O Legado Espiritual e a Herança do Islã Tradicional e do Sufismo na África do Norte: Entrevista com o Cheique Ahmed Ḥabīb (Portuguese)

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O Legado Espiritual e a Herança do Islã Tradicional e do Sufismo na África do Norte: Entrevista com o Cheique Ahmed Ḥabīb Samuel Bendeck Sotillos O Cheique Ahmed Ḥabīb, nascido em 18 de dezembro de 1940 na Argélia, é um Cheique da ṭarīqah ‘Alawīyya, uma irmandade que teve origem no Norte da África, ou no Maghreb, no início do século XX por meio do Cheique Amhed Al-‘Alawī. O Ihsan, ou aperfeiçoamento da fé, é conhecido pela prática profunda e tolerante do Islã. Esta entrevista, conduzida em 18 de fevereiro de 2011 teve lugar na aldeia de Ouled Ali, região metropolitana da capital Argel, na residência do Cheique Ahmed Ḥabīb. Na ocasião, o mesmo explicou em que consiste a sua Ordem e de que maneira é diferente do fundamentalismo militante no Islã. O que é mais vital é sua afirmação de que o Islã ortodoxo ou autêntico é parte do Sufismo ortodoxo, e o segundo não pode estar separado do primeiro. Uma compreensão aprofundada da dimensão interior do Islã ou Sufismo é crucial não apenas para enxergar além da despropositada e manifestamente falsa tese do “choque de civilizações”, mas também para combater a islamofobia no Ocidente, e movimentos extremistas do mundo muçulmano, e provê também a visão integral para o engajamento no genuíno diálogo interreligioso, indispensável na época pluralística de hoje. O entrevistador expressa sua gratidão a Sidi Abdelkarim por dar-lhe assistência nesta entrevista e especialmente pela tarefa de traduzi-la do Árabe ao inglês. Samuel Bendeck Sotillos: Poderia por gentileza oferecer ao público ocidental informações sobre o senhor mesmo e como chegou ao Sufismo? Cheique Ahmed Ḥabīb: Nasci em 18 de dezembro de 1940 na aldeia interiorana de Ouled Ali, Argélia. Antes de ingressar no caminho do Sufismo (tasawwuf) eu era um crente em Deus (Allāh), iletrado total, sem educação formal. Num dado momento, intuí que havia mais na fé (īmān) do que a dimensão externa desta, e ansiei por conhecer Deus de modo direto. Eu ansiava por ser tomado pela mão e ser guiado pelo caminho. Deus ouviu minha prece quando eu estava no meio de um treinamento profissional na capital, Argel. O instrutor do curso, Sidi Ben Rugubi, era ninguém menos que um representante (muqaddam) do Cheique ‘Ali al-Boudilmi (19051988)—Deus esteja satisfeito com ele (Radhiallāhu ‘anhu)! Havia uma sala de oração no centro de treinamentos, onde congregávamos para as orações diárias (salāt), e um dia Sidi Ben Rugubi informou aos treinandos que ele havia encontrado um Cheique e que ele abraçara o Sufismo (tasawwuf). Senti que aquilo era um claro sinal da Vontade Divina e pedi imediatamente para ser iniciado na via (tarīqah), nessa época eu estava com 24 anos. Poucos dias depois da iniciação (bay’ah), o Cheique ‘Ali al-Boudilmi visitou o centro de treinamentos, onde foi organizado um encontro para prestigiá-lo. Logo depois formou-se um grupo que tinha interesse em ingressar no Sufismo (tasawwuf), por isso Cheique ‘Ali al-Budilmi veio conhecer o grupo e inalgurou um centro (zāwiyah), com Sidi Ben Rugubi como representante (muqaddam) encarregado.

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SBS: Como o senhor vê essa decisão chave de entrar na via Sufi após quase cinco décadas, levando em consideração que não é o ego ordinário (nafs) do buscador (faqīr) que escolhe, mas a Vontade Divina? Cheique Ahmed Ḥabīb: Essencialmente, antes de conhecer meu Cheique, eu encontrava-me nas trevas e atravessando um caminho sem saída de egocentrismo. Agora existe submissão (islām) à Unicidade Divina (tawḥīd), fé (īmān) na Vontade Divina e consciência em Deus (iḥsān), todas as quais são indispensáveis e uma benção incalculável (baraka) para a vida de alguém como um todo. SBS: A ṭarīqah ‘Alawīyya é um ramo da Ordem Sufi Shādhilī-Darqāwī, conhecida por seus importantíssimos expoentes—tais como Ibn Arabī (1165-1240), conhecido como o “reavivador da religião” (Muḥyī al-Dīn), ou Cheique Maior (Shaykh al-Akbar), e mais recentemente o Cheique Amhed Al-‘Alawī (1869-1934) que iniciou o Cheique do senhor, Sidi ‘Ali al-Boudilmi. Poderia por favor falar sobre esse legado e herança espirituais tremendos dos quais o senhor é representante? Cheique Ahmed Ḥabīb: A essência da cadeia de transmissão (silsilah) da Ordem Sufi ShādhilīDarqāwī, que inclui a ṭarīqah ‘Alawīyya, e que remonta ao Profeta Muhammad (Que a paz esteja sobre ele), não é outra que não a mensagem do Profeta Muhammad (que a paz esteja com ele) e seus companheiros—e esta é nada mais nada menos que o Sufismo (tasawwuf). SBS: Muitos no Ocidente, em especial no Ocidente longínquo como na América do Norte, passaram a ver o Sufismo como uma doutrina e um método separados para a realização espiritual, fora da revelação islâmica. Poderia por gentileza falar desse curioso fenômeno e os perigos de praticar o Sufismo ou qualquer via divorciada da respectiva dimensão exterior, quando é o caso? Cheique Ahmed Ḥabīb: Que os ocidentais se interessem pelo coração do Islã, Sufismo (tasawwuf), é uma benção do Paraíso, porém o fato deles desejarem separá-los é um erro e falta grave. Não se pode separar o Islã tradicional do Sufismo (tasawwuf), como de igual modo não se pode separar o Sufismo (tasawwuf) tradicional do Islã. Sufismo (tasawwuf) é o núcleo do Islã. Além disso, o Islã não tem como ser uma religião completa sem o Sufismo (tasawwuf); o fruto do Islã é testemunhar diretamente a Realidade Divina—e isso é a essência do Islã. SBS: O Islã não se encontra sob o ataque somente daquilo que se chama sintomaticamente de “fundamentalismo secular”—hoje um fenômeno global—, mas está também sob ataque desde dentro (por exemplo: Wahabismo ou Salafismo). Pode por favor tratar de como o Islã autêntico ou tradicional difere do fundamentalismo ou extremismo, como é erroneamente percebido pela grande mídia do Ocidente? Cheique Ahmed Ḥabīb: O Islã é uma benção Divina (baraka) para a humanidade, e a sabedoria nos informa que para cada benção haverá uma contra-resposta. Os inimigos do Islã são um fenômeno natural da existência do mundo temporal (dunyā)—contrários surgem e são, eles próprios, um aspecto dessa realidade. O único meio de compreender o mundo de multiplicidades é através da Divina Unidade (tawḥīd). 2

Sobre os Wahabis, estes são inimigos do Islã sem disso terem a menor consciência. Eles estão sob a desviada noção de que estão a serviço da fé (īmān) quando isso não podia estar mais longe da verdade. Pelo fato de apoiarem-se somente na própria interpretação individual do Islã, descartando a interpretação e os aspectos de consenso da fé (īmān) conforme entendidos pela comunidade (ummah), desviaram-se da Senda Reta do Isam (Sirat al-Mustaqim). É nada menos que uma tragédia que muitas das gerações mais jovens estejam a ser recrutadas para esse esquema desviado de pensamento, que infelizmente tem propagado muita confusão e violência em nome do Islã. SBS: Como deve proceder alguém que mora no Ocidente e deseja obter informações autênticas da espiritualidade islâmica, dado que o fenômeno errôneo da islamofobia parece estar em ascensão? Cheique Ahmed Ḥabīb: É responsabilidade da comunidade muçulmana (ummah), em larga escala, unir-se e responder à falsa imagem da mídia sobre o mundo do Islã (dar al-Islam). Os ocidentais, outrossim, precisam buscar a verdade por conta própria e não confiar unicamente numa fonte de informação—Deus os guie nessa busca—pois o que é verdadeiro e duradouro não se encontrará através desses canais mundanos, se bem que eles possam ser um ponto de partida se Deus quiser (inshā’Llāh), mas Deus sabe mais. O Alcorão Sagrado é uma teofania, uma Divina benção (baraka) da parte de Deus—não é um produto de inovações humanas—ele contém a mensagem do Islã, que é a religião da paz. SBS: O que devem manter em mente os buscadores, visto que vivem em um mundo cada vez mais complexo, esmagados por infindáveis responsabilidades e compromissos, detendo menos e menos tempo de engajar-se em assuntos espirituais, sem falar na Jihad Maior (al-jihād al-akbar) ou esforço contra o ego, o que vai em contraste direto com as eras passadas nas quais o Sagrado encontrava-se infuso em todos os aspectos da vida? Cheique Ahmed Ḥabīb: Aconselho aos buscadores a ficarem firmes, executarem as orações diárias (salāt), a recordação (dhikr), e a manterem a ciência da obrigação para com o seu Senhor (Allāh), com fé (īmān), e para com a sociedade a qual pertencem, e Deus os guie e proteja! O que não pode ser esquecido é a lembrança viva da Realidade Divina no interior do próprio coração.

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