãos são continuadas pela repetição de programas decorativos e iconográficos usando materiais e técnicas tradicionais. Tais tradições devem ser sustentadas, 159

satisfazendo as necessidades religiosas/culturais e observando os princípios de Nara. No entanto, tão importante como preservar-se este conhecimento especial, isso não implica que os tratamentos de conservação-restauro das pinturas murais tenham, que ser executados por artesãos ou artistas.

Artigo 10. Cooperação internacional A partilha dos cuidados com o património comum é um conceito nacional e internacionalmente aceite. É, portanto, necessário encorajar-se a troca de conhecimentos e disseminar-se a informação a todos os níveis. No espírito da colaboração interdisciplinar, os conservadores-restauradores de pinturas murais necessitam estar em ligação com os seus colegas de outros países e com instituições e especialistas relevantes em todo o mundo. Este documento, na sua forma actual, foi rascunhado e Copenhaga entre 28 de Outubro e 1 de Novembro de 2002. foi editado e completado em Salónica entre 8 e 9 de Maio de 2003. Redactor : Isabelle Brajer Participantes: R.C. Agrawal (Índia)

George Kavakas (Grécia)

Valia Anapliotou (Grécia)

Haris Lionis (Grécia)

Stefan Belishki (Bulgária)

Penelope Mavroudi (Grécia)

Giorgio Bonsanti (Itália)

Vassilis Petropoulos (Grécia)

Isabelle Brajer (Dinamarca)

Michael Petzet (Alemanha)

Marjan Buyle (Bélgica)

Ursula Schädler-Saub (Alemanha)

Jaime Cama Villafranca (México)

Walter Schudel (Bélgica)

Nikolas Charkiolakis (Grécia)

Nimal de Silva (Sri Lanka)

Rob Crèvecoeur (Holanda)

Roland Silva (Sri Lanka)

Luigi Dei (Itália)

Kirsten Trampedach (Dinamarca)

Alberto Felici (Itália)

Ioannis Zervos (Grécia)

Vaios Ganitis (Grécia)

© ICOMOS http://www.international.icomos.org [email protected]

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