O livro, o leitor e a leitura digital (Relatório de Projecto - draft livro 2015). Organizado por Gustavo Cardoso

June 4, 2017 | Autor: Gustavo Cardoso | Categoria: Sociology, Media Studies, Internet Studies, Literature
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Descrição do Produto

O LIVRO, O LEITOR E A LEITURA DIGITAL Gustavo Cardoso (org.) 2014

ÍNDICE -

AGRADECIMENTOS

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INTRODUÇÃO – A sociologia da leitura e o (novo) paradigma digital: uma relação a explorar Emanuel Cameira e Gustavo Cardoso PARTE I – O LIVRO, OBJECTO ECONÓMICO E CULTURAL

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O sector do livro em Portugal José Soares Neves O mundo económico do livro Sandro Mendonça A indústria do livro digital em Portugal: mutações de um sector tradicional Cátia Ferreira PARTE II – GEOGRAFIAS SOCIAIS DA LEITURA E DA INTERNET

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Práticas de leitura em Portugal José Soares Neves A leitura digital no mundo. Incursão por alguns estudos internacionais Emanuel Cameira A língua e a Internet no contexto global Tiago Lapa PARTE III – A DIGITALIZAÇÃO DA LEITURA

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A leitura digital no contexto global e nacional: resultados de um inquérito aos leitores digitais em 16 países Gustavo Cardoso e Emanuel Cameira A leitura digital e o jornalismo: transformação de hábitos de leitura e transformação do jornalismo? Tiago Lima Quintanilha e Gustavo Cardoso Leitura digital, Internet e media sociais: uma análise comparativa Tiago Lapa e Gustavo Cardoso

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PARTE IV – NOVAS INSTITUIÇÕES DA LEITURA E DO LIVRO -

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Tendências internacionais sobre as instituições da leitura e leitores na era da Internet Liliana Pacheco A leitura digital em contexto de biblioteca: um enquadramento analítico e prospectivo Carla Ganito Os contextos das bibliotecas escolares e municipais: procura e oferta de recursos e serviços na era do digital Marta Neves PARTE V – TECNOLOGIA, CIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO DIGITAL DO LIVRO

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A tecnologia na edição digital Ricardo Rodrigues Livros, texto e tecnologias digitais Pedro Jacobetty e João Querido Expectativas, preocupações e desafios: a leitura digital na perspectiva de bibliotecários, editores, livreiros e representantes do sector das tecnologias de informação Cátia Ferreira CONCLUSÃO – Ler Gustavo Cardoso

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AGRADECIMENTOS

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INTRODUÇÃO A sociologia da leitura e o (novo) paradigma digital: uma relação a explorar Emanuel Cameira e Gustavo Cardoso

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O pressuposto de partida é simples: tradicionalmente focados na esfera do impresso (livros, jornais, revistas), pode dizer-se dos vários estudos e inquéritos que, no plano nacional, a sociologia vem desenvolvendo, ao longo das últimas duas décadas, em torno dos hábitos e práticas de leitura da população portuguesa (Freitas e Santos, 1992; Pais, 1994; Freitas, Casanova e Alves, 1997; Neves, 2011) que os mesmos adoptam uma perspectiva pré-Internet. Considerando que “a importância de uma sociologia da leitura tal como se constituiu” coloca um conjunto de questões ligadas “ao seu objecto e à adaptação dos seus métodos a uma realidade em evolução” (Furtado, 2000: 188), compreender como se estruturam as experiências de leitura dos portugueses quando efectivadas a partir de um ecrã de computador1 ou através da utilização de outros interfaces digitais afigura-se então fundamental, e isto num modelo de sociedade cujo paradigma da tecnologia da informação (Castells, 2002) interfere nos mais diversos domínios da existência individual e colectiva. A desordem na leitura a que Armando Petrucci aludia deixava já entrever em 1998 certas interrogações a que uma abordagem sociológica não se poderá hoje furtar: por primera vez, pues, el libro y la restante producción editorial encuentran que tienen una función con un público, real y potencial, que se alimenta de otras experiencias informativas y que ha adquirido otros medios de culturización, como los audiovisuales; que está habituado a leer mensajes en movimiento; que en muchos casos escribe y lee mensajes realizados con procedimientos electrónicos (ordenador, máquina de vídeo o fax); que, además, está acostumbrado a culturizarse a través de procesos e instrumentos costosos y muy sofisticados; y a dominarlos, o a usarlos, de formas completamente diferentes a los que se utilizan para llevar a cabo un proceso normal de lectura. Las nuevas prácticas de lectura de los nuevos lectores deben convivir con esta auténtica revolución de los comportamientos culturales de las masas y no pueden dejar de estar influenciados. (Petrucci, 1998: 541)

De facto, com “a leitura em formato digital (…) excluída (…) da definição de práticas de leitura” (Neves, 2011: 34), reconceptualizar o ramo específico da sociologia que delas se ocupa à luz de um novo objecto significa desde logo ultrapassar a questão da simples leitura de textos impressos e referenciar um vasto corpus analítico composto por sites, blogues, Facebook, Twitter, e-mails, e-books, etc., a que se acede por via de diferentes dispositivos digitais, o computador, o telemóvel, o tablet ou o ereader. Ora, de acordo com Suzanne Bertrand-Gastaldy, “avec les nouveaux objets à lire et les nouveaux dispositifs, on assiste à un brouillage des frontières entre plusieurs activités cognitives autrefois distinctes: la recherche d’information, la consultation, 1

Para a década de 80, confira-se por exemplo o que Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard recordam a propósito da introdução do Minitel (terminal de consulta de banco de dados) na sociedade francesa: “(…) la lecture sur l’écran du Minitel s’installe dans l’espace social et domestique sans que personne n’y prête vraiment garde. Il s’agit pourtant du premier support de lecture «interactive» de masse, mais paradoxalement c’est une pratique sans discours” (Chartier e Hébrard, 2000: 687).

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l’analyse et toutes sortes de lectures, l’écriture et la communication” (BertrandGastaldy, 2002: 7). A primazia simbólica da ordem do livro e dos demais suportes impressos, cientificamente reiterada (Freitas e Santos, 1992b: 80; Santos, 1992), não circunscreve pois nas sociedades contemporâneas a abrangência desse fenómeno social e culturalmente multiforme designado como leitura. Citado por José Afonso Furtado (2000: 189), Frédéric Barbier afirma que “num plano fenomenológico, não há uma mas muitas, uma infinidade de leituras, consoante a natureza dos volumes, o tipo dos textos lidos, as pessoas que os lêem, os momentos e as situações em que os lêem, as necessidades a que dão (ou não) resposta”. Intimamente vinculados às dinâmicas históricas de transformação social, e bastará assinalar a comprovada transversalidade/generalização da leitura em sociedades da informação e do conhecimento ou inclusive o sincronismo das revoluções induzidas pela textualidade electrónica – “in the technique of production and reproduction of the text, (…) in the structure of the vehicle, the support of the text, and (…) in the reading practices” (Chartier, 1997: 5) -, encarar os tipos de interacção estabelecidos entre os sujeitos leitores e aquilo que é lido na passagem do táctil para o digital (operacionalizáveis no clássico leque de perguntas: quem lê? o que lê? como/onde lê? porque lê? – Neves, 2011: 20), obriga também a pensar as possíveis correlações existentes entre leitura(s) em papel e leitura(s) em ecrã, distintos modos de acesso ao texto. Que o advento da World Wide Web, frequentes vezes associado à abolição de um conjunto de hábitos e representações próprios da (aurática) cultura do livro impresso, terá estruturado decisivamente todo este processo de mudança, é algo que bastantes autores têm procurado sublinhar (Vandendorpe, 2008; Furtado, 2002; De La Flor, 2004; Giffard, 2011). A possibilidade de instantaneamente trocar mensagens, de proceder a uma rápida gestão do conhecimento, encontrando, lendo, descarregando de imediato e em qualquer lugar determinado conteúdo alojado em linha, porventura partilhado, leva a que alguns analistas optem por identificar novos leitores, cujas modalidades de leitura e escrita em ecrãs ganham o estatuto de praxis quotidiana, da mesma forma que “a leitura de livros, revistas e a escrita em papel foi rotina para as gerações anteriores. Trata-se de um deslocamento na experiência fundamental de ler e de escrever” (Bellamy et al., in Furtado, 2010: 32). Dir-se-ia portanto que a Internet e a progressiva convergência das tecnologias digitais, num ambiente societal em rede onde o volume e o alcance de todos os tipos de textos e informações sofreu uma exponencial expansão, se encarregou de tornar viável uma leitura de mobilidade conectada, afastada da clássica visão do homo typographicus. À luz destas tendências, que perspectivas teóricas deverá uma sociologia da leitura digital mobilizar visando apreender a complexidade do respectivo objecto de estudo? Importa começar por mencionar o valioso contributo da francesa Claire Bélisle, designadamente a noção de leitura que propõe:

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la lecture est un activité humaine, c’est-à-dire intentionnelle et motivée, accomplie par des sujets mettant en oeuvre des stratégies pour attendre des buts par des opérations. Cette approche a l’intérêt d’intégrer l’analyse de la tâche, avec ses composantes que sont les buts, les moyens (entre autres, les supports que sont les livres papier et eléctroniques) et l’environment, et l’analyse des actions, avec le déroulement séquenciel des interactions. C’est l’instrumentation de la lecture que retiendra l’attention ici. (Bélisle, 2004: 7-8)

Argumenta também a autora que tais práticas ocorrem sempre no âmbito de um dado contrato de leitura. Melhor dito: inscrita no contexto socio-cultural, há uma convenção tácita de funcionamento, um quadro de referência comum a regular as relações entre cada suporte e os seus potenciais leitores. Assim, lembrando o conceito de horizonte de expectativas formulado por Hans Robert Jauss – essa predisposição a um certo modo de recepção – realça-se como as práticas e concepções supostas num contrato de leitura particular podem mudar de configuração caso o suporte em causa seja outro. Martine Poulain, por seu turno, destacando a heterogeneidade contextual em que os indivíduos se movem, ideia cara a Bernard Lahire, salienta o seguinte aspecto: hay que reconocer la diversidad de sus formas de ejercicio [da leitura], incluso al nivel de un mismo individuo. (…) Las personas viven en universos heterogéneos a los cuales se adaptan, esforzándose al mismo tiempo por dominarlos. Este contexto es, a su vez, móvil, tanto a nivel sincrónico (para el mismo individuo, leer en el ambiente familiar, escolar o profesional es una actividad multifacética, a veces contradictoria, en estos contextos diferentes), como a nivel diacrónico (las disposiciones de los individuos y las configuraciones en las cuales se mueven cambian en el transcurso de la vida). Los hábitos de lectura o escritura de los individuos, no más que sus otros comportamentos sociales, no pueden estar separados del contexto en el cual tienen lugar. (Poulain, 2011: 201)

Por conseguinte, falar de leitura, “tout ce qui se passe quand des gens lisent” – na concepção de Passeron (1986: 18), envolve normalmente uma segmentação interna: de um lado, a que se realiza por prazer e necessidades de informação; do outro, a que decorre de razões escolares ou profissionais. Contudo, Wendy Griswold, restringindo substantivamente os conceitos de leitura e de leitor nas suas investigações, chega a enfatizar que “readers are not people who can read, or who do read for work but those who choose to read in their spare time” (cit. in Neves, 2011: 33). Preside à presente obra um entendimento diferente. Admite-se uma noção mais ampla de leitura (de textos digitais), vinculada também aos contextos escolar e profissional, e englobando a “cursory reading we do every day as we make our way through a text-saturated world – (…) news Web sites, e-mail messages, tweets, or text messages” (Cull, 2011: 2). Nestes termos, tocando-se no digital, revela-se talvez oportuno equacionar as noções-chave de classe de leitores e cultura de leitura avançadas na reflexão teórica de Griswold (2005), pese embora ambas de difícil 7

operacionalização. Grosso modo, compondo-se a classe de leitores por membros altamente escolarizados e de elevado capital económico, jovens, lendo regularmente livros em situações de lazer e trabalho (sobrestima-se aqui a modalidade do impresso) e, cumulativamente, usando a Internet, “an everyday technology, diffusing through homes, schools and workplaces by the late 1990s” (Livingstone, 2005: 3), a que classe(s) de indivíduos se alude tendo por base a(s) leitura em ecrã(s)?. A questão é tão mais pertinente se articulada ao conceito de cultura de leitura, “a place (a city, a province, a country), where most people, over and above the demands of their job or schooling, routinely read (…) for entertainment and information” (Griswold cit. in Neves, 2011: 37). No fundo, o que se discute é a valorização da literacia e da leitura em todos os suportes e contextos sociais; no caso da sociedade portuguesa, a vitalidade da sua cultura de leitura. Recordando considerações de Anthony Giddens, Manuel Castells ou Scott Lash, Judy Wajcman adianta como a aceleração da vida quotidiana contemporânea está intimamente ligada à intervenção das tecnologias digitais. No entanto, além dos efeitos de compressão sobre o espaço e o tempo, “technologies change the nature and meaning of tasks and work activities, as well as creating new material and cultural practices” (Wajcman, 2008: 66). Partindo da assunção de que o estudo da utilização daquelas tecnologias consubstancia uma das áreas de maior potencial de crescimento para as ciências sociais (Cardoso, 1998: 29), analisar o que está envolvido nas operações de ler suscitadas numa era de interfaces digitais, ao nível das práticas concretas, das expectativas, das representações, possui suficiente pertinência para perceber eventuais alterações nas relações com a leitura por parte da população portuguesa. É precisamente através do conceito de leitor imersivo, virtual que a perspectiva de Lucia Santaella se inscreve em toda esta discussão. Se Katherine Hayles (2010) se interessa pela hiperleitura, estratégia de resposta face a um contexto saturado de informação (a tónica aí está na tácita selecção ou justaposição dos textos pelos quais se deambula, ou que acidentalmente se nos deparam), Santaella tipifica quem a ela se dedica, “não mais um leitor que segue as sequências de um texto, virando páginas, manuseando volumes, percorrendo com seus passos a biblioteca, mas um leitor em estado de prontidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro multilinear, multisequencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao interagir com os nós entre palavras, imagens, documentação, músicas, vídeo, etc.” (2004). Se para o leitor contemplativo, meditativo, vindo do Renascimento e prevalecendo hegemonicamente até meados do século XIX, o objecto livro pressupõe uma modalidade e um tempo de leitura e atenção específicos, o leitor fragmentado, movente, nascido com o aparecimento dos jornais é então, por contingência, um leitor mais célere, de fragmentos, de linguagens híbridas, de notícias quotidianas massificadas. Não obstante

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a sequencialidade histórica que parece marcar o surgimento destas três categorias de leitores, tende a haver coexistência temporal entre elas. Ideal-tipicamente, o leitor virtual “navega”, “surfa” na Internet. E assim, defende Bertrand-Gastaldy, la tendance se dessine vers des lectures ouvertes, relationnelles, multidimensionnelles et encore plus personnalisées qu’auparavant. Il se pourrait que, dans certaines conditions, les lectures favorisées soient des lectures fragmentées de passages de documents répondant à des questions très précises, voire factuelles qui ne suivent pas la linéarité de l’énoncé mais les hyperliens existants ou créés par l’instrument de recherche, par l’index, en fonction des visées de l’«utilisateur» (le mot semble, dans ces conditions, plus approprié que celui de «lecteur»). Le butinage, la lecture découverte, le survol, la lecture sélective sont alors privilégiées2. (Bertrand-Gastaldy , 2002: 7-8)

Reter que as mesmas tecnologias digitais, mediando a(s) leitura(s) que se fazem, traduzirão diferentes coisas para diferentes grupos de indivíduos. E que tanto o interface (o gadget) como os conteúdos em causa implicarão distintas formas e objectivos de leitura. Com efeito, cada indivíduo pode potencialmente ler em ecrã uma multiplicidade de textos, em situações variadas da sua vida social e cultural. O ponto determinante reside no facto de não se lidar exclusivamente com práticas de leitura eruditas ou cultivadas, distintivas no sentido imputado por Pierre Bourdieu, mas também, recuperando premissas do norte-americano Robert Darnton, aquela leitura comum ou normal, tomando o texto enquanto instrumento orientado para fins que lhe são exteriores, longe da contemplação de carácter estético-literário e presa às preocupações imediatas (comunicar, divertir-se, documentar-se) do dia-a-dia3 (Baudelot e Cartier, 1998: 26-27). Conferir inteligibilidade ao fenómeno da leitura digital requererá, em igual medida, a identificação de sujeitos que, segundo diversos graus de recorrência e pluralidade, utilizam o(s) interface(s) na sua vertente de tecnologia comunicacional ou social, síncrona ou assíncrona (lendo e-mails, mensagens de telemóvel, textos acedidos no âmbito das redes sociais, etc.) e/ou visando apropriar-se de materiais legíveis de maior permanência (hipertextuais ou não), ebooks ou textos publicados em páginas da Web. Mark Deuze não deixa de o reconhecer: a sketch of characteristics common to a culture does not presuppose that all individuals located within that culture behave or act in similar ways, nor that a set of emerging 2

No que à leitura digital se refere, David Levy (1997) realça por exemplo a tendência de leituras em ecrã de menor profundidade, mais fragmentadas ou dispersas. Por seu lado, Sven Birkerts, na obra The Gutenberg Elegies: The Fate of Reading in an Electronic Age (1994), alega a transição de uma leitura de maior densidade, vertical, para outra na diagonal, como é habitual designar-se, à superfície do texto. 3 Binómio em que vários autores reconhecem validade analítica quando se tem em vista a compreensão das práticas de leitura, por exemplo retomado nos conceitos de “lecture savante” e “lecture ordinaire” – veja-se Dufays, Jean-Louis (2005), “Lecture littéraire vs lecture ordinaire: une dichotomie à interroger”, in Jouve, Vincent (org.), L’expérience de lecture, Paris, Éditions L’improviste, pp. 309-322.

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practices is a linear progression from or improvement upon those that came before. (…) In the ways humans and machines interact in the context of ever-increasing computerization and digitalisation of society an emerging digital culture is expressed. Such a culture thus has consequences on a shared social level – both online as well as offline. (Deuze, 2006: 69)

Importante nesta fase indicar as duas definições de leitura que Olivier Donnat (veja-se Neves, 2011: 27) avançou: prática cultural e actividade de recepção. É sob tal alternância de enfoque que a sociologia da leitura (de suportes impressos, registe-se) tem vindo aliás, globalmente, a assentar. Se no primeiro caso prevalece o peso explicativo das variáveis sociográficas, as estruturais relações de homologia entre as características dos indivíduos e os seus tipos e intensidades de leitura, no segundo promove-se um olhar eminentemente compreensivo, tentando dissecar a variedade de significados que cada acto de ler comporta. Ainda que não seja propósito deste estudo enveredar pelas apropriações e elaborações de sentido que os indivíduos activamente encetam frente a determinadas configurações textuais (Manguel, 1998), essa a linha de Michel de Certeau (1990) por exemplo, considerar-se-á na análise da leitura feita em dispositivos digitais “the ways in which these technologies (…) become (or do not become) both meaningful and useful” (Silverstone, 1995: 75-76). Como escreve Fernando De La Flor, debruçando-se sobre a hodierna omnipresença da palavra escrita, “nos nossos dias, a leitura converte-se num autêntico kit de estratégias de recepção variadíssimas, que têm como marco um ecrã todopoderoso e um conjunto de possibilidades combinatórias que joga (…) com todo o amplo campo de signos culturais” (De La Flor, 2004: 91). Na verdade, nem só de recepção se trata. Sustenta Martine Poulain que a revolução electrónica e digital “ha multiplicado la presencia de lo escrito y su uso; también ha conducido a todo lector a escribir: lo escrito viene a reemplazar lo oral frente a una pantalla silenciosa” (Poulain, 2011: 203). A lecto-escrita; lê-se igualmente para escrever (Adler et al., 1998)4. De facto, é devido ao permanente confronto dos sujeitos com a evolução das tecnologias digitais, exigindo habilidades e competências particulares (“consumers of expertise, (…) inside the technological implement we use”, na acepção de Zygmunt Bauman – 1990: 200) que surge o conceito de literacia digital. The new literacies of the Internet and other ICTs include the skills, strategies, and dispositions necessary to successfully use and adapt to the rapidly changing information and communication technologies and contexts that continuously emerge in our world and influence all areas of our personal and professional lives. These new literacies allow us to use the Internet and other ICTs to identify important questions, locate information, critically evaluate the usefulness of that information, synthesize 4

Por exemplo: escrevendo para criar um novo documento ou para modificar um já existente; escrevendo de maneira abreviada ou pouco estruturada, com uma função provisória, que não visa a elaboração de um texto ou documento final; escrevendo anotações ou comentários a algo que se leu; preenchendo formulários, etc.

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information to answer those questions, and then communicate the answers to others. (Leu et al., 2004: 1572)

A visão convencional de que a literacia corresponde à “capacidade de processamento na vida diária (social, profissional e pessoal) de informação escrita de uso corrente contida em materiais impressos vários (textos, documentos, gráficos)” (Gomes et al., 2000: 1), vem sofrendo uma deriva justificada essencialmente pelo crescente interesse em redor das formas electrónicas de expressão. Com consequências óbvias ao nível do modo como comunicamos e disseminamos a informação, como encaramos as (por vezes interdependentes) tarefas de leitura e escrita “que a modernidade e o livro vieram rigidificar” (Babo, 2003: 58). Talvez seja indispensável não esquecer que, graças às potencialidades de combinação multimédia (texto, som, imagem, vídeo) encerrada nos meios digitais (Castells, 2001), é perante uma textualidade mestiça (a expressão é de Fernando De La Flor) que, em certos casos, os sujeitos se encontram. Aliada à tecnologização de uma literacia presente “nearly everytime we try to read, write and communicate with the Internet and other ICTs” (Leu et al., idem: 1590)5, quer a leitura quer a escrita transformam-se textual, relacional, espacial e temporalmente. Os atributos dos textos mudam, num cenário onde quem escreve e lê passa cada vez mais tempo diante de ecrãs produzindo-os e/ou consumindo-os. Absolutamente diversos no que à sua natureza concerne, os textos digitais incluem “a linear text in digital format, a nonlinear text with hyperlinks, a text with integrated media, and a text with response options” (Dalton e Proctor, 2008: 300). Neles se nota a proeminência do design de informação contemporâneo. De um ponto de vista relacional, a emergência da componente de escrita dentro dos novos media (recorde-se que à segunda geração da Internet comercial, com a blogosfera, os wikis, etc., se juntou uma valência autoral da parte dos utilizadores – Axel Bruns introduziu a este respeito a noção de produser6) parece capaz de modificar a relação inscrita entre quem lê e escreve, na medida em que se assiste a um incremento da interactividade.

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O grupo constituído pelos investigadores Donald Leu, Charles Kinzer, Julie Coiro e Dana Cammack apontam alguns exemplos do que integram debaixo da nomenclatura novas literacias: “using a search engine effectively to locate information; evaluating the accuracy and utility of information that is located on a webpage in relation to one’s purpose; using a word processor effectively, including using functions such as checking spelling accuracy, inserting graphics, and formatting text; participating effectively in bulletin board or listserv discussions to get needed information; knowing how to use email to communicate effectively; and inferring correctly the information that may be found at a hyperlink on a webpage” (ibidem: 1590). 6 “Indeed, even those members of the networked population who choose for the moment to remain users (…) are always already potential produsers themselves – and recent developments have made it ever more easy, and in some cases even inevitable, for such users to become produsers”, in Bruns, Axel (2009), Blogs, Wikipedia, Second Life, and Beyond – From Production to Produsage, New York, Peter Lang Publishing, p. 22.

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The internet and other new media give users the means to generate, seek and share content selectively, and to interact with other individuals and groups, on a scale that was impractical with traditional mass media. (Livingstone, 2005: 5)

Tanto a interacção social como a conversação reflexiva, subentendendo uma dimensão da leitura que pode ser construída ou originada pelo próprio, ocorre através do uso das tecnologias digitais. Neste contexto, ganha especial ênfase na leitura digital o balanço entre práticas individuais e sociais de leitura, até porque convém referir como muitos dos conteúdos que efectivamente se lêem na Internet (notícias, por exemplo) aparecem filtrados em função de critérios de popularidade ou relevância (Picone, 2007: 98), isto é, definidos também pelos interesses de outros indivíduos. Desde há largos anos que o processo de ler tem sido investigado sob ângulos vários. Ora explorando a estrutura do discurso, as características concretas dos textos, ora sondando as estratégias de compreensão que os leitores implementam, ora até prestando atenção ao papel do leitor, às funções da leitura ou aos media usados nesse âmbito. Relativamente às interacções erigidas entre o leitor e texto, Leu e Reinking admitem, respondendo à idealizada e metafórica assunção de que o leitor interage com o texto em busca do(s) seu(s) sentido(s), da sua compreensão, que electronic learning environments (…) provide an opportunity to operationalize this idealized notion of a dynamic, reciprocal interaction between readers and texts. We use the term “electronic learning environments” to refer to environments where text carries at least a portion of the information within an interactive electronic medium. Electronic learning environments include what are commonly referred to as hypertext, hypermedia or multimedia. Within electronic learning environments, readers actively manipulate the nature of the information they encounter as they navigate through flexibly structured resources in an attempt to construct meaning. (…) Many electronic learning environments actively respond to readers who seek information from multiple media sources. (…) For example, might (…) provide an explanation for a difficult concept unfamiliar to a user, animate a complex process to illustrate causes and consequences, provide a video segment to demonstrate a procedural routine, or display written responses by other users about their learning experiences. (Leu e Reinking, 1996: 44-45)

São assim desafiadas as formas tradicionais (mais estáticas) de relação com a matéria escrita nas sociedades actuais, em que os aparelhos tecnológicos quase assumem o estatuto de segunda pele do indivíduo (Baudrillard, 1993), com ele compondo um circuito integrado. Provavelmente com variações conforme se dirija o foco para os chamados nativos digitais7 (teoricamente, sujeitos de uma geração que 7

Uma importante ressalva conceptual: “while we frame digital natives as a generation ‘born digital’, not all youth are digital natives. Digital natives share a common global culture that is defined not only by age, strictly, but by certain attributes and experiences in part defined by their experience growing up immersed in digital technology, and the impact of this upon how they interact with information technologies, information itself, one another, and other people and institutions. Those who were not ‘born digital’ can be just as connected, if not more so, than their younger counterparts. And not everyone born, since, say, 1982, happens to be a digital native” (“Are all youth digital natives?”,

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cresceu mergulhada numa parafernália de dispositivos digitais, dos quais se serve quotidianamente) ou para os imigrantes digitais (socializados na utilização dessas tecnologias já em etapas ulteriores da sua vida, combinando ferramentas digitais e analógicas com o intuito de aceder à informação ou de comunicar com terceiros), dois conceitos cunhados em 2001 por Marc Prensky. Em 1994, o estudo intitulado Práticas culturais dos lisboetas, coordenado por José Machado Pais, observava que, à data, a alusão à fragilidade dos hábitos de leitura dos portugueses (de livros, jornais e revistas) ocupava um espaço substancial nos debates em torno da constelação dos seus comportamentos culturais, estritamente falando. Essa apatia ou baixo «nível cultural» servia então para atacar “a cultura «massificadora» imposta pelos grandes meios de comunicação assentes na tecnologia electrónica, em detrimento do livro, como lugar privilegiado do pensamento, da reflexão e da cultura” (Pais, 1994: 191). Simplesmente, citando O. Donnat, os autores argumentam ser “díficil «sitiar» (cerner, no original) uma actividade que tanto pertence ao tempo de trabalho como ao de lazer, e releva do registo do utilitário, da pura distracção e da erudição, mais ou menos sábia” (idem: 193). Algo que, obviamente, também perpassa pela leitura protagonizada em múltiplos suportes digitais. No quadro desta discussão, encontra-se interesse na mobilização e adaptação analítica de certos conceitos propostos por Idalina Conde acerca da problemática sociológica das práticas culturais, não circunscritas à sua dimensão cultivada. Quando se pretende conhecer hábitos e comportamentos de leitura mediados por equipamentos com uma plural disponibilidade de usos (lúdico e/ou funcional, escolar e/ou profissional, ou mesmo da ordem da fruição literária), presumir desde logo uma realidade constituída por práticas (de leitura) receptivas, a “exposição algo ‘passiva’ a emissões (que substituiria por tipos de textos) inalteráveis pelo receptor ainda que por ele escolhidas (…)”, operacionais, servindo de plataforma de usos expressivos ou criativos por parte de quem lê, e ambíguas ou polivalentes, “cujo sentido radicará nos contextos e propósitos com que são usados” (Conde, 1996: 121-122). É aqui sugerido que os interfaces digitais funcionam enquanto espécie de “mobiliário cultural”, artefactos materiais e dispositivos agenciais para a leitura e escrita que acontece dentro ou fora do espaço domiciliar. Empiricamente, é portanto verosímil que, no momento em que escreve, determinado sujeito possa estar num espaço tendo a seu lado um livro em suporte papel e um computador portátil. Ou o seu iPad, mediante o qual consulta publicações online (conectadas ao Google ou à Amazon) ou artigos de formato pdf que lhe foram enviados e que entretanto armazenou. Essa reconfiguração da experiência de ler dá azo a uma hibridização de competências, a uma multiplicidade sensorial da literacia e da leitura. http://cyber.law.harvard.edu/research/youthandmedia/digitalnatives/areallyouthdigitalnatives, acedido em 10 de Julho de 2012).

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Num tempo de modernidade líquida, caracterizada pelo estado ubíquo, desmaterializado, dinâmico e maleável da informação, que assim contraria convenções sociais antes estabelecidas, Bauman (2000) aponta para os indivíduos na sua condição de consumidores móveis, flexíveis, “who actively negotiate and ‘domesticate’ the role, adoption and employment of technological innovations, in a dynamic process within the everydayness of their social practices” (Jiang, 2011: 6). Factor particularmente sensível no que diz respeito às práticas de leitura digital é a circunstância de se perspectivar um condicionamento provocado pelos estilos e ciclos de vida, pelos papéis sociais que os indivíduos vão desempenhando, dimensão eventualmente dotada de maior densidade explicativa se comparada a influências de teor geracional. Afirma Anthony Giddens que “um estilo de vida pode ser definido como um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo adopta, não só porque essas práticas satisfazem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto-identidade” (Giddens, 1994: 73). Negociar escolhas de estilos de vida numa sociedade de capitalismo desenvolvido que multiplicou de tal modo a diversidade de opções passa também por identificar a incorporação de uma transversal “cultura de consumo” (Featherstone, 1991) nas actividades do dia-a-dia dos indivíduos. O capital simbólico dos objectos de uso corrente, profundamente estetizados, pressupõe a atribuição de significados além da mera utilidade, consumindo-se por arrasto um valor signo, conforme Baudrillard pretendeu demonstrar. E isso, nas considerações certas de Idalina Conde, “numa contemporaneidade eclética com tendências homogeneizantes paralelas a efeitos personalísticos” (Conde, 1992: 147). Interrogar a apropriação das tecnologias digitais onde se lê, reportadas a temporalidades e espacialidades específicas, contrastantes e entrecruzadas, de trabalho e de lazer (Pais, 1998; Rainie e Wellman, 2012) - lendo no computador do escritório ou da biblioteca um artigo saído no jornal diário, lendo em trânsito e no iPhone um e-mail recebido ou lendo um romance na praia através do Kindle -, torna pois necessário trazer para a análise a teoria da domesticação da tecnologia, de Roger Silverstone, estendida igualmente ao exterior do universo doméstico: “the emphasis is on consumption rather than mere use. So attention has been given to what ICTs mean to people, how they experience them and the roles ICTs can come to play in their lives” (Haddon, 2003: 44). É a assimilação da tecnologia nas rotinas e micro-práticas da vida quotidiana dos seus utilizadores que ilumina o dito processo de domesticação, capacidade na dependência dos diferentes tipos de capital que se possui ou dos quais se está destituído (Bourdieu). Domesticação da Internet num primeiro nível, querendo-se deduzir uma definição de leitor digital como alguém a ela ligado, aproveitando o acesso a documentos e informações, a sua partilha, e as funcionalidades comunicativas disponibilizadas pelo dispositivo digital ao dispor. Na era da literacia online, esse o requisito base. Manuel Castells acentua que 14

we do not “watch” the Internet as we watch television. In practice, Internet users (the majority of the population in advanced societies and a growing proportion of the third world) live with the Internet. (…) Working with the Internet includes occasional surfing of non-work-related web sites or the sending of personal e-mails as a result of widespread multitasking in the new informational environment. Furthermore, the Internet is increasingly used to access mass media (television, radio, newspapers), as well as any form of digitized cultural or informational product (films, music, magazines, books, journal articles, databases). (Castells, 2009: 64)

E-mails e textos também lidos e/ou enviados em segundos. Sucede que tencionando-se ensaiar categorias de leitores digitais, e até porque “the singularity of ‘the internet’ is particularly problematic, for it refers to a diverse collection of technologies, forms and services bundled together” (Livingstone, idem: 4), deverão ser salientados os sites, congregando informações de variada índole, ou as aplicações/ferramentas dos media sociais (blogues, Twitter, Facebook, Orkut, etc.). Neste caso, a publicação, produção colaborativa e difusão de vários géneros de conteúdos destinados à leitura tem aí lugar de maneira descentralizada. Sobre isto se tem preocupado o campo dos Internet Studies, procurando apurar os reais usos e perfis dos internautas. A via tradicional da sociologia da leitura deixa na sombra todas estas práticas leiturais. Ora, com o objectivo de tentar compor uma sociologia da leitura digital, o facto de as indústrias (culturais) dos bens impressos sofrerem modificações com a entrada na sociedade da informação, revendo os modelos de negócio e redefinindo os seus produtos e canais de distribuição (Thompson, 2010), acarreta que se considere ponderar “no próprio corpus da edição electrónica, (…) dois géneros de textos: representações derivadas ou secundárias de livros impressos e publicados ou de textos pensados primariamente para publicação impressa, e publicação de textos electrónicos pensados e concebidos para se moverem em suportes digitais desde o seu início” (Furtado, 2000: 365). O movimento de transposição para o digital experimentado pelos intervenientes das cadeias de edição de livros, jornais e revistas (apostando na orientação personalizada dos materiais de leitura para suportes tais como os tablets, os smartphones ou os e-readers), cobre então outra dinâmica não despicienda aspirando-se chegar à identificação, necessariamente provisória, de tipos de leitores digitais. Ao situarmo-nos nesse plano, assume-se um recorte tipológico que, de modo algum, esgota adicionais ou mais finas declinações do ser leitor advindas do confronto com os dados empíricos. Todavia, a ideia de um leitor total, omnívoro, que lê tudo, desde os textos contidos nas plataformas dos media sociais e noutras páginas Web aos formatos especialmente vocacionados (o exemplo dos e-books) para os novos interfaces digitais (móveis), que recorre às populares formas tecnológicas do SMS e do correio electrónico (e-mail), e que faz uso das possibilidades da rede, revestirá seguramente a especificidade de um certo grupo de leitores. Em segundo lugar, a ideia de um leitor parcelar – demarcando livros, jornais e revistas, Eduardo de Freitas e Maria de Lourdes Lima dos Santos fixam essa classificação a um “acesso recorrente, mas fragmentado, porque limitado a um ou 15

dois desses três conjuntos de publicações, sem traduzir necessariamente capacidades descodificadoras reduzidas dos indivíduos” (Freitas e Santos, 1991: 68) -, que elucidaria práticas de leitura combinando algumas das seguintes actividades: navegação “tradicional” na Web, nos textos das redes e media sociais, utilização dos sistemas de SMS e de e-mail, leitura de livros ou demais documentos digitais (e-books, ficheiros pdf, etc.) passíveis de consumo em diferentes gadgets. Vale no entanto a pena relembrar que na leitura em meio digital se cruzam potencialmente dimensões de aquisição e/ou partilha mas também de comentário, de estatuto crítico ou social. Finalmente porém, importa não negligenciar na tipologia o que aqui se apelida de proto-leitor, sujeito que, “apesar de (…) possuir (…) a competência de leitor (“sabe-se ler”)” (Freitas e Santos, idem: 68), por força de incipientes competências de literacia digital ou tecnológica se mostra alheado ou afastado das práticas de leitura acima discriminadas (somente fazendo uso pragmático do SMS ou do e-mail por exemplo). Será porventura útil nesta fase abordar o contributo-chave de John B. Thompson relativamente a uma das (cinco) características da “comunicação de massa” que apresentou. Embora o autor defenda que aquela expressão “é (…) inapropriada para os novos tipos de informação e comunicação em rede, que se estão tornando cada vez mais comuns hoje em dia” (Thompson, 1998: 32), há uma dimensão de massificação que as redes sociais introduzem e que interessa evidentemente assinalar no estudo da leitura digital. A bem dizer, a comunicação de massa implica a indefinição do número de destinatários, os seus produtos “permanecem disponíveis a quem quer que tenha os meios técnicos, as habilidades e os recursos para adquiri-los” (idem: 35). Se no caso dos meios de comunicação e escrita interpessoal, como o e-mail ou o SMS, o que está grosso modo em causa são textos dirigidos para um outro específico, nas redes sociais lê-se mais, há mais gente a escrever, desencadeiam-se também processos de comentário. Esse fenómeno social cada vez mais significativo e penetrante que se baseia na rápida circulação dos mais variados tipos de textos (ao limite, é incontrolável onde vai parar o que se escreve, alvo de sucessivas partilhas ou redistribuições por diferentes grupos de internautas) permite assim levantar a hipótese de que as redes sociais abrem as portas para a massificação da leitura digital. A ideia de que qualquer pessoa tem hoje em si os meios da comunicação de massas, em virtude de poder colocar textos em plataformas digitais com vista a serem lidos por uma diversidade de indivíduos (Castells, 2007), carrega contudo um aspecto que se afasta de outra das propriedades que Thompson destacou. À partida, a fundamental desigualdade entre quem escreve e lê – “os receptores são, pela própria natureza da comunicação de massa, parceiros desiguais no processo de intercâmbio simbólico” (ibidem: 35) –, quando pensada na esfera dos media e redes sociais revela um alcance distinto. Simultaneamente sujeitos em processos de produção, transmissão e recepção, deixa pois de ser verdadeiro que os mesmos se encontrem “privados das formas diretas e contínuas do feedback característico da interação face a face” (ibidem: 34). 16

Que historicamente o número de leitores suplantou sempre o número de autores é algo que parece não oferecer dúvidas. A tese de Dennis Baron é a de que a Internet terá impulsionado uma transformação: thanks to the internet, that gap may be narrowing dramatically. Each new stage in the history of writing technologies tends to expand the authors club, and the digital explosion seems to have opened that guild up to something approaching universal membership, at least so far as the universe of computer users goes. On the internet, everyone’s an author, every scrap of prose a publication. (2009: 157)

De facto, a utilização da Internet alastrou-se por todo o mundo a uma velocidade absolutamente ímpar se se considerar quaisquer outros meios de comunicação8. Mas em consonância com o que vários autores sublinham, é preciso explicitar melhor em que medida nas contemporâneas sociedades da informação o próprio modelo comunicacional mudou. Pode dizer-se que esse novo modelo fundou os seus alicerces numa comunicação de carácter globalizado, na intersecção em rede dos meios de comunicação interpessoais e de massas, sem esquecer os diferentes padrões ou graus de interactividade associados à emergente mediação em rede (Cardoso, 2011). A auto-comunicação de massa de que fala Manuel Castells – “it is mass communication because it reaches potentially a global audience through the p2p networks and Internet connection. It is multimodal, as the digitization of content and advanced social software, often based on open source that can be downloaded free, allows the reformatting of almost any content in almost any form, increasingly distributed via wireless networks. And it is self-generated in content, self-directed in emission, and self-selected in reception by many that communicate with many” (Castells, 2007: 248) – em traços largos é-o porque fruto de uma individualizada apropriação. Mas também a comunicação mediada de um para muitos, que por exemplo preside à utilização do Facebook com os nossos “amigos”, e a comunicação interpessoal multimédia (refira-se o uso dos programas de conversação instantânea), testemunham a metamorfose em matéria de modelo comunicacional. O resultado são então práticas e níveis de envolvimento e/ou interacção muito distintos, certas abrangendo actividades de leitura claro está, atravessadas pela influência de um denominador comum, a mediação por ecrãs. Como adianta Henry Jenkins, os indivíduos vivem actualmente num mundo onde “old and new media collide, where grassroots and corporate media intersect, where the power of the media producer and the power of the media consumer interact in unpredictable ways” (Jenkins, 2006: 259-260). Fluxos de conteúdos e formas de disseminação mais directas e libertas dos mecanismos de gatekeeping em

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“As a result, the number of Internet users on the planet grew from under 40 million in 1995 to about 1.4 billion in 2008. By 2008, rates of penetration had reached more than 60 percent in most developed countries and were increasing at a fast rate in developing countries” (Castells, 2009: 62).

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que interferem jornalistas, editores, etc. Gustavo Cardoso resume-o nos seguintes moldes: os nossos conteúdos – sejam eles noticiosos, informativos ou de entretenimento – parecem ter-se alterado graças à presença de conteúdos fornecidos pelos próprios utilizadores dos meios de comunicação e não apenas pelas empresas de mídia, dando lugar à coexistência de diferentes modelos de informação para diferentes públicos. (Cardoso, 2011: 236)

No fundo, dever-se-á ter presente o que Jenkins nomeia de cultura da convergência, teoricamente perceptível quando se faz entrar na discussão dois conceitos subjacentes, convergência de media e cultura participativa. O primeiro aponta para a progressiva adaptação dos mass media ao advento da Internet, visando a distribuição dos seus produtos por outra via, ou seja, para o princípio de que vários tipos de conteúdos perpassam portanto múltiplas plataformas de media9, e isso a par de um comportamento migratório que certos públicos ou audiências levam a cabo, oscilando entre canais no consumo de tais conteúdos. Já quanto à noção de cultura participativa o ponto determinante reside no facto de a convergência igualmente representar “a cultural shift as consumers are encouraged to seek out new information and make connections among dispersed media content. The term participatory culture contrasts with older notions of passive media spectatorship. Rather than talking about media producers and consumers as occupying separate roles [a fundamental desigualdade a que atrás se aludiu] we may now see them as participants who interact with each other according to a new set of rules” (Jenkins, 2006: 3). Daqui deriva que num contexto de convergência de media, e na intenção de nos centrarmos na leitura feita sobre uma pluralidade de ecrãs, todo o conteúdo escrito pode ser activa e facilmente difundido e/ou seleccionado pelos leitores. De acordo com esta lógica de raciocínio, querer compreender o fenómeno da leitura digital pede a necessária atenção à possibilidade de os sujeitos navegarem ao redor da paisagem de media, escolhendo ou alternando entre dispositivos tecnológicos consoante a actividade ou o objectivo em causa, a própria natureza dos textos, e, por outro lado, comentando notícias e artigos publicados online, lendo e/ou produzindo conteúdos escritos nos fóruns da Web e nos sites das redes sociais (neste particular, uma leitura que assume um cariz também acidental, já que os indivíduos, na condição de destinatários das suas redes de amigos, acabam por ler textos que, se calhar, noutras plataformas ou suportes não procurariam de modo voluntário)10. Saber até que ponto o poder 9

Inclusivamente numa mesma máquina ou gadget podem convergir conteúdos e/ou funções muito diversas. Atente-se no exemplo do smartphone, misturando, entre outras, valências do computador, do telefone, da câmara digital, da Internet, possibilitando não só a interacção como também a produção e o acesso a uma enorme variedade de conteúdos. 10 Assim, “with a deluge of information cascading from a variety of different sources, networked individuals must actively develop the skills to critically assess the institutional information they find and what they receive from their personal networks. The ability to balance these two information sources is a key for networked individuals as they cope with information overload. They rely on search engines,

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transformador da Internet influencia a(s) leitura(s) que hoje se faz(em) constitui toda uma questão. É também o problema de questionar qual o modelo que se crê hodiernamente associado ao mais vasto público-leitor (Santos, 1992). A ideia de que o sujeito informado – “the citizen who aims at being well informed” e que “for this (…) reason has to form a reasonable opinion and to look for information” (Schütz, 1946) – se constrói agora no espaço virtual da Internet, ao mesmo tempo que escreve e lê, substituindo essa visão chegada do século XIX e que tinha por idiossincrasia uma noção de sujeito informado correspondente à figura do leitor de jornais, modalidade democratizadora do impresso (Darnton, 2011: 143). Oportuno a este respeito recuperar uma passagem da Revista Universal Lisbonense (1841) que Maria de Lourdes Lima dos Santos citou num seu artigo: Este século tão destruidor como criador, matou a Livraria e pôs no seu lugar o Jornalismo. Assim deveria ser, porque este século é popular. Os livros eram a muita ciência para poucos homens; os jornais são um pouco de ciência para todos. O que os livros monopolizavam, os jornais o derramam como podem. (Santos, 1992: 20)

É um facto que a Internet, a tal massificação do texto a que se refere Umberto Eco (1996) - da opinião de que a invenção do computador permitiu, depois da televisão, o regresso à Galáxia Gutenberg, informando-nos acerca do mundo na forma de páginas e palavras -, se converteu num poderoso, sem paralelo, canal de distribuição. A pergunta que aqui genericamente se antecipa é se aqueles que lêem (e escrevem) online vêem tal leitura como uma actividade de substituição ou extensão face à realizada em suportes impressos (livros, jornais…). Ou, dito de outra maneira, como influencia ela a leitura do que existia antes em papel e que agora também se propagou pela esfera digital? A leitura e a escrita constituem hoje os requisitos elementares para que qualquer indivíduo se consiga integrar nas várias dimensões da vida contemporânea: “condição da pólis, condição da cidadania, a leitura e a sua ausência estabelecem o limiar da sociabilização, que, após a alfabetização, ganhou hoje na (i)literacia o seu novo patamar” (Babo, 2003: 51). Na verdade, o alargamento gradual da escolarização contribuiu decisivamente para que sejam cada vez em maior número aqueles que desenvolvem as competências necessárias ao exercício da leitura e da escrita, “assim como são também cada vez mais as ocasiões, os contextos e os domínios, assim como os suportes, que apelam à sua utilização” (Ávila, 2008: 74). Parece natural que se parta daqui para um olhar sociológico de muitas perguntas: que conclusões podem ser ventiladas acerca da leitura digital mediante a sua associação a determinadas variáveis do foro sociográfico? O que muda nas práticas da leitura com a transposição ou

bookmarks, and tags. Moreover, people develop ways to alert them to new information about issues that matter to them” (Rainie e Wellman, 2012: 232-233).

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desenvolvimento dos conteúdos para o formato digital? Disseminando textos a largas audiências, que interferência têm as plataformas das redes sociais nesse âmbito? Como é a leitura digital percepcionada pelos indivíduos? Que regularidades são passíveis de objectivação quando analiticamente se cruzam leituras digitais e em papel? E, por arrasto, em que medida a focagem na leitura digital sintoniza e/ou complexifica com novas categorias de leitores a sociologia da leitura que em Portugal se vem fazendo? Para este fim, com a leitura digital latamente considerada, é-se levado a concluir com uma citação de Bernard Lahire: il y a lecture et lecture, et il faut rappeler cette évidence contre les tendances les plus anodines (que l’on retrouve souvent dans les commentaires des tableaux statistiques concernant la fréquence de lecture, selon la cátegorie socio-professionnelle, le sexe, le niveau de diplôme…, de tel ou tel genre d’imprimé) à faire comme si, entre les “nonlecteurs” ou les plus “faibles lecteurs” et les plus “forts lecteurs”, la différence n’était qu’une différence quantitative (“on lit d’autant moins de telle ou telle cátegorie d’imprimés que l’on fait partie de telle ou telle catégorie de lecteur…”). (Lahire, 1993: 101)

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PARTE I O LIVRO, OBJECTO ECONÓMICO E CULTURAL

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Que se possa afirmar que o universo do livro experimenta actualmente múltiplos processos de mudança não equivale contudo a assumir a simples substituição de paradigmas ou de formatos. Aliás, o que se afigura empiricamente constatável, é a convivência entre modelos, não tendo a cultura do impresso sido abolida em virtude da entrada em cena do digital. Não é pois por acaso que os três capítulos compondo esta primeira secção se esforçam ora em caracterizar o sector nacional do livro do ponto de vista de várias facetas da sua oferta (olhando para as entidades que editam e comercializam livros, agentes de mediação da leitura cuja actuação se inscreve ainda dominantemente dentro do paradigma do impresso), ora as modificações tecnológicas e económicas que não só transformam o livro tal como o conhecíamos enquanto objecto como também a indústria que nele se baseia, sem deixar de dar conta das mudanças que já se conseguem verificar em Portugal nas esferas da edição e da venda de livros em função da influência que as realidades da Internet, em particular, e dos meios digitais, em geral, acabam por aí exercer. Tratando-se de contributos não especificamente centrados nas práticas de leitura propriamente ditas, mas identificando aspectos relacionados com a produção/intervenção no conjunto de leituras que os leitores podem então realizar, acabam igualmente por facultar informação substantiva para responder a essa questão que serviu de título a um livro dirigido pelo historiador Jean-Yves Mollier, Où va le livre? (2000). É dos nexos possíveis de estabelecer entre os diferentes textos desta parte que não só se podem perspectivar transições em curso como eventuais reconfigurações do mundo social do livro na sociedade portuguesa em termos de novos modelos de negócio e de novas lógicas de produção e promoção, favorecendo por seu turno a emergência de outros tipos de leituras e modos de acesso aos livros, artefactos nesse limbo entre papel e digital, bem e serviço.

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1 O sector do livro em Portugal José Soares Neves

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Introdução Quais as caraterísticas do sector do livro em Portugal? Que informação estatística está disponível e é suscetível de contribuir para essa caracterização? O objetivo do presente capítulo é compreender de onde partimos relativamente a um dos principais suportes de leitura, o livro, tendo por base fontes estatísticas. São várias as principais fontes aqui utilizadas, de natureza e alcances diferentes, mas que, no seu conjunto, permitem avançar vários elementos para uma caracterização global do sector: estatísticas oficiais (INE), sistema ISBN, Depósito Legal e inquéritos ao sector. O levantamento e crítica das fontes constam de um estudo com uma reflexão mais vasta sobre um sistema de informação do sector do livro (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012). Considera-se o sector como o conjunto de agentes cuja atividade está relacionada com a edição ou a comercialização de livros. Embora não se ignore que existe uma definição internacional de “livro” emanada da UNESCO, ela não será necessariamente seguida uma vez que raramente é utilizada, desde logo nas estatísticas internacionais (Wischenbart e Ehling, 2009: 5). Neste capítulo refere-se a evolução do panorama editorial português ao longo da primeira década do século XXI quanto às empresas (volume de negócios, pessoal ao serviço) e outras entidades que editam livros, bem como os títulos e os exemplares editados. Aborda-se a comercialização, em particular nas livrarias e nas grandes superfícies mas também noutros canais, incluindo o comércio eletrónico. Apesar dos avanços recentes permanecem inúmeras lacunas na informação disponível em Portugal, aspeto particularmente notório em contraste com outros países, lacunas que inviabilizam não só o alargamento da análise a outras dimensões mas também o aprofundamento daquelas aqui abordadas. Uma das lacunas é a inexistência de inquéritos regulares à edição e à comercialização. Se isto é relevante quanto ao formato papel, é particularmente evidente quanto aos formatos eletrónicos, os quais constituem o principal desafio com que o sector do livro está confrontado em múltiplos planos (a cadeia do livro, os direitos de autor e os direitos de reprodução, para citar apenas alguns) e que tem impactos diferenciados em cada país. Por esse motivo têm sido realizados nos últimos, na Europa e noutros quadrantes geográficos, estudos nacionais que incluem, ou são direcionados especificamente, para a edição e a leitura digitai, o que não é o caso de Portugal.

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O sector do livro como objeto de estudo O sector do livro tem uma longa tradição de estudo pelas ciências sociais, designadamente da Economia e da Sociologia da cultura. Os trabalhos de Lewis Coser e outros (Coser, 1975; Coser, Kadushin e Powell, 1982), bem como de autores da socioeconomia da cultura em França, como François Rouet (1992; 1998) ou Françoise Benhamou (1986; 1996), ou obras sobre as indústrias culturais e as indústrias criativas, de que o livro é um dos constituintes (Garnham, 2005), são algumas referências importantes. Em Portugal vários autores abordaram o sector da edição. Entre eles importa citar Fernando Guedes e as suas reflexões em torno da história do livro e da edição, do livro como objeto cultural e económico (Guedes, 2001), as obras de Jorge Martins no tocante aos indicadores de mercado, ao marketing, aos agentes envolvidos na cadeia do livro, numa perspetiva nacional ou transnacional (Martins, 1999a; Martins, 1999b), à rede social do livro (Martins, 2005a; 2007) e mais especificamente sobre o próprio livreiro (Martins, 2005b). Rui Beja editou recentemente obras sobre a história do Círculo de Leitores, casa editorial fundada em 1970, e sobre a edição em Portugal nas últimas três décadas (Beja, 2011; 2012). José Afonso Furtado é outro autor incontornável, não só no que se refere ao livro, à edição e ao mercado (Furtado, 1995; 1998), às leituras (Furtado, 2000), às implicações das novas tecnologias e à leitura digital (Furtado, 2003; 2004; 2007), mas também quanto à relevância da gestão estratégica (Furtado, 2008) e, mais recentemente, à literacia na sociedade da informação (Furtado, 2012). Após a criação do Observatório das Actividades Culturais (OAC) em 1996 o sector foi um objeto de estudo com alguma continuidade. Disso são exemplos a avaliação das políticas culturais nacionais (Santos e outros, 1998), de medidas políticas públicas específicas do sector como o Preço Fixo do Livro (Santos e Gomes, 2000), de construção e análise de indicadores de mercado (Freitas, 1998; Santos e Gomes, 2000) ou sobre as oportunidades profissionais das mulheres no sector (Gomes, Lourenço e Martinho, 2005). Outros estudos e documentos referem, embora por vezes com perspetivas mais gerais, as entidades com atividade de edição (Gomes, Lourenço e Martinho, 2006; Gomes e Martinho, 2009: 64-79). Os relatórios do Inquérito ao Sector do Livro, realizado entre 2007 e 2009 foram entretanto publicados (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012; Neves, Santos e Vaz, 2012). E, ainda no âmbito do OAC, foram disponibilizadas séries estatísticas sobre as empresas da edição e comercialização com dados do Instituto Nacional de Estatística (Neves e Santos, 2010) e sobre a edição com base na informação do sistema do Depósito Legal (Neves, Santos e Lima, 2012). Promovido pela APEL, foi realizado recentemente um estudo sobre a dimensão do mercado da cópia ilegal com incidência no sistema de ensino (Dionísio e Leal, 2012).

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Entre os modelos que permitem enquadrar uma abordagem do sector do livro pode ser considerado o das indústrias culturais que, embora heterogéneas, Maria de Lourdes Lima dos Santos define como aquelas atividades industriais que integram trabalho cultural ou artístico diretamente nos seus produtos (Santos, 1999). Françoise Benhamou (1996), Nicholas Garnham (2005) ou Gisèle Sapiro (2005) são autores que elucidam de que modo bens culturais como o disco, o filme ou o livro, pelas peculiaridades dos respetivos conteúdos, estão na base da constituição de um campo distinto de análise económica que chega à definição daquelas indústrias de acordo, grosso modo, com cinco critérios, a saber: reprodutibilidade (a partir de um protótipo reproduzido ou difundido a uma escala massificada); incerteza (no sentido em que os produtores, neste caso editores de livros, têm dificuldade em prever a procura do bem produzido; desenvolvem-se estratégias para captar a atenção do consumidor); concentração (no fundo, sejam elas horizontais ou verticais, trata-se de estratégias cujo intuito é minorar a incerteza do mercado e conquistar ou reforçar aí a posição da empresa, resultando na criação de economias de escala); risco económico (dada a imprevisibilidade da procura, os investimentos iniciais implicam um inevitável risco económico, gerido à luz do seguinte princípio – o sucesso de um best-seller pode contudo colmatar as perdas derivadas de sucessivos fracassos editoriais); direitos (há proteção autoral e de reprodução, isto é, existem leis criadas para salvaguardar a propriedade intelectual e os conteúdos criativos). Outro modelo articula as artes, as indústrias culturais e as criativas, nas quais os direitos de propriedade intelectual são centrais (Garnham, 2005) e a que dois estudos recentes deram grande notoriedade, um à escala europeia, o outro em Portugal: o relatório KEA para a Comissão Europeia (AAVV, 2006) generalizou a noção de sector cultural e criativo que inclui, para além do núcleo central das artes e o círculo das indústrias culturais (sector cultural), o círculo das atividades e indústrias criativas e o das indústrias com aquele relacionadas (que conformam o sector criativo), e atribuiu, possivelmente, uma visibilidade sem precedentes ao valor económico das atividades consideradas como culturais e criativas; e o relatório coordenado por Augusto Mateus para o Ministério da Cultura sobre o sector cultural e criativo em Portugal (Mateus, Primitivo, Caetano, Barbado e Cabral, 2010). Para além destes dois estudos, que definem o sector a partir das atividades consideradas e quantificam o seu peso económico, haverá que referir ainda o trabalho que vem sendo realizado na União Europeia desde meados da última década do século passado sobre estatísticas culturais (Neves, 2008; Deroin, 2011), mais proximamente realizado no quadro da ESSnet-Culture (2009-2011) e que culminou com a publicação do relatório final em 2012 no qual se estabelece uma nova grelha de atividades culturais e criativas (Bina, Chantepie, Deroin, Frank, Kommel, Kotynek e Robin, 2012). Em concreto, a importância deste último relatório reside na possibilidade de a referida grelha vir a ser adotada nas estatísticas oficiais dos estados membros, como aliás é já o caso de Portugal. 31

Fontes estatísticas primárias sobre o sector do livro No plano internacional importa referir os esforços realizados pela UNESCO desde a aprovação em 1964 de uma resolução com recomendações sobre a normalização internacional das estatísticas relativas à edição de livros e publicações periódicas (Unesco, 1965). Com o intuito de fornecer informação normalizada acerca das diversas facetas da produção e distribuição de publicações impressas, adverte para a necessidade de cada Estado Membro pôr em prática um conjunto de princípios no que diz respeito a definições, classificações e apresentação de dados estatísticos relativos a livros, periódicos e revistas. Uma nova proposta para a recolha de estatísticas internacionais do livro foi recentemente difundida pela UNESCO, embora nela se destaque a dificuldade de serem estabelecidos padrões a este nível (Wischenbart e Ehling, 2009). De acordo com uma abordagem comparada internacional são quatro as fontes a que mais frequentemente se recorre para caracterizar o sector do lado da oferta: as estatísticas oficiais produzidas pelos institutos nacionais de estatística por via de vários projetos, o Depósito Legal (DL), o International Standard Book Number (ISBN) e os inquéritos de sector (branch survey, barómetros ou estudos de mercado) (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012). No quadro da União Europeia, três projetos de produção de informação estatística adquirem atualmente especial relevância para este sector, uma vez que resultam de um esforço do EUROSTAT no sentido da uniformização (ou harmonização) de critérios na recolha de dados pelos institutos nacionais de estatística. São os projetos relacionados com as empresas (Structural Business Statistics), o emprego (Labour Force Survey) e o comércio internacional (Comext), para os quais é possível, em cada país e no conjunto dos países da UE, extrair informação sobre o sector do livro, naturalmente comparável entre eles (Beck-Domzalska, 2007: 78-85 e 178-182). Por seu turno, o Depósito Legal (DL) consiste na obrigação11 de os editores e/ou produtores de qualquer tipo de documento depositarem numa instituição nacional designada para o efeito um ou mais exemplares para uso público. Ao longo da história do DL os requisitos têm evoluído – sobretudo no que diz respeito aos suportes e tipos de publicações abrangidos, para além do livro impresso, como por exemplo materiais não livro, materiais audiovisuais e publicações eletrónicas (Campos, 2005: 2-3). Na maioria dos países a legislação consigna à respetiva biblioteca nacional a responsabilidade pela acessibilidade, divulgação e preservação da coleção nacional. O DL tem vindo a ser utilizado como uma fonte na produção de informação estatística sobre o acervo bibliográfico editado (Schroeder e Steenkist, 2005: 7). Em Portugal o Depósito Legal está regulamentado pelo Decreto-Lei nº 74/82, de 3 de Março, e pelo Decreto-Lei nº 362/86, de 28 de outubro. É uma atribuição da Biblioteca Nacional. Tem como objetivos a constituição, conservação, produção e divulgação de 11

Com exceções. Na Holanda, o Depósito Legal não é obrigatório (Schroeder e Steenkist, 2005: 8).

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uma coleção bibliográfica nacional com todas as publicações editadas no país. A referida coleção inclui monografias, publicações periódicas, teses de mestrado e doutoramento e produtos semelhantes. Quanto ao ISBN, é um sistema numérico que visa normalizar, generalizar e melhor identificar livros e produtos semelhantes (folhetos impressos, publicações multimédia e eletrónicas) em qualquer parte do mundo. Criado nos anos 70 em Inglaterra, o ISBN é regulado pela International ISBN Agency que coordena a atividade das agências nacionais. O ISBN vigora em cerca de 160 países (Pimentel, 2007: 231). Na generalidade dos países não é obrigatório por lei, pelo que a participação/comunicação das editoras às agências nacionais de ISBN é voluntária. Refere-se a expetativas de edição e não necessariamente a publicações como no DL. Constitui, em alguns países, como é o caso de Espanha em que é obrigatório, uma fonte relevante para as estatísticas do sector. Relativamente aos inquéritos ao sector – a quarta e última fonte de informação estatística aqui considerada – saliente-se antes de mais a sua heterogeneidade, pelo que têm dificuldades comparativas tanto no plano nacional como transnacional. São diversos os propósitos (caracterização do sector, aprofundamento de um determinando segmento), as perspetivas adotadas (estudos económicos, de mercado, sociológicos, etc.) e a regularidade com que são realizados. Fornecem geralmente dados detalhados do mercado (financeiros, físicos, informações sobre mercado nacional/exterior, bens, categorias editoriais, consumos e direitos de autor e de propriedade intelectual) e das editoras e, eventualmente, de empresas de outras atividades como a distribuição e o retalho. São promovidos por instituições diferenciadas, quer públicas quer privadas, neste último caso em particular pelas organizações profissionais do sector, em parceria, isoladamente ou com o apoio da tutela da Cultura, situação mais comum. Do conjunto de fontes consideradas ressalta com clareza a proximidade, embora não sobreposição, entre Depósito Legal e ISBN (Schroeder e Steenkist, 2005: 31-32). Mas da análise das vantagens e limitações respetivas resulta igualmente a sua complementaridade, pelo que devem ser consideradas num sistema de informação sobre o sector (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012).

Informação estatística sobre a oferta de livros em Portugal Parte relevante da informação estatística é de caráter económico. Nos anos oitenta foram produzidos dois relatórios para a tutela da cultura em Portugal: o Estudo dos Aspectos Económicos da Edição em Portugal (Varela e Ramos, 1984) e o Relatório da Comissão do Livro (Moura, Cabral, Guedes e Furtado, 1986). O primeiro debruçou-se sobre o mercado do livro, as empresas do sector e o papel do então Instituto Português do Livro (IPL) e tinha por objetivos: a caracterização da estrutura 33

empresarial do sector e a identificação dos principais indicadores económicos; a análise do mercado do livro, com incidência na procura interna e externa na oferta nacional; a análise das políticas de marketing-mix e de produção; a identificação das características organizacionais das empresas e dos mecanismos económicos; um contributo para uma avaliação das ações já desencadeadas pelo IPL; um esboço de diagnóstico do sector, o qual se desdobrava em diversos planos. Por sua vez, o Relatório da Comissão do Livro retoma o diagnóstico e as propostas feitas no anteriormente referido sobre o papel da tutela e centra-se nas políticas culturais para as quais propõe 105 medidas (Moura, Cabral, Guedes e Furtado, 1986). No início da década de noventa um outro estudo, igualmente realizado para a tutela do sector (então Instituto Português do Livro e da Leitura, IPLL) incidiu no Mercado do Livro em Portugal e abordou tanto a oferta como a procura (Gaspar e outros, 1990; Gaspar e outros, 1992). Estes estudos constituem contributos relevantes à altura da sua realização, mostram as dificuldades que a abordagem estatística enfrenta, sugerem aspetos metodológicos e permitem traçar a evolução do sector em Portugal em alguns planos. Mas, paralelamente, mostram também que não se avançou significativamente na implementação, ou sequer na definição, de um sistema de informação capaz de dar conta da evolução do sector nos seus principais contornos, de uma forma permanente, adequada e continuada. A suspensão, não retomada, do inquérito anual realizado e difundido pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL)12 (últimos dados sobre 1999) é outro elemento que evidencia as lacunas de informação existentes. Especificamente quanto às estatísticas nacionais, oficiais, sobre o livro, nas últimas décadas identificam-se duas grandes fases na informação reunida e disponibilizada na publicação anual do INE dedicada à cultura. Na primeira o INE difundiu parte dos dados produzidos pela APEL com base em inquérito estatístico iniciado em meados da década de oitenta do século passado (e não apenas dos seus membros, como até então) e vai até 1998. A segunda decorre desde 1999, ano em que passou a publicar dados provenientes do seu Inquérito às Empresas (a partir de 2004 Sistema de Contas Integradas das Empresas), desde 2009 agrupados nas atividades culturais e criativas (INE, 2010) de acordo com o trabalho então em curso no âmbito da ESSnet-Culture atrás referida. Os dados do INE incidem sobre um conjunto relevante, embora limitado, de dimensões económicas. Essa constatação motivou a realização em simultâneo de inquéritos às empresas de edição e às de comercialização de livros em 2008, os quais, como de resto outros inquéritos antes realizados, registaram baixas taxas de resposta, mas permitiram avançar dados mais detalhados sobre o sector em múltiplas dimensões (Neves, Santos e Vaz, 2012), parte dos quais serão retomados adiante13. O inquérito, 12

Sobre os inquéritos aos editores e às livrarias da APEL ver Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira (2012). Sobre o processo que conduziu à realização do Inquérito, seus objetivos e contexto em que foi concretizado ver a Introdução em Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, (2012: 17-25). Sobre a 13

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tal como de resto o estudo em que se insere, coincidiu no tempo com alterações significativas no sector entre as quais se destaca, após uma fase de concentração ao nível do comércio, o desencadeamento de novos e poderosos processos de integração horizontal ao nível editorial e a entrada do capital financeiro nesta área, processos em que a criação do grupo Leya teve um papel preponderante. Entre 2007 e 2010 verificou-se a concentração em grandes grupos editoriais como a Porto Editora e a Babel, para além da Leya (Beja, 2012: 106-110).

A edição Antes de passar à apresentação de um conjunto de informação estatística convém ter presente que a atividade de edição de livros não obedece a qualquer regulamentação específica. Por outras palavras, é editor quem quer ou se reivindica de tal condição. No ISBN basta declarar-se como editor. No DL, cujo registo é comummente feito pelas tipografias, basta que uma dada entidade, ou indivíduo, se assuma como editora de um determinado título. As empresas comerciais têm de registar a atividade económica principal e as secundárias de acordo com a nomenclatura das atividades económicas em vigor no ato de constituição. Repare-se que o INE considera as editoras de livros de acordo com a nomenclatura das atividades económicas e como atividade principal.

Entidades que editam livros O sistema ISBN reporta-se a entidades muito diversas – desde autores/editores até às empresas, passando por organismos da administração pública central e local – o que tem a vantagem de mostrar com clareza que esta atividade não se limita às empresas cuja atividade principal é a edição de livros (as consideradas nas estatísticas oficiais), antes pelo contrário. Isso mesmo fica patente no Inquérito ao Sector do Livro uma vez que na listagem de 9.939 entidades com prefixo ISBN de editor atribuídos no período 1988/2007, 9% são consideradas autores-editores, ou seja, solicitaram um único prefixo (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 75).

metodologia seguida ver Neves, Santos e Vaz (2012: 15-42). A este propósito deixam-se aqui as principais coordenadas: os questionários foram aplicados pela equipa do OAC por via postal em 2008; o ano de referência dos dados é 2007; foram inquiridas empresas de edição de livros como atividade principal (294) e com outra atividade principal (82); e empresas do comércio a retalho de livros (323); as taxas de resposta foram, respetivamente, 17%, 21% e 16%. O questionário às empresas do comércio a retalho de livros incluiu um módulo sobre os estabelecimentos.

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Indicadores das empresas da edição Quanto ao subuniverso das entidades editoras formado pelas empresas com atividade principal de edição de livros estão disponíveis vários indicadores14. Faz-se aqui referência a três deles. O primeiro remete para o total de empresas cujo número tem vindo a crescer e é de 451 em 2010 quando, em 2007, era 429. O pessoal ao serviço mostra uma tendência contrária, de queda, dado que o seu número passou de 2.840 em 2007 para 2.541 em 2010. O terceiro indicador reporta-se ao volume de faturação. Deste ponto de vista, embora se tenha verificado em 2008 um pico significativo, mas incomum, de €404 milhões (ano, lembre-se, de criação da Leya, e de uma maneira geral, de continuação do processo de concentração em grandes grupos editoriais iniciado no ano anterior), o valor registado em 2010 – €361 milhões – está próximo dos resultados verificados no conjunto dos anos mais recentes. De um modo mais detalhado pode-se dizer que predominam as pequenas e muito pequenas empresas em número de pessoal ao serviço (até 10) que têm vindo a aumentar e representam 91% em 2010. O grosso das empresas está localizado nas regiões de Lisboa e Norte (63% e 23%, respetivamente, em 2010, o que significa que nestas duas regiões se localizam 86%), sendo que, numa perspetiva mais geral, é visível o aumento das empresas localizadas no Norte concomitantemente com a diminuição das situadas em Lisboa. A mesma estrutura e a mesma tendência se verifica quanto à distribuição do volume de negócios, mas neste indicador a diferença entre as duas regiões diminui bastante e é de 57% contra 38% (Lisboa e Norte, respetivamente, em 2010), valores que, somados, representam 96% do total nacional.

Títulos editados e exemplares produzidos De acordo com os títulos registados no âmbito do Depósito Legal – que constitui uma aproximação possível ao panorama editorial português – constata-se um padrão ascendente de 2000 para 2010 (Neves, Santos e Lima, 2012: 56). O crescimento é, aliás, expressivo, uma vez que os títulos registados passam de 14.066 em 2000 para 17.203 em 2010, o que significa portanto uma variação de 3.137 títulos (gráfico 1). Tomando por base 2010 chega-se ao número significativo de 44 depósitos em média por dia.

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Sobre as empresas da edição e da comercialização de livros utilizam-se três referências como fontes complementares, para o período 2000-2010: o Inquérito ao Sector do Livro no que toca ao levantamento e crítica dos indicadores (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012); uma atualização dos indicadores que inclui séries para 2000-2007 e notas sobre os métodos utilizados nesse período pelo INE (Neves e Santos, 2010); e o volume Estatísticas da Cultura 2010 (INE, 2011) com dados de 2007 a 2010 para alguns indicadores. Uma vez que esta série segue o mesmo método (fonte Sistema de Contas Integradas das Empresas e CAE Rev 3) e os dados anuais são comparáveis será a aqui utilizada.

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Gráfico 1 Títulos depositados ao abrigo do DL por ano (2000-2010) número

Fonte: Neves, Lima e Santos (2012: 56), a partir de BNP.

Os títulos em língua portuguesa original, portanto que não resultam de traduções, são claramente maioritários e representam entre 69% e 75% no período 2000-2009. Embora as oscilações anuais sejam notórias é patente que nos anos mais próximos se verifica um aumento percentual das obras traduzidas para português (quadro 1).

Quadro 1 Títulos em português por língua original e por ano (2000-2010) número

2000

2001

2002

2003

Ano 2004 2005

2006

2007

2008

2009

Em língua portuguesa 7.187 7.464 7.456 7.495 7.587 6.768 7.814 8.249 8.822 8.215 original Traduzidos em 2.421 2.561 2.789 2.704 2.687 3.002 3.249 3.290 3.604 3.636 língua portuguesa Total 9.608 10.025 10.245 10.199 10.274 9.770 11.063 11.539 12.426 11.851 Fonte: Neves, Lima e Santos (2012: 58), a partir de BNP.

Do ponto de vista do género, os títulos de texto não literário (8.602 em 2009) e de ficção (1.170) são os que mais se destacam ao longo de toda a série (quadro 3). Mas ao passo que os primeiros se mantêm num mesmo patamar, os seguintes registam um crescimento assinalável, uma vez que, tomando por referência o ano de 2000, o seu 37

número quase duplica. Se é verdade que genericamente todos crescem, os géneros contos e poesia não só são relevantes em número, como também apresentam crescimentos expressivos.

Quadro 3 Títulos por género literário e por ano (2000-2009) Género literário

2000 2001 2002 927 951 444 50 33 8 34 16 19 17 22 1 10 11 4 212 264 106 471 404 171

2003 483 20 22 7 5 106 238

2004 1.326 58 59 33 17 340 585

Ano 2005 1.208 58 33 25 11 387 485

Ficção Drama Ensaios Humor, sátira Cartas Contos Poesia Discursos, 10 12 0 0 3 1 oratória Texto não 8.012 8.446 9.794 9.580 7.858 7.316 literário Formas múltiplas ou 209 231 72 98 444 572 outras formas literárias Fonte: Neves, Lima e Santos (2012: 59), a partir de BNP.

2006 898 47 82 24 11 349 546

2007 1.428 65 39 43 18 611 670

2008 1.787 83 23 53 25 812 684

2009 1.700 70 19 21 21 898 621

2

6

13

8

9.401

8.836

9.038

8.602

252

403

533

378

Ainda quanto a números totais, os dados provenientes do ISBN aproximam-se, como seria de esperar, dos do Depósito Legal. No período 2002-201115 são visíveis as oscilações anuais mas é nos últimos anos que se encontram os valores mais elevados (17.329 em 2010 e 16.938 em 2011). O número mais baixo reporta-se a 2003 (12.432). A utilização dos dados ISBN ponderados pela população no quadro dos países iberoamericanos, tomando como exemplo 2011, mostra que Portugal (159) está significativamente abaixo de Espanha (254), mas ambos se situam muito acima da média dos países latino-americanos (29). Apesar desta evolução positiva no número total de títulos, no que respeita aos novos livros editados e importados deteta-se de 2007 para 2011 uma quebra acentuada de

15

A partir de Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 156-157, http://www.apel.pt/pageview.aspx?pageid=206&langid=1, consultada a 25 de Fevereiro de 2013.

e

38

4.555 para 2.033 títulos, ou seja, para menos de metade, o que se deve à concentração do mercado da edição e ao clima económico (Dionísio e Leal, 2012: 26).

Exemplares produzidos Os indicadores sobre exemplares produzidos de Livros, brochuras e impressos semelhantes – livros escolares e literatura (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 136-143), mostram o peso destacado dos escolares, e que crescem de 12,7 milhões em 2000 para 26,7 milhões em 2006, e de literatura, igualmente em crescimento, mas num patamar substancialmente mais baixo (de 6,7 milhões para 10,8 milhões nos referidos anos) e com um aumento mais ligeiro. Do ponto de vista do valor das vendas verifica-se uma tendência claramente positiva no que toca ao género livros escolares cujos valores aumentam de €62,7 milhões para €121 milhões de 2000 para 2006. Quanto ao género literatura apresenta várias oscilações ao longo do período mas apesar de tudo regista também uma evolução positiva de €71,7 milhões para €73,7 milhões.

Algumas caraterísticas das empresas da edição de livros Os inquéritos à edição e à comercialização realizados no âmbito do Inquérito ao Sector do Livro (Neves, Santos e Vaz, 2012) permitem avançar informação adicional em múltiplas dimensões. Referem-se seguidamente alguns dos resultados. Retomam-se dados agregados para empresas de edição como atividade principal e empresas com outra atividade principal. A edição de livros por suporte mostra que 95% edita em papel, 26% simultaneamente em papel e em suporte eletrónico, 7% e-books e, numa percentagem apenas ligeiramente mais baixa, 5% edita audiolivros, o que significa portanto que, embora o e-book já esteja presente, não se distinguia ainda do audiolivro, suportes com evoluções muito diferentes como é já claro. Relativamente ao catálogo editorial, especificamente quanto à nacionalidade dos autores, a maioria (57%) são portugueses, ao passo que os estrangeiros são 41% e os autores de outros países lusófonos são 1%. Relativamente aos géneros editoriais é visível, por um lado, a sua diversidade e, por outro, a relevância que, apesar de tudo, têm as ciências sociais (58%) e a literatura (48%), logo seguidos de outros géneros como atualidades e ensaios e também infantil e juvenil (ambos com 47%). Relativamente ao volume de vendas (valor apurado: €115.504 mil) e à sua distribuição ao longo do ano, mais de metade reporta-se ao 3º trimestre. A comparação da repartição do volume de negócios e dos exemplares vendidos por género editorial mostra alguma proximidade quanto à hierarquia percentual, cujo topo coincide no livro escolar, seguido de literatura. Por fim, refira-se ainda o indicador das margens de desconto aplicadas pelas editoras por 39

canal de distribuição ou venda (gráfico 2). Deste ponto de vista retêm-se a grande diversidade de margens apuradas (em alguns deles muito elevadas), não só entre os diferentes canais, mas também em cada canal.

Gráfico 2 Margens de desconto aplicadas por canal de distribuição/venda (n = 33) percentagem

Fonte: Neves, Santos e Vaz (2012: 72).

A comercialização Comércio a retalho de livros (livrarias) De acordo com o último inquérito sociológico sobre a leitura, as livrarias continuam a ser o principal local de aquisição de livros (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007: 142). Mas isso não significa que não se tenham verificado evoluções relevantes nas últimas décadas. O Estudo dos Aspectos Económicos da Edição em Portugal, se por um lado parece pôr em causa o significado das livrarias (que teriam sido ultrapassadas, por volta de 1984, pela via postal ou direta, nomeadamente através de clubes do livro, no volume de vendas dos maiores editores), por outro lado permite destacar a relevância desses canais de comercialização (que um inquérito sobre a leitura realizado em 1988 parcialmente confirma, uma vez que a encomenda postal/correspondência surge imediatamente abaixo das livrarias entre os locais de compra preferidos - Freitas e Santos, 1992: 40) e – este é talvez o ponto mais significativo – evidencia claramente as alterações entretanto verificadas nos canais de comercialização (Varela e Ramos, 1984: 40

21). Ou seja, perderam importância a venda postal ou direta, incluindo os clubes do livro, ganharam peso outros canais como os super e hipermercados. E assistiu-se igualmente a uma enorme pulverização dos locais de venda de livros, os quiosques de venda de jornais e “pontos atípicos de venda de livros” (Tenorio, 2008), ou seja, cuja atividade principal não é a venda de livros, incluindo estações dos CTT e postos de abastecimento de combustíveis. O número das empresas com atividade económica principal de comércio a retalho de livros mostra sinais de decréscimo especialmente visíveis em 2009 e 2010. O número de 2010 (596) é o mais baixo e representa uma diminuição de 54 empresas face ao ano anterior16. Quanto ao volume de negócios mantem-se relativamente estável e situa-se num intervalo que oscila entre os €142 e os €145 milhões de euros no período 20072010, sendo que o valor mais elevado ocorre em 2009. E relativamente ao pessoal ao serviço as oscilações são relativamente pequenas, situando-se em torno dos 2.000. As empresas são, no essencial, pequenas e muito pequenas: em 2010, 96% têm até 10 pessoas ao serviço, 3% entre 10 e 49. Do ponto de vista da localização no território nacional a esmagadora maioria está sedeada nas regiões de Lisboa e Norte (34% cada) e Centro (21%) se se considerar apenas 2010, mas que não apresenta desvios significativos face aos anos anteriores excetuando-se um ligeiro reforço da percentagem de Lisboa. Do ponto de vista do volume de negócios, embora a informação disponível não permita grande detalhe, constata-se que a parte relativa às pequenas e muito pequenas empresas em termos de pessoal vem diminuindo e regista 42% em 2010. É na região de Lisboa que a faturação é mais elevada, na ordem dos 56% nesse mesmo ano, mas mantém-se por outro lado a concentração nesta região e nas do Norte (24%) e Centro (15%). A soma destas três regiões situa-se portanto nos 95%, percentagem que significa ligeiros acréscimos face aos anos anteriores.

Outros dados sobre as livrarias (empresas e estabelecimentos) Ainda relativamente às livrarias, retomam-se, como atrás se fez quanto à edição, alguns dos resultados obtidos no Inquérito ao Sector do Livro (Neves, Santos e Vaz, 2012) no tocante às empresas e aos estabelecimentos. Assim, quanto às empresas, um primeiro aspeto refere-se aos modos de aquisição de livros: os mais utilizados são a consignação e a compra a firme (com direito a devolução), ambos com 74%, mas o preferido é claramente o primeiro (41% contra 25%). O outro aspeto é a existência, ou não, de página na Internet, sendo que apenas 33% respondeu afirmativamente. E, ainda quanto à Internet, constata-se que apenas 6% utiliza este meio como serviço de vendas. Na perspetiva dos estabelecimentos de venda ao público retêm-se igualmente alguns resultados. Por exemplo, quanto aos espaços destinados ao público, podem ser vários, 16

Ver nota anterior a propósito das empresas da edição.

41

dos quais o local de leitura é o mais frequente (34%) seguido de espaço para exposições temporárias (21%) e para crianças (20%). Contudo, a percentagem mais significativa dos estabelecimentos reduz-se ao espaço de venda (ainda assim apenas 43%). Relativamente aos géneros comercializados os mais relevantes percentualmente são literatura, arte e infantil/juvenil, todos acima dos 87%. Será útil acrescentar que o volume de negócios apurado (€15.491 mil) se refere sobretudo ao livro não escolar (64%), seguido do livro escolar (19%). A comparação das hierarquias percentuais entre os exemplares vendidos e o volume de vendas mostra que no topo se encontram os livros de ciências sociais e humanas mas quanto ao género imediatamente a seguir os dois indicadores divergem: quanto aos exemplares vendidos é a literatura, mas quanto ao volume de vendas é o livro escolar. Por fim, relativamente ao canal de comercialização, tanto no que se refere aos exemplares vendidos como ao volume de vendas, a loja representa a quase totalidade (91%) e a Internet entre 5% e 6%, assim se confirmando o carácter de proximidade física dos estabelecimentos face aos clientes.

Grandes superfícies comerciais Como antes se referiu, para além das livrarias, principais locais de compra de livros, os super e hipermercados (presumivelmente grandes superfícies alimentares, mas que podem ser também não alimentares) são outro importante local de compra. No que respeita às estatísticas sobre comercialização de livros nestes estabelecimentos, ou do ponto de vista das estatísticas oficiais (INE), nas grandes superfícies comerciais e, mais recentemente, nas designadas Unidades Comerciais de Dimensão Relevante (UCDR), são possíveis algumas aproximações mas apenas quanto ao volume de negócios e ao seu impacto na faturação total (Santos e Gomes, 2000: 43-45; Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 104-110). No período 1993-1999, apesar do aumento do número de estabelecimentos e do volume de vendas de livros, o peso que esta classe tinha no total de vendas a retalho corresponde a sensivelmente 1%. Tendo em conta a área de exposição e venda, a proporção tende a ser maior nos escalões mais elevados na maioria dos anos do período em causa. A análise da comercialização de livros nas grandes superfícies comerciais, agora UCDR, requer uma chamada de atenção para os seguintes aspetos. No conjunto dos seis anos considerados (2000-2001 e 2004-2007) o número total de estabelecimentos de comércio a retalho alimentar ou com predominância alimentar e não alimentar ou sem predominância alimentar, no Continente, teve um crescimento de 46%, atingindo o valor máximo em 2007 com 2.309. Verifica-se igualmente um crescimento no volume de vendas de livros, jornais e artigos de papelaria até 2005, que se inverte em 2006 com uma quebra de 3% e volta a crescer em 2007, ano em que se regista o valor mais elevado (€188,8 milhões). Por outro lado, verifica-se uma quebra contínua no peso das 42

vendas dos produtos daquele grupo no total das vendas dos estabelecimentos, que passa, naquele período, de 1,8% em 2004 para 1,4% em 2006 e 2007. Um aspeto significativo é que, no ano de 2007, ao número mais elevado de estabelecimentos de comércio a retalho não corresponde um aumento do peso relativo dos livros, jornais e artigos de papelaria em relação ao total de vendas a retalho, isto apesar do forte aumento do volume de vendas verificado para aquele grupo de produtos. Na análise do peso relativo de livros, jornais e artigos de papelaria no total de vendas das UCDR de comércio a retalho não alimentar ou sem predominância alimentar no período 2004-2007 (no Continente), observa-se que o peso relativo das vendas de livros, jornais e artigos de papelaria apresenta um decréscimo de dois pontos percentuais de 2004 (3,9%) para 2007 (1,8%). Em termos absolutos, passa-se de um volume de vendas de €73,7 milhões em 2004 para €66,6 milhões em 2007. O apuramento por região mostra que o peso das vendas é mais elevado no Norte e em Lisboa, sendo que as percentagens mais significativas se registam no ano de 2004, com 5% e 4%, respetivamente. Estas são também as regiões com uma tendência constante de quebra no peso relativo das vendas naquele grupo de produtos. Os valores mais baixos registam-se na região do Alentejo. Quanto ao peso relativo das vendas de livros, jornais e artigos de papelaria de acordo com os escalões de área de exposição e venda verifica-se que é nos estabelecimentos de comércio a retalho não alimentar com áreas entre os 1.000 e os 1.999 m2 que as vendas são mais elevadas, variando entre 4% e 5%, independentemente do ano em causa. A única exceção é o ano de 2004 em que as vendas nos estabelecimentos com área igual ou superior a 2.000 m2 (o escalão mais elevado) chega aos 7%. Os dados mais recentes (2011, agora para Portugal e não apenas Continente, que regista €83,8 milhões) (INE, 2012: 74-77) mostram que, para um volume de vendas de €85,7 milhões, a percentagem referente a esta categoria de produtos se situa em 1,8%, mantendo-se Lisboa como a região com a percentagem mais elevada, ainda que diminuindo para 2%, o Alentejo a mais baixa (0,9%) no Continente, sendo no conjunto das regiões os Açores o que tem valor mais baixo (0,2%). Do ponto de vista dos escalões de área de exposição e venda verifica-se um crescimento em todos eles com exceção do mais elevado (2.000 m2 e mais), mantendo-se no escalão imediatamente abaixo (1.000 a 1.999m2) a percentagem mais elevada, que é de 4,3%. No que diz respeito às vendas de livros, jornais e artigos de papelaria nos estabelecimentos de comércio a retalho alimentar ou com predominância alimentar, verifica-se que o seu peso relativo se mantém inalterado ao logo do período 20042007, com 1,3%. Em valores absolutos verifica-se, porém, um aumento no volume de vendas que passa de €96,9 milhões em 2004 para €122,1 milhões em 2007. O apuramento por região mostra que as percentagens apresentam poucas oscilações, variando entre 1% e 2% no período em análise. Mesmo assim, é possível constatar que é nos equipamentos localizados na região de Lisboa que se registam as percentagens mais elevadas e de novo no Alentejo as mais baixas. Agora quanto ao peso relativo das 43

vendas por escalão de área de exposição e venda confirma-se que quanto maior a área maior o peso relativo das vendas de livros, jornais e artigos de papelaria. Por escalão, é nos estabelecimentos com 8.000 m2 e mais (o mais elevado) que as vendas são mais significativas em qualquer dos anos de 2004 a 2007, com valores em torno dos 2,5%. Em 2011 (INE, 2012: 66-69) o volume total de vendas manteve-se praticamente inalterado (€122,6 milhões, a que corresponde 1,1%), mas apenas porque estão incluídos os Açores e a Madeira. Com efeito o valor para o Continente baixou para os €118. Por região, as do Continente baixaram uma décima, Lisboa manteve-se com a percentagem mais elevada (1,3%), o Alentejo a mais baixa (0,9%), aliás igual à da Madeira. Quanto ao escalão de área de exposição e venda mantem-se sensivelmente a constatação antes feita, ou seja, é nas maiores superfícies que o peso da categoria livros, jornais e artigos de papelaria é mais significativo: 2,3% nas de 4.000 a 7.999 m2 (que registam ligeira subida) e 2,5% nas de 8.000 m2 e mais (que se mantêm). Em síntese, a informação disponível, desagregada para o produto livro, sofreu um claro retrocesso relativamente a 2000 uma vez que a mais recente se refere, de forma agregada, a livros, jornais e artigos de papelaria. Ainda assim, os dados analisados sugerem que: (i) o valor de vendas de livros, jornais e artigos de papelaria regista um crescimento quase constante; (ii) por tipo de estabelecimento, os de comércio a retalho não alimentar registam valores médios de volume de vendas mais baixos para aquela categoria de produtos comparativamente com os do comércio a retalho alimentar; (iii) a região de Lisboa é a que tem o mais elevado peso na categoria livros, jornais e artigos de papelaria, logo seguida da região Norte; (iv) por área de exposição e venda, os estabelecimentos em que se verifica maior volume de vendas no comércio a retalho não alimentar são aqueles com áreas entre os 1.000 m2 e os 1.999 m2 – não são, portanto, os que têm maior área – ao passo que nos de retalho alimentar os pesos mais significativos se situam claramente nestes últimos.

A comercialização de livros: ilustração de outros canais Desde finais dos anos noventa do século passado que se assiste à diversificação dos pontos de venda de livros embora, como se viu, sem pôr em causa o lugar central ocupado pelas livrarias. Nos anos oitenta já as grandes superfícies tinham entrado no comércio do livro, facto que contribuiu para a aprovação da Lei do Preço Fixo do Livro em 1996 (Santos e Gomes, 2000). Mais recentemente, a comercialização de livros tem vindo a ser realizada também através de outros canais em estabelecimentos comerciais com outras atividades principais. A articulação entre a comercialização de livros e a imprensa escrita é aqui um aspeto particularmente relevante. Estes pontos de venda caracterizam-se pela diversidade das atividades, pela grande quantidade e pela elevada dispersão pelo território nacional, embora com um peso relativamente 44

pequeno em termos de vendas (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 110-116). Destes canais, em meados da década passada considerados emergentes, fazem por exemplo parte os postos dos CTT, os quiosques de venda de jornais e as lojas das gasolineiras. Os CTT constituem um importante canal de contacto com o público uma vez que a empresa é composta por uma extensa e descentralizada rede que totalizava, em 2007, 903 estações, incluindo estações móveis e balcões exteriores de correio. A partir de 1998 o livro começou a ser comercializado, enquanto produto de terceiros, num número reduzido de estações. Em 2007 a disponibilização de livros para venda era uma realidade em todas as estações. A oferta editorial inclui várias editoras e diversos géneros de livros. A associação do livro aos média, em particular a imprensa escrita, é uma importante forma de difusão do livro. Manuel Pimentel considera que há a necessidade de estudar aquele que designa como um dos principais acontecimentos editoriais – a distribuição de livros com jornais – pela relevância que a estratégia assumiu (Pimentel, 2007). Entre os muitos pontos de venda uma parte significativa são quiosques. Em Portugal a incursão do jornal Público com a Coleção Mil Folhas17 nesta estratégia de vendas ajuda a explicar como esta ideia se implantou e se generalizou. O sucesso da medida prendese principalmente com o preço baixo e o elevado número destes postos de venda que em 2006 chegava aos 7.000 distribuídos um pouco por todo o país (Porto, 2006). No que diz respeito às empresas cuja atividade principal é a distribuição e comercialização de produtos petrolíferos e derivados em Portugal, a comercialização de livros teve início em finais dos anos noventa. Este é um aspeto comum à generalidade das empresas analisadas. Quanto à sua colocação, o livro encontra-se disponível para venda apenas nas estações de serviço com a funcionalidade de loja de conveniência. A tipologia de loja de conveniência difere consoante a empresa, mas de forma geral caracteriza-se pelo nome e imagem personalizados, dimensão variada e pela oferta diversificada de serviços e produtos.

17

A Coleção Mil Folhas incluiu um total de 101 títulos e foi distribuída com o Jornal Público entre 2002 e 2004.

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Do comércio eletrónico de livros às publicações eletrónicas Do ponto de vista do comércio de livros com utilização das novas tecnologias distinguem-se dois planos: por um lado, a utilização da Internet para a venda de livros impressos e, por outro, aquilo que José Afonso Furtado designa como a mudança da edição do livro impresso para a edição ou publicação eletrónica, a qual implica três noções em simultâneo: a publicação eletrónica (conteúdo); o dispositivo de leitura (dedicado, computadores pessoais e PDA); e um sistema de leitura (Furtado, 2004: 1314), ou seja, o comércio de livros eletrónicos e, cada vez mais, dos aparelhos e respetivo sistema de leitura. Nestes dois planos a principal nota é a carência de informação estatística. Como referido no Inquérito ao Sector do Livro, cujo tópico sobre esta matéria se acompanha aqui (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 116-122), o comércio eletrónico do livro começou a evidenciar-se no fim da década de 90 do século XX nos EUA e no Canadá, países que registaram em 1997 o maior volume de vendas provenientes deste comércio (Martins, 2001). Este mesmo autor adianta que a revolução na venda de livros na Internet se deu com a criação da Amazon, em 1995. Mais tarde surgiram, no universo digital, outros sítios de venda como a Barnes & Noble e a Borders e as livrarias BOL (Bertelsmann On Line). O sector do livro moldou-se facilmente ao novo formato de comércio e, para tal, concorreram duas ordens de fatores: i) os primeiros utilizadores das plataformas digitais terem, na sua maioria, níveis superiores de escolaridade, característica também associada aos consumidores regulares de livros, e as próprias características do produto, nomeadamente a reduzida dimensão, facilidade de aquisição através de catálogo e baixo custo (Martins, 2001: 76); ii) a emergência do comércio eletrónico do livro constituiu uma ferramenta relevante no que concerne à oferta de um vasto catálogo e à possibilidade de o consumidor poder fazer as suas consultas e efetuar as suas compras pela Internet sem perder tempo em deslocações. A plataforma digital constitui também uma ferramenta importante para dar maior escoamento aos fundos de catálogo, antes vedado pelo sistema tradicional de distribuição (Clark, 2001; Pimentel, 2007). Para Manuel Pimentel, uma das vantagens da utilização da Internet na exposição dos seus catálogos é não implicar a participação de intermediários e outra é ser uma plataforma que ajuda a vender “coleções muito específicas” que, de outra maneira, não seriam colocadas nas livrarias (Pimentel, 2007: 238). No que toca ao conhecimento do comércio eletrónico do livro em Portugal, a informação existente é escassa. Os poucos estudos mostram que, se por um lado ainda se encontra num estádio inicial de desenvolvimento e implementação, também está, por outro lado, a revelar uma certa dinâmica. Um estudo com base num inquérito às livrarias com presença na Internet e na análise do conteúdo dos seus sites, constatou que, em 1999, eram 28 as livrarias que usavam 46

a plataforma digital para vender livros (as “e-livrarias”) e que esse número subiu para 32 em 2000 (Martins, 2001). Em termos de localização, Lisboa era, naquele último ano, o concelho com o maior número de casos (12), seguido do concelho do Porto (4). O autor justifica esta concentração no concelho de Lisboa devido, por um lado, ao facto de a maioria dos grandes editores e distribuidores nacionais desenvolver na capital a sua atividade profissional e, por outro lado, à existência de um elevado número de recursos humanos com competências ao nível das tecnologias. Acrescenta que estas elivrarias se caracterizavam por terem um catálogo próprio com mais de 20 títulos e que tinham registado um acréscimo de 22% nas vendas entre 1999 e 2000. Como exemplo aponta algumas estimativas relativas ao número de encomendas, sendo que a MediaBooks tinha processado mais de 5 mil encomendas em 2000 (com prevalência para as que compreendiam mais do que um livro), que a Livraria Buchholz se fixou em 3.250 e que a Kingpin of Comics se situava em mil. Nesse mesmo ano, o maior volume de vendas de comércio eletrónico do livro – destas e-livrarias – situava-se maioritariamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, muito embora se tenha verificado um aumento de consumo no interior do país. Um estudo de avaliação realizado pelo Observatório do Comércio/Instituto Pedro Nunes (2000) fez uma análise da oferta em Portugal a partir de uma amostra de 70 lojas virtuais de empresas selecionadas. No que respeita ao livro foram analisados 13 sites de 4 editoras, 3 livrarias com presença na Internet e 5 livrarias virtuais. Os dados do 5º Relatório sobre As Lojas Electrónicas Portuguesas (Vector21, 2003) revelavam a existência de 28 lojas relacionadas com o comércio livreiro18 (4% do total de sites comerciais inscritos). Um outro estudo realizado pelas mesmas entidades, agora do lado da procura, assinala que em 2004 o produto que os consumidores referiram mais ter adquirido online foi o livro (37%) (Vector21, 2005). De acordo com o inquérito sociológico realizado no âmbito do PNL, A Leitura em Portugal, em princípios de 2007 dos que compravam livros apenas 5,1% o faziam em sites portugueses e 3,6% em sites estrangeiros (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007: 144). Quanto a empresas com presença na Internet, no Inquérito ao Sector do Livro identificam-se alguns exemplos. Distinguem-se dois tipos de funcionalidade (as que apenas permitem efetuar a encomenda online dos livros, sendo o pagamento feito posteriormente por intermédio de outros meios; e aquelas que permitem também realizar o pagamento online do produto) e dois tipos de atividade (editora e livraria). Assim, as Edições Tinta-da-China, a Editorial Verbo e a Livros de Areia Editores correspondiam a encomenda/editora; a Livraria Letra Livre e a Livraria Portugal a encomenda/livraria; a Porto Editora, a Editorial Caminho e a Cavalo de Ferro Editores aos tipos encomenda e pagamento/editora; e a Livraria Almedina, a Livraria Bertrand e a Bulhosa Books & Living aos tipos encomenda e pagamento/livraria. 18

Corresponde às lojas que apresentavam produtos integrados na categoria Livros, Editoras e Publicações.

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Quanto a livrarias virtuais no Inquérito referem-se também alguns exemplos. Com base na distinção entre dois tipos de funcionalidade (encomenda e pagamento) e dois tipos de estrutura (integrada e independente) mencionam-se a Netlivros (encomenda/integrada), a PortugalLivros (encomenda/independente), a Webboom (entre 1999 e 2007)/Wook (a partir de 2008) pertencente à Porto Editora e a MediaBooks, pertencente à Texto Editores (pagamento/integradas) e ainda a Marka e a Arco-Íris, Livraria Virtual (pagamento/independente). Em 2000, o comércio eletrónico do livro em Portugal era pouco significativo e tal devia-se ao elevado receio dos consumidores em adquirir livros através da Internet. Esta realidade espelha-se, de acordo com os profissionais do sector na enorme diferença entre o número de visitantes dos seus sites e o ainda reduzido volume de vendas (Martins, 2001: 116). Assim, como se refere noutro estudo, a utilização da plataforma digital pelos editores surge como complementar, não se sobrepondo aos serviços tradicionais do negócio (Empirica Gmbh, 2005: 17). Num outro plano, os programas de digitalização do Google, iniciados em 2004, têm levantado receios aos editores, preocupados com a salvaguarda dos direitos de autor e de reprodução (copyright) (Screen Digest Ltd, Cms Hasche Sigle, Goldmedia Gmbh e Rightscom Ltd, 2006). Ainda assim, como também adianta o relatório, editoras como a Blackwell’s e a HarperCollins afirmaram ter tido vendas pequenas, porém expressivas, aquando da sua participação no Google Book Search. Ou seja, esta plataforma funcionaria como uma montra que promoveria a compra de livros impressos, com um papel inovador fazendo a ponte entre editoras e consumidores de livros, aproximandoos através da melhoria da busca de livros, por palavras-chave e a disponibilização de algum do seu conteúdo, o que parece prometer um aumento nas vendas pela Internet e lucros para as editoras com acordos com o Google, nomeadamente os decorrentes de receitas publicitárias (Pimentel, 2007). Mais recentemente esta discussão ganhou novos contornos (García, Díaz e Arévalo, 2011: 176-186). Num extenso artigo publicado em 2009 no The New York Review of Books sobre o Google e o futuro dos livros, a propósito do processo judicial em curso nos EUA, Robert Darnton parte de dois princípios, o da difusão do saber e o do copyright, constata a transformação da república das letras na república do conhecimento e desta na república do conhecimento digital, reconhece o contributo do Google mas conclui que esta empresa está a construir um poderoso monopólio de novo tipo, o monopólio do acesso à informação (Darnton, 2009). Relativamente aos e-books, estes apresentam, devido aos seus baixos custos de produção, um perfil que pode ser uma opção viável em nichos de mercado, com pouca tiragem e cuja impressão é dispendiosa, como os livros académicos e educacionais (Empirica GmbH, 2005: 19). No entanto, por esta altura não se pode falar ainda num mercado dinâmico de e-books, excetuando a venda substancial a instituições de ensino superior, apesar de os editores acreditarem e desejarem apostar neste sector no 48

futuro (Screen Digest Ltd, CMS Hasche Sigle, Goldmedia Gmbh e Rightscom Ltd, 2006). Verifica-se ainda a existência de outros segmentos mais consolidados como são os recursos especializados para o ensino secundário, e o das revistas, documentos ou relatórios científicos (Furtado, 2004: 15), com acesso pela Internet. Ainda segundo o relatório acima mencionado (Screen Digest Ltd, CMS Hasche Sigle, Goldmedia Gmbh e Rightscom Ltd, 2006), não eram conhecidas estatísticas relativas às vendas de e-books na Europa, eventualmente porque registavam por essa altura um volume muito baixo. De facto, os indicadores disponíveis mostram que as vendas ganharam particular relevo nos anos de 2008 e 2009 (García, Díaz e Arévalo, 2011: 159 e ss). Nos EUA as vendas de e-books registaram durante todo o período de 2002 a 2005 valores reduzidos, e apenas com ligeiras oscilações. Porém, duplicaram em 2006 e nos anos seguintes registaram um crescimento forte e continuado, mesmo exponencial: no primeiro trimestre de 2002 o volume de vendas era ainda de $1,6 milhões, no primeiro trimestre de 2006 ascendia a $4,1 milhões, no primeiro de 2009 era já de $25,8 milhões e no quarto chegava aos $55,9 milhões (Thompson, 2011: 315317). Esta evolução dos conteúdos não é independente da dos equipamentos específicos de leitura em écran, pelo contrário. A cronologia dos e-readers e dos tablets (Rainie, Zickuhr, Purcell, Madden e Brenner, 2012: 15) mostra que a oferta, cuja origem remonta a 2001 com o iPod (associado à iTunes) e a 2004 com o Sony LIBRIe e-book reader (primeiro leitor de livros eletrónicos), se vem alargando em marcas e evoluindo em termos de tecnologia e de modelos, ao mesmo tempo que os preços vêm baixando. No fim de 2011 estavam já disponíveis diversos modelos do Kindle (Amazon), do Nook (Barnes & Nobles) e do Kobo (então vendido na cadeia de livrarias Borders, entretanto adquirida pela Barnes & Nobles, recentemente adotado pela FNAC e disponível em Portugal), a que haverá que acrescentar o Tagus (da Casa del Libro em Espanha). A revolução digital vem suscitando inúmeras reflexões a propósito das suas possíves evoluções e das implicações não só na edição como no consumo e nas bibliotecas (García, Díaz e Arévalo, 2011). Os estudos realizados em vários países, designadamente em Espanha (Neturity, 2011) e nos EUA (Aptara, 2011), mostram a dimensão dos processos de adaptação à era digital em curso. A acompanhar a constatação do crescente número de utilizadores também se vêm sucedendo os estudos sobre a leitura de publicações eletrónicas, com particular ênfase nos e-books. Estes estudos mostram que se trata de uma prática que abrange ainda faixas populacionais significativamente mais reduzidas do que a leitura de texto impresso, mas que vem registando acréscimos significativos, em particular entre os grandes leitores (Failla, 2012; Rainie, Zickuhr, Purcell, Madden e Brenner, 2012; Sofia/Sne/Sgdl, 2012).

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Conclusão A informação estatística aqui mobilizada sobre o sector do livro nas vertentes da edição e da comercialização, proveniente de diversas fontes, sobre várias componentes da oferta, mostra que, no período que vai, grosso modo, até 2010, não se registaram grandes alterações de sentido negativo (por exemplo quanto ao volume de faturação) e em algumas dimensões a evolução é mesmo de sentido positivo, como no tocante aos títulos editados, os quais parecem manter também uma elevada diversidade. Contudo, resulta também da informação mobilizada – que se reporta quase totalmente às publicações impressas, ou pelo menos que, salvo raras exceções, não permite identificar qual a parte relativa às eletrónicas – que a mudança digital, que tanto vem preocupando os profissionais do livro, por um lado, e despertando o sentido de novas oportunidades, por outro, parece ter ainda um peso pouco significativo no sector do livro em Portugal. Eventualmente, isso deve-se não propriamente ao que se passará na atualidade, mas sim ao facto de os dados estatísticos se reportarem a um período em que o seu impacto era, mesmo à escala internacional, ainda pouco visível. Pode, também, dar-se o caso de se tratar de desadequação, para além de desatualização, das fontes disponíveis face à nova realidade, o que mais reforça a relevância de uma atenção acrescida quanto a um sistema de informação sobre o sector que permita melhorar substantivamente as fontes existentes por via da desagregação e alargamento dos indicadores utilizados (por exemplo no ISBN ou no Depósito Legal), em articulação com outras, mais especificamente direcionadas para a aferição dos vários aspetos implicados na era digital, tanto do lado da oferta como do lado da procura.

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2 O mundo económico do livro Sandro Mendonça

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Introdução O negócio do livro é um nexo simbiótico de tecnologias-produto e um complexo de actividades-mercado muito heterogéneos. O livro é um dos artefactos-chave da modernidade, uma unidade-base da transmissão de saberes positivados e um recipiente-padrão dos reportórios culturais que tem permitido uma acumulação criativa de ideias e técnicas. Mas o livro é também um produto da era da reprodução mecânica que entrou na era da reprodução digital. Neste processo de transformação o livro é, sobretudo, um “bem informacional” em mudança/transição, talvez, para um “serviço comunicacional”. Este texto procura analisar e discutir as inovações tecnoeconómicas em curso no mundo do livro, tendo em conta que este é uma moeda de troca fundamental numa economia baseada no conhecimento. O livro é tido aqui como um produto. Porém, a nossa definição de produto é a seguinte: um objecto, tangível ou intangível, que acessível ou em contacto com o utilizador permite a realização de benefícios pelos quais este está disposto a pagar, seja em termos de tempo, atenção, dinheiro, ou outro recurso. Daqui resultam três implicações que importa tornar explícitas: 





em primeiro lugar, o livro é um artefacto que, por definição, está posicionado num contínuo de entre o bem puro (100% tangível, acabado, estático, estanque) ou o serviço puro (100% intangível, dinâmico, processual, relacional); em segundo lugar, a sua transferência do lado da oferta para o lado da procura é um fenómeno contratual com potenciais múltiplas soluções, sendo que um caso especial é a transmissão do direito físico de propriedade tendo um preço com contrapartida, mas o caso geral será o acesso aos conteúdos num quadro regulatório mais ou menos transparente e equilibrado entre estes e outros detentores de interesse da ecologia mediática do livro (autores, leitores, editora, distribuidores, anunciantes, etc.); em terceiro lugar, a variedade de actores envolvidos, a geometria variável da configuração de ligações entre estes e as funções emergentes desta teia de agentes-rede fazem com que a indústria do livro seja menos uma cadeia de valor clássica e mais um sistema de valor interactivo.

O presente capítulo está organizado da seguinte forma. A secção 2 põe em perspectiva histórica o fenómeno da evolução do livro (o objecto em si) e da indústria livreira (as actividades que suportam a sua produção e distribuição). A secção 3 discute a natureza da mudança em curso, decompondo o fenómeno em termos de inovação de produto e processo bem como em termos de inovações organizacionais e comerciais. A secção 4 aborda a expressão económica da edição e da leitura, com uma atenção em particular para a situação portuguesa. A secção 5 colecciona as principais noções e observações extraindo pistas para o futuro. 57

No princípio era a disrupção… O livro tem sido uma companhia de cabeceira da civilização moderna. Tudo começou com a entrada na Europa de uma matéria-prima de base, o papel (uma inovação de input). No século XII era já produzido na Europa depois da sua utilização na China desde o ano 150 (Ede e Cormack, 2012: 94). É, no entanto, com a chegada do método impressão de caracteres móveis, método introduzido na Europa por via de Johannes Gutenberg na década de 1440, que a indústria da tipografia e impressão descola (inovação de processo). Desde então que o livro se tem mantido como produto convencional, exibindo uma estável “configuração de consenso” (dominant design). A invenção do papel e da impressão terão tido origem na China, só o formato do objecto em si terá uma assinatura europeia (inovação arquitectural). A impressão é uma nova combinação de técnicas, tecnologias que eram conhecidas e agora unidas para uma função conhecida, que triunfou no tempo certo e no sítio apropriado. Aqui o livro teve sucesso imediato, tendo encontrado condições favoráveis à sua disseminação (difusão da inovação). O primeiro produto de impacto de Gutenberg foi a bíblia, em dois volumes, 1282 páginas no total, impressa em 42 linhas por página. Gutenberg, um artesão experiente que percebida das artes de cunhagem de moeda, empregou 20 pessoas na produção de um lote de cerca de 180 cópias (hoje sobrevivem 40 exemplares, 23 completos). Os primeiros exemplares de incunábulos foram acabados em meados de 1455, mas a sua “nova forma scribendi” levou dez anos a aperfeiçoar enquanto estava na cidade de Estrasburgo (Dudley, 2008: 85). O sistema permitia-lhe trabalhar em quantidade e velocidade ao mesmo tempo que padronizava e controlava meticulosamente a qualidade do produto final de modo a que chegasse ao nível dos então manuscritos. O objectivo de Gutenberg era criar um substituto próximo, isto é, o que ele não queria era fazer uma não-inovação de output. Assim, nos primeiros tempos a referência dos incunábulos eram os livros manuscritos, só a partir de 1500 os livros impressos começam a adquirir as usas próprias características. Entre estas características estão a numeração das páginas, o tamanho mais portátil, texto de margem a margem em vez de duas colunas por página, etc. (Gnanadesikan, 2009: 255-256). Esta protomecanização tinha como objectivo reproduzir ou imitar os manuscritos. Até Gutenberg, a produção de livros era baseada num sistema de produção próprio, compatível com a estrutura de custos implicada pelo objecto. Uma bíblia de dimensão semelhante à de Gutenberg tomaria cinco anos às mãos de dois hábeis escribas (Man, 2002: 25-26, 44). Até aí, só os mosteiros pertencendo à Igreja Católica conseguiam ser as unidades de produção capazes de suportar tão grandes custos. A figura 1 mostra a correlação positiva entre o número de mosteiros e o volume de livros produzidos na Europa. A inovação do livro impresso viria a revelar-se “disruptiva” para a infraestrutura institucional de produção do livro.

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Figura 1. A produção de manuscritos e o número de mosteiros (séc. VI ao séc. XV)

Fonte: Buringha e van Zanden (2009: 428) Após Gutenberg a abordagem da imprensa foi emulada rapidamente por vários outros artesãos. O impacto foi muito rápido e sentido com força em toda a Europa. A figura 2 permite ver como a partir de 1470 se dá logo um grande declínio na produção do meio clássico, os manuscritos. A concorrência era forte e por volta de 1500 já existiam cerca de mil oficinas de imprensa na Europa (Ede e Cormack, 2012: 95). A substituição da velha produção manual pelo novo sistema técnico foi extraordinariamente rápida, sobretudo quando contextualizado num tempo histórico mais lento. Este é, portanto, um primeiro e paradigmático exemplo do desmantelamento da base produtiva existente do artefacto a que se convencionou chamar “livro”. O fenómeno da “destruição criativa” schumpeteriana atacou cedo neste sector. A indústria de conteúdos que vinha desde a Idade Média foi, assim, um dos primeiros sectores económicos a ser subvertido pelos novos tempos. Figura 2. Volume de manuscritos produzidos nos séculos XIV e XV

Fonte: Buringha e van Zanden (2009: 419) Estas economias do lado da produção fizeram baixar o preço do artigo para 30 florins, o equivalente a três anos de salário de um funcionário médio de então (Ede e 59

Cormack, 2012: 95). Na década de 1470 os preços dos livros nos Países Baixos colapsam caindo para um terço do que eram (figura 3). A explicação deste fenómeno é suficientemente conhecida, prendendo-se com economias de escala “estáticas” (eficiências produtivas devido à produção de altos volumes que fazem diluir a componente fixa dos custos) e “dinâmicas” (isto é, aprendizagem) (van Zanden, 2009: 183). As novas tecnologias (baseadas em princípios mecânicos) estavam preparadas para a produção em série (antecipando o que viria a acontecer com a industrialização em muitos outros produtos) e para ganhos crescentes de produtividade (permitindo que o processo fosse sendo aperfeiçoado por inovações incrementais) e de economias de gama (permitindo gerar outros bens como mapas ou panfletos). Figura 3. Estimativas dos preços reais dos livros nos Países Baixos, 1460-1800

Fonte: van Zanden (2009: 183) O potencial explosivo de eficiência e de economia teve um impacto difícil de sobrestimar (Eisenstein, 1980). A população de livros em existência só poderia aumentar se os livros pudessem ser feitos de modo ainda mais barato (Dudley, 2008: 85). Numa época de mudança, no dealbar da Renascença e dos Descobrimentos, o lado da procura estava pronto a corresponder com uma igual explosão das vontades de aquisição. É possível que a capacidade incendiária das ideias de Martinho Lutero não se tivesse alastrado de imediato, como aconteceu aos pensamentos de tantos outros hereges antes dele, ou que o poder imediatamente transformador dos trabalhos de Galileu tivesse sido constrangido pelos limites técnicos dos veículos de difusão, como esquecidas foram as descobertas de Da Vinci ao seu tempo. A seu tempo este novo meio, o livro impresso, viria a criar as bases para a Revolução Científica, para o Iluminismo, para a Revolução Francesa (Burke, 2000). Assim, as casas de publicação permitiriam a publicação e a transformação da República das Cartas numa Revolução Científica dotada de instituições com publicações periódicas e bibliotecas bem guarnecidas (comutatividade do conhecimento). A impressão barata

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de panfletos e opúsculos criou a tribuna que permitiu ao movimento Iluminista desmantelar o Antigo Regime (reengenharia institucional). Uma indicação da dinâmica desde aí verificada no sector livreiro pode ser recolhida através de uma consulta a catálogos de bibliotecas de referência internacional. Na figura 4 é possível assistir a uma exponenciação persistente de novos livros. Note-se a existência de picos acima da tendência (por volta do ano da Revolução Francesa) ou abaixo (coincidindo com as duas Guerras Mundiais da primeira metade do século XX). Figura 4. Número anual de itens (livros, etc.) catalogados na biblioteca da universidade de Cambridge (1600-1960)

Fonte: Pollock (2009) Este vibrante crescimento, repita-se, ele próprio em aceleração, foi suportado pela acoplagem do motor a vapor durante os meados do século XIX (Eisenstein, 1980: 19). Neste século a publicação de jornais explode. Mas a distribuição também se mecaniza, podendo-se alcançar por caminho-de-ferro e por navio a vapor os mercados finais de modo regular e previsível, frequente e barato. Já em finais do século XIX ocorre ainda a vaga da electrificação, a qual, em conexão com o motor de explosão, vai permitir irrigar capilarmente os mercados internos dos vários países com produtos informacionais actualizados e segmentados. Esta é a época, também, em que o próprio processo de autoria começa a sofrer mutações; com o aparecimento da máquina de escrever a escrita começa a mecanizar-se (Gnanadesikan, 2009: 265). Entre 1935 e 1960 as versões baratas de livro (versões “low cost”, i.e. paperback) inundaram o mercado, tendo ultrapassado os livros de capa dura (Howard, 2005: 148). A industrialização do sector estava assim completa em meados do século XX. O aparecimento da imprensa levou à emergência de novos papéis e protagonistas. O mercado alargava-se e, seguindo as predições de Adam Smith, aprofundava-se a divisão de trabalho. A revolução da imprensa desdobrou na sociedade papéis para novos protagonistas (van Zanden, 2009: 183). Entre os exemplos de novas especialidades figuram os intelectuais que viviam do seu trabalho de escrita (sendo 61

Erasmus de Roterdão um dos primeiros exemplos), os editores, que preparavam e publicavam as obras (muitas vezes eram eles que decidiam reunir papéis dispersos e publicá-los entre capas duras), os críticos literários (que ajudam a criar e a dirigir a procura), entre outros. O sector começou então a amadurecer; o produto e a indústria tinham chegado ao longo prazo. Com esta estabilização cristalizavam também profissões. O negócio da impressão e dos livros tornou-se um “negócio”, de um modo que o mister de cópia de manuscritos nunca foi (Gnanadesikan, 2009: 257). Mas a história de vida do livro não tinha ficado por aqui.

… E depois começaram a chegar as tecnologias de informação É com a aplicação das tecnologias da terceira revolução industrial (a revolução da informação do final do século XX, ver Freeman e Louçã, 2001) que o mundo do livro volta a mexer. Nos anos de 1990 as tecnologias de publicação começam a ser automatizadas, sendo um exemplo as impressoras “DocuTech” (Howard, 2005: xvi). Este novo potencial de impressão baixou ainda mais os custos de publicação permitindo tiragens “on-demand” (a publicação imediata de cópias depois de um pedido recebido por parte de um cliente - ver figura 5) e democratizando o fenómeno da “auto-publicação” (a publicação de micro-tiragens depois de um pedido recebido por parte de um autor). O impacto resultou em mais uma modernização do processo de produção das tipografias convencionais, agora operando na base de tecnologia electrónica. Se Gutenberg permitiu a impressão de larga escala de produtos idênticos, agora as fotocopiadoras-impressoras permitiam a impressão em produtos costumizados em massa (Clarke, 1997).

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Figura 5. Incidência da expressão “print on demand” em todos os livros publicados digitalizados pela Google

Fonte: ngrams.com Desde tempos imemoriais que os livros, devido à sua escassez e ao analfabetismo, costumavam ser lidos em voz alta. Os áudio-livros começaram a ter algum sucesso também na década de 1990, com cassetes, em particular nos segmentos infantil, autoajuda, romances-mistério, etc.; contudo esta preferência nascente rapidamente migra para outros suportes, para os computadores e para a Internet (Howard, 2005: 151). Este novo tipo de consumo do conteúdos, sobretudo possibilitado pelos dispositivos miniaturizados e adaptados ao estilo de vida móvel contemporâneo, constitui-se também como um retorno a uma forma pré-industrial de acesso à informação codificada. Uma espécie de serviço extra estendendo o produto core. Também na transição para os anos 90 os efeitos da difusão dos computadores pessoais começaram a influenciar a actividade de escrita. A dactilografia começou a ser substituída pelo uso dos processadores de texto, que ofereciam agora um ambiente gráfico mais ergonómico. Os estudos da época fizeram notar que este novo tipo de escrita facilitava a escrita e, sobretudo, a reescrita. O processamento de texto baixou os custos da contínua experimentação e manipulação de texto por “re-cópia” (Cochran-Smith et al., 1991: 6) alargando, portanto, as possibilidades práticas de mudanças “micro-estruturais” (Owston et al., 1992). Esta inovação radical na escrita levou a uma vaga de desintermediação de pequenos processos. A “auto-gestão documental” tornou (parcialmente) redundante um número de especialidades. Estas tarefas tinham surgido com a fina divisão de trabalho que se tinha desenvolvido com o estabelecimento dos métodos fordistas no sector do livro: copywriter, paginador, indexador, etc. (Clarke, 1997).

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A facilidade de produção e reprodução de informação bem como o crescimento das áreas relacionais com os bens intangíveis levou a um grande crescimento do interesse estratégico na área dos direitos de propriedade intelectual na década de 1990 (Godinho et al., 2008). Tal como as tecnologias mecânicas vieram a motivar inovações ao nível da governança dos direitos de cópia as tecnologias digitais motivavam tensões entre as práticas de partilha entre os utilizadores e as estratégias dos detentores dos direitos (Liu, 2012). As novas tecnologias permitiam mais facilmente que os conteúdos caíssem em poder de terceiros, quer por via da cópia analógica (mas potenciada por fotocopiadoras cada vez mais multi-função) quer por via electrónica (“scanização”). Na era da reprodução digital o acesso aos conteúdos estava cada vez mais desligado da posse física do bem, permitindo usufruto da criação literária sem exclusão dos detentores legais do acesso ao bem. Os debates insinuavam-se na esfera pública quer motivados pela questão da propriedade intelectual versus democracia intelectual no acesso a ideias e patrimónios identitários (extensão e reforço dos direitos de autor) quer pela questão da competitividade das actividades baseadas nos conteúdos e no conhecimento num mundo em globalização (o acordo TRIPS - Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) (Mendonça, 2007). Mas as mudanças começariam a fazer-se sentir também da outra ponta do sector. Já nos finais da década de 1990, quando inflava a bolha “Dot Com”, a empresa Amazon tinha um nome globalmente reconhecido como especialista em comércio electrónico de livros. Actuando na Internet esta empresa de Seattle entrou agressivamente no negócio da distribuição de livros, recebendo pedidos electrónicos para depois fazer eficientemente o despacho físico dos livros. Utilizando técnicas “just-in-time”, permitidas pelo controlo apurado do “backoffice” e da logística (figura 6) e pelo uso intensivo de computadores interligados em rede, a Amazon conseguia anunciar vendas de um leque muito mais vasto de livros do que aqueles de que dispunha em armazém (Stone, 2013). Reduzindo os custos das operações e despachando livros rapidamente, a Amazon posicionava-se como substituto de uma das instituições clássicas da velha economia, o “front-office” da indústria livreira: a livraria. Esta empresa sobreviveu à crise do sector tecnológico, 2000-2001, e alargou ainda mais o espectro de produtos que vendia, desde software, flimes, joalharia, roupa, artigos desportivos, etc. Porém, uma inovação que implementou no seu sítio na Web quebrou as regras do retalho: permitia comentários de livros dos próprios leitores, mesmo que hostis (Gapper, 2013). Este envolvimento activo do lado da procura na estruturação e ponderação de gostos pelos consumidores era uma espécie de inovação de serviço (auto-serviço, ou “self-service”), deixando que fosse o lado da procura a emergir como novo crítico literário.

64

Figura 6. Os processos de logística da Amazon

Fonte: The Wall Street Journal (2011), “New economics rewrite book business”, http://on.wsj.com/16urn9M Todas estas mudanças nos processos de escrita, edição e distribuição re-integraram e curto-circuitaram a cadeia de valor tradicional que prevalecia no negócio. A noção de cadeia de valor é um conceito linear e tributário da era industrial, porém alerta-nos para a natureza institucional do processo de geração de valor na economia (Mendonça, 2008). A transformação de recursos em resultados é um complexo de contributos tecnológicos e organizacionais assentes numa base de relações duradouras mas revisíveis. A figura 7 sintetiza a discussão precedente mostrando a evolução do sistema sectorial de publicação. Na actual fase, um estádio híbrido ou em fluxo, o que temos é uma representação de uma “cadeia aumentada” (note-se aumentada e não ainda completamente revolucionada) com novas ligações que resultam de desintermediações e reconexões. Figura 7. Da cadeia de valor ao sistema de valor no negócio da produção e reprodução de livros e da actividade de escrita e leitura de textos

Autores

Edição

Livrarias

Design gráfico

Liv. online Tradutores e revisores

Grossistas

Hípers

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Editoras estrangeiras e importadores

Imprensa Associações de autores e de gestão de direitos

Gráficas

Outros prest. de serviços

Bibliotecas

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Lei tor es/ Co nsu mi dor es

“Piratas”

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Fonte: o presente trabalho Outros prest. Gráficas

de serviços

Bibliotecas e-Readers

O próximo capítulo do livro inscreve-se num contexto comunicacional ubíquo Até esta fase descrevemos sobretudo como a presente vaga de mudanças afectou sobretudo todos os processos em torno do livro: o objecto em si permanecendo inteiro e intacto. No entanto, mais se tem passado no mundo do livro. Este tem-se desmaterializado, fragmentado, animado, enredado no éter interactivo comunicacional ubíquo. A natureza do livro está hoje em evolução acelerada. Em boa verdade o processo de mudança parece assemelhar-se ao descrito por Barras (1986) quando este ofereceu um modelo conceptual para descrever o ciclo de vida do produto no caso dos serviços. Neste caso, argumentava, dava-se primeiro uma transformação dos métodos de produção orientada no sentido de maior eficiência (inovação de processo) dentro do quadro de um bem estável; só mais tarde ocorreriam mudanças significativas no arranjo de características do produto final. Isto é, a inovação seguiu nesta indústria de conteúdos um ciclo de vida reverso, algo típico dos sectores de serviços. As mudanças até qui descritas representam a introdução de novos processos para fazer chegar ao mercado os mesmos produtos. No entanto, deve notar-se, estas foram alterações muito significativas, ou seja, inovações radicais de processo. O historiador económico von Tunzelmann (2003: 370) argumenta que esta é apenas uma “sub-fase” de um processo mais abrangente. A sua previsão é que no contexto da presente Revolução da Informação, irá assistir-se à transição para um modo de subversão do produto antigo e de reinvenção do objecto em si. Com o desenrolar do tempo novos produtos e novas aplicações emergem e tomam conta de uma variedade crescente de sectores estabelecendo-se como novo padrão-tipo de organização da economia; isto seria assim mesmo em sectores tidos como tradicionais. 66

Lei tor es/ Co nsu mi dor es

Hoje, sabemo-lo, os tempos de mudança chegaram finalmente ao bem em si. E estas mudanças levam agora a um repensar da própria natureza do livro na era da computação imbricada no ambiente (dimensão tecnológica) que existe numa densa ecosfera digital em expansão (dimensão institucional). Na era da produção digital os livros não são tanto escritos à mão ou dactilografados: são afinal digitados para dentro de ecrãs. Na era da reprodução digital os livros não são tanto fabricados (produzidos): são replicados (duplicados por “copy and paste”, “download”, etc.) e aparecem à tona de suportes electrónicos (de todos os tamanhos: computadores, smartphones, tablets, etc.). O livro emerge como produto informacional em rede. Hoje o livro evolui, então, para se tornar uma manifestação de um fenómeno mais geral, mais um conteúdo de media disponível por meio de ecrãs vários, interactivos e em ligação a outros através de infra-estruturas de telecomunicação contemporâneas (ver outros casos Cardoso, 2013). Objectos como livros, revistas ou jornais têm sido objectos analógicos. Estes são casos particulares de suportes tangíveis convencionais que dão apoio a essa actividade a que chamamos leitura. O livro clássico é um “dispositivo”, isto é, um tipo de “gadget” ou “device” como é corrente dizer-se no léxico actual. Calha que um livro no seu formato em papel não se desliga quando não está ligado à tomada eléctrica. Não está dependente de electricidade ou de actualizações de software para funcionar e estas são vantagens do ponto de vista do utilizador. Contudo, para ser produzido, um livro necessitou de consumos intermédios, isto é, que matérias-primas e subsidiárias fossem canalizadas para o seu processo de fabrico. Um livro impresso tem, portanto, muita energia embutida. É energia sob a forma de matéria. Uma página em papel de um livro convencional é, portanto, um “ecrã”, uma “tela”, um “interface” onde energia foi investida à cabeça mas que não precisa agora dela em permanência para funcionar (a não ser quando a leitura se faz à noite por exemplo, aí a luz tem de ser convocada pelo leitor). O papel tem sido uma janela onde estão estampados os signos que transmitem a informação. Uma folha impressa é uma superfície por onde os nossos olhos deslizam e na qual os nossos dedos tocam. As palavras estampadas nessa fina fatia de matéria são estáticas e a sua posição na página inamovível. As palavras têm estado, elas próprias, fixas e presas em páginas inexoravelmente umas a seguir às outras numa ordem pré-determinada. O e-book consumido através de tablets é, talvez, a manifestação mais iconográfica desta mudança. No início dos anos 2000 os anúncios de “tinta electrónica” e “papel electrónico” sucediam-se. Ao início, a definição de livro digital ou electrónico era simples “an electronic version of a printed book which can be read on personal computer or handheld device designed specifically for this purpose.” (Oxford English Dictionary, citado em Howard 2005: 151). No entanto, dificilmente a situação poderia ser tão cedo definida. Por exemplo, no fim de 2004, a Google anunciava duas iniciativas gémeas, o “Google Print” e o “Google Book Search”. Aquilo que viria a ser chamado tão-somente “Google Books” permitiria ter acesso à meta-informação de 67

livros (quando sob copyright), a amostras dos livros (“snippets” ou várias páginas), ou mesmo ao livro inteiro quando no domínio público (ver figura 9). A disponibilização digital de livros, sem necessariamente isso equivaler à sua posse (virtual ou real) pelo leitor, estava a evoluir. Figura 9. O Google Books

Fonte: Wikipedia A mudança iria acelerar para os fins da década. A Amazon começou por ser uma livraria electrónica de livros em papel, agora lidera o movimento de migração para o modelo de negócio digital puro, isto é, de livraria electrónica de livros electrónicos. Curiosamente também, a Amazon vende esses livros preferencialmente para a sua própria plataforma de uso pessoal. O “Kindle”, o e-reader lançado originalmente em Novembro de 2007, era ao início anunciado como possibilitando “leitura sem fios” (ver figura 10). Tinha, evidentemente, tecnologia wi-fi para “download” de livros. Dois anos depois, em 2009, o Kindle 2 era lançado dispondo de novos atributos como a sua menor dimensão e a leitura em voz alta. A característica texto-para-voz levantou problemas. A tecnologia denunciada pela Author’s Guild, a maior organização americana de autores e agentes literários, como indutora de infracção de direitos: “they don't have the right to read a book out loud. That is an audio right, which is derivative under copyright law.” (Paulo Aitken, president da Author’s Guild, citado em “New Kindle Audio Feature Causes a Stir”, The Wall Street Journal, 10 de Fevereiro de 2009, http://on.wsj.com/1aTQVfL). A Amazon acabou anunciando que recuava, limitando essa capacidade. As editoras podem optar por permitir esse atributo ou não nos seus livros no Kindle 2 (figura 10). Apesar desta polémica as vendas generalizadas de e-books começaram a crescer marcadamente a partir do ano seguinte, pois o aparelho iPad da Apple iniciaria este movimento de adesão a dispositivos móveis interconectados decisivamente em 2010.

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Figura 10. O Kindle

Figura 11. Receitas de e-books

Fonte: The Wall Street Journal (2011), “New economics rewrite book business”, http://on.wsj.com/16urn9M O sucesso de venda dos e-books tornou-se o segmento mais dinâmico da indústria do livro na transição para a segunda década do século XXI. No primeiro trimestre de 2012 os e-books para adultos nos EUA geravam já $282 milhões em vendas contra $230m gerados pelos livros de capa dura (The Wall Street Journal, “Your E-Book Is Reading You”, 19 Julho, http://on.wsj.com/15FPT7b). Do lado da oferta a estrutura económica do negócio era, por definição, muito atractiva: enquanto bem virtual o custo marginal de cada unidade vendida era aproximadamente zero, portanto, mesmo a preços baixos seria possível ter elevados retornos desde que todo o esquema de vendas e a reputação negocial estivessem assegurados (ver, e.g., Shapiro e Varian, 1998). Este atractivo segmento foi de imediato dominado por dois gigantes norte-americanos: a Amazon (com o seu site e o seu Kindle) e a Apple (com a sua iBookStore e o iPad). A perseguição de lucro no contexto de uma estrutura de mercado caracterizada por um grau de monopólio levaria a uma conspiração contra os consumidores que viria a ser provada em tribunal. A Apple (com 20% do mercado norte-americano de e-books) foi acusada e dada como culpada de ter organizado um cartel para fazer subir o nível de preços nos EUA (figura 12). Segundo o Tribunal, os executivos destas empresas reuniam-se em salas de jantar em caros restaurantes de Nova Iorque lamentando-se dos preços baixos praticados pela Amazon e vendo o que poderiam fazer para reagir. Esta conduta anti-competição tinha sido posta em causa graças a um conjunto de contratos com as casas editoriais e de dispositivos de controlo dentro do ambiente de compras electrónicas detido pela Apple.

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Figura 12. Conspiração contra os consumidores de livros digitais

Fonte: Financial Times, 11 Julho de 2013, p. 1, http://on.ft.com/HkzfkO (ver resposta da Apple aqui: http://on.ft.com/17S4z0K) O cartel é uma estratégia concertada para atingir o preço máximo compatível com o máximo lucro. Porém, a digitalização dos livros tem sido acompanhada por experimentalismo a nível de modelos de negócio: alguns deles têm sido caracterizados pela tentativa de praticar o preço mínimo. Um exemplo é a área das publicações académicas. Ao nível de revistas científicas há uma tendência bem identificada ao nível de open science (Cardoso et al., 2012). Ao nível de manuais é interessante ver o projecto Bookboon (figura 13). Este modelo de negócio é uma espécie de “product placement” dentro do livro propriamente dito. Os livros podem ser descarregados gratuitamente, porém os conteúdos são entrecortados com anúncios. De notar também que o download exige a introdução de informações várias por parte de quem os procura adquirir. O leitor paga, por isso, em termos de tempo e atenção mas também em termos de dados e privacidade.

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Figura 13. O modelo de negócio Bookboon

Fonte: http://bookboon.com/en/textbooks/management-organisation/businessmodels A questão do rasto informacional deixado pelo leitor adquire, de facto, uma importância crescente nos modelos de negócio online. De facto, hoje o leitor pode ser lido pelo livro. Com os livros a serem intersectados pelo modelo logístico da “cloud” um livro pode ser consultado à distância (como a música pode ser escutada por “streaming”), sem estar necessariamente instalado na máquina pessoal do leitor. Novas possibilidades de “data mining” (análise fina dos dados de compra do objecto) e de “consumer tracking” (análise fina dos dados de uso do objecto) implicam hoje o 71

livro nos grandes debates contemporâneos sobre protecção de dados e vigilância electrónica. As operações de marketing das empresas (sobretudo dos grandes operadores dos livros electróncios: a Apple, a Amazon, a Google) podem agora saber não apenas os dados das vendas mas também os hábitos detalhados de leitura; o leitor passa a ser um “livro aberto” e capaz de gerar “big data”. A leitura deixou de ser um acto solitário, é um acto monitorizado: uma empresa como a Barnes & Noble, que com o seu e-reader Nook tem cerca de 25% a 30% do mercado norte-americano de ebooks, estuda já aprofundadamente como os leitores reagem a certos géneros de modo a criar livros optimizados às suas preferências (The Wall Street Journal, “Your eBook is reading you”, 19 Julho, http://on.wsj.com/15FPT7b). O potencial dos e-readers/tablets distingue este suporte da versão papel fazendo já evoluir o e-book para algo mais que uma versão digital de um livro estático (imutável) e estanque (auto-contido). Este fenómeno está a acontecer em várias áreas temáticas, onde a informação a que se tem acesso começa a ser animada (o livro como consola interactiva) e a extravasar os contornos originais (o livro dotado com novos extras). Assim, e no caso de livros técnicos e manuais, estes podem incluir materiais como vídeos, fotografias, música, “quizzes”, slides, e outros conteúdos interactivos que o autor pode costumisar, convidando também o utilizador a participar (figura 14). No caso de livros como biografias ou história os livros podem incluir entrevistas com o autor, mapas de locais, vídeos do Youtube incrustados no conteúdo como se fossem notas de rodapé. Estes exemplos de livros “multimédia” ou “transmedia” começam a ser denominados “livros estendidos”, “edições amplificadas”, “narrativas interactivas” (The Economist, 22 Fevereiro 2012, http://econ.st/zORIYh). Mas estas criações são caras e têm redundado em alguns falhanços para as editoras; trata-se possivelmente de um modelo só adaptado a nichos especializados, e o seu valor de negócio ainda não está completamente testado. Neste cenário o livro é, todavia, uma aplicação… mais complexa (e mais cara) ou mais simples (e mais barata). Nesta era de experimentalismo o novo livro surge com um modelo cada vez mais autónomo e distanciado da sua referência clássica. Muitas vezes estas são edições já vendidas só na versão digital. Estas edições, que têm já o nome de “e-riginais”, são versões que têm beneficiam de várias funções especiais ou camadas adicionais de enriquecimento multimedia. Mas o novo livro surge também crescentemente não como repertório informacional (stock de conteúdos) mas como fluxo comunicacional (flow de serviços). As capacidades interactivas e a ligação ao ecossistema externo são aqui a essência. Várias facilidades transformam os livros em media sociais ao permitirem ter “guest-book” electrónicos ou disparar citações directamente para “twetts” a partir do livro, e nada impede o livro de ser um sistema aberto, cuja narrativa evoluiu à medida que o leitor avança e interage com ele. Eis o surgimento de livros em movimento capazes de fornecerem infinitas experiências.

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Figura 14. Livro-texto recombináveis e remodularizáveis

Fonte: http://www.onlineschools.com/blog/open-source-digital-textbooks Finalmente, a tecnologia antiga raramente fica parada. Uma das formas de resistência do formato antigo em papel pode estar relacionada com a emergência de “impressoras 3D”. Tais tentativas de resistir face à obsolescência são conhecidas pelo “efeito do navio à vela”, devido ao crescendo de desempenho que os navios de vela tiveram no final do século XIX quando ameaçados já inexoravelmente pela nova tecnologia do vapor. A Biblioteca Pública de Brooklyn introduziu a “Espresso Book Machine”, uma máquina capaz de imprimir e acabar por completo um livro de um autor que queira algumas cópias do seu trabalho em poucos minutos (ver figura 15). Esta parece ser uma forma extrema de “publique você mesmo” (modelo “on demand” completamente integrado), uma desintermediação radical em que o autor é ele mesmo editor e distribuidor simultaneamente. Eis a capacidade de criar obras infinitamente variáveis. Muitos destes sectores de conteúdos estão sob pressão, e depois de vários segmentos como a música ou o audiovisual, agora é a vez de uma grande turbulência ter lugar no mundo dos livros e dos livreiros. Porém, há sinais de que a reconfiguração do sector está a estabilizar nos seus parâmetros, com as receitas dos e-books a aumentar bem como os modelos de negócio a encontrarem novas configurações.

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Figura 15. Publique você mesmo… em poucos minutos e em alta qualidade

Fonte: http://nydn.us/Hb5qmn, ver também vídeo oficial http://bit.ly/jPR8n Na fase actual, portanto, o livro surge como objecto em transição de um corpo puramente tangível para uma reencarnação puramente intangível. Esta é uma migração difícil, repleta de surpresas pelo caminho, e de estradas secundárias que vão dar a lado nenhum. É possível que haja várias soluções para diversos tipos de exigências editoriais e preferências de mercado, mas as tecnologias da informação e da comunicação têm trazido o livro para mais longe da noção de bem e mais perto da noção de serviço (ver figura 16). Esta é uma viagem de um artefacto analógico para um mundo digital pós-industrial. Figura 16. O livro como mix de elementos tangíveis e intangíveis

Todos os produtos estão situados num contínuo 100% tangível

100% intangível

(“bens”)

(“serviços”)

-evento estático-

-processo contínuoFonte: o presente trabalho

Venda/Compra

Acesso/Licenças

Os livros em números O fenómeno do livro tem atraído uma atenção crescente a nível científico desde os finais dos anos de 1990 (ver figura 17). Os países que mais produziram literatura sobre 74

o livro e a edição são os EUA e o Reino Unido, mas é interessante também reparar que a China e a Formosa estão no top10. As três principais áreas científicas foram: as ciências sociais, as disciplinas da gestão e as ciências da computação. É interessante também referir que entre 2008 e 2012 vários dos artigos mais citados versam sobre marcas na Internet, pirataria de e-books e sustentabilidade dos modelos de negócio (ver figura 18). A dimensão económica e tecnológica parece motivar grande parte da atenção. Figura 17. Artigos científicos sobre “book publishing”

Figura 18. Artigos sobre livros mais citados entre 2008 e 2012

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Fonte: Scopus

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Figura 19. Importância económica das actividades criativas baseadas em copyright na EU-27

Fonte: Comissão Europeia (2013: 79) Mas quanto vale esta área da cultura e dos conteúdos? Nem sempre os dados estão disponíveis. As estimativas da Comissão Europeia do início dos anos 2000 mostravam que as actividades baseadas em criatividade e direitos de propriedade intelectual eram não-negligenciáveis para a economia europeia (Mendonça, 2007). Estas contribuíam directamente com 2,6% do PIB da UE-25 (dados de 2003), acima do sector imobiliário ou da indústria alimentar. A importância no emprego era maior ainda: representavam 3,1% do emprego total (5,8 milhões de pessoas em 2004), preponderantemente qualificado (46,8% dos trabalhadores têm formação superior). Toda esta área de prática produtiva crescia significativamente acima da média do resto da economia, 77

17,5% ao ano entre 1999 e 2003. Os dados da altura mostravam ainda Portugal como país onde o fenómeno registava um peso inferior à média, com 1,4% do PIB e 2,3% do emprego total, mas no qual o sector criativo-cultural foi o que mais cresceu no contexto da UE-15. A tentativa mais recente resultou de um consórcio entre a Comissão Europeia, o Instituto Europeu de Patentes e Organização para a Harmonização do Mercado Interno. Este relatório de Setembro de 2013 não cita o anterior e chega a valores díspares. Conclui-se que cerca de 39% do valor acrescentado da União Europeia (cerca de 4,7 mil milhões de euros por ano) são gerados por sectores de actividade que utilizam intensivamente direitos de propriedade intelectual (patentes, marcas, design, direitos de autor, denominações de origem, etc.) bem como 26% de todo o emprego na UE (56 milhões de postos de trabalho de um total de 219 milhões). Neste estudo concluiu-se ainda que no emprego nas actividades totais da área criativa e de conteúdos cerca de 7,2 milhões vêm de áreas baseadas em copyright (música, imprensa, livros, cinema, televisão, artes, etc.), ou seja, 12,9% dos 56 milhões. Dentro das indústrias intensivas em copyright o sector dos livros é uma pequena parte com 317 150 trabalhadores (4,4% das indústrias intensivas em copyright). Os seguintes países têm pesos no emprego acima da média (ver figura 19): Suécia, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Reino Unido, Irlanda, Estónia, França, Alemanha e Luxemburgo. Os países com peso no PIB acima da média são: Irlanda, Reino Unido, Suécia, Finlândia, Bulgária, França, República Checa, Grécia, Hungria e Estónia. Portugal tem uma proporção abaixo da média em ambos os indicadores. Como outros sectores baseados em criatividade e conteúdos protegidos por copyright (por exemplo, a música ou o cinema) o sector do livro e dos livreiros passa hoje por uma transformação profunda. A PWC (2013) estima que em 2017 os e-books representem 22% de todas as receitas do negócio no mercado global, subindo dos 9% actuais, impulsionadas pela difusão de tablets e e-readers. Nesse ano o sector será menor do que em 2008, sendo que o crescimento dos e-books não conseguirá colmatar todas as perdas dos livros clássicos (ver figura 18). A América do Norte estará na liderança da transição com 38% das vendas em formato electrónico em 2017 (em 2012 era já de 20%). O contexto estratégico é, por isso, híbrido, apontando-se para uma coexistência duradoura dos dois tipos de edições, papel e digital.

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Figura 20. Dimensão do mercado mundial impresso e electrónico de livros (US$m)

Fonte: PWC (2013), http://pwc.to/1UM2b8 Uma análise do sector em Portugal utilizando os dados disponíveis entre 2004 e 2011 permite algumas leituras sobre a organização do sector. Uma diminuição do número de postos de trabalho coexistiu com um aumento do número de empresas. Um volume de receitas estagnado tem sido então repartido por menos pessoal ao serviço mas por mais empresas. Esta é hoje uma actividade mais fragmentada que antes (pulverizada em pequenas e micro-empresas). Figura 21. Dados do sector do livro em Portugal, 2008-2011

Fonte: elaborações próprias a partir de INE Nota: CAE subclasse 58110 Edição de livros; Compreende, nomeadamente, a edição de livros, dicionários, enciclopédias, brochuras, mapas, atlas e cartas geográficas e opúsculos, impressos, em forma electrónica (CD, etc.), via Internet e em forma áudio A dimensão internacional do livro português intensificou-se nos últimos anos, como a figura 22 revela. É sobretudo a partir de meados da década de 2000 que a performance tem um crescimento muito robusto, tanto em valor como em volume. 79

Figura 22. Exportações portuguesas de bens (livros) entre 1999 e 2012

Fonte: elaborações próprias a partir de Comext (Eurostat) E para onde vão as exportações portuguesas? A figura 23 apresenta um esquema que sintetiza os destinos atingidos, ventilando a dimensão dos mercados pela sua dinâmica de crescimento. Em 2012 é visível que Portugal concentra as suas mercadorias exportadas em economias pequenas que não estão a crescer (i.e. periferia europeia), embora haja sinais de diversificação para pequenas economias em crescimento (i.e. países africanos lusófonos). É precisamente onde existirão mais oportunidades que a penetração portuguesa é mais fraca.

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Figura 23. Mercados de destino dos livros exportados desde Portugal Pequenas economias

Desempenho exuberante

Desempenho medíocre

2012

Desempenho exuberante

Desempenho medíocre

Grandes economias

BRICS PALOP

“PERIFERIA”

“TRÍADE”

Pequenas economias

Grandes economias

1,6% 20,2%

66,6%

11,5%

Fonte: elaborações próprias a partir de Comext (Eurostat) Apesar do desempenho recente ao nível da exportação, o cômputo desta mercadoria é negativo na balança comercial. A figura 24 mostra que se importa mais em termos de volume, mas sobretudo em termos de valor. A qualidade dos livros e os mercados finais deverão ser determinantes para determinar o valor. De facto o preço médio por kg varia conforme o destino: países desenvolvidos - 22,7€/kgs para os EUA, 14,8€ para o Canadá; lusofonia emergente: 6,9€/kgs para o Brasil e 3,0€ para Angola. Assim, o que parece poder concluir-se é que Portugal exporta insuficientes livros para mercados grandes que estejam dispostos a pagar muito por eles. E estes são dados que não incluem livros digitais, aqui o fenómeno ainda tem uma ínfima expressão.

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Figura 24. Contraste exportações-importações de livros, Portugal em 2012

Fonte: elaborações próprias a partir de Comext (Eurostat)

Conclusões O sector do livro é marcado por uma mudança estrutural. Tal é mesmo a marca de nascimento do objecto. Mas hoje em dia a transformação é muito acelerada e está relacionada com a terceira revolução industrial, podendo dizer-se que a primeira e a segunda revoluções terão tido apenas um efeito de projecção cumulativa sobre este produto, tornando-o mais central ainda na vida da sociedade e da economia. “[O] livro provavelmente transformou-nos mais do que qualquer outra ferramenta”. Quem o diz é Jeff Bezos, o empresário norte-americano da Amazon. Estas palavras são proferidas em Out of Print (http://outofprintthemovie.com/), um documentário acabado de estrear, narrado por Meryl Streep e realizado por Vivienne Roumani (uma antiga bibliotecária). Actualmente a era digital está a transformá-lo mais do que qualquer outra revolução tecnológica e económica.

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3 A indústria do livro digital em Portugal: mutações de um sector tradicional Cátia Ferreira

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O contexto editorial português é, ainda, caracterizado pelo predomínio do livro impresso. No entanto, nos últimos anos tem-se vindo a assistir a uma mudança, e o investimento em suportes de leitura alternativos tem permitido aos leitores desenvolverem práticas de leitura digital na sua língua materna. Ou seja, independentemente da hegemonia do livro impresso, tal não é sinónimo de não adopção de estratégias de edição digital. Ao longo do presente capítulo serão analisadas as principais estratégias de edição digital que têm vindo a ser postas em prática pelas editoras portuguesas. O objectivo principal é perceber em que fase de adaptação ao digital se encontra esta indústria cultural. A Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB)19 destaca que é necessário ter uma visão panorâmica do mercado português e que, para além de perceber as dinâmicas associadas ao livro impresso, está a tornar-se cada vez mais necessário compreender as novas dinâmicas associadas ao livro e à leitura. Estas novas dinâmicas dizem respeito à edição online, edição digital e à publicação de e-books, mas também a fenómenos emergentes como a impressão a pedido (print on demand) e a edição de autor (self publshing), ou os audiolivros. Paralelamente à reflexão em torno do impacto destas novas práticas editoriais no mercado do livro nacional, procuraremos também perceber de que forma o contexto digital pode contribuir para atenuar aqueles que são considerados os principais desafios para este sector. O último estudo publicado pela APEL – ‘Estudo do Sector de Edição e Livrarias e Dimensão do Mercado da Cópia Ilegal’ (Dionísio e Leal, 2012), procurou identificar os principais desafios com os quais editores e livreiros nacionais terão de lidar no triénio 2012-2015. Concluiu que o desafio principal é a aposta nos livros em formato digital. De acordo com este estudo é crucial que os editores valorizem a adopção de e-readers e de outros suportes de leitura digital e que tirem partido das novas tipologias de edição, não só para satisfazer as necessidades de um público leitor cada vez mais próximo às tecnologias de informação e comunicação, mas também como forma de divulgar à escala mundial o que se produz em língua portuguesa. Esta aposta deve ser acompanhada por um reposicionamento estratégico de editoras e livrarias. Os novos modelos de negócio a adoptar devem reflectir: uma reorientação para o leitor/cliente, que como veremos pode ter como elemento primordial as novas plataformas de comunicação digital; uma consciencialização do impacto da cópia ilegal – a fotocópia é, ainda, o meio mais usado no que diz respeito à cópia ilegal; a aposta em novos formatos de edição, tirando partido do potencial da edição digital e dos conteúdos multimédia; e a aposta em novas formas de comunicação que devem ser articuladas com as já praticadas. A análise apresentada será estruturada em quatro secções: ‘A edição e promoção digital em Portugal’, ‘A edição nacional de e-books’, ‘A venda de e-books em Portugal’ e ‘Hábitos de leitura de e-books’.

19

http://www.dglb.pt/sites/DGLB/Portugues/Paginas/home.aspx.

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A edição e a promoção digital em Portugal A edição de livros em formato digital em Portugal tem início em 1999 pela mão da editora Centro Atlântico20. A editora, fundada em 1994, tem, desde o seu início, o objectivo de divulgar obras centradas nas tecnologias de informação e comunicação. Em 2006, surge um segundo projecto centrado na edição digital – a editora Sinapses. Esta é a primeira editora em Portugal a dedicar-se aos livros online. Os livros propostos são avaliados por uma comunidade composta por utilizadores registados na plataforma, os mais votados são revistos e editados sob a chancela Sinapses. Este projecto tem o seu fim em Janeiro de 2010. Actualmente os grupos Leya e Porto Editora são responsáveis pela maioria dos títulos editados em formato digital em Portugal. No entanto, como veremos na próxima secção, há outros editores e outro tipo de projectos a serem desenvolvidos nesta área. No que diz respeito às artes gráficas, temos também vindo a assistir a uma mudança, as gráficas especializadas em impressão offset e na produção de livros têm vindo a apostar numa diversificação dos seus serviços. A impressão digital de pequenas tiragens é já possível em diferentes gráficas nacionais. A impressão a pedido (print on demand) é outra das estratégias que permite aos editores controlar as tiragens produzidas, evitando a acumulação de stocks. Em Portugal, o recurso a print on demand está a ganhar importância a par e passo com o fenómeno da auto-edição. Nos últimos anos têm surgido projectos editoriais alternativos centrados na auto-edição, livros digitais e impressão a pedido. Os serviços editoriais estão a ser alvo de um processo de diversificação, a auto-edição sob uma chancela editorial exclusiva para este tipo de edição é uma das possibilidades oferecidas a todos aqueles que queiram editar um livro. Estes livros não são produzidos a pensar num canal de vendas tradicional como a livraria. Estão disponíveis auto-edições em formato impresso e digital. O formato impresso tende a ser impresso através de impressão digital, ou a estar disponível em print on demand, sendo impressos apenas os exemplares encomendados. A maioria destes projectos editoriais alternativos oferece um leque de serviços completo. Ou seja, podem gerir todo o processo de publicação e venda de um título. Caso o autor prefira, pode contratar apenas serviços específicos, como, por exemplo, a paginação, revisão e preparação de um e-book. Em 2009, surgem as duas primeiras empresas editoriais com estas características em Portugal. O Sítio do Livro, lançado em Abril, e em Julho a Bubok.pt, uma plataforma de auto-publicação associada à editora espanhola especializada em auto-publicação, a Bubok. Em 2010, é fundada a Várzea da Rainha, um projecto de Zita Seabra, editora da Alêtheia. O Sítio do Livro21 é uma plataforma de produção e venda de livros vocacionada para autores, editores, livreiros e leitores. Os serviços oferecidos aos autores incluem todas as etapas da produção de um livro, seja em formato impresso, 20 21

http://www.centroatl.pt. http://www.sitiodolivro.pt/.

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seja em digital. Aos editores é dada a possibilidade de disponibilizarem títulos esgotados em regime de print on demand, e às livrarias e leitores terem acesso a títulos aos quais de outra forma dificilmente acederiam. O Sítio do Livro tem um protocolo com a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), assegurando dessa forma que todos os direitos autorais estão salvaguardados. O catálogo de livros disponível para compra na plataforma é extenso, estando representadas também a maioria das editoras nacionais. Do total de títulos disponíveis, 120 títulos estão também disponíveis em formato e-book22. A Bubok23, por sua vez, é uma plataforma mais vocacionada para a auto-publicação, oferecendo serviços de edição personalizáveis de acordo com os objectivos do autor. Associada à plataforma de auto-edição, existe uma livraria online onde é possível comprar livros impressos e em formato digital sob a chancela Bubok. Actualmente o catálogo conta com mais de 3.000 títulos24, dos quais a maioria está disponível tanto em formato impresso como digital. A Várzea da Rainha25 é um projecto de maior amplitude, prestando diversos serviços gráficos, editoriais e de produção. Entre os serviços gráficos disponibilizados encontra-se a impressão digital e o print-on-demand. Ambos recorrem a equipamentos de impressão apropriados e muito actuais, entre os quais são de destacar a Xerox Nuvera 200 e a Xerox Color Press 1000. Os livros editados em parceria com a Várzea da Rainha são publicados sob a chancela Sinapis26. O sistema de auto-publicação é composto por diferentes serviços associados a diferentes etapas na produção de um livro. São disponibilizados serviços editoriais, design, produção, distribuição, marketing e comunicação, e de edição digital (e-books). No que diz respeito à edição de livros em formato digital, disponibilizam a conversão de obras impressas, bem como a criação de raiz de um livro digital. Os principais formatos utilizados são: epub, lit, pdf e azw (Kindle). Paralelamente a estes serviços, a Várzea da Rainha disponibiliza, ainda, uma livraria online onde é possível adquirir títulos da Sinapis e Alêtheia Editores. Para além destes três projectos que aliam a possibilidade de impressão digital à edição digital, há, ainda, um quarto projecto que só envolve a auto-publicação em formato digital. Em Dezembro de 2012, o grupo Leya lançou uma plataforma dedicada à autoedição de e-books – a Escrytos27. Ao potencial autor é oferecida a possibilidade de publicar o seu livro de forma totalmente gratuita, bastando registar-se na plataforma e ter um original num ficheiro word. Caso o autor prefira usufruir de algum dos serviços editoriais disponíveis, poderá fazê-lo – são oferecidos serviços de avaliação, revisão, acompanhamento e promoção. Os serviços são disponibilizados mediante pagamento e podem ser contratados avulso ou em pacotes.

22

http://www.sitiodolivro.pt/pt/montras/publicacoes-ja-disponiveis-em-e-book/ (23/11/2013). http://www.bubok.pt/. 24 https://www.bubok.pt/livraria (23/11/2013). 25 http://www.varzeadarainha.pt. 26 http://www.varzeadarainha.pt/?area=livro&page=publicacao-em-editora. 27 http://www.escrytos.com/. 23

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Os audiolivros constituem um meio alternativo de entrar em contacto com o conteúdo de um livro. Apesar de este ser um formato relativamente recente em Portugal, a origem dos audiolivros remonta à década de 1930, nos Estados Unidos da América28. Em 1931, o Congresso americano aprova um programa centrado na gravação de textos narrados, que tem como objectivo ajudar os adultos invisuais. Os primeiros audiolivros surgem em 1932, sob a alçada da American Foundation for the Blind. Um ano após o lançamento dos primeiros títulos, tem início a produção em massa de aparelhos que os reproduzissem. Desde então, o programa de audiolivros tem vindo a ganhar uma importância crescente, sendo um dos seus principais parceiros as bibliotecas. No início dos anos 90 são disponibilizados via Biblioteca Nacional milhões de títulos a mais de 700.000 ouvintes com deficiência. A grande maioria desses títulos é produzida por uma equipa de profissionais do National Library Service. Apesar de inicialmente dirigidos para um público-alvo com características específicas, o consumo de audiolivros generaliza-se nos países anglo-saxónicos a partir da década de 60 do século XX, as bibliotecas mantêm o seu papel de destaque enquanto difusoras deste formato. A popularização dos leitores de cassetes portáteis contribui para a adesão a este novo formato para o consumo de informação. Os primeiros audiolivros pensados para a população em geral cingem-se a conteúdos instrutivos e educativos, mas em pouco tempo começam também a ser adaptados conteúdos literários, principalmente de ficção. Este formato alternativo para entrar em contacto com conteúdos originalmente escritos ganha uma importância tal nos E.U.A. que, em 1996, é instituído um prémio nacional que visa distinguir os melhores audiolivros tendo em conta diferentes categorias, os Audie Awards29. A evolução tecnológica tem marcado o desenvolvimento deste formato alternativo ao livro impresso e depois do período áureo da cassete esta é substituída pelo CD, mas são os formatos digitais mais recentes, as novas possibilidades oferecidas pela Internet e os leitores multi-formato portáteis que revolucionam o audiolivro e contribuem para a sua aceitação entre um número cada vez mais significativo de pessoas. Actualmente estão disponíveis diversas plataformas dedicadas à divulgação e distribuição de audiolivros, muitas delas associadas a bibliotecas locais, como o OverDrive e o NetLibrary. Em Portugal, a primeira colecção de audiolivros em CD é publicada em 200730, e nessa altura há apenas uma editora a dedicar-se a este formato, a 101 Noites31. A colecção tem o nome de ‘Livros para Ouvir’ e é composta maioritariamente por obras literárias portuguesas, narradas por actores nacionais. Em 2008 surgem dois novos projectos

28

http://booksalley.com/bAMain/bAlleyT02_Museum.php. Para informação adicional sobre os Audie Awards visitar a página oficial do prémio: http://www.theaudies.com/. 30 ‘Os audiolivros chegaram a Portugal’, notícia do jornal Expresso, de 30 de Novembro, 2007, disponível em http://expresso.sapo.pt/os-audiolivros-chegaram-a-portugal=f179972. Esta colecção marca o início da edição de audiolivros para o público em geral. Até então os poucos títulos que se encontravam disponíveis em formato áudio destinavam-se ao público infantil e a pessoas com deficiência visual. 31 http://www.101noites.com. 29

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comerciais de audiolivros, A Boca32 e a MHIJ Editores,33 ambos os projectos dedicados à edição em diversos formatos, mas dando especial atenção ao audiolivro e à sua disponibilização em mp3 e em CD. O recurso a plataformas alternativas para comunicar com os leitores é visto como primordial numa época em que o consumo e procura de informação passam cada vez mais pelos meios digitais que temos à disposição (Mrva-Montoya, 2012). Perante a crescente importância das plataformas sociais para diversas áreas de actividade, é importante perceber como estas são exploradas para potenciar a divulgação de produtos editorais em Portugal. Mesmo que aplicadas para a promoção de títulos impressos, estas novas ferramentas são vistas como tendo o potencial de promover hábitos de leitura e compra de livros (Nelson, 2006; Thoring, 2011; Tian and Martin, 2010). De modo a contribuir para um melhor entendimento de como estão a ser usadas as ferramentas sociais disponíveis, de seguida iremos analisar alguns exemplos ilustrativos de como as editoras nacionais estão a tirar partido de sites de redes sociais como o Facebook, plataformas de microblogging como o Twitter e de blogues. Adicionalmente procuraremos caracterizar a presença nacional no programa de promoção da leitura da Google, Google Books. A presença das editoras nacionais no site de rede social Facebook, apesar de não ser representativa do sector, é já significativa. Muitas são as editoras com página nesta plataforma social, a maioria utilizando-a de modo complementar ao website. Uma breve análise desta presença permitiu-nos perceber com que objectivo recorrem os editores nacionais a esta plataforma. Entre os objectivos mais presentes estão a divulgação de notícias das próprias editoras e do sector, divulgação de novidades e de eventos, e partilha de clipping. De modo a ilustrar as práticas de promoção digital através deste site de rede social, foram analisadas as páginas de Facebook de seis editoras: A Esfera dos Livros, Saída de Emergência, Edições Tinta-da-China, Editorial Presença, Gradiva, e Orfeu Negro. A selecção teve como objectivo analisar editoras com posicionamentos estratégicos e editoriais diferentes, bem como editoras de diferentes dimensões e anos de experiência. A mesma lógica será seguida na análise que faremos da utilização das outras plataformas. A Esfera dos Livros, presente neste site de rede social desde 201034, conta com 17.751 likes35 – ou seja seguidores, as actualizações tendem a ser constantes e entre o tipo de posts que publicam encontram-se passatempos, notícias (sobre o sector, mas essencialmente relacionadas com a editora), divulgação de novidades e clipping. Entre o tipo de conteúdos publicados é de destacar a presença de diferentes tipologias de

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http://www.boca.pt. http://mhij.pt/. 34 https://www.facebook.com/aEsferadosLivros. 35 O número de likes indicado para as diferentes editoras diz respeito ao número de seguidores que as páginas tinham à data de 23 de Novembro de 2013. 33

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conteúdos – capas de livros, fotografias e vídeos (Youtube). A Saída de Emergência36, por sua vez, não disponibiliza informação sobre quando aderiu ao Facebook, conta com 11.952 likes e recorre a esta página principalmente para divulgar campanhas de promoção, curiosidades relacionadas com o mundo dos livros e informação sobre eventos. Os conteúdos publicados são centrados muitas vezes nas capas dos seus livros. São também disponibilizadas fotografias com alguma frequência. A Edições Tinta-da-China37 funda a sua página em 2009, sendo uma das páginas visitadas mais antigas. A publicação de posts é constante, os 12.798 seguidores podem estar permanentemente actualizados relativamente às suas novidades e projectos editoriais, notícias sobre a editora e sobre o sector do livro, eventos, curiosidades relacionadas com livros e leituras e clipping. A publicação de posts de texto tende a ser acompanhada por outro tipo de conteúdos, como fotografias, capas de livros e vídeos (Youtube). A Editorial Presença38 conta com 100.000 seguidores e tende a publicar novos posts com alguma regularidade. Para além de notícias, informação sobre novidades e curiosidades sobre o mundo do livro, esta editora recorre ao Facebook para estabelecer um contacto mais próximo com os seguidores. Isto é feito através da publicação de perguntas relacionadas com determinados títulos, envolvimento no processo editorial, mensagens de vídeo de autores e de recomendações de leitura. Presente no Facebook desde 2011, a Gradiva39 conta com 2.985 seguidores e publica novos conteúdos com alguma regularidade. Entre os conteúdos mais veiculados estão os que dizem respeito ao lançamento de novidades, clipping, informação sobre eventos e campanhas de promoção. Tendem a estimular a comunicação directa com os seguidores através da publicação de perguntas. Os conteúdos tendem a ser complementados com vídeos, fotografias e capas de livros. Por último, a página da Orfeu Negro40, lançada em 2011, conta com 5.279 seguidores. Os posts tendem a ser menos regulares do que nos exemplos anteriores e o tipo de mensagens publicadas é também mais reduzido. A utilização da página neste site de rede social centra-se na difusão de notícias sobre a editora e sector editorial, novidades editoriais e clipping. O número de editoras nacionais presentes na plataforma Twitter é inferior ao das presentes no Facebook. Ao longo da pesquisa realizada tornou-se, também, evidente que a maioria das editoras presentes nesta plataforma tem uma página no Facebook. Os exemplos seleccionados para análise foram os das editoras Guerra e Paz, Livros Cotovia, Relógio d’Água, Eucleia, Booksmile e Bruuá. A Guerra e Paz Editores tem actualmente 183 seguidores nesta plataforma41 e já publicou um total de 2.243 tweets. As actualizações são constantes e dizem respeito essencialmente a novidades 36

https://www.facebook.com/pages/Edi%C3%A7%C3%B5es-Sa%C3%ADda-deEmerg%C3%AAncia/182466331785544. 37 https://www.facebook.com/pages/Edi%C3%A7%C3%B5es-tinta-da-china/301684475314. 38 https://www.facebook.com/presenca?fref=ts. 39 https://www.facebook.com/gradiva.publicacoes. 40 https://www.facebook.com/orfeunegro. 41 https://twitter.com/GeP_editores.

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editoriais, eventos e clipping. Por vezes são dirigidas mensagens aos seguidores de modo a estimular a interacção. Apesar das características desta ferramenta social, as mensagens são muitas vezes complementadas com conteúdos multimédia. A página de Twitter da Livros Cotovia42, por sua vez, encontra-se desactualizada desde 26 de Abril de 2012. Pelos posts disponíveis rapidamente percebemos que a actualização nunca foi muito constante. Este canal de comunicação é utilizado essencialmente para divulgar novidades editoriais e notícias sobre a editora. A página conta com 118 tweets publicados e com 124 seguidores. Na página da Relógio d’Água43 os 235 seguidores podem ler 943 tweets, a maioria relacionados com novidades editoriais, notícias sobre a editora e clipping. Na da Eucleia Editora44 encontramos também peças de clipping, informação sobre novidades editorais e notícias sobre a editora e o sector. Adicionalmente são disponibilizados conteúdos promocionais e informação sobre campanhas de desconto. A Eucleia Editora tem 463 tweets publicados e 32 seguidores. A Booksmile é uma utilizadora activa desta plataforma45, conta com 14.924 seguidores e 10.883 posts publicados. O recurso ao Twitter tem como propósito partilhar informação sobre as novidades editoriais, sobre eventos e notícias relacionadas com a editora ou o universo editorial. A maioria dos conteúdos é complementada com fotografias, capas de livros e vídeos. Por fim, a Bruaá Editora46, com 1.396 seguidores e 1.966 tweets publicados, recorre a esta plataforma preferencialmente para divulgar notícias do sector e da editora. A página de Twitter da Bruaá encontra-se integrada com a de Facebook, sendo a maioria dos conteúdos publicados a partir dessa plataforma. O blogue foi uma das primeiras ferramentas da web 2.0 a ser explorada pelos editores nacionais (Neves, Lima, Vaz e Cameira, 2012). Um número reduzido de editoras possui um blogue em vez de um website, sendo que a maioria utiliza esta ferramenta como um meio adicional para estar em contacto com os leitores. De modo a perceber de que forma os blogues são utilizados serão apresentados os blogues das editoras Ésquilo, Objectiva, Chiado Editora, Assírio e Alvim, Alêtheia e Quetzal. O blogue da Ésquilo47 data de 2008 e tem como objectivo principal a divulgação de campanhas promocionais, novidades editoriais e notícias sobre a editora. As actualizações são pouco regulares e o blogue encontra-se desactualizado desde o dia 2 de Abril, de 2013. A Editora Objectiva, por sua vez, mantém actualizada a segunda versão do seu blogue48, lançada em Maio de 2012. O blogue é actualizado com regularidade e é utilizado essencialmente para a divulgação de notícias relacionadas com a editora, peças de clipping e informação relativa a campanhas promocionais. A Chiado Editora, 42

https://twitter.com/livroscotovia. https://twitter.com/RelogioDAgua. 44 https://twitter.com/eucleiaeditora. 45 https://twitter.com/booksmile. 46 https://twitter.com/bruaa. 47 http://esquilo-pt.blogspot.pt/. 48 http://objectiva.blogs.sapo.pt/. 43

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tal como a Ésquilo, tem o seu blogue desactualizado49. Os conteúdos disponibilizados até Abril de 2013 dizem respeito a novidades e eventos da editora. O blogue da editora Assírio e Alvim50 é actualizado com alguma regularidade e disponibiliza notícias relacionadas com a editora e com o sector, informação sobre eventos e novidades editoriais, bem como o catálogo de títulos. O blogue da Alêtheia Editores51 encontra-se também desactualizado, também desde Abril de 2013. Até então os posts publicados são de teor promocional ou informativo – campanhas, lançamento de novidades, conteúdos promocionais ou relativo a eventos. O último blogue analisado, o da Quetzal52, é actualizado regularmente e utilizado principalmente para divulgar notícias sobre o sector editorial e sobre a editora, informação sobre novidades editoriais e clipping. No que diz respeito à participação em programas internacionais de incentivo à divulgação de produtos editoriais em formato digital53, há dois editores portugueses a tirar partido de pelo menos dois desses programas – Google Books para Editores e Amazon ‘Search Inside the Book’54. As editoras em questão são o Centro Atlântico e algumas chancelas do Grupo Leya. A primeira estabeleceu a parceria com o Google em 2004, e a segunda em 2008. Para além destas editoras, a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra estabeleceu, também em 2008, uma parceria com o Google que resultará na disponibilização de 600 títulos no serviço de digitalização e pesquisa de livros desta empresa55. A parceria com o Google é gratuita, tem como objectivo a promoção de títulos através da sua indexação nos motores de busca Google. O editor disponibiliza títulos do seu catálogo, bem como informação sobre os mesmos, e pode permitir a pré-visualização de partes de livros. Não é possível disponibilizar um título de forma integral, a não ser que os direitos de autor estejam já no domínio público. O editor pode, ainda, disponibilizar informação adicional sobre livrarias online onde adquirir o livro, e tirar partido do plug-in do Google Preview que lhe será disponibilizado para que possa embeber as pré-visualizações do Google Books directamente no seu website. A parceria com a Amazon, por outro lado, envolve a presença na Kindle Store. Apesar de disponibilizarem apenas alguns títulos dos seus catálogos, ambas as editoras permitem a pré-visualização dos seus títulos através da funcionalidade ‘Search Inside the Book’. Os intervenientes do sector do livro nacional têm vindo a apostar na adaptação deste às novas modalidades da edição e da leitura. Apesar de ainda haver um longo caminho a percorrer, a edição em Portugal tem tentado acompanhar as mudanças 49

http://blogue.chiadoeditora.com/. http://assirioealvim.blogspot.pt/. 51 http://aletheiaeditores.blogspot.pt/. 52 http://quetzal.blogs.sapo.pt/. 53 Alguns destes programas são: o Barnes & Noble ‘See Inside’, o serviço de indexação Bowker, ou o HathiThrust. 54 Mais informação disponível em http://www.google.com/googlebooks/partners/tour.html. 55 A maioria dos títulos é da autoria de professores da Universidade de Coimbra e encontra-se esgotada. 50

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testemunhadas a nível internacional. Na próxima secção será analisada em particular uma dessas mudanças, a edição de livros em formato digital (e-books).

A edição nacional de e-books A editora Centro Atlântico é pioneira no nosso país na edição de livros em formato digital. Em Março de 1999 é lançado o primeiro título neste formato alternativo – O Futuro da Internet, de José Augusto Alves. Desde então a edição digital tem sido complementar à edição impressa de um número significativo de títulos do seu catálogo. A estratégia da complementaridade tem sido a mais explorada pelas editoras nacionais que já apostam em editar livros em diversos formatos. De modo a contribuir para um melhor entendimento da relevância conferida ao formato e-book e como este está a ser explorado pelo sector editorial português, analisaremos exemplos de editoras que têm vindo a apostar neste formato. O objectivo será perceber, por um lado, qual a representatividade dos livros em formato digital entre os títulos publicados, e por outro quais as características destes produtos. Após este mapeamento relativo às práticas editoriais, analisaremos dados relativos à venda deste tipo de livros. A primeira editora em análise é a percussora da edição digital em Portugal – Centro Atlântico. O objectivo da edição em formato digital tem sido o de complementar alguns títulos editados em papel, ou seja, esta editora não tem como posicionamento estratégico editar livros apenas em formato digital, os e-books disponíveis têm, ou tiveram, uma versão impressa correspondente. Actualmente oito das suas colecções disponibilizam títulos nos dois formatos, a versão e-book permite que um título fique disponível mesmo após a venda de todos os exemplares impressos. Ou seja, mesmo após o fim do stock de livros impressos, os títulos disponibilizados em formato digital poderão continuar disponíveis para compra56. A Centro Atlântico tem actualmente cerca de 48 títulos disponíveis em formato digital e o formato pdf é o eleito para os seus e-books. Os títulos são comercializados com DRM que permite ao editor controlar o uso de cada cópia, por exemplo, no que diz respeito a número de páginas impressas e número de cópias feitas do ficheiro. Para além disto, os e-books da Centro Atlântico são personalizados com o nome do proprietário do título e não têm activa a funcionalidade de comentário/anotações. Apesar do catálogo de títulos e os formatos em que estes se encontram disponíveis estar publicado na página web da Centro Atlântico, a venda ‘directa’ de e-books é feita através da plataforma da Wook57. 56

Um exemplo de um destes títulos é o livro e-Learning e e-Conteúdos, de Jorge Reis Lima e Zélia Capitão. A edição impressa encontra-se esgotada, no entanto é ainda possível adquirir a obra em formato digital – http://www.centroatl.pt/titulos/si/e-learning.php3. 57 Apesar de aparentemente se tratar de uma venda directa a partir do website do editor, aquando da encomenda somos reencaminhados para a página da Wook.pt. Este tipo de parceria para a venda ‘directa’ de e-books foi também estabelecida por outras editoras, como a Princípia também com a

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As editoras que contam com mais títulos em formato digital disponíveis são as que integram os dois maiores grupos editoriais nacionais: os grupos Leya e Porto Editora/Bertrand Círculo. Ambos os grupos possuem livrarias online com áreas específicas dedicadas aos e-books e distribuem não só títulos das suas editoras, como de outras que começam a dar os primeiros passos nesta área. O grupo Leya tem lançado e-books de várias das suas chancelas. Entre as que contam com mais títulos disponíveis encontram-se a D. Quixote, Oficina do Livro, Editorial Caminho, Lua de Papel, Edições Asa, Texto Editores e Casa das Letras. No que diz respeito aos formatos, a maioria dos e-books estão no formato epub mas ainda têm alguns em pdf. O grupo Porto Editora/Bertrand Círculo tem também apostado no formato epub, mas entre os títulos disponíveis encontram-se ainda alguns em pdf. Estes dois formatos são os eleitos pelos editores portugueses para as suas edições digitais. Ambos são compatíveis com múltiplas aplicações de leitura digital, não representando, à partida, um obstáculo para os leitores. Entre as chancelas deste grupo que disponibilizam um número mais elevado de e-books estão: Porto Editora, Bertrand, Quetzal, Sextante, Pergaminho, Arte Plural Edições e Assírio e Alvim. Há, ainda, um terceiro grupo editorial que começa também a investir na edição digital, o grupo Almedina. Os e-books das suas chancelas editoriais encontram-se disponíveis na livraria Almedina online, bem como noutras livrarias como a Wook ou Bertrand online. As chancelas Almedina e Edições 70 são as que contam com mais títulos em versão digital. Os formatos utilizados são, mais uma vez, o pdf e o epub. Os grupos editoriais não são os únicos a apostar na diversificação do formato dos seus títulos, algumas editoras independentes têm também vindo a dar atenção à edição em formato digital. A Nova Delphi é uma jovem editora que conta com alguns e-books no seu catálogo. Actualmente tem 26 títulos disponíveis em formato digital. O formato escolhido foi o epub, e todos os títulos que tem disponíveis em digital foram também editados em papel. A Editorial Presença, por sua vez, conta com cerca de 57 títulos disponíveis. No entanto, a venda directa através do website só prevê a compra de edições impressas. A venda dos e-books é realizada através de livrarias online. A editora Princípia disponibiliza em formato digital 56 títulos de várias chancelas (Casa Sassetti, Princípia, Lucerna, Sopa de Letras). A maioria dos títulos está disponível em pdf, havendo apenas alguns em epub. A venda dos títulos não é feita directamente a partir do site da editora, mas a partir da Wook, tal como acontece com os e-books da Gradiva. Esta casa editorial conta com sete títulos disponíveis em pdf e epub. A Imprensa Nacional Casa da Moeda – INCM estabeleceu também uma parceria para a venda dos seus títulos em formato digital, desta vez o parceiro eleito foi a Leya online. A editora conta com cerca de 31 títulos, os formatos eleitos foram o epub e o pdf. A Planeta conta com apenas alguns títulos em formato digital, cerca de 17, e optou também por vendê-los apenas através de livrarias online (por ex. Bertrand e Wook). livraria do grupo Porto Editora, ou a INCM através da Leya Online. Os títulos destas editoras encontramse disponíveis noutras livrarias online.

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Até ao final do ano passado o panorama editorial digital português contou, ainda, com outro projecto editorial alternativo, as Edições Vercial. Este projecto editorial da Universidade do Minho privilegiou a edição em formato digital, havendo ainda títulos disponíveis na maioria das livrarias online. Os editores, apesar de serem figuras de relevo na adaptação do sector editorial às novas práticas de leitura, não são os únicos representantes do sector a contribuir para este processo, as bibliotecas desempenham um papel igualmente importante na promoção da leitura em múltiplos suportes e têm vindo a contribuir activamente para a estimulação das práticas de leitura digital. Esta relevância da biblioteca enquanto espaço propício à experimentação de práticas de leitura alternativas tem sido reconhecida através de investigações desenvolvidas um pouco por todo o mundo, mas com particular incidência no país onde a leitura em formato digital se encontra mais disseminada – nos EUA58. Em Portugal, há projectos de digitalização e disponibilização de fundos de catálogo para requisição digital, mas há ainda um longo caminho a ser percorrido para que seja possível equipar as bibliotecas (municipais, escolares, universitárias e especializadas) com equipamentos diversificados para leitura digital, bem como com obras adquiridas originalmente em formato digital. No âmbito da análise que está a ser desenvolvida no que diz respeito à edição nacional de e-books, consideramos haver pelo menos duas bibliotecas às quais devemos dedicar alguma atenção – a Biblioteca Nacional e a Biblioteca Digital do Instituto Camões. A Biblioteca Nacional de Portugal59 (BNP) tem contribuído para a estimulação das práticas de leitura em formato digital através dos serviços de biblioteca digital e livraria online. A Biblioteca Nacional Digital60 (BND) foi lançada em Fevereiro de 2002, tendo como objectivo disponibilizar o acesso digital a documentos da sua colecção 61. O lançamento deste projecto foi precedido pelo início da digitalização de parte do seu catálogo, processo que começou em 1998. Devido à extensão do seu acervo bibliográfico foi crucial para a BNP definir critérios que orientassem o processo de digitalização e consequente disponibilização de obras através da plataforma da BND. O critério principal foi o de preservação de documentos frágeis ou difíceis de manusear. Entre os documentos digitalizados encontra-se material iconográfico (cartazes, estampas e desenhos, por exemplo) e cartográfico. No seu conjunto, este material representa cerca de 80% dos documentos disponibilizados na BND62. O acervo digital da BND está disponível também nos portais internacionais Europeana63 e The European Library64. Entre os documentos disponíveis na BND 58 Mais disseminada pela população do país. Por exemplo, entre a população utilizadora de Internet a leitura em formato digital é mais frequente nos BRICS (veja-se Cardoso e Cameira, capítulo 7). 59 http://www.bnportugal.pt. 60 http://purl.pt/index/geral/PT/index.html. 61 Apresentação disponível em http://purl.pt/index/geral/PT/about.html. 62 À data de 23 de Novembro de 2013, estavam registados na colecção Fundo Geral 3.418 documentos, na Iconografia 15.066, na Cartografia 1.702, Música 246 e Reservados 2.810. 63 http://www.europeana.eu. 64 http://www.theeuropeanlibrary.org.

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encontramos documentos públicos e privados (designados por cópia pública e cópia interna, respectivamente). Só é possível aceder livremente aos públicos, o acesso a versões digitalizadas de obras que ainda não se encontrem no domínio público só pode ser feito a partir da rede interna da BNP. O formato mais utilizado é o pdf, mas estão disponíveis também documentos em jpg. A livraria online da BNP65 resulta de uma parceria com a Marka, uma distribuidora de conteúdos editoriais em formato papel, digital e multimédia, e que representa editores nacionais e internacionais. Esta plataforma é um dos principais canais de venda das edições BNP, digitais e impressas. A Biblioteca Nacional tem mais de 100 anos de experiência editorial e conta com mais de 250 títulos editados. De forma a facilitar a pesquisa de títulos, é possível pesquisar o catálogo como um todo ou escolher a opção de consultar o catálogo da livraria online de livros impressos ou o da de e-books66. No que diz respeito às edições em formato digital, estas são disponibilizadas para compra ou para empréstimo pago, o valor do empréstimo é de €1 por 5 dias. De momento encontram-se disponíveis 93 títulos, em formato pdf e todos protegidos com DRM. A Biblioteca Digital Camões67 é um repositório de obras em língua portuguesa que tem como objectivo disponibilizar obras integrais para leitura gratuita. O catálogo disponibilizado é constituído por obras que se encontram no domínio público e por obras protegidas por direitos de autor e conexos. De acordo com a natureza do documento, o leitor terá um nível de acesso específico: possibilidade de apenas ler, de ler e imprimir, ou de ler, imprimir e copiar. Actualmente existem 2.595 registos e as obras estão todas disponíveis em formato pdf. Os parceiros institucionais deste projecto do Instituto Camões são maioritariamente organizações que actuam no sector do livro: Direcção Geral do Livro e da Biblioteca, Bertrand Livreiros, Círculo de Leitores, INCM, Porto Editora e Quimera Editores68. A edição de e-books avançados e de aplicações de livros interactivos começa também a dar os primeiros passos no mercado português. A Porto Editora tem sido uma das editoras mais activas neste domínio, outro exemplo de uma editora a apostar nos livros interactivos é a Pato Lógico que estabeleceu uma parceria com a Biodroid Entertainment. A Porto Editora tem várias aplicações na App Store da Apple, entre as quais: dicionários, Diciopédia (ambos também disponíveis no Google Play) e uma colecção de livros infantis interactivos, ‘Os Miúdos’ (8 títulos). Para além destes títulos, a Porto Editora lançou, em Fevereiro de 2013, uma colecção de livros infantis interactivos para ambiente Windows 8. Este projecto resultou de uma parceria estabelecida entre a editora e a empresa de criação de software Viatecla (estão anunciados 16 títulos).

65 http://livrariaonline.bnportugal.pt/. 66 http://livrariaonline-ebooks.bnportugal.pt/. 67 http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes.html. 68 Os restantes parceiros institucionais do projecto são: Miso Music Portugal, Instituto de Investigação Científica Tropical, Centro Cultural de Belém e ParqueExpo.

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A colaboração entre a Pato Lógico e a Biodroid, por sua vez, já resultou no lançamento de três livros interactivos69 que se encontram disponíveis na App Store da Apple. Os títulos disponíveis são Incómodo, De Caras e Estrambólicos, aplicações que resultaram da adaptação de livros publicados originalmente em versão impressa. Na próxima secção analisaremos dados relativos à comercialização de e-books. Procuraremos caracterizar as plataformas de venda de e-books e perceber quais as preferências dos portugueses quando optam por livros em formato digital.

A venda de e-books em Portugal O mercado editorial português tem tentado acompanhar as mudanças verificadas em mercados internacionais. No entanto, independentemente da velocidade à qual está a ocorrer essa adaptação, um dos factores mais relevantes para o seu sucesso diz respeito aos hábitos de leitura dos portugueses. Num país onde a leitura não está entre as actividades mais frequentes da sua população, o cenário de crise económica actual parece estar a contribuir para a redução das vendas de livros, e consequentemente para um decréscimo no número de exemplares lidos. De acordo com o estudo ‘O Setor Cultural e Criativo em Portugal’, realizado pela empresa de consultoria Augusto Mateus & Associados para o Ministério da Cultura, em 2010, os hábitos de leitura dos portugueses revelam-se preocupantes. Em 2010, 50% dos portugueses afirmaram ter lido pelo menos um livro nos últimos 12 meses, enquanto a média europeia ronda os 71% (Mateus, 2010: 6). Os estudos mais recentes sobre o sector editorial português não apresentam dados sobre as vendas de livros em formatos alternativos ao impresso. Um dos motivos para a ausência pode ser a pouca diversidade de títulos disponíveis até há pouco tempo. No entanto, espera-se que os próximos estudos passem a contemplar pelo menos a dimensão dos livros electrónicos, uma vez que as editoras e livrarias nacionais estão a apostar neste formato. Exemplo desta aposta foi a mudança estratégica da livraria da Porto Editora, Wook, que relançou a sua loja online em 2012, dando especial atenção aos e-books. O lançamento foi precedido por um estudo de mercado conduzido pela Direcção de e-commerce Porto Editora, com o objectivo de caracterizar o comportamento dos clientes da livraria online face ao livro electrónico70. Os dados apresentados no relatório do estudo de mercado foram recolhidos através de um inquérito por questionário aplicado a uma amostra aleatória de clientes da Wook online (N537). A amostra é constituída por 60% de elementos do sexo feminino, a maioria dos respondentes têm idades compreendidas entre os 25 e os 45 anos e a zona da grande Lisboa é a área de residência de 33% dos inquiridos. A maioria dos 69 A Biodroid, para além dos três títulos desenvolvidos com a Pato Lógico, tem ainda um outro livro interactivo disponível na loja de aplicações da Apple – Ambiente nas Nossas Mãos, lançado em Fevereiro de 2013. 70 http://www.portoeditora.pt/conteudos/noticias/pdfs/inqueritoebooks.pdf.

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inquiridos afirma nunca ter comprado ou tido contacto com e-books. No entanto, é de realçar que a diferença entre os que tiveram e não tiveram experiências com livros digitais não é acentuada – 44% afirma já ter comprado ou ter-lhe sido oferecido um ebook. Contudo, quando questionados sobre o hábito de compra de e-books, apenas 33% afirma ter adquirido, ou ter recebido, um e-book nos três meses anteriores ao questionário. Entre as áreas temáticas dos livros adquiridos ou recebidos as que mais se destacam são Literatura (42%) e Livro Técnico (29%). No que diz respeito à leitura de e-books, apenas 10% dos inquiridos que afirma ter comprado ou recebido um livro digital admite não ter lido nenhum e-book no mesmo período de tempo. A maior percentagem de respostas é registada entre os inquiridos que afirmam ter lido mais do que quatro títulos em formato digital nos últimos três meses. Entre o mesmo segmento da amostra, os dispositivos de leitura digital mais utilizados são o computador pessoal e o iPad, no entanto a diferença entre a utilização do iPad e de outros dispositivos como outros tablets, e-readers ou smartphones não é significativa (18% afirma utilizar o iPad, enquanto os outros dispositivos são todos referidos por 12% dos inquiridos). A motivação para a leitura de e-books passa principalmente pela sua facilidade de utilização (31%) e pelo preço (22%) que tende a ser mais baixo relativamente às edições impressas. De modo a perceber os factores que levam alguns dos inquiridos a nunca ter experimentado ler livros em formato digital, é perguntado a todos os que afirmam não ter experiência com livros digitais o motivo para não o terem feito até ao momento. Entre os motivos mais apontados encontram-se a preferência por livros em papel e o facto de os preços dos leitores dedicados e tablets ser ainda pouco apelativo. O grau de satisfação dos inquiridos relativamente à sua experiência com e-books é evidente nas variáveis preço dos livros, preço dos dispositivos de leitura e qualidade oferecida por esses dispositivos. No entanto, a oferta de títulos disponíveis neste formato parece não suprir as necessidades dos leitores, uma vez que 44% dos inquiridos com hábitos de leitura de e-books afirmam não estar ‘nada satisfeitos’ com a oferta de livros digitais. Quando desafiados a prever as suas práticas futuras, os inquiridos com hábitos de leitura de livros em formato digital prevêem que dentro de três anos é altamente provável que comprem e leiam tanto edições impressas como digitais, considerando muito pouco provável lerem livros exclusivamente num destes formatos. Os não-leitores de e-books, por outro lado, consideram provável que dentro de três anos leiam e comprem livros em ambos os formatos, mas a percentagem de inquiridos que considera a possibilidade de ler apenas livros impressos é superior à dos que prevêem ler apenas e-books. Devido à escassez de dados sobre os hábitos de compra de e-books por parte da população portuguesa, consideramos que a análise das principais livrarias online será uma forma de complementar os dados apresentados pelo estudo de mercado da Porto Editora. Deste modo procurar-se-á analisar a forma como os livros em formato digital são apresentados aos potenciais consumidores, como se processa o acto de compra e

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os tops de vendas de livros digitais das seguintes plataformas de e-commerce: Kobo/Fnac, Wook, Leya Online, Bertrand, Almedina.net e Marka/MyEbooks 71. A parceria entre a Fnac Portugal e a Kobo é estabelecida em 2012 e segue o que já havia sido posto em prática em França – a cadeia de lojas multi-produto é o representante exclusivo da marca de e-readers canadiana e a loja virtual criada para a venda dos e-books disponibiliza títulos em mais de 60 línguas72. O lançamento da plataforma de venda de livros digitais é feito em Setembro de 2012 e a parceria apresentada como o elemento central da aposta da Fnac neste formato editorial73. Na loja portuguesa da Kobo a oferta é constituída por e-books, e-readers, aplicações de leitura (gratuitas) e cartões-oferta (e-gifts). As aplicações de leitura disponibilizadas permitem que todos os potenciais leitores consigam ler os e-books que comprarem, independentemente do equipamento que possuam. As aplicações permitem a leitura num computador (de secretária ou portátil), smartphone, ou tablet. Para além das aplicações, estão disponíveis para compra três modelos de e-reader: Kobo Glo, Kobo Mini e Kobo Touch. No que diz respeito aos e-books, a oferta de títulos é apresentada através de conjuntos de propostas organizadas em torno de um tema comum, lista de novidades (Novos Lançamentos) ou pesquisa por categorias – arte e arquitectura, banda desenhada, biografias e memórias, casa e jardim, ciências e natureza, comidas e bebidas, computadores, crianças e adolescentes, desporto, e-books ilustrados, entretenimento, estudos sociais e culturais, família e relações, ficção – jovens adultos, ficção científica e fantasia, ficção e literatura, gestão e finanças, história, mistério e suspense, referências e línguas, religião e espiritualidade, romance, saúde e bem-estar, viagens. Estas vinte e quatro categorias estão organizadas em sub-categorias de modo a permitir uma pesquisa temática mais eficaz. No entanto, a língua da edição não é um critério que possamos usar enquanto filtro de pesquisa. O top de vendas da Kobo/Fnac no dia 21 de Março de 2013 era constituído maioritariamente por títulos em língua portuguesa. O grupo Leya é o editor nacional com mais títulos neste top, entre os quais os títulos que ocupavam os três primeiros lugares: Perfeito Nazi, de Martin Davidson (Texto), Um Homem de Partes, de David Lodge (Asa) e Procura dentro de Ti, de Chade-Meng Tan 71

A Marka tem vindo a apostar na diversificação dos serviços prestados na área da edição digital. Para além da plataforma de vendas Marka|MyEbooks, em 2012 foram lançados dois serviços dirigidos aos editores: Viriato e Astrolábio. Os dois serviços resultam da parceria estabelecida entre a Marka e a EUEBOOKS (European Ebook Distributor), o primeiro é apresentado como o serviço que “oferece aos editores a possibilidade de disponibilizarem eficientemente e de uma forma integrada os seus ebooks nos mais importantes pontos de venda mundiais” (https://www.euebooks.com/viriato.aspx). O segundo “foi especialmente concebido para os editores que desejam comercializar autonomamente as suas obras em formato digital com os direitos de autor protegidos mas que não pretendem investir na aquisição e manutenção de servidores de DRM” (https://www.euebooks.com/astrolabio.aspx). Em Novembro de 2013, lança, ainda, uma plataforma online para a gestão de livros, livrarias e bibliotecas digitais http://ileio.pt/. 72 http://www.kobobooks.pt. 73 Informação complementar sobre a estratégia da Fnac no tocante ao livro digital disponível em http://www.culturafnac.pt/fnac-revoluciona-venda-de-ebooks-em-portugal/ e na notícia do Público ‘Fnac.pt começou a vender ebooks com a Kobo’, da autoria de Isabel Coutinho.

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(Lua de Papel). A segunda editora mais presente é a Harlequín Portugal. Apesar de o género ficção ser o mais presente neste top dos 50 títulos mais vendidos, os títulos que ocupam o primeiro lugar incluem outros géneros literários – o primeiro lugar é ocupado por um livro de história, o segundo por um de ficção (romance) e o terceiro por um título de auto-ajuda. Para além de títulos publicados por editoras tradicionais, neste top encontramos também títulos resultantes de auto-publicação – individual ou através de plataformas existentes para o efeito. No que diz respeito a preços, o preço médio dos títulos que compunham o top da Kobo/Fnac neste dia era de €7,28, tendo o mais caro um preço de capa de €19,99 e o mais barato de €0,76. A grande maioria dos títulos encontra-se protegida por DRM, apenas alguns auto-publicados não recorrem a este sistema de protecção dos direitos autorais. Todos os e-books do top 50 foram editados em formato epub. Adicionalmente à possibilidade de adquirir e ler e-books, a Kobo/Fnac oferecem aos seus leitores a oportunidade de experimentarem um tipo diferente de leitura, uma leitura social, uma leitura enriquecida pelas dinâmicas da comunicação em rede. As aplicações de leitura Kobo têm integradas funcionalidades para partilha do que se lê (Kobo Reading Life), essa partilha pode ocorrer entre membros da comunidade Reading Life74 (comunidade virtual dos leitores Kobo) ou com os contactos do Facebook e/ou Twitter. A livraria online do grupo Porto Editora apostou em 2012 na sua própria aplicação de leitura de e-books, e-Wook. A aplicação está integrada com a nova plataforma de ecommerce deste grupo editorial e permite ler e-books a partir de um browser, apesar de não necessitar de ligação à Internet para a leitura, apenas para a actualização da biblioteca de cada utilizador. Os livros em formato digital são um dos tipos de produtos vendidos na Wook, nesta livraria virtual encontramos também edições em papel, software e filmes75. No âmbito deste capítulo, será apenas analisada a secção de livros digitais. A oferta é constituída por títulos em português e inglês. Dentro de cada uma das áreas encontramos os títulos organizados em categorias, que tal como no site da Kobo/Fnac facilitam a pesquisa dos livros disponíveis. As vinte e três categorias disponíveis são as seguintes: Arte, Auto-ajuda, Ciências Exactas e Naturais, Ciências Sociais e Humanas, Desporto e Lazer, Dicionários e Enciclopédias, Direito, Economia, Finanças e Contabilidade, Engenharia, Ensino e Educação, Erotismo e Sexualidade, Gastronomia e Vinhos, Gestão, Guias e Roteiros, História, Infanto-juvenil, Informática, Literatura, Medicina e Saúde, Plano Nacional de Leitura, Política, Religião e Moral, e Vida Prática. O top 10 de vendas de e-books da Wook, no dia 22 de Março de 2013, era composto por dez títulos pertencentes à categoria literatura. O grupo Porto Editora é o mais presente, seis dos dez títulos são publicações de chancelas deste grupo: A Filha do Papa (Porto Editora), Refletida (5 Sentidos), Rendida (5 Sentidos), Em Parte Incerta (Bertrand), A Vidente (Porto Editora) e A Mentira Sagrada (Porto Editora). O grupo 74 75

http://pt.kobo.com/koboaura#readinglife. http://www.wook.pt/#.

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Leya e a Planeta são os editores dos restantes títulos: S.E.C.R.E.T. e Sedução – Planeta, e De Olhos Fechados e Diário Secreto De Uma Mulher, das chancelas Quinta Essência e Asa do grupo Leya. O preço médio dos e-books mais vendidos pela Wook é de €12,24, tendo o mais caro o preço de €12,99 e o mais barato de €9,48. No que diz respeito ao formato, estes títulos estão todos disponíveis em epub, e encontram-se protegidos por DRM. A livraria digital do grupo, a Leyaonline, oferece também aos seus visitantes a possibilidade de adquirirem livros em formato impresso e digital76. Tal como no caso da Wook, a nossa atenção será focada apenas na análise da secção de livros digitais. Esta livraria digital tem apenas disponíveis títulos das chancelas editoriais do grupo Leya. Estes encontram-se organizados em 25 categorias: Análise de Obras, Arte, Autoajuda, Banda Desenhada, Biografias/Memórias, Ciências da Educação, Ciências Exactas, Ciências Sociais e Humanas, Culinária e Gastronomia, Divulgação Científica, Esoterismo e Espiritualidades, Família, Fantástico, Ficção Científica, História e Política, História/Crítica Literária, Humor/Sátira, Infantil e Juvenil, Literatura, Nutricionismo, Poesia, Religião, Romance, Saúde e Turismo e Lazer. O top de vendas de e-books destaca os cinco títulos mais vendidos neste formato. No dia 2 de Abril de 2013, este top era composto por quatro romances nos primeiros quatro lugares, e no quinto um livro de auto-ajuda: Uma Casa de Família (Asa), A Voz da Terra (D. Quixote), A Guerra dos Mascates (D. Quixote), O Desejo (Quinta Essência) e Como Aproveitar ao Máximo a Era Digital (Lua de Papel). O preço médio dos títulos mais vendidos é de €11,99, sendo que este é o preço de capa de todos eles. Para além do preço, estes partilham também o formato de edição digital – epub e a protecção DRM. Para além de e-books das chancelas Leya, a Leyonline disponibiliza também livros gratuitos, na secção Gratuitos – edições de autor realizadas sob a chancela Escrytos e alguns títulos da colecção de livros de bolso Leya BIS cujos direitos autorais se encontram no domínio público. As edições de autor publicadas através da Escrytos são também vendidas nesta livraria online – secção Escrytos|Ed. Autor, e têm preços de capa que variam entre €0 e €29,9977. A Bertrand Livreiros online é a segunda plataforma de e-commerce do grupo Porto Editora78. Tal como na Wook, aqui é possível adquirir edições impressas e digitais de várias editoras. No que diz respeito à oferta de e-books, esta encontra-se organizada em edições em português e em inglês, e dentro de cada secção nas mesmas categorias identificadas na Wook. O top de vendas de livros digitais em língua portuguesa, do dia 2 de Abril de 2013, era constituído por obras de diferentes áreas temáticas, sendo, no entanto, a categoria literatura a mais presente. Os três primeiros lugares eram ocupados por um título de cada uma das seguintes categorias, respectivamente: 76

http://www.leyaonline.com/. É, ainda, de destacar a colecção ‘Short Stories Dom Quixote’, colecção de short-stories de autores nacionais que conta com sete títulos publicados até ao momento. Esta colecção só se encontra disponível em formato digital. Os preços variam entre €0,98 e €1,49. 78 http://www.bertrand.pt/. 77

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ficção, ciências sociais e humanas e história79. A editora com o maior número de títulos do top 10 nessa data era a Edições Vercial (4 títulos), seguida dos grupos Porto Editora e Leya com três cada. O preço médio das obras mais vendidas é de €10,97, sendo que os preços variam entre €2,10 e €29,99. Nove dos dez títulos estão publicados em epub, havendo apenas um em formato pdf. O DRM encontra-se associado a todos os e-books vendidos no site. A livraria do grupo Almedina, a Almedina.net, por sua vez, é uma livraria direccionada para o público universitário, apostando no livro técnico e científico, sem descurar a oferta de outros géneros literários80. Tal como na Wook e Bertrand online, a oferta de títulos não se encontra circunscrita às chancelas do grupo editorial. Estão igualmente disponíveis edições em papel e em formato digital. A oferta de e-books encontra-se organizada em edições em português e internacionais, ambas organizadas em nove categorias: Arte, Ciências, Ciências Económicas, Ciências Sociais e Humanas, Direito, Diversos, Infantil e Juvenil, Literatura, e Livros Práticos. A lista dos dez títulos mais vendidos do dia 2 de Abril de 2013 é composta por oito títulos em português, a ocupar os oito primeiros lugares, e por dois em inglês. O livro técnico e científico é o género predominante, havendo apenas uma obra de outra categoria – auto-ajuda. Cinco desses títulos são das edições Almedina. O preço médio dos mais vendidos é de €12,32, com uma variação entre €1,83 e €23,36. Oito desses títulos encontram-se editados em formato epub, e dois em pdf. Todas as obras disponíveis na Almedina.net têm protecção DRM. A última plataforma nacional de venda de livros digitais em análise é a MyEbooks, da Marka81. Esta foi lançada na edição de 2011 da Feira do Livro de Lisboa. A Marka já disponibilizava e-books técnicos e científicos no seu site82 mas o lançamento do MyEbooks foi acompanhado pelo alargamento da oferta. No momento da análise da plataforma a oferta era composta por 11.974 títulos. Estes podem ser pesquisados na secção Catálogo, ou nas secções Ebooks Portugueses e Assuntos, a primeira apresenta todos os e-books disponíveis em língua portuguesa e a segunda os títulos organizados em 19 categorias: artes, bibliografias e histórias verídicas, ciências da terra, geografia, ambiente e planeamento, computação e tecnologia da informação, desporto, estilo de vida e lazer, direito, jurisprudência e advocacia, economia, negócios, finanças e gestão, educação de infantes e adolescentes, ensino da língua inglesa, humanidades, informações de referência e matérias interdisciplinares, itens de ficção e relacionados, linguagem e idiomas, literatura e estudos literários, matemática e ciência, medicina e enfermagem, saúde e desenvolvimento pessoal, sociedade e ciências sociais, e tecnologia, engenharia e agricultura. Entre os 14 títulos em português, encontram-se 79

Os três títulos mais vendidos nessa semana foram: Rendida (5 Sentidos/Porto Editora), Por que me Mentes? Ensaio sobre a Face da Mentira (Escrytos/Leya), e Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel (Edições Vercial). 80 http://www.almedina.net/catalog/index.php. 81 http://www.myebooks.pt/. 82 www.marka.pt.

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edições da Biblioteca Nacional de Portugal que podem ser adquiridas ou requisitadas a título de empréstimo pelo valor de €1 por cada 5 dias. A lista dos 12 títulos em formato digital mais vendidos a 2 de Abril de 2013 era composta por seis títulos em português, os seis primeiros, e seis em língua inglesa. A lista é liderada pela obra da BN CDU: Classificação Decimal Universal, o segundo lugar é ocupado pelo primeiro capítulo do romance colectivo O Grande Inquisidor, uma obra escrita a várias mãos, cada capítulo corresponde a um e-book de um autor nacional. Entre as editoras nacionais a Biblioteca Nacional é a que conta com mais obras entre os mais vendidos. Os preços dos livros que integram o top 12 nesta data varia entre €0 e €89,99, sendo o preço médio €23,11. A maioria destes livros encontra-se publicada em formato pdf. A análise das principais livrarias online e dos seus tops de vendas de livros electrónicos permite identificar algumas tendências no que diz respeito à venda de e-books em Portugal. O género literário em destaque nos tops de vendas destas livrarias é a ficção. Apesar de se considerar que o formato digital pode ser particularmente interessante para o livro técnico e científico, os portugueses parecem estar a adquirir hábitos de leitura digital de títulos de ficção. O epub começa a afirmar-se como formato preferencial para a edição digital, e os preços dos e-books tendem a ser mais baixos do que os impressos, apesar de estarem sujeitos a uma taxa de IVA mais elevada. A maioria dos títulos mais vendidos corresponde a edições publicadas sob chancelas dos principais grupos editoriais nacionais. No entanto, apesar da prevalência destes grupos, é de destacar a presença de alguns projectos alternativos nestes tops – autopublicação, edições resultantes de um projecto académico e um romance colectivo. Na próxima secção a atenção será centrada nos hábitos de leitura destes livros digitais. De forma a consolidar a análise, teremos como ponto de partida os dados de dois estudos: Estudo de Satisfação a Leitores de E-books (DECO, 2011) e Sociedade em Rede 2012 (Obercom, 2012).

Hábitos de leitura de e-books O primeiro estudo que tem como objectivo caracterizar o leitor digital português é conduzido pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) e publicado em Dezembro de 2011. A DECO realiza um estudo comparativo em cinco países: Portugal, Espanha, Itália, Bélgica e Brasil. Os dados foram recolhidos através de um inquérito por questionário online. O convite para participação foi enviado por email e via newsletter, tendo como alvo os utilizadores de media digitais. A amostra total do estudo é de 823 inquiridos. De acordo com os dados recolhidos, em Portugal o leitor digital tende a ser do sexo masculino com idades compreendidas entre os 18 e os 44 anos. Entre o total da amostra é verificada a tendência para preferir o leitor de e-books para ler livros ou 104

outros documentos em formato digital, em detrimento de outros aparelhos, como o computador pessoal, portátil, smartphone ou tablet. A maioria dos inquiridos afirma utilizar o seu dispositivo de leitura digital pelo menos uma vez por dia (70%), enquanto 41% afirma fazê-lo várias vezes ao dia. Os leitores nacionais estão entre os que mais usam os seus leitores. No respeitante à compra do aparelho de leitura, a tendência verificada entre os inquiridos portugueses, bem como entre os brasileiros e belgas, é para adquirir os leitores de e-books online, ao contrário do verificado nos outros dois países – Espanha e Itália, onde os leitores afirmam adquirir os seus aparelhos em lojas físicas. O valor médio investido entre 2009 e 2011 nestes cinco países para a aquisição de um e-reader é de €164. Quando questionados sobre o motivo principal que conduziu à compra, a maioria dos inquiridos (79,1%) afirma que a decisão foi tomada por razões de ordem prática. Os ereaders permitem armazenar um número elevado de títulos, o que facilita o transporte e acesso a esses livros. O propósito de oferta ao/à companheiro/a é o segundo mais apontado (5,7%), seguido de dificuldades de leitura (3,8%) e motivos profissionais (3,8). Para além destes motivos, outros que impulsionaram a compra são: divertimento (1,9%), para estar a par das novas tecnologias (1,9%), para os meus filhos (1,9%) e outra razão (1,9%). O modelo mais popular entre os inquiridos é, à data, o Kindle, ereader da Amazon, os modelos preferidos são o Kindle 2 e o Kindle. Os aparelhos da Amazon (Kindle, Kindle 2 e Kindle 3) são apontados como os mais satisfatórios. As características mais apreciadas são, por ordem crescente de importância, a legibilidade oferecida pela tecnologia de ecrã usada pela Amazon, o modo de funcionamento, a possibilidade de ler diferentes formatos de e-books, a visibilidade do ecrã, a solidez dos aparelhos, as funcionalidades de interactividade com o texto, a capacidade de memória, a versatilidade na leitura de outros tipos de ficheiros e o tamanho dos equipamentos. No que diz respeito a hábitos de compra de livros em formato digital, a maioria dos inquiridos nacionais (75%) afirmam ter adquirido ou feito download de pelo menos um e-book em português nos três meses anteriores ao questionário. No total dos livros, adquiridos ou arquivados nesse período de tempo, a média entre os inquiridos nacionais é de 16 obras, dizendo respeito a títulos em português e em inglês. A livraria online que conta com a preferência dos participantes portugueses neste estudo é a Amazon, registando 48% das respostas. Com taxas de preferência mais baixas (5,4%, cada), surgem a iBooks da Apple, a Mediabooks83 do grupo Leya e a Wook, do grupo Porto Editora. Adicionalmente ao recurso a livrarias digitais, um quarto dos inquiridos afirma recorrer também a redes peer-to-peer para download de livros em formato digital. O género literário preferido pelos portugueses é a ficção. O estudo conduzido pelo Obercom, por sua vez, tem objectivos muito diferentes – monitorizar o desenvolvimento da utilização da Internet em Portugal. No âmbito das práticas de utilização desta tecnologia de informação e comunicação foram incluídas 83

Actualmente a livraria do grupo Leya chama-se Leyaonline (Mediabooks).

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as práticas de leitura digital, pelo que o questionário aplicado inclui um conjunto de perguntas que permite caracterizar de forma preliminar os hábitos de leitura digital em Portugal. A caracterização das práticas de leitura digital em Portugal não é uma tarefa simples se tivermos em conta que, por um lado, a leitura não é uma actividade abraçada regularmente por uma percentagem significativa de portugueses, apesar do crescimento no número de leitores verificado nos últimos anos84 e, por outro, a taxa de penetração de dispositivos como e-readers e tablets é, ainda, reduzida. Os dados recolhidos através do questionário ‘Sociedade em Rede 2011’, um inquérito aplicado a uma amostra representativa da população portuguesa, revelaram que 72,7% não tinha o hábito de ler livros e que 80,5% tendia a ler o mesmo ou menos do que há cinco anos. A leitura de jornais e revistas contava com mais adeptos, no entanto, verificavase a mesma tendência de lerem o mesmo ou menos do que anteriormente. Quando questionados sobre as actividades de lazer que teriam mais dificuldade em deixar de fazer, ler livros estava entre as que seriam abandonadas com maior rapidez. Apenas 1,3% dos inquiridos consideravam difícil deixar de ler livros. E quando foi pedido para indicarem as actividades com as quais tendiam a envolver-se mais, praticamente todas as actividades relacionadas com a leitura eram relegadas para segundo plano: ler jornais em papel, online e móvel, e ler livros em papel, online e móvel. Neste contexto seria expectável que as práticas de leitura digital, em particular de ebooks, fossem marginais. Os dados então recolhidos corroboravam esta pressuposição. Em finais de 2011 o acesso a tablets e e-readers era marginal – 1,5% e 1% dos utilizadores de Internet, respectivamente. O acesso à Internet a partir de um dispositivo móvel, por outro lado, contava já com a preferência de 21,7% dos inquiridos utilizadores desta tecnologia de comunicação. Uma vez que o ciberespaço disponibiliza uma grande variedade de conteúdos escritos, disponíveis através de diferentes tipos de plataformas, esta tendência pode indiciar que apesar da não centralidade dos livros nas práticas de entretenimento e consumo de informação dos portugueses, a leitura digital pode estar a adquirir importância e a ser potenciada pelo uso de dispositivos de comunicação móvel e também pelo uso de media sociais online85. A leitura de e-books era, ainda, residual entre os utilizadores de Internet nacionais em 2011, sendo que 95,1% afirmava não recorrer a este tipo de edições, e 86,7% afirmava não fazer downloads nem ler livros online86. Os poucos utilizadores de livros digitais 84

O Plano Nacional de Leitura tem desempenhado um papel muito importante na promoção dos hábitos de leitura em Portugal, sendo notório o seu impacto na valorização da leitura (da Costa, Pegado, Ávila e Coelho, 2011). 85 Os sites de redes sociais são utilizados pela maioria dos utilizadores de internet – 73,4%. São a segunda actividade de comunicação mais popular entre os internautas. 86 É interessante comparar estes dados com os recolhidos num inquérito por questionário online em 16 países, dois anos mais tarde, em 2013 (Cardoso e Cameira, capítulo 7). De acordo com esse estudo, 54% dos internautas portugueses inquiridos afirma já ter lido um livro em formato digital. A diferença nos resultados pode dever-se a um aumento do número de leitores digitais entre 2011 e 2013, anos de

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dizem fazê-lo essencialmente por motivos académicos, e recorrem maioritariamente a livros técnicos e escolares (45,1%). Os motivos mais apontados para a não leitura de livros em formato digital são a preferência pelas edições impressas (34,6%), o facto de não se possuir dispositivos de leitura digital (21%) e não ter hábitos de leitura (20,3%). Entre os que afirmam estar familiarizados com edições digitais, as características mais apreciadas são a possibilidade de ler em ecrã (32,1%), a capacidade de gravar os conteúdos (19,7%) e os preços mais baixos deste tipo de produto ou a probabilidade de serem gratuitos (19,5%). A leitura de livros em formato digital ainda não é uma actividade à qual os portugueses, genericamente considerados, tendam a dedicar tempo. No entanto, o tempo passado online está muitas vezes relacionado com práticas de leitura e escrita em diferentes plataformas online. Devido à relevância atribuída à leitura digital enquanto promotora dos hábitos de leitura tem sido feito um esforço por diferentes intervenientes do sector do livro para incentivar a disseminação deste tipo de leitura. A nível nacional tem havido uma aposta na aproximação dos mais jovens às novas dinâmicas da leitura. A Fundação Calouste Gulbenkian e a Rede de Bibliotecas Escolares têm desempenhado um papel preponderante ao apoiarem projectos de promoção da leitura digital. As bibliotecas escolares têm sido os espaços preferenciais para estudar o potencial dos conteúdos digitais na promoção dos hábitos de leitura entre os mais novos. No que diz respeito ao incentivo da população adulta, as bibliotecas públicas, municipais e especializadas têm procurado complementar a sua oferta com conteúdos digitais. Paralelamente à vontade de disponibilizar conteúdos em diferentes formatos, tem havido um investimento na formação dos bibliotecários para poderem encaminhar e acompanhar os leitores na aproximação à leitura digital87. Adicionalmente ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelas bibliotecas, a relevância da leitura digital tem sido também tida em conta pelos meios de comunicação de massa. O investimento em versões digitais dos seus conteúdos impressos foi feito pela maioria das publicações periódicas nacionais, desde que o acesso à Internet se começou a generalizar no nosso país. Com o aparecimento de dispositivos móveis de acesso à Internet como os smartphones e os tablets, o enfoque do investimento em conteúdos digitais é alargado, da presença online nos seus sites e em media sociais online, as publicações nacionais procuram também estar disponíveis

recolha dos dados nos dois estudos. Contudo, apesar do aumento do número de leitores ser também, certamente, um dos motivos, consideramos que o facto de no início do questionário mais recente se clarificar o que se entende por um livro digital contribuiu para esclarecer que este não se cinge apenas ao formato epub ou mobi, por exemplo (“quando falamos de ‘leitura digital’, referimo-nos a todos os tipos de leitura que podem ser feitos utilizando dispositivos digitais - computador, telemóvel, e-Reader, tablet…; quando falamos de ‘livro digital’, referimo-nos a livros em diversos formatos - pdf’s, html, imagem; e-book – mobi, epub, xml, etc.). 87 A Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas tem organizado diversas acções de formação centradas nas tecnologias digitais, tendo como público-alvo profissionais da informação – mais informação disponível no portal da associação, http://www.apbad.pt/Formacao/Continua/formacao_calend.htm.

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para os seus leitores através de aplicações. Este esforço tem sido, sem dúvida, importante para aproximar os leitores de periódicos do ambiente digital contemporâneo. De acordo com a edição de 2012 do Bareme Internet, da Marktest, metade dos portugueses consome informação noticiosa online, e os jornais nacionais são procurados pela maioria destes leitores digitais88. A importância crescente da edição digital de diferentes conteúdos começa, também, a influenciar as campanhas de venda e oferta de produtos especiais que têm vindo a ser desenvolvidas pela maioria das publicações periódicas nacionais nos últimos anos. O Diário de Notícias dedicou uma dessas campanhas à promoção dos livros digitais – DN Biblioteca Digital. A colecção é constituída por 31 contos inéditos de autores nacionais, sendo cada conto um e-book. Os títulos estão disponíveis de forma gratuita, o único requisito para se poder fazer download é estar-se registado no site deste diário. Os livros estão disponíveis em três formatos: epub, mobi, pdf. A oferta dos contos nestes três formatos assegura a compatibilidade dos ficheiros com diferentes dispositivos de leitura digital – computador, e-reader, tablet e smartphone, por exemplo89. A iniciativa levada a cabo pelo Diário de Notícias indicia a relevância que começa a ser atribuída aos livros em formato digital em Portugal. Independentemente do livro digital ainda não desempenhar um papel tão importante para o sector editorial nacional como já se verifica noutros países, nos últimos dois anos o investimento feito neste formato revela a tomada de consciência para o seu potencial.

Algumas conclusões O setor editorial nacional é caracterizado pelo predomínio de editoras independentes, mas com uma tendência crescente para a concentração – nos últimos anos temos assistido à integração de editoras diversas em grupos editoriais. A maioria dos conteúdos publicados tem como suporte o papel e entre os géneros mais publicados destacam-se títulos nas áreas das Ciências Sociais e Humanas, Literatura, Actualidades e Ensaios e Infanto-juvenil (ver capítulo 1). O canal Internet é ainda pouco utilizado para a compra de livros mas encarado por uma parte significativa das editoras como um meio eficaz para estabelecer um contacto mais próximo com os leitores. Para além destes aspectos, o mercado editorial é regulado pela Lei do Preço Fixo e existe uma taxa reduzida de IVA para o produto livro, no entanto esta é apenas destinada a edições impressas. A edição de e-books apesar de ser ainda pouco representativa, começa a ganhar importância. Nos últimos anos surgiram projectos editoriais alternativos centrados na auto-edição, livros digitais e impressão a pedido. O recurso a meios de comunicação 88

A notícia sobre os hábitos de leitura de notícias pode ser lida no portal do Jornal de Notícias, em http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Media/Interior.aspx?content_id=2892030. 89 Mais informação sobre esta colecção disponível em http://www.dn.pt/Especiais/bibliotecadigital.aspx.

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digital cresceu significativamente nos últimos anos (principalmente a presença em sites de redes sociais). Entre as editoras que mais apostam no formato e-book encontram-se chancelas dos grupos Leya, Porto Editora/Bertrand Círculo e Almedina, Centro Atlântico, Princípia, Nova Delphi, INCM, Planeta e Edições Biblioteca Nacional de Portugal. A maioria dos e-books encontra-se protegida por DRM e os formatos mais usados na publicação digital são o pdf e o epub. As principais plataformas de venda de e-books em Portugal são a Kobo/Fnac, Wook, Leya Online, Bertrand.pt, Almedina.net e Marka/Myebooks. Entre os e-books mais vendidos nestas lojas online, a maioria são títulos em português, do género ficção e em formato epub. O preço dos e-books tende a ser mais baixo do que o das edições impressas e a maioria dos títulos mais vendidos corresponde a edições publicadas sob chancelas dos principais grupos editoriais nacionais. O futuro do livro digital em Portugal parece passar pelas políticas de incentivo à leitura num formato alternativo, bem como pela aproximação dos editores nacionais aos novos formatos. A edição digital pode ser uma das soluções para a revitalização do sector editorial nacional. As vendas do livro impresso estão longe de acompanhar o número de exemplares produzidos. Por outro lado, o número de utilizadores de Internet e de diversas plataformas de leitura-escrita online contínua em crescimento. Os hábitos comunicacionais e de pesquisa de informação estão a mudar. Isto significa que consequentemente as práticas de leitura também sofrem uma transformação. Vivemos um momento de mudança e torna-se premente que os editores compreendam a nova realidade e que tentem tirar o melhor partido possível das novas formas de leitura e comunicação em rede.

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Referências bibliográficas Costa, António Firmino da, Pegado, Elsa, Ávila, Patrícia e Coelho, Ana Rita (2011), Avaliação do Plano Nacional de Leitura: Os Primeiros Cinco Anos, Lisboa, CIES/PNL, disponível em www.planonacionaldeleitura.gov.pt/PNLEstudos/uploads/ficheiros/avaliacao_externa _5_anos_de_pnl_cies.pdf, consultado em Abril de 2013. DECO (2011), Estudo de Satisfação a Leitores de E-books, disponível em http://www.deco.proteste.pt/tecnologia/computadores/noticia/leitores-de-e-bookskindle-e-o-mais-popular-e-satisfaz, consultado em Abril 2013. Dionísio, Pedro (coord.) e Leal, Carmo (2012), Estudo do setor de edição e livrarias e dimensão do mercado da cópia ilegal, Lisboa, IULGlobal e APEL. Mateus, Augusto (coord. global), Primitivo, Sandra, Caetano, Ana, Barbado, André e Cabral, Isabel (2010), O sector cultural e criativo em Portugal, Lisboa, Augusto Mateus & Associados. Mrva-Montoya, A. (2012), “Social Media: New Editing Tools or Weapons of Mass Distraction?”, in Journal of Electronic Publishing, vol. 15, nº. 1, disponível em http://quod.lib.umich.edu/cgi/t/text/textidx?c=jep;view=text;rgn=main;idno=3336451 .0015.103. Nelson, M. (2006), “The Blog Phenomenon and the Book Publishing Industry”, in Publishing Research Quarterly, vol. 22, nº. 2, pp. 3-26. Neves, José Soares (coord.), Santos, Jorge Alves dos, Lima, Maria João, Vaz, Alexandra e Cameira, Emanuel (2012), Inquérito ao Sector do Livro Parte I – Enquadramento e Diagnóstico, Lisboa, OAC. Obercom (2012), A Sociedade em Rede em Portugal 2012, Lisboa, Publicações Obercom. Thoring, A. (2011), “Corporate Tweeting: Analysing the Use of Twitter as a Marketing Tool by UK Trade Publishers”, in Publishing Research Quarterly, vol. 27, nº 2, pp. 141158. Tian, X. e B. Martin (2010), “Digital Technologies for Book Publishing”, in Publishing Research Quarterly, vol. 26, nº 3, pp. 151-167.

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PARTE II GEOGRAFIAS SOCIAIS DA LEITURA E DA INTERNET

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Resgatando-se à palavra geografia quer a sua acepção de configuração, no que isso supõe de descrição de um determinado campo ou área (da leitura, para o que aqui interessa, seja no formato papel seja no formato digital), quer um sentido mais literal ou imediato que remete para a própria ideia de demarcação entre países, é possível, então, reunir um conjunto de diversos enfoques que se esforçam em compreender diferenças sociais sociologicamente observáveis a respeito das práticas de leitura e do acesso e usos da Internet, condição sine qua non para que se possa hoje falar de leitores digitais. Em boa verdade, o percurso pelos vários inquéritos que em Portugal, ao longo dos anos, se dedicaram ao retrato da leitura realizada em suporte papel (prestando atenção ao seu grau de evolução, àquilo que são os perfis sociais dos leitores, os determinantes sociais da leitura, o que obriga portanto à ponderação de alterações estruturais da sociedade portuguesa), desempenha essa função primordial de nos pôr diante de uma série de antecedentes em matéria de estudos sobre esse domínio das práticas culturais ou de lazer. Como é dito no capítulo que abre esta parte, o facto de as análises levadas a cabo até 2007 - data dessa altura o último inquérito em torno da leitura feito à população portuguesa - “não [reflectirem] ainda a actual era digital”, isto é, não a problematizarem em termos analíticos, contrasta com o que sucede no âmbito internacional, sobretudo nos anos mais recentes, em que múltiplos são os objectivos e ângulos de abordagem, as realidades nacionais sob escrutínio ou mesmo os segmentos sociais alvo de inquirição (das crianças e jovens aos adultos, da população em geral aos estudantes universitários) mas pretendendo caracterizar a leitura de textos que acontece digitalmente, por exemplo do ponto de vista da sua proficiência, do tipo de dispositivos adoptados, dos géneros lidos online, da frequência com que tais práticas ocorrem ou das motivações ou representações que envolvem. O último texto da secção, além de proceder a uma caracterização global da Internet (Portugal surge visto numa perspectiva comparada), das línguas que aí têm maior presença no que aos conteúdos disponibilizados se refere e da utilização dos chamados novos dispositivos digitais, avança a premissa de que a Internet, revelando variações sociais na sua procura como fonte de informação, de comunicação ou de entretenimento, constitui um espaço dos lugares, de áreas geo-linguísticas, “a seguir alguns princípios organizativos assentes nas características contextuais de cada sociedade”, vindo no fundo sobressair o facto de que para se pensar os tipos de consumo de conteúdos ou de leituras digitais há que ter presente as camadas de diferenciação que a Internet vem acrescentar, estruturando diferentes perfis de utilizadores da rede, em virtude dos seus distintos modos de implementação e desenvolvimento conforme o país em causa.

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4 Práticas de leitura em Portugal José Soares Neves

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Introdução A leitura é uma das práticas mais estudadas pelas ciências sociais. Os primeiros estudos sociológicos foram realizados após a primeira Guerra Mundial. Em Portugal foi uma das primeiras práticas culturais a ser estudada numa perspetiva sociológica. Em vários países têm sido realizados com alguma regularidade inquéritos à população, especificamente sobre práticas de leitura ou que a incluem entre outras práticas culturais e de lazer. Isso permitiu acompanhar a evolução e a identificação das principais tendências quanto aos níveis de leitura em suporte papel e, nos anos mais recentes, as implicações das novas tecnologias da informação, a emergência das práticas de leitura em suportes digitais, em écrans, e as relações entre a leitura num e noutro suporte, os diferentes usos e as desigualdades sociais das práticas. Contudo, são inúmeras as dimensões cujo conhecimento permanece na penumbra. Em Portugal o último inquérito sobre hábitos e práticas de leitura da população remonta a 2007. Apesar de não muito distante no tempo, por essa altura a oferta de publicações eletrónicas, nas vertentes de conteúdos, designadamente e-books, e de equipamentos específicos era ainda muito restrita. Embora o inquérito inclua questões sobre acessos e usos a conteúdos eletrónicos situa-se ainda no paradigma da leitura em impresso. Conquanto a informação até agora disponível não se esgote no referido inquérito ele constitui a fonte mais detalhada e permite não só traçar o quadro geral existente nessa altura como sobretudo estabelecer um ponto de comparação com vista a esclarecer o percurso até então percorrido na sociedade portuguesa nesta matéria. Neste capítulo procura-se compreender de onde partimos à luz dos estudos extensivos sobre práticas de leitura. Após situar historicamente os estudos sobre a leitura, referir as principais tendências e abordar os determinantes sociais das práticas de leitura e os perfis dos leitores, passa-se à análise da realidade portuguesa quanto às práticas de leitura em várias dimensões. A principal base empírica desta análise é o inquérito A Leitura em Portugal, o relatório publicado em 2007 (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007) e aprofundamentos posteriores dos dados (Neves, 2011).

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Perspetiva histórica dos estudos Com maior ou menor incidência numa ou noutra problemática consoante as tradições nacionais e a época em causa, os primeiros estudos sobre a leitura estão ligados às bibliotecas públicas, às políticas públicas e às editoras de livros. Nos EUA os estudos tiveram nas bibliotecas públicas o principal foco, ao passo que na Europa foi a edição de livros (Steinberg, 1972: 745). A origem dos estudos que tomam a leitura e os leitores como objeto empírico situa-se no primeiro terço do século XX, em particular no período que medeia entre as duas grandes guerras, e tem por base abordagens da psicologia e da sociologia (Steinberg, 1972: 745). São pioneiros os trabalhos de N. Roubakine, na URSS, de W. Hoffman, na Alemanha, e D. Waples e B. Berelson, nos EUA (Donnat, Freitas e Frank, 2001: 7; Seibel, 1995). Os inquéritos nacionais são motivados por problemas sociais e políticos e derivam das necessidades de conhecimento sobre os utilizadores das bibliotecas públicas e os leitores e compradores de livros. Os inquéritos dirigem-se especificamente à leitura ou consideram-na como uma entre outras práticas culturais e de lazer. A temática da democratização do acesso aos bens e serviços culturais é particularmente influente. Em França vários inquéritos sobre práticas culturais e de leitura foram realizados após a criação, em 1959, do Ministério da Cultura (Seibel, 1995; Hersent, 2000; Poulain, 2004). De acordo com Augustin Girard, a origem de tais inquéritos é mais institucional do que universitária, mais económica do que cultural (Girard, 1997: 297-299), mas outros autores destacam os estudos promovidos por empresas de sondagens, por investigadores e por bibliotecários (Robine, 1980). Em 1960 foi realizado o primeiro inquérito nacional sobre o livro e a leitura encomendado pelo Syndicat National de L’Édition, em 1967 o INSEE integrou a leitura nas práticas de lazer e em 1973 o Ministério da Cultura considerou-a uma prática cultural (Seibel, 1995: 15-27). Na Holanda os estudos sobre a leitura assentam em grande parte nos inquéritos à ocupação do tempo realizados primeiro pelo instituto de estatística (entre 1955 e 1962) e depois (entre 1975 e 1995) pelo Social and Cultural Planning Office (Knulst e Kraaykamp, 1998). Nos Estados Unidos da América (EUA), nas décadas mais recentes, os inquéritos sobre participação (Survey of Public Participation in the Arts, SPPA) realizados pelo National Endowment for the Arts são uma fonte fundamental na aferição dos níveis de leitura no país (Bradshaw e Nichols, 2004). Em Espanha, o primeiro inquérito foi levado a cabo em 1974 pelo instituto de estatística (Encuesta de hábitos de lectura), a que se seguiram outros realizados pelo Centro de Investigaciones Sociológicas (1998 e 2003) e pela Federación de Gremios de Editores de España (Ariño, 2010: 14-15; CONECTA, 2012). Isto para além dos vários inquéritos sobre práticas culturais que incluem a leitura, o último dos quais se reporta a 2011 (MC, 2011). E, noutras latitudes, no espaço latino-americano o Chile foi o primeiro a realizar, em 1999, um inquérito quantitativo sobre a leitura, a que se seguiram vários outros países, 115

inquéritos em geral promovidos pelas tutelas da cultura e/ou pelas associações profissionais do sector do livro (Schroeder, Cifuentes, Barrero e Steenkist, 2008: 250).

Estudos em Portugal Em Portugal uma das primeiras incursões feitas na perspetiva da sociologia da leitura90 foi realizada por José Manuel Tengarrinha nos anos setenta do século passado. O estudo, por inquérito extensivo aos leitores de “novelas”, teve por base uma amostra de leitores das bibliotecas da Fundação Calouste Gulbenkian (Tengarrinha, 1973). Dez anos depois o autor publicou outro estudo reportado ao fim do regime monárquico e intitulado “Uma incursão histórica na psicossociologia da leitura” (Tengarrinha, 1983). Entre 1983 e 2011 os estudos extensivos à população, com dados sobre práticas de leitura, de âmbito nacional91, podem ser arrumados em quatro grandes grupos: (1) específicos sobre práticas de leitura; (2) específicos sobre leitura mas direcionados para determinados segmentos da população; (3) direcionados para outras temáticas, mas que incluem a leitura de livros como prática cultural; (4) direcionados para outras temáticas mas que incluem as práticas de leitura e Portugal numa perspetiva comparativa internacional (Neves, 2011). Avançam-se aqui alguns elementos relativamente aos grupos 1, 3 e 4. Os primeiros estudos específicos foram inicialmente promovidos pelas associações profissionais do sector da edição e, posteriormente, pela tutela da cultura. O Estudo Hábitos de Leitura e Compra de Livros, promovido pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), remonta a 1983 e é o mais antigo. Foi realizado anualmente até 2004, com exceção de 1984 e 1998, ou seja, foram realizados 20 inquéritos em 22 anos, comparáveis entre si (APEL, 2004). Em 2005 a APEL realizou ainda um outro estudo, Hábitos de Leitura, mas com um método diferente e portanto com fortes limitações comparativas (APEL, 2005). Em 2003, a UEP (União de Editores Portugueses), a outra associação de editores então existente92, realizou e divulgou também um estudo, O Comportamento dos Consumidores do Livro em Portugal (UEP, 2003). Todos os estudos foram encomendados diretamente a empresas de estudos de mercado ou de sondagens e foram objeto de crítica logo nos primeiros anos (Moura, Cabral, Guedes e Furtado, 1986: 14). Ao contrário de outros países, como por exemplo França (Horellou-Lafarge e Segré, 1996: 50-56) ou Espanha (Ariño, Castelló, Hernandéz

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Para uma perspetiva histórica de diversas abordagens sobre leitura e leitores no arco temporal que vai de 1926 a 1987 ver Melo (2004: 207-279). Note-se, contudo, que este levantamento inclui referências com diferentes enfoques disciplinares e, sobretudo, diferentes universos e níveis de representatividade. 91 Tenha-se em conta que, com exceção dos inquéritos da responsabilidade do INE, “nacional” significa por norma Portugal Continental. 92 A UEP foi criada em 1999 na sequência da cisão ocorrida na APEL. Viria a ser extinta em 2009 e os seus associados integrados na APEL (Beja, 2011: 349-350).

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e Llopis, 2006; Ariño, 2010), os inquéritos promovidos pelas associações profissionais mantiveram-se, e foram mantidos, à margem pela comunidade científica. Todavia, o método de inquirição, as dimensões inquiridas, a longevidade e a comparabilidade justificam uma referência aos resultados dos estudos até 2004 em quatro planos: perfis sociográficos dos leitores; taxas de leitura e tipos de leitores; taxas de compra de livros e tipos de compradores de livros; tempo semanal dedicado à leitura de livros. Quanto aos perfis sociográficos dos leitores os estudos revelam, em síntese, quanto ao livro, que: as mulheres se destacam, bem como os mais jovens, sendo que a percentagem de leitura de livros é superior à média nacional nos indivíduos com idades até aos 34 anos (e com a percentagem máxima situada no escalão 15-19); a percentagem de compra de livros é mais elevada nos grupos etários até aos 40 anos, embora a máxima se situe igualmente no grupo 15-19 anos; do ponto de vista da escolaridade os inquiridos com nível médio/superior e superior apresentam taxas de leitura e compra de livros muito acima da média; nas localidades urbanas com densidade populacional superior a 1.000 hab/km2 as percentagens de leitores de livros são superiores à média nacional, particularmente nas cidades de Lisboa e Porto; e a percentagem de leitores de livros é superior à média nacional nos níveis socioeconómicos mais elevados (os designados níveis AB e C1). A taxa de leitores de livros tem uma amplitude assinalável93, varia entre 33% em 1988 e 54% em 1997. No conjunto dos 20 inquéritos em apreço a média dos que costumam ler livros é 45%. A segmentação por década permite verificar que os valores dos anos oitenta são em geral mais baixos do que os das seguintes: a média, naquela década, é 40%, na de noventa passa para 47% e nos primeiros cinco anos do século XXI é 45%. De qualquer modo, portanto, os leitores de livros apenas episodicamente terão ultrapassado os 50%. No que se refere aos leitores por número de livros crescem os pequenos (1-5 livros lidos anualmente, que passam de 16% para 18% no período em causa) e os médios (620 livros, de 11% para 18%). Evolução inversa regista a categoria dos grandes leitores (os que declaram ler mais de 20 livros por ano, de 8% para 2%) que acentua portanto o seu caráter minoritário. A taxa de compra de livros apresenta igualmente oscilações anuais assinaláveis. Em 1988 é de 27%, percentagem que sobe para 53% em 1992. Contudo, em 2004 é de 46%. No conjunto dos anos a média é de 42%. A análise dos compradores de livros mostra uma evolução similar à dos leitores, embora com variações mais modestas: crescem os pequenos (com 1-5 livros comprados anualmente, de 10% para 15%) e os

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Estas oscilações, na ausência de análises interpretativas dos dados, suscitaram perplexidade em agentes ligados à mediação do livro, potenciada pelas elevadas expectativas colocadas na existência deste tipo de informação, considerada muito relevante (ver Nunes, 1998: 124-125).

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médios (6-10 livros, de 12% para 15%) e diminuem os grandes (mais de 11 livros, 15% para 10%). Aqueles que estão a ler um livro no momento da inquirição oscilam entre 33% em 1991 e 58% em 2003, sensivelmente a mesma percentagem registada em 2004. O tempo semanal dedicado à leitura de livros evoluiu no sentido da sua diminuição, ou seja, tomando apenas como referência os dois escalões extremos considerados, e nos anos limite, a percentagem relativa aos que lêem menos de 2 horas por semana passa de 25% em 1983 para 33% em 2004 e a correspondente aos que lêem mais de 14 horas de 7% para 3%94. No estudo de 2004, 44% declara-se leitor de livros e 72% de jornais ou revistas. Ainda quanto aos leitores de livros, quase metade (48%) são leitores actuais (leram o último há menos de 1 mês) e a grande maioria dos leitores lê por gosto (91%), livros não escolares nem técnicos (90%). Na sequência do já referido “Relatório da Comissão do Livro” (Moura, Cabral, Guedes e Furtado, 1986), foi realizado em 1988 o primeiro inquérito sociológico, Hábitos de Leitura em Portugal, (Freitas e Santos, 1992) que visava “clarificar as principais características da população na sua relação com a leitura”, obter uma “resposta genérica à questão do balizamento social da leitura”, no fundo determinar o “estado das coisas” em matéria de leitura entre a população por via da resposta a questões tais como: quem lê? O que lê? Com que frequência? Que e quantos livros se possuem? Quem compra livros, e quantos? Onde se realiza o aprovisionamento de livros? Qual o lugar da leitura entre as escolhas culturais? (Freitas e Santos, 1992: 13). Dois anos depois, em 1990, foi realizado um outro inquérito por um centro de investigação no âmbito do estudo O Mercado do Livro em Portugal (Gaspar, Cavaco, Fonseca, Duarte, Ferreira, Seixas e Barroso, 1992: 93-141). O segundo inquérito sociológico, Hábitos de Leitura: Um Inquérito à População Portuguesa decorreu em 1995 (Freitas, Casanova e Alves, 1997). E em 2006/2007 foi realizado o terceiro inquérito sociológico, A Leitura em Portugal (LP) (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007). Importa ter em conta que, embora o método utilizado nos inquéritos seja próximo (por exemplo quanto à população, com 15 e mais anos, alfabetizada), as comparações são limitadas até porque este último estudo contempla já evoluções entretanto ocorridas na esfera cultural e na leitura: quanto aos contextos de leitura; quanto à frequência de bibliotecas; quanto às novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007: 18). No que se refere aos estudos do grupo 2, a leitura de livros como prática cultural, por prazer, sem ser escolar ou profissional, e de jornais e/ou revistas estão normalmente presentes em pesquisas com outras temáticas. São estudos sobre práticas culturais da população (Gaspar, 1985-1988), ou que as incluem (Lopes,

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O aumento das percentagens dos que lêem menos tempo é concomitante com a descida acentuada das não respostas que caíram de 20% para 5% no período em causa.

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Coelho, Neves, Gomes, Perista e Guerreiro, 2001)95, sobre práticas culturais dos jovens entre os 15 e os 29 anos (Pais, Cabral, Ferreira, Ferreira e Gomes, 2003), sobre literacia (Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996) ou sobre educação e formação de adultos (INE, 2009a; INE, 2009b: 37). Relativamente aos estudos do grupo 3, embora mais raros, estão disponíveis alguns, os quais têm igualmente em comum incluírem questões sobre leitura de livros como prática cultural e de jornais e/ou revistas. Entre esses está o International Adult Literacy Survey (IALS) que se reporta a 20 países (OECD e Statistics Canada, 2000); os inquéritos sobre participação/práticas ou valores culturais promovidos na Comissão Europeia (Eurobarómetro, 2001; 2003; 2007); e, ainda neste âmbito, o Adult Education Survey do Eurostat (Beck-Domzalska, 2011: 176-183).

Evoluções nas práticas de leitura Assiste-se, nas sociedades ocidentais, a diferentes evoluções da leitura e da leitura de livros por prazer. Por um lado, constata-se a generalização da leitura na vida quotidiana, por outro, evidencia-se o declínio dos leitores de livros como prática cultural, designadamente dos “grandes” leitores. A partir de meados da década de oitenta, vários estudos procuraram explicar o referido declínio, notório em países com mais elevados níveis de leitura, explicação que incidiu primordialmente nos concorrentes mais populares, a televisão em particular, mas também noutras atividades de lazer. Philippe Coulangeon constata que o número dos não-leitores (os que não leram nenhum livro nos últimos 12 meses) diminui ou estabiliza, mas o dos grandes leitores (os que lêem mais de 12 livros por ano) também (Coulangeon, 2005: 37). Ou seja, a progressão global da leitura é concomitante com uma diminuição da intensidade das práticas individuais, evolução também justificada com o contexto geral de declínio das práticas culturais cultivadas, “legítimas” (Dumontier, Singly e Thélot, 1990: 63-64). Laurent Fleury, por seu turno, adianta três interpretações para a diminuição dos níveis de leitura. A primeira é que se assistiu a uma espetacular diversificação das atividades de lazer. Da conjugação da diversificação de lazeres com a grande progressão dos consumos audiovisuais resulta que a inscrição da leitura no tempo e espaço dos lazeres se torna mais delicada. A segunda interpretação é que ela se deve às transformações dos atos de leitura. Deste ponto de vista, a questão não será tanto ler menos mas sim o desenvolvimento de novos usos do livro e do impresso. Dito de outro modo, não se lê menos, lê-se diferentemente. A leitura técnico-científica, fragmentada, utilitária, rentável, substituiu-se à leitura desinteressada. E a diminuição entre os jovens é interpretada como um efeito perverso de uma concentração 95

Trata-se, em concreto, do módulo sobre "práticas de lazer/recreação" incluído no inquérito à ocupação do tempo.

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demasiado forte da pedagogia escolar no livro. Em terceiro e último lugar considera que a diminuição da quantidade de livros lidos se explica também pela perda relativa do valor simbólico da leitura e do poder distintivo no seio do universo adolescente, a geração socializada com as novas tecnologias de informação (Fleury, 2006: 41-43). Nos EUA, os quatro Survey of Public Participation in the Arts, realizados entre 1982 e 2002, mostraram um declínio percentual continuado da leitura, em especial de literatura, declínio que se manifesta em todas as categorias sociais, mas mais acentuadamente entre os jovens adultos (NEA, 2007). A leitura de literatura por parte da população americana decresceu 10 pontos percentuais nesse período (de 57% para 47%), sendo que, de 1992 para 2002, a quebra foi de 7 pontos percentuais (de 54% para 47%). Contudo, importa frisar que no SPPA de 2008 se inverte a tendência de declínio da leitura de literatura (que sobe de 47% para 50%) até aí verificada – inversão atribuída aos programas públicos de promoção da leitura postos em prática – mas este último valor é ainda inferior ao apurado em 1992 (NEA, 2009)96. Na Holanda, Knulst e Kraaykamp (1997) constatam duas tendências opostas: por um lado, o tempo passado a ler parece aumentar à medida que as pessoas envelhecem, o que poderia traduzir-se num aumento da média de tempo passado a ler já que a população está a envelhecer. No entanto, isto não acontece porque há um segundo fator que entra em jogo: o efeito geracional. O significado da leitura enquanto parte da formação das pessoas tende a diminuir. Nas gerações mais recentes já não se verifica o aumento do tempo dedicado à leitura à medida que avançam na idade. Este facto é paradoxal já que estas são as gerações que tiveram mais oportunidades a nível educativo. Mais concretamente, os autores consideram quatro possíveis explicações para o declínio da leitura: (a) cada vez maior falta de tempo na vida quotidiana; (b) aumento do número de alternativas de lazer; (c) aumento da oferta de produtos ligados à leitura escolar e profissional na vida quotidiana; (d) cada vez maior rivalidade com a televisão. A diminuição da leitura parece ser a tendência geral. Contudo, vários estudos dão conta de resultados contraditórios. Por exemplo, na Bélgica, mostram a erosão dos leitores de jornais regulares (Bouillin-Dartevelle, Thoveron e Noël, 1991: 164), sendo que outros reforçam a ideia de que o decréscimo da leitura de livros não significa a quebra da leitura (Toivonen, 2006). Nos casos holandês e norte-americano, ao contrário do caso francês, o declínio da leitura far-se-á sentir mais nos leitores ocasionais do que nos grandes (avid) leitores (Griswold, 2007: 3-6). E em Espanha o que se verificou foi o crescimento da taxa de leitura e das taxas de leitores frequentes, quer de livros quer de jornais (Ariño, 2010: 77-78). Mas também a contaminação do tempo dedicado ao lazer pelas leituras escolares e profissionais deve ser referida, ou seja, o aumento dos estímulos, entre os adultos, para as leituras formativas, por vezes escolares, e profissionais (a formação ao longo 96

Se se extrapolar os valores percentuais para a população, o número de leitores em 2008 é superior ao registado em 1982 (95,6 e 112,8 milhões, respetivamente).

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da vida) no contexto doméstico, o contexto por excelência da leitura de livros por prazer. Ou seja, as práticas de leitura de lazer enfrentam não apenas a concorrência de outras práticas e lazeres culturais, mas também das leituras realizadas noutros contextos. Recorrendo de novo ao caso francês, a percentagem da população que lia livros úteis do ponto de vista profissional passou de 20% em 1989 para 27% em 1997, pelo que os usos utilitários do livro relacionados com a formação e a atividade profissional poderão explicar o recuo da leitura de ficção que, excetuando os romances policiais, se verificou depois de 1989 (Donnat, 1998: 174). De um modo mais geral, Wendy Griswold, Terry McDonnell e Nathan Wright consideram que, ao mesmo tempo que a leitura se vem generalizando nas sociedades contemporâneas ocidentais, o grupo dos grandes leitores é (como, de resto, sempre foi), um grupo minoritário, distinguindo, assim, cultura de leitura (as sociedades em que a leitura é socialmente valorizada e tende a ser uma prática generalizada) de classe de leitores (uma formação social específica que lê habitualmente livros por prazer e por necessidades profissionais) (Griswold, McDonnell e Wright, 2005).

Determinantes sociais da leitura e perfis de leitores Nas últimas décadas, as principais características do perfil geral dos leitores permaneceram constantes. A escolaridade é a principal variável explicativa. As mulheres leitoras são mais do que os homens. Os mais jovens, os que têm rendimentos mais elevados, os residentes em áreas urbanas e suburbanas, metropolitanas97 estão normalmente sobrerepresentados (Griswold, 2000: 95; Griswold, McDonnell e Wright, 2005: 129; Griswold, 2007: 2; Griswold, 2008: 46-47). O sexo e o diploma são as variáveis destacadas por Baudelot, Cartier e Detrez (1999: 16), e Ariño destaca o sexo, a idade e o estatuto ocupacional (os estudantes lêem mais do que os ativos), para além da escolaridade (2010: 79-83). Outros autores acrescentam ainda, entre as caraterísticas dos que mais lêem, o estado civil de divorciado, o regime de trabalho a tempo parcial e a categoria “professionals and managers” (Hendon, Rees e Verdaasdonk, 1987: 209-210). O que determina níveis mais elevados de leitura, em particular de livros, é a escolaridade. Uma ilustração baseada num estudo recente para o conjunto dos 27 países da União Europeia confirma que quanto maior o número de anos de escolaridade, mais elevada a percentagem de leitores: com 15 anos de escolaridade, 51%; com 16 a 19 anos, 71%; com mais de 20 anos, 86%. Revela igualmente que o valor mais elevado, 91%, se regista entre aqueles que ainda estão a estudar (Eurobarómetro 278, 2007: 18).

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De acordo com o Eurobarómetro 278 (2007), 65% dos habitantes em “rural village” lêem livros, percentagem que sobe para 72% em “small/mid size town” e para 79% em “large town”.

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Estes resultados confirmam a influência do sistema de ensino nos níveis de leitura (Bourdieu e Chartier, 1993: 274) e mostram também que os referidos níveis tendem a diminuir uma vez fora dele. De facto, “o abandono da escola coincide, não raro, com o abandono da leitura: é um marco a partir do qual se condensam os fatores de diferenciação quanto a oportunidades de vida e aspirações possíveis, influindo sobre o desenrolar dos hábitos de leitura e sobre o sentido que lhe vai sendo atribuído" (Santos, 1992: 24). O sistema de ensino desempenha, portanto, um papel fulcral na explicação dos níveis de leitura. Todos os inquéritos o mostram. Alguns autores consideram mesmo que a escolaridade é a única variável estatisticamente significativa (Southerton, Warde, Cheng e Olsen, 2007). Contudo, à semelhança do que se verifica com a literacia (Ávila, 2008: 87), pode também dizer-se que existe uma grande proximidade, mas não sobreposição, entre níveis de escolaridade e níveis de leitura ou, dito de outra forma, haverá que desmistificar uma suposta “relação causal entre capital escolar e práticas de leitura” (Lopes, 2003: 63). A socialização escolar é determinante mas não explica tudo uma vez que, apesar de entre os licenciados a percentagem de leitores ser superior, nem todos são leitores e, pelo contrário, o facto de a percentagem de leitores ser diminuta entre aqueles com mais baixos níveis de ensino, isso significa isso mesmo, ou seja, que existem leitores, embora proporcionalmente (muito) menos. Neste contexto importa ter em conta várias descoincidências (Santos, 1992: 19; 2728): (i) entre quem sabe ler e é leitor; (ii) entre quem é leitor e quem é leitor de livros; (iii) entre prática de leitura enquanto receção "primária", de familiaridade de superfície com o texto, emocional e identificatória (no sentido de Leenhardt, 1988, citado pela autora) e enquanto receção "competente", capaz de operar a distanciação entre o sujeito-leitor e o texto, ainda de acordo com Leenhardt. Nos países ocidentais as mulheres predominam na leitura de livros e de revistas, os homens na leitura de jornais98 (Donnat, Freitas e Frank, 2001: 82). Como nota Lyons, as leitoras são, juntamente com as crianças e os operários, os novos leitores do século XIX (Lyons, 2001). A oposição sexual exprime-se, na leitura de livros, com uma força sem equivalente nas outras práticas culturais e inclui os conteúdos, preferindo as mulheres determinados géneros, em particular o romance, os homens, outros, designadamente o género técnicos e científicos (Donnat, 1994: 266). Mas em meados do século XX os leitores ainda eram predominantemente homens. A inversão em favor das mulheres remonta ao último quartel do século XX e vem-se acentuando. Em França, em 1973 a percentagem correspondente aos homens era ainda superior (72% contra 68% das mulheres), tal como em 1981 (75% contra 73%), invertendo-se a partir de 1988 (73% contra 76%), num movimento em profundidade 98

Esta regularidade pode ser afetada pela idade justamente porque as mulheres têm, nas idades mais avançadas, taxas mais elevadas de analfabetismo e menores de frequência do sistema de ensino, como se verifica em Portugal.

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que ainda se mantem (Donnat e Cogneau, 1990: 81; Donnat, 2005). Um estudo comparativo em cinco países (Holanda, Noruega, França, Reino Unido e Estados Unidos da América) mostra que a diferenciação se vem acentuando pelo menos desde os anos setenta (Southerton, Warde, Cheng e Olsen, 2007). Em Portugal, em 1988, também ainda era favorável aos homens (56% contra 51% das mulheres) (Freitas e Santos, 1992: 31). E no inquérito às práticas culturais dos lisboetas, realizado em 1994, a percentagem de leitores de livros entre os homens é de 64% ao passo que entre as mulheres é de 61% (Pais, Nunes, Duarte e Mendes, 1994: 211). Também em Espanha estudos realizados nos anos 60 e 70 mostraram que os homens ainda tinham valores mais elevados do que as mulheres (em 1974, 59% contra 41%), sendo o sexo a única variável que registou uma alteração profunda no perfil dos leitores (Ariño, 2010: 8184). Esta mutação tem várias explicações. Uma reporta-se ao alargamento da escolaridade feminina e ao recuo da leitura entre os jovens adultos, mais sensível entre os rapazes do que entre as raparigas (Donnat, 1994: 266). Quando as raparigas estão em pé de igualdade com os rapazes no acesso ao ensino, elas lêem mais e mais eficazmente do que eles (Griswold, McDonnell e Wright, 2005: 131). O que, dito de outro modo, significa que quanto maior a percentagem da população leitora maior tende a ser a discriminação em favor do sexo feminino. Outros fatores são a já referida preponderância feminina entre os mediadores do livro (professores e bibliotecários) (Robine, 2001: 67) e, mais recentemente, a emergência e generalização dos computadores, cuja utilização é sobretudo masculina (Donnat, 1998: 174). Outra perspetiva destaca a socialização de género e o significado do livro na construção da identidade feminina (Lopes e Aibéo, 2007: 42), ou seja, as raparigas são educadas e incentivadas a ler, ao contrário dos rapazes. Para Steven Tepper o gender gap na leitura de ficção é explicado pelo papel da mulher na socialização das crianças e pelos estereótipos quanto às atividades de lazer e não pelas competências de leitura ou pelo tempo livre (Tepper, 2000). Outra explicação reside nas diferentes representações face à leitura de livros, de desvalorização por parte dos rapazes, e pelo contrário, de valorização por parte das raparigas (Clark e Akerman, 2008; Clark, Osborne e Akerman, 2008). Esta diferença deverá consolidar-se uma vez que para os jovens ler não é mais um comportamento prestigiante nem um modelo de conduta a imitar, tendo em conta o reforço do sexismo masculino que a juventude (espanhola) atravessa (Calvo, 2001: 133). Ao contrário da escolaridade e do sexo, variáveis que apresentam uma regularidade notável do ponto de vista da leitura, a idade mostra algumas diferenças. Não existe um padrão de comportamento nos países ocidentais. As principais regularidades são que os jovens lêem mais e que as percentagens de leitores decrescem com o avanço da idade, mas em alguns países o decréscimo não é linear invertendo-se nos escalões dos mais idosos. A análise por suporte mostra que a situação mais comum é, quanto à leitura de livros, que a percentagem diminua à medida que a idade avança. Em alguns 123

países regista-se uma inversão desta distribuição nos grupos de idade acima dos 65 anos (Donnat, Freitas e Frank, 2001: 79). Quanto aos leitores de jornais, as distribuições percentuais caracterizam-se por serem normalmente mais elevadas, por um lado, nos escalões correspondentes às idades ativas (25-64 anos) e, por outro lado, entre os que têm idades superiores a 65 anos e os que têm menos de 24 anos (idem: 104). Entre os fatores explicativos estão os efeitos do sistema de ensino pelo recuo do analfabetismo (mais presente nos mais velhos, embora com variações consoante o país) e a generalização e alargamento da escolaridade obrigatória. Por este motivo as questões de geração são talvez mais visíveis. Para além dos níveis de analfabetismo e de escolaridade, deve ser considerada a concorrência de outras atividades na ocupação dos tempos livres, designadamente entre os jovens, de onde resulta o envelhecimento dos leitores devido à diminuição do seu número entre os escalões mais jovens (Donnat, 1994: 270; 1996: 127). A relação inversa da idade com o nível de leitura de livros (quanto mais idosos, mais baixos os níveis de leitura) verifica-se em sociedades, como a portuguesa, que conjugam elevados níveis de analfabetismo com baixos níveis de escolaridade, conjugação que incide sobretudo na população mais idosa. Recorrendo de novo ao estudo de 2007 para o conjunto dos 27 países da União Europeia, quanto à leitura de livros, no escalão 15-24 são 82%, no escalão 25-39 descem para 72%, no escalão 40-54 passam para 74% e, no escalão 55 e mais anos, registam uma acentuada descida, para 63% (Eurobarómetro 278, 2007). Mas podem também observar-se efeitos dos ciclos de vida que determinam largamente os percursos, as práticas e a intensidade da leitura, incluindo daqueles considerados grandes leitores (Vogels, 2004; Guionnet, 2004: 249-250). Em França, em 1988, lê-se mais quando jovem (uma vez que há menos constrangimentos, de tempo e outros, e estão presentes os incentivos dos professores), menos na idade ativa (devido aos cuidados com os filhos e à atividade profissional) e de novo mais quando se envelhece (saída de casa dos filhos, chegada da reforma) (Dumontier, Singly e Thélot, 1990: 66). De um modo geral é entre os mais jovens que os níveis de leitura são mais elevados. Isso deve-se em grande parte à frequência do sistema de ensino. Mas alguns autores questionam a ação da escola na difusão do amor pelo livro – contribuirá a escola para o cultivar, ou pelo contrário, para o conter? Ou, dito de outro modo, parece existir um “curioso paradoxo: aparentemente, a escola mata a leitura” (Lopes, 2003: 73). Outros constatam uma quebra significativa na transição para a vida ativa, o que significa que a frequência do sistema de ensino será mais favorável à leitura de livros, pelo menos em determinados contextos socioprofissionais menos qualificados (Gomes, 2003). Ao contrário de outras características, no que toca especificamente aos grupos sociais ativos as abordagens com incidência nas práticas de leitura são raras e fragmentadas. O uso de diferentes perspetivas teóricas e de diferentes abordagens empíricas e 124

respetivos sistemas de classificação, nos planos nacional e internacional, não facilita as comparações diretas. De todo o modo, embora sem cair no erro da “história sociocultural à francesa” que, ao privilegiar “unicamente a classificação socioprofissional, esqueceu que outros princípios de diferenciação, também eles completamente sociais, podiam explicar, com mais pertinência, as causas das diferenças culturais”, como as “pertenças a um sexo, ou a uma geração, das adesões religiosas, das solidariedades comunitárias, das tradições educativas ou corporativas, etc.” (Chartier, 1997: 19), importa reconhecer “a importância persistente e o carácter nuclear dos indicadores socioprofissionais” (Costa, 1999: 224), também do ponto de vista das práticas de leitura. Trata-se de uma abordagem relevante uma vez que “as categorias de inserção socioprofissional – mais ou menos estreitamente articuladas com os recursos económicos e culturais detidos pelas pessoas ou por elas provavelmente alcançáveis, com os círculos de relacionamento social, com os meios sociais de origem e com os percursos de vida trilhados – constituem bons indicadores de quadros de condicionamento e possibilidades socialmente vigentes que, em geral, exercem bastante influência nas disposições, competências e práticas dos indivíduos e dos grupos" (Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996: 35, 40). Olivier Donnat, embora saliente a importância da categoria socioprofissional na hierarquização das práticas, alerta igualmente para os fatores que se “escondem” atrás dessa variável “compósita”99 como a origem social, o habitat, o rendimento e, sobretudo, a escolaridade. De facto, o autor nota que as disparidades em função desta última são mais espetaculares do que as da categoria socioprofissional (Donnat, 1999: 115-116). Uma outra abordagem destaca o significado da classe social e do sexo, quando tomados conjuntamente, na leitura de livros de literatura. Os autores evidenciam as diferenças relativamente aos géneros de livros, não apenas entre as classes mas também entre os sexos nas diversas classes (Bennett, Emmison e Frow, 2001). Wendy Griswold, com o conceito de classe de leitores, definido a partir das características socioeconómicas e das práticas, designa aqueles que querem e têm de ler quotidianamente por motivos de lazer e profissionais (Griswold, 2001), portanto grandes leitores, ou pelo menos leitores regulares. De todo o modo, pode dizer-se que, no seu conjunto, os estudos mostram que operários e agricultores são os mais afastados das práticas de leitura e que, pelo contrário, as profissões assalariadas do terciário, os quadros superiores, as profissões intelectuais e científicas e, embora menos, os empregados, são as mais próximas (Bradshaw e Nichols, 2004: 14; Coulangeon, 2005: 48-49; Donnat, 1999: 112).

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Variável “compósita” uma vez que funciona como indicador indireto da qualificação e do nível escolar (Coulangeon, 2005: 48-49).

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Evolução dos determinantes sociais da leitura em Portugal A sociedade portuguesa tem sido atravessada por processos de recomposição social ainda em curso que a caraterizam como uma modernidade inacabada (Viegas e Costa, 1998). Entre as dimensões em que os processos se desdobram faz-se aqui referência à demográfica, educativa e socioprofissional de modo a enquadrar os níveis de leitura registados. Do ponto de vista demográfico, a estrutura por sexo mantém a tendência de todo o século XX que é de 52% para 48% (INE, 2012a). A estrutura etária acentua o envelhecimento da população na “base” (perda de importância estatística nas idades mais jovens) e no “topo” (aumento dessa importância nas idades mais avançadas) verificado ao longo do século XX, em particular a partir dos anos 70 (Rosa e Vieira, 2003: 101-107). Na comparação com a média da UE (dados de 2006 em BeckDomzalska, 2007: 19), Portugal situa-se ligeiramente abaixo no grupo dos 0-24 anos (27,8% contra 28,6% da UE) e ligeiramente acima no grupo 65 e mais anos (17,1% contra 16,8% da UE). Ao longo de todo o século XX a taxa de analfabetismo manteve-se relativamente alta e claramente desfavorável às mulheres. Em 2001 era ainda de 9%, ou seja, equivalente à de algumas regiões mais avançadas da Europa há um século atrás (Almeida, Capucha, Costa, Machado e Torres, 2007: 46). Em França, por exemplo, cerca de 1925 a taxa de analfabetismo era de 5% (Nóvoa, 2005: 69), portanto quatro pontos percentuais inferior à registada em Portugal em 2001. Em 1945, quando o instituto francês de estatística (INSEE) colocou pela última vez a questão “não sabe ler e escrever” num inquérito, o resultado foi 3,6% (Dumazedier e Gisors, 1984). Em Espanha, em 2001, era 2,5% (Ariño, 2010: 68). Mais recentemente, em Portugal, os dados dos Censos 2011 mostram uma quebra acentuada do analfabetismo para 5,2%, mas mantêm-se as diferenças por sexo em desfavor das mulheres cuja taxa é cerca do dobro da dos homens, 6,8% contra 3,5% (INE, 2012a: 38). Com a implantação do regime democrático em 1974 alargaram-se os níveis de escolaridade obrigatória e investiu-se na melhoria das infraestruturas educativas (Cardoso, Costa, Conceição e Gomes, 2005: 46-47). A escolaridade obrigatória passou para nove anos em 1986 e desde 2010 é de doze anos. Mas ainda há cerca de uma década e meia atrás fazia-se um balanço pouco positivo do processo caracterizado por “um desfasamento temporal na difusão da escolaridade básica resultante de um relativo fracasso na implementação das políticas de escolaridade obrigatória” (Viegas e Costa, 1998: 314-315) ao mesmo tempo que se verificava uma atitude de resistência da população face à ideia de prolongamento da escolarização, que não era socialmente valorizada mas sim vista por muitos como uma imposição e não como uma necessidade ou um desejo de progredir (Viegas e Costa, 1998: 316-317). De todo o modo, as últimas décadas ficaram marcadas por um aumento global dos níveis de escolaridade. De 2001 para 2011 a população com 15 e mais anos sem 126

qualquer nível de ensino desceu de 18% para 10%; com 15 e mais anos que completou pelo menos o 3º ciclo do ensino básico passou de 38% para 50%; com 18 e mais anos e com pelo menos o ensino secundário subiu de 23% para 32%; e a população com 23 ou mais anos que completou o ensino superior de 9% para 15% (com maior incidência entre as mulheres) (INE, 2012a: 40-46). Contudo, a população portuguesa (ambos os sexos) com nível terciário de escolaridade100 está abaixo da média da UE. Por exemplo, em 2006, nas idades situadas entre os 25 e os 39 anos, são 23% as mulheres com esse nível em Portugal contra 30% da média na UE; e 14% os homens quando a média na UE é 25% (BeckDomzalska, 2007: 22). Mas importa também notar que Portugal é o país da UE em que o número de estudantes no ensino superior registou ultimamente um crescimento mais elevado (Almeida, Capucha, Costa, Machado e Torres, 2007: 46-47). Assim, se por um lado os vários indicadores – analfabetismo, escolaridade obrigatória e qualificação escolar – mostram uma evolução positiva, por outro, quando observados numa perspetiva comparativa internacional, estão ainda muito distantes dos valores médios dos países da OCDE ou dos da UE. Do ponto de vista da estrutura socioprofissional (Costa, Machado e Almeida, 2007), no arco temporal 1991-2001, Portugal regista uma diminuição dos contingentes das categorias ligadas à agricultura (Agricultores Independentes e Assalariados Agrícolas), dos Operários Industriais (O) e dos Trabalhadores Independentes (TI). Por outro lado, assiste-se a um incremento dos Empregados Executantes (EE) (de 27% em 1991 para 32% em 2001); dos Profissionais Técnicos de Enquadramento (PTE) (de 12% para 17%, a categoria com taxas de crescimento mais elevadas, e uma das mais feminizadas), e dos Empresários, Dirigentes e Profissionais Liberais (EDL) (de 9% para 12%) (Almeida, Capucha, Costa, Machado e Torres, 2007: 47). Uma análise transnacional destaca a posição de Portugal quanto à estrutura de classes e quanto aos perfis educativos das classes (Costa, Machado e Almeida, 2007). Relativamente à primeira verificam-se baixas percentagens em Portugal de EDL e, sobretudo, de PTE101, e elevadas de TI, EE e O face à média. Importa ainda referir a diferença de 11 pontos percentuais nos PTE (14% em Portugal contra 25% em média), quando nas restantes quatro categorias a diferença, neste caso positiva, não ultrapassa os 6 pontos percentuais (nos O). Quanto aos perfis educativos das classes o traço que importa destacar é que em todas as categorias os níveis em Portugal são mais baixos do que a média, variando entre cerca de 6 pontos percentuais nos EDL e 0,5 pontos percentuais nos PTE, as duas categorias com os níveis de escolaridade mais elevados. Ou seja, seja qual for o ponto de vista adotado, a composição 100

Nota da fonte: o terciário inclui os níveis 5 e 6 da International Standard Classification of Education (ISCED) 1997 (Beck-Domzalska, 2007: 173). 101 PTE, categoria constituída por “assalariados com qualificações de nível médio ou superior e/ou com posições de autoridade hierárquica nas organização também de nível médio ou superior, protagonistas centrais das dinâmicas da sociedade do conhecimento” (Costa, Machado e Almeida, 2007: 11), as novas classes médias assalariadas (Almeida, Capucha, Costa, Machado e Torres, 2007: 49).

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socioprofissional em Portugal acentua as características mais distantes das práticas de leitura.

Políticas culturais em Portugal: livro, leitura pública e promoção da leitura As políticas educativas desempenham um papel fundamental na formação das competências, nos processos de socialização para a leitura e na qualificação dos adultos, na formação ao longo da vida. Esta última vertente é particularmente relevante no contexto de uma sociedade como a portuguesa com baixos níveis de qualificação escolar da população que já abandonou o sistema de ensino. Mas as políticas culturais são, naturalmente, também muito relevantes, em particular as políticas do livro e da leitura. São executadas por um organismo (a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, DGLAB) e incluem vários programas. Entre estes contam-se o apoio à edição de livros, a constituição de uma rede de bibliotecas públicas municipais e a promoção da leitura. Neste, como noutros domínios das políticas culturais, a fórmula dominante é a formação de “novos públicos”, um objetivo prioritário presente nos Programas de Governo desde 1999 (XIV Governo), enunciado no quadro das políticas públicas de democratização, objetivo que tem sido utilizado com vários sentidos embora vise muito em particular os (mais) jovens (Gomes e Lourenço, 2009). As grandes orientações adotadas em Portugal não parecem distanciar-se substancialmente das seguidas a nível internacional (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012). A este nível, e de um modo geral, abrangem a oferta e a procura e são frequentemente designadas políticas do livro e da leitura. Excluem explicitamente o livro escolar, matéria da responsabilidade da tutela da Educação. Incluem entre os principais eixos de intervenção a leitura pública e a promoção da leitura (Neves, Lima e Borges, 2008). Assentam pois na tríade livro, leitura não escolar e bibliotecas públicas. Especificamente quanto à leitura pública, o programa Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP) foi lançado no X Governo Constitucional (Moura, Almeida, Portilheiro e Calçada, 1986), assenta em parcerias da tutela da Cultura com os municípios e tem por objetivo dotar cada um deles com uma biblioteca pública de acordo com requisitos estabelecidos. Apesar do consenso político alargado em torno deste programa e da intenção expressa por vários governos em alcançar aquele objetivo, ainda permanece longe de conclusão. Em 2012 integram a Rede 194 municípios (DGLAB/DSB, 2012). Outros, incluindo Lisboa, dispõem de bibliotecas públicas mas não integram a Rede (Neves e Lima, 2009). Sob a designação de fomento ou promoção da leitura (Ewers, 2007) referem-se políticas públicas largamente disseminadas nos países ocidentais baseadas na defesa da importância da leitura sob vários pontos de vista, cultural, (exclusão) social,

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económica, na constatação das dificuldades/competências de leitura, dos seus baixos índices e da diminuição dos níveis de leitura (Neves, Lima e Borges, 2008). A este propósito haverá que destacar o Programa de Apoio à Promoção da Leitura/Itinerâncias Culturais (PAPL) lançado em 1997 (XIII GC) e, mais recentemente, em 2006, com XVII GC, o Plano Nacional de Leitura (PNL). Estas medidas espelham a necessidade de articulação entre as tutelas da Cultura e da Educação tanto ao nível dos equipamentos (bibliotecas públicas e biblioteca escolares), como dos públicos-alvo (crianças e jovens em idade escolar, adultos), como ainda dos contextos da leitura (escolar e de lazer). Quanto ao PAPL, a tutela da Cultura promoveu no seu âmbito a realização de milhares de ações de difusão do livro e de promoção da leitura em vários contextos, em particular nas bibliotecas públicas municipais (Neves e Lima, 2009: 39-40). Entre 1997 e 2002, “foi concebido tendo como público-alvo o leitor no seu sentido mais lato (leitor constituído ou potencial leitor). As ações da carteira de itinerâncias eram dirigidas a este leitor sem perfil específico, sendo estas ações díspares, sem um fio condutor que as integrasse numa política marcadamente dirigida à promoção da leitura”, mas a partir de 2002, “consciente de que este Programa deveria ser preferencialmente um instrumento para a criação de novos públicos leitores através de uma política ativa de combate à literacia e aos baixos níveis de leitura, o IPLB elegeu como essenciais as ações dirigidas ao público infanto-juvenil” (Alçada, Calçada, Martins, Madureira e Lorena, 2006: 84-85). Em 2006 integrou o PNL, aumentou o número de ações disponíveis e passou a contemplar bibliotecas municipais não integradas na RNBP (Neves e Lima, 2009: 52). Quanto ao PNL, a sua concretização passa por um vasto leque de medidas “destinadas a promover o desenvolvimento de competências nos domínios da leitura e da escrita, bem como o alargamento e aprofundamento dos hábitos de leitura, designadamente entre a população escolar”. A resolução que o criou102 especifica ainda uma duração alargada, de 10 anos, divididos em duas fases (2006-2011 e 2011-2016), a primeira prioritariamente dirigida para as crianças e jovens, em particular os alunos do ensino básico e secundário. A articulação com os municípios e o desenvolvimento da Rede de Bibliotecas Escolares, com o envolvimento das bibliotecas públicas, são algumas das linhas de atuação. Embora as crianças e os jovens sejam os públicos-alvo prioritários, o PNL envolve a população adulta de diversas formas (Neves, 2011: 102-103). Destacam-se aqui três: as bibliotecas públicas, os projetos direcionadas para as famílias (PNL, 2007; 2008; 2009) e, mais recentemente, um projeto específico para os adultos da Iniciativa Novas Oportunidades (PNL, 2010). A implementação do Plano incluiu a realização de diversos estudos e de uma avaliação externa que produziu vários relatórios ao longo dos 102

Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2006, de 12 de Julho. Esta resolução foi antecedida do Despacho Conjunto nº 1081/2005, de 23 de Novembro, da Presidência do Conselho de Ministros e dos ministérios da Educação e da Cultura.

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primeiros cinco anos, o último dos quais com uma síntese dessa primeira fase (Costa, Pegado, Ávila e Coelho, 2011).

Representações sobre a leitura A promoção da leitura parece beneficiar de um contexto francamente favorável por parte dos portugueses que “reconhecem, de forma consensual, a importância da leitura nas sociedades atuais” (Costa, Pegado e Ávila, 2008: 54). De facto, face à pergunta “na sua opinião, que importância tem a leitura, nos dias de hoje, para a vida das pessoas?” do barómetro de opinião pública, para 95% dos inquiridos ela é, em geral, importante ou muito importante. Nos oito domínios considerados sobre as atitudes dos portugueses as percentagens situam-se entre 98% (“Ensino e formação”) e 92% (“Usar a internet”), com a questão “Compreender a literatura e as artes” situada nos 95%. De 2007 para 2009 a opinião sobre a importância da leitura, em geral, manteve-se (95%), mas baixou ligeiramente em todos os domínios. O decréscimo varia entre um (“Ensino e formação”) e seis pontos percentuais (“A vida do dia-a-dia”). O domínio “Compreender a literatura e as artes” baixou dos referidos 95% para 91% (Costa, Pegado, Ávila, Coelho e Alves, 2009: 102). De todo o modo, os níveis de reconhecimento da importância da leitura mantêm-se muito elevados, conclusão que sai reforçada com os dados de 2011 do barómetro uma vez que eles mostram uma evolução positiva generalizada para níveis próximos dos registados em 2007, evolução a que não será alheia a existência e ação do PNL, considerado em 2011 por 96% do barómetro como importante ou muito importante (Costa, Pegado, Ávila e Coelho, 2011: 86-87).

Leitores, leitura e relações com o impresso em Portugal Como se viu, entre as grandes tendências das últimas décadas estão o declínio da leitura (em percentagem da população leitora) e dos grandes leitores (em número de livros lidos). Quanto a Portugal, de 1995 para 2007 os principais traços são a diminuição dos não-leitores e o crescimento dos leitores dos três suportes considerados (conclusão que contrasta com a tendência verificada a nível internacional), com destaque para o dos jornais, e ainda a diminuição dos grandes leitores (conclusão que está em linha com a tendência geralmente verificada nos países ocidentais).

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Mais detalhadamente, de 1995 para 2007103 regista-se um forte acréscimo de 14 pontos percentuais nos leitores de jornais e de 3 pontos percentuais nas revistas e nos de livros104 (quadro 1). Em 2007, os jornais são, destacadamente, o suporte com mais leitores (83%), a que se seguem as revistas (73%) e, a alguma distância, os livros (57%).

Quadro 1 Leitores por Suporte e por Ano (1995 e 2007) (percentagem) Ano Suporte 1995 2007 Livros 53,4 56,9 Jornais 69,4 83,0 Revistas 69,2 73,0 Não-leitores 12,4 4,7 Bases 2.506 2.552 Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 47).

Esta evolução positiva dá-se num contexto favorável no tocante à recomposição social da população portuguesa, em particular quanto aos avanços da qualificação escolar e profissional verificada nas décadas mais recentes e que parecem compensar fatores de sentido inverso, induzidos por outras formas de ocupação do tempo de lazer como o audiovisual e, em particular, a televisão. Contudo, importa ter presente que os níveis em Portugal eram (e continuam) baixos, seja qual for o indicador utilizado. Com exceção dos jornais, os valores registados estão ainda muito abaixo, por exemplo, dos registados noutros países anos atrás (Donnat, 1998: 169; Hendon, Rees e Verdaasdonk, 1987; Southerton, Warde, Cheng e Olsen, 2007: 25). Do ponto de vista do tipo de leitura, a maioria dos leitores corresponde ao tipo parcelar (apenas um dos suportes). Este tipo e o de leitura cumulativa (os três suportes) cresceram face a 1995 à custa da diminuição dos não-leitores. A leitura cumulativa passa de 39% para 41% e, mais significativamente, a leitura parcelar cresce

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Os dados, referenciados a 2007, que constituem a principal base empírica da análise sobre Portugal que aqui se inicia provêm do inquérito A Leitura em Portugal, realizado no âmbito do PNL (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007). Este inquérito tem por base uma amostra de 2.552 indivíduos, representativa da população adulta, convencionalmente definida como aquela com 15 e mais anos, alfabetizada, residente no continente. O trabalho de terreno decorreu entre 15 de Novembro de 2006 e 22 de janeiro de 2007, com entrevista pessoal e direta realizada no domicílio. 104 Dados mais recentes de uma outra fonte que compara os anos de 2007 e 2011 mostram que os leitores de livros como atividade de lazer diminuíram de 44% para 42% e que, pelo contrário, os de jornais aumentaram de 87% para 94% (INE, 2012b: 37). Na abordagem a estes dados importa ter presente, entre outros aspetos, que a fonte se restringe à população dos 25 aos 64 anos, ou seja, estão subrepresentadas idades jovens em que os índices de leitura de livros são mais elevados.

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de 49% para 55% devido sobretudo ao forte incremento dos leitores de jornais e revistas. Especificamente quanto à leitura de livros é visível a quebra acentuada dos nãoleitores (51% para 45%) e ligeira dos grandes leitores (de 2,7% para 2,3%) e, pelo contrário, acréscimos dos pequenos (de 34% para 37%) e dos médios leitores (13% para 15%) (Neves, 2011: 155). Esta evolução decorrerá de uma transferência dos nãoleitores para pequenos e médios leitores (Robine, 2001a) pelo que a amplificação de uma leitura “fraca” em quantidade deve ser tomada como sinónimo de alargamento e não de fragilização da leitura (Bahloul, 1990: 14; Poulain, 2004: 33). Haverá também que situar os resultados de Portugal numa perspetiva internacional. Quanto à leitura de livros a comparação com a média de 14 países105 mostra que, em 2001, Portugal está muito abaixo na taxa de leitores (33% contra 58%) e é mesmo o país que mais se distancia (Eurobarómetro 56.0, 2001: 15). O indicador de leitura de livros por motivo mostra que Portugal regista desvios negativos relativamente à média nos quatro considerados mas, ao passo que no tocante à leitura educativa não obrigatória o desvio é mínimo (-0,5%), quando se trata da leitura de lazer a diferença sobe drasticamente para -29%. A posição de Portugal na leitura de livros mantém-se no estudo de 2007, já com a UE a 27 países (Eurobarómetro 278, 2007). Portugal regista 50%106 para uma média europeia de 71%. É um dos que mais se distancia da média, logo a seguir a Malta. Quanto ao número de livros lidos Portugal apenas se aproxima nos escalões intermédios (1-2 e 3-5) destacando-se tanto pelas elevadas percentagens dos que não lêem como pelas baixas dos grandes leitores. A deslocação do grupo de países de referência para a OCDE (20 países) não determina alterações significativas na posição de Portugal quanto à leitura de livros uma vez que regista o valor mais baixo, 23%, quando a Bélgica (Flandres) regista 44% e a média é de 63% (OECD e Statistics Canada, 2000: 159). Em síntese, pode-se dizer que a cultura de leitura em Portugal registou nas últimas décadas uma evolução positiva com o aumento dos níveis de leitura, em particular de jornais e, especificamente quanto à leitura de livros, um crescimento dos pequenos leitores. De acordo com Wendy Griswold, Elizabeth Lenaghan e Michelle Naffziger, os (ainda) baixos patamares de qualificação de nível terciário e de níveis de leitura da população, associados aos avanços registados e aos esforços de promoção de leitura (o PNL) colocam Portugal como uma cultura de leitura emergente (Griswold, Lenaghan e Naffziger, 2011: 31).

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Os 14 países incluídos neste estudo são: Bélgica, Dinamarca, Alemanha (Ocidental e Oriental), Grécia, Espanha, França, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Áustria, Portugal, Finlândia, Suécia e Reino Unido. 106 Neste estudo a questão é genérica sem qualquer restrição de contexto (de lazer ou outro).

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Perfis de leitores por suporte Em 2007 os perfis sociais dos leitores dos três suportes (livros, jornais e revistas) apresentam diferenças sensíveis entre si (quadro 2). O dos leitores de livros é acentuadamente feminizado, juvenilizado, escolarizado, com destaque para os estudantes e, entre os que exerceram ou exercem uma profissão, a categoria PTE regista o maior contingente. O dos leitores de jornais é, pelo contrário, vincadamente masculino, sensivelmente mais idoso, com elevadas percentagens nos níveis de escolarização básico e secundário e, do ponto de vista da categoria socioprofissional, EDL e PTE registam os valores mais elevados, e próximos, mas a categoria O tem um valor não muito distante. E relativamente às revistas, o perfil aproxima-se do dos leitores de livros. É acentuadamente feminino, relativamente juvenilizado, com níveis de escolaridade baixos e mais frequente entre os estudantes. Destaca-se de novo a categoria PTE, ainda que a percentagem de EE esteja relativamente próxima. Quadro 2 Perfis de leitores por Suporte (percentagem) Livros 56,9

Suporte Número Jornais Revistas 83,0 73,0 2.552

Total Sexo Feminino 64,3 75,6 82,7 1.335 Masculino 48,8 91,2 62,4 1.217 Idade 15-24 73,8 79,1 84,9 465 25-34 67,2 86,0 80,6 500 35-54 54,0 86,7 74,6 902 Mais de 55 anos 41,8 78,7 57,2 685 Grau de escolaridade Até 2º Ciclo do Ensino Básico 37,4 79,4 62,7 1.194 3º Ciclo do Ensino Básico 65,0 86,0 82,9 457 Ensino Secundário 74,0 86,6 81,9 626 Ensino Médio ou Superior 89,1 85,8 80,7 275 Condição perante o trabalho Ativos 55,6 84,6 74,4 1.667 Estudantes 87,5 77,0 84,5 265 Outros não ativos 47,3 81,3 64,2 620 Categoria socioprofissional * EDL 51,1 89,8 72,2 352 PTE 84,5 88,1 80,6 252 TI 41,0 82,0 65,6 61 O 34,4 84,9 57,8 588 EE 59,2 80,2 77,3 907 Nota: qui-quadrado estatisticamente significativo para todos os cruzamentos (p < 0,05); * Os dados relativos a este indicador dizem apenas respeito àqueles inquiridos 133

que exercem atualmente, ou já exerceram, uma atividade profissional (85% dos casos em análise). Legenda: EDL, Empresários, Dirigentes e Profissionais Liberais; PTE, Profissionais Técnicos de Enquadramento; TI, Trabalhadores Independentes; O, Operários; EE, Empregados Executantes. Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 54). Do ponto de vista dos tipos de leitores de livros (pequenos, médios e grandes) os respetivos perfis sociais apresentam também algumas diferenças. Por sexo são muito ténues, embora as mulheres registem valores ligeiramente mais elevados nos pequenos e grandes leitores e os homens apresentem um valor sensivelmente mais elevado do que as mulheres nos médios leitores. A análise segundo o grau de escolaridade mostra claramente dois tipos de relações: inversa nos pequenos leitores e direta nos médios e grandes. Relativamente à idade também os dois tipos de relações se evidenciam, embora com sentidos diferentes: quanto mais idosos, mais elevadas são as percentagens de pequenos leitores; quanto mais baixa a idade mais elevadas as percentagens de médios e grandes leitores. No tocante à condição perante o trabalho, entre os ativos e, em particular, entre os outros não ativos predominam os pequenos leitores de livros, ao passo que os estudantes se destacam como médios e grandes leitores. E quanto à categoria socioprofissional, os pequenos leitores apresentam diferenças assinaláveis (entre 59% nos PTE e 84% nos TI). Os PTE estão claramente sobrerepresentados tanto nos médios como nos grandes leitores de livros. Estes resultados são, com pequenas diferenças, consistentes com os resultados obtidos em anteriores inquéritos nacionais (Freitas, Casanova e Alves, 1997) (Lopes, Coelho, Neves, Gomes, Perista e Guerreiro, 2001) e internacionais (Donnat, 1998; Salgado, 2000; Griswold, McDonnell e Wright, 2005: 129). A comparação de Portugal no contexto europeu, relativamente à leitura de livros e especificamente quanto à segmentação por sexo, para além de confirmar a dominância feminina, comum a todos os países observados, confirma igualmente as baixas percentagens registadas em Portugal, e para ambos os sexos (Beck-Domzalska, 2011: 176-179)107. Por nível educacional, se é verdade que o país regista o valor médio mais fraco (pouco mais que 40%) no conjunto dos países considerados, no nível mais baixo Portugal tem uma percentagem apesar de tudo superior à de alguns outros países (Bulgária, Grécia) e semelhante à da Itália, e nos níveis médio e alto situa-se igualmente acima de vários outros países. É no indicador de intensidade (número médio de livros lidos nos últimos 12 meses) que Portugal volta a apresentar resultados esperados, ou seja, por um lado, é o país que regista a percentagem mais elevada de pequenos leitores (1 e 3 livros) e, por outro, aquele em que a percentagem de grandes leitores (mais de 12 livros) é a mais baixa (idem: 178). 107

Dados do Adult Education Survey, com referência a 2007 e à população com idades entre os 25 e os 64 anos. Abrange 20 países. Reporta-se à leitura de livros como atividade de lazer.

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Género de livros A desagregação por género de livros revela uma amplitude percentual relativamente elevada que oscila entre 2% e 18%. Entre os mais referidos situam-se os romances de amor (18%), os romances de grandes autores contemporâneos e os policiais/espionagem/ficção científica (ambos representam 17%). Entre os géneros menos referidos estão os livros de poesia (5%), os livros infantis/juvenis (3%) e os livros de arte/fotografia (2%). Os mais jovens preferem a banda desenhada, os mais velhos os ensaios políticos, filosóficos ou religiosos. Nos livros infantis/juvenis, de culinária/decoração/jardinagem/bricolage e nos romances de amor a dominância é claramente feminina; na banda desenhada é claramente masculina e apenas no género enciclopédias/dicionários a distribuição é equilibrada. Estas segmentações estão de acordo com os resultados de outros estudos, realizados tanto em Portugal (Pais, Nunes, Duarte e Mendes, 1994: 211) como em França (Donnat, 1994) ou em Espanha (Ariño, 2010), em particular no que se refere aos géneros romances de amor (predominantemente feminino) e policiais/espionagem/ficção (predominantemente masculino). Segundo a categoria socioprofissional, na maioria dos géneros os valores percentuais mais elevados recaem nos PTE. Apenas os livros de culinária/decoração e os romances de amor registam preferências mais elevadas por parte dos EE. A situação mais comum é a leitura não apenas de um mas de vários géneros de livros: 79% dos leitores declara ler dois ou mais. Mas antes de observar com maior detalhe a cumulatividade importará analisar a especificidade. De acordo com o peso específico (percentagem dos que mencionaram ler apenas um género, que nos livros é de 21%) constata-se que é nos romances de amor que o valor é mais elevado, e mesmo assim de apenas 4%. Seguem-se os livros científicos e técnicos e os policiais/espionagem/ficção científica (ambos com 3%), os romances de grandes autores contemporâneos, os ensaios políticos, filosóficos ou religiosos, os livros escolares e os romances históricos (todos com 2%). Estes valores evidenciam portanto baixos níveis de leitores especializados. Do ponto de vista da cumulatividade evidencia-se normalmente um género entre vários. Uma análise multivariada dos géneros de livros permitiu identificar cinco grupos ou perfis-tipo108 de leitores (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007: 103-104). O grupo romance (29%) evidencia-se pela leitura de romances de amor; o grupo designado por ficção (22%) por uma forte incidência na leitura de livros policiais/espionagem/ficção científica; o grupo escolares e práticos (19%) caracteriza-se essencialmente pela leitura de romances históricos, de livros escolares, de viagens/explorações/reportagens e de culinária/decoração/jardinagem/bricolagem e diferencia-se dos demais pela leitura de livros infantis/juvenis; o grupo técnicos (18%) demarca-se principalmente pela leitura de livros científicos e técnicos; finalmente, o grupo designado por vária (13%) 108

Perfis-tipo identificados com base numa análise multivariada (K-means cluster).

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caracteriza-se pela leitura de vários géneros com destaque para romances de grandes autores contemporâneos e de ensaios políticos, filosóficos e religiosos, sendo que marca ainda presença assinalável neste grupo a leitura de obras de consulta como dicionários e enciclopédias. A distinção, no inquérito A Leitura em Portugal, dos três contextos de leitura (lazer, escolar e profissional) permite concluir que a leitura de lazer se destaca com clareza (87%) face às demais – a profissional e a educativa (obrigatória) com 23%, e a educativa (não obrigatória) com 33%. Mas importa procurar entender qual a relação entre as razões profissionais e de lazer: serão cumulativas ou mutuamente exclusivas? Para a maioria (69%) resume-se à leitura de lazer, confirmando-se assim, de novo, que esta é a principal razão da leitura de livros. Contudo, um em cada cinco leitores lê por prazer e por razões profissionais.

Género de jornais e de revistas Entre os tipos/géneros de jornais mais referidos avultam os generalistas/informação – diários (67%), ao passo que, pelo contrário, os culturais e os económicos são claramente minoritários (4% e 2%, respetivamente). Saliente-se ainda o impacto dos jornais de distribuição gratuita, lidos habitualmente por 23% dos inquiridos O peso específico, que se refere àqueles que lêem apenas um género, representa 33%, portanto significativamente superior ao dos livros (21%). É nos jornais generalistas/informação – diários que se encontra o valor mais elevado (21%). Seguem-se, a larga distância, os desportivos (4%) e os jornais de distribuição gratuita (menos de 2%). O peso específico dos que lêem apenas jornais culturais é irrelevante e os que lêem apenas jornais económicos é nulo. Contudo, também a leitura dos géneros de jornais é frequentemente cumulativa, embora um deles seja dominante. Relativamente a este suporte a análise multivariada109 permitiu identificar cinco perfistipo: quotidianos gerais (44%); locais quotidianos (22%); desportivos quotidianos (14%); cumulativos (10%); desportivos não quotidianos (10%) (ver Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007: 89-91). Relativamente à leitura de revistas, as mais lidas são as femininas (37%), as de informação geral (21%) e as de vida social (20%). Entre as habitualmente menos lidas estão as de informação económica/gestão e as de vídeo/cinema/fotografia (ambas com 4%) e as eróticas (1%). Também quanto a este suporte será útil referir o peso específico global e dos géneros. São 32% os que lêem um único tipo de revista, percentagem que está próxima da dos jornais (33%, recorde-se) e ambas algo distantes da dos livros (21%). Quanto aos géneros o peso específico mais elevado situa-se nas revistas femininas (12%). Seguemse as revistas incluídas nos jornais (com 5%), as de informação geral (4%), as de vida 109

Perfis-tipo identificados com base numa análise multivariada (K-means cluster).

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social e as de desporto, automóveis e motos (ambas com 3%). O peso dos que apenas lêem revistas de banda desenhada ou de lazer/espetáculos (música, cinema) não chega a representar 1%. Identificaram-se ainda três perfis110 de leitores de revistas: feminino (46%); generalista (45%) e cumulativo (8%) (ver Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007: 95-97).

Locais de leitura Nas sociedades ocidentais são múltiplos os locais que reúnem condições para a prática da leitura (Griswold, 2008: 53). Embora o espaço doméstico, privado, seja por norma o que reúne mais e melhores condições, outros espaços públicos ou semipúblicos são propícios (Horellou-Lafarge e Segré, 2003: 104). Em Portugal, como noutros países, é comum ver pessoas a ler nos mais diversos locais – praças, jardins, praias, cafés, restaurantes, transportes públicos e, claro, em bibliotecas. Qual o significado percentual dos leitores nesses vários locais? E que suportes são lidos em que locais? Os resultados obtidos confirmam que a casa é claramente o local privilegiado na leitura de livros (96%) mas o mesmo não se passa com os outros dois suportes (quadro 3).

Quadro 3 Locais de leitura por Suporte (percentagem das bases) Suporte Locais de leitura Livros Jornais Revistas Em casa 96,3 61,3 82,0 Na escola 9,5 1,5 2,9 No local de emprego/trabalho 8,4 22,7 20,8 Em bibliotecas, mediatecas ou 6,5 1,1 1,1 Nos transportes públicos 5,3 8,4 8,1 arquivos No café ou restaurante 4,3 61,9 29,1 Em casa de familiares 2,3 4,7 6,1 Em casa de amigos/colegas 1,4 3,9 7,2 Bases 1.452 2.119 1.863 Nota: pergunta de resposta múltipla. Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 116).

Já quanto à leitura de jornais o café ou restaurante (62%) supera ligeiramente a opção em casa (61%) e, embora a grande distância, o local de emprego/trabalho tem, apesar de tudo, um peso significativo (23%). Entre os locais de leitura de revistas volta a 110

Perfis-tipo identificados com base numa análise multivariada (K-means cluster).

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evidenciar-se a casa (82%) seguida, a larga distância, do café ou restaurante (29%) e o local de emprego/trabalho (21%). As bibliotecas, mediatecas ou arquivos, bem como a escola, são os locais menos referidos tanto para a leitura de jornais como de revistas registando ambos um valor residual de 1%. Assim, do ponto de vista dos locais de leitura dos três suportes considerados, os livros evidenciam-se pela elevada concentração num único, o doméstico, a leitura de jornais é a mais desconcentrada, realizada em locais públicos e semipúblicos, ocupando a leitura de revistas uma posição intermédia, ainda que mais próxima da dos livros. Estas diferenças estão associadas a caraterísticas sociais dos leitores. De facto, operários (e homens) destacam-se pela leitura de jornais em cafés e restaurantes, ao passo que os empregados executantes (e mulheres) se destacam nas leituras em transportes públicos, e os empresários, dirigentes e profissionais liberais (mulheres nos livros e revistas, sem diferenças de relevo entre os sexos nos jornais) no local de trabalho (Neves, 2011: 239).

Meios de acesso aos livros, bibliotecas domésticas e frequência de bibliotecas São vários os meios de acesso aos livros, entre eles a aquisição (direta ou indireta, por via de ofertas), o empréstimo por conhecidos e familiares, as bibliotecas domésticas e a frequência de, entre outras, as bibliotecas públicas. Em 2007 perto de metade dos inquiridos (47%) comprou pelo menos um livro, sem ser escolar ou profissional, no último ano. Os compradores de livros são sobretudo pequenos (1 a 5 livros, com 32%), sendo que apenas em pequena percentagem (5%) são grandes (mais de 11 livros). Os que declaram não ter adquirido livros são sobretudo homens (62%). Quanto mais elevada a formação escolar menor a percentagem dos que não compram livros sem serem escolares ou profissionais. Está presente uma relação direta com a idade, ou seja, quanto mais avançada maior a percentagem dos que não compram livros. As livrarias – situadas ou não em centros comerciais – são os principais e mais frequentes locais de compra de livros. Os super/hipermercados, as feiras do livro e os quiosques/tabacarias registam valores intermédios. Numa perspetiva diacrónica, tendo em conta os dados de 1995 (Freitas, Casanova e Alves, 1997: 158) e de 2007, a conclusão mais saliente é que as livrarias continuam a ser, destacadamente, o principal local de aprovisionamento. Constata-se ainda uma evolução positiva das compras nas feiras do livro e nos super/hipermercados. Os valores relativos à compra de livros não escolares nem profissionais pela Internet mostram que este canal (na transição de 2006 para 2007 ainda com uma oferta reduzida em Portugal) através de sites portugueses (a resposta nunca significa 94%) ou estrangeiros (a resposta nunca é 95%) é pouco utilizado. Estes valores estão em linha com os da compra de livros, revistas ou material de aprendizagem, mas que têm vindo 138

a crescer: 7% e 9% em Portugal contra uma média de 18% nos países da UE em 2006 e 2009 (Beck-Domzalska, 2011: 191). O livro é também um objeto de oferta. Dos que compraram livros para oferecer no último ano (85%), mais de metade compraram com alguma ou mesmo muita regularidade. A compra com este objetivo é mais frequente entre as mulheres e os mais escolarizados. Em termos etários, as diferenças não são muito acentuadas, embora se note que os indivíduos com idades compreendidas entre os 35 e os 54 anos são os que mais frequentemente compram livros para oferecer (60% fazem-no muitas ou algumas vezes), enquanto os que têm mais de 55 anos são os que menos frequentemente o fazem (57% das respostas incidem em raramente e nunca). Do ponto de vista da categoria socioprofissional, os profissionais técnicos de enquadramento são os que mais frequentemente compram livros para oferecer (71% muitas e algumas vezes), enquanto os operários são os que menos o fazem (34%). De 1995 para 2007 verifica-se um aumento significativo daqueles que com maior regularidade compram livros para oferecer (muitas ou algumas vezes): de 37% para 55% (Freitas, Casanova e Alves, 1997: 167). Outros meios de acesso aos livros são, naturalmente, utilizados: pedir livros emprestados (42%), requisitar livros em bibliotecas e fotocopiar livros profissionais ou escolares (15% e 16%, respetivamente), fotocopiar outros livros (11%) e fazer download (8%). Ou seja, a nova relação com os livros que Pronovost (1996: 33) identifica com base no empréstimo domiciliário das bibliotecas – em que o livro é menos objeto de coleção e de posse e mais de empréstimo – não parece ter grande reflexo em Portugal. Neste mesmo sentido apontam Kovac e Sebart (2006) quando relacionam compra de livros e empréstimo domiciliário das bibliotecas públicas nos países da UE, uma vez que Portugal regista um dos mais baixos valores de empréstimos per capita por ano (0,3 contra 13,4 da Dinamarca, máximo, com a Grécia no valor mínimo, 0,2), o qual contrasta vivamente com as vendas de livros per capita (4,7 contra 7,9 da Bélgica, valor máximo, com a Holanda no valor mínimo 2,5).

Bibliotecas domésticas Os livros são objetos muito presentes nos lares. Em maior ou menor quantidade, em 2007 a quase generalidade (92%) dos portugueses tem livros em casa. Esta percentagem marca uma evolução positiva relativamente a 1995, ano em que era 85% (Freitas, Casanova e Alves, 1997: 146-147). A existência conjugada de livros de estudo ou profissionais e de lazer é a mais comum (60%), ao passo que apenas 9% têm em casa sobretudo livros de estudo ou profissionais e 31% apenas livros de lazer. Quanto ao géneros de livros, os três principais são enciclopédias/dicionários, livros escolares e 139

culinária/decoração/jardinagem/bricolage. Em comparação com 1995 os géneros apresentam algumas alterações quer em termos das respetivas percentagens quer em termos de hierarquia: escolares e enciclopédias/dicionários (estes últimos registam em 2007 valores substancialmente mais altos: de 57% em 1995 passaram para 82%), seguidos de perto por romances, e só depois surgem os de culinária/decoração/jardinagem/bricolage. Esta alteração é parcialmente justificada com o facto de o género “romances” ter sido desagregado em 2007 em três: romances de amor, históricos e de grandes autores contemporâneos. Embora não tão evidente, o referido aumento percentual ocorre em todos os outros géneros de livros considerados nos dois estudos. Uma outra abordagem refere-se ao número de livros existentes em casa, excluindo os escolares. Entre aqueles que afirmam que têm livros (que são, recorde-se, 92%), a maioria (54%) refere ter até 50 livros. Os dois escalões seguintes registam ainda percentagens significativas – entre 51 e 100 livros com 22% e entre 101 e 500 com 16%111. Com mais de 500 livros apuram-se 2,5%. Deste modo, o número redondo de 500 livros configura o patamar a partir do qual as bibliotecas domésticas são muito raras. Em comparação com o inquérito de 1995 a principal conclusão que se pode tirar é que aumentaram de modo significativo as bibliotecas domésticas de média dimensão (Freitas, Casanova e Alves, 1997: 150).

Frequência de bibliotecas As bibliotecas, em particular as públicas, são infraestruturas centrais da cultura de leitura pela importância atribuída à relação com os seus públicos, por definição todos os públicos, e porque, como equipamento cultural, a sua função primordial é proporcionar a leitura como prática cultural. São vários os usos das bibliotecas, a que correspondem diferentes perfis de utilização (Rodrigues, 2007): como local de aprovisionamento de livros, para além de suportes audiovisuais e de suportes de música para ler, visionar ou ouvir noutros locais (principalmente em casa, na modalidade empréstimo domiciliário), mas também como local de leitura, visionamento e audição, e ainda, como vários estudos mostram, para usos não culturais, designadamente como local de estudo, uma vez que os seus usuários mais regulares são predominantemente estudantes (Lopes e Antunes, 2000; Rodrigues, 2007; Ariño, 2010: 75).

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Note-se que neste indicador uma outra fonte revela valores substancialmente mais elevados em 2007: 28% da população com 25-64 anos tem mais de 100 livros em casa (Beck-Domzalska, 2011: 180). Mas o principal interesse desta fonte é a perspetiva comparativa da posição de Portugal quanto ao número de livros existentes em casa (escalões utilizados: 0-25, 26-100, mais de 100) relativamente a outros países. Deste ponto de vista, refira-se apenas que Itália, Grécia e Croácia registam taxas mais elevadas do que Portugal no escalão 0-25 livros.

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Viu-se já que as bibliotecas ocupam um lugar modesto entre os locais de leitura,de livros (7%) e residual no que toca aos jornais ou revistas (1%). Quanto à frequência de bibliotecas, todos os tipos considerados, é referida por 17%. Observadas por tipo, as municipais são as mais frequentadas (12%), seguidas das escolares (6%) e das universitárias (3%). Quanto às secções procuradas pelos utilizadores das bibliotecas públicas, o texto impresso suplanta largamente as TIC. Tendo em conta os valores relativos à ausência da prática (nunca), na procura da secção de leitura geral é de 16%, ao passo que no acesso à Internet é de 48%, à música é de 56% e a procura de filmes é de 58%. Em comparação com os países da União Europeia, a visita a bibliotecas públicas em Portugal regista 24% para uma média de 35% (Eurobarómetro 278, 2007). Apesar deste desnível de 11 pontos percentuais verifica-se que, ao contrário da leitura de livros, são vários os países cujas percentagens são mais baixas do que a portuguesa. Chipre (13%), Grécia (15%) e Bulgária (19%) são os casos mais evidentes, mas também Luxemburgo e Roménia têm valores mais baixos. Malta e Áustria apresentam valores similares ao português. E quanto ao número de visitas, embora também aqui com desníveis menos acentuados do que na leitura de livros, a realidade é que se repete, comparativamente, a subrepresentação dos grandes frequentadores, constatação que está em linha com a conclusão do estudo Promoção da Leitura nas Bibliotecas Públicas no que se refere à fraca capacidade de atração dos grandes leitores por parte das bibliotecas públicas em Portugal (Neves e Lima, 2009: 173-176).

A leitura no conjunto das práticas culturais e de lazer Para além das atividades de consumo e de participação cultural ligadas à vida intelectual e artística, que envolvem disposições estéticas, outras atividades de tempo livre, realizadas sem finalidade produtiva e em que os indivíduos encontram possibilidade de expressão, tendem a ser incluídas no campo das práticas culturais (Coulangeon, 2005: 3-4), até porque os termos que compõem o “duo cultura e tempos livres […] parecem, co-extensivos”, ainda que a cultura não se esgote nas “atividades reservadas aos tempos livres” (Santos, 1994: 432). Adota-se aqui, portanto, uma definição aberta, comum nos inquéritos sociológicos, que abrange atividades de “semilazer”, uma vez que participam na definição dos estilos de vida e da identidade cultural de certos grupos sociais (Coulangeon, 2005: 4) e ainda atividades ligadas às novas tecnologias. Procura-se, ainda, identificar o lugar da leitura de lazer no conjunto mais vasto de atividades associadas ao espaço doméstico ou indoor (Conde, 1996). Uma primeira abordagem deixa claro que a leitura de livros, como prática quotidiana, ocupa um lugar modesto relativamente a várias outras, nas quais se destacam desde

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logo ver televisão e ouvir rádio, mas também a leitura de jornais e a utilização da Internet (quadro 4).

Quadro 4 Frequência de realização de Práticas culturais (percentagem em linha) n = 2.552 Frequência de realização Pelo menos Práticas Total Diariamente uma vez Raramente Nunca Ns/Nr ou quase por semana Ver televisão 97,5 1,3 1,1 0,1 – 100,0 Ouvir rádio 71,2 12,6 11,6 4,7 – 100,0 Ler jornais 64,9 16,8 4,7 13,4 0,2 100,0 Ler revistas 52,4 14,4 6,0 27,0 0,2 100,0 Ouvir música gravada em mp3, CDs, LPs ou 39,2 19,9 21,8 19,0 – 100,0 cassetes Usar a Internet 30,6 7,6 5,0 56,6 0,2 100,0 Ler livros (excluindo escolares ou 17,3 21,2 21,4 39,8 0,4 100,0 profissionais) Ver filmes em vídeo ou DVD 9,5 40,9 29,0 20,6 – 100,0 Jogar jogos eletrónicos (consolas, 8,9 9,9 16,2 64,8 0,2 100,0 telemóvel, computador) Jogar outros jogos (cartas, xadrez) 4,6 13,6 31,5 50,2 0,2 100,0 Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 99, 150).

Mais detalhadamente, as práticas consideradas correspondem a diferentes volumes de praticantes e a diferentes intensidades de realização, porém sempre em patamares relativamente elevados. Como seria de esperar, a mais generalizada e frequente é o visionamento de televisão. De facto, 98% vêem televisão Diariamente ou quase. Aqueles que ouvem rádio diariamente ou quase chegam aos 71%. Pelo contrário, noutras atividades os valores relativos à ausência de realização são superiores a 50% dos inquiridos. Destas, a que mais se destaca é jogar jogos eletrónicos em que a opção de resposta nunca chega aos 65%. Sobressaem também os 57% que nunca utilizam a Internet e os 50% que nunca jogam (jogos de cartas, xadrez). Ainda quanto à utilização da Internet fica patente a conhecida polarização entre o uso frequente (31% diariamente ou quase) e a ausência de uso (os referidos 57% de nunca). A leitura de jornais regista uma taxa de realização elevada (cerca de 87%) e sobretudo uma 142

frequência de realização diária assinalável (65%). Mais modesta é a leitura de revistas tanto em termos de realização (73%) como de realização mais regular, embora ainda assim assinalada pela maioria dos inquiridos (52%). Quanto à leitura de livros (excluindo escolares ou profissionais) apresenta, como se esperaria, valores mais baixos tanto em termos de realização (60%) como de frequência de realização, em que as opções que mais se destacam são raramente e pelo menos uma vez por semana (ambas com 21%). Importa identificar o lugar do conjunto dos três suportes de leitura entre as demais práticas culturais. Assim, a leitura de jornais é, embora com índices mais baixos, a mais próxima das atividades mais generalizadas na vida quotidiana (ver televisão e ouvir rádio) e até com um peso superior à audição de música gravada. A leitura de revistas destaca-se também entre aquelas com mais elevada frequência, mas também quanto à não realização. A leitura de livros regista o valor mais significativo na realização pelo menos uma vez por semana, em que apenas é superada por ver filmes em vídeo ou DVD (21% contra 41%). Tendo em conta outros estudos que incluem as práticas aqui consideradas, parece manter-se estável o grupo das mais regulares, com o audiovisual à cabeça, entre os quais se situam, embora num patamar mais modesto, os três suportes de leitura, sendo o dos jornais o menos modesto (Pais, Nunes, Duarte e Mendes, 1994: 86; Freitas, Casanova e Alves, 1997, 53; Lopes, Coelho, Neves, Gomes, Perista e Guerreiro, 2001: 111-139; Santos, Gomes, Neves, Lima, Lourenço, Martinho e Santos, 2002: 205). Note-se ainda que a leitura de livros e jornais é uma das características mais marcantes dos públicos cultivados (Santos, Gomes, Neves, Lima, Lourenço, Martinho e Santos, 2002: 259) ou, numa outra perspetiva, do universo dos consumidores culturais regulares (Silva, Luvumba, e Bandeira, 2002: 182). A comparação do tempo gasto ao longo de um dia normal, excluindo o período de férias, em quatro atividades, aquela em que os inquiridos gastam mais tempo é, como se esperaria, o visionamento de televisão (quadro 5). São 86% os que vêem mais de uma hora de televisão por dia. A audição de música, não sendo tão exigente em tempo consumido como o televisionamento – até porque, frequentemente, é realizada como atividade secundária – é, no entanto, considerável uma vez que 46% ouvem mais de uma hora por dia. Por sua vez, 12% gastam mais de uma hora por dia a ler, enquanto na utilização da Internet isso acontece a 21%.

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Quadro 5 Tempo gasto ao longo de um dia normal (excluindo férias) a ver televisão, ouvir música, ler e utilizar a internet (percentagem em linha) n = 2.552 Tempo gasto ao longo de um dia normal Entre Entre 1 Entre 2 Mais Até ½ Actividades Nenhum ½e1 e2 e4 de 4 hora Ns/Nr tempo hora horas horas horas por dia por dia por dia por dia por dia Ver televisão 0,4 2,9 9,8 39,9 30,9 14,8 1,3 Ouvir música 6,0 19,4 25,6 21,3 9,9 14,6 3,2 Ler 16,2 45,8 24,1 8,1 2,5 1,3 2,0 Utilizar a internet 59,3 8,5 8,6 9,2 6,0 5,9 2,5 Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 166).

Total

100,0 100,0 100,0 100,0

Práticas de leitura e novas tecnologias A partir de meados da década de noventa do século passado, a utilização da Internet difundiu-se pelo mundo a uma velocidade muito superior à de qualquer outro meio de comunicação ao longo da história (Cardoso, Costa, Conceição e Gomes, 2005: 81). Assim, o advento e rápida generalização das novas tecnologias da informação, em particular da Internet, configuram o que alguns autores apelidam de terceira revolução da leitura112 que se caracteriza pela leitura em suporte digital e pela transmissão eletrónica de textos (Cavallo e Chartier, 2001: 51). De acordo com o inquérito A Leitura em Portugal (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007: 129), procurar informações úteis é o uso mais generalizado da Internet (92%) seguido da comunicação com familiares, amigos ou conhecidos (programas de conversação, correio eletrónico, etc.) (83%). A leitura de livros ocupa lugares mais modestos: os de estudo/profissionais registam, ainda assim, 21% das preferências, ao passo que a leitura de livros de ficção é substancialmente mais baixa, apenas 4%. A informação mobilizada a propósito da utilização das novas tecnologias para aceder a livros e a outros textos online mostra que os níveis113 eram ainda baixos. O valor mais 112

Os autores situam a primeira revolução no século XV, com a imprensa, e a segunda na última metade do século XVIII, com a massificação da oferta de livros e a passagem da leitura intensiva à leitura extensiva. Intensiva num contexto de baixa oferta de livros e leitura repetida de um mesmo livro, em particular a Bíblia. 113 Não obstante, no uso da Internet para fins culturais, Portugal situa-se acima da média europeia no indicador “reading/downloading online newspapers/news magazines”, 45% contra 35% (BeckDomzalska, 2007: 144-145). Em 2011, de acordo com o Inquérito Sociedade em Rede, com maior ou menor frequência, 13% leram online ou fizeram download de livros e 35% consultaram sites/jornais

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elevado, 11%, reporta-se aos jornais nacionais. Contudo, assinale-se que a leitura de jornais estrangeiros online é ligeiramente mais alta do que em suporte papel. Por outro lado, a leitura de revistas estrangeiras em papel regista valores mais elevados do que os jornais (12% contra 1,6%) mas a leitura online é praticamente a mesma (cerca de 2%).

A leitura de livros e o uso da Internet: uma relação cumulativa Tendo presente que, com frequência, o advento de um desenvolvimento tecnológico promove em vez de eliminar aquilo que era suposto substituir (como o livro em CDROM) (Manguel, 1999: 144), mas também os impactos da televisão nas práticas de leitura de livros, a Internet vem suscitando a interrogação sobre se os seus impactos serão semelhantes. Wendy Griswold e Nathan Wright (2004) analisam a relação entre leitura e Internet, com base no tempo a elas dedicado, de acordo com duas perspetivas que apelidam de soma nula (“zero sum”) e cumulativa (“more-more”). A primeira baseia-se na perceção de que o tempo gasto numa atividade significa menos tempo ocupado na outra. Por seu turno, o ponto de vista que sustenta que as duas atividades são cumulativas preconiza que as pessoas que passam mais tempo na Internet passam também mais tempo a ler. Significa homogeneidade social entre os utilizadores frequentes da Internet e os leitores regulares, ou seja, os perfis de uns e de outros serão semelhantes (idem: 204). Como se relaciona então a leitura de livros (excluindo escolares ou profissionais) com o uso da Internet em Portugal no início do século XXI? A resposta é que quanto mais elevada a frequência da leitura de livros, maior a percentagem dos que usam regularmente a Internet; e inversamente, à medida que decresce a referida frequência, mais elevadas são as percentagens daqueles que nunca usam a Internet (Neves, 2010; 2011). O cruzamento dos dois indicadores deu lugar a uma tipologia com quatro tipos: nunca as duas (32%); nunca a Internet mas sim leitura de livros (25%); nunca leitura de livros mas sim Internet (8%); e sim as duas práticas (35%). Os perfis sociais predominantes associados a cada tipo são, naturalmente, diferentes. Destaca-se aqui apenas o perfil dos leitores de livros e utilizadores da internet (sim as duas práticas), o qual se caracteriza por distribuições equilibradas pelos dois sexos (sendo, apesar de tudo, as mulheres sensivelmente mais leitoras e os homens sensivelmente mais utilizadores da Internet), juvenilizado, qualificado do ponto de vista da escolaridade, com um peso muito significativo entre os estudantes e com destaque novamente para a categoria socioprofissional mais qualificada, os PTE. Estes resultados permitem confirmar a relação de cumulatividade (more-more) entre a leitura de livros e o uso da Internet e online sobre desporto, 1,5% tem tablet e 1% leitor de e-books (Cardoso, Espanha, Mendonça, Paisana e Lima, 2012: 21; 8).

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também o perfil dos que nunca lêem livros (excluindo escolares ou profissionais) nem usam a Internet, que corresponde à alternativa a que Griswold e Wright (2004) se referem (less-less).

Conclusão As práticas de leitura têm sido objeto de estudo em vários contextos nacionais, incluindo o português. Os estudos, designadamente os sociológicos, têm uma espessura temporal alargada o que permitiu acompanhar as evoluções entretanto ocorridas. Contudo, os até agora realizados não refletiam ainda a atual era digital. De facto, a crescente afirmação das publicações eletrónicas, associadas aos aparelhos de leitura específicos, portáteis, constitui uma dimensão fundamental da leitura que suscita inúmeras perguntas para as quais as respostas são ainda escassas. No caso de Portugal isso é particularmente notório uma vez que o último inquérito à escala da população remonta a 2007, altura em que as publicações eletrónicas, em particular o e-book, eram ainda uma realidade pouco significativa. O presente capítulo constitui, por isso, um certo regresso a um passado recente de modo a melhor se entender, com a realização de novos estudos, as mudanças entretanto ocorridas na sociedade portuguesa quanto à leitura em geral, ao impacto da leitura digital em particular, em termos dos níveis de leitura da população, quanto aos usos e tipos de práticas e quanto aos perfis sociais dos leitores. Para tal tiveram-se em conta as instituições e as características da população portuguesa no que toca aos determinantes sociais da leitura, tendo presentes os perfis sociais dos leitores – tendencialmente mais jovens, qualificados em termos de escolaridade e também em termos da atividade socioprofissional exercida quando ativos. E com predominância feminina. Mas este perfil social apresenta especificidades relevantes quando se consideram algumas variáveis, designadamente o suporte (a leitura é uma prática feminizada nas revistas e livros, não nos jornais), o contexto de leitura (de lazer, profissional) ou os géneros de livros, revistas e jornais. Por exemplo, a segmentação por sexo mostra bem que determinados géneros, como os romances, são de facto uma leitura feminina, e que os livros técnicos e científicos são predominantemente masculinos, embora as diferenças de sexo se atenuem à medida que sobem os níveis de qualificação. A estrutura da sociedade portuguesa vem registando importantes transformações quanto aos determinantes sociais da leitura, em particular nas qualificações escolar e socioprofissional e, portanto, no sentido de melhorar as condições para as práticas de leitura. Os resultados dos estudos mostram uma evolução positiva até 2007, embora ainda com níveis relativamente baixos comparativamente com países cujos espaços Portugal integra, desde logo a União Europeia.

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Uma questão que os inquéritos deixam em aberto, e que apenas com novos estudos pode ter resposta, é até que ponto a evolução da estrutura da sociedade portuguesa, associada às medidas de políticas públicas nos domínios educativo e cultural entretanto postas em marcha, como o Plano Nacional de Leitura, poderão ter impulsionado os níveis das práticas de leitura da população portuguesa para patamares mais próximos das médias europeias. Outra questão a que só novos estudos poderão responder reporta-se ao impacto da leitura digital, em absoluto, e na relação com a leitura em suportes impressos, na dupla perspetiva dos tipos de práticas e dos perfis sociais dos leitores. Se os estudos parecem afastar os receios quanto às eventuais implicações da Internet na diminuição da leitura, durante algum tempo comparadas com a televisão, ou seja, atuando como concorrente, dado que concluem por um reforço mútuo positivo, permanece contudo – entre outras – a dúvida sobre se a leitura de publicações impressas e eletrónicas contribuirão, em conjunto, para o alargamento da cultura de leitura, uma vez que parece ser certo que contribuem para o reforço das práticas dos leitores regulares.

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5 A leitura digital no mundo. Incursão por alguns estudos internacionais Emanuel Cameira

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Tentando-se traçar o estado da arte da sociologia da leitura feita em Portugal, importa notar que a relação entre as novas tecnologias e as práticas de leitura tende a ser lateralizada enquanto objecto de estudo. Colocada a leitura no conjunto das práticas culturais e de lazer, e apesar da recente tese da autoria de José Soares Neves (2011) mobilizar já alguns dados relativos ora à leitura de jornais e revistas online ora ao nexo estabelecido entre a leitura de livros e a utilização da Internet (os dados estatísticos de suporte, esses, foram obtidos por via do inquérito A Leitura em Portugal, realizado em 2007 pelo Observatório das Actividades Culturais114), na verdade a própria natureza da distinção entre “leitores de livros” e “utilizadores da Internet” deixa entrever algum impasse analítico, não se chegando efectivamente a privilegiar “o que alguns autores apelidam de terceira revolução da leitura, que se caracteriza pela leitura em suporte digital e pela transmissão electrónica de textos” (Neves, 2011: 288), enquanto domínio central de análise sociológica. Porém, é nesse alinhamento que vários estudos ou inquéritos internacionais tendem actualmente a posicionar-se, vários deles provenientes de fora do campo académico. O que neste capítulo se dá a conhecer são fundamentalmente algumas das principais interrogações e conclusões a que esses mesmos estudos ou inquéritos foram chegando nos últimos anos. Survey analysis: consumer digital reading preferences reveal the exaggerated death of paper, Gartner, Inc., 2011

Em 2010 a norte-americana Gartner, empresa líder em termos mundiais no que se refere à pesquisa e consultoria em matéria de tecnologias de informação, elaborou um inquérito a uma amostra de 1569 indivíduos de seis países (Estados Unidos, Reino Unido, China, Japão, Itália e Índia) visando recolher informação acerca das suas experiências subjectivas de leitura tanto no suporte papel como digital. De acordo com o coordenador do estudo, tratou-se pois de perceber em que medida os media digitais estariam ou não a canibalizar os media impressos, uma vez que se tem vindo por exemplo a assistir a um genérico declínio da venda de jornais. Todavia, no estudo realizado pela Gartner, apesar de não se verificar a mera substituição de suportes por parte dos sujeitos leitores, chega-se à conclusão de que o tempo que os indivíduos ocupam lendo diante de um ecrã digital é hoje praticamente igual ao que destinam ao consumo de textos em papel. Introduzindo o factor geracional, é nos mais novos que se nota maior satisfação pelas leituras feitas em ecrã, com os indivíduos compreendidos na faixa etária entre os 40 e os 54 anos a serem aqueles que manifestam menor agrado relativamente a uma experiência de leitura desse tipo. Quando a variável trazida para a análise se reporta 114

Encomendado no âmbito do Plano Nacional de Leitura.

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ao género dos inquiridos, quer homens quer mulheres tendem genericamente a considerar a actividade de leitura efectuada através de suportes digitais como sendo de grau de dificuldade maior ou equivalente à leitura de material impresso. Ainda assim, quando comparamos, são sobretudo os homens quem afirma ser mais fácil a leitura sobre suporte digital. A inexistência de um padrão único para o que se designa de leitura digital leva também a própria análise da Gartner a sublinhar que o acto de ler uma mensagem de telemóvel possui características perceptivas distintas daquela leitura levada por exemplo a cabo com um e-reader. Tendo por referência o conjunto dos países abrangidos, destaque para os dados que apontam 40% dos inquiridos sem experiência de utilização de e-readers (Amazon Kindle, Nook, etc.), atingindo mesmo os valores de 75%, 56% e 57% nos casos da Índia, Reino Unido e Estados Unidos respectivamente. São os indivíduos de nacionalidade chinesa, nomeadamente residindo em áreas urbanas, os que revelam maior familiaridade com os e-readers. Talvez também por isso, dos inquiridos dos seis países, são eles os que entendem ser mais fácil a leitura com recurso a esses gadgets, algo que não deixa de reflectir o elevado rendimento e nível de instrução da amostra correspondente à realidade chinesa. De realçar igualmente o facto de a maioria dos utilizadores de tablets e iPads (52%) afirmar que a leitura em ecrã é mais fácil que a leitura em papel, ao passo que 42% considera a existência de um nível de dificuldade equivalente. Da parte daqueles que utilizam computadores portáteis, 47% acha a leitura feita através desse dispositivo mais difícil do que se realizada em suporte papel, sendo 33% da opinião que não existem grandes diferenças em termos de dificuldade.

PISA 2009 Students On Line: Digital Technologies and Performance, OCDE, 2011

A edição de 2009 do relatório PISA (Programme for International Student Assessment), iniciativa lançada desde 1997 pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e que, de três em três anos, procura monitorizar os resultados dos sistemas educativos de vários países através da medição das competências dos respectivos alunos ao nível da leitura, da matemática e das ciências, dedica as páginas do seu volume VI a explorar a utilização que, em 19 países, os estudantes de 15 anos fazem das tecnologias de informação para efeitos de aprendizagem. Neste sentido, não só foram alvo de um teste em computador visando analisar o tipo de habilidade demonstrada em termos de navegação e avaliação da informação online, como também lhes foi aplicado um inquérito por questionário destinado a captar alguma informação sobre o uso dos computadores nos contextos escolar e domiciliar. 157

Ora, diversos aspectos enquadradores deste estudo merecem aqui particular elucidação. Estima-se que, desde há três décadas a esta parte, a utilização do microcomputador aumentou exponencialmente em todo o mundo. Bastará lembrar que perto de dois biliões de pessoas, mais ou menos 29% da população mundial, utilizava a Internet no ano de 2010, com percentagens que variavam dos 77%, para a América do Norte, aos 11%, para o continente africano. O relatório PISA 2009 frisa também o facto de, desde a última década, se vir assistindo à generalização das tecnologias móveis, com os computadores portáteis, smartphones, tablets, etc., a serem adquiridos por um número cada vez mais significativo de indivíduos. Se no que se refere à ligação doméstica de banda-larga apenas 8% da população global se conecta à Internet dessa forma, a percentagem atinge os 14% quando a ligação acontece por via móvel, sinalizando-se assim, à luz do relatório em causa, a crescente importância do acesso móvel à Internet nos países não pertencentes à OCDE. Apesar de o recurso aos dispositivos de comunicação e informação ocorrer numa variedade de contextos e movido segundo diferentes tipos de objectivos, “their most important characteristic is that they all permit the display and perusal of text. (…) As a result, whatever their purposes, tasks or goals, users of computers and networked digital technologies are compelled to read digital texts” (p. 32). De resto, a circunstância de as tecnologias digitais não só envolverem alterações na morfologia, no conteúdo e no próprio tempo de existência dos textos mas sobretudo até na natureza do acto da leitura, acaba por justificar o porquê de, pela primeira vez, um dos principais domínios de interrogação do PISA (a literacia em leitura), ter, na versão de 2009, contemplado a sua componente digital. Nessa medida, perceber as mudanças em questão alicerçando o enfoque mais na esfera das competências de literacia (da proficiência da leitura) do que noutro pressuposto analítico qualquer constitui a singularidade do contributo do PISA, sem nunca descurar a exploração das diferenças e/ou da influência combinada entre a leitura em papel e a leitura digital. Neste seguimento, considerações preliminares do relatório tratam de afirmar que as tecnologias impressa e digital possuem características únicas que, por seu turno, implicam diferenças no modo como determinado texto é produzido, visualmente apresentado/organizado ou inclusive conectado a outros. No que concerne aos textos digitais, o alargamento do acesso à Internet aliado à interactividade que os dispositivos electrónicos possibilitam terá suscitado novas modalidades de comunicação que, por conseguinte, esbatem as tradicionais fronteiras entre texto escrito e conversação oral. De qualquer forma, parte-se do princípio de que “some types of reading are still mostly done using printed materials, while others are specific to the electronic medium. (…) However, a wide range of reading activities can be performed using both types of texts” (p. 36). As diferenças que os textos assumem nas vertentes impressa e digital fazem portanto entroncar noutra direcção a abordagem das competências de literacia. Representando a navegação uma das propriedades da leitura digital mais visíveis, não surpreende que uma das opções analíticas pelas quais o PISA enveredou trate de 158

analisar as sequências de páginas Web que os alunos visitam de maneira a realizarem ou completarem uma particular tarefa. Mas mais do que procurar dissecar aqui qual o tipo de relação existente entre a navegação, esse processo também ele cognitivo repousando na selecção e ordenação de materiais (hiper)textuais como resposta personalizada a necessidades de informação e conhecimento, e as performances dos estudantes em matéria de leituras nos suportes papel e digital, importa mencionar as interpretações facultadas pelo PISA 2009 relativamente ao gosto pela leitura dos estudantes de um leque alargado de países. A este respeito, uma primeira conclusão genérica pode ser retirada. Se se atender à grande maioria dos 65 países participantes nos estudos do PISA, o gosto pela leitura surge intimamente vinculado à proficiência da leitura em papel. Sob que moldes o gosto pela leitura se articula com a proficiência da leitura digital é o que se tenta paralelamente esclarecer, desta feita já só no quadro dos 19 países que optaram por avaliar os desempenhos neste formato. De acordo com os dados apresentados, e tendo sido construído um índice para efeitos dessa aferição, na maioria dos países é bastante assinalável a disparidade entre os estudantes mais e menos entusiastas da leitura, traduzindo-se numa diferença média de 88 pontos na escala referente à (performance da) leitura digital. Quer isto sugerir que, em termos médios, é nos estudantes com menor gosto pela leitura, se os compararmos àqueles mais entusiasmados por essa prática, que se acentua, em dobro, a probabilidade de alcançar fracas performances na leitura online. Contudo, o gosto pela leitura explica menos o grau de variação no plano da leitura digital (14%) do que no da leitura em suporte papel (20%). Resultados esses também exigindo um reparo metodológico, visto que da bateria de onze itens destinada a medir o gosto pela leitura seis deles aludem ao artefacto livro ou, mais ou menos explicitamente, a material impresso. Segundo o relatório PISA, o que fica claro acima de tudo é que, independentemente do medium, o prazer da leitura e as competências requeridas no exercício daquela funcionam dentro de um círculo virtuoso: “students who enjoy reading engage more in reading activities and provide themselves with more opportunities to become better readers. At the same time, the better they read, the more they feel confident about their own reading abilities, the more they read and choose to engage with challenging reading tasks or texts that will allow them to grow as readers” (p. 132). Reenviar a análise para a associação entre a multiplicidade de material impresso que os estudantes lêem e a proficiência da leitura digital é algo a que a edição de 2009 do PISA procede. O mesmo foi feito para a leitura em papel, tendo ficado demonstrado que quem protagonizava práticas de leitura de diversificada índole (perguntava-se com que frequência liam livros de ficção e não-ficção, revistas, jornais, banda desenhada, etc., sempre por prazer e/ou voluntariamente e não por necessidades definidas pela instituição escolar) obtinha melhores desempenhos na leitura desses mesmos textos. De sobressair que os leitores online proficientes coincidem com os estudantes que regularmente lêem uma diversidade de material impresso. Entre os países 159

considerados, apesar de ser inferior a percentagem de variação no desempenho da leitura quando cruzada com a variável diversidade (valores médios de 7% e 6% respectivamente, consoante se centre o foco na leitura levada a cabo em papel ou online - o gosto pela leitura parece, em ambos os suportes, exercer na literacia uma interferência mais determinante), os indivíduos envolvidos em práticas de leitura menos diferenciadas são os que tendem a revelar piores desempenhos em termos da leitura digital. O PISA engloba também uma conclusão que o já referenciado estudo da Gartner vem corroborar. O tempo que os estudantes despendem acedendo a material online vem aumentando, reiterando-se mesmo que muitas das práticas de literacia que previamente ocorriam por intermédio do impresso, tais como a leitura de livros, de jornais ou demais géneros de documentos, abrangem crescentemente o uso de dispositivos electrónicos. O volume III do PISA 2009 (Learning to Learn) divulga que, em termos médios, através dos países da OCDE, a modalidade mais comum de leitura digital indicada pelos estudantes consiste na conversação online, apontando três quartos dos alunos um envolvimento nesse tipo de actividade pelo menos várias vezes durante a semana. A leitura de e-mails (64%) e a pesquisa de informação na Internet (51%) constituem as outras modalidades que os estudantes mais praticam. Ainda de salientar que na maioria dos países é meramente residual a diferença entre rapazes e raparigas relativamente ao modo como utilizam a Internet quando se trata de ler por razões de prazer. Examinando com maior detalhe as práticas de leitura online infere-se a sua divisão em essencialmente duas categorias: a leitura ora enquanto pesquisa de informação ora enquanto actividade social, reproduzindo-se assim a dupla valência que caracteriza largamente a Internet. Se a pesquisa informativa abarca por exemplo a leitura de notícias, o recurso a dicionários, a busca de informação prática ou sobre um tópico específico que interessa aprofundar, o seu carácter de actividade social compreende, entre outras coisas, a leitura de e-mails ou a conversação em rede (aliás duas das principais actividades que os jovens, pelo menos uma vez por semana, realizam no tempo de lazer, mais precisamente no computador de casa). Os dados saídos do PISA esclarecem então que o tempo ocupado pelos estudantes na pesquisa de informação varia conforme o país em questão. Polónia, Coreia, Hungria e Hong Kong-China seriam aqueles onde mais frequentemente os alunos ocupam o seu tempo pesquisando informação online. No pólo oposto contam-se países como a Irlanda, a Bélgica, o Japão ou Macau-China. Distinta é a perspectiva caso se observe o padrão das actividades sociais na Internet. Os estudantes que com maior frequência nelas se envolvem são oriundos de países como a Islândia, a Hungria, a Dinamarca, a Bélgica, a Noruega e a Áustria, atingindo valores mais elevados do que a média da OCDE. Colômbia, Irlanda, Chile, Japão ou Nova Zelândia debatem-se, nesse domínio particular das actividades sociais online, com uma frequência inferior à média da OCDE.

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Todos os 19 países alvo da inquirição do PISA em torno da leitura digital evidenciaram que a uma procura de informação online mais constante está associada uma melhor performance ao nível da leitura digital (a percentagem de variação explicada situa-se nos 7,5%). A relação, contudo, não é totalmente linear. Se por um lado as competências de literacia digital dos estudantes que expressaram um frequente envolvimento em actividades de pesquisa de informação online parecem divergir substancialmente se comparadas com o grupo dos que raramente se dedicam a tais actividades, por outro não se pode falar de uma relação desse tipo quando se considera, em vez deste último grupo, o dos estudantes que moderadamente empreendem essas práticas. Ao situarmo-nos do lado da Internet enquanto tecnologia social, o PISA nota que o conjunto de actividades aí subentendidas se relacionam com a proficiência da leitura digital de modo bastante menos acentuado (a percentagem de variação explicada situa-se em 1,4%). Somente num número reduzido de países (Chile, Colômbia – 8%; Polónia – 6%), tal percentagem de variação aparenta ser mais consistente. Um dos aspectos decisivos a reter daqui será, sem dúvida, o facto de muitas das tarefas orientadas para práticas sociais online, que podem ser incluídas nas de leitura digital, requererem competências básicas com que os jovens de 15 anos já estão familiarizados. Antes de passar propriamente a apresentar os resultados a que o PISA chegou para os diferentes países na tentativa de comparar as médias de desempenho dos estudantes quer em termos da leitura digital quer no que se refere à leitura em papel, convém sublinhar a presença de uma relação negativa entre o gosto pela leitura e as actividades sociais online. Melhor dito: tendem a ser os estudantes mais envolvidos nesse tipo de actividades os que revelam, em média, uma atitude menos positiva face à leitura, lendo inclusivamente uma menor diversidade de material impresso se se tentar a comparação com os que menos tempo dedicam a actividades similares. Ao invés, os estudantes que frequentemente pesquisam informação online não só tendem a ler uma maior diversidade de publicações impressas como a denotar um maior gosto pela leitura. De facto, para lá destas conclusões, o PISA 2009 apurou que só cerca de 5 países (Japão, França, Bélgica, Noruega e Espanha) dos 19 participantes no estudo da leitura digital (Portugal não participou) tiveram, em termos médios, resultados idênticos na avaliação das competências no âmbito tanto da leitura digital como da leitura em papel (quadro 1). Com diferenças significativas do ponto de vista estatístico, dos países onde os estudantes obtiveram melhores pontuações ao nível do desempenho em leitura digital fazem por exemplo parte a Coreia, a Austrália, a Nova Zelândia ou a Irlanda. O inverso sucede nalguns países como a Polónia, a Hungria, o Chile ou a Áustria. Mas importa principalmente destacar a tendência de ser nos países com elevada proficiência em ambas as esferas da leitura (digital e impresso) que se alcançam valores superiores no que diz respeito à leitura digital, com os países pior

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classificados em ambos os domínios a assumirem para a leitura de meios impressos valores mais elevados. Tabela 1 Comparação da performance média na leitura digital e em papel

Diferença entre digital e papel

Leitura digital

Leitura em papel

Média de pontuação 459 507 489 494 468 509 464 475 510

Média de pontuação 470 506 495 496 494 496 500 480 497

Islândia Noruega

512 500

500 503

11,56 -3,28

Austrália Chile Japão Coreia Nova Zelândia

537 435 519 568 537

515 449 520 539 521

21,70 -14,85 -0,63 28,31 16,48

Áustria Bélgica Dinamarca França Hungria Irlanda Polónia Espanha Suécia

Diferença média -11,70 1,45 -5,99 -1,35 -25,84 13,27 -36,96 -4,95 12,90

Notas: Valores significativos do ponto de vista estatístico indicados a negrito. Fonte: OCDE, Resultados PISA 2009: Students On Line - Volume VI, Paris, 2011, p. 77.

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Children’s Reading Today, Christina Clark, National Literacy Trust, 2012

O National Literacy Trust, organismo independente que vem investigando, desde 2005, tanto as atitudes face à leitura como as competências de literacia das crianças e jovens do Reino Unido, levou a cabo em 2011 um inquérito por questionário online (constituído por 43 perguntas) que abrangeu 20.950 alunos115 de 128 escolas aderentes à iniciativa, questionário esse, à semelhança do PISA, vocacionado para entender a proficiência que as crianças e jovens em foco têm ao nível da leitura, mas também, entre outros objectivos, preocupado em captar que tipo de configurações textuais lêem nos seus tempos livres, as atitudes reveladas quanto ao acto de ler ou mesmo quais os suportes de leitura privilegiados. Uma primeira conclusão que importa reter prende-se com o facto de, quando comparando com dados relativos a 2005, e independentemente destas crianças e jovens afirmarem um gosto pela leitura semelhante ao revelado naquele ano116, os indivíduos agora inquiridos lerem menos no dia-a-dia (quadro 2). Se parece verdade que o acto de leitura perde algum protagonismo para outras actividades de lazer, interessa sobressair a circunstância de praticamente em todos os géneros e formatos a leitura mostrar tendências decrescentes, com a excepção a verificar-se ao nível do que se designa por ‘mensagens de texto’. Gráfico 1 Tipo de materiais lidos fora da sala de aula em 2005 e 2011 (%)

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Entre os 8 e os 16 anos de idade. 51% (2005) vs. 50% (2011) afirmaram gostar “muito” ou “bastante” de ler.

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Note-se contudo a impossibilidade de encontrar explicação para essa perda percentual numa diametral passagem de um padrão impresso para um padrão digital, isto em virtude de também neste domínio (veja-se os dados relativos a leitura de textos de websites e e-mails) os valores encontrados terem diminuído entre os anos de 2005 e 2011. De qualquer modo, quando se compara os anos de 2010 e 2011, especificamente no que tem a ver com os tipos de materiais lidos fora da sala de aula, ou seja, nos tempos livres, pelo menos uma vez por mês (quadro 3), somos levados a concluir que, apesar de variações mais vincadas na leitura de determinados materiais (a saber, mensagens de texto ou textos noutra língua que não o inglês materno, ambos com um acréscimo considerável), não tendem a ser muito significativos em termos percentuais quer o crescimento quer a diminuição da leitura nos vários géneros e suportes. Ainda assim, é detectável uma ligeira subida na leitura de blogues, de livros electrónicos, de mensagens instantâneas e de textos presentes nos sites das redes sociais, dimensões estas não examinadas no primeiro estudo sobre literacia, realizado em 2005.

Gráfico 2 Tipo de materiais lidos, pelo menos uma vez por mês, em 2010 e 2011 (%)

Se se observar o conjunto de materiais cuja leitura sucede através de um interface electrónico ou digital, apenas as mensagens de correio electrónico sofrem uma diminuição de percentagem entre 2010 e 2011. Algo que não contraria o facto de 164

serem os textos digitais (63,2% - mensagens de texto; 50,4% - websites; 49,9% - sites de redes sociais) os mais recorrentemente lidos fora da sala de aula, e aqui atende-se inclusive às leituras efectuadas no suporte papel. Já no que se refere ao material impresso que as crianças e jovens do Reino Unido mais afirmam ler nos tempos livres as revistas ganham predominância em ambos os anos (a ficção constitui a segunda principal escolha), sendo os manuais escolares e os textos noutra língua que não o inglês materno os tipos de textos que menos lêem. No plano de uma análise de género, deste estudo coordenado por Christina Clark (que também corrobora dados do PISA 2009 – aí, dos jovens de 15 anos, eram as raparigas quem mais declarava ler por gosto (73%), perante 52% dos rapazes), convém salientar que se descobrem diferenças entre os dois sexos não somente na duração da leitura (as raparigas lêem por períodos mais prolongados de tempo) como na natureza dos materiais lidos. Avança-se a ideia de que é no grupo das raparigas onde mais frequentemente se dá conta de práticas de leitura não assentes exclusivamente em textos de carácter mais ‘tradicional’ (ficção, poemas, revistas ou letras de músicas) mas também em formatos digitais (e-mails, mensagens instantâneas, sites de redes sociais). Por contraste, o estudo atesta que são sobretudo os rapazes quem declara ler não-ficção, jornais, banda desenhada ou manuais escolares. Não se reconhecendo diferenças senão residuais quanto à proporção de rapazes e raparigas que recorrem a dispositivos de leitura como o Kindle ou o iPad, já quando se consideram outros desses dispositivos electrónicos (o iPod ou as consolas de videojogos, nomeadamente) são mais os rapazes quem a eles se refere. No entanto, em termos globais, a tendência encontrada parece traduzir-se no facto de as raparigas lerem uma maior variedade de materiais textuais por via do recurso a uma multiplicidade de media. Que, em comparação com os rapazes, as raparigas revelam atitudes mais positivas face à leitura é outra das conclusões a retirar do presente estudo. A preferência pelo visionamento de TV, a leitura como actividade que se encara realizar apenas quando obrigatória ou a ausência de temas de interesse que instiguem a sua prática surgem aqui enquanto exemplos de afirmações merecedoras de concordância principalmente por parte dos jovens do sexo masculino. A possibilidade de conferir lugar analítico ao factor idade (quadro 4) foi algo a que o inquérito do National Literacy Trust também se abalançou. Aludindo a três ciclos de ensino (KS2 – dos 8 aos 11 anos; KS3 – dos 11 aos 14; KS4 – dos 14 aos 16) conseguiuse detectar que o gosto pela leitura prevalece nos alunos mais novos (KS2 - 73%), diminuindo à medida que estes transitam para os ciclos de ensino subsequentes.

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Gráfico 3 % de alunos de cada ciclo de ensino que afirmam gostar “muito” ou “bastante” de ler, em 2010 e 2011 (%)

Na realidade, apesar de entre 2010 e 2011 serem mais as crianças e jovens do Reino Unido a afirmar um acentuado gosto pela actividade da leitura, e isto transversalmente aos diferentes ciclos de ensino considerados, os inquiridos dos 14 aos 16 anos tendem seis vezes mais a declarar que não gostam de ler do que aqueles com idades que vão dos 11 aos 14 (21% contra 3,8%). Mas as variações fazem-se igualmente sentir na própria frequência com que a leitura é praticada. Assim, ao passo que os alunos dos 8 aos 11 anos e dos 11 aos 14 apresentam percentagens mais elevadas relativas a experiências diárias de leitura fora da sala de aula (43% e 29% respectivamente), só cerca de 23% dos jovens dos 14 aos 16 têm esse hábito. Se por um lado é neste último grupo que se lê por períodos mais prolongados de tempo, é também nele que a percentagem dos que dizem nunca ler fora da sala de aula atinge valores superiores (11% contra por exemplo 5% dos alunos integrados no segundo ciclo de ensino). Em todo o caso, é possível admitir diferenças ao nível da diversidade do tipo de materiais lidos consoante a idade dos jovens e das crianças alvo do inquérito. Dito de outro modo, enquanto os textos digitais (mensagens de telemóvel, textos publicados nos sites das redes sociais, etc.) são lidos predominantemente pelos alunos mais velhos, ou seja, dos ciclos 3 e 4, o consumo de leitura das crianças dos 8 aos 11 anos (ciclo 2) repousa sobretudo em textos mais ‘tradicionais’ ou impressos, contando-se a ficção, as revistas, a não-ficção e os poemas entre os materiais preferidos. De acordo com o estudo Children’s Reading Today, é no acesso à tecnologia (quadro 5) que se poderá encontrar alguma explicação para as diferenças identificadas.

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Gráfico 4 Acesso à tecnologia por ciclo de ensino (%)

O facto de a posse de computador pessoal assumir variações assinaláveis quando cruzada com a variável idade (é na faixa dos 14 aos 16 anos que se encontram mais jovens que têm o seu próprio computador) não significa contudo que a percentagem de acesso a um qualquer computador no espaço domiciliar assim como à Internet seja baixa para as crianças e jovens dos ciclos de ensino precedentes (sempre acima dos 90% aliás). Neste sentido, a justificar a incursão dos alunos mais velhos (ciclos 3 e 4) por práticas de leitura digital parece estar tanto o seu maior acesso aos telefones móveis (adquirindo centralidade nesses dispositivos as mensagens de texto) como a manifesta familiaridade em matéria de criação de perfis nos sites das redes sociais. A fixação de uma idade mínima para aceder a sites de redes sociais (por exemplo, nos casos do Facebook e do Bebo abaixo dos 13 anos não é permitido o registo) ajuda também a elucidar os dados acima mostrados. Tendências recentes de determinados sites de redes sociais apostados em conquistar faixas etárias mais novas pode por exemplo ajudar a explicar como cerca de 45% dos alunos do ciclo 2 (dos 8 aos 11 anos) têm já um perfil criado. Ora, desta feita para a totalidade da amostra, resta um olhar final comparativo em torno dos suportes e gadgets adoptados no âmbito das práticas de leitura. O quadro 6 é, a esse propósito, bastante esclarecedor: ascendente de leituras feitas em formato papel, apesar de percentagens elevadas ao nível das leituras mediadas por computador ou por telemóvel, qualquer uma delas realizada por mais de metade da amostra.

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Gráfico 5 Suportes e dispositivos adoptados para a leitura, em 2011 (%)

Se a maioria das crianças e jovens do Reino Unido (62%) declara ler materiais impressos e também textos digitais através de pelo menos um dispositivo tecnológico específico, 17,8% afirma apenas ler textos impressos, chegando mesmo 20% a admitir a não-leitura de nenhum texto nesse formato.

Reading on the rise - A new chapter in american literacy, National Endowment for the Arts, 2009

Já em 1998, num artigo intitulado “Práticas culturais: digressão pelo confronto Portugal-Europa”117, Idalina Conde interrogava-se perante dados que enquadravam os comportamentos de leitura da população portuguesa segundo duas coordenadas primordiais: não só o aumento dos chamados pequenos-leitores (1 a 5 livros por ano) acompanhava o recuo dos grandes leitores (lendo mais de 20) como, por outro lado, notava-se um deslizamento geracional dentro do principal grupo de leitores, com a percentagem de jovens dos 15 aos 19 anos e dos 20 aos 29 nele incluídos a sofrer um decréscimo na ordem dos 6%. Se para a primeira tendência a autora levantava a hipótese de “um eventual incremento no ecletismo de um leitorado menos “fixado” exclusivamente na leitura de livros”, no segundo caso tratava-se de perceber “até quando o livro vai “resistir”, ou que metamorfoses conhecerá junto de apetências juvenis tão polarizadas na era da informática, do audiovisual e da música” (1998: 2). Ora, o relatório publicado em 2009 pelo National Endowment for the Arts procura fundamentalmente medir, no contexto da realidade norte-americana, em que medida conclusões extraídas de estudos antecedentes (Reading at Risk, 2004; To Read or Not to Read, 2007), demonstrando a perda de posição da leitura para uma multiplicidade de actividades de entretenimento e de comunicação electrónica, ainda têm correspondência com a realidade, isto quando, nos últimos seis anos, diversos tipos de 117

In OBS (publicação periódica do Observatório das Actividades Culturais), nº 4, Outubro de 1998, 7 p., disponível em http://www.oac.pt/pdfs/OBS_4_Pr%C3%A1ticas%20Culturais_Digress%C3%A3o%20pelo%20Confronto %20Portugal_Europa.PDF

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programas, medidas de política pública e protagonistas sociais fizeram do incentivo às práticas de leitura uma prioridade nacional. Partindo de uma amostra representativa da população adulta norte-americana (e não deixando de atender aos comportamentos de leitura daqueles jovens que haviam concluído recentemente o ensino secundário), Reading on the rise começa desde logo por defender que “the recent rise in reading is not a school-based trend but a broader, community-wide phenomenon” (p. 2). Debruçando-se exclusivamente sobre a leitura do género literário (romances, contos, poemas, peças teatrais, nas vertentes impressa e online), na abertura do relatório em questão enuncia-se o facto de só agora, pela primeira vez118, em 2008, se ter apurado o crescimento da percentagem de adultos norte-americanos lendo alguma forma de texto literário (quadro 7). Tal não significa contudo que o valor percentual relativo a 2008 (50,2%) seja o mais elevado em termos da série temporal fixada (nos anos de 1982 e 1992 as percentagens são efectivamente superiores). Após duas décadas de quedas percentuais sucessivas, é pois de registar que face à anterior condução do inquérito, que data de 2002, ocorreu um aumento de 7% ao nível dos indivíduos que afirmam ter lido textos de teor literário nos últimos doze meses. Gráfico 6 % de adultos norte-americanos que lêem literatura: 1982-2008

Também se pode pensar nestes resultados de um ponto de vista absoluto, ou seja, apreendendo o número de leitores no âmbito da totalidade da população norteamericana (quadro 8). Deste ângulo, os dados mostram que o crescimento do número de leitores não consiste num efeito que acompanha linearmente o aumento da própria população. O ano de 2008 é bem ilustrativo a esse respeito, uma população com mais 16,6 milhões de indivíduos embora integrando, se se confrontar com dados de 1982, uma percentagem inferior dos que lêem literatura.

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Desde 1982, o inquérito por questionário terá sido aplicado cinco vezes.

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Tabela 2 Número total e % de adultos que lêem literatura

A atenção concedida à variável idade permite entender como a leitura do género literário cresceu sobretudo entre os indivíduos mais jovens, importando destacar a faixa dos 18 aos 24 anos pelo facto de ter sido precisamente aquela onde o acréscimo do número de leitores, entre 2002 e 2008, se fez sentir de maneira mais rápida e evidente (9%, correspondendo a cerca de 3,4 milhões de leitores adicionais). Aliás, somente num grupo etário (dos 45 aos 54) a taxa de leitura apresentou uma tendência decrescente, ainda que estatisticamente pouco expressiva. Antes de passar especificamente aos contributos que o relatório fornece em termos das práticas de leitura digital na sociedade norte-americana, interessa referir que, pela primeira vez na história do inquérito, a leitura de textos literários conheceu uma subida percentual tanto para os homens como para as mulheres, mas também, conforme sociologicamente esperado, que os dados não escapam à lógica da estreita relação existente entre a taxa de leitura e o grau de escolaridade dos inquiridos (em 2008 a taxa é de 68,1% para aqueles que concluíram o ensino universitário). Mesmo assim, independentemente do nível de escolaridade completado ou frequentado, os dados do relatório apontam para um incremento generalizado das taxas de leitura dos adultos nos anos que medeiam de 2002 a 2008. Direccionada a análise para a natureza daquilo que se lê, saliente-se o facto de a ficção (nas modalidades do romance ou do conto) ser, em 2008, o subgénero literário mais lido, por praticamente metade da população adulta norte-americana (perto de 47%). E ainda a conclusão de que a leitura de poesia e de textos teatrais diminuiu entre 2002 e 2008, ou que a maioria dos leitores destes dois subgéneros literários (64,2%) tenha também o hábito de ler ficção. Frente, pois, a um cenário em que o número de adultos que lê livros aumentou em termos absolutos mas sofreu um ligeiro declínio percentual se visto proporcionalmente ao crescimento da população, isto no lapso temporal de 2002 a 2008 (justifica-se aqui explicitar que por leitura de livros se pressupõe a de qualquer género, não apenas literário, e quando não realizada por exigências de carácter escolar ou profissional), afigura-se interessante constatar como os jovens adultos, dos 18 aos 24 anos, têm associada uma taxa de leitura mais baixa que a dos adultos mais velhos, invertendo-se os respectivos protagonismos desde que deslocado o enfoque para o

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domínio digital (quadro 9), tanto no plano da literatura como no que respeita a textos de outra índole. Gráfico 7 % de adultos que lêem online, por idade

Reading on the rise permite assinalar que a grande maioria (84%) dos adultos que lêem textos literários online (ou que descarregaram os ficheiros da Internet) possui o hábito de ler livros, estejam eles reproduzidos num formato impresso ou digital. De resto, a taxa de leitura de livros para os adultos que lêem blogues, ensaios ou artigos online assume também um valor elevado (77%). Convém observar, por fim, que cerca de 15% de todos os adultos norte-americanos leram em 2008 literatura aquando do seu acesso à Internet, privilegiando géneros como a literatura de mistério (46%), os thrillers (32%), os romances (23%), a ficção científica (29%) ou até o que se qualifica de “outra ficção” (40%), a segunda categoria com maior popularidade.

Pilot Survey: Reading in Print and Onscreen, Naomi S. Baron, 2010

A americana Naomi Baron é uma das investigadoras que, na actualidade, mais se tem dedicado à análise do impacto que o desenvolvimento das tecnologias exerce nas relações que os indivíduos vêm historicamente mantendo com a palavra escrita, chegando mesmo a deixar a seguinte interrogação no final de um texto seu de 2005: “what does seem to be at issue is what roles reading and writing, books and paper will

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assume in the cultural life of the coming decades”119. Estaremos a viver, segundo a autora, num clima de transformação de paradigmas, já não o que caracterizava os primórdios da cidadania europeia, isto é, competências mínimas de literacia e acesso socialmente restrito às actividades de leitura e escrita, agora passando para um modelo em que o grosso da população já denota níveis básicos de literacia, num contexto não só de constante produção de novos livros como de disseminação de computadores e demais dispositivos digitais. No sentido de compreender o modo como os indivíduos actualmente lidam com a cultura escrita, do livro, implicados que estão numa nova praxis cultural, Baron, por meio de um estudo piloto em que participaram estudantes universitários, recolheu informação empírica apta a elucidar a maneira como os interfaces tecnológicos configuram o modo como se lê, o que significa ler nos dias que correm. Metodologicamente falando, tratou-se de um inquérito por questionário online administrado em 2010, tendo sido seleccionados, através de uma amostra por conveniência, 82 alunos de uma universidade privada norte-americana, com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos e, maioritariamente, do sexo feminino (68%). As perguntas de partida da pesquisa abordavam aspectos tão diversos como a durabilidade de um texto (em que medida a permanência do impresso e a efemeridade associada ao digital é uma oposição com que os leitores se preocupam – pense-se por exemplo nas eventuais dificuldades colocadas ao nível da releitura e/ou anotação), as condições para a leitura (que plataforma favorece práticas de multitasking?), o valor dos livros (remetendo também para a dimensão afectiva da sua posse), as ferramentas de navegação (como vêem os alunos a usabilidade que os suportes impresso ou digital supõem) ou, inclusivamente, o entendimento face a questões cognitivas ou pedagógicas, procurando nomeadamente captar qual dos tipos de leitura, se em papel se digital, os estudantes avaliam como sendo mais adequado à aprendizagem. Examinando os vários temas de incidência do inquérito, refira-se desde logo um conjunto inaugural de perguntas apostado em compreender a relação que os estudantes mantinham com os livros de textos de apoio. Se 51% dos alunos não chegava a comprar os ditos livros em formato impresso, recorrendo aos sistemas de aluguer do livro em papel estimulados pela universidade, 7% tinha optado por pagar a subscrição electrónica temporária de pelo menos um dos livros de textos. Já uma outra questão deste primeiro grupo permitiu concluir que cerca de 47% dos estudantes considerados nunca (18%) ou apenas ocasionalmente (29%) anotava ou escrevia nos livros. O facto de 61% declarar ser habitual vendê-los no final do semestre pode provavelmente ajudar a explicar o facto de metade dos inquiridos não ter a prática de os sublinhar ou anotar. 119

Baron, Naomi S. (2005), “The future of written culture: envisioning language in the new millennium”, in Ibérica – Journal of the European Association of Languages for Specific Purposes, Santiago Posteguillo, nº 9, p. 31, disponível em http://www.american.edu/cas/lfs/faculty-docs/upload/In-Press-Paper-Futureof-Written-Culture.pdf

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Ao pretender depois analisar a plataforma que os estudantes universitários preferem no que à leitura por razões académicas concerne (englobando também ela diferentes géneros – veja-se o quadro 10), só as revistas científicas e os jornais são preferencialmente alvo de leituras mediadas por ecrãs. Tabela 3 Plataforma preferida para a leitura académica (%)

Ainda que a leitura digital de jornais e revistas científicas reparta algum protagonismo com a leitura das suas versões impressas, não se podendo portanto falar de uma adesão expressiva semelhante à revelada para os outros géneros lidos em suporte papel, a verdade é que Naomi Baron não se mostra surpreendida com os valores indicados. O facto de a universidade onde efectuou o estudo ter, por objectivos de gestão de espaço físico, transferido as revistas académicas impressas para um local externo ajuda a compreender o valor percentual que a leitura digital atinge nesse género de publicações. Quanto aos jornais, a tendência é nacional, com o acesso a informação noticiosa a acontecer hoje sobretudo via online. Ora, em termos da plataforma que os estudantes universitários preferem para as leituras que realizam por prazer (quadro 11), os dados são claramente indicadores de que a situação segue um padrão análogo ao da leitura de revistas académicas (por imposição de natureza curricular), uma vez que só no caso dos jornais a leitura em ecrã é perspectivada dominantemente segundo critérios de prazer.

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Tabela 4 Plataforma preferida para a leitura por prazer (%)

Porém, não se pode negligenciar o facto de unicamente 35% dos indivíduos inquiridos possuírem smartphones ou mesmo a baixa percentagem dos que têm um aparelho dedicado à leitura de livros electrónicos, Kindle, Nook ou iPad (5%). Igualmente de assinalar, para a actividade da procura de e-books na biblioteca da universidade, que apenas 12% da amostra alguma vez teve esse tipo de prática, percentagem que é igual à dos estudantes que apenas por uma vez ocupou o seu tempo pesquisando e-books com vista a uma leitura por prazer. Baron menciona no entanto a circunstância de, presentemente, várias bibliotecas universitárias norte-americanas apostarem na implementação de serviços de empréstimo de e-readers (Kindle, iPad…), pese embora certos relatórios sublinhem o uso mínimo que deles é feito ou a pouca satisfação com os livros disponíveis para esses dispositivos digitais. Quando se entra na análise do modo como os estudantes universitários olham para as tarefas de leitura de textos académicos com que se debatem frequentemente, a primeira questão colocada cinge-se ao formato de leitura que tendem a eleger nesse âmbito. Se disponíveis online, 55% dos alunos declara ler os textos directamente no ecrã, enquanto 39% afirma preferir imprimir primeiro os documentos em causa e só depois passar à leitura. Práticas de leitura no ecrã seguidas de impressão dos textos não ultrapassam o valor de 6%. A probabilidade de a efectiva leitura do texto indicado estar dependente do suporte em que se encontra é outra das hipóteses levantadas, apurando-se então que a maioria dos estudantes (56%) admite ser mais provável a leitura quando lhes é entregue um texto em suporte papel. 6% adianta o facto de o texto, estando disponível online, contribuir efectivamente para a sua leitura, mas merece também especial realce o valor de 38% relativo aos que, a esse respeito, se mostram indiferentes relativamente à questão da plataforma. Contra algum discurso do senso comum que por vezes nestas discussões se instala, Naomi Baron avança a ideia de que “these questions suggest that many of today’s undergraduates – who are digital natives – still favor the printed world”120. 120

Baron, Naomi S. (2013), “Reading in Print or Onscreen: Better, Worse, or About the Same?”, in Tannen, Deborah e Trester, Anna Marie (eds.), Discourse 2.0 – Language and New Media, Washington DC, Georgetown University Press, p. 214.

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Um conjunto final de perguntas do estudo piloto Reading in Print and Onscreen pretendeu colher informação em torno de alguns aspectos de carácter cognitivo ou pedagógico subjacentes às práticas de leitura (quadro 12). Antes de propriamente referir o que afirmaram os estudantes universitários quando questionados quanto à frequência com que relêem textos académicos, registe-se que 49% da amostra declarou que tais práticas ocorriam ocasionalmente, tendo outros 10% confessado nunca proceder a releituras.

Tabela 5 Questões cognitivas/pedagógicas

Ainda no caso da releitura julga a maior parte dos estudantes (66%) ser a mesma mais provável se os textos forem disponibilizados em papel, descendo a percentagem para 24% no cenário inverso. A capacidade de memorizar aquilo que é lido acaba igualmente por atingir diferenças percentuais acentuadas quando consideradas do ponto de vista do suporte. Contudo, não obstante 51% da amostra julgar a leitura do texto impresso como mais propícia à memorização dos conteúdos (só 2% defende o contrário), quase metade (46%) crê que o suporte não é decisivo a esse nível. Absolutamente contrastantes são as respostas acerca da possibilidade de multitasking, com 90% a manifestar que a leitura online, realizada em ecrãs, lhes permite executar mais do que uma tarefa simultaneamente (incluindo a procura e conjugação de vária informação na Internet), algo que 9% dos alunos universitários não tende a associar a qualquer tipo de plataforma. No questionário que Naomi Baron construiu constava uma secção complementar onde um grupo de questões abertas tentava explorar o que os indivíduos gostavam mais e menos quer na leitura em ecrã quer na leitura em papel. Codificadas as perguntas em quatro grandes categorias (fisicalidade/tangibilidade do texto a ler; dimensões cognitivas/pedagógicas implicadas; acesso/comodidade; recursos), tornou-se possível a identificação das principais vantagens e desvantagens que atravessam os diferentes tipos e/ou suportes de leitura. Uma das primeiras conclusões a tirar do modelo 175

analítico da autora passa por conferir destaque à elevada percentagem de estudantes universitários (78%) para quem os benefícios cognitivos e pedagógicos que a leitura em papel carrega constituem uma das suas características mais prezadas, concepção oposta à de 91% de alunos que, por não o reconhecerem em igual medida na leitura online ou digital, tomam isso por um dos aspectos mais negativos desta. Do acto de ler em ecrãs, por seu turno, ressaltam também atributos valorizáveis: por exemplo, a maior comodidade (a portabilidade, o conforto do transporte do dispositivo electrónico foi uma dimensão focada) ou a mais fácil e rápida acessibilidade aos documentos121, isto, claro, quando visto comparativamente com a leitura de um texto impresso, percepção discernível tanto em 48% dos alunos que responderam à pergunta “Onscreen: Like Most” como em 50% das respostas a “Hard Copy: Like Least”. Pensando nos recursos (ecológicos e financeiros) que, na opinião dos inquiridos, os diferentes tipos de leitura acabam por exigir, volta a leitura em ecrã a assumir-se enquanto meio preferido. Assim, entre os estudantes que deram a conhecer aquilo que mais apreciavam em termos de leitura digital, dois terços sublinharam questões relacionadas com o que crêem ser alguma perspectiva de salvaguarda dos recursos ecológicos, tendo 28% das respostas a “Hard Copy: Like Least” permitido constatar que, ao invés da leitura online, essa é uma das premissas escolhidas para a caracterizar negativamente. O quadro abaixo condensa precisamente os dados a que Baron chegou nesta parte do estudo Reading in Print and Onscreen. Tabela 6 Classificação das respostas “gosto mais/gosto menos”, consoante o tipo de leitura (%)

Na secção final do inquérito por questionário Naomi Baron procurou ainda recolher comentários dos estudantes que lhe permitissem compreender com maior grau de profundidade que entendimento tinham face aos tópicos entretanto elencados. Neste sentido, parece interessante referir como certos alunos afirmavam eleger a leitura digital tratando-se de artigos ou textos de menor dimensão, a maior aceitabilidade social de, em determinados contextos profissionais, ler um artigo online em vez de um 121

Sem esquecer também como a possibilidade de pesquisar esta ou aquela palavra ou frase num dado texto é uma tarefa substancialmente mais facilitada mediante uma experiência de leitura digital.

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livro em papel, ou até o facto de, não obstante se mostrarem conscientes perante o que a leitura em suporte papel pode acarretar em termos ambientais, “in nearly all cases, these conflicts pitted individual preference against environmental issues: I prefer hard copies, but think they’re bad for the environment. I know it’s a waste of paper, but I really prefer reading a physical book or article to reading it online (…)” (p. 218). Ora, o cerne das questões residia fundamentalmente para Baron em tentar apreender não só em que medida o acto de ler em suporte digital é considerado melhor, pior ou equivalente à leitura dita tradicional para os jovens universitários, mas sobretudo de que forma as práticas de leitura mediadas pelas novas tecnologias estão a afectar o modo como actualmente se lê ou até inclusive a alterar o próprio significado dessa actividade. Que os atributos que os sujeitos menos gostam em dada plataforma de leitura tendem a ser os que mais valorizam no outro suporte assume-se portanto como uma evidência. Há, no entanto, uma especificidade que a autora realça: “first writing and then the appearance of print – both made possible by the existence of durable texts – encouraged a particular kind of analytical thought. The notion of reading became deeply entwined with the ideas of contemplation, comparison, and reflection” (p. 220). Por conseguinte, porque vários dos estudantes alugam e depois voltam a entregar ou a vender os seus livros, além de que não chegam a desenvolver o hábito de anotar e de reler esses mesmos materiais, depreende a investigadora norteamericana que muitos deles “do not view textbooks (or at least some texts) as continuing parts of their mental lives once a school term has ended” (p. 220). Os dados examinados permitem ainda que se some a essa realidade a circunstância de as práticas de multitasking serem especialmente notórias na leitura online e residualmente reconhecidas quando está em causa a leitura de um texto impresso. Socorrendo-se de estudos que se debruçam sobre os níveis de desempenho cognitivo que as práticas de multitasking implicam, e partindo da assunção que aflui ao espaço da Internet uma crescente diversidade de textos também de natureza académica, haveria pois, segundo Baron, de reflectir acerca dos efeitos perniciosos que a simultaneidade e rápida alternância de tarefas pode suscitar sendo suposto procederse a uma leitura atenta ou em profundidade dos textos, algo que remete para o tal conceito de close reading difundido pelas observações de Katherine Hayles122. Por fim, mencione-se a própria alteração de concepção que a linearidade tendencialmente associada à leitura em suporte impresso acaba por revelar com a mudança para o domínio online. Uma leitura menos contínua, mais acidental, por vezes mesmo limitada às partes do texto a que é possível aceder gratuitamente, não obstante determinadas ferramentas ou funções de navegação possibilitarem à partida uma atenção imediatamente dirigida a esta ou aquela ideia ou frase do texto que se está a ler. Com um enfoque de menor pendor sociológico que outras pesquisas, o estudo 122

Hayles, N. Katherine (2010), “How we read: close, hyper, machine”, in ADE Bulletin, nº 150, pp. 62-

79.

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piloto de Naomi Baron tem como preocupação dominante desvendar, do lado da performance cognitiva dos indivíduos que protagonizam as práticas de leitura, em que medida “the medium on which we encounter written words affect how we read” (p. 203).

The rise of e-reading, PEW Internet & American Life Project, 2012

Tendo como propósito global a monitorização e produção de conhecimentos sobre os impactos sociais da Internet, o projecto PEW Internet, iniciativa da think tank PEW Research Center, publicou no ano de 2012 o relatório The rise of e-reading, resultado de uma pesquisa destinada a perceber os hábitos e preferências dos indivíduos norteamericanos no que concerne ao fenómeno da leitura de formatos digitais. Através da realização de inquirições telefónicas a uma amostra representativa da população residente nos Estados Unidos (2986 indivíduos, com a idade mínima de 16 anos), tentou-se então escalpelizar de que maneira se processam as práticas de leitura na era digital, nomeadamente de livros electrónicos (vulgarmente designados como e-books). Na verdade, conforme é destacado nas páginas introdutórias do relatório, há hoje uma conjuntura apta a sinalizar alternativos caminhos de pesquisa para os estudos orientados em redor das actividades de leitura: “the emergence of e-books has disrupted industries and institutions that have enjoyed relatively stable practices, policies and businesses for decades. Widespread consumer interest in e-books began in late 2006 with the release of Sony Readers and accelerated after Amazon’s Kindle was unveiled a year later. By the end of 2011, there were widespread reports about the exploring demand for e-books, both for purchases and for borrowing from libraries. (…) All this ferment is changing the way many people discover and read books” (p. 13). Sem esquecer que, no âmbito do que será aqui explicitado, os dados empíricos se reportam à sociedade norte-americana, importa num primeiro momento dar conta da variedade de dispositivos digitais que os indivíduos adquirem e onde potencialmente vêm depois a ler (quadro 14). De facto, em Janeiro de 2012, 19% dos adultos americanos com 18123 e mais anos possuíam um gadget cuja função essencial consiste na leitura de e-books. Igual percentagem verificava-se entre os detentores de um tablet, sendo de sobressair em ambos os casos um crescimento assinalável, na ordem dos 10%, isto se comparando com o mês de Dezembro do ano anterior, com números que não reflectiam ainda as compras do período natalício.

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Refira-se que alguns dos valores apresentados no relatório em questão nem sempre respeitam o critério etário mínimo dos 16 anos de idade.

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Gráfico 8 % de adultos americanos que possuem estes dispositivos digitais

De qualquer forma, é também de destacar como a posse de dispositivos digitais se revela particularmente saliente no caso do telemóvel (88% da amostra declara possuílo), seguindo-se o computador de secretária ou portátil (as percentagens aí divergem muito pouco, indo dos 55% aos 57% respectivamente), e ainda, à frente do e-reader e do tablet, gadgets como o smartphone (46%) ou o leitor de mp3 (44%). Com efeito, destes resultados percentuais depreende-se a forte probabilidade de os utilizadores de tablets ou de e-readers serem detentores de outros dos dispositivos digitais elencados. Ora, quando se trata de apreender os formatos de leitura que os indivíduos privilegiam mediante introdução na análise do factor posse de tablet ou de e-reader (quadro 15) fica claro que a leitura de livros em suporte impresso não deixa de constituir uma prática para os sujeitos que utilizam aquelas tecnologias. Se por um lado, em termos da leitura de e-books, a percentagem de indivíduos que declararam ter lido esse formato no ano anterior é previsivelmente mais alta (cerca do triplo) entre os que possuem tablet ou e-reader124 (a comparação é estabelecida com a generalidade da população leitora com 16 ou mais anos), no caso dos livros em suporte impresso, a sua leitura não parece sair desfavorecida pelo simples facto de tais gadgets terem sido adquiridos (apenas 3% abaixo do valor apurado para o grosso dos indivíduos que leram no último ano).

124

Os dados do PEW sustentam inclusivamente que, dentro da população leitora de e-books, os indivíduos que possuem dispositivos especificamente vocacionados para esse efeito optam por recorrer menos ao seu computador ou ao telemóvel para ler os livros digitais.

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Gráfico 9 Formatos de livros lidos no último ano (2011)

Os motivos pelos quais se lê foram igualmente alvo de atenção no relatório em foco. Pode-se desde logo começar por sublinhar como as razões apontadas variam não só de acordo com as características sociográficas dos inquiridos como acabam por seguir um padrão específico caso se entre em linha de conta com a posse ou a utilização das tecnologias de informação e comunicação (quadro 16). Lá se chegará entretanto. Importa antes destacar como o prazer que o acto de ler suscita constitui o principal motivo invocado para justificar o envolvimento com a leitura por parte dos indivíduos americanos (80% afirma ler por prazer pelo menos ocasionalmente). Logo depois, entre as razões que levam à leitura, encontra-se a vontade de se permanecer actualizado face aos acontecimentos do dia-a-dia ou a pesquisa de tópicos de interesse (se no primeiro caso 78% dos inquiridos declararam ter esse tipo de prática pelo menos ocasionalmente, no segundo a percentagem atinge os 74%). Há ainda no entanto que aludir à leitura ocorrida por razões de natureza escolar ou profissional, com 56% do total da amostra a admitir realizá-la com maior ou menor frequência. Através do inquérito elaborado para a recolha destes dados conseguiu-se também detectar como são diversos os perfis dos leitores que mais lêem à luz de cada uma das razões identificadas. Assim, afigura-se mais provável que a leitura por prazer, tendo lugar diariamente ou algumas vezes por semana, surja sobretudo da parte de indivíduos sem menores a cargo, do sexo feminino ou com idades superiores a 50 anos. Por outro lado, no que se refere à leitura com vista ao acompanhamento da realidade diária, os homens assumem um maior protagonismo, voltando a ser nas idades mais avançadas que melhor se verifica uma incidência diária ou semanal dessa prática específica (59% dos adultos com idade superior a 50 anos vs. 38% dos indivíduos na faixa que vai dos 18 aos 29). De qualquer forma, quando o que está em causa é uma leitura que se baseia na pesquisa de tópicos de interesse a tendência manifesta um sentido inverso, tendo-se nesse caso constatado que 30% dos indivíduos 180

incluídos no escalão dos 18-29 anos lêem diariamente com esse intuito, ao passo que por exemplo só 14% dos adultos seniores americanos, no mínimo com 65 anos, o fazem nesses moldes. Face à leitura que sucede por motivos escolares ou profissionais não será de espantar que a sua maior frequência esteja associada a indivíduos abaixo dos 50 anos de idade, assim como a graus de escolarização e níveis de rendimento mais elevados. Gráfico 10 Razões para a leitura consoante a utilização/posse da tecnologia

Considere-se o quadro imediatamente acima. Nele se apresentam dados vindo confirmar que os indivíduos que fazem uso da Internet e possuem dispositivos digitais (a saber, telemóveis, tablets ou e-readers) se envolvem com maior frequência nas actividades de leitura, e isto transversalmente aos diferentes propósitos que as mesmas podem ter subjacentes. Se a maior posse de capitais escolares e económicos consente que os sujeitos possam enveredar por práticas de leitura mais assíduas, importa reconhecer que, sob tal condição, mas agora do ponto de vista das razões que as animam, também a leitura adquire contornos mais variados, cumulativos. No panorama de The rise of e-reading é na dimensão do livro, pese embora contemplando a valência digital, que se continua analiticamente a centrar o retrato dos padrões de leitura. Na tentativa de construir uma tipologia classificatória dos 181

públicos leitores através do número de livros lidos (englobam-se aqui audiobooks, ebooks e livros no formato papel) mostra-se por exemplo que é tanto no grupo dos leitores médios (6 a 20 livros no último ano, 29% da população americana) como no que se designou dos grandes leitores (mais de 20 livros, correspondendo a 17% da população), que se encontram mais facilmente indivíduos que tenham adquirido ereaders. Face aos que mais e menos livros lêem, tenderiam os leitores médios não só a utilizar mais a Internet como a possuir telemóvel. Quando o estudo dirigido por Lee Rainie se debruça estritamente sobre o acesso aos conteúdos escritos electrónicos, algumas outras conclusões são merecedoras de destaque. Em primeiro lugar, o facto de 50% dos norte-americanos que consomem conteúdos electrónicos afirmar que quase sempre encontram disponível nesse formato os materiais que tencionam ler. Uma maior predisposição para responder desta forma verifica-se precisamente entre os indivíduos detentores de gadgets como os tablets ou os e-readers. Quanto aos 20% que dizem deparar-se sempre com os conteúdos que procuram ler nesse formato, tal resposta tende a ser especialmente dada por jovens e jovens adultos, com idades compreendidas entre os 18 e os 29 anos, bem como pelos que afirmam dedicar-se à leitura por razões de prazer. De salientar ainda o valor de 30% para os indivíduos que lêem conteúdos electrónicos e que declaram ocupar hoje mais tempo com as actividades de leitura, tendência assinalada também para os detentores de tablets e e-readers. Que os hábitos de leitura (de livros) da população norte-americana foram experimentando flutuações ao longo do tempo é algo que The rise of e-reading não deixa de demonstrar (quadro 17). Tabela 7 % de adultos que afirmaram ter lido este nº de livros nos últimos 12 meses

Em traços largos, notam-se desde logo diferenças expressivas se comparando os anos de 1978 e 2011. Se à partida se pode constatar que em 1978 se estava perante uma realidade com mais indivíduos que liam livros (repare-se que, comparativamente a 2011, a percentagem dos que então declararam não ter lido nenhum durante os 182

últimos doze meses é substancialmente inferior - 8%, como também ganha relevo o valor apresentado para os que afirmaram ter lido mais de 50 livros nesse mesmo período – 13%, superior ao dobro do relevado para 2011), é indispensável fazer aqui um reparo metodológico em virtude de a pergunta através da qual os inquiridos facultaram essa informação na recente pesquisa do PEW Internet não coincidir exactamente com a formulada pela Gallup. No inquérito de The rise of e-reading a questão tem já uma abrangência além do livro impresso, englobando e-books e livros áudio125. Fixe-se pois sobretudo o enfoque no PEW 2012. O facto de 78% dos americanos ter lido pelo menos um livro no último ano126 (e isto independentemente do formato) é um dado a reter. Dentro desse segmento da população leitora, uma grande maioria (72%) leu pelo menos um livro no suporte papel, ao passo que 16% o leu ao limite uma vez no formato digital; 11% ouviu pelo menos um audiobook. Interessante porém notar que, repetindo esta pergunta em Janeiro de 2012, desta feita só captando respostas de indivíduos com a idade mínima de 18 anos, a percentagem dos que afirmaram ter lido pelo menos um e-book no ano anterior indica um incremento expressivo, subindo para os 21%. Outra variação digna de registo relaciona-se com a típica questão da leitura de livros realizada ontem, num dia normal (quadro 18): se em 2010, 95% dos leitores os estavam a ler em suporte papel e apenas 4% liam e-books, em 2011 as respectivas percentagens mudam para 84% e 15%. Gráfico 11 % de adultos leitores de livros usando este formato de leitura num dia normal (Junho 2010 / Dezembro 2011)

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Ademais, a própria amostra integra jovens de 16 e 17 anos de idade, ao passo que os dados relativos ao estudo de 1978 tinham como critério mínimo de inclusão os 18 anos. 126 Apesar de o número de leitores evidenciar uma tendência estatística decrescente à medida que a idade dos indivíduos aumenta, é no segmento dos que têm no mínimo 65 anos que se podem encontrar os que, em média, mais livros consomem.

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Conforme defendido pelos autores do estudo, a transformação ao nível das práticas que os dados empíricos deixam transparecer teria como principais protagonistas indivíduos na faixa etária dos 30 aos 49, com formação universitária e pertencentes a agregados familiares com rendimentos elevados. Entrando num maior grau de detalhe do relatório PEW, que consumos de leitura têm os americanos que lêem e-books? De um modo geral, esses indivíduos optam também por ler outros tipos de conteúdos electrónicos (jornais – 65%; revistas e journals – 60%) nos seus dispositivos digitais, e-reader, tablet ou telemóvel. Se não se circunscrever a leitura de formatos digitais ao e-book, alargando-a a uma diversidade de configurações textuais primando por um carácter mais extenso (artigos de jornais, de revistas…), o valor de 21% que correspondia aos sujeitos que haviam lido pelo menos um livro digital no último ano duplica (43%). Sinalizar ainda que a percentagem de indivíduos que para a prática de leitura de e-books recorre ao computador ou, em alternativa, a dispositivos móveis de leitura dedicada (Kindle, Nook, etc.) é equivalente, na ordem dos 40%. 29% lêem-nos no telemóvel, sendo todavia de referir que a tendência para a leitura de e-books sai fortalecida no caso daqueles que não possuem exclusivamente ou o computador pessoal ou o telemóvel. O quadro 19 responde, por seu turno, à questão de saber que cenários se perspectivam hoje na sociedade americana em termos das modalidades da compra ou do acesso a suportes de leitura de diferentes formatos.

Gráfico 12 % de americanos que prefere obter livros desta forma consoante o formato (2011)

Ora, estando em causa a leitura de livros em formato impresso e digital, a maioria dos respectivos leitores (com 16 e mais anos) revela em ambos os casos preferência pela aquisição da sua própria cópia ou exemplar127. Relativamente aos audiobooks, a

127

Mas, na verdade, enveredar pela compra em detrimento do mero acesso constitui uma realidade particularmente comprovável para os inquiridos cujos hábitos integram já experiências de leitura de

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tendência segue o sentido oposto: 61% opta preferencialmente por recorrer ao empréstimo em bibliotecas ou através de qualquer outra fonte (amigos, família, etc.). Interessante também sublinhar como, de um modo geral, os indivíduos que possuem dispositivos digitais como tablets ou e-readers se mostram mais orientados para querer comprar livros em suporte papel (e digital), isto se se comparar com aqueles que não são utilizadores de tais gadgets, principalmente voltados para o acesso por via do empréstimo. Justamente porque a decisão que leva à leitura ou compra de um determinado livro resulta amiúde das filtragens ou recomendações que envolvem terceiros (quadro 20), The rise of e-reading questiona pois o seu peso relativo com vista a melhor compreender as práticas de leitura. Gráfico 13 % de americanos que obtém sugestões de leitura das seguintes fontes (2011)

Se, em termos globais, o factor posse de tablet ou de e-reader não introduz alterações na ordem por que são valorizadas as diferentes fontes em matéria de recomendações para a leitura, o gráfico acima denota que, para os indivíduos que possuem aqueles dispositivos digitais móveis, os sites das livrarias virtuais assim como outras plataformas de e-comércio representam uma muito maior influência comparativa nas escolhas do que ler (de 28% para 56%, com o primeiro valor a dever ser associado a toda a amostra). Os dados do mesmo gráfico permitem ainda sustentar que as opiniões mais levadas em linha de consideração por parte dos indivíduos quando se trata de definir qual o próximo livro alvo de leitura provêm, primeiro que tudo e destacamente, de pessoas pertencentes aos seus diversos círculos de sociabilidades (64%), privilegiando-se então de seguida as livrarias virtuais. Só depois são prezadas as indicações dos profissionais livreiros das livrarias físicas e, por fim, o contacto com textos digitais, ao passo que entre os indivíduos que só lêem no registo tradicional, em papel, a compra reveste-se de uma incidência estatística menos significativa.

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bibliotecários ou com os sites de bibliotecas (19%). Conforme atesta o quadro 21, não é às bibliotecas, ficando-se pelos 21%, que os indivíduos que lêem e-books primeiro se dirigem quando se trata de procurar um determinado título. As livrarias online ocupam claramente a dianteira nesse sentido (75%), tendo os sujeitos com formação superior maior propensão para nelas pesquisarem desde logo. Gráfico 14 % de americanos leitores de e-books que os procuram nos seguintes meios (2011)

Do relatório PEW, há ainda um aspecto substantivo final a explorar e que desloca a atenção para as opiniões que os inquiridos têm quanto ao tipo de suporte que melhor serve um conjunto de práticas de leitura específicas, ou mesmo de tarefas que se correlacionam. Em Uma História da Leitura, Alberto Manguel advoga que “os formatos essenciais – aqueles que permitem ao leitor sentir o peso físico do conhecimento, o esplendor de vastas ilustrações ou o prazer de andar com um livro ou de o levar para a cama – esses permanecem”128. Ideia que aliás ajuda à interrogação do quadro abaixo. Gráfico 15 % de americanos leitores de livros em papel e e-books nos últimos 12 meses que afirmam qual o formato mais desejável para os seguintes propósitos (2011)

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Manguel, Alberto (1998), Uma História da Leitura, Lisboa, Editorial Presença, p. 157.

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Se é verdade que a regular actividade de leitura em ecrãs não implicou o desaparecimento do livro impresso, interessa acentuar como, entre os seis cenários colocados, só para a leitura de livros a crianças (81%) e para a possibilidade de os partilhar (69%) os indivíduos entendem que o formato em papel é preferível129. Ao invés, a leitura de livros em viagem (73%), a possibilidade de os obter rapidamente (83%), mediante um download por exemplo, ou o vasto leque de títulos disponíveis para escolha (53%) constituem, segundo os inquiridos, vantagens fundamentalmente percepcionadas por referência aos e-books. Ler na cama apresenta-se como o caso excepcional, dividindo a opinião dos leitores: 45% prefere o livro digital nessa situação, enquanto 43% julga mais propício o livro em papel.

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A protecção por DRM (Digital Rights Management), visando controlar o acesso aos livros em ficheiro digital, constituirá certamente uma razão para tornar menos evidente a relação entre a partilha e os ebooks.

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6 A língua e a Internet no contexto global Tiago Lapa

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Introdução À ideia otimista de que a Internet é uma grande oportunidade para melhorar o livre fluxo de informações e ideias de todo o mundo, pode-se contrapor as barreiras linguísticas e outras que se baseiam em processos tradicionais de exclusão social presentes de forma desigual pelo mundo. Há ainda o contraponto que se refere à Internet como um instrumento da globalização e, consequentemente, passível de coadjuvar os processos de hegemonização cultural e a contínua afirmação do inglês como língua franca a nível mundial. Enquanto os internautas anglófonos correspondem a 27% do total, seguidos de perto pelos 25% de falantes de chinês (sem discriminar variantes linguísticas), 55% dos conteúdos presentes na rede está em inglês para apenas 4% de conteúdos em chinês e 2% de conteúdos em português. Daí que se equacione a ideia de uma Internet inclusiva, plural e multilinguística (Pimienta, Prado e Blanco, 2009). A Internet enquanto fenómeno multidimensional (Castells, 2002) tem tido impactos palpáveis no quotidiano, nos universos linguísticos e na relação dos indivíduos com esses universos, embora se desconheça, em larga medida, a dimensão e os sentidos desses impactos, visto ter sido uma linha de investigação relativamente pouco desenvolvida, com algumas exceções. Uma dessas exceções é o trabalho de David Crystal (2006; 2011), que aponta para um conjunto de questões passíveis de ser operacionalizadas, centradas essencialmente na perspetiva linguística. O autor argumenta que o correio eletrónico, as mensagens instantâneas e os chats estão rapidamente a substituir as formas convencionais de correspondência, acompanhando a crescente afirmação da rede como o primeiro porto de escala, tanto para consulta de informação como para as atividades de lazer. Ora, aqui surge a primeira dificuldade: a análise de Crystal centra-se no mundo anglosaxónico e na língua inglesa e, como veremos, não contempla a variabilidade social presente no globo em termos, por exemplo, de utilização da Internet como fonte de informação e comunicação. O seu eixo de análise linguístico foca-se no questionamento central de como as redes informacionais afetam a língua. Neste ponto, Crystal contraria a percepção generalizada de que a “tecnolíngua” (no original, technospeak), ao tornar-se a regra, irá desmantelar as normas linguísticas. Cobrindo na sua análise uma gama alargada de géneros comunicativos, incluindo o correio eletrónico, as mensagens instantâneas, as trocas de mensagens e os conteúdos disponibilizados na rede, defende que a Internet tem incentivado uma expansão dramática em termos de variedade e criatividade da linguagem. Mais próximos de uma perspetiva social, Bryden, Funk e Jansen (2013) interligam as funções da linguagem, que transcendem a transmissão de informações e que variam consoante o contexto social, com a estrutura de interligação entre os indivíduos no Twitter, um serviço de mensagens online amplamente utilizado. Os autores mostram que a rede emergente de comunicação de um utilizador pode ser estruturada numa hierarquia de comunidades e que essas podem ser caracterizadas pelas palavras mais utilizadas. As 189

palavras usadas por um utilizador individual podem, por sua vez, ser usadas para prever a comunidade da qual o utilizador é membro. Isto indica uma relação entre a linguagem humana e as redes sociais e sugere que o estudo da comunicação online oferece um vasto potencial para a compreensão da estrutura da sociedade humana. Esta intersecção analítica entre Internet e língua poderá ser sistematizada noutros eixos de análise. A título de sistematização ensaística e exploratória podemos identificar: um eixo linguístico; um eixo político (que remete para as questões do poder das línguas, das políticas da cultura e da língua e do seu ensino, etc.); um eixo económico (os mercados de conteúdos digitais, a mercantilização da língua nas redes, etc.); um eixo cultural (impacto dos universos linguísticos em termos, por exemplo, de homogeneização ou heterogeneização cultural, no estudo das representações e práticas de leitura e escrita digitais); um eixo social (relação da língua com a formação de comunidades virtuais, peso da língua nas formas dos laços sociais nas redes, os processos de construção social, normativização e negociação dos usos linguísticos na rede, etc.); e um eixo territorial ou geográfico (as geografias linguísticas online). Como argumentou Mark Stefik (1997), ao falarmos de Internet não nos devemos apenas prender na metáfora limitativa de “autoestrada da informação”, mas também noutras quatro metáforas para melhor percebermos a evolução daquela e, acrescentamos nós, a forma como a Internet tem influenciado a importância e a praxis dos universos linguísticos. Essas quatro metáforas, a que correspondem os arquétipos em parêntesis, são a biblioteca digital (O Guardador de Conhecimento), o correio eletrónico – a que podemos acrescentar, nos dias de hoje, outras formas, como as redes sociais, etc. (O Comunicador), o mercado eletrónico (O Mercador) e o mundo digital (O Aventureiro). São metáforas que transpõem para o ciberespaço atividades humanas centrais, não admirando, portanto, que vários inquéritos apontem para a noção alargada entre os respondentes de que o acesso à Internet deve ser considerado um direito humano fundamental (Sociedade em Rede, 2011130; GlobeScan para a BBC, 2010131; Global Internet User Survey, 2012132). Ora, argumentamos nós que essas metáforas, cujo valor heurístico pretendemos utilizar aqui, confluem na relevância e na abertura das línguas nos espaços virtuais. Do questionamento geral sobre para onde a Internet nos está a levar chegamos a outra interrogação sobre para onde o 130

No inquérito representativo da população portuguesa “Sociedade em Rede” de 2011 (CIES-ISCTE), 66,6% dos respondentes concordaram, parcialmente ou na totalidade, com a frase de que o acesso à Internet deveria ser um direito fundamental dos cidadãos. Este valor, embora indicativo da opinião dominante da maioria da população portuguesa, fica aquém das percentagens de respondentes que demostraram a mesma opinião em inquéritos realizados noutros contextos societais. 131 Neste inquérito, quatro em cada cinco adultos (79%) consideram o acesso à Internet como um direito fundamental, de acordo com a pesquisa global conduzida em 26 países para a BBC World Service, cujo resumo pode ser consultado em http://news.bbc.co.uk/2/shared/bsp/hi/pdfs/08_03_10_BBC_internet_poll.pdf. 132 Este inquérito transnacional, realizado pela organização internacional Internet Society, apurou que 83% dos respondentes concordam, em parte ou totalmente, com a noção de que o acesso à Internet deve ser considerado um direito humano básico. Um resumo dos resultados pode ser consultado em https://www.internetsociety.org/sites/default/files/GIUS2012-GlobalData-Table-20121120_0.pdf.

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ciberespaço está a levar o espaço da lusofonia e o que vemos quando as redes espelham as mudanças em Portugal e nas sociedades lusófonas. Outras questões essenciais correlacionadas passam por saber quais das metáforas são hoje mais representativas das práticas dos agentes sociais na Internet e em que sociedades e línguas. Referindo-se a 2007, Cardoso e Araújo (2009: 23-24) argumentavam que a Internet está a evoluir de um espaço de guardadores de conhecimento para um espaço cuja força motora principal é composta pelas atividades comunicativas que dominam os usos quotidianos da Internet e, portanto, mais próximo do arquétipo do comunicador (Stefik, 1997). Contudo, será legítimo considerar que a focalização nas práticas comunicativas compõe apenas uma parte da história e provavelmente dará uma visão incompleta se passarmos da análise das práticas dos utilizadores da Internet para o impacto desta nos universos linguísticos. Além disso, a diferenciação e multidimensionalidade que Stefik propõe poderá servir como guia ao estudo comparativo entre diferentes sociedades quanto às atividades digitais. Neste capítulo iremos fazer uma caracterização global das línguas importantes presentes na Internet e contextualizar as modalidades de utilização ou apropriação dos novos media em Portugal, comparando-as com as de outros países. Pode-se levantar a hipótese, não só teórica mas também operativa do ponto de vista de uma política da língua, de que a difusão da língua portuguesa entrou num novo patamar com o florescimento das novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs), sendo um passaporte para um universo de cerca de 250 milhões de pessoas em todo o mundo, 80% das quais brasileiras. Alguns indicadores suportam esta afirmação: enquanto o português compõe a sexta língua mais falada do globo, é a quinta mais usada na Internet e a terceira nas redes sociais Facebook e Twitter. Ademais, segundo o Observatório da Língua Portuguesa, o português é a língua mais falada no hemisfério sul, com 217 milhões de falantes em Angola, Brasil, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. É necessário ainda registar as diásporas que, juntas, remontam a quase 10 milhões de falantes de português, incluindo os 4,8 milhões de emigrantes portugueses e três milhões de brasileiros, segundo dados de 2010. Macau, Goa e Malaca também têm a pegada linguística deixada pela passagem dos portugueses ao longo da História. Entre as línguas europeias, o português surge como a terceira mais falada e um estudo da Bloomberg considera-a a sexta língua do mundo mais utilizada nos negócios, em particular, de gás e petróleo, dada a relevância das economias angolana e brasileira nestes setores. Considerando a própria língua como elemento cultural agregador passível de ser utilizado como fonte de negócio, a potencialidade de crescimento do espaço virtual como espaço de mercado eletrónico torna a metáfora do Mercador bastante relevante, embora, em certo sentido, se possa pensar as trocas económicas como formas comunicativas, algo que as redes informáticas vieram sublinhar. É neste sentido que apontam as análises de vários autores (Castells, 2002; Ortoleva, 2004; 191

Silverstone, 2005) que, à primeira vista, parecem contrariar a noção sociológica básica de que as sociedades modernas são compostas por subsistemas sociais altamente diferenciados face à organização das sociedades tradicionais (Giddens, 1995; Luhamnn, 2006). A rede e o mundo informacional (Castells, 2002) vieram permitir a confluência de realidades e atividades sociais diversas, o que sedimentou a comunicação como ponto nevrálgico nas nossas sociedades (Silverstone, 2006). Este é um desenvolvimento relativamente recente que começou a desenvolverse nos finais do século XIX (Rantanen, 1997). No entanto, a própria noção de comunicação surge de uma diferenciação, ganhando autonomia e independência face ao conceito geral de transporte. O surgimento de novos meios de comunicação, agora apelidados de tradicionais – o cinema, a rádio, o telefone, etc. – não eram vistos, entre os finais do século XIX e o início do século XX, como fenómenos unitários que pudessem ser agrupados num único conceito (Ortoleva, 2004; Silverstone, 2005). Porém, noções centrais de comunicação e de informação impuseram-se na sua especificidade e autonomia e afirmaram-se como uma ideias centrais da vida social, antes de se tornarem nos finais do século XX objetivos em termos de desenvolvimento económico (Cardoso, 2006). Ao longo do século XX, a comunicação de massa floresceu como “produção institucionalizada e difusão generalizada de bens simbólicos através da transmissão e armazenamento da informação / comunicação” (Thompson, 1990: 219), diferenciando-se de outros modelos comunicativos, como a comunicação interpessoal. Por sua vez, a crescente influência das redes informacionais e comunicativas e a noção de que as sociedades são caracterizadas por modelos de comunicação e não apenas por modelos informacionais (Wolton, 2000; Colombo, 1993; Castells, 2006; Cardoso, 2006), trouxe o reconhecimento de que se estava perante uma nova diferenciação, reificada no modelo emergente apelidado de comunicação em rede (Cardoso, 2006), que entrou num ciclo de afirmação social e cujas forças caracterizadoras e indutoras de mudança se podem condensar em três eixos essenciais: 1) a globalização comunicacional, que abrange as várias articulações entre media de massa e media interpessoais; 2) a mediação em rede, com manifestações na organização e nos tipos de usos; e 3) a ligação em rede, conexa aos diferentes graus de interatividade possibilitados pelas tecnologias disponíveis. Estas questões devem enquadrar uma reflexão sobre o impacto da Internet nos universos linguísticos nos quais se movem modelos comunicacionais, que balizam o que um determinado sistema dos media será, entendido como o conjunto de interligações entre tecnologias e organizações que guiam as diversas formas de comunicação (Ortoleva, 2004), e as possibilidades de desenvolvimento de competências em termos de literacia mediática e, consequentemente, de práticas informacionais e comunicativas. Podemos ainda acrescentar que uma política da língua integrada e informada não poderá estar alheia às formas de organização do sistema dos media e às modalidades de apropriação e domesticação dos media, para utilizar os termos de Silverstone (2005), por parte dos utilizadores das NTICs. Ou seja, não pode 192

ser pensada como se existisse um vazio tecnológico, colocando-se à parte das formas como os indivíduos se relacionam com diversos media, seja a televisão, a rádio, a Internet ou dispositivos emergentes como os tablets ou os e-readers. Perante estas questões, irá proceder-se a uma análise comparada, em primeiro lugar, utilizando dados do World Internet Stats que contextualizam a situação portuguesa e dos países da CPLP quanto ao acesso à Internet e que se reportam também à importância da língua portuguesa nessa rede global. Desta forma, olha para os espaços regionais e nacionais como espaços desiguais e que têm tido percursos de desenvolvimento das práticas informacionais e comunicacionais diferenciados. Ainda numa perspetiva de comparação transnacional serão analisados, num segundo momento, dados do World Internet Project (WIP 2008, 2009, 2010), representativos dos contextos nacionais, e que incluem dados obtidos pelos inquéritos “Sociedade em Rede”. Neste âmbito, haverá uma focalização nas práticas comunicativas e informativas digitais nos meios de comunicação tradicionais face aos meios digitais, e será comparada a forma como se estruturam as práticas digitais caracterizadoras dos internautas de cada sociedade, tendo em conta as especificidades contextuais e tendo como padrão a multidimensionalidade das atividades digitais. Uma terceira parte será mais focada nas tendências relativas à ecologia digital em Portugal, escrutinando-se um conjunto de indicadores relativos às novas formas de utilização da Internet (por exemplo, redes móveis) e à utilização de novos dispositivos como tablets e e-readers. São dispositivos que articulam novas formas informação e comunicação, ou o Guardador de Informação com o Comunicador, e que podem ser entendidos como elementos que introduzem outros níveis de diferenciação com “corporealidade” física. Por exemplo, o e-reader enquanto dispositivo especializado para responder à ideia de biblioteca digital. Neste âmbito, será ainda comparada a situação em Portugal com dados relativos aos EUA, antes de se proceder à discussão relativa à emergência de novas tendências e diferenciações.

Os contextos da Internet: perspectiva comparada de Portugal no Mundo Na obra Galáxia Internet, Castells (2004) tem uma visão do impacto da Internet na atual sociedade que surge na sequência de outras galáxias que um dos mais importantes comunicólogos do séc. XX, McLuhan (1962), já trouxera a público no apogeu dos media de massa: a Galáxia Gutenberg e a Galáxia Marconi. Castells frisa não só a dimensão exponencial que as redes digitais ganharam na ainda recente história da Internet, como também os extraordinários atributos que fazem dela um dos principais motores de mudança na cultura do séc. XXI. No entanto, não deixa de a problematizar os desafios e problemas, do ponto de vista económico, social e cultural, que dela podem resultar, trazendo para a dianteira uma perspectiva analítica que a enquadra no contexto em que é utilizada e pensando na forma como é organizada. 193

Neste sentido, Castells reconhece que os impactos da Internet não são unívocos, situando-se entre dois processos sociais que espelham uma espécie de “dualidade da estrutura” – para usar o conceito de Giddens (1984) - da Internet: um processo mais próximo da agência social, que potencia a inovação, a criatividade, a produtividade e a riqueza; e outro mais próximo dos constrangimentos da estrutura social, marcado pela volatilidade, insegurança, desigualdade e exclusão social. No entanto, o autor foca-se na função transformativa que a conexão em rede de diferentes tecnologias está a exercer nas estruturas macrossociais e isto baseado em análises empíricas que mostram como as redes digitais têm vindo a alterar as concepções de economia, mercado, trabalho e gestão empresarial e a própria noção de comunidade, central no estudo das interações sociais, defendendo que há uma nova sociabilidade baseada numa dimensão virtual ou num “espaço dos fluxos” que transcende o tempo e o espaço e provoca alterações de paradigma. Consequentemente, Castells defende que “a Internet tem uma geografia própria” (2004: 245): por um lado, porque não é meramente sobreponível à geografia física, amplamente estruturada pelos constrangimentos espacio-temporais; por outro lado, porque produz efeitos dados os pontos nevrálgicos por onde passa e a partir dos quais as redes digitais atuam na desconstrução e construção de novos panoramas sociais. Desta forma é relevante olhar para a distribuição geográfica das transformações correntes, reportando-nos ao crescimento mundial dos utilizadores da Internet e às mudanças ao nível da penetração da mesma em percentagem da população, como podemos observar na tabela 1. Tabela 1. Utilização mundial da 2012) Regiões População Utilizadores do (Est. 2012) da Internet Mundo (31 Dez, 2000) África 1,073,380,925 4,514,400 Ásia 3,922,066,987 114,304,000 Europa 820,918,446 105,096,093 Médio 223,608,203 3,284,800 Oriente América 348,280,154 108,096,800 do Norte América 593,688,638 18,068,919 Latina / Caraíbas Oceânia 35,903,569 7,620,480

Internet e estatísticas populacionais (30 de Junho, Utilizadores da Internet (30 Jun., 2012) 167,335,676 1,076,681,059 518,512,109 90,000,455

Penetração (% população)

Crescimento Utilizadores 2000-2012 % da Tabela

15.6 % 27.5 % 63.2 % 40.2 %

3,606.7 % 841.9 % 393.4 % 2,639.9 %

7.0 % 44.8 % 21.5 % 3.7 %

273,785,413

78.6 %

153.3 %

11.4 %

254,915,745

42.9 %

1,310.8 %

10.6 %

24,287,919

67.6 %

218.7 %

1.0 % 194

/ Austrália TOTAL 7,017,846,922 360,985,492 2,405,518,376 34.3 % 566.4 % Mundial Fonte: Internet World Stats – www.internetworldstats.com/stats.htm

100.0 %

Através da leitura da tabela 1 identificam-se claramente as regiões mais desenvolvidas, quer em termos económicos quer em termos de desenvolvimento de Sociedades Informacionais (Castells, 2002, Cardoso, 1999), compostas essencialmente pela América do Norte, Oceania e Europa - havendo dentro do espaço europeu várias desigualdades, como se pode verificar, mais adiante, na tabela 2. Sem surpresas, África ocupa o último lugar com apenas 15,6% de penetração da utilização da Internet entre a população, encontrando-se depois a Ásia com 27,5%, abaixo do Médio Oriente e da América Latina e Caraíbas com penetrações de 40,2% e 42,9% respectivamente. Em termos globais, a penetração mundial da Internet é de 34,3% e mesmo nas regiões desenvolvidas a sua utilização ainda não é universal; mesmo na América do Norte há mais de 20% de não utilizadores. Assim sendo, a Internet ainda não teve o sucesso de penetração na sociedade como a utilização do telemóvel, uma tecnologia ainda mais bem sucedida. Estamos ainda longe da implementação global de uma Sociedade de Informação, que tenha um significado inteligível para o quotidiano de muitos indivíduos do planeta. O que não invalida a importância das redes informáticas a nível global, cujo impacto se faz sentir na compressão e alcance espacio-temporal que acompanha a globalização (Giddens, 1995). Neste sentido, alguém que nunca utilizou a Internet poderá, contudo, mesmo sem se aperceber, ver a sua vida afetada pelas redes globais de informação (Castells, 2002). E assumindo que nem todos os indivíduos possuem os mesmos recursos, de poder ou outros, em qualquer sociedade, a utilização das redes informáticas por uma elite ou por um dado grupo social poderá ter um enorme impacto numa dado contexto, como parece ter sido o caso no Médio Oriente. Em contraste com a noção de convergência na senda da Sociedade de Informação e pós-industrial de Bell (1973), unificada e globalizada, que tem o Ocidente como bússola e que teve eco nas noções de “fim da história” (Fukuyama, 1992) e de “fim da geografia” (O’Brien, 1992), Qiu (2013) defende tendências diferenciadas, com caminhos ramificados e historicamente contextualizados, em direção a “sociedades em rede”. Daí as acusações legítimas de etnocentrismo, por parte de Qiu, a essas perspectivas de cariz evolutivo e centradas numa visão ocidentalizada e linear do devir histórico. O argumento de Qiu é que as redes podem ser globalizadas e que a compressão espacio-temporal de que fala Giddens (1995) pode ter aproximado as sociedades quanto às dinâmicas de interdependência, mas a geografia (a física) ainda conta, noção que é secundada por Unwin (2013) quando discute as relações entre as novas tecnologias e o desenvolvimento económico e social. As configurações 195

geograficamente estruturadas da Internet dão aso a manifestações plurais das dinâmicas macrossociais, pelo que Qiu acrescenta à noção de “espaço dos fluxos” de Castells (2002) a noção de “espaço dos lugares”, mesmo entre o território, aparentemente descontextualizado, do ciberespaço. Mas apesar das enormes diferenças entre as regiões do globo é de salientar o enorme crescimento da utilização da Internet em África, no Médio Oriente e na América Latina, regiões que apresentam ainda um enorme potencial de crescimento, que poderá, porém, ser travado pelos processos de exclusão social e territorial que assolam muitos indivíduos desses territórios. Poderá servir assim a utilização da Internet como indicador do grau de desenvolvimento das sociedades, interligando-se com outros fatores, como sejam os indicadores tradicionais de exclusão social, o grau de desenvolvimento do serviço de educação e o papel do Estado e das políticas públicas, a regulação e a estrutura do mercado de telecomunicações, etc. Estes mesmos fatores poderão servir para diferenciar e explicar as diferenças existentes entre as sociedades europeias, que podemos vislumbrar na tabela 2. Tabela 2. Utilização da Internet e estatísticas populacionais no contexto europeu (27 membros da EU) (30 de Junho, 2012) População Utilizadores Penetração Utilizadores Utilizadores (2012 Est.) da Internet (% (% Total do Facebook (30 Jun., População) Europa) (31 Dez., 2012) 2012) Alemanha 81,305,856 67,483,860 83.0 % 13.0 % 25,332,440 Áustria 8,219,743 6,559,355 79.8 % 1.3 % 2,915,240 Bélgica 10,438,353 8,489,901 81.3 % 1.6 % 4,922,260 Bulgária 7,037,935 3,589,347 51.0 % 0.7 % 2,522,120 Chipre 1,138,071 656,439 57.7% 0.1 % 582,6 Dinamarca 5,543,453 4,989,108 90.0 % 1.0 % 3,037,700 Eslováquia 5,483,088 4,337,868 79.1 % 0.8 % 2,032,200 Eslovénia 1,996,617 1,440,066 72.1 % 0.3 % 730,16 Espanha 47,042,984 31,606,233 67.2 % 6.1 % 17,590,500 Estónia 1,274,709 993,785 78.0 % 0.2 % 501,68 Finlândia 5,262,930 4,703,480 89.4 % 0.9 % 2,287,960 França 65,630,692 52,228,905 79.6 % 10.1 % 25,624,760 Grécia 10,767,827 5,706,948 53.0 % 1.1 % 3,845,820 Hungria 9,958,453 6,516,627 65.4 % 1.3 % 4,265,960 Irlanda 4,722,028 3,627,462 76.8 % 0.7 % 2,183,760 Itália 61,261,254 35,800,000 58.4 % 6.9 % 23,202,640 Letónia 2,191,580 1,570,925 71.7 % 0.3 % 414,52 Lituânia 3,525,761 2,293,508 65.1 % 0.4 % 1,118,500 196

Luxemburgo 509,074 462,697 90.9 % Malta 409,836 282,648 69.0 % Países16,730,632 15,549,787 92.9 % Baixos Polónia 38,415,284 24,940,902 64.9 % Portugal 10,781,459 5,950,449 55.2 % Reino Unido 63,047,162 52,731,209 83.6 % República 10,177,300 7,426,376 73.0 % Checa Roménia 21,848,504 9,642,383 44.1 % Suécia 9,103,788 8,441,718 92.7 % TOTAL 820,918,446 518,512,109 63.2 % EUROPA (EU27 + Restantes) Fonte: Internet World Stats – Para a consulta da tabela www.internetworldstats.com/stats.htm

0.1 % 0.1 % 3.0 %

227,52 217,04 7,554,940

4.8 % 1.1 % 10.2 % 1.4 %

9,863,380 4,663,060 32,950,400 3,834,620

1.9 % 1.6 % 100.0 %

5,374,980 4,950,160 250,934,000

completa para a Europa ver

Podemos retirar do quadro acima algumas ilações. Em primeiro lugar, o espaço europeu é desigual, com profundas diferenças face à penetração da Internet, apesar de serem países que pertencem, hoje, ao bloco económico e político da União Europeia, enquadrados em políticas comunitárias comuns, embora este seja um indicador, entre outros, da falta de convergência no seio da Europa. Se assumíssemos uma perspetiva de olhar os dados relativos à Internet como um indicador de uma evolução mais ou menos linear a caminho de uma Sociedade de Informação, como o fazem alguns autores inspirados por Bell (1973), diríamos que temos sociedades pouco desenvolvidas, ou periféricas do ponto de vista informacional: veja-se o caso da Roménia ou da Bulgária (próximas aliás de Portugal e da Grécia) e outras na vanguarda desse desenvolvimento, ultrapassando mesmo a América do Norte (veja-se em particular o caso dos países nórdicos). Mesmo entre as sociedades ocidentais, a promessa de uma Internet como uma força descentralizadora e niveladora não é sustentável face ao exame empírico. Como o estudo de Zook (2005) sobre a geografia da Internet demonstra, a distribuição espacial de domínios comerciais na rede nos EUA é muitíssimo desigual, tanto a nível nacional, concentrando-se no nordeste e no sudoeste, como a nível das cidades, centrando-se numas poucas áreas seletas de São Francisco e Nova Iorque. Embora o registo de domínios nos dê apenas uma estimativa rudimentar das origens dos conteúdos online, este padrão da geografia da Internet contradiz a perspetiva de que a distância já não importa com a expansão global do “espaço dos fluxos”. A mudança social é, em consonância com Qiu (2013), mais complexa e os caminhos históricos do desenvolvimento das sociedades multidimensionais. Vários indicadores poderão 197

concorrer para explicar tais discrepâncias, contudo parece algo evidente pelos dados que o passado dos países de leste marcado por um tipo de modelo económico e social socialista pouco parece explicar, pois mesmo entre essas sociedades há evidentes diferenças, as quais poderão ser melhor visualizadas na figura 1. Fatores como o desenvolvimento económico, o PIB per capita, o tipo de Estado-Providência e as políticas públicas, assim como o grau de desigualdade existente em cada sociedade, poderão eventualmente explicar melhor tais diferenças. Além disso, o peso populacional é importante, o que depois se vai refletir na importância de línguas como o alemão, o francês ou o castelhano na Internet, como analisaremos mais adiante. Ainda um dado interessante é que o número de utilizadores da Internet não é um bom indicador do número ou percentagem de utilizadores da rede social mais popular no mundo, o Facebook, a julgar pelas discrepâncias evidentes dos números de utilizadores da Internet e do Facebook em países como a Alemanha, a Áustria ou até mesmo a França, onde o número de utilizadores dessa rede social não chega a metade do número total de utilizadores da Internet. Mas analisaremos mais uma vez as diferenças entre os países europeus com o apoio visual da figura 1: Figura 1. Dendograma da análise de clusters com o método do vizinho mais próximo, usando a distância euclidiana quadrada como medida de dissemelhança.

198

Recorrendo à figura que se encontra acima, um dado que salta à vista é o isolamento da Roménia face aos restantes países europeus, com a mais baixa taxa de penetração da Internet, não chegando a metade da sua população. Podemos ainda identificar mais quatro clusters ou agrupamentos que, curiosamente, agregam países com alguma proximidade cultural, histórica e, em muitos casos, geográfica. Veja-se por exemplo o agrupamento que agrega os países escandinavos, os países-baixos e o Luxemburgo, com taxas de penetração da Internet que oscilam em torno dos 90% e que compartilham níveis de desenvolvimento elevados, aliados a um tipo de EstadoProvidência desenvolvido ainda que não propriamente do mesmo tipo. Segundo a tipologia de Esping-Andersen (1990) os países escandinavos têm um modelo de Estado-Providência social-democrata enquanto os Países-Baixos e o Luxemburgo estão entre esse modelo e o modelo continental que caracteriza países como a Alemanha e a França. Estes dois países, juntamente com o Reino Unido, a Áustria, a Irlanda e a Bélgica compõem o segundo agrupamento, acompanhados de dois países vindos do 199

antigo Bloco de Leste, a Eslováquia e a Estónia. Este, por seu turno, agrega sociedades com taxas de penetração à volta dos 80%, algumas economicamente desenvolvidas, outras com um grau de desenvolvimento económico mais intermédio, com modelos de Estado-Providência de tipo continental, de tipo liberal, como é o caso dos países anglófonos, e “modelos” de Providência pós-socialistas (Semetko, 2003), difíceis de tipificar dadas as diferenças entre as próprias sociedades ex-socialistas. Num terceiro agrupamento temos os restantes países de leste, à exceção da Bulgária, juntamente com Espanha e Malta, com taxas de penetração próximas dos 65% e dos 70%. Dada a evidência das diferenças entre as sociedades de leste, o passado socialista comum não poderá servir de ponto de partida, apesar de Castells (2002), na sua análise das sociedades informacionais, apontar como um dos fatores internos do falhanço económico do Bloco de Leste a falta de capacidade estrutural para dar o salto evolutivo informacional, criando-se assim mais uma desvantagem económica face ao Ocidente. Desvantagem esta que os países de leste têm procurado colmatar, embora a ritmos diferentes consoante os contextos societais, sendo de realçar que muitas dessas sociedades já ultrapassaram, neste âmbito, a maioria dos países do Sul da Europa, facto a que não serão alheios os diferenciais em termos de escolarização e nível médio de literacia133. Seria também interessante olhar para as diferenças em termos de políticas públicas e da presença no discurso político da importância das tecnologias da informação. Os restantes países do Sul, Chipre, Itália, Grécia e Portugal, caracterizados por um Estado-Providência desprivilegiado (Torres, 2006), acompanhados pela Bulgária, compõem o último agrupamento com taxas de penetração entre os 50% e os 60%. O menor desenvolvimento económico (embora Itália seja um caso diferente, caracterizada por um desenvolvimento desigual entre Norte e Sul no próprio país), uma herança histórica em termos de baixos níveis de escolaridade e de literacia, tendo em conta o contexto europeu, as políticas públicas, e em particular, as relativas ao sistema de ensino, entre outros fatores, poderão explicar este “atraso” face à maioria dos restantes países da Europa. Desde a explosão inicial do “espaço dos fluxos” depois da queda do muro de Berlim e desde os anos da bolha dotcom, Qiu (2013) argumenta a favor da reemergência do “espaço dos lugares”, que adicionou importantes nódulos funcionais e culturais à sociedade em rede alargada. Neste âmbito, podemos mencionar a centralidade de determinadas áreas urbanas na indústria global da Internet, como identificado por Zook (2005), e que permite a Florida (2005) falar de “picos” identificáveis nas indústrias culturais globais presentes nas redes. Ademais, para além da importância da ação governamental na definição de ciberespaços nacionais, dadas determinadas ações de censura e políticas de filtragem por parte dos Estados (Deibert et al., 2008), fronteiras espaciais similares emergem devido a fatores culturais e 133

Aqui entendida no seu sentido mais tradicional. Sobre a discussão em torno do conceito de novas e “velhas” literacias ver Livingstone (2004).

200

linguísticos. Estes processos analisados nos estudos globais da comunicação assinalam a forma como os media, incluindo a Internet, contribuem para a moldagem de “regiões geo-linguísticas” (Sinclair et al., 2002; Thussu, 2006). Para além de outros espaços que se interligam com os espaços imateriais das redes, um outro tipo de “espaço dos lugares” mencionado por Qiu (2013) refere-se às comunidades virtuais e aos locais de co-presença imateriais como as redes sociais online, que surgem como novos tipos de localidade onde os significados sociais e a memória coletiva podem ser criados. Isto é ainda manifesto nos jogos online, onde jogadores graúdos e mais novos partilham paisagens gráficas online que se tornaram estruturas concretas da experiência social coletiva. Qiu sustenta que o crescimento do “espaço dos fluxos” necessita da criação de novos lugares e do rejuvenescimento de alguns locais tradicionais, altamente heterogéneos. Logo, esclarece que existem muitos “espaços dos lugares” que refletem e reproduzem o mosaico de estruturas espaciais humanas on e offline. Será, portanto, relevante olhar para a situação portuguesa no seio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), apresentada na tabela 3. Este olhar releva aquilo que alguns autores caracterizam como a situação semiperiférica da sociedade portuguesa (Santos, 2013) no contexto mundial, dada a situação periférica face a outros países europeus, mesmo quando tinha uma relação de colonizador com alguns países africanos e algumas regiões na Ásia. Esta análise é assim útil para compreender melhor a posição relativa dos países de expressão lusófona, que partilham uma história e língua oficial comuns, embora se reconheça os contornos culturais e linguísticos complexos e diversificados no seio da CPLP. Constitui, no entanto, um indicador importante da taxa de penetração da Internet entre os falantes de português no mundo. Tabela 3. Utilização da Internet e estatísticas populacionais no contexto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (30 de Junho, 2012) População Utilizadores Penetração Utilizadores (2012 Est.) da Internet (% do Facebook (30 Jun., População) (31 Dez., 2012) 2012) Angola 20,139,765 2,976,657 14.8 % 645,460 Brasil 193,946,886 88,494,756 45.6 % 58,565,700 Cabo Verde 523,568 167,542 32.0 % 107,340 Guiné-Bissau 1,628,603 43,484 2.7 % n/a Moçambique 23,515,934 1,011,185 4.3 % 362,560 Portugal 10,781,459 5,950,449 55.2 % 4,663,060 São Tomé e 183,176 36,928 20.2 % 6,940 Príncipe Timor-Leste 1,143,667 10,293 0.9 % n/a Fonte: Internet World Stats – www.internetworldstats.com/stats.htm 201

Podemos verificar que o Brasil não está muito distante de Portugal quanto àquele indicador mas o facto de ter uma população muito maior isso traduz-se, em termos absolutos, num número de utilizadores também ele muito mais elevado. É essencialmente por causa do Brasil que o português é uma das línguas mais utilizadas na Internet, sendo que a ideia de constituição de um grande mercado lusófono tendo por base a distribuição de conteúdos digitais tem por base vários milhões de internautas e um grande potencial de crescimento, como se pode também apurar através da tabela 4. Vale ainda a pena localizar a língua portuguesa quanto à sua utilização nos espaços virtuais numa comparação com outras línguas. Podemos argumentar que, hoje em dia, a relevância cultural e até mesmo económica de uma língua passa, em grande medida, pela sua importância nas redes. Neste âmbito, têm surgido alterações quanto às línguas mais utilizadas na Internet, havendo uma progressiva equiparação entre os mundos on e offline. Na tabela 4, podemos ver o top 10 das línguas na Internet, com a língua portuguesa a aparecer em 5º lugar. Tabela 4. Ranking das línguas utilizadas Internet por língua) Top 10 das Utilizadores Penetração Línguas na da Internet da Internet Internet por Língua por Língua

Inglês

565,004,126

43.4 %

Chinês

509,965,013

37.2 %

Castelhano Japonês Português Alemão Árabe Francês Russo Coreano Línguas no TOP 10 Outras Línguas Total Mundial

164,968,742 99,182,000 82,586,600 75,422,674 65,365,400 59,779,525 59,700,000 39,440,000 1,615,957,33 3 350,557,483

39.0 % 78.4 % 32.5 % 79.5 % 18.8 % 17.2 % 42.8 % 55.2 % 36.4 %

2,099,926,96 5

30.3 %

14.6 %

na Internet (Número de utilizadores da Cresciment Utilizadores População o da da Internet Mundial Internet % do total para a (2000-2011) Língua (2011 estimado) 301.4 % 26.8 % 1,302,275,67 0 1,478.7 % 24.2 % 1,372,226,04 2 807.4 % 7.8 % 423,085,806 110.7 % 4.7 % 126,475,664 990.1 % 3.9 % 253,947,594 174.1 % 3.6 % 94,842,656 2,501.2 % 3.3 % 347,002,991 398.2 % 3.0 % 347,932,305 1,825.8 % 3.0 % 139,390,205 107.1 % 2.0 % 71,393,343 421.2 % 82.2 % 4,442,056,06 9 588.5 % 17.8 % 2,403,553,89 1 481.7 % 100.0 % 6,930,055,15 4 202

Fonte: Internet World Stats – www.internetworldstats.com/stats7.htm Segundo os dados apresentados, há mais de 82 milhões de internautas que falam português, o que representa 3,9% de todos os utilizadores da Internet no mundo, com perspetivas de crescimento face a outras línguas como o japonês ou o alemão, visto ainda haver uma fraca penetração da Internet, que representa 32,5% para a língua portuguesa face a 78,4% e 79,5% para o japonês e o alemão, respetivamente. Seja como for, o número de utilizadores da Internet que fala português cresceu 990,1% nos últimos 11 anos (2000-2011), um aumento extraordinário, embora não seja tão espetacular como o de 1.825% para o número de internautas que fala russo e de 2.501% para o número de utilizadores que fala árabe134. Estes dados são extremamente relevantes se pensarmos que o futuro e a relevância global das línguas poderão passar pelo seu peso no mundo online, para além, de indiciar a possibilidade de criação de mercados digitais estruturados consoante as afinidades linguísticas.

Os “espaços dos lugares”: contextos societais como espaços informativos, sociais ou comunicacionais? A forma como os indivíduos utilizam a Internet tem evoluído desde que esta tecnologia foi introduzida no tecido social, com a afirmação crescente de um modelo de comunicação em rede (Cardoso e Araújo, 2009). Podem-se adiantar seis fatores que contribuem para esta evolução. Podemos ainda insistir na diversificação geográfica e demográfica dos utilizadores da Internet. No começo, os “aderentes precoces” a esta tecnologia pertenciam a um grupo sociodemográfico específico em regiões desenvolvidas do globo, jovens adultos da órbita ocidental altamente interessados e envolvidos na tecnologia. A gradual massificação da Internet trouxe novos tipos de utilizadores, com outros interesses e objetivos particulares. Agindo como inovadores, estes novos aderentes ampliaram os tipos de aplicações e a noção de utilidade associada à Internet. Domesticaram e moldaram a tecnologia face aos seus interesses, tornando a utilização mais variada e nuançada, despertando novas possibilidade e serviços (Findahl, 2007). Acompanhando a variação de interesses no ciclo de vida dos indivíduos surgiram novos serviços online que responderam a novas procuras, desde os serviços de banca direcionados essencialmente aos adultos em idade ativa aos serviços de compras ou de pagamento e gestão de serviços. Todavia, há que contar com importantes e persistentes diferenças regionais. Em países anglófonos como os EUA, o Reino Unido ou a Austrália, a Internet tornou-se um importante mercado digital 134

Refira-se que o registo do número de falantes de línguas no mundo é uma tarefa complexa, em particular, dado o impulso, em muitos países, do ensino do inglês em escolas públicas. Não se sabe ao certo quantas pessoas usam esta língua, que pode ser considerada global e em franco crescimento na China e na Índia.

203

(WIP, 2010; OCDE, 2007; Dutton e Helsper, 2007; Ewing, 2011), atestado por exemplo pelo acréscimo exponencial entre 2000-2006, no Reino Unido, das vendas de bilhetes, mercadorias e serviços (OCDE, 2007). As transações online de bens e serviços deram corpo ao arquétipo do mercador de Stefik (1997), com particular pujança nessas sociedades. Quanto ao sucesso das compras online na Austrália este deve-se não só como meio para fazer face a enormes distâncias e à existência de localidades isoladas e longínquas dos centros urbanos como ao acesso facilitado às promoções e preços de um mercado online globalizado e unido pela língua inglesa, face aos preços praticados pelo comércio a retalho tradicional (Scott, 2011). A análise das diferenças transnacionais quanto ao acesso e usos da internet é estruturada por camadas, ou um jogo de bonecas russas, compondo as camadas mais elementares: o acesso e o tipo de acesso à Internet, seguida da utilização/não utilização da tecnologia135, a que podemos acrescentar diferenças de segunda ordem (Hargittai, 2002; Hargittai e Hsieh, 2013), relativas às modalidades de utilização e aos tipos de competências e experiência dos utilizadores (DiMaggio et al., 2004; Guillén e Suárez, 2005; van Dijk, 2005), que ultrapassam uma análise binária destas questões. Quanto à utilização da Internet por país os dados do World Internet Project (WIP) permitem-nos vislumbrar a sua evolução em alguns países: Tabela 5. Utilização da Internet por País (membros do WIP) (% inquiridos) 2008 2009 2010 2011 Austrália 80,6 Chile 59,3 55,1 Chipre 47,5 57,8 Colômbia 48,4 54,7 EUA 80,0 81,7 82,2 Hungria 46,6 Ilha Formosa 55,1 Israel 72,2 Japão 84,2 Macau 66,0 México 36,6 42,7 Nova Zelândia 82,7 Polónia 54,7 Portugal 40,7 42,9* 49,1* Reino Unido 68,2 República Checa 55,7 Suécia 82,7 84,6 135

Devemos assumir que o acesso e utilização são processos que estão correlacionados mas que são distintos. Um indivíduo pode ter acesso em casa mas não ser um utilizador. Poderá ser o caso de um pai com filhos em idade escolar, por exemplo.

204

(* É de frisar que os dados se referem ao uso efetivo da Internet e não ao seu acesso nos agregados familiares. No caso português o acesso é maior que a utilização. No final de 2011, a taxa de penetração da Internet nos agregados familiares era cerca de 57%, segundo os dados do Inquérito Sociedade em Rede.) Se por um lado há já um conjunto de dados e análises bastante vasto da evolução do uso da Internet nos últimos 20 anos, por outro, alguns estudos começam a identificar e a estudar mais a fundo a não-utilização da Internet e o que assinalam poderá ser alvo de alguns equívocos (Dutton, Helsper e Gerber, 2009; GodoyEtcheverry e Helsper, 2010; Hargittai e Hsieh, 2013). Afinal o que se entende por não utilização e que fatores poderão concorrer para essa não utilização? Se dissociarmos o não acesso e a não utilização da Internet a fatores de exclusão tradicionais no mundo offline (rendimento, níveis de escolaridade e literacia, etc.) então o termo “divisão digital” torna-se problemático. Tampouco significa reduzir as questões da nãoutilização a fatores meramente decisionais, em particular nas sociedades economicamente mais desenvolvidas, onde determinados processos de exclusão social ligados à privação material são mais contidos. Godoy-Etcheverry e Helsper (2010) assinalam que comparar dois países diferentes, mesmo usando as mesmas variáveis de inclusão digital, não é uma tarefa linear, uma vez que existem diferentes níveis de inclusão e interpretações diversas face ao que compõe o ideal de uma inclusão digital plena. Para além disso, uma variável que poderíamos colocar apressadamente no campo decisional, como por exemplo, “não ter interesse”, pode esconder processos sociais mais complexos, como aqueles apontados por Bourdieu (1994), em que faz parte dos processos de exclusão o ato de rejeição infraconsciente dos indivíduos daquilo que lhes é objetivamente negado e que é verbalizado em apreciações em torno do gosto (“não gosto”) ou da utilidade (“não é útil”). Tabela 6. Razões para não usar a Internet, por País (WIP 2010) (% inquiridos) Sem Não sabe Sem Demasiad Sem interesse/ usar/ computador o caro/ tempo/ utilidade Confundid / ligação à Não pode Demasiad o com a Internet pagar o o ocupado tecnologia acesso Chile 22,5 36,7 12,7 5,8 14,9 Cipriotas 62,6 18,2 7,1 1,9 9,7 -gregos Cipriotas 29,9 19,7 16,1 3,1 17,3 -turcos EUA 24,8 13,3 36,5 7,3 2,2 Israel 36,2 19,6 15,1 0,0 16,8 Japão 43,4 27,7 7,2 4,8 8,4

Outra

3,4 0,5 0,0 15,7 10,8 8,4 205

Polónia Portugal Suécia

51,3 45,4 54,2

16,3 26,1 15,7

18,2 10,2 18,5

6,3 9,3 3,1

5,6 5,0 2,8

1,9 0,7 5,2

Um passo importante de clarificação consiste, portanto, em analisar as razões adiantadas pelos respondentes para a não utilização da Internet, apresentadas na tabela 6. Porém, é de assinalar que estes são dados de nível individual que, embora proveitosos para perceber importantes diferenças entre países, não apresentam um quadro completo, faltando variáveis de nível societal que podem contribuir para explicar persistentes diferenças e desigualdades entre as nações, nomeadamente o funcionamento do setor das telecomunicações, a sua regulação, as políticas públicas, as infraestruturas e as disparidades em termos dos custos dos contratos, em particular, face ao poder de compra médio. A principal razão adiantada para a não utilização da Internet é a falta de interesse/utilidade. Os dados acima expostos na tabela 6 apontam para uma realidade complexa que, como argumentámos, não encaixa na divisão binária entre ter ou não ter acesso: em todos os países analisados, as percentagens de indivíduos que apontam dificuldades económicas e que não têm computador ou ligação à rede, são menores e, nalguns casos, bem menores que a percentagem de inquiridos que demonstraram falta de interesse ou que não vêm utilidade, pelo menos para si, na tecnologia. São ainda apreciáveis as percentagens de inquiridos que apontam como razão a falta de competências para usar a tecnologia, o que remete para as questões de literacia digital e para a hipótese da divisão de conhecimento para explicar a desigualdade digital (Hargittai e Hsieh, 2013). Neste campo, Bonfadelli (2002) e van Dijk (2005) argumentaram que as divisões de conhecimento (ou competências) no domínio dos usos dos media digitais podem ser mais severas que as divisões existentes quanto aos usos dos media tradicionais, uma vez que os usos da Internet requerem novos conjuntos de competências, como as estratégias de procura da informação ou as avaliações críticas da credibilidade dos conteúdos (Hargittai e Hsieh, 2013). Outros dados apontam, porém, para uma realidade diferente, se olharmos apenas para os utilizadores mais novos. O estudo de Cardoso, Espanha e Lapa (2009), demonstra que as razões económicas assumem uma importância bem maior entre as gerações mais novas. Apenas uma pequena minoria de jovens não-utilizadores declararam que os motivos se prendem com a falta interesse na sua utilização ou porque não lhe reconhecem utilidade. Eram igualmente bastante minoritários os jovens com a opinião de que não iriam utilizar a Internet no futuro. De qualquer maneira, a tabela 6 permite vislumbrar a diversidade de dinâmicas que podem estar em jogo na não-utilização e na explicação das desigualdades digitais. DiMaggio et al. (2004) estão entre os primeiros a oferecer um enquadramento teórico que leva em linha de conta fatores e consequências da desigualdade digital. A sua abordagem evidencia cinco aspetos da desigualdade relacionada com as 206

tecnologias da informação e comunicação, que também podem ser entendidos como patamares de desigualdade que, por sua vez, podem ser desagregados noutros subpatamares: 1) a qualidade do hardware, do software e da ligação à Internet; 2) a autonomia no uso; 3) competências; 4) a disponibilidade de apoio social; e 5) a extensão e qualidade do uso. Referindo-nos ao primeiro patamar de desigualdade referido por DiMaggio et al. (2004), outro fator que contribuiu para a diversificação da utilização da Internet foi o crescimento exponencial de usos, oportunidades e serviços que advieram da utilização massificada, no Ocidente, da banda larga, o que corresponde a outra camada de diferenciação das sociedades, nos caminhos multifacetados de transformação informacional. O impacto da banda larga verifica-se na frequência e tempo de uso da Internet, mas também na variedade e diversidade de uso (OCDE, 2007), como também observaremos mais adiante. Na verdade, a banda larga desempenha um papel de acelerador para diversas atividades online, como demonstrado por pesquisas em diversos contextos: na Austrália, no estudo de Ewing e Thomas (2009), ou na Suécia, na análise de Findahl (2009). Além disso, a mudança de direção para as conexões de banda larga não só tem atraído um grande leque de políticas sociais e de diversificação de novos serviços disponibilizados no mercado como também possibilitou a convergência mediática (Jenkins, 2006) de formas tradicionais de informação e entretenimento, tornando-as acessíveis online - desde ouvir e descarregar músicas até ao acesso a uma ampla gama de programas de rádio e televisão. Acrescente-se que os indivíduos com acesso à banda larga em casa estão muito mais inclinados para realizar um amplo conjunto de atividades online em comparação com aqueles sem esse tipo de ligação. Aqui as diferenças são altamente notáveis: já em 2006, em comparação com os utilizadores de banda estreita, verificouse, na Noruega, que a probabilidade de um utilizador com banda larga ouvir rádio ou assistir a programas de TV através do computador pessoal era 30% maior; nos EUA, a probabilidade de ler ou descarregar jornais online era 20% superior; e, em Espanha e nos EUA, a probabilidade de um internauta com banda larga adquirir bens ou serviços encomendados era igualmente 20% mais elevada (OECD, 2007; Cardoso e Araújo, 2009). Tabela 7. Número de minutos, por semana, que utiliza a Internet com ligação com fio (WIP 2010) (Média) Casa Local de Escola Outro local trabalho Chile 703,4 265,6 133,9 279,7 Cipriotas677,3 403,7 27,7 42,4 gregos Cipriotas751,7 618,4 278,3 216,9 turcos EUA 764,2 556,5 263,6 40,4 207

Israel Japão Polónia Portugal Suécia

386,4 659,7 369,8 1067,6 721,0

206,9 533,3 178,9 343,1 560,7

33,3 711,7 24,7 98,6 340,9

56,8 39,2 27,0 61,9 66,1

Ainda um outro fator de diferenciação é o próprio local de acesso à Internet com ligação com fio e a extensão do seu uso, como podemos observar na tabela 7. Na generalidade dos países, com a exceção do Japão, é em casa que se despende mais tempo, em termos médios, na Internet, com Portugal a assumir a dianteira. A exceção do Japão poderá ter a ver com a enorme importância da utilização da rede em dispositivos móveis (Mikami, 2009), que não está obviamente confinada a um local específico. Quanto à extensão da utilização no local de trabalho, são os internautas cipriotas-turcos, suecos, estado-unidenses e japoneses aqueles que mais tempo despendem ligados à rede. Existem também diferenças marcantes quanto ao tempo despendido na rede no meio escolar, que pode ser entendido como um local com uma importância estratégica quanto ao desenvolvimento e promoção da info-literacia de sectores da população juvenil (Cardoso, Espanha e Lapa, 2009). Neste campo, a Suécia e, particularmente, o Japão assumem a dianteira. É entre os internautas chilenos e os cipriotas-turcos que se dispensa mais tempo na Internet noutros locais, o que pode ser um indicador da importância de locais alternativos nesses contextos, mas originalmente populares, como cibercafés ou bibliotecas públicas. Em termos genéricos, DiMaggio et al. (2004) afirmam que o aumento do tempo de uso tem um impacto sobre a melhoria das competências digitais dos povos, remetendo-nos ao terceiro fator apontando pelos autores, o que, por sua vez, contribui para o alargamento dos usos da Internet e para o aumento das literacias digitais. A extensão do uso interliga-se igualmente com o quinto patamar assinalado atrás uma vez que os utilizadores vão adquirindo mais experiência com as ferramentas da Internet, o que se poderá refletir não só na confiança quanto às próprias competências como na confiança face à própria tecnologia, que é de importância central nos usos utilitários da Internet como a aquisição online de bens e serviços ou a utilização da banca eletrónica. A acompanhar este movimento as próprias ferramentas estão a tornar-se cada vez mais amigáveis para os utilizadores, permitindo que estes melhorem continuamente as suas competências digitais, em paralelo ao aumento da educação formal e das iniciativas relacionadas com a alfabetização digital. Um fator adicional, a par do desenvolvimento da banda larga, prende-se com o surgimento de inovações ao nível do software, nomeadamente, o aparecimento das aplicações que têm sido rotuladas por aplicações Web 2.0 e que edificam a ecologia dos media sociais (Dutton e Helsper, 2007; Ellison e Boyd, 2013). A Web 2.0 abriu portas para a inovação nos modos de uso e apropriação das aplicações pelos internautas, sendo de referir a maior facilidade de produzir e difundir conteúdos 208

gerados pelo utilizador. Com as aplicações da Web 2.0 tornou-se exequível para os utilizadores comuns criarem redes virtuais em torno de conteúdos recém-criados e trocar comentários sobre esses conteúdos, recriando assim o papel comunicativo das redes. A Web 2.0 fornece uma forma de consolidar as redes sociais, ampliando as oportunidades de comunicação online existentes, seja através da interação instantânea ou da partilha e do manuseamento em rede dos conteúdos online. As mesmas tecnologias facilitam, ao mesmo tempo, a produção de materiais audiovisuais para uso privado, bem como a articulação do armazenamento e da transmissão de conteúdos com audiências de massa (Dutton e Helsper, 2007). De facto, uma das grandes mudanças na forma como as pessoas usam a Internet desde 2005 tem sido o aumento de popularidade dos sites de redes sociais que se reverteu na expansão das possibilidades existentes para os indivíduos comunicarem e interagirem uns com os outros, tais como o correio eletrónico, chats e blogues, que, segundo Cardoso e Araújo (2009) constituiu mais uma contribuição para o aumento do papel central da comunicação nas redes. Ainda outra camada de diferenciação que tem merecido especial interesse nas investigações dos últimos anos prende-se com a generalização das redes móveis e sem fios presentes em diversos dispositivos (Dutton e Blank, 2011; Blank e Dutton, 2012; Cardoso, Liang e Lapa, 2013). Este compõe um fator complementar na explicação das diferenças societais que contribui para a ampliação de usos e a multiplicação dos próprios contextos de utilização da Internet. Nos anos iniciais do século XXI, a Internet entrou em casa, escapando a outros lugares de uso - ou seja, cibercafés, escolas e universidades. Mais recentemente, com a proliferação de computadores e dispositivos portáteis e com a expansão da utilização da Internet em telemóveis, a que não são alheias a competição no mercado das telecomunicações e a oferta de pacotes atrativos, os contextos de uso da Internet têm vindo a expandir-se novamente, proporcionando uma oportunidade para o desenvolvimento de usos inovadores da tecnologia e, simultaneamente, aumentando o tempo disponível para ser gasto online. Neste âmbito, cresce o interesse em analisar as características dos utilizadores da “próxima geração” (Dutton e Blank, 2011; Blank e Dutton, 2012) que acedem à Internet em movimento e em vários dispositivos, realidade que tem sugerido novas distinções quanto às modalidades de uso, nomeadamente entre utilizadores constantes, que estão sempre conectados à Internet, e utilizadores frequentes e móveis. É igualmente relevante a distinção entre utilizadores ativos e produtores ativos, e entre os usos informativos e as atividades comunicacionais e relacionais, em particular nas redes sociais (Cardoso, Liang e Lapa, 2013). No que concerne à utilização da Internet através de dispositivos sem fios, verificam-se enormes diferenças entre as sociedades, com o Japão e os EUA a assumirem a dianteira. O Japão é um exemplo de como as políticas governamentais e uma intensa competição no mercado desde os anos 90 acelerou a disseminação dos novos media como a Internet e os telemóveis, o que se refletiu na utilização da rede 209

em dispositivos móveis (Mikami, 2009). Baseado nos inquéritos do WIP aos utilizadores japoneses, Mikami apurou que a Internet não é apenas percecionada como uma fonte de informação ou entretenimento, comparado com os media tradicionais como a televisão e os jornais, é um portal de entrada em movimento. Nesse país os utilizadores com Internet móvel superam em larga medida os utilizadores apenas com ligações fixas – apesar da utilização dos media sociais ser maior na computadores pessoais utilizados em casa, talvez por questões de velocidade e de largura de banda. Seja como for, é um exemplo de um país com uma ecologia dos media distintiva: dada a apropriação generalizada e intensa de telemóveis, o caso japonês demonstra que a ecologia dos media pode influenciar as escolhas e as opções dos utilizadores e vice-versa. Tabela 8. Utilização da Internet através de dispositivos sem fios, por País (membros do WIP) (% inquiridos) 2008 2009 2010 2011 Austrália 51,4 Chile 25,3 23,9 Chipre 36,6 24,7* Colômbia 19,2 21,6 EUA 41,9 52,4 33,0 Hungria 8,0 Israel 22,8 Japão 34,9 Macau 28,7 México 59,8 Nova Zelândia 49,7 Polónia 8,2 Portugal 8,9 12,0 Reino Unido 17,5 República 14,9 Checa Suécia 36,3 24,2 * Média entre cipriotas gregos e turcos Quanto ao acesso à Internet, Taplin (2013) fala de um atraso tecnológico em termos de velocidades e difusão da banda larga que persiste fora do Japão e da Coreia do Sul. O autor chama a atenção para a importância dos contextos nacionais e para a forma como estão estruturados os mercados de telecomunicações, visto que as diferenças tecnológicas entre países não podem ser atribuídas a insuficiências na espinha dorsal da Internet. Pelo contrário, a capacidade “excessiva” das redes de longa distância tem conduzido antes a reduções drásticas de preços. Os EUA e países 210

europeus como Portugal estão agora a seguir os passos do Japão e da Coreia do Sul com a introdução das redes de quarta geração (4G), o que poderá alterar e diversificar ainda mais os usos da Internet e acelerar o movimento de uma utilização sem lugar fixo. De acordo com Taplin, os desenvolvimentos no futuro próximo passam, portanto, pela vinda da Banda Muito Larga e daquilo que tem sido apelidado de Rede Visual, um termo que pretende dar conta da enorme relevância das várias formas de vídeo no tráfego global dos consumidores, inclusive dos consumidores móveis. Tem também sido registada a tendência de crescimento acelerado do tráfego móvel de dados. Porém, perante os dados do WIP, a utilização mais generalizada das redes móveis não serve como indicador das intensidades do uso dessas redes como é indicado na tabela 9. Neste caso, curiosamente, os inquiridos portugueses que usam dispositivos móveis estão na dianteira, a par dos inquiridos dos EUA, o que indicia que, apesar da menor percentagem de utilizadores de Internet móvel no nosso país, esta é composta, em geral, de utilizadores intensivos. Tabela 9. Número de minutos, por semana, que utiliza a Internet em dispositivos sem fio (Média) 2008 2008 2009 2009 2010 (Telemóvel (PC (Telemóve (PC (Dispositivos ) portátil) l) portátil) Móveis: Smartphones, tablets, etc.) Austrália 37,5 710,0 Chile 73,4 441,0 Chipre 152,2 697,5 Colômbia 42,2 168,9 16,3 328,2 EUA 109,9 611,9 168,2 639,5 285,1 Hungria 314,3 330,3 Ilha Formosa 65,4 228,7 Israel 45,6 Japão 201,7 Macau 94,7 419,4 México 26,2 Nova 113,0 678,7 Zelândia Polónia Portugal 282,8 Reino Unido República 79,7 331,4 Checa Suécia 62,4 507,7 99,6 211

A Internet é agora mais proficiente devido ao aumento de desempenho e, consequentemente, de precisão, com atualizações bem mais frequentes. Nos primeiros dias desta tecnologia, as páginas da Web não eram atualizadas tantas vezes como hoje e as informações tendiam a ser datadas. Por conseguinte, além de constituir o tradicional portal de informação, a Internet tornou-se "uma enciclopédia uma ajuda para encontrar datas, horários e endereços, um dicionário e um recurso de linguagem, um lugar de mercado, e um lugar para encontrar notícias e ler revistas" (WIP, 2008: 51). A conjunção destes vários fatores conduziu à expansão dos usos da Internet, embora em escalas diferentes para os vários grupos sociodemográficos. Por exemplo, como foi mostrado na Finlândia (Sirkiä et al., 2005), o alcance e a variedade de usos da Internet são diferenciados de acordo com a idade. Segundo a OCDE (2008), jovens usam a Internet de formas consideravelmente mais variadas do que as pessoas mais velhas. De modo similar, nos Países-Baixos foi apurado que a frequência do uso da Internet é muito maior entre os internautas mais jovens do que entre os utilizadores mais velhos, verificando-se o mesmo em termos de variedade de usos. A média etária apurada dos utilizadores com 10 atividades na Internet foi de 32 anos, em comparação com uma média de 49 anos de idade para internautas que se cingiam essencialmente a uma atividade (OCDE, 2008). Tendências semelhantes foram encontradas na Itália e em Portugal em estudos geracionais da Internet e uso da televisão (Cardoso, 2006; Aroldi e Colombo, 2003). Ademais, estudos apontam que a idade tem um impacto nos tipos de utilização. Ewing e Thomas (2009) assinalam que, no contexto australiano, os usos relativos ao entretenimento – em particular, jogar online e descarregar música – são especialmente relevantes para os mais novos. Na França, foi apurado que os internautas mais novos estavam mais associados a práticas relativas à partilha de ficheiros com conteúdos mediáticos. No entanto, os utilizadores franceses em idade ativa dos 25 aos 45 anos apresentavam probabilidades maiores de utilização de serviços de banca eletrónica e de comércio eletrónico. Não é, porém, analiticamente produtivo afunilar o estudo das práticas num eixo composto pela variável idade, pela potencial opacidade que confere ao estudo dos usos da Internet, em particular no interior dos escalões etários (Paisana e Cardoso, 2013; Cardoso, Espanha e Lapa, 2013). Não só estão outras variáveis de nível individual em jogo (género, etnia, escolaridade, níveis de literacia, experiência, confiança na tecnologia, etc.) como variáveis de nível societal ou agregadas, que enquadram os usos individuais das tecnologias digitais. Por exemplo, os níveis educacionais constituem uma variável importante uma vez que os mais escolarizados apresentam uma maior propensão para realizar um leque mais variado de atividades online, mesmo em países com desigualdades menores como a Suécia (OCDE, 2007; Cardoso e Araújo, 2009). Ademais, enquanto a análise dos utilizadores da Internet em alguns países pode ser adequadamente descrita como a análise de elites digitais ou de aderentes precoces, noutros, onde a utilização está mais democratizada, as modalidades de utilização podem distinguir-se essencialmente pelos diferentes interesses e finalidades de 212

utilização da tecnologia e, consequentemente, pelas atividades na Internet diferenciadas ao longo de diversos grupos socioeconómicos. Tal cenário levou à identificação de uma nova divisão: a divisão de usos digitais (Sciadas, 2003). Acrescente-se que algumas atividades online que apresentam pouca expressividade global são importantes para grupos sociais específicos em alguns países (ou, pelo menos, não de uma forma homogeneizada). São ainda de prever diversos perfis de utilização (assim como de não-utilização) que foram evoluindo com o tempo e a evolução no ciclo de vida e nos interesses e motivações dos indivíduos. Existem, portanto, variáveis contextuais (culturais, históricas e relativas à estrutura sociodemográfica) que devem ser consideradas quando se olha para os resultados comparativos entre indivíduos e países. Se por um lado, a nível global, as divisões digitais relativas ao acesso parecem estar em decréscimo, por outro, uma outra divisão digital centrada no uso, que coincide com o quinto patamar referido por Dimaggio et al. (2004), pode ser escrutinada, tendo por base o efeito de sistemas dos media específicos, das culturas nacionais e regionais e dos fatores socioeconómicos nas desigualdades na utilização das novas tecnologias. Tal divisão digital dos usos pode ser indiretamente observada através da variedade de usos e das competências diferenciados dos indivíduos para encontrarem informação online de modo eficiente e crítico (Hargittai, 2002; Pénard e Suire, 2006). Com o alargamento do leque de atividades possíveis na Internet e com a convergência dos media que proporciona (Jenkins, 2006) uma dinâmica central da comunicação em rede (Cardoso, 2006), será expetável a crescente importância da Internet como meio não só de informação mas também de entretenimento. As figuras seguintes, 2 e 3, demonstram a importância relativa de cada meio de comunicação como fonte de informação e entretenimento, respetivamente. Como se pode constatar a importância da Internet como fonte de informação já ultrapassou (em 2010) os media tradicionais nos EUA, Israel e entre os cipriotas-turcos. Contudo, nos restantes países e entre os cipriotas-gregos a televisão ainda constituía a principal fonte de informação. Além disso, na figura 3 a televisão aparece como a fonte mais importante de entretenimento para os respondentes, seguida de perto pela Internet nos EUA, Israel e entre os cipriotas-turcos. Todavia, para os respondentes portugueses e polacos a Internet é a fonte de informação e de entretenimento menos importante.

213

Figura 2. Importância do meio de comunicação como fonte de Informação, por país (WIP 2010) 5,0

Muito Importante

4,5 4,0

3,5 3,0 2,5

2,0 1,5 1,0

Nada Importante

Internet

Televisão

Jornais

Rádio

Figura 3. Importância do meio de comunicação como fonte de Entretenimento, por país (WIP 2010) 5,0

Muito Importante

4,5 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0

Nada Importante

Internet

Televisão

Jornais

Rádio

No entanto, estas comparações complexificaram-se devido à convergência dos media, entendida como um fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes 214

mediáticos, à cooperação entre múltiplos mercados mediáticos e ao comportamento migratório dos públicos nos media, que vão à caça da informação e do entretenimento que desejam, independentemente do suporte tecnológico (Jenkins, 2006). Daí que o interesse em ouvir o relato de futebol na rádio não possa ser simplesmente medido pela utilização de um aparelho dedicado para esse efeito. Existem evoluções bastante significativas no que respeita, por exemplo, às redes sociais online, em especial no tocante à propagação da informação e à sua fiabilidade: a título de exemplo, a CNN já afirmou temer mais a concorrência de redes como o Facebook ou o Twitter que a das demais cadeias televisivas. A confiança neste tipo de fontes parece ter vindo a incentivar a sua utilização, suplantando, em alguns casos, a procura de informação noutros media. Não podemos esquecer, no entanto, que estamos a analisar o mundo ciberespacial e não a realidade no seu todo – em termos genéricos, a televisão e os seus conteúdos continuam a ser aqueles aos quais os cidadãos dão primazia, nomeadamente pelo acesso facilitado que têm à tecnologia utilizada e pela dispensabilidade imediata de literacias específicas. É ainda de acrescentar que os novos media não têm sido automaticamente responsáveis pelo declínio da importância dos jornais ou da televisão como fonte de informação e, consequentemente, da venda de jornais em papel. Os impactos da Internet nos media tradicionais não são os mesmos em todos os países. Nos países nórdicos e no Japão a venda de jornais em papel manteve-se alta e o visionamento de televisão não tem mudado (Findahl, 2009). Nos EUA, o declínio da leitura de jornais começou já na década de 1960, quando a televisão foi introduzida. Lunn e Suman (2009) sustentam que o processo de difusão de uma tecnologia é complexo, envolvendo populações heterogéneas, não se podendo resumir à leitura de percentagens de utilização. Por um lado, os autores reconhecem que o desenvolvimento de determinados tipos de adoção da Internet pode ter contribuído para a queda da importância dos jornais como fonte de informação nos EUA; por outro, há o perigo de se proceder a uma análise baseada num mediacentrismo tautológico que explica a evolução de um dado medium através do desenvolvimento de um outro meio. Existem outros fatores explicativos para além da expansão da Internet e da concorrência entre media, tais como o clima económico, que têm impacto sobre o declínio ou a ascensão de um determinado meio de comunicação. A confiança dos utilizadores e a perceção da qualidade dos conteúdos disponibilizados constituem fatores adicionais, entre outros, que impactam potencialmente o êxito de um meio de comunicação. Chegamos a uma camada de diferenciação entre sociedades que remete, por um lado, como vimos antes, para as representações face à Internet vis-à-vis outros media mais tradicionais no que respeita à sua importância relativa enquanto fonte de informação e entretenimento; por outro, para os tipos de atividades online que são desenvolvidas pelos internautas

215

A figura 4 apresenta perfis de utilização obtidos por uma análise fatorial, cujos “scores” foram projetados num plano bidimensional de modo a visualizar a proximidade relativa de cada país e escalão etário aos diferentes perfis de utilização da Internet.

Figura 4. CatPCA - Perfis comparados de utilização, por país (WIP 2010), por escalão etário

Em linha com os estudos citados atrás, os adolescentes dos 15 aos 18 anos aparecem mais associados a um perfil de utilização pautado pela procura de entretenimento e pela apropriação dos media sociais. Por outro lado, os internautas mais velhos, com mais de 55 anos, aparecem mais próximos de modalidades de utilização que privilegiam práticas de comunicação. Já os indivíduos em plena idade “ativa” (dos 19 aos 35 anos e dos 36 aos 55 anos) estão mais próximos de perfis de utilização guiados por interesses, pela procura de informação e por usos mais utilitários da Internet. É neste âmbito também que podemos situar os internautas israelitas, americanos, suecos e japoneses. Já os internautas portugueses estão mais 216

próximos do perfil de utilização do comunicador e os polacos do perfil do utilizador que privilegia os media sociais e a procura de entretenimento. Em suma, os países do World Internet Project podem ser divididos em quatro eixos principais com base nas atividades mais frequentes na Internet. Um primeiro eixo, do qual Portugal se aproxima, é caracterizado por um centramento nas atividades relacionadas com a comunicação, como a consulta do correio eletrónico, a utilização de serviços de mensagens instantâneas. Um segundo eixo, ao qual os respondentes polacos aparecem mais associados, tem como elemento diferenciador o foco em atividades relacionadas com o entretenimento e com a utilização dos media sociais. Um terceiro eixo, mais associado às práticas dos utilizadores suecos, pode ser caracterizado pelo uso mais frequente de aplicações relacionadas com serviços (banca eletrónica, etc.) ou com outros usos mais utilitários. Finalmente, um quarto eixo, do qual se aproximam os utilizadores japoneses, onde as atividades relacionadas com a informação tomam a dianteira. Este é um mapeamento que indicia as modalidades próprias de apropriação e de imbricação das atividades online na vida quotidiana. A variabilidade transnacional demonstra que não existem características tecnológicas na Internet que imponham determinados tipos de uso. Pelo contrário, levam a assumir que os utilizadores apropriam e tendem a domesticar a tecnologia de modos não intencionados e não antecipados por aqueles que conceberam a tecnologia, o que pode trazer consequências societais de monta (Haddon, 2006). Ao invés dos estudos sobre a apropriação dos media de massa, o estudo das atividades na Internet, nos seus diversos contextos nacionais, institucionais, legais, fiscais, culturais e linguísticos, considera os utilizadores não como meros consumidores mas também produtores. As potencialidades para os utilizadores reconfigurarem estrategicamente as formas de acesso à informação, às pessoas, aos serviços e às tecnologias, e para produzirem e consumirem conteúdos, são os aspetos centrais da Internet e das tecnologias associadas (Dutton, 1999; 2005). A segmentação por país é útil para destacar algumas das diferenças entre os países e para servir de base para a construção do modelo de tendências de uso. No entanto, é uma segmentação exploratória e necessita de maior contextualização e generalização. Além disso, as estatísticas devem ser complementadas com análise qualitativas do uso, especialmente quando se avalia algo como a utilização diária das tecnologias da informação e comunicação. A tabela 10 resume os perfis de utilização por país:

217

Tabela 10. Perfis de utilização, por país (inclui análise fatorial das práticas na Internet mais frequentes) (WIP 2008, 2009, 2010) Austrália Os internautas australianos destacam-se, em média, pelo uso frequente da Internet para efetuar compras e/ou utilizar serviços financeiros. A consulta e uso do email também são práticas frequentes assim como a utilização para fins educativos. Neste país, a Internet aparece, em média, como a fonte de informação mais importante, ficando a rádio em segundo lugar. Contudo, a Internet como fonte de entretenimento é relegada para a terceira posição, apenas à frente dos jornais. Neste âmbito, a televisão aparece como o meio mais importante. Chile Os chilenos preferem utilizar a Internet para entretenimento e fins educativos. É atribuída à televisão a maior importância como fonte de informação e entretenimento. A Internet aparece como uma fonte de entretenimento mais importante que os jornais, mas como o meio menos importante como fonte de informação. Porém, não há uma grande dispersão quanto à importância média atribuída a cada um dos meios como fonte de informação. Chipre Os dados de 2008 mostram que os cipriotas usam a Internet principalmente para fins de entretenimento. Em segundo lugar aparecem as práticas relacionadas com a comunicação. Quanto aos dados de 2010, entre os cipriotas-gregos, a televisão é assumida, em média, como a principal fonte de informação e entretenimento, aparecendo a Internet destacadamente como uma fonte de informação e entretenimento mais importante que a rádio e, em particular, que os jornais. Entre os cipriotas-turcos, os jornais continuam a ser bastante relevantes quanto ao grau de importância que lhes é atribuído como fonte de informação, ocupando a segunda posição atrás da Internet. Tanto a Internet como a televisão ocupam os lugares cimeiros como fontes de entretenimento. Colômbia Neste país, são mais frequentes, em média, as práticas na Internet relacionadas com a comunicação e, entre elas, com a utilização de blogues. A Internet aparece como o meio ao qual é atribuída a maior importância como fonte de informação e entretenimento. A importância atribuída aos jornais como fonte de informação está a par da atribuída à televisão e à rádio, mas aparece como a fonte menos importante de entretenimento. EUA Os utilizadores norte-americanos destacam-se, em média, por ter um uso da Internet menos assente em práticas de comunicação. Antes privilegiam o entretenimento e fins utilitários como a concretização de 218

Hungria

Ilha Formosa

Israel

Japão Macau

México

Nova Zelândia

Polónia

Portugal

compras e/ou o uso de serviços financeiros, a procura de informação ou práticas com fins educativos. O uso dos media sociais também é frequente. A Internet aparece como o meio ao qual é atribuída, em média, a maior importância como fonte de informação, sendo relegada para a segunda posição como fonte de entretenimento, atrás da televisão, mas por uma pequena margem. Os internautas húngaros privilegiam os usos relacionados com o entretenimento e a comunicação. A Internet é a fonte de informação e entretenimento menos importante, sendo a televisão a mais importante. As práticas relacionadas com a procura de informação assumem particular destaque. As práticas de comunicação também são relevantes. A televisão é o principal meio de informação e entretenimento, sendo que a Internet aparece em segundo lugar e a rádio em último. Entre os israelitas, são privilegiadas práticas relacionadas com a comunicação e a educação. As práticas na Internet com fins religiosos também assumem importância. A Internet é a mais importante fonte de informação e a segunda mais importante fonte de entretenimento, atrás da televisão. Os internautas japoneses aparecem mais associados a práticas na Internet relacionadas com a procura de informação. Para residentes em Macau, o meio mais relevante em termos de importância como fonte de informação e entretenimento é a televisão. A Internet aparece como a segunda menos importante em termos de informação, estando apenas acima da rádio, e a menos importante como fonte de entretenimento. No México, em média, é atribuída à Internet a maior importância como fonte de informação e entretenimento, em detrimento dos media tradicionais, em particular, da rádio e dos jornais. Os internautas deste país aparecem mais associados com práticas relacionadas com a concretização de compras e/ou o uso de serviços financeiros. As práticas relacionadas com a busca de informação também estão entre o rol das mais frequentes. Em consonância, a Internet aparece como a fonte mais importante de informação mas como a menos importante de entretenimento. Neste âmbito, a televisão assumese como o meio mais importante. Os utilizadores polacos são caracterizados por práticas de comunicação e entretenimento. Porém, na população em geral, as principais fontes de informação e entretenimento continuam a ser os meios tradicionais, com a televisão em destaque. Entre os internautas portugueses, as práticas de comunicação são as realizadas, em média, com maior frequência, estando em segundo lugar 219

República Checa

Suécia

as práticas relacionadas com o uso dos media sociais. Práticas relacionadas com a procura de informação e, em particular, com a utilização de serviços financeiros são as menos frequentes. Em geral, os meios de comunicação tradicionais são as principais fontes de entretenimento e informação, com destaque para a televisão. Os utilizadores checos usam a Internet para fins de informação e comunicação com maior frequência. Também estão entre os usos mais frequentes a busca de entretenimento. A televisão é o meio com maior importância como fonte de informação e entretenimento. Inversamente, a Internet é o meio ao qual é atribuída a menor importância. Os suecos são mais caracterizados por usos utilitários da Internet como a efetuação de compras e/ou a utilização de serviços financeiros. Em segundo lugar, em termos de relevância, aparecem as práticas relacionadas com a comunicação e a procura de informação. O principal meio de entretenimento continua ser a televisão, mas em segundo lugar aparece a Internet, tida como uma fonte de entretenimento mais importante que a rádio e os jornais. Contudo, aparece em último lugar quanto à sua importância como fonte de informação.

Tendências relativas à evolução da ecologia digital em Portugal Os dados do inquérito Sociedade em Rede (2003-2013), representativo da realidade nacional, permitem-nos enquadrar contextualmente as recentes tendências relativas à evolução da ecologia digital em Portugal, escrutinando-se um conjunto de indicadores relativos às novas formas de utilização da Internet (por exemplo, redes móveis) e à utilização de novos dispositivos como tablets e e-readers que adicionam novos patamares de diferenciação dos usos e apropriações da Internet. Na figura 5 podemos observar como tem evoluído a posse de um conjunto de dispositivos entre os portugueses.

220

Figura 5. Posse de dispositivos eletrónicos em Portugal, Inquérito Sociedade em Rede (2003-2013) (%) 34,4%

COMPUTADOR PESSOAL FIXO

44,5% 35,3% 36,2%

8,4%

COMPUTADOR PESSOAL PORTÁTIL

25,7% 50,5% 57,5%

TABLET 1,5% 11,9% 71,9% 74,4%

TELEMÓVEL

89,7% 88,5% 94,7%

PLACA/USB 3G PARA ACESSO À INTERNET MÓVEL

16,5% 21,8% 25,1%

19,6% 21,2%

ACESSO À INTERNET EM CASA

42,2%

57,3% 57,2%

LEITOR DE EBOOKS (AMAZON KINDLE, SONY READER, ETC)

1,0% 2,0%

LEITOR DE MP3

34,8% 29,3% 33,1%

0,0%

2003

20,0%

2006

40,0%

2008

2011

60,0%

80,0%

100,0%

2013

Pese embora o crescimento continuado da taxa de acesso à Internet em casa no contexto português, é visível o crescimento da posse de dispositivos que permitem um acesso em movimento à Internet. Desde 2006 que há um crescimento notável quanto à posse de computadores pessoais portáveis, que era circunscrita à data a 8,4% dos portugueses, enquanto que em 2013, 57,5% dos portugueses possuíam um computador portátil. Esta clara tendência foi acompanhada de um decréscimo da posse de computadores pessoais fixos, verificado desde 2008. Daí que se possa suspeitar que no ato da compra de um computador, seja o primeiro ou um aparelho que visa substituir ou complementar outro, a questão da mobilidade é um fator de peso na decisão da compra. Contudo, esta predominância do computador portátil apenas se reflete algo timidamente no aumento do acesso à Internet móvel com recurso a uma placa dedicada para o efeito. A posse de leitores dedicados de música digital não tem aumentado nos últimos anos o que pode ser sintomático da tendência

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de convergência dos media centrada nos telemóveis recentes, capazes de um conjunto de funcionalidades multimédia, entre elas a leitura de música. A geografia dos novos media em Portugal acompanha a noção de “espaço dos lugares” de Qiu (2013). As maiores taxas de acesso à Internet com ou sem fios e de posse de novos dispositivos como os tablets e os e-readers concentram-se no litoral e, em particular, nos grandes centros urbanos (Sociedade em Rede 2011-2013). Os dados do inquérito nacional para o ano 2011 demostram um uso muito pouco expressivo desses novos dispositivos e contrastam, à data, com a realidade norte-americana, onde, de acordo com os dados do estudo da Pew Internet (2012), 21% dos respondentes norte-americanos relataram que leram um ebook (livro digital) no ano anterior (2011). No último par de anos é, todavia, visível um aumento considerável na posse de tablets em Portugal, que passou de 1,5% em 2011 para 11,9% em 2013. Mas tal aumento não foi acompanhado pela expressividade da posse de leitores de ebooks que pouco aumentou de 2011 para 2013, como se pode verificar na Figura 5. Reportando-nos apenas aos dados de 2013 para a sociedade portuguesa, verificam-se as diferenças de género quanto ao acesso à Internet em casa, apurando-se 60,1% de homens com acesso em casa face a 54,7% das mulheres. Contudo, é de ressalvar que as eventuais diferenças de género não se reportaram apenas ao acesso, mas ao tipo de acesso, ao uso concreto e às próprias modalidades de utilização. Quanto à utilização concreta continuam a verificar-se diferenças, com os homens a serem tendencialmente os maiores utilizadores, contudo, quanto à utilização móvel da Internet, não foram observadas diferenças. Não foram igualmente observadas diferenciações de género consideráveis quanto à posse de tablets; porém, o mesmo não pode ser dito quanto aos e-readers, sendo detetada a tendência, nos dados para 2013, para haver mais detentores de leitores de ebooks entre o sexo masculino. As diferenças entre escalões etários são ainda mais estruturantes na sociedade portuguesa: verifica-se que quantos mais velhos são os respondentes menor a probabilidade de terem acesso doméstico ou móvel à Internet, sendo que entre os mais novos (dos 15 aos 18 anos), 96,8% tem acesso em casa e 50,8% acesso móvel face a apenas 26,6% e 8,8%, respetivamente, dos indivíduos com mais de 55 anos. Quanto à posse de dispositivos emergentes, apesar de a distribuição etária entre os detentores de leitores de ebooks pender claramente para indivíduos adultos em idade ativa (destacam-se 43,9% de indivíduos entre 19 e 35 anos de idade possuidores de leitores de ebooks), se olharmos para a realidade dentro de cada escalão etário verificamos que a percentagem de detentores de leitores de ebooks é relativamente maior entre os mais novos e vai decrescendo com o aumento da idade. Estes dados vão de encontro às posições de Hayles (2010: 62) para quem os jovens estão a ler, como nunca antes, conteúdos digitais nos ecrãs. Mas o mesmo não se verifica de forma tão linear quanto à posse de tablets em 2013. Neste âmbito, não há diferenças muito marcadas entre os respondentes mais novos (dos 15 aos 18 anos) e os indivíduos até aos 55 anos de idade, sendo que até esta idade a posse de tablets oscila, grosso modo, 222

entre os 15% e os 18%. É a partir dos 55 anos de idade que a posse de tablets cai para valores em torno dos 3%. Olhando para a distribuição etária no seio dos utilizadores de tablets apurou-se, no entanto, que 43,8% tinham entre 36 e 55 anos, e 43,1% entre 19 e 35 anos, estando entre estes escalões etários, apesar de tudo, o utilizador tipo. Quanto às diferenças segundo a escolaridade, elas são claramente visíveis no que respeita ao acesso à Internet em casa e na vertente móvel, mas começam a esbater-se a partir do 9º ano de escolaridade em comparação com os graus de escolaridade que lhes estão acima. Além disso, os dados de 2013 já permitem vislumbrar uma estruturação segundo o nível de escolaridade quanto à posse de tablets e ebooks, pelo que, como seria de esperar, quanto maior a escolaridade maior a probabilidade de se ser um detentor deste tipo de dispositivos. Quanto à utilização dos novos dispositivos ainda muito falta saber quanto às suas modalidades de uso. No que diz respeito aos ebooks, no estudo de mercado exploratório efetuado pela Wook (2012), a livraria digital do Grupo Porto Editora, aos seus clientes é de destacar que 43% dos respondentes preferem ler livros no computador, 18% escolhe o iPad e 12% é o valor repetido em tablets Android, smartphones e leitores de livros eletrónicos. Um outro dado interessante reporta-se à proporção de aquisição de livros técnicos digitais (29%), que é consideravelmente superior quando comparado com o peso deste tipo de livros no total das vendas de livros em papel (mas ainda assim têm um peso menor nas vendas digitais que a literatura), o que é indicativo do tipo de público dos livros digitais. Uma maioria significativa dos inquiridos (leitores de ebooks) manifestaram-se satisfeitos ou muito satisfeitos com o preço. Todavia, o nível de satisfação diminui quando questionados sobre oferta de ebooks disponíveis no mercado. Seria ainda importante perceber se tal insatisfação se prende, pelo menos em parte, com a falta de títulos disponíveis em português. Os leitores de ebooks inquiridos referiram a facilidade de utilização e o preço como os principais fatores para aquisição de livros digitais. Os números relativos à ascensão de ebooks na cultura americana (Pew Internet, 2012) fazem parte de uma história maior sobre a mudança do impresso para o digital. Utilizando uma definição mais ampla de conteúdos eletrónicos no ano de 2011, cerca de 43% dos norte-americanos com idades a partir dos 16 anos declararam ter lido um ebook no ano anterior, ou ter lido outro conteúdo de formato longo, como revistas ou artigos de notícias em formato digital num leitor dedicado, tablet, computador pessoal, ou telemóvel. Do lado oposto, e voltando à realidade portuguesa, a preferência pelos livros em papel foi o fator mais referido pelos inquiridos que ainda não tinham adquirido ou lido ebooks. Mesmo entre os leitores de ebooks, quando questionados sobre compras futuras, declararam que a médio prazo (3 anos) iriam adquirir livros em papel e ebooks. Tal lógica de complementaridade é corroborada pelos indicadores vindos dos EUA: aqueles que mergulharam na leitura de ebooks destacam-se como “leitores totais”. Acima de tudo, eles são, em termos relativos, leitores ávidos de livros em todos os formatos: 88 % dos respondentes norte223

americanos leitores de ebooks também leram livros impressos no ano anterior ao inquérito. Comparando com outros leitores mais “tradicionais”, o grosso dos leitores de ebooks lê mais livros, no geral, e com maior frequência. Além disso, adiantam uma série de razões para a leitura: por prazer, para pesquisa, para estar a par de eventos atuais, para o trabalho ou escola. Têm também maior propensão do que outros para comprar cópias originais em vez de pedir emprestado e de encetar compras de livros originadas em pesquisas online. Estes dados desmentem, portanto, um cenário próximo de substituição do livro em papel, sendo, para já, mais correto olhar para os conteúdos textuais digitais numa lógica de complementaridade com o texto impresso. No processo de incorporação das tecnologias digitais no quotidiano há que ter em consideração as lógicas próprias de uma dada tecnologia. Olhando para o livro impresso como tecnologia, importa perceber a lógica de circulação do livro na família ou na escola, entre o círculo de amigos ou num clube de leitores: como é manuseado, como passa de mão em mão, como é utilizado por um indivíduo ou por dois ou mais indivíduos em interação (por exemplo, no ato de ler uma história a uma criança). São processos de apropriação social do livro difíceis de transportar para os suportes digitais e que poderão ser entendidos como elementos de inércia na passagem para o digital. Mas, independentemente destes processos, são de assinalar duas tendências centrais: o surgimento de novas divisões e subpatamares de diferenciação que conferem novas experiências, desigualmente distribuídas, quanto ao contato com conteúdos digitais, textuais ou outros; e a consequente multiplicação de plataformas de acesso aos conteúdos que convergem e reforçam a interligação do texto e do livro no modelo de comunicação em rede. Um exemplo desta última tendência são as formas de interligação entre o texto e a lógica da partilha presente nas redes sociais online. Os próprios dispositivos dedicados à leitura de textos digitais incorporam funcionalidades que encontramos nas redes sociais permitindo a interligação com estas, como colocar de modo direto uma citação ou passagem de um livro ou partilhar métricas relativas aos hábitos de leitura no mural da rede social favorita136. Para além das potencialidades do hipertexto, é este tipo de funcionalidades que poderá conferir ao livro digital um valor diferenciado face à versão impressa. As formas de apropriação dos conteúdos digitais textuais, as lógicas do mercado e as políticas culturais e fiscais, assim como a aposta na digitalização de obras e da presença de autores portugueses ou lusófonos no mercado ou nas bibliotecas e portais digitais, promovendo a maior 136

Uma outra questão prende-se com o aproveitamento das funcionalidades dos dispositivos móveis, ereaders e tablets como ferramentas de pesquisa, para além da sua utilização como objetos de estudo. Colocando à parte considerações sobre a privacidade dos dados, aparelhos como tablets ou o Kindle, o Kobo e outros leitores digitais dedicados, em que a leitura digital aparece articulada com funcionalidades dos media sociais, captam todo um conjunto de dados relativos às proezas e métricas que ficam guardados nos logs dos aparelhos, o que permite seguir as horas e os padrões de leitura entre outras rotinas associadas. Tais dados podem constituir elementos preciosos para a pesquisa social (e passíveis de serem instrumentalizados pelo marketing), elevando para outro patamar a sociologia da leitura de modo a entender de forma mais aprofundada a relação dos indivíduos com as letras.

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presença destes autores na Internet, terão um papel adicional na relevância do português no mundo digital.

Novas tendências e diferenciações? As análises aqui apresentadas permitem-nos destacar duas importantes linhas de reflexão. Em primeiro lugar, o acesso e os usos da Internet têm vindo a evoluir consideravelmente ao longo dos anos, seja em Portugal ou nos países de língua oficial portuguesa, orientados muitas vezes para as atividades de comunicação, nomeadamente através da utilização das redes sociais, que servem como mais um elemento que contribui para a sedimentação crescente do modelo comunicacional em rede (Cardoso, 2006). Podemos argumentar que a difusão da língua portuguesa segue novos desafios e novos patamares com a incorporação cada vez mais intensa das atividades na Internet no tecido social e a crescente importância de tais usos na vida quotidiana das pessoas. A relevância da lusofonia no mundo digital poderá jogar-se, pelo menos em parte, na capacidade de seguir tendências em termos de modalidades de usos e de se adaptar a um “espaço dos fluxos” que tanto pode constituir um lugar de Guardadores de Conhecimento como um lugar construído em torno de atividades comunicativas que configuram o arquétipo do Comunicador (Stefik, 1997) e que tem vindo a introduzir um novo arquétipo com base nas aplicações de entretenimento, a do Criador (Cardoso e Araújo, 2009). Pode-se assumir uma política mais defensiva e conservadora do idioma e da leitura, que vê nas NTICs, e em particular na forma como flui a linguagem nessas tecnologias, uma ameaça e um ambiente propício a alterações e a mutilações das palavras e da língua e à incorporação de estrangeirismos. Ou, em vez disso, tentar desenhar uma política que influencie e promova formas de experimentação e de utilização criativa da linguagem, articulando literacias tradicionais e conhecimentos formais com as novas literacias que emergem da socialização no ambiente mediático contemporâneo. Quanto mais a Internet é usada para práticas diárias como comunicar, mais irá incorporar algumas das características inerentes à comunicação interpessoal aliada às inovações ocorridas nos meios de comunicação de massa e à própria experimentação conduzida pelos utilizadores. Quando um determinado modelo comunicacional é alimentado tanto pela experimentação e inovação individual como organizacional, será capaz de promover a sua própria evolução e passar para uma fase embrionária de institucionalização, o que pode ser o caso com a comunicação em rede. E porque os idiomas são inerentes à comunicação, é no seio deste processo de institucionalização de um novo modelo comunicacional que poderão ocorrer mudanças nos universos linguísticos, cuja dimensão ainda se revela difícil de descortinar. É também neste âmbito que se poderá discutir, por exemplo, a relevância e o significado do novo Acordo Ortográfico no atual tempo histórico. 225

Em segundo lugar, embora o aumento da utilização da Internet seja um fenómeno global, os países apresentam especificidades, o que parece dar corpo à expressão de “espaços dos lugares” (Qiu, 2013). Em alguns países as atividades concentram-se mais no entretenimento, noutros nas práticas comunicativas e outros ainda apresentam níveis mais elevados de atividades relacionadas com a informação e os serviços web. A utilização da Internet parece seguir alguns princípios organizativos assentes nas características contextuais de cada sociedade, que podem ser identificados através de um conjunto de atividades comuns. Esses princípios organizativos das atividades poderão advir: por um lado, do patamar de implementação e desenvolvimento da Internet em cada sociedade e das modalidades de instilação das redes no quotidiano de um leque mais ou menos alargado de grupos sociais; por outro lado, da forma como a Internet tem vindo a acompanhar o ciclo de vida dos utilizadores e os interesses específicos dos adotantes da Internet, quer nas gerações mais novas, quer nos internautas mais idosos. É em sociedades como a Austrália, os EUA e a Suécia, onde o desenvolvimento das infraestruturas foi mais precoce e onde as taxas de penetração das NTICs são elevadas, que se denota uma utilização da Internet mais variada e onde comércio eletrónico e outras utilizações utilitárias assumem maior importância, o que evidencia uma maior articulação da utilização das redes com as atividades quotidianas. São por isso sociedades onde é mais expetável o desenvolvimento pioneiro e a adoção mais precoce de novos serviços e de inovações tecnológicas como a venda de livros ou outros conteúdos digitais. Tal tendência reforça a grande presença dos conteúdos em inglês nos serviços e bens oferecidos pela rede. A rede é igualmente uma forma de estreitar mercados: parte do grande sucesso do comércio eletrónico na Austrália advém da possibilidade de comprar bens mais baratos em mercados ultramarinos face aos preços praticados pelo comércio a retalho autóctone (Ewing, 2011). De forma similar, a utilização do português na Internet poderá ser o substrato da constituição de uma “região geolinguística” (Sinclair et al., 2002; Thussu, 2006) na rede, onde o desenvolvimento do comércio eletrónico e o alargamento da oferta de serviços e conteúdos poderá andar a par da afirmação da lusofonia, ao mesmo tempo que serve de potencial fator de aproximação comercial e cultural entre os países de língua oficial portuguesa. Seja como for, Portugal, a par de outros países da América Latina e do Sul da Europa, é caracterizado (pelo menos, ainda) por utilizações mais assentes em práticas comunicativas (Cardoso e Araújo, 2009). Regra geral, os países onde o acesso à Internet está menos democratizado e/ou onde o desenvolvimento das infraestruturas foi mais tardio apresentam tipologias de utilização mais estreitas, que espelham os interesses de um grupo restrito de internautas e mais centradas em usos comunicativos e/ou orientados pelo entretenimento. Como o relatório geral do WIP 2010 aponta, a mudança mais importante que temos vindo a assistir será, porventura, “uma mudança para o uso da Internet como o primeiro porto de ligação com a comunicação, bem como com a informação. Isto é 226

suscetível de ser amparado por um crescimento das redes sociais e da Web 2.0, e da Web semântica ou "Web 3.0" e com o aumento das aplicações de co-criação (WIP 2008) e, acrescentamos nós, de ferramentas de autopublicação (self-publishing) de conteúdos. Porém, esta tendência central é acompanhada de novas diferenciações entre países ou inter-societais, mas também intra-societais, visto que, num mesmo país, existem segmentações entre utilizadores quanto ao tipo de dispositivos usados, às modalidades de utilização das redes e ao tipo de conteúdos que se consomem e se produzem. São estas segmentações que permitem identificar nas pesquisas os internautas da “próxima geração” (Dutton e Blank, 2011; Blank e Dutton, 2012), agnósticos quanto aos locais de acesso e ao tipo de dispositivos que utilizam, e destacar tanto os utilizadores constantes, para quem o contato com a Internet consiste num fluxo contínuo, como os utilizadores frequentes e móveis. O próprio aumento de aplicações e ferramentas de criação de conteúdos veio potenciar a demarcação dos utilizadores ativos e produtores ativos, e entre os usos informativos e as atividades comunicacionais e relacionais. A inovação tecnológica, como o recente advento de dispositivos portáteis como os e-readers e os tablets com o seu potencial transformativo em termos dos usos quotidianos da Internet e dos conteúdos digitais (Cardoso, Liang e Lapa, 2013), contém em si o gérmen de novas tendências e de novas diferenciações socialmente contextualizadas. As diferenças entre países são também um testemunho de que não existem manifestações unívocas da sociedade informacional e do modelo de comunicação em rede; antes, compõem processos com impactos tecno-sociais que têm manifestações diversificadas e ramificadas e que dependem das dinâmicas e dos contextos sociais, económicos, políticos e culturais de cada região ou país.

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PARTE III A DIGITALIZAÇÃO DA LEITURA

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Querendo-se pensar o fenómeno da leitura, e tendo já sido sublinhado em páginas anteriores que a(s) leitura(s) que ocorre(m) digitalmente vinham sendo deixadas na sombra pela produção sociológica portuguesa, importa desde logo anunciar que os textos que dão forma a esta parte seguem um caminho que visa preencher essa lacuna de conhecimento, considerando o advento do tal ambiente criado pelas novas tecnologias de informação e comunicação e fornecendo, por conseguinte, evidência empírica a propósito da natureza multidimensional das práticas de leitura contemporâneas. Neste particular, dizer que o caso de Portugal é, em muitos aspectos, apresentado de maneira comparativa, ou que a abrangência do inquérito global que serviu de suporte a vários dos dados discutidos teve justamente por objectivo perceber diferentes cenários consoante o país ou bloco de países. Ora, desse primeiro capítulo da secção, culminando com uma tentativa de tipificação de leitores digitais, não sem antes analisar as práticas de leitura à luz de algumas das variáveis sociográficas clássicas (idade, nível de escolaridade…), as modalidades ou a regularidade com que se lê determinados materiais escritos em formato digital (livros, páginas web, posts das redes sociais, etc.), a articulação dessas actividades com a leitura feita em papel ou inclusive as percepções associadas ao acto de ler conforme os tipos de suporte, antecipa-se uma das principais conclusões a que se chegou, de que é entre os internautas pertencentes aos países que conheceram um rápido crescimento económico fundamentalmente no decurso dos últimos vinte anos (os chamados BRICS, tomados por vezes enquanto conjunto ou unidade de análise) que, grosso modo, se assiste a uma maior familiaridade com as práticas de leitura digital. Se no segundo texto se desenvolve toda uma argumentação teórica em redor do papel que o(s) ecrã(s) desempenha(m) quotidianamente nas escolhas de consumo dos indivíduos, essencial para reflectir acerca do modo como quer os hábitos de leitura de jornais ou notícias quer as próprias formas de produção e promoção da imprensa escrita podem estar a reconfigurar-se em função das possibilidades abertas pelos meios digitais, o terceiro foca-se especificamente nas práticas de leitura e escrita nas redes sociais online, no modo como a sua utilização está socialmente estruturada por país, examinando assim uma realidade definida pela multiplicação dos formatos de textos que são lidos e partilhados por uma série de gente, num contexto de convergência dos media e de comunicação em rede que requer novas literacias. Pelo que fica dito, torna-se claro que olhar para esse amplo processo de digitalização da leitura suscitado pela Internet e pelos media sociais privilegiou aqui uma abordagem ora tocando no campo dos Internet Studies ora adaptando certas démarches de uma sociologia da leitura de feição mais tradicional.

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7 A leitura digital no contexto global e nacional: resultados de um inquérito aos leitores digitais em 16 países Gustavo Cardoso e Emanuel Cameira

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La conscience numérique des lecteurs est plus avancée qu’on ne le croit; de plus en plus de gens lisent leurs journaux sur une tablette; or la «prière du matin», selon Hegel, est plus naturellement chevillée aux moeurs et rituels du lecteur contemporain que le livre. Le lecteur a conscience que le numérique est d’ores et dejá une civilisation. Pierre Assouline, La métamorphose du lecteur137

(…) approchons au plus près cette myriade d’élèments qui scintillent, et que chaque texte, dans ce pacte que lire chaque fois renouvelle, appelle comme siens. François Bon, Après le livre138

Poder-se-á dizer que a principal questão a guiar a apresentação dos dados139 e das conclusões deste capítulo está genericamente posta nos seguintes termos: que leitores temos quando introduzimos a variável do digital? Partindo da assunção de que “l’apparition du livre numérique et le développement de son marché s’inscrivent dans un ample mouvement qui combine une révolution industrielle et une révolution cognitive. La première renvoie à la technologie et au bouleversement radical des processus de production qu’elle induit; la seconde relève des pratiques, des usages, des modes de création et d’appropriation des textes et des oeuvres” (Benhamou, 2012: 90), o que interessa aqui é situar a discussão nesse segundo plano, dos sujeitos leitores, das suas práticas e percepções relativamente à leitura num contexto marcado pela Internet - “acontecimento (…) tão incorporado no quotidiano que se «naturalizou» tanto ou mais como qualquer outro fenómeno cultural, ou «tecnofacto» da vida pré-digital” (Martins e Garcia, 2013: 285) - e pela omnipresença e massificação das (novas) tecnologias digitais e dos seus ecrãs. Observar uma realidade que é a da transformação da leitura é então o que se propõe ao longo das próximas páginas, não sem antes ficar sublinhado que a análise extravasa o contexto português e acaba por abranger uma dimensão geográfica mais global. Conforme ficou exposto na abertura do livro, tentar mapear grandes linhas em torno 137

Texto incluído em Le livre, le numérique, le débat, nº 170, Paris, Gallimard, 2012, p. 89. Paris, Seuil, 2011, p. 14. 139 Obtidos no primeiro semestre de 2013 através da realização de um inquérito por questionário online a indivíduos de 16 países de vários continentes (Inglaterra, Brasil, Espanha, Alemanha, França, Índia, Canadá, China, África do Sul, Rússia, Estados Unidos da América, Itália, Turquia, México, Austrália e Portugal). No total, foram inquiridos 5582 internautas, com a idade mínima de 15 anos. De molde a garantir a maior fiabilidade possível dos dados empíricos recolhidos, houve a necessidade de calcular um ponderador que, considerando no vertente caso as variáveis género e idade (esta última é, juntamente com a escolaridade, das de maior pendor explicativo no que concerne às práticas de utilização da Internet), permitisse reflectir no grupo de inquiridos de cada país da amostra a distribuição que, em cada contexto nacional, a população de utilizadores da Internet tem em termos das duas variáveis indicadas. O dito ponderador foi então construído com base em resultados de inquéritos representativos levados a cabo nos respectivos países. 138

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do fenómeno da leitura digital, e isso portanto sem descurar como algumas das suas facetas se manifestam na realidade nacional ou inclusivamente variam ou são específicas consoante o conjunto de países tido em consideração, implica que se vá além da leitura digital de livros, pretendendo-se assim descortinar a maneira como os indivíduos hoje lêem e, no fim de contas, procurando encontrar respostas para as seguintes perguntas: o que significa ler nos dias que correm? Estamos actualmente perante novas formas de leitura ou perante novos leitores? Ontem lia-se apenas no papel, hoje no papel e no digital? Como é que a utilização da Internet e a multiplicação de ecrãs está a mudar a nossa relação com a leitura, quer do ponto de vista dos conteúdos lidos, quer relativamente ao modo como se lê? Ora, que a leitura digital assume contornos de um conceito elástico ou pluridimensional (ler digitalmente pode efectivamente reportar-se a «tweets», a «emails», a «posts» do Facebook, a e-books para o Kindle ou para outros e-readers, a livros de Manga em formato CBZ ou CBR, a jornais, revistas e blogues em páginas na Web, etc.) constitui um traço caracterizador que pede algum destaque. Na realidade, se a leitura se define em função da relevância social e individual – “não é recusada aqui a ideia, obviamente confirmável, de que o recesso mudo e discreto de muitas leituras, porque são frequentemente solitárias, se opera excluído em termos imediatos das possibilidades conscientes aos sujeitos de uma utilização que rompa os limites estritamente individuais do seu universo. Esta asserção, na simplicidade e verdade que encerra, não pode suprimir o facto de que o acto solitário de ler possui utilizações sociais e não deve, portanto, ser concebido como um acto neutro. Nas relações que entabula com os outros, aquele que lê usa as leituras que faz. Este uso é socialmente revestido de sentido e de valor. Não se lê só para ler, por fruição pessoal ou necessidade escolar e profissional; lê-se (…) para ter lido” (Medeiros, 2006: 368) - não haverá pois que (re)equacionar um entendimento que não a circunscreva somente a livros e e-books? E será que abordar a leitura em formato digital pressupõe a identificação de um novo tipo de leitor? É no quadro de uma contemporaneidade marcada pelo alargamento a cada vez mais indivíduos da Internet, da comunicação em rede, da prática do “Read-Write-Post” (RWP), mas também pela progressiva entrada das indústrias de bens impressos na sociedade em rede, que importa questionar como se traduz do lado do público-leitor a suposta terceira revolução da leitura (Cavallo e Chartier, 1997) que a transmissão electrónica de textos terá provocado.

Folhear entre o digital e o papel Citado poucos anos depois por Walter Benjamin, Aldous Huxley escreve em 1933 que “a reprodutibilidade técnica e a rotativa possibilitaram uma policópia imprevisível de escritos e imagens. A escolarização, em geral, e os ordenados relativamente altos, 238

criaram um grande público que sabe ler e pode adquirir material escrito ou ilustrado. Para o disponibilizar, estabeleceu-se uma indústria significativa” (Benjamin, 1992: 97). Noutro âmbito e em tempos bem mais recentes, concretamente em 1992, Maria de Lourdes Lima dos Santos discutia num artigo de sua autoria algumas conclusões a que outra investigadora com trabalho na área dos estudos sobre a leitura, a francesa Martine Poulain, havia chegado a respeito da “clássica associação da imagem do leitor com a leitura de livros” (Santos, 1992: 21). Se o que “parece ressaltar do corpus fotográfico analisado pela autora é uma representação da leitura como prática cada vez mais alargada e diversificada no que respeita quer às modalidades do escrito (livros, jornais, guias, placards, écrans de computador, etc.), quer aos géneros representados (culturais e artísticos, recreativos, informativos e profissionais), quer aos lugares e posturas que se adoptam para ler (já não confinados ao isolamento espacial do foro privado nem às posições corporais de recolhimento), quer, ainda, às categorias dos leitores (homens e mulheres, novos e velhos, letrados e operários)” (Santos, idem: 21), Maria de Lourdes Lima dos Santos aconselhava contudo alguma cautela analítica uma vez que, à data, não se dispunha para o caso português de dados indicadores tanto de “uma ampla familiaridade com a leitura de livros” como de “uma quebra da importância desta enquanto modelo de leitura legítima” (Santos, ibidem: 23). Sucede que ambas as reflexões, quer a de Huxley quer a de Poulain, são significativas dessa preocupação em detectar alterações sociais, culturais e tecnológicas mais abrangentes e com impacto ao nível das práticas, dos actos de ler dos indivíduos e grupos. Por conseguinte, a ponte para o estudo que serviu de base ao presente capítulo funda os seus alicerces aí, visando um conhecimento sociologicamente orientado da leitura e do leitor no contexto contemporâneo. Optar por não reduzir meramente a análise àquilo que é o objecto livro, propondo-se um equacionamento da leitura enquanto prática informadora de conceito, equivale no fundo a questionar várias dimensões institucionais das sociedades em que hoje se vive. A discussão contemporânea acerca da leitura exige obrigatoriamente uma alusão à multiplicação de ecrãs e não apenas de formatos de leitura em papel. Mas antes de entroncar na questão dos formatos de leitura, convém relembrar como em termos históricos as percepções socialmente partilhadas face ao acto de ler foram elas próprias sendo reconfiguradas140. De facto, o nosso imaginário social está povoado por imagens que associamos mais à leitura do que outras. Porventura certas mais tradicionais ou intemporais, outras menos, não porque não sejam parte integrante do nosso dia-a-dia mas porque de mais recente convívio entre nós, ou porque socialmente não as valorizamos tanto, justamente porque escapam à norma do que 140

Segundo as palavras de Christian Vandendorpe (2010), “si l’histoire de la lecture ne s’était pas constituée comme discipline depuis moins d’un demi-siècle, nous pourrions encore penser que cette activité n’a guère varié au fil des âges. Or, on sait maintenant, entre autres choses, que les Romains lisaient à haute voix, que la lecture silencieuse ne s’est répandue en Europe que vers le XIIe siècle et que la passion pour la lecture de romans ne date que de quelques siècles”, in “Bouleversements sur le front de la lecture”, le débat, nº 160, Paris, Gallimard, p. 151.

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institucionalmente se convencionou rotular de “leitura”. Qualquer indivíduo lerá muito mais textos do que aqueles que toma por alvo dessa prática, pelo que é plausível que se fale de uma leitura enquanto prática nem sempre acompanhada da vertente de representação. Esse apagar da categorização de “leitura” de muito do que se lê diariamente acaba aliás por surgir secundado por diversas instituições, escolas, bibliotecas, restantes instituições públicas e privadas das tradicionais cadeias de valor do livro, jornais ou revistas. O forjar-se as designações de leitura “formal” e “informal” pode conter, faute de mieux, alguma dose de operatividade caso delas nos queiramos servir para sinalizar a leitura socialmente entendida enquanto tal, no primeiro caso (isto é, quando se lê um livro ou um jornal), ou, por outro lado, aquela que não é objecto desse entendimento (a leitura de «posts» no Facebook, de «tweets» ou de um blogue). No entanto, deverá igualmente afirmar-se que, ao limite, a formalização do que é leitura não decorre do suporte onde a escrita assenta, ou seja, não depende de se tratar de um ecrã digital ou de papel analógico. Bastará pensar como a nossa representação da leitura de um livro num e-reader caberá dentro desse tal conceito de leitura formal, mesmo quando acompanhada da declaração de que ler num ecrã não é a mesma coisa que ler em papel. Se não se “estranha” tanto a leitura de um livro num ecrã, considerar que leitura é também ler o news feed do Facebook talvez pareça já menos plausível. De acordo com o sociólogo John B. Thompson, a institucionalização da leitura de livros em formatos digitais está intimamente ligada a novas lógicas empresariais (Thompson, 2010) e, consequentemente, a diferentes modos de conceber o objecto que suporta a leitura, designadamente a tecnologia Kindle da Amazon141. Mas na realidade não é de leitura que também se deverá falar quando se pensa nos ícones do Facebook, do Twitter ou do Google+? Nessas plataformas das redes sociais a leitura é aliás a actividade mais realizada. Se mais justificações fossem necessárias para a importância de avançar no debate acerca do que é hoje a leitura, seria por exemplo suficiente recordar o protesto contra a descontinuidade do Google Reader142, cujo argumentário desenvolvido pelos seus utilizadores frisou o facto de dependerem dessa tecnologia ou serviço de RSS para continuarem a ler os textos da sua preferência.

Nós, os leitores digitais Será o leitor um leitor digital porque está a ler este texto num ecrã depois de o ter retirado da Internet? Ou porque o comprou numa loja online e o recebeu em papel em sua casa?

141 142

http://www.amazon.com/gp/help/customer/display.html?nodeId=200127470 http://googleblog.blogspot.com.au/2013/03/a-second-spring-of-cleaning.html

240

Ficou já dito atrás que antes de tentar responder a tais questões é fundamental que se perceba o que significa ler para um dado individuo. Ler pode ser pensado em função do que se faz, ou seja, do que se lê individualmente, mas também em função daquilo que se pensa que a leitura é para os outros. Seguindo este pressuposto, terá pois de ser reconhecido que ler é também poder fazê-lo mediante diferentes formatos. Com efeito, poderá dizer-se que tal como se pode optar entre livros de bolso e livros maiores143, a opção é também susceptível de ser colocada entre ecrãs maiores ou mais pequenos. Quando se introduz então no contexto da leitura o(s) ecrã(s) enquanto suporte, é fácil dar o passo seguinte e falar da leitura enquanto produto do formato digital e, naturalmente, indagar a existência de um novo tipo de leitor? Ora, primeiro que tudo, aquilo de que é imperioso dar conta no quadro de qualquer estudo incidindo sobre a leitura e o leitor tem precisamente a ver com as razões invocadas para a prática da leitura. Nesse aspecto específico, e partindo dos dados relativos à amostra global de utilizadores de Internet inquirida nos dezasseis países supra referidos, é evidente que se lê sobretudo por prazer, motivo que atinge o valor percentual mais elevado (47%). Gráfico 1 Com que propósito lê mais frequentemente? n = 5582 47% 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%

20% 12%

Prazer

Acompanhar os acontecimentos actuais

Necessidades escolares / académicas

10%

Pesquisar sobre tópicos específicos de interesse

9%

Necessidades profissionais

Se é verdade que o proustiano prazer traduzirá diferentes coisas para diferentes tipos de indivíduos, não deixa também de merecer um sublinhado especial o facto de essa ser a resposta de eleição tanto na Europa144 como nos EUA ou mesmo no grupo 143

“En fonction de l’occasion, en fonction de l’endroit où j’ai décidé de lire, je préférerais quelque chose de petit et intime, ou d’ample et substanciel. (…) En fonction des époques et des lieux, j’ai appris à attendre des livres des apparences diverses et, comme dans toutes les modes, ces traits changeants attachent un caractère précis à la définition d’un livre. Je juge un livre à sa couverture; je juge un livre à sa forme” (Manguel, 1998). 144 Exige-se o seguinte reparo metodológico: a categoria “Europa” refere-se aqui exclusivamente à realidade de seis países, Alemanha, França, Reino Unido, Espanha, Itália e Portugal.

241

identificado pelo acrónimo BRICS145 (já vendo a China isoladamente constata-se uma diferença percentual muito curta entre quem afirma ler mais frequentemente por prazer ou com o objectivo de pesquisar sobre tópicos específicos de interesse – cf. gráfico 2), parecendo assim estabelecer-se um padrão para quase todos os países estudados. Gráfico 2 Com que propósito lê mais frequentemente? (por país/bloco de países) n = 4147 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%

Europa EUA China BRICS Prazer

Acompanhar os acontecimentos actuais

Necessidades escolares / académicas

Pesquisar sobre tópicos específicos de interesse

Necessidades profissionais

Comparativamente a outras razões que justificam a leitura, é certo que a que ocorre motivada por exigências de natureza profissional é aquela onde, para a amostra global, se encontram menos indivíduos realizando-a com maior regularidade face às demais razões desencadeadoras dessa prática. Todavia, se se olhar com atenção para o caso dos BRICS verifica-se uma particularidade adicional no que concerne às motivações da leitura. Se por um lado o prazer continua a ser a principal razão associada a esta, é também nesse conjunto de países que a leitura a que se está obrigado por necessidades profissionais é mais vezes referida como a que se põe em prática com maior frequência (18% dos inquiridos pertencentes ao bloco BRICS afirmam isso, ao passo que o valor para a Europa e para os EUA corresponde a 8%).

145

Integrando o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, países que vêm conhecendo um rápido crescimento económico ao longo essencialmente das duas últimas décadas, distinguindo-se por essa via na cena internacional – “for books and reading, several facts coincide: in a significantly growing number of emerging economies (…), a significant part of the population can afford and is in fact using mobile networks of digital content, have growing educational aspirations as well as an interest in both local and global entertainment, and have access to all this via the Internet and their mobile devices”(Wischenbart et al., 2013: 9).

242

Gráfico 3 Agora que livros, revistas, jornais e outros materiais estão disponíveis em formato electrónico, acha que ocupa mais, menos ou o mesmo tempo a ler? n = 5582

7% 14%

29% Mais O mesmo Menos Não sabe 50%

Conforme explicitado no gráfico anterior, é possível dizer que hoje, fruto da cada vez maior disponibilização electrónica de múltiplos materiais escritos, há efectivamente quem passe mais tempo a ler (29% dos inquiridos declaram-no, pese embora metade da amostra admita que lê essencialmente o mesmo). Que isso é feito através da agregação do fluxo do digital e da fixidez do papel (Vandendorpe, 2010: 159) é algo que, mais adiante, se dissecará. O que agora sobretudo interessa é realçar que a aquisição dos dispositivos digitais em que se lê (gráfico 4), com acesso à Internet, tende a ser ponderada pela maioria dos indivíduos dos 16 países (61%) também em função da possibilidade de através deles poderem vir a ler jornais, revistas ou livros.

Gráfico 4 A compra do dispositivo com acesso à Internet teve em conta a hipótese de aí poder ler jornais, revistas ou livros? n = 5582

39% 61%

Sim

Não

243

Pergunta-se depois: o facto de a compra de um dispositivo digital ser perspectivada pela maior parte das pessoas como futura plataforma de leitura sofre variações notórias dependendo do país ou conjunto de países sob foco? Examinando os dois gráficos seguintes, constata-se que a esmagadora maioria dos indivíduos do bloco BRICS (81%) valoriza essa função aquando da aquisição dos gadgets, mostrando-se a amostra dividida quer no caso dos EUA quer no da Europa, sendo inclusivamente superior neste grupo de países a percentagem de indivíduos que afirmam não ter em consideração para efeitos da compra do dispositivo digital a hipótese de aí poderem vir a ler jornais, revistas ou livros (51%). Atendendo aos dados que o gráfico 6 apresenta a respeito de Portugal, se por um lado face a países europeus como a Alemanha ou a França, são mais os indivíduos que valorizam o aspecto em causa (56%), quando a comparação é por exemplo estabelecida com o Brasil ou com a Índia, é aí bastante maior (respectivamente 74% e 91%) a percentagem dos que compram dispositivos digitais com acesso à Internet com o objectivo de os utilizarem futuramente para a leitura. Gráfico 5 A compra do dispositivo com acesso à Internet teve em conta a hipótese de aí poder ler jornais, revistas ou livros? (por país/bloco de países) n = 4147

87%

100%

81%

80% 60%

49% 51%

50% 50%

40%

13%

20%

19%

0% Europa

EUA

China Sim

BRICS

Não

244

Gráfico 6 A compra do dispositivo com acesso à Internet teve em conta a hipótese de aí poder ler jornais, revistas ou livros? (por país) n = 1628 91%

100% 67%

80%

56%

60%

44%

46%

74%

52% 33%

40%

26% 9%

20% 0% Portugal

Alemanha

França

Sim

Brasil

Índia

Não

Nesta análise sobre o que é a leitura digital tenciona-se compreender a leitura do livro e a sua omnipresença tanto no papel como no digital, mas quer-se igualmente questionar se a leitura pode, ou deve, continuar a ser centrada num anterior consenso ou se, em alternativa, é preciso um novo. Mas que consenso é esse ao qual se faz aqui referência?

Gráfico 7 Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em formato impresso? n = 5237 30%

28% 25%

25% 21% 20%

17%

15% 10% 5% 5% 0% 1_3

4_7

8_12

13+

Nenhum

É aquele de que somos herdeiros, e que reside na ideia de que a leitura está essencialmente ligada a livros, jornais e revistas. Trata-se de um consenso que foi 245

construído para a publicação em papel (implicando um determinado contrato de leitura “qui s’articule aux attentes, aux motivations, aux intérêts et aux contenus de l’imaginaire du public visé” - Bélisle, 2003: 76) mas que terá de ser reequacionado tomando em consideração também aquilo que, por nós, é hoje lido. Mas já lá iremos. Quando questionados sobre quantos livros em papel leram nos últimos 12 meses (gráfico 7), mais de 50% do total de inquiridos leu no máximo 7 livros, 25% entre 1 e 3 e 28% entre 4 e 7.

Gráfico 8 Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em formato impresso? (por país/bloco de países) n = 3842 35% 30%

1_3

25%

4_7

20%

8_12

15%

13+

10%

Nenhum

5% 0% Europa

EUA

China

BRICS

Por sua vez, verifica-se que em termos do maior número de livros em papel lidos por individuo no último ano (13 ou mais) a percentagem é mais elevada não na Europa (17%) ou sequer nos EUA (21%) mas sim nos BRICS (23%) e, em particular, na China (25%). Os dados empíricos permitem também concluir que é na realidade chinesa que os utilizadores de Internet que leram menos livros em papel no ano transacto (de 1 a 3) adquirem, comparativamente aos contextos europeu e norte-americano, menor peso percentual. Ora no caso de Portugal, vê-se sem dificuldade pelo gráfico 9 que são aí menos os internautas que no último ano leram pelo menos 8 livros em formato impresso, valor praticamente equivalente ao de Espanha, sendo estes os dois países europeus onde é menor a percentagem de indivíduos com essa prática específica, e mais regular, de leitura (com o valor a ser cerca de metade do que foi apurado para a China).

246

Gráfico 9 % de indivíduos que afirmou ter lido pelo menos 8 livros em formato impresso no último ano (por país) n = 1044 51%

China EUA Reino Unido França Alemanha Itália Espanha Portugal

34% 39% 39% 42% 31% 24% 25% 0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

É exactamente nesta sequência de raciocínio que convém dar a conhecer que 58% do total de utilizadores de Internet dos 16 países alvo do estudo já experimentou ler livros em formato digital. Gráfico 10 Alguma vez leu um livro em formato digital? n = 5582

42% 58%

Sim

Não

E qual então a geografia da leitura digital de livros? A resposta remete novamente para geografias mais distantes do que a europeia (gráfico 11). Dito de outro modo, quando se é utilizador de Internet é mais provável ler livros digitais quer na China quer no grupo dos BRICS.

247

Gráfico 11 Alguma vez leu um livro em formato digital? (por país/bloco de países) n = 4147 88%

100% 80% 60%

57%

53%

43%

79%

47%

40%

21%

12%

20% 0% Europa

EUA

China

Sim

BRICS

Não

Existem, assim, menos internautas que já leram livros em formato digital na Europa do que, por exemplo, nos EUA. Não obstante, e apesar de a diferença ser ainda mais flagrante para a Europa, é particularmente acentuada entre os EUA e a China ou os BRICS, com cerca de mais 30% de indivíduos que já leu livros em formato digital. No tocante a Portugal, a Espanha ou a Itália, é interessante sobressair como são estes três países do (sul) da Europa, e com percentagens muito idênticas, os únicos cuja maioria de inquiridos afirma já ter lido livros em formato digital. Ao invés, nos outros três países europeus passa-se rigorosamente o inverso, com a Alemanha e a França a revelarem uma diferença percentual entre quem já leu livros em formato digital e quem declara que nunca o fez extremamente cavada.

Gráfico 12 Alguma vez leu um livro em formato digital? (por país) n = 2146 79% 80% 60%

54% 46%

56% 44%

67% 52%48%

48%52% 33%

40%

21%

20% 0% Portugal

Espanha

Itália

Sim

Alemanha

França

Reino Unido

Não

248

Várias questões podem ser trazidas para o campo da discussão sobre as características sociodemográficas dos leitores de livros digitais. Uma delas é a de saber se há uma idade mais comum para se lerem livros em formato digital (gráfico 13) ou se, pelo contrário, se trata de uma leitura transversal às diferentes faixas etárias.

Gráfico 13 Alguma vez leu um livro em formato digital? (por idade) n = 5582 80% 60% 40%

66%

65% 34%

57% 43%

35%

48% 52%

58% 42%

20% 0% 15-24

25-34

35-44 Sim

45-54

55+

Não

Não só os dados indicam que são mais os indivíduos que leram livros digitalmente entre os 15 e os 34 anos, como fazem notar que, ultrapassados os 44 anos de idade, o número de utilizadores de Internet que o fez diminui de forma gradual. Também o nível de escolaridade (gráfico 14) exerce influência nas práticas de leitura dos leitores digitais de livros uma vez que somente entre os conjuntos de indivíduos que têm pelo menos frequência universitária ou um grau de ensino superior já concluído a grande maioria já leu livros em formato digital.

249

Gráfico 14 Alguma vez leu um livro em formato digital? (por nível de escolaridade) n = 5582 68% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

68%

65%

64% 49% 51% 36%

32%

35%

32%

Escola Ensino básico Ensino Frequência Licenciatura primária ou ou secundário / universidade ou outro inferior secundário profissional / instituto grau superior incompleto completo superior Sim

Não

Salientando que esta análise se centra nos utilizadores de Internet e que o nível de escolaridade é um forte indicador do uso desta tecnologia, a leitura digital de livros parece pois estar fortemente correlacionada com a frequência universitária. Dito de outro modo, frequentar ou ter já concluído o ensino superior está associado a uma maior probabilidade de leitura de livros em formato digital assim como quanto maior a escolaridade de um indivíduo maior a probabilidade de ser utilizador de Internet. Gráfico 15 De que forma leu o livro em formato digital? n = 3220 50% 40%

39% 31%

30%

20%

20%

10%

10% 0% Download de um ficheiro através de um repositório

Leitura online em formato de imagem

Compra através de uma livraria online

Partilha do livro digital por parte de um amigo

Cabe entretanto perguntar como se lê digitalmente livros? Ou, se se preferir, como se chega até aos livros que se lê digitalmente (gráfico 15)? Qual é o papel da compra de livros digitais na leitura digital?

250

A nível global, eis que ler digitalmente porque se comprou um livro surge como a terceira forma mais comum de se chegar até à leitura. A maneira mais usual de contacto com o livro digital é, porém, o download disponibilizado por terceiros, através de repositórios, na grande abrangência que o termo supõe. Ou seja, “repositório” deve pois ser entendido enquanto espaço organizado quer por entidades académicas quer por determinados indivíduos e onde justamente se podem partilhar obras em formato digital. É, no entanto, importante acentuar que não se está aqui a discutir se esses repositórios funcionam ou não à margem da lei. Pese embora se saiba, por amostragens realizadas, que grande parte da partilha de livros que aí ocorre é feita à margem do circuito legal de venda, aluguer ou empréstimo, disponibilizandose gratuitamente cópias digitais pelas quais se pagaria noutros espaços online de disponibilização de obras de ficção ou académicas. Ainda relativamente a esta dimensão de caracterização, é Igualmente de destacar que esse primeiro lugar, ocupado pelos repositórios, assume à escala global (nos países analisados) um valor percentual praticamente duas vezes superior (39%) à compra de livros digitais numa livraria online (20%). Ou ainda que o segundo lugar no acesso a obras em formato digital não é a compra mas sim a sua consulta através do formato de imagem. Por exemplo, no Googlebooks ou no Scribd ou em qualquer outro tipo de plataforma onde se possa aceder a livros por essa via. Por fim, em quarto lugar no acesso às obras, e com valores relativamente reduzidos (10%), encontra-se a partilha por parte de um amigo.

Gráfico 16 De que forma leu o livro em formato digital? (por país/bloco de países) n = 1164 60%

Download de um ficheiro através de um repositório

50%

Leitura online em formato de imagem

40% 30%

Compra através de uma livraria online

20% 10% 0% Europa

EUA

China

BRICS

Partilha do livro digital por parte de um amigo

251

Gráfico 17 De que forma leu o livro em formato digital? (por país) n = 974 50% 45% Download de um ficheiro através de um repositório

40% 35%

Leitura online em formato de imagem

30% 25%

Compra através de uma livraria online

20% 15%

Partilha do livro digital por parte de um amigo

10% 5% 0% Portugal Espanha

Reino Unido

Brasil

Índia

Considere-se agora o modo como se lê digitalmente livros por país ou grupo de países. Olhando para os gráficos 16 e 17, descobre-se que na China, nos BRICS ou na Europa, predomina a via do download através de repositórios. No entanto, nos EUA é o acesso por formato de imagem que aparece em primeiro plano, só depois surgindo a compra através de uma livraria online. No cenário europeu, e no que respeita à compra de livros digitais, o Reino Unido é um caso ímpar (tal como a Índia o é para o grupo dos BRICS), pois é o único país onde a compra é o modo mais frequente de acesso a livros em formato digital (em Portugal e Espanha adquire inclusivamente menor protagonismo que a partilha por parte de um amigo). A ilação que se pode tirar do conjunto de dados apresentados é que os EUA e o Reino Unido, porventura devido à profusão da presença da Amazon e do seu leitor Kindle, constituem as excepções que confirmam a regra, isto é, que a compra não se afigura como a forma mais vulgar de contacto com o livro digital. Ora se assim é, levanta-se uma outra questão inevitável: como poderia a leitura digital ser tão difundida caso não houvesse publicação por parte dos editores ingleses e norte-americanos, os quais são posteriormente copiados? Esta pergunta tem razão de ser já que aparentemente se deve a esses editores anglosaxónicos a maioria da oferta de publicações digitais para consumo à escala global. Ou seja, se não fosse possível fazer cópias dos livros digitais publicados nos EUA e no Reino Unido, seria provavelmente muito difícil que os valores de leitura digital de livros no resto do mundo fossem tão elevados como aqueles que o presente estudo aponta. Estamos portanto perante um dos paradoxos da mudança de práticas de leitura suscitado pelo digital.

252

Se sabemos quantos lêem livros digitais, quantos são os livros que se lê? O gráfico que se mostra de seguida facilita o estabelecimento de uma comparação entre a leitura de livros em formato impresso e a leitura de livros em formato digital.

Gráfico 18 Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em formato impresso? n = 5237 30%

25%

28% 17%

20%

21%

10%

5%

0% 1_3

4_7

8_12

13+

Nenhum

Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em formato digital? n = 3220 50%

40%

40% 30%

23%

20%

12%

18% 4%

10% 0% 1_3

4_7

8_12

13+

Nenhum

Em média 40% dos leitores de livros digitais leram entre 1 a 3 livros nesse formato no último ano, enquanto 25% dos leitores de livros impressos leram entre 1 a 3 obras em papel no mesmo período. A observação dos dados sugere claramente a existência de um universo de leitores onde há maior probabilidade de se ler em maior número livros em papel do que em suporte digital. Mas a distribuição da leitura, em termos da quantidade do que se lê, não é idêntica independentemente do(s) país(es) em causa (gráfico 19). Por exemplo, na Europa e nos EUA lê-se menos livros digitais por individuo. Já na China e nos BRICS é mais comum encontrar maiores leitores de livros em formato digital. Enquanto na Europa e nos EUA os que leram mais de treze livros digitais no último ano não ultrapassam os 10% do total de leitores de livros digitais, já na China representam mais de 30% (nos BRICS o valor desce para os 25%) dos leitores de livros nesse formato.

253

Gráfico 19 Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em formato digital? (por país/bloco de países) n = 2370 50% 45% 40%

1_3

35%

4_7

30%

8_12

25% 20%

13+

15%

Nenhum

10% 5% 0% Europa

EUA

China

BRICS

Gráfico 20 Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em formato digital? (por país) n = 1164 60% 50%

1_3 40%

4_7

30%

8_12

20%

13+ Nenhum

10% 0% Brasil

Rússia

Índia

China

África do Sul

Uma análise mais fina permite verificar que mesmo dentro do grupo de países designado por BRICS o número de livros digitais lidos assume variações conforme o país de que se fale (gráfico 20). Quer isto dizer que se por um lado é na Rússia, na China e na Índia que é mais elevada a percentagem de indivíduos que afirma ter lido no último ano 13 ou mais livros em formato digital, o Brasil e a África do Sul são, por outro lado, os dois países em que a percentagem de indivíduos que menos livros digitais leram nos últimos 12 meses (entre 1 e 3) é não só superior como mais desfasada por relação às que se referem a mais livros lidos.

254

Gráfico 21 Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em formato digital? (por bloco linguístico) n = 2163 60% 50% 40%

1_3

30%

4_7

20%

8_12

10%

13+

0% Portugal / Brasil

Espanha / México

EUA / Reino Unido / Austrália / Canadá

Nenhum

China

Gráfico 22 % de indivíduos que afirmou não ter lido nenhum livro em formato digital no último ano (por país) n = 94 China EUA Reino Unido França Alemanha Itália Espanha Portugal 0%

2%

4%

6%

8%

10%

12%

Digamos que uma leitura dos dados por bloco linguístico vem confirmar a ideia de que, independentemente de se ter por critério aferidor do número de livros digitais lidos a língua portuguesa, espanhola ou inglesa, é sempre proporcionalmente superior, no quadro do grupo de países por que é composto cada bloco, a percentagem dos que menos livros leram nesse formato no último ano. Certo é que essa interpretação não pode por exemplo ser corroborada a propósito da realidade chinesa. Complementarmente, o gráfico 22 serve tão só para assinalar que se na China é nula a percentagem de utilizadores de Internet que afirma não ter lido no último ano nenhum livro em formato digital, Portugal é o país onde esse valor é mais expressivo, alcançando os 11%. 255

É pertinente procurar descobrir diferenças na leitura não apenas em função da quantidade lida, mas também do(s) género(s) de livro(s) que se lê (gráfico 23), isto embora haja um padrão bem definido globalmente. São os romances e os livros de crime, thriller ou mistério os que mais se lêem no conjunto dos países debaixo de análise, quer no formato impresso quer no formato digital (em contrapartida, o infanto-juvenil, a poesia e o teatro são os géneros menos lidos em ambos os suportes). Os livros técnicos e académicos surgem em terceiro lugar em termos do suporte papel, mas atingem o segundo quando se trata de livros digitais. No entanto, não deixam de ser detectáveis singularidades (gráfico 24): por exemplo, Portugal, Brasil e China têm valores mais elevados do que os restantes países analisados para a leitura de livros técnicos e académicos em formato digital, demonstrando portanto uma particularidade desses contextos de leitura de livros digitais.

Gráfico 23 Géneros de livros mais lidos (por formato) impresso n = 5237 digital n = 3220 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

Impresso Digital

256

Gráfico 24 Géneros de livros mais lidos em formato digital (por país) n = 1455 70% 60% 50% 40%

Romances

30%

Crime, thrillers, mistério

20%

Técnicos, académicos

10% 0%

Daqui se parte para dois tipos de relação entre aquilo que é o consumo de livros em papel e em formato digital. Primeiramente, é importante realçar que quanto mais livros em papel se possui em casa, maior a probabilidade de se ler mais em digital. No entanto, esta não é uma verdade absoluta em virtude de se poder ter acesso a uma vasta biblioteca doméstica de livros impressos, utilizar-se a Internet e não se ler livros em formato digital (repare-se por exemplo no gráfico 25 – entre quem afirma ter em sua casa mais de 200 livros em formato impresso, cerca de um terço, 32%, declara não ter lido nenhum livro em formato digital no último ano).

Gráfico 25 % de indivíduos que têm em casa livros impressos segundo o número de livros lidos em formato digital (no último ano) n = 3219 50% 40%

1_3

30%

4_7 8_12

20%

13+

10%

Nenhum

0%

0_25

26_100

101_200

201+

257

Viu-se então que ter acesso a muitos livros em formato papel não implica directamente ler muito em digital. Haverá “grandes” leitores de livros em papel que lêem muito em formato digital e outros que, embora leiam muito em papel, lêem muito poucos livros digitais (gráfico 26). Não há assim uma relação directa entre ler-se muitos livros (ser um "grande" leitor) em formato papel e fazê-lo em formato digital. De qualquer forma, quando se afirma que não se leu nenhum livro em formato impresso no último ano também é mais provável que não se tenha lido nenhum livro em formato digital no mesmo período. Será também oportuno sobressair que, ao contrário de um receio expresso amiúde na opinião pública, os dados indicam que a leitura de livros em formato digital não substituiu a leitura de livros em formato papel. Constata-se que quem mais livros lê em digital é também quem o faz mais em suporte impresso (simetricamente, o contrário sucede entre os que afirmam ter lido apenas entre 1 e 3 livros em formato digital). Gráfico 26 Leitura de livros em formato impresso e digital (no último ano) n = 3131 50% 45% 40% 35% % de indivíduos que leram livros 30% em formato 25% impresso no 20% último ano 15%

1_3

4_7 8_12 13+

10%

Nenhum

5% 0% 1_3

4_7

8_12

13+

Nenhum

Nº de livros em formato digital lidos no último ano

Aprecie-se adicionalmente que enquanto no caso dos internautas portugueses o conjunto composto pelos que declararam ter lido no último ano ora entre 8 e 12 livros em formato digital ora pelo menos 13 atinge os 10% (a percentagem sobe para os 19% se se vir Portugal juntamente com o Brasil, ou 20% para a Espanha), já tomando por base a amostra global, os indivíduos com esse tipo de prática assumem uma percentagem que se traduz no triplo, ou seja, 30%. Se nos EUA o valor é de 24%, na China é superior em dobro, 55%. Quando comparando portanto com a maioria dos restantes quinze países analisados, Portugal parece ainda contar com um segmento de “grandes” leitores de livros em formato digital incipiente.

258

Começando o texto e a análise em questão a ser orientados para além dos livros, ou melhor, devendo passar à necessidade que cada indivíduo tem de se informar (ou de comunicar), não se pode negligenciar como uma tendência análoga à que foi entretanto exposta para a leitura de livros (a saber, a relação entre os que se lê nos suportes papel e digital) se vislumbra também nitidamente no consumo de jornais. Gráfico 27 Leitura de jornais na Web e de jornais impressos % de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia o jornal online consoante a frequência com que lêem o jornal impresso n = 2470 50% 50% 40% 23%

30%

26%

20% 10% 0% diariamente ou várias vezes ao dia

semanalmente

raramente ou nunca

Gráfico 28 Leitura de jornais na Web e de jornais impressos % de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia o jornal online consoante a frequência com que lêem o jornal impresso, por país/bloco de países n = 1825 74%

80%

65%

70% 60% 50%

44%

47%

diariamente ou várias vezes ao dia

43%

semanalmente

40% 30%

raramente ou nunca

20% 10% 0% Europa

Portugal

EUA

China

BRICS

Metade dos leitores diários de jornais digitais acumula essa leitura com a que realiza em papel. Na amostra global de dezasseis países, 50% dos indivíduos que afirmam ler diariamente ou várias vezes ao dia um jornal em formato digital são ao mesmo tempo 259

leitores diários de jornais em formato impresso146. Vê-se, novamente, que é nos BRICS (e ainda de forma mais evidente no caso da China – gráfico 28) que o uso regular de ambos os suportes no que concerne à leitura de jornais é uma prática mais generalizada entre quem aí utiliza a Internet, mais do que por exemplo no contexto dos EUA ou no leque dos países europeus examinados. Refira-se, ainda assim, que apesar de Portugal ter associada uma percentagem inferior (47%) à da amostra global (50%) no que respeita aos utilizadores de Internet envolvidos com a leitura frequente (e cumulativa) de jornais em ambos os suportes, a mesma acaba por ser superior à dos EUA (43%) ou dos países europeus tomados em bloco (44%). Interessa agora ressaltar que embora a leitura possa ocorrer por intermédio do formato digital tal não revoluciona necessariamente o entendimento do que se valoriza nesse acto. De certa forma, pode dizer-se que ler livros e jornais digitalmente continua a ser uma actividade concebida enquanto algo individual. De facto, não obstante serem prezadas quer a possibilidade de arquivar/gravar digitalmente o conteúdo do texto que se está a ler, quer a imediata pesquisa de informação (num motor de busca) sobre o seu tema ou autor, quer ainda o simples acesso a outros textos ou links associados, aspectos como a partilha, a associação de comentários ao texto ou o facto de se poder saber quem já o leu tendem a ser dos menos valorizados pelos leitores no contexto digital de leitura de livros ou jornais, no contexto de comunicação da Internet. Que as dimensões mais e menos valorizadas no âmbito da amostra global são exactamente as mesmas que em Portugal merece igualmente um sublinhado especial. Na intenção de um estudo que, grosso modo, procurasse também entrar no domínio das percepções acerca da(s) leitura(s), das suas vertentes impressa e digital (gráfico 29), pode desde logo destacar-se o facto de a leitura entendida como fonte de prazer ser um traço que os utilizadores de Internet conotam mais com a que é realizada em papel (80% dos inquiridos concorda ou concorda bastante com isso) do que propriamente em ecrã(s) (a percentagem desce para os 57%).

146

Exclusivamente 30% dos indivíduos (dos 16 países) que declararam raramente ou nunca ler jornais em formato impresso lêem diariamente ou várias vezes ao dia jornais em formato digital. 54% raramente ou nunca o faz, ao passo que 16% admite fazê-lo com uma periodicidade semanal.

260

Gráfico 29 Percepções sobre a leitura % de indivíduos que afirmam concordar ou concordar bastante com os seguintes tópicos acerca da leitura segundo o seu suporte n = 5582 16% 11%

Actividade aborrecida

57%

Competência essencial

71%

Requisito escolar/académico

47% 53%

Requisito profissional

52% 52%

Digital Impresso

57%

Fonte de prazer

80%

Forma de nos envolvermos com o mundo que nos rodeia

59%

68% 0%

10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

Salientar que são menos os que julgam aborrecida a leitura em papel por comparação com a que é mediada por ecrãs/dispositivos digitais. De igual modo, face à leitura em ecrã(s) ou digital, é mais elevada a percentagem de indivíduos que reconhecem na leitura em papel uma forma de envolvimento com o mundo que os rodeia. Enquanto competência essencial, a percentagem de inquiridos que liga essa ideia à leitura em papel (71%) é também significativamente superior à dos que a associam à leitura em ecrã(s) (57%).

261

Gráfico 30 Percepções sobre a leitura em dispositivos digitais % de indivíduos que assumem o seguinte grau de concordância a propósito da leitura realizada em dispositivos digitais n = 5582 60%

53%

50% 40%

41% 33%

30%

30%

17%

20%

40% 33%

37% 27%29%

19% Concorda ou concorda bastante

9%

10%

Não concorda nem discorda

0% Uma forma de Mais Apenas um De igual valor à as pessoas apropriada para complemento à que se realiza estarem mais fazer várias "verdadeira" em suporte facilmente coisas ao leitura (em papel actualizadas mesmo tempo papel) com os (multitasking) acontecimentos actuais

Discorda ou discorda bastante

Gráfico 31 Percepções sobre a leitura em dispositivos digitais % de indivíduos que assumem o seguinte grau de concordância a propósito da leitura realizada em dispositivos digitais n = 5582 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%

36%

34%36%

27%26% 18%

32%32% 28%

33%35% 21% Concordo ou bastante bastante

Não concordo nem discordo Discordo ou discordo bastante A leitura digital Um tipo de Uma leitura Não adequada substituirá a leitura em que superficial/de para textos leitura em o leitor pouca atenção literários papel num também futuro próximo escreve

Não é demais frisar que os dados plasmados nos gráficos 30 e 31, atinentes à amostra global e circunscrevendo-se a percepções sobre a leitura em dispositivos digitais, manifestam variações conforme o país ou bloco de países em causa. Por exemplo, o item “um tipo de leitura em que o leitor também escreve” colhe maior grau de 262

concordância entre os utilizadores de Internet dos BRICS (51%) do que entre os internautas pertencentes ao bloco dos 6 países europeus (21%). A Portugal, por seu turno, corresponde o valor de 29% para os inquiridos que concordam ou concordam bastante com esse tópico. Relativamente a outro item, “a leitura digital substituirá a leitura em papel num futuro próximo”, é também superior nos BRICS a percentagem de indivíduos que concorda ou concorda bastante com tal ideia (45%), ao passo que o valor percentual para o grupo de países europeus fica pelos 31%. Quanto à leitura em ecrã(s) ser “de igual valor à que se realiza em suporte papel”, é novamente nos BRICS que é (substancialmente) mais elevada a percentagem de indivíduos que concorda com essa afirmação, 48% (no bloco europeu a percentagem cai para os 29%). Se entre os inquiridos portugueses 36% discordam que a leitura em dispositivos digitais seja “de igual valor à que se realiza em suporte papel”, acabam por ser menos, 28%, os que partilham da ideia de que esse tipo de leitura “não é adequado para textos literários”.

O início de um outro consenso para a leitura? Iniciou-se a análise questionando se a leitura se confina apenas ao acto de ler livros, jornais e revistas, mesmo quando o suporte muda do papel para o ecrã. E essa continua a ser uma questão primordial. Demonstrou-se que a leitura de livros é comandada pelo prazer que dela se espera ou deseja extrair, estejam aqueles em formato impresso ou num determinado gadget. Mas há outras formas de leitura em que é também o prazer do acto de ler que comanda a razão de fazerem parte do nosso dia-a-dia. O argumento central é, assim, o de que a leitura, e o prazer que a comanda, têm existência para além dos livros. Daí que a atenção passe agora a centrar-se sobre outras formas de leitura que não o livro, e como elas se redefinem ou emergem intimamente vinculadas aos ecrãs. Sabemos por exemplo que sendo as pessoas também inquiridas acerca do modo como se informam, o recurso ao texto acaba sempre por adquirir centralidade, chegando-se a ele através dos motores de pesquisa, dos websites noticiosos (gráfico 32), ou mesmo das páginas dos jornais em papel, e isto vale tanto para Portugal como para os restantes países que foram objecto de inquirição.

263

90%

Gráfico 32 Leitura de websites noticiosos % de indivíduos que utilizam a Internet com o objectivo de ler websites noticiosos segundo a frequência com que o fazem n = 4147 87% 82% 80%

80% 70%

66%

diariamente ou várias vezes ao dia

55%

60% 50%

semanalmente

40% 30% raramente ou nunca

20% 10% 0% Europa

Portugal

EUA

China

BRICS

Embora para se informarem, as pessoas continuem, mesmo no caso dos utilizadores de Internet, a preferir os telejornais televisivos e a “imagem”, o recurso diário à leitura de websites noticiosos representa, em todos os países analisados, mais de 50% das escolhas. Entre os utilizadores de Internet portugueses, 80% afirmam ler websites de notícias diariamente ou várias vezes ao dia com o objectivo de se informar, valor aliás bastante próximo do que foi apurado para os BRICS. Gráfico 33 Leitura(s) na Internet % de indivíduos que utilizam a Internet com o objectivo de ler os seguintes tipos de texto segundo a frequência com que o fazem n = 5582

Críticas/avaliações feitas por outros internautas

22% raramente ou nunca

Blogues

31%

Enciclopédias online (ex: Wikipedia)

semanalmente

35%

diariamente ou várias vezes ao dia

Websites noticiosos

69% 0%

20%

40%

60%

80%

264

O gráfico 33 regista bem outras configurações de texto que, na Internet, os indivíduos lêem com maior ou menor frequência. Se por exemplo a leitura de blogues é para cerca de um terço da amostra global uma actividade realizada diariamente ou várias vezes ao dia, é contudo superior em quatro pontos percentuais o valor relativo a quem lê/consulta com essa regularidade páginas de enciclopédias do género Wikipedia (essa percentagem acaba por ser o dobro da revelada para a leitura de livros online, por exemplo via Googlebooks - 17%). Gráfico 34 Actividades de leitura e escrita na Internet n = 5582 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

95%

65% 52%

53%

47%

diariamente ou várias vezes ao dia semanalmente raramente ou nunca

Nunca deixando de se falar de leitura, assinale-se também que ler e-mails é uma actividade que a quase totalidade (95%) dos utilizadores de Internet dos 16 países leva a cabo diariamente ou várias vezes ao dia (já a sua escrita é algo a que, de modo diário, menos indivíduos se dedicam, 65%; correspondendo a um espaço de comunicação de um para um, lê-se aí mais do que se escreve147). Note-se ainda que a maioria dos indivíduos da amostra global (52%) recorre igualmente à comunicação simultânea em diferentes chats, acção que confere ao conceito de leitura uma outra latitude. Pela observação dos próximos gráficos pode compreender-se mais facilmente o peso da leitura nas redes sociais. Lançar o olhar para a leitura que acontece nesse âmbito justifica-se desde logo pelo seguinte: se a partilha do que se escrevia, normalmente fora do contexto individual de comunicação de um para um, estava adstrita à 147

A mesma tendência comprova-se quando se analisa a leitura de posts ou tweets nas redes sociais. Também aí se lê mais do que se escreve (53% vs. 47%).

265

dimensão organizacional das editoras, jornais, etc., com o surgimento da World Wide Web e das suas páginas parte desse papel de partilha da escrita dos indivíduos é reconduzido para a esfera individual (Lawrence Lessig dissertou mesmo sobre uma cultura de R/W, ou seja, Read/Write148), tendo com os blogues sido dado outro passo nessa direcção. Na realidade, a tecnologia não facilitava o acesso à distribuição da escrita sem o recurso a outros mediadores, pelo que o número de blogues e de páginas sempre foi muito inferior ao número total de utilizadores de Internet149. Gráfico 35 Leitura e escrita/publicação nas redes sociais % de indivíduos que afirmam realizar esse tipo de actividades diariamente ou várias vezes ao dia n = 4147

57%

57%

60% 50%

66%

64%

70% 46%

48% 41%

44%

Leitura de posts/tweets nas redes sociais

43% 34%

40%

Postagem/escrita nas redes sociais

30% 20% 10% 0% Europa

Portugal

EUA

China

BRICS

Gráfico 36 Presença nas redes sociais % de indivíduos com perfil criado nas redes sociais n = 5582

10% Sim 90%

Não

Apenas com a chegada das redes sociais e com a propagação da sua utilização, atingindo, como foi possível aferir neste estudo, 90% dos utilizadores de Internet, é 148

Ver Lessig, Lawrence (2008), Remix: making art and commerce thrive in the hybrid economy, New York, Penguin. 149 Para mais informação consulte-se http://www.obercom.pt.

266

que uma cultura de Read/Write/Post (R/W/P) se pôde difundir por uma extensa parte da população, fornecendo assim as bases para um questionamento do consenso sobre o que é ler, isto quando as pessoas passaram a ler mais, e com maior regularidade, noutros suportes que não meramente o livro, o jornal ou a revista. No gráfico 35 consegue-se ver que a leitura de posts/tweets nas redes sociais, diariamente ou várias vezes ao dia, assume nos BRICS (66%) um valor superior ao da Europa (46%) ou dos EUA (44%); dos 16 países, a China é aquele onde mais se lê nesse contexto. Com um valor mais elevado que o da média europeia, de Portugal pode, não obstante, dizer-se que conta com uma maioria de utilizadores de Internet (57%) lendo diariamente ou várias vezes ao dia nessas plataformas. De resto, a própria percentagem de indivíduos que não tem perfil criado nas redes sociais sofre também ela variações dependendo do país em causa: se em nenhum dos países dos BRICS esse valor transpõe os 10% (oscilando entre 1% para a China e 9% para a África do Sul), já por exemplo dentro do bloco europeu os países do Sul (Portugal, Espanha e Itália) revelam um valor abaixo dos 10%, distanciado-se de Alemanha (25%), França (17%) e Reino Unido (18%); nos EUA, o valor é de 12%. Chegados aqui, e justamente porque “la lecture en tant qu’activité (…) subit (…) une concurrence accrue du fait de l’émergence de nouveaux usages du temps libre et de la montée en puissance de la culture d’écran” - “(…) elle véhicule aussi quantité de textes et favorise d’une certaine manière un retour à l’écrit (on envoie des SMS et on utilise les services des messageries instantanées et des réseaux sociaux plutôt que de téléphoner), ainsi que l’émergence de nouvelles façons de lire” (Donnat, 2011: 39), interessa por exemplo explorar que relações existem entre as redes sociais e a leitura de livros, mantendo-se assim em aberto a análise que vem sendo feita das duas realidades de leitura (gráfico 37). Gráfico 37 Leitura nas redes sociais e de livros em formato digital % de indivíduos que afirmam já ter lido livros em formato digital segundo a frequência com que lêem nas redes sociais n = 5494 68% 70% 47%

50% 40%

58%

53%

60%

42% Sim

32%

Não

30% 20% 10% 0% diariamente ou várias vezes ao dia

pelo menos semanalmente

raramente ou nunca

267

No fundo, quem mais lê nas redes sociais tem também maior probabilidade de ler livros em formato digital (o que os dados simultaneamente mostram é que tanto a maioria dos indivíduos que lêem nas redes sociais pelo menos semanalmente como dos que afirmam que raramente ou nunca o fazem nunca leu livros dessa maneira). Se é também nos países incluídos nos BRICS que essa probabilidade é mais forte (de se ter lido livros em formato digital, sendo leitor regular nas redes sociais), entre os países europeus considerados, Portugal e Espanha são aqueles onde é mais elevada essa percentagem (respectivamente 64% e 65%, contra por exemplo os 41% e 24% de Alemanha e França). Por sua vez, é mais comum ler-se frequentemente nas redes sociais quanto mais novo se for e quanto maior for o nível de escolaridade (gráficos 38 e 39).

Gráfico 38 % de indivíduos que lêem nas redes sociais diariamente/várias vezes ao dia e nunca segundo a idade n = 5582 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

69%

65% 49% 41% 19%

9%

10%

15-24

25-34

35-44

25%

45-54

40% 25%

diariamente ou várias vezes ao dia nunca

55+

268

Gráfico 39 % de indivíduos que lêem nas redes sociais diariamente/várias vezes ao dia e nunca segundo o nível de escolaridade n = 5582 licenciatura ou outro grau superior frequência universidade/instituto superior ensino secundário/profissional completo ensino básico ou secundário incompleto escola primária ou inferior

15% 56% 13% 60% 22% 49%

nunca diariamente ou várias vezes ao dia

30% 44% 25% 39% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%

Há então, no que respeita às redes sociais, a possibilidade de argumentar que o seu uso mais recorrente proporciona uma mais fácil “domesticação”150 do ecrã como espaço de leitura – “domestication is practice. It involves human agency. It requires effort and culture, and it leaves nothing at it is” (Silverstone, 2006: 231) -, aproximando essa apropriação daquela que temos do suporte papel. Uma das interrogações que se levanta reside em saber se o facto de hoje se ler de tantas formas diferentes na Internet pode ter algum contributo para a transformação da leitura. Mesmo do livro. E porquê? A razão para levantar esta hipótese é aparentemente simples; quanto mais se usa a Internet para ler, através de diferentes dispositivos digitais, mais se torna o ecrã similar àquilo que são as nossas concepções de partida em termos da leitura. E lê-se de formas muito diferentes na Internet. Relembre-se que por exemplo 69% da amostra global afirma ler diariamente notícias, 53% afirma fazê-lo para os posts/tweets nas redes sociais, 35% para os textos da Wikipedia ou de outras enciclopédias online, 31% para os blogues, etc. E se se estiver na China a percentagem dos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia blogues é de 60%, ao passo que no conjunto dos BRICS desce para os 45% e na Europa e nos EUA é mesmo menor a 150

“At a metaphorical level we can observe a domestication process when users, in a variety of environments, are confronted with new technologies. These ‘strange’ and ‘wild’ technologies (…) have to be integrated into the structures, daily routines and values of users and their environments”, Berker et al., in Berker, Thomas, Hartmann, Maren, Punie, Yes e Ward, Katie J. (ed.) (2006), Domestication of media and technology, London, Open University Press, p. 2.

269

percentagem de leitores regulares desse contexto (respectivamente 23% e 20% declaram fazê-lo diariamente ou várias vezes ao dia). Embora esta seja uma abordagem, entre as muitas possíveis, sobre o que configura hodiernamente a leitura, a análise aqui desenvolvida serve sobretudo para mostrar a complexidade do que é mapear esse fenómeno quando se traz para a discussão o digital e a, provável, impossibilidade de manter um consenso herdado de uma época anterior à disseminação da Internet e dos ecrãs “des machines à lire”151.

É o leitor que comanda Depois de escalpelizado um conjunto de práticas e percepções em torno da leitura numa era de ecrãs digitais, é altura de mobilizar o conceito de “leitor cumulativo”152 ou total, dispositivo analítico fundamental para o desenvolvimento do estudo da leitura e do leitor. Falar de um leitor cumulativo ou total implica propor a atualização de um conceito já experimentado na sociologia da leitura para tipificar uma determinada espécie de leitor de formatos em papel, “com um acesso recorrente e plural aos três conjuntos de publicações” (Freitas e Santos, 1991: 68), a saber, livros, jornais e revistas. Empregue originalmente num outro contexto, em que não se lia em digital, importa agora discutir quais os seus novos contornos substantivos. Mas antes dessa reapropriação conceptual, convém também relembrar que não existem leitores totais sem leitores parcelares. Ora, a introdução deste conceito de “leitor total” remete para as práticas de leitura de cerca de 17% da população inquirida e utilizadora de Internet153. E o que é hoje um leitor total? São todos os indivíduos que, lendo em papel, efectivamente lêem ou já leram livros em suporte digital (independentemente da forma como o fizeram, via download, em formato imagem, etc.), que diariamente lêem nas redes sociais e utilizam um motor de busca do tipo Google para se manterem informados, que todos os dias lêem e-mails, que frequentemente se dedicam à leitura de jornais digitais, e que fazem tudo isso quer no computador (seja ele de secretária ou portátil) quer noutro dispositivo digital móvel, do tablet ao smartphone. No que concerne à geografia dos leitores totais, valerá a pena prestar atenção ao gráfico 40.

151

Expressão retirada ao título de um artigo de Thierry Grillet publicado, a 25 de Maio de 2012, no jornal Le Monde («L’ère des “machines à lire”»). 152 Avançado em Freitas, Eduardo de e Santos, Maria de Lourdes Lima dos (1991), “Inquérito aos hábitos de leitura”, in Sociologia, Problemas e Práticas, nº 10, pp. 67-89. 153 Sobretudo do sexo masculino (55%), com idade entre os 15 e os 34 anos (68%), frequentando ou tendo já concluído um grau de ensino superior (79%), vivendo numa grande cidade (61%).

270

Gráfico 40 Leitores totais % de indivíduos que correspondem ao perfil do "leitor total" por país/bloco de países n = 4147 36%

40%

30%

30% 20%

17% 12%

10%

10% 0% Europa

Portugal

EUA

China

BRICS

Imediatamente se percebe ser mais elevada nos BRICS a percentagem de indivíduos que, sendo utilizadora de Internet, corresponde ao perfil do leitor total (30%), valor aliás bastante distanciado daquele revelado para Europa ou EUA. Dois aspectos não devem, todavia, ser descurados. Por um lado a necessidade de ponderar a relação entre as realidades culturais e as práticas (de leitura), uma vez que tanto dentro do bloco dos BRICS como no europeu existem diferenças percentuais significativas entre os diferentes países (gráficos 41 e 42) face a este tipo específico de leitor.

Gráfico 41 Leitores totais % de indivíduos que correspondem ao perfil do "leitor total" por país (BRICS) n = 1478

40%

37%

36% 31%

30%

23%

17%

20% 10% 0% China

Rússia

Brasil

Índia

África do Sul

271

Gráfico 42 Leitores totais % de indivíduos que correspondem ao perfil do "leitor total" por país (Europa) n = 2144 20%

17%

17%

17% 13%

15% 10% 4%

5%

3%

0% Portugal Espanha

Itália

Alemanha

França

Reino Unido

Se no caso dos BRICS, China e Índia têm percentagens similares de leitores totais, já a Rússia, o Brasil e a África do Sul revelam ser a esse respeito realidades muito diferenciadas. O mesmo se passa na Europa. Se o valor é de 14% para os países da zona Sul, inclusivamente superior ao do Reino Unido, na França e na Alemanha é praticamente residual a percentagem de indivíduos que utiliza a Internet e pertence ao segmento dos chamados leitores totais. Por outro lado, não se pode deixar de procurar uma justificação para o facto de os utilizadores de Internet dos BRICS terem, como se tem vindo a comprovar ao longo deste capítulo, maior familiaridade com as práticas de leitura digital, consideradas nas suas diversas dimensões. Em boa verdade, o nível de escolaridade é uma boa variável explicativa para essas diferenças de valor. Que, na Internet, “for communication and information search purposes heaviest users are found in the countries with the lowest Internet diffusion” (World Economic Forum, 2011: 26) tem a sua tradução na composição da amostra de internautas desses países, menos heterogéna em matéria de qualificações escolares (à excepção do Brasil, uma larga maioria, entre 67% e 89%, nos restantes quatro países desse bloco, frequenta o ensino superior ou já o concluiu). Paralelamente, será talvez pertinente adiantar que “users in older online countries have access to multiple sources of information. Users in India, South Africa, Mexico, China, and Brazil may use the Internet more for these purposes because they feel that information is more controlled or limited offline than online” (World Economic Forum, idem). Falou-se atrás de leitores parcelares, produto de múltiplas combinações de práticas de leitura, mas sem atingir a plenitude característica do leitor total. Por exemplo, o leitor parcelar lê muitos e-mails, lê nas redes sociais, mas não lê livros em formato digital, ou em papel, como se queira. Ou então, outra combinação possível, definidora de um determinado perfil de leitor parcelar, lê livros em formato digital mas não lê nas redes sociais. 272

Gráfico 43 Leitores parcelares % de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia posts/tweets nas redes sociais e que nunca leram livros em formato digital, por país/bloco de países n = 4147 25%

21%

20%

20%

15% 11%

15% 10%

5%

5% 0%

Europa

Portugal

EUA

China

BRICS

Interessante verificar que este tipo específico de leitor154, indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia nas redes sociais mas que afirmam nunca ter lido livros em formato digital, se encontra muito mais na Europa (21%) do que por exemplo nos BRICS (11%). Ou que o valor para os EUA é três vezes superior ao da China. Ou ainda que a França, com a percentagem mais baixa de leitores totais (3%) entre os seis países europeus considerados, é agora o país onde estes leitores parcelares têm, proporcionalmente, maior presença. Na mesma linha de raciocínio, Brasil e África do Sul, os países dos BRICS com menores percentagens de leitores totais, são os que evidenciam valores mais elevados para estes leitores parcelares (respectivamente 19% e 17%).

154

Diferentemente dos leitores totais, são sobretudo do sexo feminino (52%). Apesar de a maioria ter a idade compreendida entre os 15 e os 34 anos (58%) e de frequentar ou já ter concluído um grau de ensino superior (51%), esses valores são mais baixos face aos que foram apurados para caracterizar os leitores totais.

273

Gráfico 44 Leitores parcelares % de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia posts/tweets nas redes sociais e que nunca leram livros em formato digital, por país (Europa) n = 2144 26%

30% 25%

20%

21%

20%

20%

20% 14%

15% 10% 5% 0% Portugal

Espanha

Itália

Alemanha

França

Reino Unido

Gráfico 45 Leitores parcelares (por país/bloco de países) n = 4147 25% 20%

nunca ou raramente lêem nas redes sociais/já leram livros em formato digital

15% 10%

lêem diariamente ou várias vezes ao dia nas redes sociais/nunca leram livros em formato digital

5% 0% Europa

Portugal

EUA

China

BRICS

Procedendo-se a um exercício comparativo entre dois tipos de leitores parcelares, repare-se que apesar de no quadro da amostra global serem mais os indivíduos que lêem regularmente nas redes sociais mas que nunca leram livros em formato digital (17%) do que aqueles que já o fizeram mas que nunca ou raramente lêem nas redes sociais155 (13%), no caso da Europa torna-se ainda mais vincado o peso de cada um desses tipos de leitores, por oposição ao que sucede quer nos EUA quer nos BRICS (especificamente na China, apenas 5% dos utilizadores de Internet são leitores regulares nas redes sociais sem nunca terem lido livros digitalmente). Se no grupo dos 155

Sobretudo do sexo masculino (54%) e apenas 43% tem idade entre os 15 e os 34 anos. Ainda assim a maioria, 65%, frequenta ou já concluiu um grau de ensino superior.

274

países europeus, só na Alemanha são mais os internautas que nunca ou raramente lêem nas redes sociais mas que já leram livros em formato digital, internamente aos BRICS, tal só ocorre na China e na Índia, caracterizando-se o Brasil por ser o país onde a tendência contrária é particularmente flagrante (mais indivíduos a ler regularmente nas redes sociais nunca tendo lido um livro em suporte digital). Gráfico 46 Leitores parcelares % de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia e-mails, nunca leram livros em formato digital e nunca ou raramente lêem posts/tweets nas redes sociais, por país/bloco de países n = 4147

30%

26%

23%

25% 20%

14%

15% 10%

4%

5%

China

BRICS

5%

0% Europa

Portugal

EUA

Um último tipo de leitor parcelar a que se fará alusão carrega, por definição, um outro leque de práticas de leitura digital ou ausência delas. O que do gráfico 46 se retira é que se vislumbram principalmente na Europa e nos EUA (com valores superiores aos 17% da amostra global) indivíduos lendo frequentemente e-mails sem nunca terem tido a experiência de ler livros em formato digital e que nunca ou raramente lêem nas redes sociais156. Se para o contexto europeu, é na Alemanha e na França que este perfil de leitor digital atinge valores percentuais mais acentuados (respectivamente 42% e 40% dos inquiridos), em qualquer dos cinco países do bloco BRICS a percentagem é inferior a 10%. A figura que a seguir se apresenta, derivada de uma análise de correspondências múltiplas, permite ainda perspectivar sob outro ângulo, isto é, numa lógica relacional, a(s) leitura(s) e os seus leitores.

156

Sobretudo do sexo feminino (51%). 54% tem 45 ou mais anos de idade. Em termos de escolaridade, 30% tem o ensino secundário ou profissional concluído e 42% frequenta ou já completou um grau de ensino superior.

275

Figura 1 157 Análise de Correspondências Múltiplas

Utilizadores ou consumidores compulsivos (outliers)

- Escolaridade / + Idade

Desinteressados da leitura Ávidos da informação e comunicação

- Leitura / Consumo

+ Leitura / Consumo Grandes Leitores

Leitores de informação e comunicadores frequentes na rede Estudiosos

+ Escolaridade / - Idade

É desde logo digno de registo um primeiro grupo de indivíduos que se apelida aqui de “grandes leitores”. Olhando paras as suas características, pode-se afirmar não existir uma separação cabal entre leitores “tradicionais” e leitores digitais. Percebe-se, no fundo, que existem determinados sujeitos que transportam o seu habitus de leitores tradicionais (de livros) para as práticas de leitura digital. Trabalhando muitas das pesquisas da sociologia da leitura mais convencional com categorias de leitores baseadas numa quantificação específica (pequenos leitores, 1 a 5 livros em papel lidos no último ano; leitores médios, 6 a 20; grandes leitores, mais de 20), no grupo dos “grandes leitores” representado na figura, composto essencialmente por quem frequenta ou já concluiu um grau de ensino superior, e com idades entre os 15 e os 34 anos, está-se a falar de indivíduos podendo estar integrados tanto na categoria dos leitores médios como também na dos grandes leitores, tal como formuladas no âmbito de uma sociologia da leitura pré-Internet. Justamente porque no último ano leram pelo menos 8 livros nos formatos papel e digital.

157

Os valores do teste de Alfa de Cronbach, para aferir a consistência das dimensões de análise, foram os seguintes: quanto à dimensão 1, o valor do teste foi de 0,858; quanto à dimensão 2, o valor obtido foi de 0,638. A média do teste para as duas dimensões foi de 0,782. Os resultados permitem aferir uma consistência interna das dimensões razoável e, portanto, uma fiabilidade aceitável.

276

Acrescente-se que no caso dos indivíduos que designamos por “estudiosos”, fundamentalmente têm como atributos uma compra mais intensa de livros ou revistas digitais em formato pdf ou para ler no leitor digital (e-reader); utilizam também mais a Internet para descarregar livros ou revistas grátis ou mesmo para ler em plataformas como o Google Books; sem esquecer um uso igualmente mais frequente da Internet quer para a compra online de livros impressos (Amazon, Fnac, etc.) quer para ver, descarregar ou partilhar músicas, filmes ou séries de TV158. Em termos da sua caracterização sociográfica, assumem proximidade com o grupo dos “grandes leitores”, ou seja, incluem sobretudo quem frequenta ou já concluiu um grau de ensino superior e indivíduos mais jovens, logo com mais acesso à tecnologia. O que talvez não esteja desligado das características deste grupo de indivíduos são os efeitos que as práticas ou actividades relacionadas com a leitura sofrem, eventualmente, por via de determinados ciclos de vida – os mais jovens que estudam, indivíduos que provavelmente estão a realizar mestrados, doutoramentos, e que portanto se envolvem naquele conjunto de práticas ou actividades que se elencou de maneira mais intensiva. Daí o facto da China ou da Índia estarem mais associados quer aos “grandes leitores” quer aos “estudiosos”: a menor democratização da Internet nestes países, reflectida em amostras compostas por indivíduos mais escolarizados, constitui um factor determinante nesse sentido. Igualmente a associar a indivíduos jovens, os “ávidos da informação e comunicação”: na proximidade dos “grandes leitores”, caracterizam-se pela sua maior ligação a hábitos de informação e comunicação (utilizam mais a Internet para ler e-mails, usar serviços de conversação instantânea, escrever no blogue, postar e ler nas redes sociais, mas também para ler websites noticiosos, a Wikipedia, etc.). Provavelmente não será aqui alheia a questão dos dispositivos digitais móveis, cujo advento permite hoje aos indivíduos estarem permanentemente a ler, a publicar posts, a enviar e-mails. Já os “leitores de informação e comunicadores frequentes na rede”, denotam um tipo de práticas bastante similares às dos “ávidos da informação e comunicação”, mas encontram-se mais próximos dos escalões etários 35-44 e 45-54 anos. Parecem situarse entre práticas de leitura mais frequentes e menos frequentes, entre os que mais lêem livros (“grandes leitores”) e os que usam pouco a Internet, por exemplo para ler apenas e-mails (“desinteressados da leitura”). Quanto a este último grupo, refere-se grosso modo a indivíduos menos escolarizados (até 1º ciclo, 2º ciclo, ensino secundário) e mais velhos (55 ou mais anos). São os que recorrem menos à Internet para ler websites noticiosos, a Wikipedia, blogues. Lêem também poucos e-mails e muito pouco nas redes sociais. Não compram online livros impressos, até porque as próprias práticas de leitura de livros em papel (e, por arrasto, em digital) são inexistentes ou bastante esporádicas.

158

A análise de correspondências múltiplas a que se chegou identificou valores desviantes ou outliers nomeadamente no que se reporta a esse tipo de práticas ou actividades relacionadas com a leitura.

277

Ao falar de leitura digital está-se a falar de um outro modo, de uma nova forma, de difusão da leitura, desta vez utilizando a Internet e os ecrãs. No fim de contas, estamos a situar-nos numa nova etapa desse continuum que foi a longa evolução da lógica gutembergiana do livro. Embora se saiba que o vídeo, quando medido em Tera-bytes, ocupa muito espaço de dados na Internet, na realidade o que as pessoas mais fazem aí não é ver vídeos ou produzi-los, mas sim ler e escrever. A Internet é ainda hoje o domínio da escrita e da leitura. Mas como serão os futuros usos da Internet? Iremos ler mais aí? Gráfico 47 Nos meses e anos vindouros, acha que lerá mais, menos ou o mesmo através de um meio digital? n = 5582

18%

Mais 44%

8%

O mesmo Menos Não sabe

30%

A acreditar nos dados obtidos, a percentagem mais significativa da amostra global (44%) acha que, no futuro, passará a ler mais textos em suporte digital. Quando se cruza isso com o nível de escolaridade, é nos indivíduos que frequentam ou já concluíram um grau de ensino superior que são mais elevadas as percentagens dos que acham que lerão mais em suporte digital num futuro próximo (em ambos os casos, 50% dos indivíduos concordam com esse futuro aumento de leitura). É também superior em todos os escalões etários a percentagem dos que futuramente admitem vir a ler mais digitalmente. No entanto, ela acaba por ter maior peso no escalão dos 25 aos 34 anos (49%) e menor no escalão dos 55 ou mais anos (37%). Parece ficar assim indicada uma forte probabilidade do desenvolvimento de uma tendência de incremento da leitura em formato digital. Todavia, tais perspectivas de futuro não se manifestam de igual modo em todos os países ou blocos de países. Se por exemplo na Europa as percentagens quer dos que afirmam que lerão no futuro mais textos digitais quer dos que apontam que lerão a mesma quantidade são praticamente iguais (respectivamente 34% e 33%), nos BRICS a diferença cava-se bastante em favor dos que se vêem, no futuro, a ler mais digitalmente (59% vs. 22%). No caso dos dois países da América Latina considerados, Brasil e México, também os dados surgem orientados 278

nessa direcção. Em Portugal, ao invés, é superior a percentagem de indivíduos que acham que num futuro próximo lerão a mesma quantidade de textos em suporte digital (38%) face à dos que julgam que lerão mais nesse formato (34%). Comparando, por fim, China e EUA, saliente-se que na China é muito mais elevado, mais do dobro, o valor dos que acham que, futuramente, lerão mais em formato digital (68% versus 33%). Noutra vertente, frise-se que a relação afectiva com o livro em papel, essa sobrevive (gráficos 48 e 49). Gráfico 48 Em sua casa, como prefere manter os livros? n = 5582 68% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

19% 9%

Arrumados em estantes

Arquivados digitalmente

Depende do seu conteúdo/design

Gráfico 49 Imagine que quer oferecer um livro a alguém. Nessa situação, o que prefere oferecer? n = 5582 77% 80% 60% 40% 20%

5%

14%

0% Um livro impresso Um voucher para Depende do seu download de um e- conteúdo/design book

Podendo a posse (de um grande número) de livros em papel ser encarada como marca de estatuto social159, o que é certo é que a larga maioria dos indivíduos dos 16 países 159

“(…) parmi l’énorme quantité de livres figurant sur les rayons des bibliothèques particulières, la presque totalité ne servent plus et ne serviront plus jamais à être lus. La question se pose donc de savoir à quoi ils servent (…), quelle est leur utilité et quelles motivations poussent leurs acquéreurs à se les

279

abrangidos pelo estudo preferem tê-los arrumados em estantes (68%) ou, tratando-se de oferecer um livro a alguém, optam preferencialmente pelo formato impresso (77%). Em ambos os casos, contudo, assinale-se que uma percentagem assinalável (entre os 14% e os 19%) faz depender a sua resposta do conteúdo ou design do livro em questão. Se a leitura deve continuar a ser definida a partir do que se valoriza, e se essa valorização é tanto social, ou seja dada pelo conjunto da sociedade sobre o que é importante ler, como é fruída individualmente, ou seja, em função daquilo que nos dá prazer, então é necessário que nos questionemos sobre, efectivamente, que tipo de leitura é aquela que valorizamos hoje em dia. Este é, porventura, um exercício que os indivíduos e as instituições das sociedades ganhariam em realizar com alguma regularidade ou, pelo menos, sempre que a dúvida se instala sobre se as condicionantes e o contexto sobre o qual a leitura assentava continuam inalterados ou em mutação. Parece ser um dado da equação analítica aqui proposta que, por uma alteração da disponibilidade tecnológica, há actualmente indivíduos a procurar novas formas de leitura. Mas também parece ser verificável que se domesticaram essas disponibilidades tecnológicas de uma maneira diferente daquela que poderia ser previsível para os fornecedores das tecnologias de ecrãs. Daí que se possa arriscar avançar o seguinte corolário: não é o livro que comanda, é o leitor que comanda. Portanto é o leitor que define a leitura. Ou seja, a leitura digital não existe porque há livros em formato digital, mas sim porque, havendo livros em formato digital, tecnologia de ecrãs portáteis, em conjunto com a imaginação de todos aqueles que criam novas formas e espaços na Internet, se criam as condições para a proliferação de novas práticas de ler. Por sua vez, essas novas práticas, transformam-se em novas formas de leitura quando os leitores formam representações positivas de associação de prazer a esses actos, antecipando assim a institucionalização do valor cultural partilhado dessas leituras na sociedade. O que significa então ler? Significa ler em papel e no digital (para quem utiliza a Internet), e ler só no papel para quem não a utiliza. E portanto esta é uma dualidade que tem de ser introduzida. Não quer dizer que ela seja benéfica mas existe e é aquilo que o mapeamento da leitura mostra. Pode-se hoje ao falar de leitura falar só de livros e e-books, e-books no sentido daquilo que é oferecido pela Amazon ou pelo iTunes? Se a leitura se define em função da relevância social e individual, então a resposta é não. Conforme se argumentou, deve-se manter uma abertura analítica para além dessa visão condicionante. Porque senão estaríamos a limitar-nos à ideia de que o que é procurer? D’une manière générale, le livre-objet peut avoir trois usages qui ne se rencontrent d’ailleurs jamais isolément, mais se recoupent et se combinent à l’infini. Il peut être un placement, un élément de décoration ou ce qu’on appelle un status symbol, c’est-à-dire le signe d’appartenance à une certaine catégorie sociale. Même la bibliothèque fonctionnelle de l’universitaire ou du membre de la profession libérale est influenciée par ces motivations extra-littéraires” (Escarpit, 1969: 35).

280

relevante hoje, para nós todos e individualmente, tem de ser igual àquilo que foi no passado e que portanto não há possibilidade de mudança. E a leitura não é feita de imobilidade, é feita de mudança. O que é a leitura digital? Tal como foi referido no primeiro capítulo e início deste, é um conceito de natureza multidimensional, podendo ser dadas inúmeras definições consoante o que se lê ou o momento histórico a que se faça referência, seja ele pós2000, anterior a 2000, nos últimos 6 meses ou no ano que se seguirá. Mas a leitura digital é aquilo que os leitores totais e parcelares hoje fazem, essa é uma definição pela prática. Se bem que também seja leitor aquele que, não sendo utilizador da Internet, e não acedendo nem à leitura de livros digitais nem a outras formas de leitura que a Internet possibilita, lê exclusivamente em papel. O que é que nos trouxe então até este momento histórico de redefinição da leitura? Por um lado, o alargamento a cada vez mais indivíduos da utilização da Internet, por outro a disseminação das práticas de comunicação em rede em vez da comunicação de massas e, por último, a prática massificada já não apenas do ler e escrever, mas sim do ler, escrever e distribuir ou partilhar (Read/Write/Post). No entanto, não é possível desprezar também a progressiva entrada das indústrias produtoras de bens impressos na sociedade em rede, sem as quais, obviamente, toda esta discussão não seria viável. Está-se então perante novas formas de leitura ou perante novos leitores? Ambos os cenários, essa é a resposta. Novos leitores de livros e jornais, agora num formato digital – “novos” porque alguns que liam em papel passaram a ler também em digital mas também porque certos não leriam em papel e passaram a fazê-lo – bem como novas formas de leitura, que criam “novos leitores”, os quais, embora não lendo necessariamente livros ou jornais, se relacionam com outros formatos tais como blogues, “tweets”, “e-mails”, “posts” do Facebook. A análise dos dados deste inquérito global sugere que falar da leitura, no final da primeira década do século XXI, pressupõe que se olhe para o que é lido em formato digital mas implica que se continue igualmente a considerar a leitura em papel. Pressupõe também aceitar a possibilidade de identificação de um novo tipo de leitor e de novas leituras, que moldarão tanto as políticas públicas de apoio à leitura como a valorização social e individual sobre o que pode ser entendido como leitura hoje.

281

Referências bibliográficas

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283

8 A leitura digital e o jornalismo: transformação de hábitos de leitura e transformação do jornalismo? Tiago Lima Quintanilha e Gustavo Cardoso

284

Para onde caminha o jornalismo? Que principais transformações ocorrem hoje ao nível dos hábitos de leitura e práticas de consumo? Quão relevante é o ecrã, conceito central na interpretação dos múltiplos dispositivos electrónicos, nas reconfigurações das formas de fazer, divulgar e pensar o jornalismo? Que relevância podemos atribuir ao ecrã nas dinâmicas de confronto entre formatos e plataformas digitais e tradicionais? Um exercício de enquadramento da importância conferida aos ecrãs, na vida das pessoas, poderá ser feito à luz dos resultados obtidos em inquéritos produzidos pelo OberCom e pelas instituições CIES-ISCTE e Fundação Calouste Gulbenkian. Destes resultados destacam-se uma série de questões que abordam a problemática da leitura digital e a forma como alguns media tradicionais podem também estar a passar para o formato digital, no que ao seu consumo diz respeito. O caso mais óbvio, associado a uma cada vez maior aposta em dispositivos de ecrã, é a cada vez mais frequente consulta de notícias e sites de jornais na Internet, reforçando a ideia de que até o meio de comunicação historicamente associado ao papel e à dimensão da impressão pode estar a ver o seu consumo ser reforçado, cada vez mais, em dispositivos e plataformas centrados no ecrã, como é o caso dos computadores, dos smartphones, etc. No fundo, como se alteram ou não padrões de consumo e recepção e como se alteram os papéis de consumidor e produtor numa sociedade onde as visões da idade de ouro do ecrã televisivo de McLuhan deram lugar ao mundo de ecrãs em rede proporcionado pela adopção e transformação social do que se acordou designar por Internet? A proposta de Silverstone sobre a necessidade de uma “sociologia dos ecrãs” (1992: 2) decorria da observação do papel central da televisão nos processos comunicativos nas nossas sociedades, mas também daquilo que parecia ser o início da presença de outro ecrã nas nossas casas, o computador. Essa percepção da necessidade de uma sociologia que se centrasse na análise dos processos comunicativos através do elemento comum à comunicação mediada, o ecrã, deu lugar mais tarde, na análise de Silverstone (2006), à proposta de uma sociologia da mediação, pois no seu entender era esse o seu elemento comum no processo de mediação. De algum modo, a proposta que aqui se coloca é a de questionar até que ponto, partindo da definição de sociologia da mediação, não nos será necessário revisitar a ideia de “sociologia dos ecrãs”, na tentativa de actualizar o objecto de análise sociológica às transformações comunicativas e de perceber de que forma podem também o jornalismo e a imprensa ser influenciados pela existência de um ecrã disseminado na crescente oferta de dispositivos electrónicos. A sociologia dos ecrãs, segundo Silverstone (1992: 2), “requer o compromisso de pensar no ecrã não apenas como um objecto material, um produto da tecnologia, mas também como um objecto social e simbólico, como o foco não apenas de uma série de práticas de comunicação, mas também como parte da cultura da habitação, privada e doméstica”. No seu artigo “De la sociología de la televisión a la sociología de la pantalla: bases para una reflexión global”, Silverstone refere que “a televisão estava a 285

mudar, estava a converter-se no centro do entretenimento doméstico e dos sistemas de informação” (1992: 1). Num momento caracterizado pela passagem de um sistema de comunicação em massa para um modelo baseado na comunicação em rede, focado nas redes de mediação onde coexistem diferentes graus de interactividade, a audiência enquanto interveniente passivo, na forma como a víamos em grupo, sentada no sofá, de frente para a televisão, deu lugar a um participante potencial, pronto a escolher entre uma enorme variedade de conteúdos e suportes de mediação. A verdade é que, com o crescimento da Internet e da lógica dos sistemas de mediação multiusos, o ecrã do televisor passou a ser partilhado com outros ecrãs. Assim sendo, a sociologia do ecrã descrita por Silverstone (1992: 3) como “uma sociologia que teria o seu contexto de análise na família e na televisão”, passa a ser uma sociologia do ecrã que, para se fazer útil, deve abordar o avanço e centralidade do ecrã mas nos seus formatos múltiplos, tal como hoje os conhecemos, baseados no “eu” com escolha de ser activo, participativo, interactivo e em rede, e já não no suporte universal conferido ao televisor e à centralidade atribuída à audiência mais passiva, por menores escolhas permitidas pelo ecrã – basta lembrar que à altura da análise inicial de Silverstone, os computadores raramente estavam ligados em rede. O predomínio do ecrã com base quer na prioridade que a inovação tecnológica lhe confere, quer na sua centralidade na vida do dia-a-dia, produto das escolhas das pessoas e dos processos de mediação, conduz-nos a uma análise do ecrã como síntese do objecto de estudo da sociologia da mediação na sua componente de articulação comunicativa em rede de múltiplos objectos de visionamento. A importância do ecrã como objecto da análise sociológica deve então ser pensada numa dupla vertente. Em primeiro lugar (e talvez a razão mais óbvia) surge uma certa envolvência associada à aposta cada vez maior nas tecnologias centradas no ecrã. Em segundo lugar, poder-se-á falar de uma certa tendência de ecranização, se assim podemos dizer, dos processos e ferramentas de mediação, em resultado do crescimento sustentado do modelo Web e daquilo que é hoje o caminhar da comunicação nos formatos tradicionais para a comunicação em rede, nos formatos online e digital. Comecemos então pelo primeiro ponto para dizer que hoje, mais do que nunca, as tecnologias representam-se e dependem do ecrã para ser adaptadas não apenas à casa, mas também ao lugar onde nos encontramos fora das horas passadas no contexto do agregado familiar. Estas tecnologias, dispostas numa multiplicidade de gadgets (iPads, iPods, telemóveis, GPS...), realçam uma espécie de cultura baseada nos ecrãs, onde a essência do produto tecnológico assume não apenas uma função de intermediário na construção dos rituais diários, como também todo um imperativo de consumo baseado nos lados estético e actual de novas ofertas e produtos. Algumas inovações decorrentes da introdução do telecomando, do videogravador, do zapping e da escolha de conteúdos, da diminuição dos preços e tamanho dos aparelhos, são claros exemplos de mudanças que se situam, em certo sentido, no paradigma do predomínio do ecrã enquanto ponto de partida não para 286

uma certa “convergência tecnológica” (Silverstone, 1992) entre dispositivos de comunicação mas sim para uma cultura de convergência (Jenkins, 2006: 2). Uma cultura de convergência em que diferentes caixas pretas, brancas e cinza, todas dispondo de ecrãs, se interligam em rede e onde, muitas vezes, são os conteúdos e não as tecnologias a convergir. Silverstone referia em 1992 que “nunca estivemos rodeados de tantos ecrãs como actualmente”. Assistimos a uma explosão de ecrãs: dos ecrãs dos televisores tradicionais, aos ecrãs dos computadores e ecrãs móveis de telemóveis e leitores de media portáteis. Silverstone fala por isso de ecrãs enquanto interfaces multi-uso e multi-contexto, mas numa época onde a interligação em rede entre elas era apenas imaginada e não experimentada e apropriada por milhões de pessoas no seu dia-a-dia. O nosso objecto de estudo contemporâneo é assim o da mediação, centrada em ecrãs e articulada entre estes através de redes comuns, onde o consumidor pode escolher assistir alternada ou sequencialmente aos mesmos conteúdos, adaptando diferentes suportes tecnológicos, cada vez mais, todos eles, ancorados no suporte ecrã como uma mesma infra-estrutura comunicacional de intermediação. A sociologia da mediação e dos ecrãs centra a sua atenção nos processos de mediação e na pluralidade dos ecrãs articulados por redes comunicativas, como a Internet, como elemento central da escolha dos indivíduos e como objecto onde se centram as nossas aspirações em termos de definição social da tecnologia, instituições, recepção, consumo e cultura. Os ecrãs dão-nos as rotinas que organizam o nosso quotidiano em casa, no trabalho e nos espaços e tempos de lazer. Esta abordagem ao peso que o ecrã assume, nomeadamente na questão da imprensa escrita, é para nós fundamental, no sentido de melhor compreendermos o peso que os ecrãs assumem nas nossas vidas e a sua centralidade nos períodos em que queremos ver televisão, ouvir rádio no carro, escolher uma música no telemóvel, consultar o site de um jornal na Internet e no telemóvel, ler um livro no Google Books, consultar um artigo no nosso Kindle, escolher um álbum no iPod, consultar o correio electrónico no iPad, entre inúmeras outras potencialidades que os dispositivos electrónicos garantem hoje, com base nas faculdades que o ecrã encerra. A relação imprensa e novos formatos de consumo, baseados no ecrã, é para nós crucial, porque é a vertente que melhor ilustra o poder do ecrã nesta dialéctica, uma vez que, ao contrário da televisão, que sempre tirou partido de um ecrã para potenciar escolhas e garantir a própria exequibilidade da mensagem, a imprensa escrita é, historicamente, uma realidade que cresceu fora desse âmbito, uma vez que encontrava no papel e na impressão a razão para poder existir. Para começar, importa introduzir alguns dados tirados do inquérito Sociedade em Rede em Portugal, promovido pelo Observatório da Comunicação, e que ilustram bem o peso que o ecrã assume na compra de dispositivos electrónicos em Portugal, por parte dos inquiridos, numa parafernália cada vez maior de escolhas. A tabela seguinte

287

mostra a evolução do número de dispositivos electrónicos numa amostra representativa da população portuguesa. Tabela 1: Quais os dispositivos electrónicos de que dispõe? SR

SR2008 (n=1039) SR2010 (n=1255) SR2011 (n=1250) SR2013 (n=1542)

Computador pessoal fixo

44,5%

32,8%

35,2%

36,2%

Computador pessoal portátil

25,7%

43,0%

50,5%

57,5%

Leitor MP3/MP4/IPOD

34,4%

30,1%

29,2%

33,1%

Telemóvel

89,7%

88,7%

88,5%

94,7%

Televisão

99,9%

99,0%

99,9%

98,6%

29,4%

39,1%

59,1%

Tablet

1,5%

11,9%

Leitor ebooks

1,0%

2,0%

Televisão com ecrã de plasma/LED/Flat Screen

Fonte: Inquérito Sociedade em Rede, OberCom Como podemos observar, o número de inquiridos que dispõem de um computador pessoal fixo decresceu ao longo dos últimos 5 anos, sendo que este número poderá estar relacionado com o crescimento do número de inquiridos que dispõem de computador pessoal portátil. Ou seja, mais do que flutuações neste caso, o que podemos estar a assistir é à passagem do computador fixo para o computador portátil, por uma grande percentagem de inquiridos que terão deixado o computador fixo para passar a apostar no computador portátil, que oferece maior mobilidade. Com efeito, 44,5% dos inquiridos, em 2008, dispunham de computador pessoal fixo, tendo esse número baixado para 36,2% em 2013. Por contraponto, em 2008, apenas 25,7% dos inquiridos dispunham de computador pessoal portátil, sendo que esse valor subiu para 57,5% em 2013. Interessa destacar particularmente o aumento do número de inquiridos que, em 2013, dispõem de telemóvel, televisão com ecrã de plasma/LED/Flat Screen, tablet e leitor de ebooks, reforçando a ideia de que, nos dias de hoje, cada vez mais inquiridos dispõem de uma multiplicidade de dispositivos que permitem tirar partido do ecrã para leitura de livros, jornais, etc. Esta é a leitura que dá início à análise seguinte que passa por compreender a forma como a centralidade e relevância dos ecrãs na vida das pessoas pode ser explicada pela perspectiva da leitura digital, isto é, a forma como os indivíduos podem estar a utilizar dispositivos digitais para consulta de artigos, livros, jornais, entre outros, que antes só conseguiam consultar no formato tradicional, em papel. A informação que reforça esta análise resulta do projecto A leitura digital – Transformação do incentivo à leitura e das instituições do livro, fruto do protocolo estabelecido entre o CIES-IUL e a Fundação Calouste Gulbenkian, e teve como principal objectivo compreender o fenómeno da leitura digital (consultar notas metodológicas do inquérito levado a cabo, no capítulo 7). 288

Importa recordar que os dados foram obtidos através de um inquérito online internacional às práticas de leitura digital, tendo sido validados 5582 questionários, distribuídos pelos seguintes países visados no estudo: -

Austrália - 389 Brasil - 361 Canadá - 468 China - 454 França - 420 Alemanha - 317 Índia - 235 Itália- 350 México - 280 Portugal - 295 Rússia - 287 África do Sul - 141 Espanha - 343 Turquia - 299 Reino Unido - 419 EUA - 525

Feita a introdução, passemos então à análise de alguns resultados obtidos.

289

Tabela 2: Quando compra uma nova tecnologia com acesso à Internet, dá especial relevância à capacidade que esta tem de ler livros, textos, revistas, ou jornais? Não

Sim

Alemanha (n=317)

52,5%

47,5%

EUA (n=525)

49,6%

50,4%

França (n=420)

67,0%

33,0%

Itália (n=350)

40,9%

59,1%

Espanha (n=343)

45,4%

54,6%

Reino Unido (n=419)

50,4%

49,6%

México (n=280)

28,4%

71,6%

China (n=454)

13,4%

86,6%

Portugal (n=295)

44,0%

56,0%

Rússia (n=287)

23,7%

76,3%

Turquia (n=299)

28,4%

71,6%

Brasil (n=361)

26,0%

74,0%

Índia (n=235)

9,4%

90,6%

Austrália (n=389)

49,3%

50,7%

Canadá (n=468)

46,3%

53,7%

África do Sul (n=141)

28,0%

72,0%

Começando pela relação directa entre escolha do dispositivo e a possibilidade que o mesmo oferece na leitura de livros, textos, revistas e jornais, poder-se-á dizer que a grande maioria de países representados no estudo reforçam a ideia clara de que os inquiridos têm uma grande apetência por dispositivos centrados no ecrã e pela possibilidade que estes conferem na leitura e consulta de documentos escritos. Com efeito, dos 16 países inseridos no estudo, 13 apresentam uma maioria clara de inquiridos que optam por comprar dispositivos electrónicos em função da capacidade que estes oferecem na leitura de textos escritos. Apenas a Alemanha, a França e o Reino Unido (onde não há uma tendência clara de resposta), apresentam resultados contrários.

290

Tabela 3: Com que frequência utiliza a Internet para ler sites de notícias? Não sei

Nunca

Alemanha (n=317)

1,0%

EUA (n=525)

0,7%

França (n=420)

Com pouca frequência

Mensalmente

Semanalmente

5,9%

5,5%

2,6%

21,4%

38,1%

25,6%

9,8%

13,4%

4,5%

16,4%

34,0%

21,2%

0,0%

19,9%

15,6%

5,5%

16,0%

26,9%

16,2%

Diariamente Várias vezes ao di

Itália (n=350)

0,0%

0,9%

2,5%

2,6%

10,3%

40,9%

42,8%

Espanha (n=343)

0,0%

2,3%

4,5%

5,7%

14,4%

39,9%

33,2%

Reino Unido (n=419)

0,5%

11,2%

7,8%

2,6%

17,6%

39,2%

21,1%

México (n=280)

0,0%

2,0%

7,4%

5,8%

16,7%

42,7%

25,3%

China (n=454)

0,4%

1,5%

1,6%

2,3%

7,3%

36,8%

50,2%

Portugal (n=295)

0,0%

0,6%

3,8%

1,0%

14,4%

41,5%

38,7%

Rússia (n=287)

0,7%

0,0%

3,5%

1,7%

16,8%

41,6%

35,7%

Turquia (n=299)

1,4%

1,4%

2,9%

1,6%

7,7%

39,8%

45,2%

Brasil (n=361)

0,7%

0,7%

4,1%

0,8%

5,7%

41,1%

46,8%

Índia (n=235)

0,0%

1,4%

6,2%

0,8%

12,5%

42,6%

36,5%

Austrália (n=389)

0,3%

6,8%

10,8%

2,5%

17,2%

41,9%

20,5%

Canadá (n=468)

0,2%

7,1%

8,5%

4,4%

22,0%

36,5%

21,3%

África do Sul (n=141)

0,0%

3,2%

10,0%

4,2%

19,6%

32,9%

30,2%

Analisando a frequência de consulta de sites de notícias online, podemos constatar que a grande maioria dos países envolvidos no estudo apresenta uma maioria de respostas que sugerem que os inquiridos tendem a consultar a Internet para ler sites de notícias, no mínimo uma vez por dia. A única excepção diz respeito aos resultados obtidos nos inquéritos realizados em França. Tabela 4: Costuma utilizar a versão online de um jornal para se informar? Não sei

Nunca

Com pouca frequência

Mensalmente

Semanalmente

Diariamente

Várias vezes ao dia

Alemanha (n=317)

3,2%

18,6%

22,9%

6,8%

19,5%

22,0%

7,0%

EUA (n=525)

2,2%

26,4%

21,8%

7,0%

13,4%

23,5%

5,7%

França (n=420)

0,5%

14,0%

22,1%

8,1%

16,3%

29,9%

9,0%

Itália (n=350)

0,2%

8,2%

9,3%

5,2%

19,9%

41,2%

16,0%

Espanha (n=343)

1,3%

9,0%

11,4%

9,3%

17,0%

36,9%

15,1%

Reino Unido (n=419)

1,6%

19,7%

17,8%

8,2%

17,4%

28,2%

7,2%

México (n=280)

1,1%

12,4%

7,8%

12,8%

21,3%

33,0%

11,5%

China (n=454)

0,4%

9,4%

15,5%

5,8%

21,8%

33,6%

13,3%

Portugal (n=295)

1,3%

2,1%

11,2%

5,5%

22,5%

36,9%

20,6%

Rússia (n=287)

2,0%

11,7%

21,1%

12,4%

24,4%

22,8%

5,7%

Turquia (n=299)

0,7%

4,2%

4,2%

4,6%

12,0%

49,9%

24,5%

Brasil (n=361)

0,4%

4,6%

14,0%

5,6%

15,8%

40,0%

19,5%

Índia (n=235)

1,2%

2,4%

13,9%

6,0%

17,7%

41,2%

17,6%

Austrália (n=389)

2,3%

18,5%

20,0%

6,7%

13,9%

24,0%

14,7%

Canadá (n=468)

0,4%

16,4%

22,6%

10,4%

18,9%

23,3%

8,1%

África do Sul (n=141)

0,0%

8,3%

20,2%

5,6%

14,6%

40,6%

10,6%

291

Importa reparar também que a grande maioria dos países envolvidos apresenta um grande número de respostas que apontam para uma considerável frequência de utilização da Internet para consulta da versão online de um jornal. Em Itália, por exemplo, 57,2% dos inquiridos que participaram no estudo referem que utilizam a versão online de um jornal para se informar no mínimo uma vez por dia. Este resultado é ainda mais significativo na Turquia (74,4%). No pólo contrário, ainda que os resultados obtidos sejam muito significativos, encontramos a Alemanha (29%), EUA (29,2%), França (38,9%), Reino Unido (35,4%), Rússia (28,5%) e Canadá (31,4%). Ou seja, mesmo nos países onde os resultados são menos avassaladores, a ideia é a de que existe uma grande percentagem de pessoas a consultar sites de jornais no formato online pelo menos uma vez por dia. Tabela 5: Costuma utilizar a versão impressa de um jornal para se manter informado? Não sei

Várias vezes ao dia

Diariamente

Semanalmente

Mensalmente

Com pouca frequência

Nunca

Alemanha (n=317)

3,4%

4,8%

36,1%

22,4%

5,9%

15,6%

11,9%

EUA (n=525)

1,7%

5,2%

19,1%

24,2%

5,6%

18,7%

25,5%

França (n=420)

0,7%

3,5%

20,8%

25,1%

9,9%

24,6%

15,6%

Itália (n=350)

0,8%

8,0%

28,9%

26,8%

10,3%

15,4%

9,8%

Espanha (n=343)

0,7%

6,6%

22,1%

22,9%

7,3%

22,5%

17,9%

Reino Unido (n=419)

1,8%

7,7%

28,2%

20,3%

3,9%

22,8%

15,2%

México (n=280)

1,1%

11,4%

25,1%

26,6%

8,9%

15,7%

11,2%

China (n=454)

0,5%

10,0%

39,4%

20,4%

7,7%

15,7%

6,4%

Portugal (n=295)

0,6%

9,0%

30,0%

27,0%

5,1%

21,7%

6,7%

Rússia (n=287)

2,2%

5,0%

13,7%

24,9%

15,1%

26,2%

13,0%

Turquia (n=299)

0,0%

10,9%

39,9%

27,6%

4,4%

11,8%

5,5%

Brasil (n=361)

0,9%

12,5%

25,3%

19,9%

4,6%

28,1%

8,7%

Índia (n=235)

0,7%

19,9%

63,6%

7,1%

1,3%

5,1%

2,2%

Austrália (n=389)

1,2%

3,2%

27,9%

34,5%

3,8%

18,1%

11,4%

Canadá (n=468)

0,3%

1,9%

21,3%

32,0%

8,2%

19,1%

17,2%

África do Sul

0,4%

7,0%

20,6%

32,9%

11,4%

18,1%

9,5%

Por contraponto, e se nos centrarmos na utilização diária (tabelas 4 e 5), que é aquela que importa mais destacar, verificamos que podemos estar perante um quadro onde já há mais inquiridos que dão prioridade à procura de informação online, em sites de publicações referenciadas, do que inquiridos que ainda preferem o formato impresso das respectivas publicações, sendo que a tendência será naturalmente para ver crescer o peso da vertente online (centrada nos ecrãs), nesta relação entre formatos online e tradicional. Na maioria dos países considerados no estudo, podemos reparar que os valores obtidos para a consulta online, em termos de frequência diária de utilização, é superior à obtida para a consulta da versão impressa, como é o caso dos EUA, França, Itália, Espanha e, de uma certa forma, em todos os restantes países (com excepção da Índia, China e Reino Unido).

292

Tabela 6: Com que frequência lê jornais no formato papel? Não sei

Nunca, ou quase nunca

Menos de uma vez por mês

Pelo menos uma vez por mês

Alemanha (n=317)

2,5%

13,7%

14,3%

26,5%

43,1%

Diariamen

EUA (n=525)

1,3%

29,7%

19,4%

27,2%

22,3%

França (n=420)

1,7%

24,7%

19,7%

30,0%

23,9%

Itália (n=350)

0,3%

15,8%

20,0%

31,1%

32,8%

Espanha (n=343)

1,5%

28,3%

18,4%

26,5%

25,4%

Reino Unido (n=419)

2,6%

21,7%

17,1%

25,3%

33,3%

México (n=280)

2,3%

21,8%

19,9%

25,0%

31,0%

China (n=454)

0,6%

6,7%

15,9%

34,7%

42,1%

Portugal (n=295)

1,9%

15,4%

19,2%

28,4%

35,1%

Rússia (n=287)

1,1%

23,7%

28,8%

29,9%

16,4%

Turquia (n=299)

3,4%

6,3%

9,5%

31,4%

49,3%

Brasil (n=361)

1,3%

18,9%

16,3%

29,9%

33,7%

Índia (n=235)

1,2%

1,2%

5,5%

11,7%

80,3%

Austrália (n=389)

1,0%

16,0%

14,8%

38,3%

30,0%

Canadá (n=468)

0,7%

19,6%

22,6%

32,2%

24,9%

África do Sul

0,1%

11,0%

22,2%

39,3%

27,3%

Voltando um pouco atrás, e ao peso que o formato impresso de publicações, nomeadamente os jornais, ainda tem na vida das pessoas, podemos observar que, de acordo com os países inseridos no estudo, não há uma grande orientação para a leitura diária de jornais no formato papel. Ao contrário dos inquiridos que utilizam a Internet para ler sites de notícias, e que na sua grande maioria, de acordo com os resultados obtidos, tendem a fazê-lo pelo menos uma vez por dia, não há uma grande percentagem de inquiridos que tenham por hábito ler jornais em formato papel diariamente. O único país que se destaca desta lógica argumentativa é claramente a Índia, onde mais de 80% dos inquiridos envolvidos no estudo têm por hábito ler diariamente jornais no formato papel. Os outros países que, ainda assim, também apresentam resultados satisfatórios de leitura diária de jornais impressos são a Alemanha (43,1%), a China (42,1%) e a Turquia (49,3%), sendo que todos os outros países atingem percentagens inferiores.

293

Tabela 7: A leitura no formato digital irá substituir a leitura no formato impresso num futuro próximo? Não sei

Discordo fortemente

Discordo

Não discordo, nem concordo

Concordo

Concordo fortemente

Alemanha (n=317)

16,7%

18,3%

16,8%

21,0%

18,0%

9,2%

EUA (n=525)

13,0%

9,3%

14,8%

30,8%

20,3%

11,7%

França (n=420)

19,2%

19,4%

19,9%

18,1%

18,0%

5,4%

Itália (n=350)

7,8%

12,9%

13,6%

31,2%

25,2%

9,2% 13,7%

Espanha (n=343)

7,7%

7,1%

13,3%

31,4%

26,8%

Reino Unido (n=419)

14,9%

9,4%

15,4%

28,8%

23,0%

8,5%

México (n=280)

4,5%

8,7%

14,4%

32,1%

28,1%

12,1%

China (n=454)

1,8%

7,6%

21,5%

29,8%

29,2%

10,1%

Portugal (n=295)

5,9%

16,0%

16,4%

28,5%

25,0%

8,2%

Rússia (n=287)

8,5%

13,2%

17,0%

23,5%

31,2%

6,6%

Turquia (n=299)

7,8%

9,0%

15,4%

23,7%

30,4%

13,7%

Brasil (n=361)

7,3%

9,1%

13,8%

29,7%

23,1%

17,0%

Índia (n=235)

4,6%

3,9%

8,0%

21,6%

39,2%

22,6%

Austrália (n=389)

10,8%

12,4%

20,7%

29,2%

19,9%

7,0%

Canadá (n=468)

8,8%

11,0%

14,8%

27,7%

28,4%

9,2%

África do Sul (n=141)

3,0%

5,3%

14,9%

20,9%

41,8%

14,1%

Se atendermos aos resultados evidenciados na tabela 7, facilmente chegamos à conclusão de que, para uma grande percentagem de inquiridos, nos mais variados países envolvidos no estudo, há uma opinião muito observada que passa por considerar que a leitura no formato digital irá substituir a leitura no formato impresso num futuro próximo. Ora este é basicamente um sintoma do peso dos ecrãs em áreas que, anteriormente, seriam difíceis de imaginar, e que reforça a ideia de que os ecrãs vieram e estão para ficar, em grande parte das dimensões da vida das pessoas, seja em tempos de organização, trabalho, lazer, interacção, etc. Alemanha, França e Austrália são os únicos países que se caracterizam por níveis de concordância aquém dos 30%. Todos os outros superam esse valor, sendo que depois há também uma qualidade muito assinalável de inquiridos que ou não respondem ou não têm uma opinião formada sobre este assunto. Na mesma exacta medida, os únicos países que apresentam valores de discordância com a afirmação, superiores aos valores de concordância, são também a Austrália, a Alemanha e a França. Importa reparar ainda que até mesmo no inquérito realizado na Índia, e tendo em conta que este é o país onde mais inquiridos tendem a ler diariamente jornais em papel, cerca de 62% dos inquiridos acreditam que o formato digital irá definitivamente impor-se ao formato papel num futuro próximo. Fazendo um ponto de situação, importa lembrar que, de uma abordagem inicial, que partiu de uma ideia antiga de sociologia dos ecrãs de Silverstone, decorrente da observação do papel central da televisão nos processos comunicativos e do início da presença de outro ecrã nas nossas casas, neste caso o computador, tentámos chegar a uma análise que permitisse compreender a perspectiva de transversalidade do ecrã 294

nas várias dimensões das nossas vidas. Por outras palavras, tentámos abordar a evolução de um ecrã que, noutros tempos, era percebido num contexto da análise da televisão em família, para um ecrã que é hoje o garante dos múltiplos formatos e um elemento definidor da mediação comunicativa, participando muitas vezes no próprio processo de alteração e transformação de hábitos e formas de consumo. Depois, numa segunda fase, optámos por explicar a forma como o crescimento e poder do ecrã começam a ter um impacto considerável em áreas à partida menos óbvias, como a imprensa escrita. Para o justificarmos, optámos por tirar partido de um conjunto de informações que avaliam o percurso de apropriação do ecrã como elemento que é, cada vez mais, tido também como um suporte e uma plataforma de apoio aos media mais tradicionais, que anteriormente nada tinham que ver com o ecrã e que existiam unicamente no formato impresso. Esta foi uma análise feita com o propósito de demonstrar a importância e a transversalidade do ecrã em todas as áreas de mediação, revelando que, por exemplo, é tido como profundamente provável a substituição, num futuro próximo, dos formatos tradicionais (inclusive no caso da imprensa escrita), pelos formatos digitais, todos eles baseados no ecrã, o que, em última análise, acaba por surtir efeito na transformação de hábitos de leitura e, por acréscimo, na transformação do próprio jornalismo. Para suportar ainda mais esta ideia, interessa focar agora a análise naquilo que pode ser descrito como um sinal dos tempos, através da interpretação de um conjunto de dados que reforçam a ideia de que a imprensa escrita, como a conhecemos, no papel e na circulação em bancas, sofre um progressivo e continuado desgaste em termos de tiragens e circulação. No entanto, a análise debruçar-se-á também na interpretação da possível, e já falada anteriormente, migração da consulta e leitura no formato tradicional para o formato digital, focado no ecrã, segundo o pressuposto de que podemos estar a ler tantos jornais como no passado, mas tirando partido de suportes e plataformas distintos. Nesta análise, focada exclusivamente no caso português, a partir da recolha de dados de audiência facultados pela Marktest e dados de circulação e tiragem reunidos através dos boletins informativos da APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação), tentámos analisar a queda do volume de exemplares em banca, resultante de uma circulação paga menor, e o aumento, em contraciclo, do volume de audiências das publicações, num dualismo que sugere então estarem criadas as condições para começarmos a considerar a dita transformação dos hábitos de leitura e do jornalismo como uma realidade. Numa época em que a palavra crise é parte das nossas vidas, nas suas várias dimensões, ao nível sectorial e ao nível regional, também a imprensa escrita sofre os efeitos de uma conjuntura global severa. Interessa, por isso, perceber de que forma têm evoluído a estrutura e a dinâmica do mercado da imprensa escrita em Portugal. O objectivo geral passa agora por criar novos elementos de leitura daquilo que são, na essência, dificuldades intrínsecas na geração de valor na imprensa no contexto de uma transição digital em pleno curso. Embora os principais traços deste processo sejam já 295

familiares aos operadores e analistas do negócio, dentro e fora de Portugal, interessa compreender os contornos empíricos da situação de mercado no nosso país. Esta sistematização permitirá informar a estratégia de cada grupo de media e de cada publicação, nomeadamente no que ao posicionamento diz respeito, ou seja, o desempenho relativo quanto ao número de tiragens, o volume de circulação impressa paga, e também o peso que cada publicação e grupo de media têm na população, na forma de audiências. De um ponto de vista analítico, o que se pretende é estudar três ordens de grandeza (tiragem, circulação impressa paga, audiência média), por forma a compreendermos qual é a real situação dos jornais e newsmagazines em termos do seu posicionamento e peso neste mercado particular, jogando com estes dados na construção de dois índices específicos. Os índices criados visam perceber duas questões distintas: 1) a questão do consumo pela procura, que é obtido com base na circulação paga de cada publicação, por relação com a audiência média associada também a cada título (Índice de Procura e Consumo de Publicações, IPCP); 2) a questão da eficiência, ou força, que pode ser calculada a partir da circulação impressa paga, pelo volume de tiragens de cada publicação (Índice de Eficiência de Publicações, IEPU). Esta análise reveste-se de particular interesse para o estudo da imprensa em Portugal, na medida em que pretende ir além da simples descrição que habitualmente é levada a cabo em anuários estatísticos, onde observações relativas ao volume de exemplares em tiragem ou em circulação impressa paga, bem como a estimativa e cálculo de audiências, são feitas sem uma leitura mais exaustiva dos resultados, com eventuais relações entre si e com o meio e conjuntura característicos. Assim, apesar destes dados serem conhecidos e estarem disponíveis para muitos especialistas, o nível de sistematização que lhes é aqui conferido é inovador, bem como o seu tratamento analítico.

296

Resultados APCT e Marktest relativos a tiragens, circulação impressa paga e audiências de jornais e newsmagazines, em Portugal A tabela 8 refere-se às tiragens sumariadas pela APCT, sendo posteriormente exploradas diferentes visualizações dessa evolução. Tabela 8: Tiragens Correio da Manhã Jornal de Notícias Diário de Notícias Público i Expresso Sol Visão Sábado Diário Económico Jornal de Negócios Record O Jogo Açoriano Oriental Diário de Notícias da Madeira Jornal do Fundão Courrier Internacional

2008 156901 129850 60420 61924 148815 72276 123577 99233 21972 16642 115568 57825 5034 15471 15498 29336

2009 157616 116435 50882 54151 40214 140006 67139 128276 109657 24333 18073 113177 50538 5032 14856 14619 25200

2010 164658 112774 47384 50190 25519 134677 75056 122285 108396 23243 16964 113036 49658 5024 14395 14034 24842

2011 166673 111316 51375 48399 20445 130600 61449 116494 107151 19392 17351 105322 48156 5021 13741 13150 23492

2012 161581 99557 44744 44279 17009 114929 54109 110725 100611 18595 16323 97814 42550 5025 12455 12584 21617

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação)

297

Figura 1: Tiragens 180000

Correio da Manhã Jornal de Notícias

160000

Diário de Notícias

140000

Púb lico i

120000

Exp ress o

Sol

100000

Vis ão Sábado

80000

Diário Económico Jornal de Negócios

60000

Record

40000

O Jogo Açoriano Oriental

20000

Diário de Notícias da Madeira Jornal do Fun dão

0 2008

2009

2010

2011

Cou rrier Intern acional

2012

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação) Tabela 9: Tiragens - Evolução anual 2008 Correio da Manhã Jornal de Notícias Diário de Notícias Público i Expresso Sol Visão Sábado Diário Económico Jornal de Negócios Record O Jogo Açoriano Oriental Diário de Notícias da Madeira Jornal do Fundão Courrier Internacional

2009 ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↑ ↑ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓

2010 ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓

2011 ↑ ↓ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓

2012 ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↓ ↓ ↓

Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação) No período em análise registaram-se 11 subidas e 56 descidas em 67 movimentos possíveis. Ou seja, a probabilidade média de um jornal aumentar a tiragem durante o 298

período como um todo foi de apenas 16,4%. Contudo, em termos cronológicos, essa probabilidade desceu ao longo do período considerado na análise, como fica patente na figura seguinte. Figura 2: Aumento/diminuição no número global de tiragens 100%

80% 60% 40%

20% 0% 2009

2010 Sobem

2011

2012

Descem

Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação) Se tivermos em conta as publicações que constam nas tabelas e gráficos acima apresentados, verificamos que apenas o jornal Correio da Manhã e a revista semanal Sábado (ambos do grupo Cofina) seguiram uma estratégia de reforço do número médio de exemplares em banca. Esta tendência é bastante evidente para o caso do Correio da Manhã, uma vez que o crescimento no número de tiragens registado de 2008 para 2012, anda na ordem dos 3%, tendo este valor registado o seu máximo no ano de 2011, com um crescimento na ordem dos 6% face ao ano de 2008. Por contraponto, a grande maioria das publicações registam uma queda muito acentuada no número médio diário de exemplares impressos ao longo deste período de 4 anos (2008-2012). O Público, por exemplo, sofre um decréscimo do número de tiragens na ordem dos 28%. O jornal i, por sua vez, sofre uma diminuição superior a 57% face ao registado para 2009, data de fundação do jornal. Jornal de Notícias e Diário de Notícias registam também forte queda no número de exemplares impressos, para o mesmo período compreendido (23% e 26%, respectivamente). O jornal Expresso, que era líder incontestado das publicações semanais, sofre uma diminuição do número de tiragens na ordem dos 23%, acompanhado pelo jornal Sol, com uma queda de cerca de 25%. Também a revista Visão vê o número médio de exemplares diários diminuir em cerca de 10%. Para concluir este ponto, importa destacar que uma análise mais profunda das tiragens das várias publicações analisadas não deve ser feita sem que, primeiro, olhemos também para o que se passa ao nível da circulação impressa paga, na medida em que é

299

esta última grandeza que, em princípio, define a estratégia do número impresso de exemplares para cada publicação. Tabela 10: Circulação impressa paga (soma das assinaturas + vendas + vendas em bloco)

Correio da Manhã Jornal de Notícias Diário de Notícias Público i Expresso Sol Visão Sábado Diário Económico Jornal de Negócios Record O Jogo Açoriano Oriental Diário de Notícias da Madeira Jornal do Fundão Courrier Internacional

2008 118353 101205 39992 42345 119875 46759 100201 74194 13686 8574 71889 31643 3944 13267 13160 18766

2009 118399 89007 32771 37276 12828 111669 44373 100904 77715 14623 9694 70903 29021 3749 12763 12378 18077

2010 125417 84670 29374 34062 9467 108923 41970 101635 74846 15605 9521 69554 28953 3492 12113 11751 18706

2011 125342 85325 34119 33159 8211 103652 33089 96699 72425 14772 9533 62245 27457 3398 11937 11039 17296

2012 120330 72791 27748 27310 5510 90794 27982 87249 64833 13251 8650 54942 22709 3026 10692 10357 15773

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação)

300

Figura 3: Circulação impressa paga 140000 Correio da Manhã Jornal de Notícias

120000

Diário de Notícias Público

100000

i Express o Sol

80000

Vis ão Sábado

60000

Diário Económico Jornal de Negócios Record

40000

O Jogo Açoriano Oriental

20000

Diário de Notícias da Madeira Jornal do Fundão

0

Courrier Internacional

2008

2009

2010

2011

2012

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação) Tabela 11: Circulação impressa paga – Evolução anual 2008 Correio da Manhã Jornal de Notícias Diário de Notícias Público i Expresso Sol Visão Sábado Diário Económico Jornal de Negócios Record O Jogo Açoriano Oriental Diário de Notícias da Madeira Jornal do Fundão Courrier Internacional

2009 ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↑ ↑ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓

2010 ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↓ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑

2011 ↓ ↑ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓

2012 ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓

Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação) Os dados da circulação paga mostram que, ao todo, durante estes últimos anos, verificaram-se 12 subidas e 55 descidas em 67 movimentos possíveis, ou seja, apenas 17,9% dos movimentos possíveis correspondem a aumentos do número de exemplares 301

pagos, em circulação. Contudo, a queda ao longo do tempo foi mais abrupta do que nos dados de tiragem. No último ano disponível nenhum título conseguiu aumentar as vendas. Figura 4: Aumento/diminuição no número global referente à circulação impressa paga 100%

80% 60% 40%

20% 0% 2009

2010 Sobem

2011

2012

Descem

Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação) Como vimos anteriormente, os dados registados pela APCT apontam para uma clara tendência de diminuição do número médio de tiragens, pela grande maioria das publicações, com excepção para as duas publicações fortes da Cofina (Sábado e Correio da Manhã). A principal explicação para esta tendência poderá estar associada à também diminuição do número médio de exemplares impressos em circulação, que são pagos, uma vez que a grande maioria das publicações analisadas registam uma forte e progressiva queda ao longo dos anos, com excepção para o jornal Correio da Manhã, cuja circulação impressa paga regista uma subida de cerca de 1%, de 2008 para 2012. As quedas deste grande número de publicações variam consideravelmente, com o Público a registar uma queda de 36% face a 2008; o jornal i a registar uma queda na circulação paga em cerca de 57%, desde a sua fundação; o jornal Expresso a ficar-se pelos 24% de queda, superado pelos valores obtidos pelo também semanário Sol, onde se observa uma queda de 40%. O Diário de Notícias, por outro lado, fica-se por uma queda na ordem dos 31%. Ora, analisando os resultados obtidos para as tiragens, podemos então dizer que a diminuição do número de exemplares impressos por cada publicação é então acompanhada e suportada, por assim dizer, pela também queda do número médio de exemplares impressos pagos, o que se traduz numa estratégia generalizada, por parte das empresas, em diminuir a quantidade de exemplares em circulação, num ajuste que visa equilibrar o menor número de exemplares vendidos. Por outras palavras, se o

302

panorama actual indica menos exemplares vendidos, então importa reduzir também o número de exemplares em circulação para equilibrar os custos de produção. Tabela 12: Audiência média (%) Correio da Manhã Jornal de Notícias Diário de Notícias Público i Expresso Sol Visão Sábado Diário Económico Jornal de Negócios Record O Jogo Courrier Internacional

2008 11,4% 11,0% 3,6% 4,4%

2009 12,4% 12,1% 4,1% 4,5%

8,1% 2,6% 7,5% 3,7% 2,1% 1,7% 8,4% 5,4% 1,2%

7,7% 3,0% 7,3% 4,0% 2,6% 2,0% 10,1% 6,3% 1,0%

2010 13,2% 11,6% 3,7% 4,4% 1,2% 7,6% 3,2% 6,9% 4,1% 2,4% 2,0% 10,0% 6,7% 1,0%

2011 14,2% 11,4% 4,1% 5,1% 1,3% 7,4% 2,5% 6,7% 4,2% 2,7% 2,5% 10,3% 6,5% 1,0%

2012 14,0% 11,7% 4,2% 5,1% 1,6% 7,2% 2,3% 6,7% 4,1% 3,1% 2,7% 10,4% 6,6% 0,9%

Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest Figura 5: Audiência média (%) 16% Correio da Manhã

14%

Jornal de Notícias

Diário de Notícias

12%

Público

i

10%

Express o

8%

Sol

Vis ão

6%

Sábado Diário Económico

4%

Jornal de Negócios

2%

Record

O Jogo

0% 2008

Courrier Internacional

2009

2010

2011

2012

Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest Outra grandeza que assume especial importância nesta análise está relacionada com a questão das audiências. É através dos valores de audiência calculados pela Marktest que poderemos, de seguida, procurar uma explicação para a relação entre a audiência média e a circulação impressa paga, isto é, o Índice de Procura e Consumo de Publicações (IPCP).

303

O que importa aqui destacar em primeira instância é que os dados da Marktest, em especial aqueles que se reportam ao Anuário de Media e Publicidade, são obtidos com base nos dados definitivos do Recenseamento Geral da População (Censos) do INE de 2001. “Com base nestes dados, o universo de indivíduos residentes em Portugal Continental com 15 e mais anos, está quantificado em 8 311 409 indivíduos” (Marktest, Anuário Estatístico de 2012). Ora, tendo nós acesso, a partir do relatório Marktest, às audiências calculadas em percentagem, aquilo que fizemos foi transpor os resultados do Anuário de Media e Publicidade para milhares de indivíduos, a partir do universo quantificado em 8 311 409 indivíduos, obtendo então, ainda que de forma exploratória, dados numa grandeza que nos permita depois comparar directamente com os resultados da APCT para a circulação impressa paga. De referir ainda que desta análise das audiências, e ao contrário do que será depois utilizado no cálculo do Índice de Eficiência das Publicações (IEPU), não farão parte os dados para as publicações regionais afectas aos grupos de Media que queremos analisar, uma vez que estes dados não estão disponíveis no relatório Marktest na forma de audiências médias. Tabela 13: Audiência média (milhares)

Correio da Manhã Jornal de Notícias Diário de Notícias Público i Expresso Sol Visão Sábado Diário Económico Jornal de Negócios Record O Jogo Courrier Internacional

2008 947500 914254 299210 365701

2009 1030614 1005680 340767 374013

673224 216096 623355 307522 174539 141293 698158 448816 99736

639978 249342 606732 332456 216096 166228 839452 523618 83114

2010 1097105 964123 307522 365701 99736 631667 265965 573487 340767 199473 166228 831140 556864 83114

2011 1180220 947500 340767 423881 108048 615044 207785 556864 349079 224408 207785 856075 540241 83114

2012 1163597 972434 349079 423881 132982 598421 191162 556864 340767 257653 224408 864386 548552 74802

Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest

304

Figura 6: Audiência média (milhares) 1400000 Correio da Manhã

1200000

Jornal de Notícias Diário de Notícias

1000000

Público i

800000

Express o Sol

600000

Vis ão Sábado

400000

Diário Económico

Jornal de Negócios

200000

Record

O Jogo

0

Courrier Internacional

2008

2009

2010

2011

2012

Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest Tabela 14: Audiência média – Evolução anual 2008 Correio da Manhã Jornal de Notícias Diário de Notícias Público i Expresso Sol Visão Sábado Diário Económico Jornal de Negócios Record O Jogo Courrier Internacional

2009 ↑ ↑ ↑ ↑

2010 ↑ ↓ ↓ ↓

↓ ↑ ↓ ↑ ↑ ↑ ↑ ↑ ↓

↓ ↑ ↓ ↑ ↓ igual a 2009

↓ ↑

2011 ↑ ↓ ↑ ↑ ↑ ↓ ↓ ↓ ↑ ↑ ↑ ↑ ↓

igual a 2009 igual a 2010

2012 ↓ ↑ ↑ igual a 2011

↑ ↓ ↓ igual a 2011 igual a 2010

↑ ↑ ↑ ↑ ↓

Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Anuário de Media e Publicidade Marktest Os dados relativos às audiências estimadas demonstram que, qualquer que seja o ano na análise, as audiências médias tendem a crescer no conjunto das publicações analisadas. A única excepção ocorre no ano de 2010, ano esse que regista 7 descidas e 4 subidas face a 2009. Em todo o caso, em 54 observações possíveis, 29 registam subidas e 19 registam descidas.

305

Figura 6: Aumento/diminuição no número global de audiências médias 100%

80% 60% 40% 20% 0% 2009

2010

Descem

2011

Sobem

2012

Mantêm-se

Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Anuário de Media e Publicidade Marktest Feitos os cálculos das audiências médias, para milhares, segundo os parâmetros Marktest, observamos que a tendência geral dos dados poderá levar-nos a argumentar que as audiências médias dos jornais analisados têm vindo a aumentar com o tempo, principalmente depois do ano 2010. O Correio da Manhã, jornal que tem vindo a registar um aumento do número de tiragens e circulação impressa paga, regista um crescimento de audiência média na ordem dos 22,8%, face a 2008. Ainda assim, mesmo as publicações que nos gráficos anteriores mostraram uma tendência de queda no número de tiragens e circulação paga, tendem a ver as audiências médias associadas crescer, o que poderá apontar para formas alternativas de consulta destas publicações, em moldes que não passem pela compra do exemplar impresso. Até mesmo o jornal i, que tem registado as maiores quedas desde a sua fundação (2009), apresenta uma perspectiva mais favorável quando analisado o valor da audiência média. Aqui, a maior excepção vai para as publicações de carácter semanal, publicações essas que registam uma queda desde 2008. Apenas a revista Sábado teve um crescimento assinalável, na ordem dos 11% face a 2008. Os resultados obtidos para as publicações semanais podem dever-se a uma questão meramente de calendário, ou seja, algo que tenha a ver com a menor frequência de publicação, face aos jornais diários, causando assim rotinas de utilização e consumo aquém das promovidas pelos jornais diários, sempre presentes. Por outras palavras, podemos estar a falar de um tipo de publicação mais de nicho, onde a procura e o consumo poderão aproximar-se mais em resultados absolutos do que nas publicações diárias, isto é, uma maior probabilidade de que o leitor de uma publicação semanal acabe por comprar um exemplar impresso semanal.

306

O Índice de Procura e Consumo de Publicações (IPCP) procura analisar a relação estabelecida entre a audiência absoluta em milhares (i.e. quantos lêem) e a circulação impressa paga (i.e soma das assinaturas + vendas + vendas em bloco). O objectivo é assim estabelecer o tipo de relação entre o que é lido e o peso de cada publicação no mercado de títulos com circulação impressa. Índice de Procura e Consumo de Publicações (IPCP): AM/CIP= Audiência média (Marktest)/Circulação impressa paga (APCT) = Procura/Consumo a) Tabela 15: Resultados gerais 2008 Audiência absolut a Correio da M anhã

2009

Circulação Impressa Paga

Audiência absolut a

2010

Circulação Imprensa Paga

Audiência absolut a

2011

Circulação Imprensa Paga

Audiência absolut a

2012

Circulação Imprensa Paga

Audiência absolut a

Circulação Imprensa Paga

947500

118353

1030614

118399

1097105

125417

1180220

125342

1163597

Jornal de Not í cias

914254

101205

1005680

89007

964123

84670

947500

85325

972434

72791

Diário de Not í cias

299210

39992

340767

32771

307522

29374

340767

34119

349079

27748

Público

365701

42345

374013

37276

365701

34062

423881

33159

423881

27310

12828

99736

9467

108048

8211

132982

5510

Expresso

673224

119875

639978

111669

631667

108923

615044

103652

598421

90794

Sol

216096

46759

249342

44373

265965

41970

207785

33089

191162

27982

Visão

623355

100201

606732

100904

573487

101635

556864

96699

556864

87249

Sábado

307522

74194

332456

77715

340767

74846

349079

72425

340767

64833

Diário Económico

174539

13686

216096

14623

199473

15605

224408

14772

257653

13251

Jornal de Negócios

141293

8574

166228

9694

166228

9521

207785

9533

224408

8650

Record

698158

71889

839452

70903

831140

69554

856075

62245

864386

54942

O Jogo

448816

31643

523618

29021

556864

28953

540241

27457

548552

22709

99736

18766

83114

18077

83114

18706

83114

17296

74802

15773

i

Courrier Int ernacional

120330

307

Para facilitar o cálculo do índice procura pelo consumo, importa dispor todos os resultados obtidos, já com o cálculo das audiências médias da Marktest calculadas para milhares de indivíduos, segundo a lógica atrás referida que toma como base os dados definitivos do Recenseamento Geral da População (Censos) do INE de 2001. b) Tabela 16: Rácio de procura e consumo de publicações (IPCP) 2008

2009

2010

2011

2012

Correio da M anhã

8,0

8,7

8,7

9,4

9,7

Jornal de Not í cias

9,0

11,3

11,4

11,1

13,3

Diário de Not í cias

7,5

10,4

10,4

10,0

12,6

Público

8,6

10,0

10,7

12,8

15,5

10,5

13,2

24,1

i Expresso

6,7

5,7

5,8

5,9

6,5

Sol

4,6

5,6

6,3

6,3

6,8

Visão

6,2

6,0

5,6

5,8

6,4

Sábado

4,1

4,3

4,6

4,8

5,2

Diário Económico

12,7

14,8

12,8

15,2

19,4

Jornal de Negócios

16,5

17,1

17,4

21,8

26,0

Record

9,7

11,8

11,9

13,8

15,7

O Jogo

14,2

18,0

19,2

19,7

24,2

5,3

4,6

4,4

4,8

4,7

Courrier Int ernacional

Nota: Quanto maior o valor do rácio, maior o número estimado/esperado de leituras/consultas por exemplar impresso pago Os resultados calculados mostram que cada exemplar impresso pressupõe a existência de vários leitores. Cada publicação do Correio da Manhã, por exemplo, jornal que tem registado um aumento do número de tiragens em função de um aumento de exemplares pagos, tenderá a ser lida por mais de 9 pessoas por cada exemplar, em 2012, numa relação obtida através do cálculo médio de audiências, pela Marktest, que nos dá uma perspectiva da procura de cada publicação, por parte da população.

308

Importa reparar também que aqueles jornais que têm evidenciado maior queda (desde 2008) do número de exemplares pagos e consequentemente do número de tiragens, são também as publicações que registam maior valor de procura pelo consumo, ou seja, mais leituras por parte da população, por cada exemplar impresso pago. Isto poderá significar que, apesar da circulação destes jornais ter enfraquecido, o seu peso e impacto na população, sob a forma de procura, poderão manter-se mais ou menos idênticos. Este constitui um indicador de elevada importância para a obtenção de receitas de publicidade, visto que, para quem anuncia, o fundamental é a visibilidade atingida pelo meio. De reparar também que as publicações de periodicidade semanal são aquelas que registam menor valor na relação procura/consumo, exactamente pelas razões atrás evidenciadas que podem ficar a dever-se a uma questão meramente de calendário, ou algo que tenha a ver com a menor frequência de publicação, face aos jornais diários, levando a menores rotinas de utilização e consumo entre todos aqueles que não são habituais consumidores deste tipo de publicações. De referir ainda que os jornais económicos apresentam valores também grandes de procura pelo consumo, facto que pode ser muitas vezes explicado pela distribuição gratuita que é feita, por exemplo, em escolas e faculdades. O Jornal de Negócios surge mesmo como a publicação que apresenta o maior valor, com cerca de 26 consultas perspectivadas para cada exemplar impresso pago, superando ligeiramente os valores obtidos para o jornal i (24,1) e o jornal O Jogo (24,2).

309

Índice de Eficiência de Publicação (IEPU): CIP/T= Circulação impressa paga (APCT)/Tiragem (APCT) a) Tabela 17: Resultados gerais 2008 Circulação Impressa Paga

2009 Tiragem

Circulação Impressa Paga

2010 Tiragem

Circulação Impressa Paga

2011 Tiragem

Circulação Impressa Paga

2012 Tiragem

Circulação Impressa Paga

Tiragem

Correio da M anhã

118353

156901

118399

157616

125417

164658

125342

166673

Jornal de Not í cias

101205

129850

89007

116435

84670

112774

85325

111316

72791

99557

Diário de Not í cias

39992

60420

32771

50882

29374

47384

34119

51375

27748

44744

Público

42345

61924

37276

54151

34062

50190

33159

48399

27310

44279

12828

40214

9467

25519

8211

20445

5510

17009

Expresso

119875

148815

111669

140006

108923

134677

103652

130600

90794

114929

Sol

46759

72276

44373

67139

41970

75056

33089

61449

27982

54109

i

Visão

120330

161581

100201

123577

100904

128276

101635

122285

96699

116494

87249

110725

Sábado

74194

99233

77715

109657

74846

108396

72425

107151

64833

100611

Diário Económico

13686

21972

14623

24333

15605

23243

14772

19392

13251

18595

8574

16642

9694

18073

9521

16964

9533

17351

8650

16323

Record

71889

115568

70903

113177

69554

113036

62245

105322

54942

97814

O Jogo

31643

57825

29021

50538

28953

49658

27457

48156

22709

42550

Açoriano Orient al

3944

5034

3749

5032

3492

5024

3398

5021

3026

5025

Diário de Not í cias da M adeira

13267

15471

12763

14856

12113

14395

11937

13741

10692

12455

Jornal do Fundão

13160

15498

12378

14619

11751

14034

11039

13150

10357

12584

Courrier Int ernacional

18766

29336

18077

25200

18706

24842

17296

23492

15773

21617

Jornal de Negócios

Para o cálculo do índice de eficiência voltamos a utilizar também os valores afectos às publicações regionais, valores esses divulgados pela APCT. a) Tabela 18: Rácio de Eficiência de Publicação (IEPU)

310

2008

2009

2010

2011

2012

Correio da Manhã

0,75

0,75

0,76

0,75

0,74

Jornal de Notícias

0,78

0,76

0,75

0,77

0,73

Diário de Notícias

0,66

0,64

0,61

0,66

0,62

Público

0,68

0,69

0,68

0,69

0,61

0,31

0,37

0,4

0,32

i Expresso

0,81

0,8

0,81

0,79

0,79

Sol

0,65

0,66

0,56

0,54

0,52

Visão

0,81

0,79

0,83

0,83

0,79

Sábado

0,75

0,71

0,69

0,66

0,64

Diário Económico

0,62

0,6

0,67

0,76

0,71

Jornal de Negócios

0,51

0,54

0,56

0,55

0,53

Record

0,62

0,63

0,61

0,59

0,56

O Jogo

0,55

0,57

0,58

0,57

0,53

Açoriano Oriental

0,78

0,75

0,70

0,68

0,60

Diário de Notícias da Madeira

0,86

0,86

0,84

0,87

0,86

Jornal do Fundão

0,85

0,85

0,84

0,84

0,82

Courrier Internacional

0,64

0,72

0,75

0,74

0,73

Nota: Quanto maior a taxa de eficiência, menor o excedente que resulta do número de exemplares impressos face ao número de exemplares em circulação que são pagos Em primeiro lugar, importa questionar o que significa este índice de eficiência. Este índice de eficiência é um cálculo que visa perceber o excedente que possa existir, para as várias publicações, entre o volume de material impresso e aquele que consegue entrar na cadeia efectiva de consumo, isto é, ser vendido. Este é o índice que nos permite perceber basicamente se a quantidade em circulação corresponde à procura (e aqui procura significa compra) por parte da população. Os dados mostram-nos que este ajuste (falar de um índice de eficiência/força não é mais do que falar de um ajuste entre tiragem e circulação paga) é mais conseguido numas publicações do que noutras, sendo possível, até por razões que desconhecemos, que algum grau de eficiência

311

menor seja premeditado e estrategicamente controlado. Em todo o caso, e tendo em conta o decréscimo do número de tiragens em consequência de uma queda do número médio de exemplares em circulação pagos, importa perceber se essa queda de vendas é salvaguardada e controlada por um volume de tiragens também menor. À primeira vista, os resultados parecem apontar nesse sentido, uma vez que o rácio calculado para os vários anos, mesmo tendo em conta o decréscimo duplo que já mencionámos recorrentemente (tiragens e circulação impressa paga) mantém-se mais ou menos constante, para as várias publicações, ao longo dos anos, o que significa que um menor número de vendas do ano anterior leva ao ajuste no número de exemplares em circulação no ano subsequente. Em todo o caso, mesmo que esse ajuste esteja a ser feito todos os anos, pelas várias publicações, algumas continuam a apresentar valores que permitem perceber que o número de exemplares em circulação que são pagos se aproxima menos do número total de exemplares impressos em tiragem. Um caso muito elucidativo é o que se passa com o jornal i. Este jornal, fundado em 2009, sofre anualmente uma queda muito assinalável no número médio de exemplares em circulação pagos. No ano seguinte, como podemos comprovar nos resultados gerais, o volume de tiragem diminui consideravelmente, sendo que mesmo assim a taxa de eficiência do ano seguinte não melhora, o que significa que o ajuste feito não consegue prever com exactidão o que se passa no ano subsequente. Mesmo com uma redução brutal do volume de tiragens, em função da queda do número de exemplares vendidos, a taxa de eficiência calculada para este jornal não chega aos 35%, tendo atingido o seu máximo no ano de 2011, com 40% (apenas 4 jornais vendidos em cada 10 que são impressos). Acima de 70% de eficiência (7 jornais vendidos em cada 10 exemplares impressos), apenas aparecem o Correio da Manhã, o Jornal de Notícias, os títulos da Impresa (Expresso, Visão e Courrier Internacional), o Diário Económico e os regionais Diário de Notícias da Madeira e Jornal do Fundão, ambos da Controlinveste. Como já vimos também, o jornal i tem os piores resultados, sendo seguido pelas publicações Sol, Jornal de Negócios e os desportivos Record e O Jogo. Numa posição intermédia (com cerca de 6 jornais vendidos por cada 10 impressos) aparecem os jornais Público e Diário de Notícias.

312

Índice de Procura e Consumo e Índice de Eficiência de Publicação, segundo o total de publicações analisadas Para terminar a análise, interessa observar os totais das publicações agregadas, para percebermos, de uma forma mais geral, aquilo que se passa no sector no que à estratégia de circulação e tiragens diz respeito. Figura 7: Tiragens totais 1150000

1130204 1130342

1102135

1100000

1059527

1050000

1000000 974507

950000

900000

850000 2008

2009

2010

2011

2012

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação)

313

Analisando os valores obtidos, podemos concluir que estamos em presença de uma queda progressiva do número médio total de tiragens resultante do número total de publicações agregadas. Com efeito, em 2008, contam-se 1130304 de tiragens médias diárias, sendo que este valor sofre uma diminuição muito assinalável em 2012 (cerca de 13,8% face a 2008). Figura 8: Circulação impressa paga total 900000 800000

817853

796150

749698 780059

700000

663947

600000 500000 400000 300000 200000 100000 0 2008

2009

2010

2011

2012

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação) O decréscimo do número médio de tiragens resultante da agregação do total de publicações analisadas pode, como já vimos antes, ficar a dever-se ao ajuste que obrigatoriamente cada publicação fará para fazer face ao decréscimo do número de exemplares impressos pagos em anos anteriores. Como podemos observar, o total da circulação impressa paga sofre uma diminuição progressiva desde 2008, acentuando a queda na passagem do ano 2011 para o ano 2012. Com efeito, e se compararmos os resultados obtidos em 2008 e 2012, verificamos que a

314

redução do número médio de exemplares impressos pagos, em circulação, se situa na ordem dos 19%. Quer isto dizer que, em valores aproximados, por cada 5 exemplares impressos pagos em 2008, temos 4 exemplares impressos pagos em 2012, isto é, menos um exemplar por cada cinco obtidos para 2008. Figura 9: Audiência média (milhares) total

6800000 6640811

6698988

6600000

6408090 6400000 6399778 6200000 6000000 5909404

5800000 5600000 5400000 2008

2009

2010

2011

2012

Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest Contrariamente à queda registada para o número médio de tiragens e circulação impressa paga, os dados Marktest para audiências permitemnos estimar que o volume médio de audiências está em contraciclo e a crescer, registando apenas uma diminuição mínima na passagem do ano 2009 para o ano 2010.

315

Em números absolutos, podemos concluir que a audiência média em milhares estimada para 2012 cresce cerca de 13,4% face a 2008. Índice de Procura e Consumo de Publicações (IPCP) – total: AM/CIP= Audiência média (Marktest)/Circulação impressa paga (APCT)= Procura/Consumo a) Tabela 19: Resultado global Audiência Média (milhares) Circulação Impressa Paga

2008 5909404 817853

2009 6408090 796150

2010 6399778 780059

2011 6640811 749698

2012 6698988 663947

Figura 10: Rácio Procura e Consumo de Publicações (IPCP) – total:

10,1

7,2

2008

8,0

2009

8,2

2010

8,9

2011

2012

Nota: Quanto maior o valor do rácio, maior o número estimado/esperado de leituras/consultas por exemplar impresso pago Em resultado do aumento estimado para o volume de audiências médias em milhares e da diminuição do número médio de exemplares em circulação que são pagos, observamos um aumento dos valores obtidos para a relação entre estas duas grandezas, significando esta tendência

316

que, em termos gerais e para a totalidade das publicações analisadas, temos hoje mais leituras/consultas por cada exemplar impresso vendido (aumento de 40% face a 2008). Índice de Eficiência de Publicação (IEPU) - total: CIP/T= Circulação impressa paga (APCT)/Tiragem (APCT) a) Tabela 20: Resultado global 2008 1130342 817853

Tiragens Circulação Impressa Paga

2009 1130204 796150

2010 1102135 780059

2011 1059527 749698

2012 974507 663947

Figura 11: Rácio Eficiência de Publicação (IEPU) - total: 72,4

70,4

70,8

70,8

68,1

2008

2009

2010

2011

2012

Nota: Quanto maior a taxa de eficiência, menor o excedente que resulta do número de exemplares impressos face ao número de exemplares em circulação que são pagos

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No que respeita à taxa de eficiência/força, podemos observar que a mesma assume dois momentos de forte queda, um primeiro que acontece mais ou menos numa fase que coincide com o início da crise e um segundo período, ainda mais acentuado, que acontece na passagem do ano 2011 para o ano 2012. Significa isto, portanto, que é nestes dois períodos que o ajuste feito pelos grupos de Media ao número de tiragens para anos subsequentes (como resultado do número obtido para a circulação impressa paga em anos anteriores) não consegue prever com maior precisão o comportamento do mercado, sendo que estamos a falar de dois momentos de imensa volatilidade, um primeiro associado ao início da crise que vivemos hoje e um segundo associado ao início do programa de ajustamento e reforço das medidas de austeridade. Podemos até estar a falar de duas relações espúrias, mas o que é facto é que são dois momentos que poderão ter tido influência no ecossistema da oferta e consumo de publicações impressas em Portugal, na medida em que, em última análise, têm também influência na racionalização dos recursos pelas pessoas e na maior ou menor disponibilidade que estas assumem em consumir jornais e revistas, entre outras coisas.

318

Não há forma de podermos garantir que determinado valor de índice é melhor ou pior, até porque dependerá da análise e lógica que cada um queira atribuir. No entanto, podemos facilmente concluir que há leituras e resultados mais positivos do que outros. Desde logo, temos o caso do Correio da Manhã, que é nitidamente aquele que apresenta resultados mais sólidos no sentido positivo do termo, uma vez que não só apresenta, face a 2008, um aumento do número médio de exemplares impressos pagos e do número de tiragens, como apresenta igualmente um aumento estimado para as audiências, que acaba mesmo por superar o aumento do volume de exemplares pagos, o que significa que não só o número de exemplares vendidos tem crescido face a 2008, como esse crescimento é depois reforçado por uma procura também maior ao longo dos anos, ainda que este rácio procura pelo consumo seja menor do que noutras publicações que apresentam queda do número de tiragens e jornais vendidos. Por outras palavras, estamos perante um caso em que existe um aumento do consumo pago propriamente dito, acompanhado por um aumento da procura global (consumo efectivamente pago + procura alternativa que não envolva pagamento por utilização). A somar a tudo isto, estamos a falar de uma publicação cujo aumento do número de tiragens consegue prever com uma precisão considerável o aumento do volume de exemplares pagos para o ano referente, traduzindo-se em taxas de eficiência não só constantes, como bem superiores a 70% (mais de 7 exemplares vendidos por cada 10 que são impressos). Dois outros casos singulares na análise são também o jornal i e o jornal Sol. No primeiro caso, a análise da componente económica propriamente dita aponta para uma perspectiva muito pouco favorável, na medida em que o jornal i, desde a sua fundação em 2009, tem sofrido quedas progressivas no número de exemplares pagos e, consequentemente, no número de tiragens definidas para cada ano. No entanto, esta tendência de queda dos valores associados à impressão da publicação acaba por ser contrária à perspectiva de aumento dos valores de audiência, o que significa que menos pessoas estão a adquirir o jornal, mas mais pessoas estão a consultá-lo por vias alternativas. Dizendo de outra forma, estamos em presença de uma publicação cuja diminuição do número de tiragens e circulação impressa paga não equivale exactamente ao impacto que esta publicação assume no mercado, uma vez que o elevado rácio obtido para a procura pelo consumo deixa adivinhar que há cada vez mais pessoas que, de alguma forma, consultam este jornal. Depois temos o jornal Sol, que, quanto a nós, apresenta os resultados mais negativos numa perspectiva de potencial da publicação. Isto porquê? Em primeiro lugar porque, tal como a grande maioria das publicações, apresenta uma queda considerável no número de exemplares impressos pagos e tiragens ao longo dos anos. Em segundo lugar, porque essa queda verificada nas tiragens e circulação paga é acompanhada por um rácio menor de procura pelo consumo, o que significa que, para além de haver menos exemplares em circulação que são pagos, a relação entre o número de

319

consultas por exemplar pago é também menor, estando aqui a principal diferença obtida para o jornal i. Em última análise, se quisermos apontar o caminho para um ponto ideal no potencial das publicações, podemos adiantar que esse caminho será tão mais efectivo quanto mais o rácio procura pelo consumo tender para 1 e seja o resultado do aumento progressivo da circulação

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impressa paga, acompanhada do respectivo aumento das audiências médias, sem esquecer, obviamente, a lógica da taxa de eficiência a aproximar-se dos 100%. Por outras palavras, se o número de exemplares pagos e o número de tiragens tender para mais infinito, significa que crescem. Se o número de exemplares pagos tende para mais infinito e o volume de audiências acompanha esse crescimento na mesma exacta medida, então tendemos para um rácio procura pelo consumo igual a 1. Se, para além disto, não houver excedente entre o número de tiragens e o número de exemplares vendidos (taxa de eficiência a tender para 100%), então significa que atingimos também o ponto pleno de força no mercado.

Notas conclusivas Começámos este capítulo pela base, isto é, pela assunção de que o ecrã é hoje o garante e o conceito máximo por detrás dos processos de mediação, tendo o mesmo um efeito ao nível de alterações nas práticas de leitura, onde o consumo e procura de jornais e notícias surge como um dos casos mais evidentes, até por estar historicamente associado a outros suportes, como o papel. Depois, e para corroborarmos o verdadeiro peso que o ecrã assume em todo este processo, como se de um interlocutor se tratasse, observámos que utilizadores de Internet tendem hoje a optar por dispositivos electrónicos que permitam ler artigos, livros, jornais e outros conteúdos escritos. Aqueles e aquelas que mais seguem este critério de escolha de dispositivos electrónicos, mediante a possibilidade que estes oferecem na leitura de conteúdos escritos, são os mesmos que mais tendem a consultar notícias online. Os resultados mostraram ainda que, entre os utilizadores de Internet (característica base na escolha dos nossos inquiridos), há uma tendência muito clara de consulta de notícias online e de jornais nesse formato, com uma frequência diária. Esta frequência de utilização e consumo de jornais e notícias online é já consideravelmente superior à obtida para a consulta de notícias e jornais no formato tradicional. Depois, é-nos transmitida a ideia de que uma grande percentagem de inquiridos (no mesmo estudo sobre a leitura digital) consideram que a leitura no formato digital irá substituir a leitura no formato impresso num futuro próximo. Por último, e já depois de considerado o pressuposto de que a migração para o digital é um facto que vem ganhando peso também nos formatos tradicionais associados à imprensa, optámos por demonstrar que, de facto, o suporte tradicional vem perdendo o seu peso nas bancas, reflectido em menores tiragens e numa circulação impressa paga também menor. Vimos que estamos perante um quadro de queda do número médio de tiragens e circulação impressa paga, sendo que a queda ao nível do número de exemplares pagos vendidos se superioriza ao chamado ajuste, pelos grupos de media, do volume de tiragens. Ora, isto reflecte-se em taxas de eficiência menores ao

longo dos anos, o que significa que o excedente que resulta do número de exemplares impressos pelo número de exemplares vendidos é cada vez maior. Por outro lado, o facto do número médio de exemplares impressos pagos diminuir (circulação impressa paga) e de se estimar que as audiências médias em milhares possam estar a aumentar, leva-nos a pensar que o valor que resulta da relação entre a procura e o consumo é cada vez maior, ou seja, o número de consultas/leituras por cada exemplar impresso pago tem vindo a aumentar. Dito de outra forma, estas notas levam-nos então a uma hipótese explicativa daquilo que analisámos. Com efeito, foi possível concluir que as audiências médias globais estão a aumentar, sobrepondo-se à diminuição da circulação impressa paga e tiragens, o que pode levar-nos a pensar que as pessoas possam estar a ler tantos jornais como no

passado, mas recorrendo a estratégias diferentes, contribuindo para uma diminuição progressiva do número de exemplares impressos pagos e concomitantemente do volume de tiragens. Ora, se analisarmos alguns dados obtidos a partir do inquérito Sociedade em Rede em Portugal (edições SR2008, SR2010, SR2011), verificamos que as pessoas não estão a ler menos jornais. Com efeito, não se regista uma diminuição do número de pessoas que lêem jornais em papel e também não há um número maior de inquiridos que respondem ler hoje menos jornais do que há cinco anos, o que, dada a diminuição em termos de circulação, pode apontar para idênticos hábitos de leitura mas recorrendo a estratégias que não passem pela compra do exemplar impresso. O que poderá estar a acontecer, isso sim, é a disputa cada vez mais óbvia dos formatos tradicionais pelos digitais, onde o ecrã é ponto-chave na compreensão da oferta e procura de um cada vez maior número de dispositivos electrónicos, que acabam por promover a própria alteração de hábitos de leitura. Ora, em última análise, o que aqui se sugere é a ideia de que é esta dialéctica entre novos formatos e dispositivos centrados no ecrã, que promovem o aumento da consulta de notícias e de jornais online, em contraciclo com o menor volume de exemplares em banca resultante de uma circulação impressa paga diminuída, que poderá estar a desencadear um ciclo de transformação nas formas de produzir, consumir e promover a imprensa escrita, levando, ao limite, à transformação das próprias formas de fazer jornalismo.

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Referências bibliográficas Anuários Estatísticos Marktest (2008-2012). Boletins Informativos APCT (2008-2012). Inquéritos Sociedade em Rede (2008, 2010, 2011, 2013), OberCom. Jenkins, Henry (2006), Convergence Culture: Where Old and New Media Collide, New York, New York University Press. McLuhan, Marshall (1967), The Medium is the Message: An Inventory of Effects, Harmondsworh, Penguin. Silverstone, Roger (1992), “De la sociología de la televisión a la sociologia de la pantalla: bases para una reflexión global”, disponível em http://www.infoamerica.org/documentos_pdf/silverstone03.pdf Silverstone, Roger (2006), Media and Morality: on the Rise of Mediapolis, Oxford, Polity Press.

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9 Leitura digital, Internet e media sociais: uma análise comparativa Tiago Lapa e Gustavo Cardoso

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Introdução A autora norte-americana Katherine Hayles afirma que “a evidência é crescente: as pessoas, em geral, e os jovens, em particular, estão a ler, mais do que nunca, materiais digitais nos ecrãs” (2010: 62). Têm sido aliás vários os estudos que se debruçam sobre a transformação do quotidiano pela Internet e as tecnologias digitais, ao contrário do que aconteceu com a introdução do cinema e da televisão, onde é possível acompanhar de forma mais pungente os impactos das tecnologias emergentes (Cardoso, Cheong e Cole, 2009). Contudo, uma linha de investigação ainda pouco explorada é a forma como a Internet e os novos media poderão estar a reconfigurar o espaço da leitura e da cultura da escrita, em particular, dentro do contexto informativo e de entretenimento. São de assinalar, contudo, entre outros, os textos de Baron (2000; 2002), Crystal (2006; 2010), Mitchell (1995) e Nunberg (1996): os dois primeiros focados nos impactos linguísticos e os dois últimos mais centrados nos impactos no livro, no texto e na escrita enquanto tecnologia. Daí que o objetivo deste texto seja interligar as transformações globais coproduzidas pela difusão tecnológica, seja em termos de dispositivos, seja em termos de plataformas digitais e da emergência da Web 2.0, vulgo media sociais, com transformações culturais que poderão estar a ter repercussões nas práticas. Iremos analisar a relação entre a emergência de plataformas digitais como os sítios de redes sociais (SRS) e a reconfiguração dos espaços da leitura, tentando identificar tendências e traçar perfis. É certo que começam a surgir vários projetos que se focam na investigação sobre a leitura em suporte digital, em e-readers e em tablets, como o patrocinado pela Fundación Germán Sanchéz Ruipérez em bibliotecas de Salamanca, tendo por alvo pessoas de várias faixas etárias. Se por um lado estes projetos são preciosos para se tentar perceber, a partir do contacto com as novas tecnologias da leitura, como é que as pessoas lêem e o que muda, por outro, não se consagram tanto a entender as modalidades de mudança da praxis dos indivíduos que não têm tanto a ver com os dispositivos da leitura, mas mais com o software disponibilizado e com as formas de apropriação desse software, como é o caso das redes sociais online. Com o suporte dos dados obtidos online (2013) no âmbito do projeto “Leitura Digital”, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, o foco deste capítulo é, portanto, o entendimento de como se estruturam as práticas de leitura e escrita digital nas redes sociais online, tentando encontrar uma maior diversidade de práticas que não apenas as que se supõem ser enquadradas pelos dispositivos tecnológicos. A leitura e escrita digitais podem, de facto, ser aquelas feitas num computador de secretária ou num telemóvel, não apenas num tablet ou num e-reader. O enfoque são as pessoas e as suas práticas e não tanto a tecnologia e a forma como a tecnologia é apropriada nos vários contextos. Este vertente de olhar as questões da leitura e escrita no mundo digital é um dos elementos que permite a distinção operada por Levinson (2012), quanto à ecologia mediática da segunda década do século XXI, entre os 325

“velhos” novos media e os “novos” novos media, e argumentar a favor da crescente afirmação social e cultural destes últimos e dos seus potenciais impactos nas instituições e atitudes. A par de outras análises sobre a comunicação em rede (Cardoso, 2006), Levinson sugere que as características da atual ecologia mediática, composta por blogues e media sociais, são compreensíveis à luz das caraterísticas de outras modalidades comunicacionais assentes na oralidade e na comunicação interpessoal, ou na comunicação de massa e do impacto que as diferentes fases de desenvolvimento da comunicação tiveram sobre os costumes sociais e movimentos culturais e políticos. O que distingue os "novos" meios de comunicação de modalidades de comunicação anteriores (incluindo os "velhos" meios de comunicação) é a relativa facilidade com que não-profissionais produzem conteúdos e a menor presença de porteiros (gatekeepers), o que se relaciona com as noções de prosumer (Toffler, 1980) e de personalização de massa ou de auto-comunicação de massa (Castells, 2011). Nas sociedades de informação, onde a rede é um elemento central da organização, um novo modelo comunicacional tem vindo a tomar forma: um modelo caracterizado por uma nova rede interpessoal, de um para muitos e de massa, que conecta públicos, participantes, utilizadores, empresas de difusão e editoras sob uma só matriz de rede mediática. Num ambiente de comunicação em rede, a mediação (Silverstone, 2006), as dietas mediáticas (Aroldi e Colombo, 2003), as matrizes de media (Meyrovitz, 1985) e o sistema de comunicação em si (Ortoleva, 2004) têm sido transformados. Essas transformações nas relações entre os diferentes meios de comunicação, que atualmente experienciam mais uma interligação em rede do que uma verdadeira convergência - seja em termos de hardware, serviços ou redes -, fazem da mediação uma experiência integrada, combinando o uso de diferentes meios: do telefone à televisão, do jornal ao jogo de vídeo, da Internet à rádio, do cinema ao telemóvel, colocando os utilizadores, as suas práticas e as necessárias literacias, uma vez mais, no centro da análise (Livingstone, 1999; Cardoso, 2007; 2008). É neste contexto que o uso das redes sociais online se desenvolve ora como autocomunicação de massa, como no caso do Twitter, ora de comunicação mediada de um para muitos, como acontece com o Facebook. A linha de pensamento de Levinson, que advoga o empowerment do utilizador, já que qualquer um com uma ligação à Internet pode tornar-se num comentarista político, num jornalista investigativo, ou num escritor muito lido, esbarra no entanto com um certa forma de determinismo tecnológico que muitas vezes desencarna a análise destas questões dos contextos sociais concretos, e das domesticações diferenciadas de uma mesma tecnologia que podem surgir, daí a necessidade de as enquadrar numa análise transnacional. O que não significa que a tecnologia e o evento dos media sociais não tenham efeitos nas práticas e representações, em particular, nas noções partilhadas de profissionalismo, consumo, arte e performance. Esses efeitos estendem-se à evolução das profissões e atividades ligadas à escrita, em particular o 326

maior recurso à escrita digital. Das mudanças actuais podemos destacar: a monetização de conteúdo de blogues e de outros media sociais, a facilidade da autopublicação, patrocinada e enquadrada por sites e serviços especiais ou a simples presença crescente e até mesmo necessária para o exercício das atividades dos “tradicionais” profissionais da escrita, sejam eles escritores, jornalistas ou académicos. Há também que ter algum cuidado com o enfoque em indivíduos com vinte e poucos anos ou mais jovens ainda, putativos “nativos digitais” (Prensky, 2001) membros da "geração do milénio", que habitam, crescem e se socializam no mundo dos “novos” novos media, onde as mensagens de texto, “twittar”, “blogar”, e “postar” no Facebook, entre uma miríade de outras atividades mediáticas, são naturalizadas no quotidiano como as ferramentas utilizadas nas interações com os pares e com o mundo exterior. Mas Levinson, a par de outros autores e profissionais ou semiprofissionais da leitura e da escrita não fazem parte dessa geração e, guiados pelos seus próprios interesses, não deixam de usar um conjunto de ferramentas digitais que suportam e divulgam a sua atividade nos blogues, tweets ou podcasts. Há assim um conjunto de outras variáveis sociais de nível individual (género, escolaridade, etnia, classe social, níveis de literacia e experiência, etc.) e de nível societal (desenvolvimento económico, PIB per capita, sistema de ensino, mercado e regulação das telecomunicações, políticas públicas, etc.) que devem suportar uma análise mais aprofundada e multidimensional das práticas e das modalidades de leitura e escrita ou de produção e publicação de conteúdos nesses mundos digitais. Salvo disputas simbólicas em torno das novas literacias e sobre o valor social da interação dos indivíduos com uma dada tecnologia, seja ela o livro ou um tablet, ou media sociais como os blogues ou as redes sociais, a leitura de textos digitais progride no terreno, seja no leitor dedicado, no ecrã de um PC ou de um telemóvel, seja um texto literário de uma obra completa ou um texto informativo ou lúdico partilhado no Facebook ou no Twitter. Há aqueles que apontam para a dimensão conceptual da literacia - que apontam para as literacias tradicionais e formalmente ensinadas na escola – e que se lamentam com a putativa menor relevância do livro e da literatura. Porém, Hayles (2010) assinala que é precisamente num período de emergência e afirmação da leitura digital que se verifica, em mais de duas décadas, o aumento da leitura de romances (mas não de poesia ou peças de teatro), incluindo entre os maiores alvos das disputas simbólicas sobre as literacias, isto é, os ditos “nativos digitais” entre os 18 e os 24 anos. O estudo da leitura digital, num sentido amplo, ao iluminar a forma como é partilhada e difundida a informação na Internet, promete lançar alguma luz sobre os desafios que a indústria assente na reprodução do texto ou imagem em papel - dos jornais à literatura, passando igualmente pela banda desenhada, etc. – enfrenta. Para já, a “anunciada” morte a termo do papel – sendo um dos seus proponentes Mitchell (1995), para quem os livros são “flocos de árvores revestidos numa vaca morta” – mostra-se exagerada, embora a leitura digital possa já estar a fazer sentir os seus 327

efeitos de forma concorrencial, apresentando as suas vantagens mais ou menos óbvias. É a leitura, o livro, a escrita, a linguagem que também hoje passam por momentos de perplexidade ou de crise identitária. Mas o que é o livro e o texto? E que tipo de critérios podemos definir para considerar uma leitura válida ou útil? A língua parece estar a ser minada por ataques ao seu formalismo na forma como é escrita, produzida ou reinventada (ou será apenas mal escrita?) nos telemóveis ou nas mensagens na Internet. Todavia, onde alguns vêem uma ameaça à língua, Crystal (2006; 2011) assinala o potencial de usos variados e criativos daquela. É ainda possível argumentar que nunca se leu tanto, que os jovens nunca leram tanto, e que nunca a escrita e a leitura foi tão “social” e partilhada como nos dias presentes. Perante estas questões iremos analisar os dados referentes à utilização dos media sociais utilizando uma perspetiva comparada entre os países englobados na aplicação do inquérito online sobre a leitura digital, dando conta de especificidades societais, não deixando de incluir na análise outros patamares de comparação com recurso a dados sociodemográficos. Será dada especial atenção às modalidades de leitura, comentário e escrita, diferenciando atividades diversas, tendo em conta a natureza das práticas, isto é, se são de cariz informativo ou de cariz comunicativo, e que tipo de interesses e objetivos as motivam e orientam. A sociedade de informação ou em rede não deve ser entendida como um patamar de desenvolvimento societal e gradual segundo o qual as sociedades se vão aproximando ou afastando. Castells (2002), ao referir-se à sociedade informacional e em rede, está a antes a sublinhar processos sociais globais cujas manifestações se diferenciam consoante os contextos sociais e geográficos. Daí que uma análise comparada possa iluminar efeitos contextuais ou singularidades a par de tendências mais gerais (Cardoso, Liang e Lapa, 2013) quanto à relação entre leitura e escrita digitais e media sociais. Na análise transnacional da diversidade das práticas nas redes sociais teremos como guia analítico as evoluções recentes no seio do modelo de comunicação em rede quanto às formas estruturantes das atividades online (Cardoso e Araújo, 2009). Neste âmbito, Cardoso e Araújo assinalam a crescente preponderância em termos hierárquicos das atividades comunicativas face às atividades relacionadas com a busca de informação. Claro que ler e escrever fazem parte do processo comunicativo, mas quais são os principais princípios motivadores da ação nas redes sociais e como se manifestam em termos de conteúdos? Estaremos a falar de conteúdos essencialmente movidos pela comunicação com os outros ou da partilha de informação com os outros? Que tipo de motivações sociais e políticas estarão por trás? E que diferenças entre país poderão ser identificadas quanto a estas questões, e onde se insere a sociedade portuguesa, tendo em conta, tanto quanto possível, as dinâmicas próprias dos contextos societais? Dada a potencialidade de as redes sociais virtuais oferecerem um debate aberto e plural, onde todos os que detenham a necessária literacia e meios podem participar na criação e difusão de informação, tem-se assistido à emergência de 328

atividades cívicas e políticas e de movimentos sociais ou de eventos mais ou menos fugazes, como manifestos ou campanhas virtuais (Cardoso e Lamy, 2011). Para aprofundar a compreensão do papel das redes sociais virtuais e as motivações da leitura, do comentário e da escrita nesses espaços, são ainda incluídas no eixo analítico práticas específicas de partilha de informação e formas de comunicação que se aproximam daquilo que podemos designar de ativismo político e intervenção social nas redes.

Entre laços fortes e fracos: a ecologia global das redes sociais online Desde a sua introdução, os sites de redes sociais (SRSs), como MySpace, Facebook, Cyworld e Bebo têm atraído milhões de utilizadores, muitos dos quais integrando-os nas suas práticas diárias. Há centenas de SRSs, com várias capacidades tecnológicas, suportando uma ampla gama de interesses e práticas. Apesar das suas características tecnológicas fundamentais serem bastante consistentes, as culturas que emergem em torno dos SRSs são variadas. A maioria dos sites apoiam a manutenção de redes sociais pré-existentes, mas outros ajudam estranhos a conectarem-se com base em interesses comuns, opiniões políticas ou atividades (Ellison e Boyd, 2013; Cardoso e Lamy, 2011). Alguns sites atendem a diversos públicos, enquanto outros atraem as pessoas com base na linguagem comum ou na partilha identitária em termos raciais, sexuais, religiosos ou baseada nas identidades nacionais (Ellison e Boyd, 2013). Os SRSs também variam na medida em que incorporam novas informações e ferramentas de comunicação, tais como a conectividade móvel, blogues e a partilha de fotos e vídeos. O estudo social das redes sociais online visa compreender as práticas, as implicações, cultura e significado dessas redes, bem como o envolvimento dos utilizadores com elas. Segundo Ellison e Boyd, os sites de redes sociais são “plataformas de comunicação em rede em que os participantes 1) têm perfis únicos identificáveis que consistem em conteúdos disponibilizados pelo próprio utilizador ou provisionados por outros e /ou dados ao nível do sistema (2) podem articular publicamente conexões que podem ser vistas e atravessadas por outros e (3) podem consumir, produzir e/ou interagir com as transmissões de conteúdos gerados pelos utilizadores disponibilizados pelas suas conexões no site” (2013: 158). A natureza e a nomenclatura dessas conexões podem variar de site para site. Wellman (2001) sustenta que as redes de computadores são inerentemente redes sociais, que ligam pessoas, organizações e conhecimentos. Constituem instituições sociais que não devem ser estudadas isoladamente, mas integradas no quotidiano. Para Wellman, a proliferação das redes de computadores tem facilitado o recentramento das solidariedades de grupo no trabalho e nas comunidades nas redes virtuais e proporcionado uma viragem para as sociedades em rede que são vagamente delimitadas e pouco unidas. 329

Esta é uma visão mais otimista que a de Bauman e Lyon (2012), para quem as SRSs compõem uma espécie de epítome dos laços sociais numa modernidade tardia cujo traço central é resumido na sua “liquicidade” (Bauman, 2000), isto é, laços fracos, líquidos, que evitam o compromisso a longo prazo, fáceis de conectar e desconectar. Para Bauman e Lyon as pessoas são rastreadas mais e mais através das novas tecnologias, e como os dados se acumulam em níveis sem precedentes a vigilância decompõe-se para um estado líquido (2012: vi), caraterizada por uma forma mais suave de vigilância, especialmente encontrada no domínio do consumo e que se espalha e derrama de maneiras inimagináveis para todo o lado. Bauman e Lyon não teriam dificuldade em concordar com Putnam (2000) que aponta para o declínio do capital social dos indivíduos – relativo aos laços sociais reforçados de uma dada comunidade, tendo em vista benefícios mútuos - nas sociedades contemporâneas. Com uma nuance, enquanto Putnam parece apontar para o impacto negativo das redes no capital social dos indivíduos e nas comunidades formadas no mundo offline, Bauman afirma que essas redes simplesmente espelham processos sociais mais vastos, como o processo de individualização, presentes na sociedade como um todo. Já Wellman (2001) argumenta que a Internet, pelo contrário, tem a capacidade de aumentar o capital social das pessoas, ampliando o contato com amigos e parentes que moram perto e longe e de desenvolver novas ferramentas capazes de ajudar as pessoas a navegar e encontrar conhecimentos fragmentados nas sociedades complexas e em rede. Neste âmbito, os resultados da pesquisa de Ellison, Steinfield e Lampe (2007), centrados no uso do Facebook de uma população estudantil, contrastam com as perspetivas de Putnam e, em certa medida, de Bauman e Lyon. Embora haja claramente alguns problemas de gestão de imagem vivenciadas pelos estudantes, havendo um potencial para abusos de privacidade, os resultados apontam para uma ligação forte entre o uso do Facebook e os indicadores de capital social. Para os autores, o uso da Internet por si só não ajuda a prever a acumulação de capital social, ao passo que o uso intensivo de Facebook sim. Numa lógica funcionalista e utilizando as ferramentas analíticas do estudo de Durkheim sobre as formas elementares da vida religiosa (2002), podemos ainda considerar que as unidades básicas de análise, no que concerne ao estudo dos media, englobarão não só o símbolo partilhado – seja ele um anúncio publicitário, uma forma de arte, etc. - mas igualmente o rito impregnado de significado como o ritual de troca de mensagens de telemóvel ou formas rituais mediadas numa sociedade contemporânea cada vez mais saturada mediaticamente. Partindo de uma abordagem durkheimiana, consideremos a utilização da Internet e dos media sociais pelos indivíduos. As mensagens na Internet eram e são, desde a sua popularização, um espaço onde se brinca com a linguagem textual, incorporando anglicismos e inovações ortográficas, à margem dos formalismos da língua portuguesa, o que poderá ser entendido como uma afronta a códigos culturais estabelecidos. Mas para os indivíduos e, em particular para os jovens, os usos personalizados, distintivos e originais da 330

linguagem via Internet constituem uma forma partilhada entre os pares, um meio de separar o “nós” dos outros, reforçando a coesão de um grupo que partilha os mesmos símbolos e a mesma cultura móvel ou eletrónica. Podemos assinalar a importância da dimensão simbólica das mensagens virtuais, cuja oferta representa o comprometimento numa rede de relações. A troca de mensagens, de toques, logótipos imbuídos numa carga afetiva, detém um significado partilhado. Forma um sistema ritual de trocas recíprocas que fortalece os laços sociais entre os jovens. Nesta abordagem não há uma diferenciação fundamental entre o calão, seja ela juvenil ou outra, e a transmissão de mensagens via eletrónica, assim como não há uma diferenciação fundamental entre comunicação mediada e não mediada. De facto, poderíamos ver aqui Durkheim a reclamar a universalidade das formas elementares da vida social, as sociedades totémicas transfiguradas na era do digital. No entanto, podemos obviamente colocar em causa, como fazem Bauman, Lyon (2012) e Putnam (2000), a força ou a intensidade das formas de coesão social baseadas na comunicação mediada. Mas o modelo cultural de inspiração durkheimiana assume que a organização social, seja ela online ou offline, é criadora de símbolos, mas o que os indivíduos procuram é, antes de mais, um conjunto de significados que possam ser partilhados com outros para formar laços sociais. Os símbolos, a língua e as formas da sua utilização servem assim um papel na intensidade dos vínculos e que a comunicação entre pares revela. Este processo aproxima-se do que o antropólogo Malinowski apelidou de "comunhão fática", em que o valor social da comunicação não está no conteúdo em si (informação, ideias ou valores) mas na forma ritualista que traz a satisfação de falar em conjunto com os outros, de usar a fala para o estabelecimento de um vínculo social entre o emissor e o recetor (Burke, 1950). Tal noção inspirou o campo da sociolinguística, aplicável na compreensão da comunicação no dia-a-dia e, consequentemente, nas redes sociais online onde a linguagem fática refere-se ao trivial e às trocas simbólicas óbvias e expectáveis sobre o quotidiano, compostas por frases feitas e afirmações expectáveis. Em suma, a conversa fiada é um importante lubrificante dos laços sociais (Boxer, 2002; Casalegno e McWilliam, 2004). Nas palavras de Goffman, “os gestos que às vezes chamamos de vazios são, talvez, na verdade, os elementos mais completos de todos" (1967: 90-91). Desta forma, podemos não só diferenciar, dentro de uma dada rede social, conteúdos fáticos (mais guiados por relações de amizade/pessoais) dos não-fáticos (mais guiados por interesses particulares) como distinguir SRSs consoante o pendor mais ou menos fático dos seus conteúdos e dos propósitos que promovem. A afirmação social de dadas redes sociais em determinados contextos está, portanto, ligada a estratégias individuais e de grupo, com o objetivo de reforço de redes sociais pré-existentes interligadas aos grupos de pertença como a família, o grupo de amigos ou o trabalho e a escola, aos grupos de referência como agentes socializadores, o clube desportivo, a comunidade geográfica e/ou linguística, etc., ou de inserção em comunidades de interesses geograficamente dispersas que encontram 331

nas redes sociais formas facilitadas de conexão entre os indivíduos. Neste âmbito, será interessante olhar para os dados apresentados na tabela 1 que reportam as percentagens de utilizadores inquiridos em termos da utilização de um conjunto de redes sociais populares. Tabela 1. Percentagens de utilizadores nas redes sociais mais populares: Outros países Portugal EUA (Média) Hi5 32,9 3,2 7,1 Google + 35,9 23,0 37,6 Myspace 13,4 21,6 13,7 Orkut 6,8 1,4 10,0 Facebook 89,2 82,4 78,2 Twitter 20,8 30,0 40,4 LinkedIn 31,9 18,1 19,8 Goodreads 4,5 3,8 2,2 Youtube 43,3 33,6 39,7 Outras 9,6 11,7 45,2 Não utiliza 5,1 11,6 9,0 Como podemos verificar o Facebook é a rede mais popular em Portugal, assim como nos EUA e nos outros países incluídos no inquérito online realizado. Todavia, há algumas diferenças assinaláveis que remetem para dinâmicas próprias na utilização das redes sociais em contextos diferentes. Portugal ainda apresenta percentagens significativamente mais elevadas de utilizadores do Hi5 e do LinkedIn. A percentagem de utilização do Hi5 evidencia que esta rede social, outrora a mais utilizada em Portugal, ainda tem um conjunto apreciável de utilizadores no nosso país. A afirmação social do Hi5 deu-se com a adoção desta rede pelos internautas mais novos e numa altura onde se equacionava a utilização de redes sociais com os interesses guiados pelas amizades dos mais novos. A expansão do Facebook no nosso país, assim como noutros contextos, deu-se quando, por um lado, houve uma especialização das redes sociais segundo os interesses específicos dos utilizadores com a concomitante explosão da ecologia dos media sociais na rede, que veio corresponder à demanda em torno desses interesses e, por outro, se dissociou a utilização das redes sociais dos interesses característicos das gerações mais novas. Isto correspondeu a um declínio e desvalorização simbólica de redes como o Hi5, mais circunscritas a um público juvenil e às crianças que, sem adulterarem a sua informação pessoal quanto à idade, não podem se registar no Facebook. A juntar aos interesses guiados pelas amizades e pelos grupos de pertença surgiram redes que vieram responder às utilizações mais utilitárias e guiadas por interesses como a rede profissional LinkedIn ou a rede Goodreads, direcionada especificamente para quem tem interesses literários. 332

Dado o crescimento exponencial das redes promovidas pelo Facebook e Twitter, necessitamos compreender melhor a sua oferta. Tal como outras redes sociais, o Facebook permite a criação de um perfil, nele sendo inserida informação pelo utilizador, desde dados como nome, idade ou estado civil, a informação como opções ideológicas, políticas ou causas abraçadas. Os utilizadores podem apoiar causas, instituições ou pessoas, tendo igualmente a oportunidade de se juntarem a fóruns de discussão e debate. Podem ainda comunicar através de mensagens assíncronas, de um chat, e mediante posts públicos, acessíveis a todos os seus contactos. Nestes, os contactos diretos do utilizador (ou indiretos, se assim determinado) poderão comentar o seu conteúdo, tendo ainda a possibilidade de partilhá-lo. Atualmente, o Facebook é a rede social na Internet que reúne um maior número de adeptos. Fruto deste sucesso, as suas receitas publicitárias têm vindo a aumentar de forma exponencial, ultrapassando as melhores expectativas: em 2009, atingiram 800 milhões de dólares, com um lucro líquido de dezenas de milhões. O Facebook assume-se assim como “comunicação mediada de um para muitos”, pois cada utilizador sabe quem são os seus “amigos”, pois autoriza a sua “amizade”. Só após a aceitação do próprio pode ele começar a ser “amigo” de quem o convida. Seja, como for, independentemente da distribuição relativa das percentagens de utilização das redes sociais em cada país, o Facebook afirmou-se como a rede social mais utilizada a nível global como podemos ver na tabela 2. Tabela 2. Redes sociais mais populares, por país: País Rede social mais popular % de utilizadores Alemanha Facebook 57,3 EUA Facebook 82,4 França Facebook 75,1 Itália Facebook 85 Espanha Facebook 88,3 Reino Unido Facebook 77,3 México Facebook 94,4 China Qzone 86,4 Portugal Facebook 89,2 Rússia V Kontakte 75,8 Turquia Facebook 94,6 Brasil Facebook 91,6 Índia Facebook 94,3 Austrália Facebook 73,1 Canadá Facebook 80,3 África do Sul Facebook 94

333

A este respeito, China e Rússia, destacam-se com a utilização de redes sociais que têm uma enorme importância regional. Na China, a rede social Qzone, que foi criada pela Tencent em 2005, apresenta um conjunto alargado de funcionalidades e de modalidades de personalização, permitindo aos utilizadores escrever blogues, manter diários, enviar fotos e ouvir música, definir o papel de parede ou escolher acessórios com base nas preferências individuais. Em novembro de 2013 a Qzone contava com 623,3 milhões de utilizadores, de acordo com um relatório publicado pela Tencent160, o que faz com que a Qzone constitua uma das comunidades mais ativas em toda a indústria. Quanto à rede social mais utilizada na Rússia, a VKontakte (VK), foi lançada em Setembro de 2006, apresenta três línguas oficiais - inglês, russo e ucraniano - e no final de 2008 ultrapassou a rede Odnoklassniki, rival como serviço de rede social não só na Rússia mas noutros países que compunham a União Soviética. Apresenta uma história similar à do Facebook visto que emergiu no meio universitário, nomeadamente na Universidade Estadual de São Petersburgo, e que o registo do utilizador foi inicialmente limitado dentro dos círculos universitários e feito exclusivamente por convite. Tal como acontece com a maioria das redes sociais, as principais funcionalidades do site são baseadas no envio de mensagens privadas, no compartilhamento de fotos e links com os amigos, e nas atualizações de status. Possui ainda ferramentas para gerenciar comunidades online e páginas de celebridades e dispõe de um motor de pesquisa avançada que permite consultas complexas para encontrar os amigos, bem como a pesquisa de notícias em tempo real. Em outubro de 2012, o VK incluiu traduções não oficiais geradas por utilizadores em mais de 70 idiomas, o que é sintomático da lógica de apropriação dos media na comunicação em rede - dotar os utilizadores de ferramentas de produção de conteúdos. Curiosamente, os utilizadores de língua russa podem escolher entre a versão em russo padrão e duas versões extra: a versão soviética e uma versão pré-revolucionária. Além de ajustes de linguagem, estas versões contêm algumas surpresas: por exemplo, todas as mensagens privadas na versão soviética têm um “selo de aprovação” da censura. Já a versão pré-revolucionária usa um velho estilo de ortografia russa. Já o Twitter evidencia outras características das redes acima mencionadas, constituindo uma forma de microblogging baseada na publicação instantânea de textos até 140 caracteres, essencialmente para partilha de experiências e opiniões entre comunidades de cidadãos e a difusão de informação diária constantemente atualizada (Java et al., 2009: 2; Miard, 2009: 2). Nem todos utilizam o Twitter de forma idêntica: se uns surgem como fontes constantes de informação e comentário, outros apenas assistem à difusão de opiniões, sem uma participação ativa. De acordo com um estudo realizado no Twitter, os comentários mais comuns centram-se na rotina diária,

160

Relatório Tencent Q3 2013, disponível us/content/ir/news/2013/attachments/20131113.pdf.

em

http://www.tencent.com/en-

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no que o utilizador se encontra a fazer no momento, e qual o seu estado de humor (Java et al., 2009: 6-7). A penetração do Facebook parece ter sido facilitada em países próximos da cultura ocidental ou em países onde provavelmente existia um vazio quanto à sua utilização. As redes Qzone e VKontakte são exemplos de redes sociais que vingaram nos respetivos contextos devido à formação de conexões baseadas em comunidades culturais, linguísticas e geográficas e de funcionalidades e referências culturais, simbólicas e linguísticas mais adaptadas aos contextos sociais concretos, como também assinalado por Qiu (2013). Em conjunto, Facebook, Qzone e VKontakte, cobrem grande parte do globo quanto às redes sociais com maior utilização, como podemos ver na figura 1. Mas a manutenção da quase hegemonia que o Facebook ganhou nos últimos anos, destronando a utilização já estabelecida de redes sociais como o Orkut no Brasil ou o Hi5 em Portugal, dependerá da capacidade de se manter relevante tendo em conta as motivações, interesses e objetivos específicos dos utilizadores e, provavelmente, de se localizar e se adaptar aos contextos sociais concretos. A ecologia dos media sociais é muito vasta e pulverizada o que contrasta com esta imagem de hegemonia do Facebook. De facto, segundo dados do nosso inquérito, para a totalidade da amostra, uma pequena minoria, 9,8% declarou não ter qualquer conta, 22,1% dos respondentes declararam ter apenas uma conta numa rede social, enquanto que 68,1% declararam ter duas ou mais contas. Considerando apenas Portugal, somente 5,1% anunciou não ter qualquer conta, 21,7% afirmou ter apenas uma conta registada numa rede social e a grande maioria (73,2%) mais do que uma conta. Ora isto indicia a necessidade de procurar outras redes sociais tendo em conta motivações e objetivos específicos, sejam eles profissionais, amorosos, relacionadas com atividades de lazer, etc. Dentro das estratégias de exposição online dos indivíduos podemos distinguir entre redes sociais primárias e redes sociais secundárias. As redes sociais primárias são aquelas onde os indivíduos apostam mais no aprofundamento e na manutenção dos laços sociais, onde investem seja em termos identitários, em termos de interação, de leitura ou de publicação de conteúdos e muito presentes no quotidiano individual. Já as redes socias secundárias são tidas como relevantes tendo em conta interesses específicos, mas são alvo de menor investimento. Neste âmbito, podemos imaginar quatro cenários: 1) o Facebook mantém-se relevante e reforça a sua hegemonia como rede social primária; 2) o Facebook mantém-se relevante como a rede social secundária mais utilizada no globo (é onde está toda a gente, mas os indivíduos investem mais noutras redes); 3) surge(m) outra(s) rede(s) social(is) que destrona(m) a hegemonia do Facebook a nível regional ou mundial; e 4) o Facebook cede à pulverização de redes sociais, tornando-se uma entre outras redes, sem ser possível falar em hegemonia a nível global.

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Figura 1. Mapa mundial das redes sociais mais utilizadas por país (Junho de 2012):

Fonte: Google Trends; Alexa; Vicenzo Cosenza (vincos.it) Uma das questões colocadas por Cardoso e Lamy (2011), ao mesmo tempo teórica e metodológica, é até que ponto a análise de redes enquanto método de pesquisa se adequa ao estudo das redes sociais online. Neste contexto os autores distinguem alguns modelos. O modelo de redes aleatórias, de Erdös e Rényi, que explana o funcionamento de uma rede social através da metáfora da festa: bastaria uma conexão entre cada um dos convidados de uma festa para que todos estivessem conectados no final dela (Recuero, 2004: 4). Assim, a partir de um indivíduo comum a todos, desenvolve-se um cluster ou agrupamento, conjunto de pessoas interligadas, ligação esta que permite uma relação futura entre vários clusters. O modelo das redes de mundos-pequenos, onde clusters ou agrupamentos se conectam através de poucas ligações comuns e que, segundo Buchanan, “aparece na arquitetura de tudo, desde o cérebro humano até à rede de relações que nos ligam às sociedades, bem como as linguagens que usamos para falar e pensar” (2002: 208). As redes e as suas interligações internas podem ainda distinguir-se segundo níveis de intensidade, como o faz Granovetter (1973; 1983) que caracteriza tipos diferentes de laços sociais, separando laços fortes (entre familiares ou amigos próximos) e fracos (entre meros conhecidos): se os primeiros unem pessoas que já partilham interesses, criando clusters ou comunidades, os segundos permitem não apenas a interação entre indivíduos pertencentes a clusters distintos mas também entre as comunidades a que pertencem, criando desse modo uma rede social que permite, inclusive, uma maior circulação de informação. Cardoso e Lamy (2011), a par de Recuero (2004), sugerem que uma simples transposição da análise de redes na realidade social offline para o mundo online pode ofuscar características e dinâmicas particulares e novas introduzidas pelas redes sociais online. Neste âmbito, Barabási (2003) aponta leis 336

específicas, como a da conexão preferencial ("rich get richer”). Nesta perspetiva, assume-se que as redes não são igualitárias e os mundos não são pequenos, em virtude da existência de elementos altamente conectados (hubs), isto é, indivíduos com um elevado número de ligações. Os hubs serão os “ricos que mais enriquecem” uma vez que, possuidores de uma panóplia imensa de contactos, serão também os mais procurados por aqueles que os rodeiam (Recuero, 2004: 6). No entanto, pode-se argumentar, em primeiro lugar, que a análise de redes clássica com a sua perspetiva sistémica veio introduzir um conjunto de conceitos, quanto às tipologias de laços e às suas geografias (que caraterizam relações de proximidade/afastamento), à sua intensidade e ocorrência, que servem como ferramentas heurísticas no estudo das redes sociais, sejam elas mantidas e formadas na realidade offline, seja no mundo online. Ademais, é um método de pesquisa e de pensar a realidade eminentemente relacional, que procura a essência dos factos sociais nas relações entre eventos, organizações, símbolos ou indivíduos e não nas características internas dos agentes sociais. Em segundo lugar, as redes sociais online são elas próprias diferenciadas, podendo apresentar algumas dinâmicas e processos distintos entre si, e podendo ser mais caracterizadas, por exemplo, por laços fortes ou fracos, por uma geografia mais compacta ou mais dispersa ou por relações entre agentes mais ou menos anónimos, enquadradas por políticas de identidade e privacidade. Se há uma coisa que caracteriza a Internet são as suas particularidades cambiantes a par das suas consequências imprevistas e não intencionadas (Cardoso e Lapa, 2013). Nos últimos anos temos vindo a observar algumas alterações nos espaços de comunicação e interação online. As redes sociais, em particular o Facebook, vieram alterar ainda mais as formas de interação na Internet. As formas de comunicação mediada por computador (CMC), baseadas em ferramentas como o correio eletrónico, as mensagens instantâneas, os chats e até mesmo os blogues, eram mais baseados na proteção da identidade, no uso de pseudónimos e na possibilidade de agir sob a capa do anonimato. Embora existam mecanismos de manutenção de privacidade no Facebook, quando não mesmo o anonimato - a utilização de nicknames, a não colocação de fotos ou elementos pessoais -, não são promovidos. Pelo contrário, o Facebook veio introduzir uma exceção notória e consciente àquilo que era uma das “regras” da CMC. Mark Zuckerberg chegou, famosamente, a afirmar que "o anonimato é covardia", o que, diga-se de passagem, é o mesmo que dizer que o anonimato não tem o mesmo retorno financeiro que a utilização de nomes reais. Embora sites de redes sociais passíveis de serem utilizados quotidianamente, sejam eles jogos online ou bancos de dados de conhecimento ou fóruns de discussão ou salas de chat ou agregadores de notícias ou sites amadores, possam constituir um enorme e inexplorado mercado global a montante do Facebook e das suas políticas de identidade, de nomeação e de privacidade.

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Seja como for, foi desde o início que a CMC, dada a possibilidade de anonimato, colocou desafios a uma aplicação direta das ferramentas de análise do mundo offline, podendo ser argumentado que, em determinados aspetos, redes sociais como o Facebook ou o VKontakte vieram aproximar, em vez de afastar, a realidade virtual da realidade social offline. Neste sentido, podemos pensar a dinâmica das redes sociais online como semelhante à vida política e social de uma aldeia onde se destacam os processos de formação de identidades, de demonstração de estatuto social e de capital simbólico e modalidades de reforço dos laços sociais. Nestes processos pode-se identificar ainda os recursos simbólicos, as linguagens e as formas de comunicação usadas, as regras e normas sociais que se mobilizam e os valores, interesses, motivações ou disposições que guiam a interação e a troca de informação e dos mais variados conteúdos nas redes sociais. Os propósitos promovidos por redes para profissionais como o LinkedIn espelham ainda os processos sociais estudados por Granovetter (1973) quanto à importância (ou força) dos laços fracos na circulação de informação relativa ao mercado de trabalho. Os laços fracos permitem atingir informações e populações que não são acessíveis através de laços fortes. A par do mundo offline, existem igualmente relações de poder e recursos desigualmente distribuídos quer em termos de competências cognitivas, sociais, tecnológicas e performativas e de avaliação crítica dos conteúdos, o que, segundo Livingstone (2004), compõe as várias dimensões para aferir as literacias mediáticas dos indivíduos. Claro que as plataformas online não deixam de ser uma realidade particular que coloca os seus desafios próprios quanto, por exemplo, à gestão da identidade e da apresentação do ‘Eu’ nos media textuais e visuais ou ao esbatimento de fronteiras entre os domínios privado e público. Falar de formas de interligação social na Internet é discutir como os indivíduos apropriam as novas possibilidades de comunicação, como se posicionam face às suas vantagens e dificuldades. Ou, como afirma Bennett, é a interação entre a Internet e os seus utilizadores – e, por seu turno, as suas interações em contextos sociais materiais que constitui a matriz dentro da qual podemos localizar o poder dos novos media na criação de diferentes espaços de discurso e de coordenação de ações (2003: 18). No debate sobre a territorialidade das comunidades na Internet é ainda sugerida uma distinção entre comunidades online e comunidades virtuais (Cardoso, 1999). Associada à ideia de comunidades online encontra-se a recriação no ciberespaço – espaço sem a dimensão e características do espaço físico – de locais aos quais já se encontravam associadas comunidades offline. Já associada à ideia de comunidades virtuais encontra-se a formação de comunidades no ciberespaço sem qualquer correspondência com um espaço físico pré-existente, ou seja, pontos de encontro para todos quantos partilhem um mesmo conjunto de interesses, mas cuja reunião numa mesma localização cibernética não é possível dada a distância geográfica ou outros constrangimentos (Cardoso, 1999).

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Tabela 3. País onde cada rede social é mais utilizada: Rede Social País onde é mais utilizada % de utilizadores Hi5 Portugal 32,9 Google+ Índia 66,5 MySpace México 27,4 Orkut Brasil 64,5 Facebook Turquia 94,6 Twitter México 69,9 LinkedIn Índia 56,4 Goodreads Índia 5,3 Youtube México 63,6 Tencent Weibo China 76 Bebo Reino Unido / Índia 5,2 StudiVZ Alemanha 10,3 Sina Weibo China 83,3 Qzone China 86,4 V Kontakte Rússia 75,8 Odnoklassniki Rússia 61,1 Fubar África do Sul 2,5 Outra Alemanha 19,4 Nenhuma Alemanha 25 Olhando para a distribuição geográfica das redes socias online, os dados da tabela 3 revelam em que país cada rede social é mais utilizada e antevêem uma realidade mais diversificada que a apresentada na tabela 2 e na figura 1. Existe um conjunto variado de redes sociais, com funcionalidades singulares e a ecologia mediática em seu torno cresce de dia para dia. Há redes sociais que, embora desconhecidas de outros públicos, têm uma grande influência em contextos sociais e geográficos particulares, algumas porque germinaram nesses mesmos contextos e estarão portanto mais adaptadas ao tipo de espectativas e motivações dos utilizadores concretos de uma dada região ou grupo social. Os dados da tabela 3 demonstram que há uma utilização em determinados contextos de relevantes redes sociais regionais nas quais é mais provável a constituição de comunidades online, no sentido apontado por Cardoso (1999). Apesar de o Hi5 ser uma rede em declínio de utilização no nosso país, ainda mantém alguma influência regional em alguns países da América Latina e, como os nossos dados demonstram, no México, na Índia e, em menor escala, na Turquia. Mas entre os países abrangidos pelo inquérito online, é em Portugal que a sua utilização é maior em termos percentuais. Além disso, é de apontar a importância regional de redes como a Tencent Weibo, Bebo, Sina Weibo e Qzone na China e das redes VKontakte e Odnoklassniki na Rússia e em países próximos. A rede social Orkut ainda é bastante 339

importante no Brasil e, em menor grau, na Índia, embora tenha perdido alguma relevância para o Facebook. O LinkedIn, uma rede social vocacionada para profissionais, é muito pouco utilizado na Alemanha pois nesse país há uma rede profissional própria, concebida nesse contexto – a plataforma Xing. É aliás de apontar que é precisamente na Alemanha que há a maior percentagem de respondentes (19,4%) que declararam usar outra rede social não indicada no inquérito ou que declararam que não usam nenhuma rede social (25%). Estes dados confluem com o que nota Qiu (2013): várias esferas notáveis de redes sociais existem em importantes mercados nacionais ou regionais, apelando para as características linguísticas e culturais dos utilizadores - para além das já apontadas, QQ, Weibo e Baidu Space na China, MIXI no Japão, MXit na África do Sul, Wer-Kennt-Wen e StudiVZ na Alemanha. Como sublinham Ellison e Boyd (2013), definir o que constitui um site de redes sociais tornou-se cada vez mais difícil, dada a natureza cambiante das características dos media sociais e a sua diversidade. Deste modo, não há um único modo de analisar as redes sociais nem uma transposição simples da análise de redes (aplicada e desenvolvida no estudo das redes sociais offline) para o estudo das SRSs, visto apresentarem dinâmicas próprias, se diferenciarem quanto às funcionalidades e às motivações e interesses dos seus utilizadores. Para além de diferenças face à sua difusão geográfica são expectáveis diferenciações quanto aos grupos sociais a que se destinam. Por exemplo, a redes sociais Goodreads e LinkedIn foram criadas tendo em mente públicos mais específicos, provavelmente apresentam menor variabilidade social quanto ao tipo de utilizadores e cumprem funções mais próximas da expansão de contatos, ou seja, rementem para a expansão de laços fracos, unidos por interesses particulares comuns e pela vontade de adquirir e fazer circular informações novas. De facto, a grande maioria dos respondentes que utilizam a rede social Goodreads tem uma licenciatura ou mais (67,7%), é do sexo feminino (71,5%) e tem entre 15 e 34 anos (84,4%). Quanto ao perfil de utilizador do LinkedIn, é tendencialmente bastante escolarizado, com um grau de licenciatura ou mais (61,8%) e está em idade ativa, tendo entre 25 a 44 anos (a que corresponde um total de 62,6% de entrevistados que utilizam o LinkedIn), não havendo uma diferenciação quanto ao género. Se o Facebook se expandiu para estratos sociais diversificados e é, provavelmente, a rede social mais democratizada, já o Youtube apela preferentemente a um público masculino e mais jovem e o Twitter a um público mais escolarizado. Ao invés, verifica-se um público menos escolarizado e relativamente mais jovem no Hi5. Há, portanto, redes com o objetivo de aprofundar os laços fortes e a manutenção de comunidades online recriadas do mundo offline, onde se poderá denotar uma maior presença da comunicação fática, como o Facebook ou o VKontakte, enquanto noutras, como o Twitter ou o LinkedIn, a utilização é motivada por interesses particulares, visa essencialmente o estabelecimento de laços fracos, potenciando a circulação de informação, ideias e valores, e a constituição de comunidade virtuais, ou a exploração, mais ou menos consciente, das redes de 340

mundos-pequenos (por exemplo, ter contato com as observações quotidianas de uma celebridade no Twitter ou as apreciações de um autor na rede Goodreads, ou estabelecer uma conexão com um quadro de dada multinacional ou o académico de uma determinada instituição no LinkedIn). Não há uma escala unidimensional para caraterizar o uso das redes sociais, sendo antes útil utilizar uma configuração de diferentes níveis de modo a apoiar o entendimento do uso dos media sociais e os diferentes tipos de laços que daí possam surgir. A juntar à equação há que perceber de que tipo de utilizadores estamos a falar, em que universos sociais e linguísticos se inserem, e que tipo de literacias mobilizam no uso de uma dada rede social e que tipos de meios cognitivos, sociais e técnicos são utilizados para ativar ou interromper redes de laços fracos e também para alterar o próprio meio digital. Como assinala Haythornthwaite (2011), diferentes tipos de media sociais suportam diferentes tipos de fluxo de informações e apresentam guias do que se deve prover e promover. Desta forma, poderemos perceber o uso das redes sociais, a sua articulação com a identidade dos sujeitos, com comunidades linguísticas, regionais, entre outras, e os processos que levaram à afirmação social e às modalidades de apropriação de uma dada rede social num dado contexto.

Diz-me o que lês e publicas e dir-te-ei quem és? As práticas sociais de leitura, comentário e publicação nas redes sociais online Entre as possibilidades tecnológicas e os reais usos há todo um processo de domesticação (Silverstone, 1994) que marca para onde a tecnologia evoluíra nos seus usos. A figura seguinte mostra-nos o tipo diversificado de usos, no contexto dos SRSs, que podemos encontrar em Portugal, em comparação com os EUA e a média de todos os países incluídos no inquérito online. A análise das respostas demostra a estruturação das atividades nas redes sociais que se realiza em número limitado para o grosso dos respondentes.

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Figura 2. Que tipo de funcionalidades os respondentes utilizam quando usam redes sociais online (%): 0

10

20

30

Serviço de Chat

40

50

60

70

80

47,6

30,9

53,3

60,5 62,8 60,5

Publicar comentários Mandar mensagens

59,9

69,4 68

26,5 30,7

Jogar

25,4 14,5 10,1

Apoiar ou aderir a causas

23,5

Criar álbuns de fotos Mandar presentes virtuais

Consultar videntes

25,3 25 5,3 4,7

1,4 2,7 0,9 0,8

Criar/aderir a um grupo Publicitar eventos

11 10,5

16

6 4,8 7,6 22,5 19,9

Procurar ou sugerir amigos Testes de questionário

27,1

5,7 3,4 2,1

Partilhar vídeoclipes

7,8

Partilhar notícias dos órgãos de comunicação Criar aplicações

31

5,9

13,1 17

9,6 17,3

1,2 1,7 0 35,2

Escrever comentários nos murais dos amigos

42,9 39,5 39,8 39,4

Atribuir um "gosto"

52,5

17,1 18,3 22,7

Alertas de aniversários

Todos os países

EUA

Portugal

Desse contexto de usos ressalta uma divisão possível em atividades fáticas de fortalecimento de laços sociais para com amigos e conhecidos (mensagens, serviço de chat, alertas de aniversários, escrita no mural, atribuição de um “gosto”) e que são, claramente, as mais expressivas em termos percentuais, de gestão de capital social (procura de amigos, envio de presentes, jogos, criação de grupos), entretenimento (quizzes e testes), expressão identitária (colocação de vídeos) e intervenção social (apoio ou adesão a causas). Porém, verificam-se algumas diferenças interessantes na comparação entre países. A utilização de serviços de chat e a atribuição de um “gosto” é mais expressiva entre os respondentes portugueses em comparação com os utilizadores inquiridos norte-americanos que, em termos comparativos, privilegiam mais a publicação de comentários e a escrita de comentários nos murais dos amigos, e com os valores médios para a totalidade dos países. Outra divisão poderá remeter para 342

o carácter mais passivo de, por exemplo, atribuir um “gosto”, receber alertas, encaminhar informação, para outras atividades mais ativas como publicar e enviar mensagens, assim como escrever nos murais dos amigos. Neste campo, os internautas portugueses parecem adotar o tipo de atividades mais passivas em comparação com a média dos países da amostra. É ainda de sublinhar que as frequências relativas à partilha de notícias dos órgãos de comunicação social por parte dos utilizadores inquiridos nacionais são claramente superiores à frequência média de todos os países e da registada nos EUA. A tabela seguinte mostra-nos ainda como se estruturam algumas atividades mais ativas e que envolvem a escrita por género e idade. Tabela 4. Funcionalidades mais utilizadas, por sexo, por escalão etário (%): Portugal Todos os países (média) Escrever Escrever comentários comentários Publicar Enviar nos murais Publicar Enviar nos murais comentários Mensagens dos amigos comentários Mensagens dos amigos Sexo Feminino 57,3 62,1 41,4 62,7 73,3 38,9 Masculino 63,3 57,9 37,8 58,0 68,0 30,7 Escalão Etárie 15-24 anos 69,0 54,9 31,0 66,1 75,3 33,2 25-34 anos 63,3 64,0 40,2 63,5 72,9 33,3 35-44 anos 58,2 58,7 45,6 60,6 69,2 36,6 45-54 anos 55,7 61,1 46,1 53,5 68,2 36,3 55 ou mais anos 28,9 64,4 42,8 46,3 65,1 35,6 Pela análise dos dados podemos ver algumas diferenças interessantes por género e idade. Em Portugal, enquanto os indivíduos entrevistados do sexo masculino tendem a privilegiar a publicação de comentários, já as frequências relativas das restantes atividades pendem para o sexo feminino, pelo que, de uma maneira geral, são as mulheres inquiridas as que mais escrevem comentários e enviam mensagens. Considerando todos os países, em termos médios, reforça-se a tendência de serem as mulheres quem mais escreve e publica nas redes sociais. Quanto à estruturação das atividades por escalão etário, também se verificam diferenças interessantes e algumas até algo inesperadas. A acreditar pelas perspetivas de Tapscott (1998) ou Prensky (2001), este último apelidando os utilizadores mais velhos de “imigrantes digitais”, 343

seria de esperar uma estruturação que seguisse de perto a evolução da idade, com os mais novos a liderarem a escrita de mensagens e a publicação de comentários. Ora os dados não nos permitem fazer uma leitura tão simples. Em Portugal, os utilizadores inquiridos com 55 ou mais anos lideram em termos de envio de mensagens e é também entre as gerações mais velhas que se escreve mais comentários nos murais dos amigos. Onde os internautas mais novos se ocupam mais é na publicação de comentários. Já considerando todos os países do inquérito, as frequências relativas médias quanto à publicação de comentários e ao envio de mensagens seguem aquilo que seria expectável: são atividades mais frequentes entre os mais novos e vão decrescendo à medida que aumenta a idade. Porém, no que respeita à escrita de comentários nos murais dos amigos não há diferenças significativas, nem um sentido claro da sua evolução entre os escalões etários. Outra variável importante é a escolaridade. Neste âmbito, considerando apenas a realidade portuguesa, é também curioso verificar que parece não haver uma associação cabal entre a utilização de chats e a escolaridade. O uso de chats é, inclusive, maior entre os internautas com até o 1º ciclo de escolaridade, em que 78% utiliza esses serviços, face a 50,8% dos entrevistados com o grau de licenciatura ou mais. Já quanto ao envio de mensagens verifica-se que as frequências relativas acompanham, em certa medida, a escolaridade, mas é entre os respondentes com menos escolaridade que se verificam as maiores percentagens de internautas que enviam mensagens nas rede sociais: 78% dos respondentes com até o 1º ciclo e 85,7% com o ensino secundário face a 54% que frequentaram ou frequentam o ensino superior e 56% com o grau de licenciatura ou mais. Quanto à publicação de comentários verifica-se o inverso, sendo os que frequentam ou frequentaram mas não acabaram o ensino superior os que mais publicam comentários, correspondendo a 48,9% desses internautas, face a 22% dos que têm apenas até ao 1º ciclo. A mesma tendência verifica-se ainda no que respeita à escrita de comentários nos murais dos amigos, embora as frequências oscilem consoante os escalões etários. No que concerne à totalidade dos países do inquérito, quanto à utilização dos chats, ao envio de mensagens e à escrita de comentários nos murais não se pode fazer uma associação entre o uso desses serviços e o grau de escolaridade. Apenas a publicação de comentários parece aumentar com o grau de escolaridade. Em suma, várias atividades nas redes sociais parecem ter penetrado amplos estratos da população, pelo que podemos falar na sua relativa democratização, descontando as variáveis binárias de infoexclusão que remetem para o acesso/não acesso, embora outras atividades estejam mais associadas a indivíduos mais novos e com graus de literacia expectavelmente maiores. De modo a sintetizar a informação relativa à leitura e comentário nas SRSs recorreu-se a uma análise fatorial161, a partir da qual foi possível traçar perfis de 161

Na análise factorial foram obtidos os resultados do teste KMO cujo valor foi de 0,94 para um nível de significância de p= 55 20,1 9,7 5 17,3 Até 1º Ciclo 2,9 1 1,3 2,5 2º Ciclo 17,7 1,2 10,7 17,3 Secundário 26 12,4 17,7 29,7 Grau de Frequência escolaridade Superior 16,6 23,4 26,4 16 Licenciatura ou mais 36,8 62 43,9 34,5 Tempo Inteiro 45,8 64 57 41,1 Part-time 12,9 11,8 10,3 12 Situação laboral Desemp. 15,1 5,8 9,3 19,1 Estudante 10,3 14,5 19,8 15,9 Pensionista 15,8 3,9 3,6 11,9 De facto, como se pode verificar na tabela 5, os entrevistados dos Agrupamentos 2 e 3, isto é, dos países que compõem os chamados países BRICS são tendencialmente mais novos que os respondentes dos Agrupamentos 1 e 4 e mais escolarizados. Já nos países que compõem os Agrupamentos 1 e 4, a distribuição de utilizadores da Internet por escalões etários é mais equilibrada, embora ainda seja visível o maior peso dos indivíduos com graus de escolaridade mais elevados, mas não de forma tão marcada. Na Rússia, a percentagem de inquiridos com um grau de licenciatura ou mais é de 62% e, no Agrupamento 3, a média percentual é de 43,9%. Ademais, verifica-se nestes agrupamentos maiores percentagens de respondentes que trabalham a tempo inteiro e menores percentagens de entrevistados desempregados. Daí que se possa inferir que a utilização da Internet esteja mais democratizada nos Agrupamentos 1 e 4, o que se poderá refletir em perfis de utilização da Internet e de leitura e escrita nas redes sociais mais diferenciados dada a multiplicidade de interesses mobilizados pelos utilizadores de diferentes grupos sociais. 357

Na figura 9 podemos observar o tipo de perfil médio de leitura e escrita nas redes sociais nos agrupamentos atrás identificados. Figura 9. Gráfico de radar sobre as práticas de leitura e escrita nas redes sociais online, por agrupamentos de países (%): Agrupamento 1 (EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália, Alemanha e França)

Agrupamento 2 (Rússia)

Agrupamento 3 (México, Brasil, Turquia, Índia, China)

Agrupamento 4 (Itália, Portugal, Espanha, África do Sul)

Essencialmente ler: Conteúdos literários, anúncios e resenhas culturais, informação científica ou noticiosa e opiniões de figuras públicas 90 Ativismo mediano ou forte

80 70

Ler e comentar: Conteúdos literários, anúncios e resenhas culturais, informação científica ou noticiosa e opiniões de figuras públicas

60 Publica/escreve: Pensamentos, estórias e experiências pessoais, mensagens de parabéns ou de tributo, opinião de amigos, convites para eventos

50 40 30

Essencialmente ler: Petições e manifestos, críticas políticas, motes ou "memes", banda desenha ou cartoons, convites para eventos e programas de conferências, letras e vídeos de música, publicidade de produtos e serviços

20 10 0 Publica/escreve: Anedotas e piadas, banda desenhada ou cartoons, vídeos e letras de músicas, motes e "memes", elementos artísiticos

Publica/escreve: Críticas políticas, petições e manifestos, programas de conferências, publicidade a produtos e serviços Publica/escreve: Citações de autores famosos, opiniões de figuras públicas, artigos científicos, notícias dos media, anúncios e resenhas culturais, poemas e passagens de livros

Ler e comentar: Petições e manifestos, críticas políticas, motes ou "memes", banda desenha ou cartoons, convites para eventos e programas de conferências, letras e vídeos de música, publicidade de produtos e serviços

Essencialmente ler: Pensamentos, estórias e experiências pessoais, mensagens de parabéns ou de tributo, opiniões e mensagens de amigos online ou comentários escritos por outros utilizadores Ler e comentar: Pensamentos, estórias e experiências pessoais, mensagens de parabéns ou de tributo, opiniões e mensagens de amigos online ou comentários escritos por outros utilizadores

Dadas as tendências globais já identificadas atrás podemos vislumbrar, contudo, diferenças entre o agrupamento de países. No agrupamento 1, isto é, entre os inquiridos dos países anglo-saxónicos, da Alemanha e da França, a par dos outros respondentes, essencialmente ler ou ler e comentar conteúdos guiados por relações de amizade e pessoais constituem das principais atividades, que são atividades de cariz mais fático e mais direcionadas para a manutenção dos laços fortes. Já as práticas de leitura e comentário mais dirigidas para interesses específicos (políticos, lúdicos e de consumo), mais próximas da expansão dos laços fracos, são das práticas menos frequentes a par da leitura e comentário de conteúdos literários e de busca do conhecimento. Quanto a estas práticas os respondentes do agrupamento 1 assumem um interesse mais distanciado, visto que preferem, grosso modo, ter uma prática mais passiva de somente leitura em vez de ler e comentar. Quanto à publicação e escrita de matérias é dada clara ênfase, para cerca de 80% dos respondentes deste 358

agrupamento, às de cariz fático, pessoal e direcionado para o fortalecimento dos vínculos sociais, embora um pouco menos que no agrupamento 3. Os respondentes do agrupamento 1 são ainda dos que demonstram menor motivação para a partilha e escrita de conteúdos, lúdicos ou “intelectuais”. A par dos inquiridos russos, são dos que menos partilham e escrevem materiais politizados nas redes sociais online, o que se reflete nas percentagens menores de respondentes com um ativismo mediano ou forte face às frequências relativas neste campo verificados no agrupamento 4 e, em especial, no 3. Estas tendências parecem ir ao encontro dos postulados de Cardoso e Araújo (2009), para quem a Internet evoluiu de um espaço de guardadores de conhecimento para um espaço fundamentalmente construído em torno de atividades de comunicação que configuram o arquétipo do comunicador. No que se refere à Austrália, Ewing e Thomas (2009) indicam que o papel da Internet como fonte de entretenimento é muito mais forte entre os jovens e que a sua utilização criativa tem algumas características sociais distintivas: uma base de utilizadores em expansão, atraindo, por exemplo, cada vez mais mulheres, embora haja uma maior probabilidade de encontrar um internauta criativo entre os jovens, a proceder ao carregamento e ao desenvolvimento de conteúdos online. Caron e Caronia (2009), partindo da sua pesquisa no Canadá, declaram que os seus dados são mais coincidentes com a noção de que os jovens internautas são geralmente utilizadores ativos, capazes de interpretar, julgar e escolher e, consequentemente, capazes de utilizar conhecimentos e competências em ambientes online, mas também no que concerne à avaliação dos conteúdos dos media tradicionais. Quanto à leitura e escrita de conteúdos politizados e a sua relação com práticas ativistas, paradoxalmente um alargamento e democratização da utilização da Internet nas sociedades ocidentais não significa uma atividade mais democrática no sentido da participação política nas redes sociais online. Daí que, neste contexto, os resultados pareçam aproximar-se da tese da normalização que aponta que as atividades politizadas online aparecem tendencialmente associadas a indivíduos com níveis de escolaridade e de status socioeconómico elevados e àqueles que são também os mais interessados e os mais ativos na atividade política offline (Johnson e Kaye, 2003). Hindman (2009) sugere que pode haver uma divisão política entre os internautas e disparidades no uso da Internet dependendo das atitudes políticas. Todavia, Vedel (2009), baseado no seu estudo no contexto francês, assinala que as questões não são tão lineares assim, visto que detetou públicos variados com contacto com materiais politizados e novas formas de campanha e atividade política que misturam entretenimento com política – o que também parece ir de encontro ao demonstrado na nossa análise fatorial sobre as práticas de leitura e comentário onde conteúdos politizados aparecem adunados com materiais lúdicos na mesma dimensão. Os respondentes russos assumem uma posição entreposta, daí que componham um agrupamento à parte, visto que nalguns aspetos estão mais próximos 359

dos inquiridos do agrupamento 1 e noutros perto dos indivíduos dos países que formam os agrupamentos 3 e 4. Assim, partilham com os respondentes do agrupamento 1 a menor apetência para publicar e escrever conteúdos politizados ou relacionados com o consumo e, consequentemente, percentagens mais baixas de indivíduos entrevistados com práticas de leitura e escrita relacionadas com um ativismo nas redes sociais online, mediano ou forte. Tal parece consistente com a pesquisa de Semetko (2003) que apurou que os sites de jornais somente online são os mais populares, que as versões online dos meios de comunicação offline são de importância secundária, em contraste com o que foi encontrado em democracias estabelecidas, e que os sites politizados ou partidários são de menor importância para os utilizadores, com base no número de acessos a esses sites. Por outro lado, a seguir aos inquiridos do agrupamento 3, que engloba os restantes países emergentes BRICS, os entrevistados russos são dos que mais lêem ou lêem e comentam conteúdos intelectualizados, dos que mais publicam e escrevem este tipo de materiais e dos que mais lêem e comentam conteúdos de cariz fático, pessoal e relacional, embora aqui as diferenças entre agrupamentos sejam pequenas. Rose (2006) assinalou que em termos percentuais a população russa online é ainda pouco significativa em comparação com os seus vizinhos nórdicos. No entanto, é de registar um aumento fortíssimo da utilização da Internet na Rússia que, no final de 2011, apresentava uma taxa de penetração de 44,3% e um número total de utilizadores de cerca de 61 milhões. Parecem assim confirmar-se as tendências identificadas por Rose (2006) de um uso da Internet claramente ascendente na Rússia e na identificação de aderentes precoces, um termo que, para o autor, é mais apropriado para caracterizar a difusão do uso das tecnologias digitais do que o rótulo estático de exclusão digital. Rose defende ainda que a difusão da Internet na Rússia vai aumentar os seus recursos internos em russo, dado o limitado conhecimento de línguas estrangeiras, incluindo o inglês. Esta delimitação geo-linguística do ciberespaço russo torna a Internet um meio "introvertido" para os russos se comunicarem uns com os outros, tal como é para os norte-americanos, ao invés de uma janela para o mundo. Quanto agrupamento 3 que reúne os restantes países emergentes do bloco BRICS, acompanhados do México e da Turquia, há a destacar a tendência para comporem o conjunto de respondentes com práticas mais generalizadas de leitura e/ou comentário dos mais diversos conteúdos, assim como de publicação e escrita na generalidade dos conteúdos, sejam guiados por interesses relacionados com a vida pessoal e as relações de amizade, por interesses lúdicos, políticos ou de consumo ou interesses literários. Neste agrupamento, aqueles que usam as redes sociais online, utilizam-nas intensamente e apresentam igualmente nesse domínio um ativismo mediano ou forte mais elevado. Estamos, portanto, a falar de perfis de uso mais específicos no âmbito destes países, que têm sido palco de um conjunto de transformações rápidas nos últimos anos no plano económico e social. Apesar de serem países que têm demonstrado taxas de crescimento económico pujantes nos 360

últimos tempos, são ainda marcados por níveis elevados de desigualdade socioeconómica, o que, segundo Helsper e Galácz (2009), se reflete na maior probabilidade de haver relações mais fortes entre as exclusões social e digital. Será útil relatar determinadas dinâmicas nalguns países deste agrupamento para perceber um pouco melhor as suas mudanças internas quanto à ecologia dos media. Segundo dados da Booz & Company (2009), a penetração de banda larga no mercado brasileiro vem crescendo desde 2001, e em Dezembro de 2008 alcançou 5,2% para cada 100 habitantes. Apesar do crescimento, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer a fim de tornar a banda larga um dos motores da economia brasileira, considerando que a penetração ainda é muito baixa quando comparada com taxas noutros países emergentes e da América Latina, como Chile e Argentina. No que concerne ao México, Gutiérrez e Islas (2009) identificaram uma ecologia mediática nova com características particulares: com números crescentes de utilizadores, a Internet é mais usada para propósitos informacionais e a televisão um meio para entretenimento e relaxamento. O mercado de telecomunicações no México é caracterizado, na prática, por um monopólio quanto aos serviços de Internet. O seu uso é claramente estruturado por classe social ou nível socioeconómico e fortemente estruturado por idade, com um predomínio de uma população de utilizadores mais juvenil, o que acompanha a estrutura da utilização dos restantes países do mesmo agrupamento. Portanto, o contexto institucional e a ecologia e a cultura mediáticas são fatores importantes que moldam o resultado do uso da Internet num dado país (Cardoso, Liang e Lapa, 2013). No que diz respeito à China, o processo de modernização tem afrouxado os laços tradicionais da família chinesa e estimulado processos de migração interna de muitos jovens que se dirigem para as cidades, o que tem tido reflexos nas formas de comunicação online (Cardoso, Liang e Lapa, 2013). Estes processos tornaram o envio de mensagens instantâneas popular na China, tornando-se num instrumento central para o reforço dos laços fortes. Quanto a atividades de leitura e comentário politizadas os nossos dados convergem com o relatório do World Internet Project (WIP) de 2008, onde os inquiridos das áreas urbanas da China (46%) exibiram níveis elevados de concordância (WIP 2008: 186) com a afirmação de que a Internet «dará aos utilizadores uma palavra a dizer nas ações do governo» face à maioria dos remanescentes países ou regiões participantes no estudo, com percentagens globais relativamente baixas de utilizadores (entre os 20 a 25 por cento) que concordaram com essa afirmação. Isto sugere que os internautas chineses percecionam a Internet como algo que pode contribuir para algumas mudanças estruturais básicas na política e na sociedade chinesa, o que é suportado por pesquisas relacionadas com os valores e as atitudes a nível global sobre a Internet (Dutton et al., 2007). No que concerne ao agrupamento 4, composto pelos países do Sul da Europa acompanhados da África do Sul, um país emergente e com dinâmicas de desenvolvimento no contexto africano, nas práticas de leitura estão próximos da 361

Rússia e dos países do agrupamento 3. Aproximam-se ainda dos internautas russos quanto às dinâmicas de publicação e escrita de conteúdos nas redes sociais online, exceto no que diz respeito aos materiais politizados e relacionados com o consumo, onde as práticas dos seus utilizadores se aproximam das práticas dos inquiridos do agrupamento 3, o que condiz com um grau de ativismo mediano ou forte claramente mais elevado que o registado no agrupamento 1 e na Rússia, mas ainda assim menos elevado que o do agrupamento 3. Neste contexto, são de assinalar os problemas financeiros, económicos e sociais dos países do sul da Europa que se refletem, por exemplo, nas taxas de desemprego altas, em particular entre os jovens, e os cortes no rendimento, que podem constituir em si mesmos elementos motivadores da leitura, escrita e comentário de conteúdos mais politizados. São ainda de assinalar algumas dinâmicas apontadas por Tabernero et al. (2009), como a explosão generalizada da comunicação móvel, que abriram a porta à participação direta e ao surgimento de culturas participativas e colaborativas entre os utilizadores espanhóis, em particular os mais novos, que demonstram formas de consumo cultural multimodal e novas práticas mediáticas que guiam a formação da identidade, a negociação de status e a sociabilidade entre pares.

Networking: procura, síntese e disseminação da informação Como vimos, podemos diferenciar as práticas de leitura e escrita nas redes sociais online consoante dinâmicas motivacionais. São os conteúdos de cariz mais fático guiados pelo interesse em partilhar conteúdos passíveis de reforçar vínculos sociais (laços fortes) que compõem as práticas mais frequentes de leitura e escrita nos sites de redes sociais. A utilização de sites e a partilha e criação de conteúdos e de informações que têm por base interesses mais utilitários ou lúdicos, relacionados com a expansão de laços fracos, apelam a conjuntos de utilizadores mais circunscritos socialmente. De qualquer maneira, Ellison e Boyd (2013) sublinham a crescente importância que as redes sociais online têm tido na cultura popular. As autoras, acompanhando a evolução dos media sociais, assinalam que os sites de redes sociais têm-se tornado mais media-centrados e menos centrados em utilizações em torno dos perfis. A maior parte desses sites são hoje organizados em torno de um fluxo constante de conteúdos recentemente atualizados, seja na forma da alimentação (feeds) de notícias do Facebook ou como a organização da informação na página do Twitter. Naaman, Boase e Lai (2010) referem-se a essas transmissões como “fluxo de perceção social”. Na maior das redes sociais o fluxo de conteúdo de cada pessoa está povoado com materiais provisionados por aqueles que foram escolhidos como “amigos” ou por conexões que se decidiram seguir. Estes espaços de partilha de texto, vídeo ou fotos são praticamente universais, e o anúncio da sua disponibilidade é frequentemente anunciada no fluxo de atualizações. A coleção agregada dos conteúdos de uma rede de 362

contatos serve como ponto de partida para outras atividades, substituindo, em larga medida, o ato de navegar de perfil em perfil, ou de página em página, para descobrir informações ou materiais atualizados. Estas noções remetem para uma função básica de estar em rede: fazer networking, enquanto processo, é nunca estar parado e, constantemente, procurar, agregar, sintetizar e disseminar informação e os mais variados conteúdos. Neste sentido, as fronteiras entre o que constitui uma rede social como o Facebook ou o Twitter e um meio noticioso esbatem-se. Isto remete para o conceito de Jenkins (2006: 27) para definir a convergência dos media, uma dinâmica central no contexto da comunicação em rede (Cardoso, 2006), como um fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes mediáticos, a cooperação entre múltiplos mercados mediáticos e o comportamento migratório dos públicos nos media, que vão a quase qualquer parte à procura das experiências de entretenimento que desejam. Neste contexto de convergência dos media, o utilizador tem maior autonomia para definir quais as estórias importantes, devendo ser contadas a partir de uma ou mais perspetivas. Isso contribui para o aumento da geração de conteúdo e, consequentemente, para a disseminação do mesmo. Deste modo a convergência é uma palavra que define transformações tecnológicas, mercantis, culturais e sociais, dependendo de quem está a transmitir informação e do que imaginam estar a transmitir (Jenkins, 2006: 27). Usualmente, encontramos em redes sociais como o Facebook ou o Twitter temas que estão a ser expostos noutros meios de informação como a televisão, a rádio, os meios impressos e até outros sites da Internet. Essa capacidade de gerar conteúdo para os meios tradicionais e também fazer uso do que é apresentado nesses meios, mostranos, na prática, como o conceito de convergência envolve cada vez mais a produção e disseminação de conteúdos nos mais diversos media, sejam eles ditos tradicionais, virtuais ou sociais. Alguns membros das gerações anteriores, onde se incluem pais e educadores, socializados num sistema e num contexto mediático diferente, com biografias mediáticas diferenciadas, assinalam preocupações quanto ao ambiente mediático contemporâneo, que alguns apontam como sendo mais baseado no consumo imediato e na satisfação imediata das emoções (Cardoso, Espanha e Lapa, 2009). Segundo esta visão, a leitura, enquanto prática habitual entre as crianças e os jovens, atividade que requer paciência, concentração e persistência, poderá estar a ser desafiada por uma cultura dos media contemporâneos que celebra a mobilidade, o curto-prazo, a realização de tarefas em paralelo. Em convergência com que foi dito por Hayles (2010) a propósito dos internautas norte-americanos, os dados de estudos anteriores efetuados em Portugal (Cardoso, Espanha e Lapa, 2009) mostram que, mesmos nas gerações mais novas de utilizadores, socializadas no seio de uma paisagem mediática em mudança, cerca de 60% afirma ter hábitos de leitura. Quanto ao perfil dos leitores, verificou-se que há a tendência para serem as raparigas as maiores consumidoras de livros e que há uma maior percentagem de leitores entre os inquiridos mais novos (dos 363

8 aos 12 anos). Apurou-se ainda que 31,4% dos adolescentes costumam ler jornais, hábito que tende a aumentar entre os jovens que se encontram à entrada da vida adulta. Estes dados sugerem a ideia de que crescer, tornar-se adulto, significa também estar mais atento ou atenta ao que se passa no mundo social em volta. De um modo geral, os dados do estudo de Cardoso, Espanha e Lapa demonstram indicadores de literacia nas gerações mais novas segundo os moldes tradicionais. Acrescentando a consulta de páginas na Internet, a utilização de chats e de programas de mensagens instantâneas e a exposição constante a mensagens de telemóvel, não será arriscado dizer que a população portuguesa em geral, incluindo as crianças e os adolescentes, lê porventura mais que antigamente. Embora alguns possam argumentar que essa leitura se refere a informação efémera e, em grande parte, vazia de conteúdo. No entanto, podemos dizer que assistimos ao desenvolvimento, em paralelo, de diferentes tipos de literacia e de competências mediáticas ligados à utilização das novas tecnologias da informação e comunicação. Claro que se pode avançar a hipótese que os jovens importam, quando lêem a imprensa escrita, formas de leitura específicas, fruto de alterações ao nível cognitivo trazidas pela socialização nos jogos, na Internet e nos novos media. Num mundo onde se celebra o blogue, as redes sociais e a escrita curta e menos cuidada, ler um livro na diagonal ou saltar partes de um livro à busca de uma gratificação mais imediata na leitura pode ser uma possibilidade. Deste modo, novos tipos de literacia ou novas práticas mediáticas poderão estar a sobrepor-se a competências mais tradicionais como a leitura. Esta hipótese tem eco na literatura com Nicholas Carr (2010) a perguntar se, no fundo, estão os motores de busca como o Google e outras ferramentas da Internet a tornar-nos estúpidos?, debruçando-se, assim, sobre a influência da Internet na forma como lemos e processamos a informação. De facto, motores de pesquisa como o Google e, mais recentemente as redes sociais, revolucionaram o acesso e o processamento da informação. Muitos cidadãos e até profissionais como jornalistas ou cientistas poderão ter a sensação que já não poderiam viver sem os motores de pesquisa e sem os media sociais. Contudo, Carr discute os riscos de tal utilização e adianta a hipótese de que quanto mais tempo passamos na Internet, menor a capacidade de concentração numa leitura mais vasta e profunda, como ler um livro. Há, no entanto, que contextualizar estas preocupações, que não cabe aqui discutir no plano cognitivo. Sempre que se introduziram novos media e estes se popularizaram, houve sempre reações à sua massificação e preocupações quanto aos possíveis efeitos da sua utilização intensiva. O advento da televisão e, mais tarde, a popularização dos jogos multimédia nos anos 80 e 90, provocaram reações idênticas, e assim se espera que venha a acontecer sempre que sejam introduzidas inovações tecnológicas no campo dos media. Muitas preocupações remetem para um passado idílico na relação dos indivíduos e, em particular dos mais jovens, com a leitura, que nunca se chegou a verificar ou se verificava apenas numa pequena parte da sociedade 364

portuguesa. Mais ainda num país como o nosso, que tem, historicamente, elevados níveis de iliteracia em comparação com o restante contexto europeu. Ademais, estas questões não têm de ser discutidas de um modo maniqueísta: Internet ou redes sociais online versus competências linguísticas e práticas de leitura. Existem projetos que tentam ligar a aprendizagem e a prática das línguas com as características e os canais interativos dos SRSs. Neste campo, são de salientar os projetos em torno dos media sociais para a aprendizagem de línguas (Social Media Language Learning ou SMLL) que permitem que os utilizadores desenvolvam competências de comunicação e linguagem e a possibilidade de participar em tempo real, em conversações relevantes levadas a cabo online, e praticar a língua-alvo, com ou sem a ajuda de um professor experiente. Isto surge do reconhecimento que aprender uma língua diferente envolve aspetos sociais que influenciam a maneira pela qual os indivíduos aprendem uma língua. Plataformas como a Live Mocha, Bussuu, Palabea ou Italki podem constituir redes sociais completas no seu núcleo, onde os utilizadores constroem o seu próprio perfil e indicam os idiomas que já dominam e os que gostariam de aprender. Nessas plataformas são oferecidos serviços de chat ou de mensagens instantâneas, jogos interativos, aulas gratuitas ou pagas, exercícios, texto e vídeo, entre outras funcionalidades. As questões da leitura digital relacionadas com o grande aumento do uso das redes sociais online prendem-se não só com o surgimento de novas literacias, com a evolução de práticas e de consumos, mas também com considerações vastas como o futuro da língua portuguesa e a sua relevância no mundo. Esquecer o contributo e a importância crescente da leitura e escrita digitais na Internet e nas redes sociais online é decepar a compreensão do uso destas e a conceção de políticas públicas para a promoção das literacias, da leitura e da relevância da nossa língua na sociedade em rede. Neste campo, faria, por exemplo, sentido a criação e promoção de uma rede social online vocacionada para a “cultura” lusófona ou plataformas de media sociais vocacionadas para a aprendizagem e prática do português ou para a promoção da leitura e da escrita, enquadradas, porventura, por instituições públicas e sob o chapéu de uma política da língua que aproveite as novas possibilidades tecnológicas.

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371

PARTE IV NOVAS INSTITUIÇÕES DA LEITURA E DO LIVRO

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O principal pressuposto sob o qual se encontram organizados os capítulos que dão corpo a esta secção é o de que o desenvolvimento tecnológico está a afectar as várias instituições relacionadas com a leitura. Se o primeiro texto funciona enquanto roteiro por um leque muito diversificado de tópicos ou análises – elencam-se aí diferentes case studies de apropriação da leitura digital em múltiplos pontos do globo, procedese a uma revisão das políticas públicas que têm vindo a ser adoptadas nesse âmbito, observa-se com particular atenção a realidade do mercado académico, quer pelo seu pioneirismo quer por permitir reconhecer tendências que são depois mimetizadas noutros sectores, assinala-se como as bibliotecas escolares e públicas têm sido confrontadas com diversos desafios neste processo, bem como as próprias editoras, livrarias e os respectivos modelos de negócio, identificam-se alguns dos players mais importantes em certas dimensões, mostra-se, em suma, como a transição para o digital vem provocando transformações em toda a cadeira do livro, desde a concepção do objecto à sua produção, finalidade, distribuição e mesmo cultura associada -, temse em vista nos outros dois um exame mais fundo em torno do universo das bibliotecas que, lembrou-o Christophe Evans num artigo recente164, experimentam hoje os desafios colocados pelas novas maneiras de, digitalmente, se aceder aos conteúdos escritos. Do panorama traçado sobre as práticas de leitura em contexto de biblioteca em 16 países, cingindo-se aos indivíduos que utilizam a Internet, saliente-se por exemplo que, face aos EUA ou ao conjunto de países europeus considerados, é nos BRICS que se verifica uma frequência mais assídua das bibliotecas (e da requisição de livros em formato digital), ou que, não obstante, apenas uma minoria da amostra global de inquiridos (18%) já alguma vez recorreu a uma biblioteca para requisitar livros digitais. Comprovando-se que o acesso a materiais impressos (livros, jornais, revistas) continua a constituir uma das principais actividades para que se procuram as bibliotecas, são também indicadas quais as razões da não requisição de livros em suporte digital nessas instituições: destacam-se o desconhecimento de que determinadas bibliotecas disponibilizam e-books (no caso português, essa oferta é praticamente residual quando comparada com a realidade americana) ou o achar-se mais fácil fazer download. O facto de muitos indivíduos terem a expectativa de vir a ler mais em suporte digital no futuro acaba por ser outro aspecto a reter no quadro de uma nova política a ser pensada para as bibliotecas que, superando obstáculos vários e redefinindo prioridades, “podem ter um papel crucial na aproximação à leitura digital e na construção da cidadania”. No último capítulo, dedicado a analisar os recursos e serviços que um grupo de bibliotecas escolares e municipais em Portugal disponibiliza aos seus frequentadores, dá-se aí também conta das perspectivas dos seus responsáveis e aborda-se os diferentes tipos de relação mantidos com os conteúdos e ferramentas digitais no quadro da oferta global desses espaços. Põe-se assim a nu como as bibliotecas acabam por participar na(s) leitura(s) que os indivíduos levam a 164

e

Evans, Christophe (2012), “Actualité et inactualité des bibliothèques au XXI siècle”, in Le livre, le numérique, le débat, nº 170, Paris, Gallimard, pp. 63-69.

373

cabo, sejam elas de cunho mais lúdico, informal ou “sério”, em resultado das suas dinâmicas de adaptação ao paradigma digital.

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10 Tendências internacionais sobre as instituições da leitura e leitores na era da Internet165 Liliana Pacheco

165

Este capítulo contou com a colaboração de José Afonso Furtado através da selecção de um conjunto de estudos, textos e análises sobre o livro e a biblioteca no contexto digital. Essa selecção foi partilhada na lista de discussão do projecto ao longo da duração do mesmo, tendo sido escolhida para este âmbito uma parte significativa dessas contribuições. Sem a colaboração inestimável de José Afonso Furtado não poderia o presente capítulo ter sido produzido.

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Os desenvolvimentos espectaculares das novas tecnologias e da comunicação na última década e meia trouxeram alterações profundas no relacionamento dos leitores com as várias instituições relacionadas com o livro: escolas, bibliotecas, editoras e livrarias. Pegando nestes dois últimos exemplos, pode-se afirmar que é preciso encontrar novos modos de produção e de distribuição dos livros, já que o modelo de negócio como existia não é viável com o livro digital. São muitos os desafios que se colocam à indústria e às instituições, algo que se tentará descrever em maior pormenor seguidamente. Tentar-se-á exemplificar e reflectir sobre algumas políticas públicas que têm sido levadas a cabo por vários governos na tentiva de implementação do livro digital. A própria noção de “livro digital” não é pacífica. José Afonso Furtado afirma que “muitas das categorias com que temos lidado, captado, entendido e apropriado a cultura escrita estão a alterar-se: «assistimos a mudanças nas técnicas de reprodução do texto, na forma ou veículo do texto e ainda nas práticas de leitura. (…) Hoje estas três revoluções – técnica, morfológica e material – estão perfeitamente interligadas» (Chartier, 2002). Assim, nestes últimos anos temos vindo a assistir ao aparecimento de livros em versão digital, de editores electrónicos, de livrarias virtuais, de obras de referência e bases de dados textuais online, de obras hipertextuais e de dispositivos de leitura electrónicos” (Furtado, 2003: 1). As caracterizações mais elementares da edição electrónica tendem a concentrar-se na distribuição electrónica de conteúdos e, nos anos mais recentes, o termo livro electrónico ou ebook viu-se apropriado pelas empresas que vendem dispositivos electrónicos para apresentação de textos digitais (Furtado, 2003). Bazin (1996, apud Furtado, 2003: 17) refere que a “ordem do livro” - um campo simultaneamente cognitivo, cultural e político, em torno do qual “o objecto livro ocupava a posição central” - se encontra já em plena reconfiguração e que essa “cultura do livro” (ou seja, uma certa maneira de produzir saber, sentido e sociabilidade) está, pouco a pouco, a desaparecer. No fundo, são dois clusters conceptuais em jogo: por um lado, o da “cultura do livro”, com a sua família de conotações associadas a expressões como livro impresso, tradição tipográfica ou gutenberguiana, textualidade, linearidade, abstracção, raciocínio dedutivo, monomedialidade e contexto fechado. Do outro lado, do lado da “nova cultura” multimédia, encontramos expressões como multimedialidade, hipertextualidade, hipermedia, multilinearidade, imersão, raciocínio analógico ou contexto aberto (Roncaglia, 2001). O projecto Gutenberg, criado por Michael Hart em 1971, pode ser considerado o primeiro empurrão para a criação dos ebooks. Este projecto foi o mais antigo produtor de livros electrónicos do mundo e teve como objectivo principal a criação de uma biblioteca de versões electrónicas livres (também conhecidas como e-textos); esta biblioteca integrava livros fisicamente já existentes que pertenciam ao domínio público e que, desta forma, surgiram pela primeira vez em formato digital, como a Declaração 376

de Independência dos Estados Unidos da América, a Bíblia, bem como obras de Homero, Shakespeare e Mark Twain. O livro Lendas do Sul, de João Simões Lopes Neto, foi a primeira obra literária em português publicada pelo projecto Gutenberg, em 2001 (Junior et al., 2007). Os ebooks ou livros electrónicos têm atravessado vários desenvolvimentos tecnológicos. Fazendo uma cronologia para melhor nos situarmos, a primeira aplicação comercial de e-paper foi lançada no Japão em 2004. Os audio-livros começaram a ser desenvolvidos e distribuídos pelos vendedores no final dos anos 1980, embora álbuns falados já existissem antes da era das cassetes de vídeo, dos DVD e dos CD. Em Outubro de 2004, na Feira do Livro de Frankfurt, a Google lançou o seu projecto “Google Print”, que mais tarde se veio a tornar no Google Books. Em Setembro de 2006, a Sony disponibilizou um e-reader nos Estados Unidos. A Amazon lançou o Kindle, o seu e-reader, em 2007. Mas a chegada do iPad da Apple em 2010 (tal como o lançamento do iPhone, alguns anos antes) veio alterar o panorama, já que a empresa de tecnologia configurou a sua própria plataforma de venda de iBooks (seguindo o modelo da sua loja de iTunes) e propôs um modelo de negócio diferente às editoras. Para a consultora PWC, o ano de 2010 foi o ponto de viragem no que se refere à penetração dos e-readers nos mercados globalizados: o preço dos e-readers caíram e os gastos aumentaram em 51%166. Outras empresas de tecnologia, como a Samsung e a HTC (que utilizam o software Android, da Google), tentaram incursões no sector, oferecendo modelos de distribuição centrados nos seus dispositivos. Políticas públicas e programas governamentais de apoio à transição para o livro digital A propagação crescente das novas tecnologias na generalidade dos sectores da sociedade tem conduzido a uma necessidade, cada vez maior, por parte dos países de todo o mundo, em adoptar políticas de disseminação e massificação de acesso às novas tecnologias digitais, com vista à educação e formação dos cidadãos. Essas políticas baseiam-se na ideia de que é prioritário, em pleno século XXI e na chamada Sociedade da Informação ou do Conhecimento, que os cidadãos adquiram determinadas competências ao nível dos usos das tecnologias, contribuindo, assim, a um nível macro, para o fortalecimento de uma economia competitiva e dinâmica com base no conhecimento (Melro e Pereira, 2011). De forma a enfrentar as dificuldades de entrada no mercado de trabalho, resultantes de uma acentuada crise económica e aumento do desemprego e pobreza mundiais, a capacidade para rapidamente adquirir e aplicar novos conhecimentos e competências associados ao uso dos meios digitais, por parte dos indivíduos, é considerada uma 166

Turning the Page. The Future of Ebooks, disponível http://www.pwc.com/en_GX/gx/entertainment-media/pdf/eBooks-Trends-Developments.pdf

em

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condição essencial no mundo em que vivemos (Trilling e Fadel, 2009). Neste sentido, torna-se necessário desenvolver um sistema educativo que evolua no sentido de capacitar os cidadãos para saber usar, de modo crítico, os meios e tecnologias digitais. A educação é concebida, portanto, como a “chave para a sobrevivência económica no século XXI” (ibidem) e a literacia digital como forma de integrar os cidadãos na Sociedade da Informação. A implementação das tecnologias digitais em contexto escolar tornou-se, deste modo, uma das características mais proeminentes das políticas públicas para a educação nas últimas duas décadas (Selwyn, 2011). Embora com agendas distintas, consoante os governos que as concebem e implementam, estas políticas têm, no entanto, princípios comuns, muita vezes orientados mais por estratégias político-partidárias do que pedagógicas e educativas. A deriva tecnológica destas políticas, as suas pretensões de natureza económica e o seu desfasamento face à realidade dos sistemas escolares são, com frequência, algumas das críticas erigidas por diferentes sectores da sociedade, nomeadamente por especialistas destas matérias (Melro e Pereira, 2011). Ainda segundo Selwyn, o possível fosso entre as políticas e as práticas, não representa, necessariamente, uma falha dos decisores políticos em compreender a realidade escolar e a tecnologia digital. Em vez disso, “os decisores políticos podem não estar a desenvolver essas políticas e iniciativas com intenções puramente educativas. Como tal, as medidas políticas podem ser vistas como conceitos ideológicos cujas contradições internas e imprecisões servem para mascarar as agendas sociais, políticas e económicas que são usadas para propagar” (Selwyn, 2011: 59). Em questões tecnológicas, os Estados Unidos são ainda considerados o país de referência e é também o país no qual têm sido realizados mais estudos sobre este tema. Vejamos por isso alguns casos de estudo ao nível das políticas públicas em curso nesse país. O San Diego Unified School District anunciou a compra de 27 000 iPads para os estudantes utilizarem. Os iPads destinam-se a alunos do 5.º e 7.º anos e destinam-se a ser usados enquanto eles estiverem na escola. O distrito vai gastar 370 dólares americanos por iPad – um pouco menos do que o computador que está a substituir (389 dólares). O projecto faz parte da iniciativa i21 e é financiado por uma medida que os eleitores aprovaram em 2008. O distrito de San Diego está no terceiro ano de um plano a cinco anos para renovar e equipar 7000 salas de aula com novas ferramentas tecnológicas, com o objectivo de melhorar a experiência de aprendizagem de todos os estudantes. Nos dois primeiros anos do plano, o distrito escolar distribuiu 75000 computadores para as salas de aula. Depois, os computadores foram deixados de lado em favor de iPads, embora não seja claro se os iPads serão entregues aos alunos como os computadores deveriam ser. A iniciativa i21 inclui mais do que apenas entregar computadores e iPads aos estudantes. Também há financiamento para equipar os professores com tablets novos e impressoras a laser, quadros interactivos e outras 378

tecnologias úteis para cada sala de aula. Também inclui formação para os professores no uso do iPad, com informações e dicas sobre como selecionar aplicações educativas. Há outros programas menos expressivos de atribuição de iPads na área de San Diego. Por exemplo, uma escola privada, a Cathedral Catholic High School, vai entregar iPads a 1700 alunos e pedir o reembolso aos pais. Enquanto a Apple anunciava como os iBooks iriam revolucionar a educação, o especialista Nate Hoffellder167 questiona se o objectivo não seria o programa acima descrito. Provavelmente a Apple irá vender um número considerável de livros digitais para este distrito escolar, mas este número será pequeno quando comparado com os 10 milhões de dólares que o distrito escolar San Diego já gastou em hardware. A Apple nunca tinha sido um caso tão sério no que diz respeito a vender conteúdos e isto faz-nos recuar até ao lançamento do iTunes. O conteúdo sempre tinha sido um meio para as vendas de hardware. É por isso que, no primeiro trimestre de 2012, a Apple facturou mais de 10 milhões de dólares em iPads e iPods e apenas 1,7 milhões em conteúdos via iTunes. Nate Hoffellder questiona ainda se a grande revolução que o iBook trouxe não será encher ainda mais os cofres da Apple. O Secretário para Educação americano Arne Duncan e o Presidente da Comissão Federal para as Comunicações Julius Genachowski desafiaram as escolas e as editoras a fazerem a conversão para o livro digital no prazo de cinco anos. A maior parte das editoras escolares já está a fazer a transição, mas a questão aqui é o que se entende por “livro digital”. Claramente não será um PDF ou um EPUB: “Não estamos a falar de um livro de texto impresso passado a digital. Estamos a falar de ambiente de apoio à aprendizagem muito mais robusto, interactivo e envolvente”, afirmou Karen Cator, director do gabinete para a educação tecnológica do Departamento de Educação. A ideia da interactividade está sempre presente, conforme Genachowski sustenta: “Quando um estudante se depara com alguma coisa que não compreende num livro impresso, ele fica encravado. Trabalhando com o mesmo material num livro digital, ao deparar-se com alguma coisa que não compreende, o aluno pode explorar, seja o significado de uma palavra, seja a resolução de um problema de matemática” 168. Este empurrão da administração Obama chegou duas semanas depois de a Apple Inc. anunciar que iria começar a vender versões electrónicas de alguns livros padrão do ensino secundário para serem lidos no seu tablet, o iPad. A transição para o digital é, por si só, uma tarefa hercúlea, mas os governantes têm outra exigência: poupar dinheiro ao mesmo tempo. São dois objectivos difíceis de conciliar: ao mesmo tempo que pretendem materiais de aprendizagem com grandes potencialidades para a interacção e exploração, também querem gastar menos dinheiro a adquirir esses recursos.

167

San Diego to Distribute 27 Thousand iPads to Middle Schools, disponível em http://www.the-digitalreader.com/2012/05/20/san-diego-to-distribute-27-thousand-ipads-to-middle-schools/ 168 Digital textbooks challenge from US government, disponível em http://www.futurebook.net/content/digital-textbooks-challenge-us-government

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Os livros digitais são encarados como uma forma de promover a aprendizagem interactiva, economizar dinheiro e actualizar materiais mais rapidamente para os estudantes. No entanto, muitas escolas não reúnem as condições tecnológicas necessárias e encontrar o dinheiro para fazer a transição para o digital em tempos económicos conturbados afigura-se difícil169. Segundo Jay Diskey, director executivo da divisão escolar da Association of American Publishers, cerca de 8 milhões de dólares são gastos anualmente nos Estados Unidos em livros escolares, entre o infantário e o fim do ensino secundário. Diskey sustenta que as empresas livreiras têm estado a trabalhar na tecnologia nos últimos cinco a oito anos para transformar a indústria, mas em muitos casos as escolas simplesmente não estão preparadas. “A indústria abraçou a causa, mas a dificuldade está no facto de as escolas ainda não estarem completamente equipadas com o hardware. Nós esperamos que elas fiquem em breve”, afirmou Diskey. Como já se aludiu, alguns autores consideram que os interesses da poderosa indústria tecnológica (Apple, Samsung, Amazon, etc.) estão por detrás de determinadas políticas públicas, ao invés de objectivos pedagógicos ou até sociais. A pressão para trazer a tecnologia para dentro da sala de aula sem provas das suas mais-valias já não é recente. Vejamos: em 1997, um comité para a ciência e tecnologia designado pelo Presidente Clinton emitiu um apelo urgente sobre a necessidade de equipar as escolas com tecnologia. Se tal investimento não fosse suportado por milhares de milhões de dólares, a competitividade americana poderia sofrer, de acordo com um comité cujos membros incluíam especialistas como Charles M. Vest, então presidente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e executivos como John A. Young, ex-diretor executivo da Hewlett-Packard. Para apoiar a sua conclusão, o relatório do comité citou os sucessos de escolas individuais que adquiriram computadores e viram as taxas de abandono escolar diminuir. Mas apesar de reconhecer que a investigação sobre o impacto da tecnologia era inadequado, o comité pediu às escolas para se equiparem de qualquer maneira. A sentença final do relatório: "o painel, no entanto, não recomenda que a implantação da tecnologia nas escolas da América seja adiada enquanto se aguarda a conclusão da investigação"170. Um outro estudo do Departamento de Educação, em 2009, sobre cursos online, descobriu que poucos estudos rigorosos foram feitos e que os decisores de políticas públicas têm “falta de evidência científica” da sua eficácia. Uma secção do Departamento de Educação que classifica os programas escolares descobriu que 169

Obama Administration's Challenge To Schools: Embrace Digital Textbooks Within 5 Years, disponível em http://www.huffingtonpost.com/2012/02/01/challenge-to-schools-embr_n_1248196.html e consultado a 15 de Fevereiro de 2013. 170 In Classroom of Future, Stagnant Scores, disponível em http://www.nytimes.com/2011/09/04/technology/technology-in-schools-faces-questions-onvalue.html?_r=3&emc=eta1&pagewanted=all&

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grande parte software educacional não corresponde propriamente a uma melhoria sobre os livros de texto. Noutros estudos conduzidos, nomeadamente no estado do Maine, os iPads contribuíram para aumentar os níveis de literacia dos alunos. Mas um dos investigadores que os conduziu, Damian Bebell, afirma que os iPads são apenas uma ferramenta, já que a literacia tem tudo a ver com a pedagogia e o ensino; é o resultado de uma série de esforços para aumentar a motivação dos alunos171. A possibilidade de as escolas criarem conteúdos próprios não parece ser uma possibilidade real, pelo menos nos tempos mais próximos. Criar recursos extra (e especialmente interactivos e adaptáveis) é um trabalho intensivo e bastante dispendioso. Esta é a razão para esse tipo de recursos serem escassos de momento – as escolas não têm dinheiro para os pagar (e nem sempre têm interesse). “Numa altura em que a tecnologia transformou o modo como as pessoas interagem e contribuiu até para os levantamentos árabes no Médio Oriente e outros movimentos sociais, a educação está frequentemente desfasada”, afirmou Duncan. E acrescentou: “Queremos miúdos a andarem com mochilas pesadíssimas e livros a custarem 50, 60 ou 70 dólares e muitos deles desactualizados? Ou queremos estudantes com um dispositivo móvel que tem muito mais conteúdo do que era imaginável há um par de anos atrás e que possa ser constantemente actualizado? Eu julgo que é uma escolha muito simples”. A administração americana espera que os dólares gastos nos livros de texto tradicionais possam passar a contribuir para fazer o ensino digital mais acessível. “Entrar no digital exponencia o processo de aprendizagem, e está a acontecer num ritmo mais rápido noutros países, como a Coreia do Sul”, disse Genachowski numa entrevista. Acrescentou ainda que tem esperança que, no longo prazo, o digital seja mais rentável, sobretudo quando o preço dos tablets cair. Após o tornado de Maio de 2011 ter destruído várias escolas em Joplin, no Missouri, a decisão tomada foi essencialmente migrar para o digital. Os Emiratos Árabes Unidos doaram dinheiro para comprar um computador a cada estudante. A resposta dos estudantes foi mista, afirmou a superintendente assistente, Angie Besendorfer. Esta admitiu que a transição se mostrou difícil para alguns alunos, habituados a uma rotina de responder a questões no final de um capítulo, mas os administradores estão satisfeitos com o ensino online e esperam que os alunos do 8.º ano também passem para o digital. “É um pouco mais de trabalho do lado dos estudantes, terem de pensar e resolver problemas de maneira diferente, e alguns dos nossos miúdos não estão assim tão entusiasmados, enquanto outros estão muito”, manteve Besendorfer. As Escolas Charlotte-Mecklenburg, no estado da Carolina do Norte, alocaram, em 2012, 10 milhões de dólares num programa de concessão que visou colocar iPads em

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iPads in Auburn, Maine's Kindergartens: A First Look at Their Effect on Learning, disponível em http://www.hackeducation.com/2012/02/16/iPads-in-auburn-maine-kindergartens-literacylearning/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+HackEducation+%28 Hack+Education%29&utm_content=Google+Reader

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salas de aula seleccionadas e fazer a formação necessária para ensinar como usá-los172. Por outro lado, o Departamento de Estado fez, também em 2012, um contrato com a Amazon no valor de 16,5 milhões de dólares americanos para equipar as bibliotecas designadas e os centros educacionais pelo mundo relacionados com os Estados Unidos com 2500 Kindles. Os Kindles foram vistos como os únicos dispositivos apropriados para este contrato, que não foi sujeito a concurso. A ideia é que os dispositivos devem ajudar aqueles que querem estudar inglês e aprender sobre a América173. A Coreia do Sul, por sua vez, pretende digitalizar todos os livros escolares até 2015, numa tentativa de ajudar os alunos a criar os seus próprios padrões de estudo e aliviar suas mochilas174. Segundo o plano, que requer cerca de 2 milhões de dólares americanos do orçamento do Estado, todas as escolas serão equipadas com um sistema de computação baseado na Internet conhecido como computação em nuvem. A ideia é introduzir livros digitalizados em escolas de ensino básico em 2014 e expandir o seu uso para o ensino secundário no ano seguinte, segundo o governo sul-coreano. Este anúncio seguiu-se a um outro, no qual o governo em causa afirmou que pretende tornar-se um líder global na computação em nuvem já em 2015. Outro exemplo na Ásia: em 2011, foi anunciado um projecto-piloto de adopção de ereaders em Taiwan, com a participação de três universidades e três bibliotecas públicas175. No que diz respeito ao Brasil, o uso de tablets na educação também já foi alvo de debates entre vários ministros. O caso da Coreia do Sul é referido como exemplo, mas no Brasil a ideia não passa por deixar completamente o livro didáctico impresso. No entanto, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirma que “haverá estudantes que terão seu primeiro contacto com o livro didático já em meio digital”176. Uma questão importante que se levanta: se o acesso (ou compra) dos dispositivos de leitura e dos conteúdos ficar a cargo dos estudantes ou dos seus encarregados de educação, as desigualdades sociais vão ser mais notórias e tenderão a reproduzir-se, já que os menos abastados não terão acesso à tecnologia para desenvolver as mesmas competências, as tais que se dizem essenciais numa sociedade de informação. Há um abismo entre o uso progressivo de media digitais fora da sala de aula e as ofertas pouco diversificadas da maioria das escolas públicas, que educam as populações mais vulneráveis. Este abismo contribui para aumentar as desigualdades 172

School system allocates $10 million to put iPads in classrooms, disponível em http://www.zdnet.com/blog/btl/school-system-allocates-10-million-to-put-iPads-in-classrooms/71315 173 U.S. State Department Buys 2500 Kindles ($16.5 Million No-Bid Contract) For Libraries and Ed Centers, disponível em http://www.infodocket.com/2012/06/11/u-s-state-department-buys-2500-kindles-16-5million-no-bid-contract-for-libraries-and-ed-centers/. 174 S. Korea to digitize all school textbooks by 2015, disponível em http://english.yonhapnews.co.kr/national/2011/06/29/79/0302000000AEN20110629008300315F.HTML 175 New e-reader Pilot Program Launching Soon in Taiwan, disponível em http://www.mediabistro.com/appnewser/new-e-reader-pilot-program-launching-soon-intaiwan_b12505?red=en 176 Ministros vão discutir uso de tablets na educação, disponível em http://ebookpress.wordpress.com/2011/06/07/ministros-vao-discutir-uso-de-tablets-na-educacao/

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entre a(s) juventude(s). Sem uma agenda de reformas educativas pró-activas que comece com as questões da igualdade e tente alargar as oportunidades que os novos media oferecem, corre-se o risco de aumentar o fosso para as populações mais vulneráveis… É necessário lembrar que os utilizadores de novos media são ainda uma minoria privilegiada. Este processo poderá criar uma subclasse permanente, pessoas que ficam nas margens, que privadas da tecnologia não conseguem desenvolver capacidades para o mercado de trabalho. As políticas públicas e os programas governamentais devem ter esta questão sempre presente, sob pena de os grupos marginalizados e as pessoas socialmente desfavorecidas poderem permanecer na periferia do conhecimento, a não ser que as barreiras ao acesso, incluindo a iliteracia digital, sejam reduzidas177. Os cortes de orçamento são frequentemente apontados como justificação para o não-investimento em competências tecnológicas, sendo que o problema era já anterior à crise económica. No Brasil, por exemplo, onde estão em curso programas estatais para distribuir tablets e e-readers pelos alunos e professores, têm surgido contratempos: os professores e os alunos não têm literacia suficiente para a utilização dos equipamentos e não há conteúdos escolares com qualidade e variedade para eles consumirem178. Não é surpreendente que educadores que trabalham em distritos escolares mais favorecidos tenham mais apoios dos pais e das direcções das escolas para as equiparem com ferramentas tecnológicas, do que aqueles que trabalham em bairros mais desfavorecidos179. A questão do desenvolvimento sustentável é um outro argumento invocado amiúde pelas entidades responsáveis por programas de transição para o digital. Ao tentar diminuir o consumo de papel, é muitas vezes esquecido nestes discursos todo o lixo tecnológico que se vai amontando com a construção e a constante actualização de hardwares onde se possam consumir os conteúdos digitais.

As políticas de aplicação de tecnologia na educação na União Europeia O ideal da literacia enquanto via para a empregabilidade e coesão social, nasceu depois da Segunda Guerra Mundial, com a UNESCO a desempenhar um papel central no debate sobre a importância da literacia mediática (Rantala e Suoranta, 2008).

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UNESCO endorses the IFLA Manifesto for Digital Libraries, disponível em http://www.ifla.org/news/unesco-endorses-the-ifla-manifesto-for-digital-libraries 178 Projeto de Tablets do Governo Está Uma Bagunça, disponível em http://revolucaoebook.com.br/projeto-de-tablets-do-governo-est%C3%A1-uma-bagun%C3%A7a/ 179 Lack of Funding Creates Barrier to Using Tech in Class, disponível em http://blogs.kqed.org/mindshift/2012/01/lack-of-funding-creates-barrier-to-using-tech-in-class/

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A União Europeia tem vindo a estabelecer metas e diretrizes a partir do que ficou definido na Estratégia de Lisboa, cuja premissa passava por adaptar todos os sistemas sociais dos países membros, incluindo o sector da educação, para uma sociedade e economia baseadas na informação e no conhecimento. Neste sentido, a capacitação dos indivíduos para o uso das tecnologias digitais é interpretada como uma força com impactos económicos e sociais no desenvolvimento da Sociedade da Informação. A Estratégia ou Agenda de Lisboa tinha no horizonte fazer da Europa, entre 2000 e 2010, “a economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, capaz de um crescimento económico sustentável, acompanhado da melhoria quantitativa e qualitativa do emprego e de maior coesão social” (Comissão Europeia, 2010: 2). Embora alguns objetivos tenham sido adiados para a nova Agenda 2020, devido ao não cumprimento das metas traçadas, o relatório de avaliação, de 2008, garante ter havido uma evolução, embora reconheça que existe ainda um longo caminho pela frente. No documento é referido que a elevada taxa de desemprego nos jovens “está intrinsecamente relacionada com a falta de políticas para a literacia digital” e que, “apesar de ter havido algum enfoque nesta questão, decorrente da Estratégia de Lisboa, o progresso tem sido insuficiente” (ibidem). Note-se que a Estratégia havia definido que “o sucesso da sociedade do conhecimento depende dos elevados níveis de literacia digital” (Conselho Europeu, apud Pereira e Melro, 2012: 298) e que, portanto, seria preciso não apenas criar condições para a generalização do acesso à Internet e ao computador, mas também capacitar os cidadãos para o uso destas tecnologias, promovendo a sua inclusão na Sociedade da Informação. Assim, nas Conclusões do Conselho da União Europeia sobre o papel do ensino e da formação na implementação da Estratégia Europa 2020, é reforçada a urgência em investir eficazmente na qualidade, na modernização e na reforma do ensino e da formação (Conselho da União Europeia, apud Pereira e Melro, 2012: 299). A literacia digital surge como uma das competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida, necessária à realização pessoal, à cidadania activa, à inclusão social e à empregabilidade na sociedade do conhecimento (Conselho da União Europeia e Comissão Europeia, 2010). Embora, numa primeira fase, as políticas europeias tenham dado prioridade à questão do acesso, actualmente há uma preocupação em abordar questões mais relacionadas com a qualidade dos conteúdos e com a integração da tecnologia nas salas de aula (Rantala e Suoranta, 2008: 100). A preocupação com o acesso e a ligação à rede terá sido (e ainda é, em países como Portugal) a face mais visível das primeiras iniciativas da União Europeia, manifestando um certo “determinismo tecnológico e crença na ideia de que as novas tecnologias por si só têm poder para mudar a educação e a aprendizagem para benefício da economia europeia e qualidade de vida” (Maruja Díaz cit. in Rantala e Suoranta, 2008: 109).

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Neil Selwyn, numa dura crítica ao modo como estas políticas são postas em prática, do topo para a base, refere que “não seria uma grande surpresa que o ensino baseado na tecnologia acabasse por ser construído em termos de depósito em vez de descoberta, e que os estudantes acabassem na posição de receptores de currículos pré-embalados (Selwyn, 2011: 62). Na mesma linha, Collins & Halverson (2009: 145) consideram que "os líderes estatais terão de trabalhar junto com os educadores, não como missionários que carregam presentes mágicos, mas como colaboradores na criação de novas oportunidades para aprender". Estas críticas ao modelo centrado na tecnologia fundamentam-se sobretudo na ideia de que os “computadores não são a solução mágica para os desafios da educação”, como aponta Mark Warschauer (2009: 153). Com efeito, a acentuada tónica na necessidade de promover na sociedade o acesso massificado às tecnologias digitais, tendo em vista o mercado de trabalho e a empregabilidade, retira atenção a objetivos relacionados com a necessária preparação e capacitação dos cidadãos, neste caso, crianças e jovens, para o uso e compreensão crítica dos meios digitais (Melro & Pereira, 2011). Em 2008, a então responsável da Unidade para Inovação e Criatividade na Educação da Comissão Europeia, Maruja Díaz, considerava que as políticas tecnológicas para a educação, na UE, tenderiam a tomar outro tipo de abordagem: “haverá uma mudança das questões tecnológicas para as questões culturais. Isso inclui o objetivo de compreender a aprendizagem ao longo da vida como uma cultura e não como uma questão de formação instrumental” (cit. in Rantala e Suoranta, 2008: 102). É também para este caminho que apontam Rantala e Suoranta quando argumentam que “as relações das pessoas com os media na era digital estão necessariamente ligadas a contextos sociais e culturais” (ibidem: 96), sendo fundamental, por isso, ir além da vertente individual (aquisição individual de capacidades) e trabalhar as tecnologias como um fenómeno social e cultural, numa perspetiva de literacia digital. Embora no quotidiano das escolas a questão macro-económica e a empregabilidade possam não aparecer como prioridades imediatas, não há dúvida que estes aspectos têm sido decisivos nas políticas públicas (europeias e nacionais) para o uso das tecnologias na educação. Como observam Holloway e Valentine (2003: 30), até as escolas primárias são vistas como “locais onde as crianças são educadas como trabalhadores do futuro”.

O caso português Verificamos assim que foram elaboradas directivas europeias no sentido de aplicar a tecnologia à educação, à semelhança do que tem acontecido em muitas outras zonas do globo.

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Nos últimos anos, os dispositivos informáticos de baixo custo têm sido alvo de avanços espetaculares, passando a fazer parte da nossa vida quotidiana. Em consequência disso, vários países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, têm começado a realizar um grande investimento, quer por via de fundos públicos quer privados, em iniciativas 1: 1 na educação. Como principais objectivos desses programas estão o fomento das competências e literacias dos alunos nas tecnologias de informação e comunicação (TIC), a redução da exclusão digital entre indivíduos e grupos sociais e a melhoria das práticas educativas e dos resultados académicos. Em Portugal, numa análise muito superficial, deverá ser referido o recente caso dos computadores “Magalhães”, um projecto cujo objectivo passava por familiarizar as crianças do primeiro ciclo com computadores adaptados às suas necessidades educativas. Além de terem um preço controlado, houve ainda um programa de distribuição de equipamentos para as crianças de famílias mais carenciadas. Com a distribuição e integração de um computador adaptado às necessidades pedagógicas das crianças do 1º ciclo do ensino básico, nomeadamente através da ideia de se adoptar o computador como manual escolar com conteúdos educativos atractivos, pretendia-se promover o desenvolvimento de competências TIC por parte dos alunos, ajudando a melhorar os resultados escolares e o domínio do Inglês, Português e Matemática, como estratégia de combate ao insucesso escolar e de preparação para um mercado de trabalho qualificado. Existiu também o programa “e-escola”, para os estudantes de outros graus de ensino, que consistiu numa parceria entre o governo e as operadoras de serviços de telecomunicações e Internet, em que a troco de uma fidelização a esses serviços, a um preço controlado, podiam ser adquiridos computadores portáteis a preços mais baixos. Ainda é cedo para tirar conclusões definitivas sobre os resultados destes programas, mas alguns estudos noutros países com programas semelhantes não mostram resultados muito animadores no aumento das capacidades a matemática ou em línguas180.

O ensino em mudança: o novo posicionamento do professor e do aluno face às tecnologias A tecnologia veio reconfigurar o papel do professor e do aluno na sala de aula - e também fora dela, uma vez que o ensino não presencial se tornou uma hipótese com muitos entusiastas. É preciso ter em mente que se levantam questões sobre o valor educacional de uma abordagem ao ensino tão profundamente dependente de novos dispositivos 180

One Laptop per Child program not improving math or language test scores, according to study, disponível em http://www.theverge.com/2012/4/7/2932925/olpc-results-language-math-test-scoresidb

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tecnológicos. Se os mais cépticos chamam ao iPad um instrumento de marketing ou um brinquedo, outros, no entanto, não têm dúvidas de que as tecnologias móveis estão a conduzir a mudanças fundamentais no ensino e na aprendizagem. Os mais optimistas acreditam mesmo que a adopção de ebooks pode ainda aumentar a productividade na sala de aula181. No que diz respeito ao tipo de projectos-piloto que se descreveu acima, o testemunho de professores que participaram em programas onde se emprestam iPads aos alunos demonstram que estes não investem muito na exploração do dispositivo, uma vez que sabem que será um relacionamento de curto prazo: não perdem muito tempo a personalizá-lo, a instalar apps, entre outras potencialidades, porque sabem que no final do semestre terão de o devolver à procedência182. Alguns estudantes consideram o portátil mais útil para investigar e estudar e usam o telefone para comunicar, pelo que o iPad se torna apenas em mais um gadget tecnológico para carregar. O iPad não substitui o completamente o computador portátil: os estudantes sentem a falta do rato, de entradas USB e do teclado físico. Onde o iPad se mostrou muito útil foi enquanto dispositivo de leitura, embora alguns alunos preferissem o Kindle: cansa menos os olhos, tem menos distracções e o facto de ser mais barato foram alguns dos argumentos invocados. Demasiadas vezes os professores assumem que os alunos sabem como utilizar a tecnologia, o que nem sempre acontece. Será preciso que o professor lhes mostre quais as aplicações mais úteis para a sua disciplina, como elas funcionam e quais são os usos que eles lhes podem dar para completar as suas tarefas. O tempo dispendido nessa formação irá evitar frustrações futuras. Já o argumento da poupança (ao não se comprar livros em papel) cai por terra, isto se se pensar que muitas das aplicações necessárias para uma utilização plena de um iPad são pagas. Quem é que as pagaria no caso de empréstimos: os alunos ou a escola? Outra questão relaciona-se com a formação técnica: deve ser dada pelos professores, com o tempo e energia gastos nessa tarefa, em detrimento de estarem a formar noutras áreas da sua especialidade? Mas a questão fulcral é: qual a exacta função ou mais-valia do iPad na sala de aula? Ensinar assenta na relação dos professores com os alunos, em explorar ideias e compreender melhor o mundo. A tecnologia é uma parte disto, mas apenas uma parte. A inserção de tecnologia na aprendizagem não é pacífica e tanto existem estudos que mostram os seus benefícios como outros que levantam mais interrogações.

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Digital, Print Textbooks to Compete for College Audience, disponível em http://www.usnews.com/education/best-colleges/articles/2012/02/07/digital-print-textbooks-tocompete-for-college-audience 182 What I’ve Learned from Teaching with iPads, disponível em http://chronicle.com/blogs/profhacker/what-ive-learned-from-teaching-with iPads/37877?sid=at&utm_source=at&utm_medium=en

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Philip Schiller, vice-presidente senior da Apple para o marketing, afirmou que a educação está no DNA da empresa e o iPad pode ser um dos mais excitantes produtos para a educação da companhia. Com a aplicação dos iBooks 2, os estudantes e professores terão uma experiência muito mais interactiva e dinâmica na leitura. Neste lançamento, a Apple contou com parcerias com gigantes como a Pearson, a McGrawHill e a Houghton Mifflin Harcourt, e lançou múltiplos ebooks destinados a um público liceal. Com aproximadamente 1,5 milhões de iPads já em uso em instituições de ensino, de acordo com a própria Apple, oferecer a possibilidade de descarregar livros de texto era um avanço natural para a empresa se estabelecer dentro do mercado da educação183. Neste mercado, o preço pode realmente ser um factor diferenciador na adopção dos ebooks. Além disso, a possibilidade de carregar centenas de obras apenas num dispositivo, que se pode levar para qualquer sítio, é também uma mais-valia. A Apple também criou o iBooks Author, que permite aos professores criarem livros de texto com vídeo e importar conteúdos, o que abre “todo um lado criativo na sala de aula”, afirmou Gene Kritsky, professor no College of Mount St.Joseph, em Cincinnati. Por exemplo, as faculdades que tenham interesse em criar o seu próprio conteúdo multimédia vão ser capazes de o fazer muito rapidamente, sustentou ainda Kritsky. Mas outros professores afirmam que o iPad vem responder a um problema que ainda não existe. No caso das crianças, dada a hipótese de lerem ebooks ou livros ilustrados em papel, estas preferem ebooks, dados de um novo estudo exploratório neste campo. As crianças que lêm ebooks também retêm e compreendem tanto como quando lêem livros ilustrados mas impressos. “Se pudermos encorajar as crianças a engajarem-se com os livros através do iPad é já uma vitória”, afirmou Carly Shuler, consultor sénior para os estudos da indústria no Joan Ganz Cooney Center, onde o estudo foi levado a cabo. No entanto, os ebooks muito aprimorados, com muitas distracções, fazem com que as crianças memorizem menos detalhes. Mais estudos nesta área estão a ser produzidos, para compreender como se escolhem uns ebooks em detrimento de outros e como é que os pais e as crianças lêem ebooks juntos. De acordo com um relatório recente do NY Times, muitos pais são reticentes em ler histórias para adormecer aos filhos em iPads ou noutros dispositivos, mas não há ainda estudos conclusivos que permitam afirmar que esta opção é melhor ou pior para as crianças do que ler-lhes livros em formato impresso184. Algumas investigações mostram que programas informáticos como aplicações de smartphones ajudam a potenciar o vocabulário das crianças e a matemática. Crianças 183

Digital, Print Textbooks to Compete for College Audience, disponível em http://www.usnews.com/education/best-colleges/articles/2012/02/07/digital-print-textbooks-tocompete-for-college-audience 184 For Reading and Learning, Kids Prefer E-Books to Print Books, disponível em http://www.digitalbookworld.com/2012/parents-and-children-prefer-reading-print-books-togetherrather-than-e-books-study-finds/

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entre os 3 e os 7 anos que usam uma aplicação chamada Martha Speaks, aumentam o seu vocabulário cerca de 31% em duas semanas, de acordo com um estudo de 2010 realizado pelo PBS185. Há educadores que sustentam que a tecnologia permite personalizar os planos de ensino e oferecer tutoria online gratuita, forma de superar as lições generalizadas que não resultam com todos os alunos. Por outro lado, os especialistas em desenvolvimento infantil dizem que as crianças estão a desenvolver menor capacidade de concentração e multi-tasking demais online - hábitos que se vão tornar mais arraigados ao longo do tempo. A tecnologia está a mudar igualmente a forma como os miúdos aprendem; as ideias não são tão originais quando reunidas através de pesquisas no Google e recicladas de blogues de opinião. E os alunos, muitas vezes, negligenciam competências consideradas básicas como soletrar e escrever à mão – práticas que diminuíram em importância nos locais de trabalho, mas ainda são competências-chave para treinar o cérebro, afirmam alguns especialistas em desenvolvimento infantil186. Vários inquéritos entre estudantes mostram que a percentagem dos que acreditam que num futuro próximo o conteúdo dos ebooks será uma importante fonte de recursos para a educação e de que os e-readers serão uma plataforma usada no ensino tem vindo sempre a aumentar187. Os estudantes estão a interessar-se por livros digitais, mas também estão mais exigentes. É um mercado tremendamente dinâmico e que muda rapidamente, por isso é importante observá-lo de perto. Outro aspecto a considerar tem a ver com a utilização dos diapositivos de leitura digital dever variar consoante o grau escolar em que os alunos se encontram: ensino básico, secundário ou superior. Estes dispositivos não são usados apenas para ler livros. Os estudantes usam o dicionário, a enciclopédia, a tabela periódica, um planeador académico e outros materiais de referência. Alguns dos objectivos por detrás da adopção de ebooks e de e-readers na escola são: - aumentar o envolvimento dos estudantes com a aprendizagem; - promover a disseminação e o uso da tecnologia móvel, proporcionando acesso imediato à informação;

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Consultar PBS Kids IPod App Study, disponível em iPod_Report_ExecSum.pdf High-tech vs. no-tech: D.C. area schools take opposite approaches to education, disponível em http://www.washingtonpost.com/business/technology/high-tech-vs-no-tech-dc-area-schools-takeopposite-approaches-to-education/2012/05/12/gIQAv6YFLU_story_1.html 187 Campus Computing 2011: Big Gains in Going Mobile, disponível em http://www.campuscomputing.net/item/campus-computing-2011-big-gains-going-mobile 186

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- criação de um ambiente de ensino e aprendizagem que vá além da sala de aula tradicional188; - melhorar o pensamento crítico e criativo, através do desenvolvimento e utilização de estratégias de ensino interactivas; - deslocar alguns custos de livros didácticos, passando para livros eletrónicos mais económicos. Vejamos com mais detalhe três tendências identificadas para o futuro do ensino e da aprendizagem: - Colaboração: a web 2.0/as redes sociais podem ser usadas para partilhar informação, tirar dúvidas, anunciar eventos científicos, etc. A partilha é útil para os alunos, mas também para os professores; - Poder da tecnologia: criar novos conteúdos mediáticos, utilizar uma panóplia de recursos para ensinar de forma criativa (como usar as redes sociais, por exemplo, para ensinar literatura ou integrar os jogos de consolas no ensino da geografia, etc.); - Misturar: isto é, sobretudo misturar novas técnicas e potencialidades com as técnicas do ensino tradicional. Podemos concluir que o relacionamento dos alunos e dos professores não é estático, que eles aprendem uns com os outros. O papel dos professores está a transitar de detentores de informação para guias da aprendizagem e estes poderão encontrar maneiras diferentes de usar o tempo da aula, conjugando diversas estratégias de ensino. No entanto, apesar das suas potencialidades, muitos pais, educadores e decisores de políticas públicas entendem ainda os novos media como uma distracção da aprendizagem escolar.

O case-study do mercado académico A transição para o digital do mercado académico é, na verdade, marcada por grandes expectativas. Uma das causas prende-se com o facto de que a maior parte dos alunos que entram nas salas de aula nasceram entre 1978 e 1995. São muitas vezes designados como Millenials, Boomlets ou Geração Net. São descritos como já tendo nascido digitais, sempre ligados, consumidores, colaborativos, multi-tarefa, impacientes, focados no estilo de vida, desejando acesso aberto a tudo e com vidas muito preenchidas. 188

Neste ponto, é de referir que alunos mais tímidos podem descobrir novas formas de participar na aula através de fóruns online, por exemplo.

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Independentemente do seu estatuto económico, eles conhecem a World Wide Web, os media sociais e as tecnologias de entretenimento - os filmes, a música, os jogos como componentes consistentes e constantes da sua experiência quotidiana. Partilham electronicamente pensamentos, sentimentos e ideias com a família e os amigos, e estão familiarizados com a troca de informação instantânea e a comunicação. Estes estudantes interagem com o mundo de formas radicalmente diferentes das gerações antes deles. Neste seguimento, a acompanhar as expectativas para a digitalização iminente de materiais curriculares (livros e outros recursos), estão os pressupostos que: (a) os estudantes universitários, enquanto “nativos digitais”, vão aceitar e adoptar materiais didáticos digitais e (b) os conteúdos digitais (textos electrónicos) vão custar menos do que os tradicionais (impressos). Chegou a hora de reavaliar essas expectativas, com base em dados actuais sobre ambos: aceitação e preços. Comece-se com a aceitação. Uma pesquisa da Student Monitor189 feita no Outono de 2011 a estudantes de licenciatura norte-americanos mostra que o interesse dos alunos e a aceitação de textos electrónicos é morna, na melhor das hipóteses: - menos de um quinto dos alunos de licenciatura em tempo integral tinha comprado um eText; - menos de um terço dos alunos de licenciatura em tempo integral relatou estar "muito interessado" na compra de livros digitais para leitura pessoal (em oposição a leitura obrigatória para os seus cursos universitários); - apenas 1% dos livros didácticos utilizados por alunos de licenciatura no Outono de 2011 eram em formato digital (textos electrónicos); - entre os alunos que tiveram experiência com textos electrónicos, os principais motivos avançados para o uso de eText foram: "o meu professor pediu" que o fizesse (35%), seguido de "menos caro do que um livro tradicional" (30%); - entre os alunos que não tiveram experiência directa com textos electrónicos, dois quintos afirmaram que "não gostam de ler num ecrã por um longo período de tempo", enquanto um terço reiterou que "prefere livros impressos, tradicionais" aos textos electrónicos. Dados relevantes do inquérito nacional do Student Monitor aos licenciados na Primavera de 2011190 são as respostas às questões sobre a sua preferência, se o preço não estivesse em causa - isto é, se os livros novos, usados, alugados e digitais custassem o mesmo. Dois terços dos participantes afirmam que comprariam um livro novo, apenas 4% diz que descarregaria um livro digital e um sexto expressa uma preferência por um livro usado, o que sugere que os estudantes de licenciatura reconhecem algum valor nas notas e sublinhados feitos por outros estudantes. Em 189

http://studentmonitor.com Recalibrating Expectations for eTexts, http://www.insidehighered.com/blogs/recalibrating-expectations-etexts 190

disponível

em

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suma, estes dados mostram que apesar do seu estatuto de “nativos digitais”, os estudantes de licenciatura (ainda) não adoptaram os textos digitais. Uma explicação possível pode ter a ver com o preço: muitos livros digitais não são tão baratos quanto se esperaria. Outros estudos sobre os usos que esses estudantes fazem da web 2.0 (e aqui é relevante dizer que quase todos a usam, apenas 8% dos respondentes afirmaram o contrário), apontam que se trata de um uso mais passivo do que activo: lêem wikis mas não editam ou criam novos conteúdos, seguem blogues, mas não são bloguers activos, etc. Do ponto de vista académico, também usam muitos recursos oferecidos pela Internet mas não a usam tanto para partilhar a sua pesquisa191. Um outro estudo ainda sobre como os estudantes da Universidade de Washington integraram o Kindle nos seus hábitos de leitura oferece a primeira investigação longitudinal sobre e-readers no ensino superior. Enquanto algumas das conclusões do estudo eram já esperadas – os estudantes querem um suporte melhorado para tirar notas, verificar referências e ver figuras –, os autores também descobriram que permitir que as pessoas alternem entre estilos de leitura é um desafio que se coloca192. Poderá o uso de simulação aumentar a compreensão e o entendimento por parte dos estudantes? Irá um novo ebook oferecer a mesma ou uma melhor apresentação do material da aula? E se os professores colocarem tempo e esforço na criação dos seus próprios materiais, será o esforço respeitado e recompensado pela sua instituição, considerado como investigação, por exemplo? A adopção da tecnologia continuará a ser lenta se as universidades não conseguirem um forte argumento para a mudança e se não oferecerem incentivos para os professores que inovarem. Um estudo recente da Online Colleges193 mostra que a maioria dos estudantes universitários americanos preferem um híbrido entre a formação online e offline do que propriamente uma experiência apenas numa destas dimensões. Enquanto a maioria dos estudantes de licenciatura do Reino Unido já usa ebooks, não contam com eles enquanto fonte primária de informação. Os livros tradicionais continuam a ser o recurso-chave, pelo menos para dois terços dos estudantes. É uma das conclusões de um outro estudo que explora as fontes de informação dos estudantes no mundo digital, dos especialistas na investigação em livros da BML, da Bowker194. O estudo foi conduzido em Dezembro de 2011 e mostra diferenças significativas em relação aos dados de 2003, quando se realizou um estudo semelhante. Na verdade, 191

Researchers of Tomorrow: latest report, disponível em http://informationliteracy.blogspot.pt/2011/06/researchers-of-tomorrow-latest-report.html 192 College students use of Kindle DX points to e-readers role in academia, disponível em http://www.washington.edu/news/2011/05/02/college-students-use-of-kindle-dx-points-to-e-readersrole-in-academia/ 193 http://www.onlinecolleges.net 194 British University Students Still Crave Print, Says New BML Study, disponível em http://www.bowker.com/en-US/aboutus/press_room/2012/pr_03152012.shtml

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dá-se conta de uma variedade de alterações assim como do ritmo a que elas sucedem. Por exemplo, 88% dos alunos de licenciatura ainda usam livros impressos e manuais dos professores, uma diminuição comparando com os 95% de 2003. Mais: as revistas científicas online estão a crescer em popularidade, com cerca de 80% dos estudantes a utilizá-las, contra 66% em 2003. Explorou-se igualmente como os estudantes acedem aos materiais: 48% dos estudantes que usam livros impressos obtêm-nos sobretudo através da biblioteca. Aproximadamente metade dos que usam ebooks descarregamnos gratuitamente, com 38% a fazerem empréstimos na biblioteca. Apenas 9% os compram efectivamente. De forma algo surpreendente, num estudo da Educause195 apenas 78% dos estudantes sentem que o wifi é extremamente valioso para o seu sucesso académico, enquanto 60% dos estudantes dizem que não frequentariam uma universidade se esta não oferecesse wifi grátis. O estudo também conclui que 47% dos estudantes acreditam que a tecnologia torna os professores melhores no seu trabalho, embora 30% julge os seus docentes incapazes de colocar a tecnologia a funcionar sem a ajuda dos estudantes. No caso das revistas científicas, a digitalização tem diversas vantagens, como apoiar os processos de verificação, preparação e distribuição de conteúdos; reduzir os custos de distribuição do material publicado e apresentando os conteúdos numa larga gama de formatos. Permite ao utilizador percorrer vários elementos textuais, imagens, notas de rodapé e até, através de um hiperlink, aceder a materiais primários, tal como o autor acedeu (Furtado, 2004). Os leitores de revistas científicas têm, regra geral, fácil acesso à Internet e as literacias necessárias para aceder aos conteúdos online. A incorporação do livro electrónico nas faculdades favorece a investigação, o estudo e a aprendizagem. É um instrumento que proporciona flexibilidade, acessibilidade e imediatez; mobilidade e busca rápida de conteúdos; capacidade de redução do espaço físico das bibliotecas… Mas qual será o primeiro campus a banir completamente o livro em papel? Marc Prensky acredita que o primeiro a fazê-lo irá ficar famoso. Este autor defende também que as universidades de ciências sociais e humanidades estão mais apegadas aos livros em papel que as universidades com cursos mais tecnológicos196. Prensky aponta muitas vantagens num campus exclusivamente digital e sustenta que isso iria conduzir ao desenvolvimento tecnológico de ferramentas open-source que viriam potenciar todas as funcionalidades abertas por esta opção. No entanto, vários estudos mostram que obrigar a comunidade académica a passar definitivamente para os ebooks não é a melhor estratégia.

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Disponível em https://net.educause.edu/ir/library/pdf/ERS1208/ERS1208.pdf In the 21st-Century University, Let's Ban (Paper) Books, disponível em http://chronicle.com/article/Inthe-21st-Century/129744/?sid=cr&utm_source=cr&utm_medium=en 196

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Se é relativamente simples converter um livro de ficção para o formato electrónico, com os livros académicos a tarefa pode tornar-se mais complicada. Porquê? As respostas recaem sobretudo em três áreas: tecnologia, direitos e dinheiro. - Tecnologia: enquanto os romances normalmente consistem em prosa escorrida, que é relativamente fácil de transformar para os formatos requeridos para os diferentes ereaders, os livros académicos podem conter elementos mais complexos. Mapas, tabelas, gráficos e apêndices são ainda um desafio para os dispositivos, que devem ser capazes de reconverter os textos em várias fontes e tamanhos de letra, consoante a preferência dos utilizadores. Como toda a tecnologia, os e-readers também esbarram em desafios, como o desenvolvimento de uma bateria durável, um ecrã menos cansativo para os olhos, uma escala de cores variada e preços mais acessíveis. - Direitos: as imagens funcionam bem em e-readers, mas isso leva ao próximo problema - os autores que usam fotografias cedidas por arquivos ou museus para ilustrar o seu trabalho devem adquirir permissão para reproduzir as imagens, e os direitos electrónicos não estão automaticamente incluídos nos acordos de cedência convencionais. Académicos que tenham passado meses ou anos e gasto centenas ou milhares de dólares a obter permissões podem hesitar em pagar mais para os direitos digitais em avanço da publicação, sem saber se eles irão ou não ser usados. Mesmo quando se torna claro que uma editora quer publicar num formato electrónico, um autor pode estar relutante em gastar mais tempo e dinheiro para obter direitos adicionais. - Dinheiro: as editoras também enfrentam despesas adicionais quando decidem adicionar uma edição electrónica. Os técnicos devem converter o texto em formatos digitais – normalmente vários diferentes - e alguém deve verificar a qualidade dos resultados, muitas vezes confusos. As editoras convencionais que decidem expandir-se para os formatos digitais devem renovar os orçamentos e as atribuições de trabalho em conformidade. Embora as editoras universitárias estejam ansiosas por publicar versões digitais sempre que possível, alguns livros técnicos não são propriamente fáceis de adaptar, com muitas notas de rodapé e muitas referências bibliográficas. Mas ninguém gosta de perder uma edição por questões técnicas ou de permissões.

As questões financeiras do ensino superior Em tempos de crise, as sociedades são confrontadas com questões mais imediatas do que o custo do ensino superior, mas este não deixa de ser um aspecto a ter em conta, 394

por todas as consequências que implica. Para milhares de famílias e de estudantes este é um assunto que nunca se afasta muito do pensamento. Nos Estados Unidos, um inquérito levado a cabo em 2011 pelo U.S. Public Interest Research Group (USPIRG), a 1905 alunos de licenciatura de 13 campus, mostrou que 70% dos respondentes não comprou um livro no último ano porque considerou o preço era demasiado elevado. Nicole Allen, defensora do livro da SPIRG e diretora do Make Textbooks Affordable Project197 explica que parte do problema em tentar reduzir o custo dos livros é da natureza do mercado dos livros do ensino superior: “não é como um mercado normal, onde se algo é demasido caro, se pode ir a outro lado; aos estudantes é exigido que comprem o que o professor escolhe.” Allen afirma que as universidades dão aos professores a liberdade de escolher quais os livros a adoptar, na tentativa de fazer uma mudança sistémica para reduzir os custos. “A mudança realmente tem que acontecer ao nível da base, não há meios reais para forçar a mudança de cima para baixo", disse Allen. Os livros de acesso aberto é um modelo de publicação que alguns acreditam ser a salvação para a baixa de preços dos livros. Enquanto as raízes do movimento do livre acesso aos livros podem ser encontradas nas revistas científicas online e nos artigos com revisão de pares, a ética que corporiza a ideia de permitir que os estudantes tenham acesso legal aos textos sem terem de pagar centenas de dólares remete para os primeiros dias da Internet e do movimento de software open source. Mas ao contrário do software open source, que permite aos utilizadores fazerem alterações, o livros e revistas em acesso livre permitem apenas o acesso. Desde a sua emergência no final da primeira década do séc. XXI, os livros de acesso livre têm vindo a ganhar terreno na academia. Allen acrescenta que a SPIRG lançou uma campanha, em 2008, para que os membros da faculdade assinassem uma carta de intenções, comprometendo-se a usar textos de acesso livre nos seus cursos, quando, e se, estivessem disponíveis. A organização recebeu 3000 assinaturas de professores por todo o país. Allen afirma que a adopção de um livro de acesso livre por professor é capaz de poupar aos estudantes cerca de 80% do custo de um livro tradicional. Os estudantes são um mercado cativo, a sua procura por livros é uma constante e o preço dos livros não é elástico. Uma investigação de James Koch198 mostrou que um aumento de 10% no preço dos livros só conduz a um declínio de 2% no número de livros comprados. As dinâmicas de poder desequilibradas da indústria livro levaram Koch a referir-se a ela como um "mercado quebrado." Parte do que quebrou o mercado foi a consolidação. Nos Estados Unidos, no início dos anos 80, a indústria do livro era dominada por cerca de 30 editoras, sendo que no final 197

Make textbooks affordable, disponível em http://www.studentpirgs.org/campaigns/sp/maketextbooks-affordable 198 Koch, James (2006) An Economic Analysis of Textbook pricing and Textbook Markets, disponível em https://www2.ed.gov/about/bdscomm/list/acsfa/txtbkpres/kochpresent.pdf

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da década esse número desceu para menos de 10. Hoje há apenas quatro grandes editoras e elas detêm 80% do mercado. Para Alex Wukman, a distribuição dos livros não é mais competitiva do que a produção – 50% de todas as instituições de ensino superior têm as suas próprias livrarias. Outras, cerca de 40%, contrataram com uma de quatro empresas - Follett, Barnes and Noble, Nebraska e College Bookstores of America – para gerirem a livraria do campus199. O que acontece com determinadas bases de dados (como a Sage200) é que o leitor ou a biblioteca paga apenas pelo artigo que interessa e não se compra um número inteiro, por exemplo. Por outro lado, se o livro, periódico, ou artigo científico for acedido muitas vezes, o recebimento para a editora acontece várias vezes também. A 30 de Maio de 2012, foram apresentados no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, dois projectos de lei que pretendem baixar o custo dos livros com vista a tornar o ensino superior mais acessível aos estudantes: o primeiro consiste em permitir o acesso livre aos livros digitais dos 50 cursos universitários de top e às cópias impressas por 20 dólares americanos; o segundo supõe a criação de uma biblioteca digital de acesso livre na Califórnia. Segundo o Presidente do Senado, Darrel Steinberg, estas duas medidas são urgentes porque, em média, um estudante gasta cerca de 1000 dólares americanos por ano em livros201. A ideia parece ser acolhida com entusiasmo pelos estudantes e os projectos de lei transitaram para a Assembleia do Estado para votação final. É possível pensar numa grande variedade de modelos para resolver o problema da propriedade do ebook e do acesso: plataformas universitárias podem ser construídas dentro da comunidade para que todos tenham acesso aos ebooks adquiridos, à semelhança do que acontece com os artigos científicos. É possível ainda que as universidades tenham tamanho suficiente para fazerem consórcios na compra de ebooks de outras editoras e os possam disponibilizar em acesso livre à sua comunidade. Quando se adopta um livro escolar, ele é implementado por todo o sistema e durante um longo período de tempo. O custo de substituir livros estragados, roubados ou danificados é alto. Deste ponto de vista, o custo de um e-reader básico e textos digitais que não possam ser estragados ou perdidos pode fazer mais sentido. Se os fabricantes de e-readers não uniformizarem os seus formatos, será que no futuro veremos empresas de hardware a cortejar o sistema escolar com parcerias de livros oferecidos apenas para o seu dispositivo202?

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Wukman, Alex (2012) The cost of College: Open Access Textbooks cutting the Bookstore bill by 80%, disponível em http://www.onlinecolleges.net/2012/06/20/the-cost-of-college-open-access-textbookscutting-the-bookstore-bill-by-80/ 200 http://online.sagepub.com/ 201 California Senate passes digital textbook legislation, disponível em http://www.daily49er.com/news/california-senate-passes-digital-textbook-legislation1.2744418#.URpeix3ol3W 202 Lightening The Backpack Of Education: E-Readers And E-Textbooks, disponível em

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As editoras provavelmente vão delinear estratégias de modo a estabelecerem parcerias com um e-reader exclusivamente, se conseguirem alguma vantagem com isso, ou então disponibilizarem o seu conteúdo para ser descarregado por uma série de e-readers. Várias instituições de ensino nos Estados Unidos fizeram contratos com empresas como a Flat World Knowledge ou a Courseload, duas empresas fornecedoras de livros digitais, que oferecem descontos por volume, isto é, a universidade negoceia um preço mais baixo por um dado livro, garantindo que um determinado número será vendido. O preço do livro é então junto à taxa de matrícula ou à propina que os estudantes são obrigados a pagar para frequentar o curso203. Além dos ebooks, há cursos, inclusive superiores, feitos integralmente online. Os campus físicos e o seu prestígio estarão no top do mercado da educação superior, pelo que as instituições tradicionais mais elitistas devem sobreviver à competição disruptiva. Muitas delas estão a desenvolver os seus próprios sistemas sofisticados de educação online. O MIT, Harvard, Stanford e outras instituições de elite estão a investir milhões nas suas tecnologias de aprendizagem online há anos. As principais universidades e faculdades têm visto o potencial da conjugação entre a aprendizagem online e a presencial e estão a investir no seu desenvolvimento. Enquanto a tecnologia amadurece e o equilíbrio e a integração com a experiência de sala de aula emerge, Harvard e os seus pares provavelmente serão líderes em educação online, assim como são em instrução tradicional e bolsas de estudos. Para eles, a aprendizagem online será uma inovação de sustentação em vez de uma ruptura. Não obstante as condições económicas difíceis, acreditam que agora é o tempo de investir em inovação na aprendizagem online. Será que a maioria das universidades e faculdades tradicionais estará pronta quando a "educação online" for sinónimo de "aprendizagem de alta qualidade"204?

As editoras e os novos modelos de negócio O sector editorial tem atravessado tempos de turbulência. Para integrar a economia do conhecimento, a indústria da edição tem de enfrentar três desafios: um crescimento sustentado (articulando o reforço das posições locais com o desenvolvimento do http://seekingalpha.com/article/469151-lightening-the-backpack-of-education-e-readers-and-etextbooks 203 Fewer Students Buying Textbooks Does Not Make a Bright Future for Publishers, disponível em http://www.the-digital-reader.com/2011/12/29/fewer-students-buying-textbooks-does-not-make-abright-future-forpublishers/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+TheDigitalReader +%28The+Digital+Reader%29&utm_content=Google+Reader#.UcgXy9i2Y1I 204 Why You Should Root for College to Go Online, disponível em http://www.theatlantic.com/business/archive/2011/09/why-you-should-root-for-college-to-goonline/244834/

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negócio a uma escala global), o desafio dos media digitais e as mudanças no comportamento do consumidor (Pira, 2002). A tendência em relação ao ebook parece ser definitiva e isso explica-se por três razões: o desenvolvimento tecnológico dos dispositivos faz com que ofereçam uma experiência quase semelhante à de ler um livro físico; a penetração crescente da Internet em várias dimensões das nossas vidas está a mudar padrões de leitura e de comportamento; finalmente, os consumidores mostram-se atraídos por novos dispositivos tecnológicos, como smartphones, tablets, etc…205 A própria ideia que temos do que será um livro pode mudar drasticamente com as potencialidades que advêm do ebook: “quando tivermos um romance decomponível e interactivo, cuja fruição advirá da leitura do texto, da audição da banda sonora e da observação de imagens, não sei se poderemos ainda falar de «livros», mesmo que electrónicos. Encontramo-nos perante uma realidade completamente nova na sua concepção, na sua realização e na sua fruição. E que nessa medida implica autores e editores com capacidades inéditas, entre a edição de livros, a realização televisiva ou cinematográfica e a produção musical” (Laterza, 2001). Os editores podem deixar de ser apenas os “fornecedores de livros físicos”, devem afirmar-se como produtores de conteúdos multimédia, que podem passar por jogos, vídeos, áudio, ou seja, ir ao encontro de múltiplos formatos e múltiplas plataformas. “Eu penso que, eventualmente, as grandes editoras vão ter de mudar a forma como fazem negócio. E os livros de acesso livre podem ser uma das ferramentas para o fazer. Pode levar à morte de uma dessas editoras, mas vai ter de mudar”, afirmou Thomas Buus Madsen, diretor de operações da BookBoon em Londres, uma editora de livros didáticos de acesso aberto. No mundo dos livros de acesso aberto, a BookBoon é uma raridade. A empresa é uma entidade comercial num campo dominado por entidades não-lucrativas, e mesmo entre as comerciais lucrativas, o seu modelo de negócio - anúncios gratuitos em livros didácticos – constitui uma novidade. Para alguns, a frase “livros pagos por anúncios” faz pensar em anúncios da Coca-Cola em livros de cálculo – o que seria uma afronta para séculos de tradição académica. Hoje em dia, os textos da BookBoon foram adoptados por professores em 500 universidades nos Estados Unidos e Canadá – incluindo a UC Berkeley, a Universidade de Georgetown, a Universidade de Nova Iorque, a Universidade de Columbia e a Universidade de Cornell – e mais de 1500 universidades no norte da Europa. De qualquer forma, o maior interesse nos textos grátis para download da BookBoon vem dos países em desenvolvimento. Buss Madsen explicou que mais de 50% dos 10 milhões de downloads acontece em países como a Índia ou a África do Sul, o que pode colocar problemas no que diz respeito a vender publicidade. Ele explicitou que, enquanto a empresa faz vendas de publicidade limitadas em mercados emergentes, o 205

Turning the Page The Future of Ebooks, disponível em http://www.pwc.com/en_GX/gx/entertainment-media/pdf/eBooks-Trends-Developments.pdf

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foco primário da BookBoon são os mercados desenvolvidos da América do Norte e do norte da Europa. Como outros editores em acesso aberto, Buss Madsen não tem ilusões que alguns membros do corpo docente e administradores de escolas se opõem à ideia de acesso aberto. “Nós não esperamos que todos gostem de nós de um dia para o outro. Temos esperança que os estudantes gostem do que nós fazemos e o melhorem”, afirmou Buss Madsen. “E nós seremos capazes de aumentar a nossa taxa de penetração”. Enquanto a taxa de penetração da BookBoon é impressionante para uma empresa que só está no mercado desde 2005, ainda fica atrás da líder nesta área, a Flat World Knowledge. De acordo com o CEO da Flat World, Jeff Shelstad, os livros em acesso aberto da empresa iriam ser usados em 3500 salas de aula em 44 países no Outono de 2012. Parte do sucesso da Flat World vem do facto de oferecer uma abordagem única ao texto. Os livros disponibilizados por esta empresa são comparáveis em qualidade aos livros oferecidos pelas editoras tradicionais. E os professores que adoptam livros da Flat World têm a possibilidade de interagir com o texto de forma completamente diferente. Como os textos da Flat World vêm com a licença aberta, os professores podem fazer alterações após o descarregarem. “Eles podem acrescentar conteúdo de que eles possuam os direitos e podem reordenar as secções do livro”, afirma Shelstad. Parte da licença aberta obriga a que os professores que façam alterações ao texto (o que dá origem àquilo que a Flat World gosta de chamar um “derivativo”) carreguem esse novo texto para o catálogo da editora. O novo texto derivativo é depois oferecido junto com o texto original. Por aceitar a interactividade, oferecendo a atribuição e protegendo a autoria do texto original, a Flat World encontrou uma maneira de ir para além do modelo wiki de criação de conteúdos. Como a BookBoon, a Flat World também oferece textos grátis aos estudantes. No entanto, a Flat World gera lucros tanto por vender livros digitais como impressos, além de facultar um código de acesso que permite aos estudantes interagir com o texto. Enquanto os códigos de acesso digitais são muito comuns na academia, o preço de 34.95 dólares americanos e a falta de gerenciamento de direitos digitais (os DRM) não são. A palavra-passe de acesso livre da Flat World equipa os alunos com um leitor de livros online, a possibilidade de descarregar um livro para um terceiro dispositivo móvel, como um Kindle ou um Nook, ou uma versão em PDF imprimível do livro. Apesar de a Flat World não usar gerenciamento de direitos digitais, Shelstad compreende porque é que há quem use: “a noção de que eu, um estudante, seja capaz de comprar um ficheiro e partilhar com 100 dos meus amigos aterroriza os editores tradicionais. Nós dizemos que a partilha de ficheiros é parte do que fazemos”, afirma Shelstad.

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Buus Madsen mantém que a BookBoon, que também não tem DRM, não foi afectada por isso: “há apenas alguns dos nossos títulos que foram partilhados online e isso, provavelmente, porque é muito fácil descarregá-los”. A necessidade de salvaguardar os direitos de autor num ambiente tão aberto como o digital levou a que, no final dos anos 90, se desenvolvessem sistemas de protecção de conteúdos, entre os quais se encontram os DRM, concebidos para evitar o acesso de utilizadores não autorizados à obra literária protegida. Algumas das características dos DRM: - aplicam-se a conteúdos intelectuais ou criativos em formato digital; - estabelecem quem acede às obras e sob que condições; - autorizam ou negam o acesso à obra ou a algumas das suas funções; - o servidor estabelece as condições de acesso; - reduzem as possibilidades de proliferação de cópias ilegais. Apesar desse controlo sobre a obra, os DRM têm gerado problemas como: - os seus mecanismos dispõem de uma codificação distinta consoante a empresa que os concebe, dos quais resulta uma incompatibilidade entre formatos; - as condições estabelecidas pelos DRM podem estar a ultrapassar a legalidade, já que restringem alguns usos legais e razoáveis que são possíveis com os livros em formato físico, como o empréstimo entre amigos; - não são sistemas 100% seguros e podem ser quebrados através da pirataria informática. Os DRM podem variar. Desde limitar o tempo a que os estudantes têm acesso a um ficheiro de texto – tipicamente por cerca de 180 dias –, a exigir que os estudantes acedam ao conteúdo através de aplicação encriptada no motor de busca ou permitir apenas que imprimam um certo número de páginas de cada vez. Há quem acredite que os esforços anti-pirataria acabam por frustrar os alunos: “o problema é que, na tentativa de evitar que o conteúdo seja partilhado ou pirateado, os editores estão a fazer com que algumas funcionalidades não estejam disponíveis e que o conteúdo se torne menos útil para os estudantes”206. Contudo, o aspecto mais controverso no uso dos DRM é a salvaguarda da intimidade do utilizador, já que implicam a necessidade de identificação para se poder rastrear os usos que se fazem da cópia. Além disso, choca com as condições estabelecidas pelos editores que excluem, através de licenças ou dos DRM, que o livro possa ser objecto de 206

The Cost of Collge: Open access textbooks cutting the bookstore bill by 80%, disponível em http://www.onlinecolleges.net/2012/06/20/the-cost-of-college-open-access-textbooks-cutting-thebookstore-bill-by-80/

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serviço de empréstimo interbibliotecário. Neste sentido, é necessário articular um sistema que permita um uso pleno em todas as bibliotecas, bem como a livre circulação de empréstimos entre elas207. Apesar de nos últimos anos se terem produzido grandes avanços, encontramo-nos perante um panorama técnico e legal complicado, onde o livro electrónico representa um sector incipiente, cujo futuro levanta algumas incertezas, com vários problemas por resolver e que podem ser resumidos da seguinte forma: em primeiro lugar, quanto à incompatibilidade entre formatos - na realidade, são muitos os que vivem a dificultar a migração e o intercâmbio de informação entre os dispositivos e os utilizadores. É necessário encontrar um modelo que satisfaça todas as partes, no qual as bibliotecas possam estabelecer acordos justos com as editoras, para que possam oferecer conteúdo de forma rápida, fácil e sem restrições de uso ou consulta para o utilizador; em segundo lugar, o desenvolvimento dos DRM, nos quais não fica claro quais são os direitos dos utilizadores sobre as obras e onde podem ser violados tanto o direito a ler e o livre acesso à cultura, como o seu direito à intimidade, na medida em que os DRM permitem que um terceiro conheça tudo o que lemos, podendo controlar e inclusivamente impedir que o façamos. A solução pode estar nos chamados DRM sociais ou Fingerprinting, no qual se estabelece uma chave numérica associada ao nome e ao cartão de crédito do comprador, que permitirá, a qualquer momento, o acesso aos conteúdos desde suportes distintos, o empréstimo dos livros e assegurar uma continuidade no tempo, ainda que se mude de formato ou que a tecnologia dos e-readers evolua208. Na transição para o digital, vejamos o que foi entendido pela indústria como um ponto de viragem: “desde 1 de Abril, a Amazon vendeu 105 livros para o seu e-reader, o Kindle, por cada 100 livros impressos, incluindo livros sem versão para o Kindle e excluindo ebooks grátis. Nós tinhamos grandes expectativas que isto acontecesse eventualmente, mas nunca imaginámos que pudesse acontecer tão rapidamente” disse Jeff Bezos, chefe executivo da Amazon num comunicado. E acrescentou: “nós estamos a vender livros impressos há 15 anos e livros para o Kindle há menos de quatro anos”. A empresa afirma que, em Julho de 2010, as vendas de ebooks ultrapassaram os livros de capa dura e em Janeiro de 2011 o mesmo era verdade no que diz respeito os livros 207

Um exemplo claro de uma ligeira, se bem que francamente pouco prática, abertura a esse tipo de empréstimo teve lugar quando a editora Harper Collins estabeleceu um máximo de 26 empréstimos para os seus livros presentes nas bibliotecas. Uma vez alcançado esse número, a licença caduca e as bibliotecas devem adquirir outro exemplar, o que pode elevar os custos das aquisições documentais, já que algumas bibliotecas alegam que com esta limitação o empréstimo vai durar um ano ou um ano e meio para os títulos mais populares, uma vez que os períodos de empréstimo comuns são de duas a três semanas. 208 El e-book. Implicaciones jurídicas para las Universidades de un nuevo modelo de aprendizaje, disponível em http://www.bcongresos.com/congresos/gestor/ckfinder/userfiles/files/SAJGU/Bloque%20IV/El%20eboo k%20en%20las%20Universidades.pdf

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de bolso. Para a Amazon, esta marca é a prova de que saltou com sucesso de um negócio de impressão para um digital, uma transição que tem desafiado a maioria das empresas que vendem media. O número da Amazon não foi surpreendente para os observadores da indústria. A Amazon dá o crédito pelo aumento das vendas de ebooks, em parte, ao seu novo Kindle, mais barato, que se tornou no Kindle mais vendido da loja. Mesmo se, no panorama geral, os ebooks não venderem mais que os livros impressos fora da Amazon, a loja online é certamente um indicador de uma tendência. As vendas de ebooks em Março de 2011 foram de 69 milhões de dólares, um aumento de 146% em relação ao ano anterior, disse a Association of American Publishers. As vendas de livros de capa dura para adultos cresceram 6%, enquanto as vendas de livros de bolso diminuiram quase 8%. Os ebooks tornaram-se muito mais acessíveis para os consumidores a partir de 2010. Muitos editores estão rapidamente a digitalizar os seus catálogos, tornando títulos antigos disponíveis em ebooks pela primeira vez. Mesmo pequenas editoras independentes que estavam a resistir à venda de ebooks mudaram a sua posição e decobriram uma nova maneira de vender os seus antigos livros – tradicionalmente, uma larga fatia dos lucros de muitos editores. Ainda assim, David Shanks, o chefe executivo do grupo Penguin USA, advertiu que o anúncio da Amazon pode ser enganador: “há muitos, muitos lugares no país que vendem apenas livros físicos e não ebooks”, afirmou, acrescentando que ainda há uma grande procura de livros impressos nas livrarias, e no Wal-Mart, Target, lojas de aeroporto e supermercados, entre outros espaços de retalho. Internacionalmente, há diferenças consideráveis no que diz respeito aos ebooks que estão disponíveis. Os Estados Unidos são os pioneiros neste campo: quando lançaram o Kindle, a Amazon oferecia 90000 ebooks para venda, incluindo 102 dos 112 bestsellers do The New York Times. De acordo com a própria informação da Amazon, em 2011 a empresa dispunha de mais de 725000 títulos. E há mais de 1,8 milhões de ebooks livres no domínio público que podem ser descarregados da Amazon. Além disso, a Amazon oferecia, à data, 132 jornais e 40 periódicos para subscrever ou comprar edições individuais. A maior livraria do mundo, a Barnes & Noble, tem mais de 1,2 milhões de ebooks. Por outro lado, os editores europeus têm sido mais conservadores na sua abordagem ao digital. Mas os editores não são necessariamente os responsáveis pela confusa passagem para o digital em alguns países. Em muitos casos, os editores só têm os direitos para o conteúdo impresso ou áudio. Para possibilitar a distribuição de ebooks, mais negociações têm de ser levadas a cabo com os autores. Este é um processo muitas vezes caro e que consome tempo. O preço dos ebooks varia muito conforme os países, devido aos impostos e aos acordos de fixação de preços. Muitos países da União Europeia, como é o caso de

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Portugal209, têm acordos de fixação de preço e nesses países as livrarias têm de seguir as políticas de preço das editoras. Há casos em que essas políticas se aplicam apenas durante o primeiro ano após a publicação, no caso dos livros impressos. No Reino Unido as recomendações de preços no retalho foram abolidas em 1995 e nos Estados Unidos tal não existe porque contraria a lei da concorrência. A introdução do Kindle, no final de 2007, com a maioria dos títulos a 9.99 dólares americanos gerou um rápido reconhecimento por parte dos clientes da Amazon de que os ebooks eram vendidos com um desconto significativo em relação à capa dura ou aos livros de bolso. Ao estabelecer esse preço, a Amazon inicialmente tinha prejuízo e gerou instabilidade entre os editores. E estes, ao invés de investirem em novos livros, optaram por canibalizar as obras que tinham em formato tradicional210. Em 2009, o iPad representou uma oportunidade para os editores estabelecerem uma nova estratégia de preços, uma que mudasse o poder de decisão do retalhista para o editor. Muitas grandes editoras trabalharam com a Apple para encontrarem um modelo para a loja de iBooks. O novo modelo não estava preso a nenhuma política específica, os editores decidiam os seus preços individualmente, e a Apple ficava com uma margem de 30%. Com os editores a ganharem maior poder, os leitores rapidamente viram preços mais altos em muitos títulos. Consequentemente, os preços dos ebooks despoletaram o escrutínio no mercado americano e o Departamento de Justiça também mostrou um interesse prioritário no sector emergente dos ebooks, com principal enfoque nas grandes empresas de tecnologia. Este caso gerou mesmo um processo211, em que a Apple foi acusada de ter combinado com cinco das maiores editoras americanas subir os preços dos livros electrónicos, como forma de contrariar os baixos preços da Amazon. As editoras envolvidas no caso (a Macmillan, a Penguin, a Hachette Book Group, a Simon & Schuster e a HarperCollins) terão participado no arranjo, mas não chegaram a ser julgadas, tendo conseguido um acordo com o governo americano que, no conjunto, atingiu os 164 milhões de dólares. A transformação digital cria novas oportunidades e novas responsabilidades para os editores. Como resultado das barreiras para entrar no mercado digital serem comparativamente baixas, todos os players na cadeia de valor vão continuar a expandir as suas operações em direcção à Internet – começando pelos autores (marketing pessoal), as editoras (distribuição própria), os intermediários (directamente, via plataformas próprias, ou indirectamente, através de plataformas para livrarias) e as próprias livrarias (que criarão lojas online). Além disso, o mercado 209

Legislação Preço Fixo do Livro – Portugal, disponível em http://www.apel.pt/pageview.aspx?pageid=79 210 Turning the Page The Future of Ebooks, disponível em http://www.pwc.com/en_GX/gx/entertainment-media/pdf/eBooks-Trends-Developments.pdf 211 Apple e editoras acusadas nos EUA por combinarem preços de livros electrónicos, disponível em http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/apple-e-editoras-acusadas-nos-eua-por-combinarem-precosde-livros-electronicos-1541713

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tornar-se-á ainda mais aguerrido com a entrada de empresas como a Amazon, a Apple e a Google, que também o impulsionam com os seus próprios dispositivos. Além do normal desenvolvimento dos preços nos ciclos tecnológicos, a competição imposta pelos tablets contribuiu para baixar ainda mais os preços dos e-readers. Os efeitos deste desenvolvimento são evidentes nos Estados Unidos: a Barnes & Noble investiu tanto em vendas de hardware como de ebooks com o Nook. Entretanto, o Kindle transformou a Amazon de uma loja online para um criador de hardware e software e um fornecedor de conteúdo online. A Sony, que anteriormente se focou apenas em vender e-readers, já criou uma loja electrónica de livros. Estes três exemplos mostram como estas empresas estão a ir além das suas linhas tradicionais de negócio e se estão a redefinir no ambiente dos e-readers e ebooks. Funções de intermediação, como as do transporte ou do armazenamento, tendem a tornar-se cada vez menos relevantes no ambiente digital, mas outras funções emergem, com novos serviços que podem ser oferecidos por intermediários, como a criação de uma plataforma de venda directa, gestão de pagamentos, alojamento de documentos ou apoio à conversão para o sistema digital. O desenvolvimento da cadeia de valor digital está a ser conduzido primariamente pela mudança no sentido do negócio com o consumidor final e vendas directas. A impressão de muitas cópias e o seu armazenamento tem custos. É muito provável que o futuro passe mais por produção e armazenamento digital, actualizações constantes e impressões a pedido. A Internet e as livrarias online vão tornar-se canais de distribuição-chave e é provável que agreguem mais tarefas. Além de terem os conteúdos dos editores, as livrarias online também vão ter o papel tradicional das livrarias físicas, como oferecer aconselhamento e serviço ao cliente. Estes vão ganhar importância com as reviews online. Uma possibilidade de negócio pode ser vender capítulos individualmente ou conteúdo adicional num ebook, à semelhança do que acontece como os extras nos dvds. Além disso, autores conhecidos podem assumir a distribuição dos seus livros, como fez Paulo Coelho ou Stephen King. A vantagem é óbvia: além dos direitos de autor, recebem o lucro directo da venda. Um obstáculo é que não podem aceder aos serviços de edição, marketing e distribuição, mas podem licenciar directamente os seus livros às livrarias online. Este modelo de marketing pessoal só conseguirá vendas significativas com autores que já sejam bem conhecidos do público, e para os autores se tornarem conhecidos normalmente precisam dos serviços de uma editora. Apesar de a Amazon dominar as vendas de ebooks até ao momento, o mercado ainda está a evoluir. A Amazon não desvendeu os números de livros vendidos e quanto dos seus lucros se deve a livros impressos ou ebooks, mas há editores que acreditam que a parcela de mercado da Amazon tem decaído nos últimos dois anos, enquanto a Barnes & Noble conseguiu ganhos com o seu dispositivo Nook e com as empresas de tecnologia, como a Apple e a Google, também a apostar neste mercado212. 212

E-Books Outsell Print Books at Amazon, disponível em

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À semelhança de outros bens informacionais, a produção de um livro original é cara, mas a sua reprodução nem tanto, ou seja, a preparação de um bem informativo envolve elevados custos fixos, mas baixos custos marginais. No caso do digital, estes custos marginais são ainda mais diminutos. A Overdrive lançou o seu primeiro relatório com grandes dados na Feira do Livro de Londres de 2012, com um apanhado do tráfego de Março da plataforma de ebooks. Apenas nesse mês, mais de 5 milhões de visitantes visualizaram 146 milhões de páginas. Os visitantes do catálogo da OverDrive geraram mais de 630 milhões de descarregamentos de ebooks, dos quais os 30 títulos no top receberam mais de 21 milhões de visualizações. Os ebooks que tiveram mais de um milhão de visualizações cada são Explosive Eighteen, The Help, The Litigators, e não surpreendentemente The Hunger Games. As colecções The Girl with the Dragon Tattoo, Game of Thrones e Harry Potter também aparecem entre os mais vistos. O top dos audiobooks inclui The Hunger Games, Catching Fire e Mockingjay. Os comics são um género com características particulares: os livros tradicionais, por serem impressos na totalidade a cores, terem muitas vezes capa dura e devido ao tipo de papel que necessitam, fazem com que o preço final do livro físico seja bastante elevado. Aqui encontramos algumas semelhanças com os livros infantis, se bem que as novelas gráficas são, habitualmente, volumes maiores. Ao mesmo tempo, os comics têm também leitores que frequentemente revelam um relacionamento de coleccionador com os álbuns, mas onde o preço pode ser uma variável decisiva. Se ao invés de ter uma colecção física limitada, o leitor puder ter uma grande colecção de álbuns digitais no seu e-reader, onde recairá a escolha? A este propóstio, a DC Comics deixou recentemente de ter as suas novelas gráficas digitais exclusivamente na Amazon. Também começou a oferecer cópias digitais dos seus comics mensais para o Kindle, o Nook e para a loja iBook. A Marvel expandiu o foco do seu programa para incluir o Kindle e a loja iBook. Mas enquanto a disponibilidade cresce, há inconsistência sobre que títulos estão disponíveis e para que plataforma213. Para os editores, é importante estabelecer uma presença com conteúdo em várias plataformas: em livrarias físicas, online e em aplicações. Livros particulares, como os de culinária ou os guias de viagem, podem ser disponibilizados como aplicações ou ebooks com características interactivas, actualizações online ou subscrições. Uma atitude mais aberta por parte dos editores pode ser o impulso necessário para salvar o negócio, que pode passar por pacotes de produtos, com a obra impressa e em ebook, por exemplo – se bem que para um grupo relativamente pequeno de leitores, que já leia no e-reader mas queira continuar a possuir o objecto livro.

http://www.nytimes.com/2011/05/20/technology/20amazon.html, consultado a 7 de Março de 2013. Digital Comics Are Getting Cheaper, disponível em http://www.publishersweekly.com/pw/bytopic/industry-news/comics/article/55738-digital-comics-are-gettingcheaper.html?et_mid=601517&rid=234933236 213

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As editoras podem optar por ser elas próprias a distribuir os seus conteúdos através de plataformas próprias (o grupo Bertelsmann e o grupo de editores Holtzbrinck fizeram uma joint-venture para distribuirem ebooks na Alemanha). O que é que as lojas internacionais oferecem aos clientes? Vejamos o caso da Amazon. Os ebooks estão disponíveis não apenas para o Kindle mas também para quase qualquer tipo de gadget (computador, smartphone, tablet…). Estas aplicações podem sincronizar-se com a conta do Kindle e assim, quando o leitor abre o livro noutro aparelho, poderá continuar exactamente onde tinha parado, com as suas notas, sublinhados, etc., a manterem-se em todos os dispositivos. A Barnes & Noble teve sucesso a aumentar a sua cota de mercado de ebooks enquanto a sua cota de mercado tradicional encolhia. Como possui uma rede de livrarias, tem uma vantagem sobre a Amazon: os clientes nos Estados Unidos podem visitar as suas lojas e experimentar o Nook. Quem tiver um Nook poderá aceder em qualquer Barnes & Noble a wi-fi grátis, descarregar conteúdos gratuitos ou receber outras promoções na loja. A Amazon não tem lojas físicas e só recentemente começou a vender o Kindle através de outros retalhistas, à semelhança do que já fazia a Barnes & Noble com o Nook. Os lucros das vendas digitais da Barnes & Noble têm aumentado consideravelmente e pode ser considerada um estudo de caso para estratégias de outras empresas com ebooks e e-readers. Em Portugal, a Fnac vende ebooks online, bem como a Wook (livraria online do grupo Porto Editora) e a livraria online do grupo Leya. O Google começou também recentemente a vender livros em Portugal, através da sua loja Google Books214. As lojas online nacionais precisam de convencer os clientes do valor do seu serviço, oferecendo uma grande variedade de produtos, serviços intuitivos e características como reviews e social networking. Tal como acontece com as lojas de livros físicas, as lojas online devem explorar todas as potencialidades de produtos integrados com o leitor que adoptarem. E não têm de entrar no mercado do hardware para o fazerem, podem recorrer a parcerias com outros fabricantes. Também poderão desenvolver aplicações para que os clientes possam comprar a partir dos seus smartphones ou tablets. Estes esforços contribuem para aumentar a fidelização de clientes, a interacção e o potencial lucro. A população de leitores de ebooks está a crescer. No ano passado, o número dos que lêem ebooks aumentou de 16% dos americanos com mais de 16 anos para 23%. Ao mesmo tempo, o número dos que leram livros impressos nos 12 meses anteriores caiu de 72% para 67%215.

214

Google começou a vender livros em Portugal, disponível em http://p3.publico.pt/cultura/livros/8436/google-comecou-vender-livros-em-portugal 215 E-book Reading Jumps; Print Book Reading Declines, disponível http://libraries.pewinternet.org/2012/12/27/e-book-reading-jumps-print-book-reading-declines/

em

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No geral, o número de leitores no final de 2012 era de 75% da população americana com idade igual ou superior a 16 anos, um pequeno decréscimo em relação aos 78% do final de 2011. O movimento em direcção à leitura de ebooks coincide com um aumento na propriedade de dispositivos de leitura. Veja-se a evolução: a percentagem de adultos, nos Estados Unidos, que possuem um leitor de ebook dobrou para 12% em maio de 2011, em relação aos 6% em novembro de 2010. Esta foi a primeira vez, desde que o Pew Internet Project começou a medir o uso de e-readers (em Abril de 2009), em que a propriedade deste dispositivo atingiu os dois dígitos entre os adultos norte-americanos216. Dados de 2012 mostravam que 18% da população americana já possuía um e-reader, sendo a mesma percentagem da que possuía tablets217. Há ainda uma percentagem significativa de possuidores de ambos os dispositivos. Ao desagregar pelos níveis de escolaridade, verifica-se que tanto num caso como noutro, a frequência mais comum é entre pessoas com licenciatura ou grau superior, e o intervalo etário com maior número de ocorrências é entre os 30-39 (estamos a falar de população adulta, com mais de 18 anos). De acordo com os dados de 2013 do Pew Research Center, já 31% da população adulta americana tem um tablet e 26% um e-reader.

216

e-Reader ownership surges since last November; tablet ownership grows more slowly, disponível em http://pewinternet.org/Reports/2011/E-readers-and-tablets/Report.aspx e consultado a 8 de Maio de 2013. 217 A Closer Look at Gadget Ownership, em http://pewinternet.org/Infographics/2012/A-Closer-Look-at-Gadget-Ownership.aspx

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De acordo com estudos da PWC e da Internacional Publishers Association, a maioria dos países tem IVA reduzido nos livros impressos. Por outro lado, nos livros electrónicos são muitos os países onde não é aplicado o imposto reduzido, incluindo na Europa. Em Maio de 2009, a Comissão Europeia alterou a directiva 2006/112/EU, para produtos com IVA reduzido, o que permite aos estados membros aplicar a redução a livos electrónicos, jornais e periódicos. No entanto, a iniciativa falhou o alvo, limitando esta redução a suportes físicos, como os audiobooks ou livros digitais no formato de CD ou CD-ROM. Mais recentemente, a Comissão Europeia sublinhou que em 2015 vão entrar em vigor novas regras a nível da aplicação do IVA na União Europeia e aí deverá acabar a discrepância de impostos entre os livros impressos e os ebooks. Em Portugal, a taxa normal de IVA é de 23% (esta é aplicada nos livros digitais) e a taxa reduzida é de 6% - que é aplicada nos livros em papel. A razão para a diferença na taxação é que o ebook é considerado tecnologia e não um bem cultural. Muitas vozes críticas se levantam, dizendo que o livro é mais do que um bem e que o seu valor cultural é o mesmo, independentemente do formato, pelo que esta discriminação não é justificável.

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Bibliotecas públicas e escolares: desafios e mais desafios A Internet já teve um grande impacto na forma como as pessoas encontram e acedem à informação, e agora a popularidade crescente dos ebooks está a ajudar a transformar os hábitos de leitura. Neste horizonte de mudança, as bibliotecas públicas estão a tentar ajustar os seus serviços às novas realidades, enquanto continuam a servir as necessidades dos clientes que confiam em recursos mais tradicionais. Tem havido muita controvérsia sobre o empréstimo de ebooks nas bibliotecas. O preço, as políticas de empréstimo, a gestão dos direitos digitais e o relacionamento entre distribuidores e vendedores são tudo questões em cima da mesa. No entanto, os gastos das bibliotecas com ebooks tendem a aumentar, o que já tem vindo a acontecer nos últimos anos. Os editores ainda não desenvolveram um modelo de negócio apropriado para definir preços e distribuir ebooks que englobe satisfatoriamente as bibliotecas. Enquanto as editoras e os livreiros vêm os livros como um bem, os bibliotecários vêem-nos como um serviço. Antes de uma escola ou uma biblioteca tomar uma decisão em relação aos ebooks deve auscultar a comunidade sobre as suas necessidades: os seus utilizadores estão a perguntar por ebooks? Se estão, qual é o tipo de conteúdo que eles procuram: bestsellers, ficção, livros infantis, livros técnicos ou, quem sabe, literatura clássica? E qual o tipo de dispositivos que eles usam – Kindles, Nooks, iPads, smartphones ou computadores pessoais? Estas informações devem guiar as decisões sobre os conteúdos e os formatos a escolher, assim como mantém a comunidade envolvida na formação da colecção digital. Os e-readers não apenas têm recursos diferentes (preto e branco versus cores, ecrãs tácteis versus teclados) mas as suas lojas oferecem selecções diferentes. Esta escolha é para já uma questão decisiva no tipo de catálogo que se pretende construir218. Para as bibliotecas com orçamentos limitados (não o serão todas?) encontrar conteúdos grátis é essencial. As más notícias é que não são os títulos na lista de bestsellers do New York Times. Apesar disso, há centenas de fontes de ebooks grátis disponíveis online. As bibliotecas têm de verificar se não estarão a descarregar conteúdo pirateado, que é frequentemente encontrado nos grandes sites de partilha peer-to-peer. Mas, ainda assim, o principal problema das bibliotecas são mesmo os DRM, segundo o bibliotecário Buffy Hamilton, autor do blogue Unquiet Librarian219. São eles que não permitem que o conteúdo seja partilhado entre dispositivos. Frequentemente, isso

218

School Libraries Struggle with E-Book Loans, disponível em http://www.pbs.org/mediashift/2011/09/school-libraries-struggle-with-e-bookloans269?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%253A+pbs%252Fmedias hift-blog+%2528mediashift-blog%2529&utm_content=Google+Reader 219 http://theunquietlibrarian.wordpress.com/

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significa que crianças e jovens não podem trazer os seus próprios dispositivos de casa para as requisições na biblioteca. Mais do que pensar-se em novas regras de propriedade, pode pensar-se mais profundamente no modelo de subscrições e os bibliotecários já estão familiarizados com este modelo no que diz respeito ao acesso a revistas, jornais ou bases de dados. O foco do problema aqui será que os e-readers e os ebooks foram concebidos com a tecnologia do consumidor em mente. Um e-reader próprio onde cada um compra os ebooks que quer ler no seu dispositivo. Não pode partilhar os dispositivos e os livros220. Não é um sistema desenhado para bibliotecas. E não é de certeza um sistema desenhado para bibliotecas escolares. Mesmo assim, os bibliotecários continuam a tentar que estes dispositivos funcionem nas suas bibliotecas. E eles fazem-no porque as crianças e os jovens gostam deles. Os seus utilizadores procuram ebooks e os livreiros querem satisfazer esses pedidos. É possível colocar algumas questões práticas que hoje já são uma realidade para editoras de publicações digitais no seu relacionamento com as bibliotecas. A primeira delas é a solicitação do acervo perpétuo. Para as bibliotecas trata-se de uma premissa simples, já que o exemplar físico de uma publicação fará sempre parte do seu acervo, salvo a normal deterioração pelo tempo. No entanto, é necessário observar que no caso de uma plataforma própria de uma editora, a “manutenção” daquele acervo é responsabilidade da empresa, não da biblioteca. Então como garantir essa manutenção sem um prazo para terminar? Um exemplo para clarificar a situação: uma biblioteca assina uma revista por 12 meses e recebe mensalmente 12 edições. No ano seguinte não renova mais aquela assinatura e, portanto, não receberá mais novas edições. Porém, ela quer continuar a aceder às 12 edições do ano anterior. Para oferecer isso, a editora deve manter uma equipa responsável pela plataforma, investimento em servidores, etc. É diferente de um livro ou volume físico em que a manutenção é responsabilidade da biblioteca. Se ele se rasgar, se for roubado, a editora não tem que fornecer outro. É uma situação que precisa pois de ser bem estudada pelo mercado e requer atenção por parte das editoras. Na maioria das bibliotecas norte-americanas, a par dos livros tradicionais os utilizadores também podem descarregar livros electrónicos. Com a migração da leitura para as plataformas digitais, os livros em papel tendem a perder cada vez mais adeptos, o que não significa que as pessoas deixem de frequentar bibliotecas. Com esta ideia em mente, um americano criou a BiblioTech, a primeira biblioteca pública dos Estados Unidos sem um único livro em papel. Foi na leitura de um livro em papel – a biografia de Steve Jobs – que Nelson Wolff, um juiz do condado de Bexar, na cidade de San Antonio, no Texas, encontrou inspiração para um projecto inovador: a BiblioTech. Mas Wolff, que é um amante assumido de 220

O Nook e o Kindle permitem emprestar um livro, mas apenas uma vez, por um período de duas semanas.

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livros e tem uma colecção invejável de primeiras edições, ainda assim, não quis passar à margem da nova tendência de leitura, os livros digitais221. Um relatório de Dezembro de 2012 do Pew Research Center mostra que os utilizadores não sabem como usar plenamente os serviços de ebook das bibliotecas públicas. Algumas das outras conclusões desse relatório mostram que as bibliotecas universitárias são o tipo de biblioteca que mais renova os seus contratos para ebooks, somente cerca de 7% das bibliotecas da amostra fizeram vídeos para explicar às pessoas as potencialidades dos ebooks e apenas cerca de 30% tomaram medidas para integrar os ebooks nas pesquisas222. Entre as principais vantagens encontradas no digital podemos citar aquelas próprias da natureza das bibliotecas, como as advindas das próprias tecnologias da comunicação e da informação. Entre elas: a) A preservação dos conteúdos: os conteúdos digitais possuem a propriedade da durabilidade, isto é, não havendo falha de sistema ou factores externos (formatação, apagamento inoportuno, ataque hacker), os dados armazenados não deverão ser perdidos. Daí a grande vantagem dos livros e documentos digitalizados não serem corroídos por traças. A digitalização possibilita o armazenamento de centenas, milhares de textos, evitando a perda de informação e a preservação aqueles documentos que, mesmo com a acção humana, não podem ser conservados ou recuperados; b) A facilidade de pesquisa: com a digitalização dos documentos, actualmente é possível pesquisar através de diversos mecanismos de busca de texto ou através de palavras-chave. Um bom exemplo disso são os motores de busca. E ainda segundo Singh (2003), a pesquisa, sobretudo aquela com filtros, resolve o problema da abundância de dados até nas próprias bibliotecas digitais; c) Os custos baixos para disponibilização: quais os custos para a montagem e manutenção de uma biblioteca digital? E quais os custos de uma tradicional? As bibliotecas digitais, devido à sua especificidade, podem ser constituídas somente por documentos digitais, sem que necessariamente se possua um acervo físico, o que já reduz em grande parte os custos. Além disso, se se pensar em instituições públicas como universidades, na sua grande maioria já possuem laboratórios de informática e servidores que podem alojar a 221

Nos EUA haverá uma biblioteca sem um único livro em papel, disponível em http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/nova-biblioteca-abre-no-outono-sem-um-unico-livro1580784 e acedido em 18/03/2013 222 Library Use of eBooks, 2012 Edition, disponível http://www.researchandmarkets.com/reports/1949496/library_use_of_ebooks_2012_edition

em

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biblioteca. Somado a isso, há os custos com pessoal, que numa biblioteca digital, se tornam bem mais reduzidos. d) Os custos baixos para uso: fora os custos de construção de uma biblioteca, tem-se os custos baixos na manutenção e utilização do material; e) O fortalecimento de pesquisas pela centralização inclusiva de conteúdos: com a ampliação da digitalização de diversos documentos em vários formatos disponibilizados na rede, os investigadores, por exemplo, têm acesso a trabalhos e a autores, relatórios de pesquisa, artigos, comunicações, com muito mais facilidade do que há alguns anos atrás; f) Os materiais multimédia: numa biblioteca digital pode-se ter arquivos em vários formatos, não apenas livros de texto, mas registos áudio, filmes, fotos, etc… g) A omnipresença: com excepção de limitações tecnológicas, as bibliotecas digitais podem ser acedidas a partir de qualquer parte do mundo e a qualquer hora; h) A facilidade de actualização da informação: os documentos disponíveis, nessas bibliotecas, por serem digitais, possuem a virtude de ser facilmente editados, transformados, remodelados para atender às necessidades da própria biblioteca e dos utilizadores; i) O uso simultâneo dos materiais: o suporte digital permite que diversos utilizadores tenham acesso a documentos para uso ou cópia ao mesmo tempo, sem precisar esperar, como se espera na biblioteca tradicional, que o livro seja devolvido, minimizando, assim, o problema da quantidade de obras disponíveis; j) A salvaguarda de conteúdos em muitas línguas: o hipertexto possibilita a disponibilização de textos e páginas que podem ser visualizadas, em diversas línguas, com a ajuda da tradução dos mecanismos de busca, e ainda possibilita disponibilização de textos e até do próprio site em línguas diferentes; k) A ausência de pessoas intermediárias: Singh (2003) sustenta que o facto de se lidar com sistemas e máquinas e não com pessoas é uma vantagem, mas aqui esta é bastante discutível. É importante ressaltar o valor social que as bibliotecas digitais possuem no que concerne à democratização da informação. Como sustenta Alencar (2004: 216) “num mundo em que o poder aquisitivo de uma maioria diminui, a informação em si mesma é capital, representa valor, dinheiro, poder. Lutar por esses excluídos deve ser uma 412

bandeira de guerra daqueles empenhados num real processo de democratização e de inclusão digital que vise a sua humanização e sua emancipação”. Num inquérito do Pew Research Center223, uma boa parte de americanos afirma que utilizaria ainda mais recursos tecnológicos nas bibliotecas como: - serviços de pesquisa online, que permitissem aos clientes fazer perguntas e obter respostas de bibliotecários; - utilizar aplicações baseadas em materiais de bibliotecas e programas; - utilizar aplicações de navegação GPS para ajudar os utilizadores a localizar o material no interior de edifícios de biblioteca; - utilizar máquinas de crédito ou quiosques localizados em toda a comunidade, onde as pessoas possam requisitar livros, filmes ou música, sem terem de ir à biblioteca propriamente dita; - sistema de recomendações personalizado ao estilo da Amazon para livros/áudio/vídeo, baseadas no comportamento prévio dos utilizadores da biblioteca. Quando perguntado aos trabalhadores das bibliotecas sobre formação, os três aspectos mais populares foram aulas de e-empréstimo, aulas para aprender a usar dispositivos móveis e o serviço online de “pergunte a um bibliotecário”. Muitos bibliotecários disseram que as suas bibliotecas já estavam a oferecer aqueles recursos de várias formas devido às exigências dos seus utilizadores. Quando questionados sobre que serviços as bibliotecas deveriam oferecer ao público, a maioria dos americanos é fortemente favorável a uma coordenação mais próxima com as escolas locais; a que elas ofereçam programas de literacia grátis para crianças; tenham espaços mais confortáveis para ler, trabalhar e relaxar; ofereçam uma maior selecção de ebooks. Os americanos dizem que as bibliotecas são importantes para as suas famílias e para as suas comunidades mas é frequente não conhecerem todos os serviços que elas oferecem. Nos últimos 12 meses, 53% dos americanos com mais de 16 anos visitaram uma biblioteca; 25% visitaram o site de uma biblioteca; e 13% usaram um dispositivo como um smartphone ou um tablet para aceder ao site. No cômputo geral, 59% dos americanos com mais de 16 anos tiveram algum tipo de interacção com a sua biblioteca pública nos últimos 12 meses. No geral, 52% destes utilizadores da biblioteca afirmam que a utilização que fazem da mesma não mudou consideravelmente nos últimos cinco anos. Outra conclusão interessante deste estudo é que os afro-americanos e os hispânicos são especialmente ligados às suas bibliotecas e os que estão mais ansiosos por

223

Library Services in the Digital Age, disponível em http://libraries.pewinternet.org/2013/01/22/libraryservices/

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conhecerem novos serviços. Esta conclusão pode indicar a importância que as bibliotecas assumem para comunidades com menor poder financeiro. Independentemente do que acontece com o acesso e a circulação do ebook, as bibliotecas públicas físicas são fundamentais para o bem-estar social das comunidades que as utilizam, e estão bem posicionadas para fornecer serviços como o acesso ao computador, formação para trabalhos, apoio depois da escola, formação e acesso aos media digitais e muito mais.

As editoras e o empréstimo De acordo com a American Library Association (ALA), há mais de 120000 bibliotecas nos Estados Unidos, incluindo as públicas, as académicas, as escolares e as das forças armadas. Quase 100% das bibliotecas estão ligadas à Internet, quer para uso do pessoal quer para uso público. Dados acerca de quem são os leitores e que quantifiquem o seu uso de ebooks são difíceis de encontrar, por causa da dedicação dos bibliotecários em proteger o anonimato dos leitores. Um inquérito de 2011 com 1029 bibliotecários mostra que estes, em geral, gostariam de oferecer um acesso maior e mais fácil aos ebooks aos seus utilizadores. De facto, empréstimos de ebooks tornaram-se tão populares na Biblioteca Pública de Nova Iorque que os bibliotecários lançaram um recurso de informação sobre ebooks, denominado de ebook Central. As empresas privadas também estão a emprestar livros. A Amazon lançou uma biblioteca de empréstimos para utilizadores de Kindle que tivessem subscrito a Amazon Prime, um programa de streaming de conteúdos e descontos. A empresa tem 50 000 títulos disponíveis para empréstimo – cada utilizador pode requisitar um por mês. Os líderes da ALA encontraram-se com representantes de algumas das maiores editoras americanas, como a Penguin, a Macmillan, a Random House, Simon & Schuster e o Grupo Perseus. Na altura do encontro, duas das cinco – Random House e Perseus – estavam a permitir que as bibliotecas comprassem e emprestassem qualquer um dos seus livros. Já a Penguin ofereceu apenas o seu fundo de catálogo para as bibliotecas; a Macmillan e a Simon & Schuster não venderam nenhum ebook para as bibliotecas. Como resultado da reunião, a Random House alegadamente subiu o preço que cobra aos distribuidores de ebooks. Esses grossistas determinarão o preço cobrado às bibliotecas. Para o artigo que se cita224, foram contactadas várias grandes editoras mas nenhuma (inclusive nenhuma das seis maiores) quis discutir publicamente o seu relacionamento com as bibliotecas, com o sistema Overdrive ou os empréstimos. 224

http://www.digitalbookworld.com/2012/e-book-library-lending-rises-publishing-industry-grappleswith-change/

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As bibliotecas não têm grande poder de negociação com as editoras. Por esse motivo, alguns bibliotecários americanos propõem colocar nos sites das bibliotecas o seguinte anúncio: “gostaria de requisitar este livro como um ebook? Então contacte estes editores e queixa-se das suas políticas anti-empréstimos bibliotecários”, com uma lista das editoras não aderentes. “Os bibliotecários tímidos, subservientes, têm sido parte do problema. Os bibliotecários tendem a reclamar sobre o quanto eles trabalham para obter ebooks para os clientes, quando na verdade eles não fazem nada além de assinar um contrato com o Overdrive. Tentar envolver o público pode levar a algum esforço, mas seria mais eficaz do que apenas esperar que tudo corra pelo melhor”, afirma um livreiro num artigo de opinião225. Enquanto as bibliotecas e as editoras não acertam uma posição, há todo um ecossistema de empresas que cresce em torno do empréstimo de ebooks. O Overdrive é actualmente o maior distribuidor de ebooks para as bibliotecas, servindo tanto o mercado comercial como o académico. A empresa tem cerca de 650 000 títulos e distribui-os para mais de um milhão de usuários finais. Os distribuidores de ebooks 3M e Ingram também trabalham com bibliotecas e prestam serviços académicos. Aos distribuidores tradicionais estão a juntar-se outros que facilitam métodos diferentes de empréstimos de ebooks, incluindo através das redes sociais. Copia, uma start-up lançada em 2010 pela cadeia de suplementos de gestão da empresas DMC Worldwide, oferece uma plataforma que visa vincular o conteúdo gerado pelo editor na forma de ebooks com "as redes sociais, a colaboração e o ecommerce com uma série de leitores eletrónicos sem fios para proporcionar uma experiência em torno da descoberta compartilhada", segundo a empresa. Our Bookshelf, uma start-up sedeada em Nova Iorque, anuncia-se como “uma rede social de empréstimo de ebooks sem DRM”, visando simultaneamente torná-lo mais "conveniente" para sugerir e compartilhar ebooks enquanto protege os detentores de direitos autorais, limitando estritamente o acesso e os check-outs. A start-up LendInk, com sede em Garden Grove, Califórnia, permite aos utilizadores do Kindle, Nook e Kobo partilhar ebooks uns com os outros, uma vez por um período de duas semanas. Esta partilha é sujeita às políticas das editoras. Sedeada em Montclair, a Gluejar Inc., também uma start-up, permite a um detentor de direitos autorais libertar um título seu por um preço determinado pelo autor, de forma a ficar disponível sob uma licença Creative Commons, livre de DRMs e, portanto, partilhável por um número ilimitado de leitores e acessível em qualquer tipo de dispositivo. A própria OverDrive integrou redes sociais no seu sistema, como uma forma de compartilhar com os amigos excertos de livros e incentivar a descoberta do livro no 225

Ebooks and Libraries Don’t Mix, disponível em http://lj.libraryjournal.com/blogs/annoyedlibrarian/2012/02/15/ebooks-and-libraries-dont-mix/, consultado a 22 de Março de 2013.

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site de uma biblioteca, no Twitter e no Facebook. A distribuidora também lançou um programa que permite aos utlizadores comprar livros diretamente da Amazon, se eles não estiverem disponíveis para serem emprestados. O Want It Now, como é chamado, facilita as vendas de livros pelos quais a biblioteca referida recebe uma comissão, de acordo com o diretor de marketing da Overdrive, David Burleigh. A Biblioteca de Inovação de Harvard, na Harvard Law School, também está a tentar responder ao que poderá ser o empréstimo bibliotecário no futuro. O laboratório estará a trabalhar para desenhar ferramentas altamente tecnológicas que irão facilitar a partilha entre as editoras, bibliotecas e leitores. O gigante Google, através de convénios com as principais bibliotecas norteamericanas, já digitalizou os textos de mais de sete milhões de livros para o seu serviço de busca de livros (Google Book Search), e processou as cópias digitalizadas para indexar os seus conteúdos, permitindo a pesquisa online à totalidade do teor das obras (Bernardes e Pesserl: 2009). A versão inicial do serviço permite que os seus utilizadores façam o download da totalidade dos livros que estejam no domínio público (aproximadamente um milhão, em 2009) e torna disponíveis apenas pequenos excertos quando tais livros ainda estão sujeitos aos direitos autorais, a não ser que o seu titular tenha permitido a exibição de excertos maiores. O acervo total a ser digitalizado é da ordem de 32 milhões de livros. O acordo traz dois pontos principais, um para a disponibilização de obras órfãs e fora de catálogo e outro relativo aos titulares de direitos e aqueles que querem licenciar as obras que controlam. Isto daria ao Google a capacidade de fornecer tais obras ao público com segurança, tanto na forma “pesquisável” como em cópias completas, adquiríveis (fisicamente ou em ebooks, ou ainda mediante assinaturas). Esta é uma vitória para o público, que pode não apenas encontrar obras cuja existência desconhecia, mas descobrir em quais bibliotecas a obra está disponível ou aceder a ela directamente de forma remota. Também é uma vitória para o Google, que já estava a oferecer este acesso, mas sujeito a uma potencial acção judicial por infracção a direitos de autor. Nestes termos, 20% de qualquer trabalho cujo titular não eleja estar fora do acordo (opt-out) estará disponível gratuitamente; o acesso completo poderá ser adquirido. Isto garante mais acesso aos materiais fora de catálogo do que a proposta inicial do próprio Google. Na medida em que esta categoria constitui até 75% dos livros das bibliotecas a serem digitalizadas, esta iniciativa é muito importante para começar a resolver o problema do “buraco negro do século XX”. Como é natural num negócio desta magnitude, e com tantas implicações, o acordo sofreu diversas críticas (já está inclusive sob escrutínio do órgão americano de defesa da concorrência). Por meio deste acordo, o Google terá o mercado de pesquisas em livros e de download de obras órfãs/fora de catálogo praticamente para si. É preciso lembrar, porém, que tal mercado hoje é irrelevante; por definição, são obras cujo 416

potencial económico está disperso. Mas nenhum autor ou editor poderia competir com tais termos, e provavelmente nenhum outro serviço de busca teria a imunidade dada ao Google pelo acordo. Além das acusações de criação de monopólio, é fundamental a preocupação com a protecção do consumidor, especialmente do ponto de vista da formação de preços e da privacidade. Os termos do acordo possibilitam um comportamento opressivo por parte do Google já que, segundo James Boyle, académico americano que se debruça sobre as questões da propriedade intelectual, a empresa terá a chave das bibliotecas pessoais e pode monitorar as leituras, uma vez que, em princípio, não será possível descarregar os livros digitais226.

Algumas conclusões, muitas interrogações Numa análise pelas tendências sobre o mercado a nível internacional, pode-se afirmar que, nos anos vindouros, os livros impressos ainda vão constituir a maior percentagem das vendas na indústria do livro. A tecnologia muda rapidamente, mas os hábitos das pessoas nem tanto. Estas vão continuar a procurar os livros para encher as prateleiras das suas casas e escritórios, para oferecê-los como presente e para tê-los na mesinhade-cabeceira. Mas não sejamos ingénuos: dispositivos como o Kindle ou o iPad vieram para ficar e marcam a conversão para o digital; o mercado livreiro já está em mudança. A opinião é praticamente unânime: no futuro, os ebooks e os livros impressos vão coexistir. Em alguns casos, as edições impressas serão substituídas pelas digitais, mas noutros casos irão complementar a oferta. Muitos especialistas227 acreditam que os ebooks irão substituir os livros de bolso. Talvez seja mais provável isso acontecer no caso de livros em que só algumas secções do livro são lidas. O maior desafio para as editoras é evitar cometer os mesmos erros que a indústria da música, o que requer novos modelos de negócio, um leque mais largo de conteúdos e clarificações em relação aos direitos de autor. De maneira a irem ao encontro destes desafios, os editores têm de se familiarizar com as características especiais dos ebooks. Têm de se focar num conceito mais alargado do que são fornecedores de conteúdo. Os seus departamentos legais necessitam de desenhar contratos de acordo com as novas circunstâncias. Será necessário que as pessoas que trabalham no sector da edição incorporem os aspectos tecnológicos e se actualizem em relação aos ebooks. Com a diminuição do preço dos tablets e e-readers e com o desenvolvimento tecnológico, é provável que os ebooks atinjam uma quota significativa do mercado nos 226

Google Books and the Escape from the Black Hole, disponível em http://www.thepublicdomain.org/2009/09/06/googlebooks-and-the-escape-from-the-black-hole/ 227 Turning the Page The Future of Ebooks, disponível http://www.pwc.com/en_GX/gx/entertainment-media/pdf/eBooks-Trends-Developments.pdf

em

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próximos anos. O comportamento do consumidor tem-se alterado, com a Internet a impôr a sua presença em várias dimensões da vida quotidiana e os dispositivos electrónicos a tornarem-se companhias quase constantes. As pessoas estão mais familiarizadas com a tecnologia e habituadas a ler em ecrãs. E, a cada dia, mais e mais conteúdos ficam disponíveis. Os padrões de consumo mudam, algumas pessoas já se habituaram a comprar música e vídeo digitais. Com o preço dos e-readers a decrescer e o conhecimento sobre o mercado a aumentar, mais consumidores serão atraídos pela leitura digital, o que poderá aumentar as vendas. Muitos especialistas consideram os avanços digitais uma oportunidade. Mas vozes mais distópicas afirmam que novos dispositivos de leitura não vão transformar nãoleitores em leitores vorazes. O mais provável é que as pessoas que compram e lêem muitos livros hoje, continuem a ler e a comprar ebooks amanhã. Como resultado, os editores podem ser confrontados com um aumento nas vendas digitais, mas um decréscimo nas vendas de livros impressos. Os críticos dizem que os ebooks representam um aumento nos custos mas não nas vendas. Eles pensam que os investimentos não vão ser, a curto prazo, cobertos pelas vendas. Por outro lado, os livros impressos vão continuar a ser produzidos, provavelmente com tiragens mais pequenas, o que vai aumentar os seus custos unitários de produção. É por exemplo possível que deixem de ser feitas reedições completas e que estas passem a fazer-se num sistema de print-on-demand. Mas há mais entraves aos ebooks: o efeito do livro na prateleira e do livro como um presente. Os livros são um objeto de prestígio, frequentemente utilizado para demonstrar a autoridade do proprietário, o seu gosto e educação. Eles também são um presente popular para aniversários, outras ocasiões festivas ou especiais. Como as barreiras para entrar no digital são comparativamente mais baixas, todos os players envolvidos na cadeia de valor tradicional vão continuar a expandir as suas operações na Internet – a começar pelos autores, os intermediários, passando pelas próprias livrarias (que investirão mais em lojas online). Novos tipos de negócios digitais podem ser pensados, mais apelativos para os consumidores, os anunciantes e as editoras. À medida que mais players se envolvem no mercado, os papéis tradicionais das editoras, distribuidoras, livreiros e bibliotecários estão a esbater-se. A acrescentar a isto, há o alargamento dos serviços oferecidos pela Amazon, pela Barnes & Noble e pela Apple, que dominam o mercado com os seus dispositivos. Qual será o papel da Google em todo este processo é outra questão que merece atenção. Os ebooks requerem um nível de investimento que é particularmente difícil para editoras pequenas, o que pode favorecer ainda mais os monopólios. Os editores continuarão a ter tarefas como a selecção, edição e marketing no ambiente digital. No entanto, será essencial concentrarem-se no papel de fornecedores de conteúdo; vão ter de adaptar o conteúdo às mudanças de hábitos de

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leitura e de compra dos consumidores. É muito possível que das equipas das editoras passem a fazer parte profissionais com grandes competências técnicas. Uma necessidade será a de rever os contratos de edição com os autores e os outros envolvidos no processo, tendo em vista os novos desafios do digital. Que factores poderão favorecer o desenvolvimento deste mercado em direcção a um mercado massificado? Dois aspectos são relevantes: dispositivos atraentes e disponibilidade de conteúdos. Os conteúdos livres não são suficientemente estimulantes por si só para encorajar os consumidores a entrar neste mercado, mas podem ser um incentivo adicional. Se o preço dos e-readers continuar a descer, é provável que se massifiquem mais rapidamente e as empresas que os vendem possam ir buscar o restante lucro ao aumento da venda de ebooks. O preço dos e-readers ainda é um obstáculo ao crescimento deste mercado, bem como a falta de compatibilidade entre os dispositivos e os vários formatos e as restrições levantadas pelos DRM. Especialistas apontam alguma complexidade técnica como outro possível entrave, sendo que o caminho seria construir os e-readers e arquitectar todo o processo de compra de ebooks da forma mais intuitiva possível. No longo prazo, muitos especialistas apontam para que os DRM tal como estão agora formulados tendam a desaparecer, à semelhança do que aconteceu na indústria da música, na Primavera de 2009. O conteúdo ilegal estará disponível de qualquer forma e os DRM como existem agora condicionam muitas vezes a experiência do leitor. Espera-se que surjam de outras formas, menos ostensivas. Em relação à inclusão de elementos multimédia nos ebooks, a conclusão é a de que deve imperar o bom-senso. Por exemplo, faz sentido incluir uma animação sobre a circulação sanguínea num livro técnico de anatomia, mas inserir uma animação num romance, por exemplo, pode parecer disparatado. O enriquecimento multimédia pode justificar preços mais altos ou atrair consumidores que não estivessem interessados num documento sem som ou vídeo. Com o conteúdo adicional, os editores podem customizar os ebooks de uma forma que não era possível com os livros impressos, fidelizando os clientes que poderão voltar para comprar edições revistas e volumes relacionados com os títulos existentes. O conteúdo adicional pode gerar novas oportunidades de lucro, se os editores forem capazes de oferecer informação suplementar ou actualizada, música, ou vídeo por uma taxa adicional. Em vez de deixarem o negócio para outros, os editores podem fazer parcerias com empresas de software inovadoras que podem desenvolver essas aplicações. Há previsões que apontam para que os tablets e os e-readers cada vez mais se possam fundir. A tendência aponta para cores, ligação às redes móveis e mais usabilidade. Para convencer os consumidores dos benefícios de comprar ebooks legalmente, os editores vão precisar de uma política de preços bem pensada e uma oferta de produtos variados e atractivos. 419

Os desenvolvimentos na imprensa mostram como é difícil afastar a mentalidade grátis da Internet. A crise financeira que grassa nos Estados Unidos e em muitos países da Europa pode atrasar a transição para o digital, tanto ao nível do investimento dos governos como ao nível do poder de compra dos indivíduos e das famílias. E este investimento não é apenas necessário para a aquisição de equipamentos (e-readers, tablets) e dos próprios conteúdos como para a massificação da disponibilização de Internet por todo o território. Mas cabe à indústria livreira fazer com que o processo do digital não lhe passe ao lado. Deve aproveitar a oportunidade para abastecer o mercado com novos produtos e serviços antes que outros o façam. Alguns especialistas consideram que um desconto de 20 a 30% é necessário para alavancar o mercado dos ebooks. Os consumidores estão menos disponíveis para pagar pelos ebooks porque não lhes parece que estão a comprar um bem tangível. Para preparar o caminho para os ebooks a preços baixos, a Comissão Europeia deve encorajar os estados-membro a eliminarem o imposto desigual entre os livros impressos e digitais. Tal como os ebooks não podem substituir os livros impressos, as livrarias online também não podem substituir as livrarias físicas no que toca a serem espaços privilegiados para encontros literários, sessões de autógrafos, apresentações de livros e locais onde os clientes podem relaxar e procurar livros à sua vontade.

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11 A leitura digital em contexto de biblioteca: um enquadramento analítico e prospectivo Carla Ganito

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Mas allá del e-book, lo importante es que haya lectores. Fernando Savater228

Introdução Que papéis desempenham as bibliotecas nos nossos dias? Apesar de muitos terem já ditado o seu fim, as bibliotecas resistem e ganham uma nova vida e novos leitores. Esta nova vida ganha-se na luta diária com os desafios da era digital, desde as opções quanto a suportes, passando pela adaptação de recursos materiais e humanos e indo até às grandes lutas jurídicas em questões como os direitos de autor. A leitura digital é profundamente marcada por uma componente social e participativa. Existe também uma dimensão aumentada de mobilidade; já não é apenas a leitura em qualquer lugar que desde sempre foi possibilitada pelo livro ou pelos jornais, hoje temos uma mobilidade em rede, colaborativa, que pressupõe o acesso imediato a outros recursos e ligações, em qualquer lugar e em qualquer momento. Ora como estão as bibliotecas a responder a este desafio? Com base no trabalho desenvolvido no âmbito do estudo “A Leitura Digital e a Transformação do Incentivo à Leitura e das Instituições do Livro” procurar-se-á debater os novos papéis das bibliotecas apresentando as tendências internacionais e nacionais bem como as práticas de leitura em contexto de biblioteca em 16 países. A questão de partida prende-se com aqueles que são hoje os desafios que se colocam às bibliotecas. No fundo, queremos aqui elencar as interrogações que ocupam atualmente a mente dos bibliotecários, dos agentes da edição, das fundações, das escolas, etc. Quais os papéis que estes agentes podem desempenhar nos dias de hoje, perante um contexto de leitura digital? Ainda haverá lugar para as bibliotecas? Esta é uma pergunta que muitos colocam e, no caso de a resposta ser afirmativa, interessa perceber também qual é que é de facto esse lugar. Como é que estão, podem ou devem estar as bibliotecas, e como devem responder ao novo contexto de leitura digital, aos novos leitores e às novas necessidades por eles trazidas? No fundo, quais é que são afinal os grandes desafios que as bibliotecas enfrentam nos dias de hoje? Os desafios da era digital são acima de tudo desafios de acesso que se agudizaram num tempo de forte contração económica. Podem as bibliotecas continuar a ser um pilar de democratização e de inclusão? E poderão fazê-lo não só no acesso aos suportes e aos conteúdos mas também na criação de competências de leitura digital que permitam a estes novos leitores passar da informação acessível ao conhecimento utilizável? O tema do acesso que, até há algum tempo, parecia constituir-se como um dado adquirido, pelo menos em alguns agregados geográficos, deixou de o ser; na verdade, o acesso básico voltou a constituir-se como uma questão premente devido à contração económica e financeira que se verifica no contexto atual. Por outro lado, há ainda o 228

Comentário proferido à CNN México no âmbito da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (2012).

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desafio de minimizar o acesso diferencial, ou seja, a partir do momento em que o acesso básico, a velocidade básica, estão garantidos, importa perceber o que acontece com o acesso à tecnologia de ponta, ao high end, aos novos dispositivos e suportes de leitura, aos “círculos superiores do ciberespaço” (Castells, 2004: 297) – como é que esse acesso pode ser garantido? Tal como defende Manuel Castells, “o acesso não constitui uma solução em si mesma, embora seja um requisito prévio para superar a desigualdade numa sociedade cujas funções principais e cujos grupos sociais dominantes estão cada vez mais organizados em torno da Internet” (idem: 288). As bibliotecas têm vindo a assumir um papel crucial no cumprimento deste requisito prévio. Elas são um garante (muitas vezes o único) do acesso aos suportes, aos conteúdos, às redes e à criação de competências de leitura digital que permitam aos velhos e novos leitores passar da informação acessível ao conhecimento utilizável: “já que a maior parte da informação se encontra online, e do que realmente se necessita é de habilidade para decidir o que queremos procurar, como obtê-lo, como processá-lo e como utilizá-lo para a tarefa que despoletou a procura dessa informação” (idem: 300). O processo de aprender a aprender assume particular relevância no novo contexto digital. No âmbito das políticas públicas tem-se muitas vezes partido do falso pressuposto que por se nascer num contexto digital se sabe automaticamente como utilizar determinadas tecnologias e novos processos de aprendizagem, quando na verdade isso não acontece. Neste sentido, os bibliotecários são confrontados com a necessidade de ensinar como é que se aprende, como é que se usa uma determinada tecnologia, seja ela um dispositivo de leitura ou um motor de busca. São também um recurso valioso na construção da cidadania, apoiando os utilizadores da biblioteca no cumprimento dos seus deveres e obrigações de cidadãos. O convite que é feito aqui, a partir de uma observação atenta dos dados que resultaram do inquérito “Leitura Digital: Utilização, Atitudes e Práticas (2013)”229, é o de se olhar para algumas tendências internacionais e nacionais que podem auxiliar uma compreensão mais apurada do que podem ser estes desafios na prática, o modo como eles são vividos e quais é que poderão ser algumas das respostas possíveis.

229

Trata-se do mesmo inquérito a partir do qual foram obtidos os dados analisados no capítulo 7.

425

Os usos: as bibliotecas vivem ou sobrevivem? No contexto global dos 16 países os usos pendem ligeiramente para a não frequência (ver gráfico 1), com 21.6% dos inquiridos a afirmar que nunca vão à biblioteca e 29.9% a afirmar que raramente a frequenta.

Gráfico 1 Com que frequência vai à biblioteca? n = 5582 35,0 29.9%

30,0

26.8%

25,0 21.6%

20.2%

20,0 15,0 10,0 5,0

1.5%

,0 Nunca

Raramente

Menos de 1 vez Pelo menos 1 vez por mês por mês

Não sei

Se segmentarmos a amostra global por blocos de países (gráfico 2) obtemos realidades bastante distintas. A China é o país onde as pessoas mais frequentemente visitam as bibliotecas, com 48.8% dos utilizadores de Internet a responder que o faz pelo menos uma vez por mês, logo seguida dos BRICS, com 35.1%, dos EUA, com 24%, e, por fim, da Europa, com 20.3%. Portugal fica ainda abaixo dos indicadores europeus com apenas 18.8% dos internautas portugueses a afirmarem que visitam a biblioteca pelo menos uma vez por mês.

426

Gráfico 2 Com que frequência vai à biblioteca? (por país/bloco de países) n = 5582

Em resposta à pergunta inicial, se alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca, no pressuposto de que o acesso ao livro digital seria um acesso dificultado e portanto a biblioteca poderia afirmar-se como recurso para o fornecer, percebe-se claramente, neste estudo global, que a percentagem que responde afirmativamente e que se socorre de facto da biblioteca para requisitar livros digitais é ainda muito diminuta e, no cômputo geral, muito pouco expressiva, já que apenas 18% dos inquiridos responderam positivamente à pergunta em causa (gráfico 3). Gráfico 3 Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca? n = 5582

Sim 18%

Não 82%

427

A razão para esta pouca expressividade – e aqui há um papel que as bibliotecas podem desempenhar, o que demonstra que há ainda muito caminho que se pode fazer no sentido de aproximar os leitores do livro digital – é que talvez, para estas pessoas que respondem não, as bibliotecas não sejam de facto o sítio mais fácil ou acessível para encontrar os livros digitais. A verdade é que é ainda muito mais fácil procurá-los num cenário de leitura contextual, porque ‘tropeçamos’ num autor ou em qualquer outro tipo de referência que nos interessa – referimo-nos naturalmente à prática de navegar na Internet e seguir uma ligação, uma referência nos sites de redes sociais, em blogues, etc. Muita da leitura digital continua a ser ainda esta leitura contextual, que acontece por impulso. A prática comum é encontrar um link, esse link despertar curiosidade, conduzir a outro ponto e aí, eventualmente, descarrega-se de imediato um livro, já não havendo portanto necessidade de recorrer à biblioteca para o fazer. Além disso, muita desta leitura acontece também nos motores de busca genéricos, que são espaços muito mais amigáveis do ponto de vista da utilização do que aqueles que encontramos muitas vezes em contexto de biblioteca. Relativamente à relação da idade com a requisição de livros digitais em bibliotecas, verificamos que esta tem alguma influência (ver gráfico 4): a classe etária com uma resposta positiva mais elevada à pergunta “alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca?” é a dos 25 aos 34 anos, com 39.1%, logo seguida pela dos 18-24, com 28%. Os jovens adultos pesam significativamente neste fator, sendo que para as idades abaixo o número obtido é residual, havendo nas idades posteriores um decréscimo acentuado conforme se acentua também a curva da idade. Gráfico 4 Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca? (por idade) n = 5582

428

Mas o elemento que é realmente muito significativo é sem dúvida o nível de escolaridade (gráfico 5). Tal como foi revelado para a análise global da leitura digital, o mesmo acontece para a leitura digital em contexto de biblioteca. A detenção de uma licenciatura ou de outro grau de superior é determinante no que toca ao uso das bibliotecas para requisição de livros digitais, com mais de 50% desses inquiridos a afirmarem que já requisitaram um livro digital de uma biblioteca. Essa percentagem desce para metade nos que apenas têm frequência universitária e para pouco mais de 10% nos que revelam possuir o ensino secundário completo. Gráfico 5 Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca? (por nível de escolaridade) n = 5582

A análise por blocos de países (ver gráfico 6) revela que as práticas de leitura digital em contexto de biblioteca são particularmente relevantes na China e nos BRICS230. Para a Europa não é muito significativo o recurso à requisição digital de livros em contexto de biblioteca, apenas 10.3%, ou seja, lê-se menos em digital mas ainda se requisita menos do que se lê, em comparação com outros países.

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Relembre-se que o bloco BRICS agrega cinco países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Dado que a China tem um peso muito significativo nesta realidade, os valores para a China são apresentados também de forma isolada.

429

Gráfico 6 Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca? (por país/bloco de países) n = 4147

Importa agora olhar para questões de perceção. O estudo procurou perceber o que se passa na cabeça das pessoas quando nos referimos a este tipo de práticas. Quisemos saber quais eram as barreiras relativas à procura (ou não) das bibliotecas para a requisição de livros digitais. Em resposta à pergunta “porque nunca requisitou um livro digital de uma biblioteca?” (gráfico 7), as principais razões apontadas foram, em primeiro lugar, porque não sabia que se podia requisitar livros digitais nesses espaços, com 30% das respostas e, em segundo, porque é inconveniente (mais fácil fazer download), com 15% das respostas.

430

Gráfico 7 Porque nunca requisitou um livro digital de uma biblioteca? n = 5582

Esta questão do desconhecimento relativamente ao facto de se poderem requisitar livros digitais é também documentada num estudo recente do Pew Internet & American Life Project (2012), conduzido nos Estados Unidos, e onde apenas 12% dos inquiridos tinham requisitado um livro digital de uma biblioteca. Neste estudo, embora os utilizadores das bibliotecas sejam utilizadores intensivos, a grande maioria não tinha conhecimento de que podia requisitar livros digitais. Os investigadores responsáveis pelo estudo apontam para um problema de relações públicas. As bibliotecas não conseguem fazer passar para o exterior os próprios recursos que têm, não conseguem publicitar devidamente os serviços de que dispõem, e as razões para isso são múltiplas, desde a falta de recursos propriamente ditos, à falta de uma prática, de uma cultura de maior publicitação. Aqui trata-se no fundo de uma alteração de paradigma, no sentido em que se torna necessário abandonar o pressuposto de que as pessoas vão ao encontro da biblioteca. Tem de ser a biblioteca a ir ao encontro das pessoas e isso muda radicalmente as práticas. Muitas vezes ouvimos este discurso da parte dos bibliotecários nacionais, mas como se percebe claramente este não é um problema exclusivamente nacional, mas antes uma questão global. Se no caso de Portugal o número de livros digitais disponíveis é de facto reduzido, nos EUA mais de três quartos das bibliotecas públicas têm serviço de empréstimo de livros digitais (ALA, 2012). De facto, os dados apontam para uma grande dificuldade de mostrar aquilo que as bibliotecas têm para oferecer e isso reflete-se no facto de os leitores, mesmo os de livros digitais e os mais envolvidos com a biblioteca, nem sequer se aperceberem da valência da biblioteca como centro de recursos nesta área. Entre aqueles que já requisitam livros digitais na sua biblioteca as barreiras parecem ser ainda muito 431

importantes. O mesmo estudo da Pew refere que 56% dos que requisitam livros digitais não encontram o livro que querem, 52% tinham uma lista de espera para o livro que queriam requisitar e 18% descobriram que o livro requisitado não era compatível com o dispositivo de leitura que usavam. O livro em papel continua assim a ter uma importância inegável, pelo que todas as questões que se levantam quando se fala da multiplicação de ecrãs, nomeadamente a hibridez de práticas, mantêm-se nas bibliotecas (ver gráfico 8). Cerca de 47% dos inquiridos afirmam utilizar as bibliotecas para pesquisar no catálogo e requisitar materiais impressos e cerca de 40% para aí ler esses mesmos materiais. Gráfico 8 Para que atividades costuma utilizar a biblioteca? n = 5582

Quando nos referimos à questão de como servir os velhos leitores, não estamos a falar de diferenciação etária, mas sim de todas as pessoas que continuam a manter uma prática de leitura do livro em papel. E isso implica, por exemplo, as crianças e os adolescentes, para quem o livro em papel é ainda extremamente importante em termos de socialização, de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo. No estudo sobre as práticas e expectativas em contexto de biblioteca dos jovens americanos entre os 16 e os 29 anos (Zickuhr, Rainie & Purcell, 2013) é igualmente identificada esta forte ligação ao papel, sendo que 75% dos inquiridos afirmam ter lido 1 livro impresso em comparação com apenas 64% dos adultos acima dos 30 anos: “o grupo abaixo dos 30 anos continua fortemente ancorado na era digital mas mantém uma forte ligação aos suportes impressos e uma afinidade com as bibliotecas. Os 432

americanos mais jovens têm um entendimento lato do que a biblioteca é ou pode ser – um local para aceder a livros impressos bem como a recursos digitais mas que permanece como um espaço físico” (idem). Todos estes elementos de combinação entre o digital e o papel continuam a ser cruciais, o que só aumenta a dimensão deste desafio, dado que não só temos que fazer as alterações necessárias para nos adaptarmos a um contexto radicalmente diferente, como temos que manter também todos os serviços de que dispúnhamos no contexto e no paradigma anterior. Nesse sentido, temos que encontrar um novo ponto de equilíbrio para o qual ainda não existem respostas afinadas. Não existe certamente uma solução única. Num estudo recente sobre o futuro das bibliotecas públicas (Levien, 2011) são apresentadas quatro dimensões estratégicas perante as quais as bibliotecas deveriam ponderar o seu posicionamento. Essas dimensões estratégicas são:    

optar entre o totalmente físico ou o totalmente virtual; optar pelo foco no individuo ou na comunidade; optar pelo paradigma da coleção ou da criação; optar por ser um portal ou um arquivo.

Muitas vezes, nestes momentos de mudança, existe uma tendência para se olhar para os estudos, como este que apresentamos, em busca de uma solução única, de uma receita de sucesso. Mas essa opção dependerá muito do posicionamento individual de cada instituição e também do tipo de comunidade que essa instituição serve, do tipo de leitores que tem, da comunidade em que está inserida, devendo corresponder à sua visão e à sua missão. A escolha não se centra apenas num pólo de cada uma destas dimensões mas antes num posicionamento específico e único ao longo de um contínuo estratégico, à medida da especificidade de cada instituição. A verdade é que não existe uma solução única mas antes um conjunto de soluções multifacetadas.

O desafio português Para Portugal, o inquérito não traz alterações significativas relativamente àquilo que são as tendências globais (ver gráfico 9); o que temos é apenas uma prevalência ainda menor no caso de certas práticas, ou seja, a sua expressão tende a ser mais reduzida. Verificamos, por exemplo, que o recurso à biblioteca para ler um livro digital é ainda menos expressivo no contexto nacional, mas as razões que identificámos são as mesmas, ou seja, é menos cómodo, é mais complicado, é menos intuitivo, implica uma deslocação, os horários não são compatíveis, quando lá se chega não há computadores disponíveis para fazer a pesquisa que, em si mesma, é complicada. Todos estes fatores 433

acabam por inibir o uso da biblioteca para a requisição de livros digitais. Em Portugal apenas 6.8% dos internautas inquiridos dizem ter requisitado um livro digital de uma biblioteca. De referir que, ao contrário da realidade global ou da americana, a oferta de livros digitais é ainda diminuta, especialmente nas bibliotecas públicas. No mais recente relatório estatístico da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (2012) existiam apenas 158 livros digitais, sendo que 82 estavam concentrados numa única biblioteca, o que correspondia a uma média de 0.86 livros digitais por biblioteca. As aquisições foram também muito reduzidas, 43 aquisições de livros digitais, tendo 13 ocorrido numa única biblioteca, o que corresponde a uma média de 0.25 livros digitais por biblioteca. Gráfico 9 Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca? (Portugal) n = 295

Quando comparamos as tendências nacionais com as tendências globais, relativamente à questão se “alguma vez utilizou a biblioteca para a requisição de um livro digital?”, verificamos que, na diferenciação por idade, a tendência é a mesma, apenas um pouco mais reduzida a nível nacional, tal como acontece na mesma questão mas por nível de escolaridade. Em Portugal temos um prolongamento da requisição de livros digitais para a faixa dos 45-54, ao contrário do que sucede nos dados globais, onde existe uma maior concentração nos jovens adultos (ver gráfico 10).

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Gráfico 10 Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca? (Portugal - por idade) n = 295

A escolaridade é particularmente explicativa (gráfico 11), com mais de 50% das respostas positivas à requisição de livros digitais concentrada nos inquiridos com licenciatura ou outro grau superior. Gráfico 11 Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca (Portugal – por nível escolaridade) n = 295

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Quanto às razões que as pessoas apontam para não fazerem uso da biblioteca para esta prática (gráfico 12), a tendência também se repete, com 34.4% dos inquiridos portugueses a afirmarem que não sabiam que as bibliotecas tinham e-books. Gráfico 12 Porque nunca requisitou um livro digital de uma biblioteca? (Portugal) n =295

No que toca às atividades para as quais os inquiridos costumam fazer uso da biblioteca (gráfico 13), a pesquisa no papel, através do catálogo tradicional (40.6%), continua a ser a atividade mais referida. Na realidade nacional o que é mais preocupante é que a prática mais comum é o não recurso às bibliotecas, 41.2% dos inquiridos afirmam-no.

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Gráfico 13 Para que atividades costuma utilizar a biblioteca? (Portugal) n = 295

Diferentes segmentos, práticas distintas em contexto de biblioteca Portugal segue, assim, o mesmo padrão global, embora se verifique que há um maior desconhecimento das valências digitais e que as práticas não digitais em contexto de biblioteca são mais marcantes. Para Portugal o desafio torna-se crítico na dimensão do impacto da produção em língua portuguesa e divulgação do acervo de obras que se encontram nas bibliotecas nacionais. Tal como refere Castells, a forma como as vagas de inovação se iniciam pode ter “consequências duradouras na estrutura e conteúdo do meio, de um modo que não podemos compreender totalmente” (2004: 296). Os primeiros utilizadores e os pioneiros modelam e configuram, condicionando desta forma as opções futuras. Face ao nível reduzido de uso e de oferta podemos estar a hipotecar irremediavelmente o futuro. Quisemos dessa forma olhar para a proposta de segmentação dos leitores e analisar o comportamento de cada segmento face à leitura digital em contexto de biblioteca. Os resultados do inquérito apontam para quatro segmentos: o leitor total231 e parcelares 1232, 2233 e 3234. 231

Os leitores totais correspondem a 17% da população inquirida e utilizadora da Internet. São todos aqueles “que, lendo em papel, efectivamente lêem ou já leram livros em suporte digital (independentemente da forma como o fizeram, via download, em formato imagem, etc.), que diariamente lêem nas redes sociais e utilizam um motor de busca do tipo Google para se manterem informados, que todos os dias lêem e-mails, que frequentemente se dedicam à leitura de jornais digitais, e que fazem tudo isso quer no computador (seja ele de secretária ou portátil) quer noutro dispositivo digital móvel, do tablet ao smartphone” (veja-se capítulo 7). 232 São os indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia nas redes sociais mas que nunca leram um livro em formato digital. Os leitores parcelares 1 têm o mesmo peso que os leitores totais na amostra global, 17%.

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Dos leitores totais, 29.6% afirmaram já ter requisitado um livro digital numa biblioteca (ver gráfico 14). Gráfico 14 Leitores totais: Já requisitou um livro digital numa biblioteca? n = 971

Sim 29.6%

Não 70.4%

É na China que o recurso à biblioteca tem mais expressão (gráfico 15), com 47.9% dos inquiridos a responder afirmativamente, seguida dos BRICS com 37.2%, dos EUA com 31.8% e finalmente da Europa, com 18.4%. Portugal tem apenas 10.2% dos seus leitores totais a afirmar que requisitam livros digitais na biblioteca.

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Os leitores parcelares 2 são os indivíduos que nunca ou raramente lêem posts/tweets nos sites de redes sociais e que já leram livros em formato digital. Correspondem a 13% da amostra global. 234 São os indivíduos que cumprem três critérios: nunca ou raramente lêem posts/tweets nos sites de redes sociais, nunca leram um livro em formato digital mas lêem diariamente ou várias vezes aos dia emails. Este tipo de leitor também corresponde a 17% da amostra global.

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Gráfico 15 Leitores totais: Já requisitou um livro digital numa biblioteca? (por país/bloco de países) n = 971

Mesmo entre os leitores totais, 35.83% afirmam nunca ter requisitado um livro digital de uma biblioteca porque não sabiam que as bibliotecas tinham e-books (ver gráfico 16).

Gráfico 16 Leitores totais: Porque nunca requisitou um livro digital numa biblioteca? n = 971

As práticas baseadas no papel também são as mais comuns entre os leitores totais (ver gráfico 17), com 58.7% a usarem a biblioteca para pesquisar no catálogo e requisitar materiais impressos e 53.9% para aí ler esses mesmos materiais. 439

Gráfico 17 Leitores totais: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca? n = 971

Para os leitores totais portugueses (ver gráfico 18) as razões para nunca terem requisitado um livro digital numa biblioteca são similares às da amostra global. 34.6% dos inquiridos portugueses afirmam que não sabiam que as bibliotecas tinham livros digitais. Gráfico 18 Leitores totais: Porque nunca requisitou um livro digital numa biblioteca? (Portugal) n = 51

Quanto às atividades para as quais costumam utilizar as bibliotecas há a destacar uma percentagem significativa de leitores totais portugueses que não as costumam utilizar, 38.4% (gráfico 19). As práticas baseadas no papel, como pesquisar no catálogo e ler materiais impressos, são tão relevantes como na amostra global, apesar de ser a não utilização que mais pesa nas práticas. 440

Gráfico 19 Leitores totais: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca? (Portugal) n = 51

Relativamente aos leitores parcelares de tipo 1 (ver gráfico 20) a divergência em relação ao padrão dos leitores totais é muito mais significativa na amostra global do que em Portugal. Gráfico 20 Leitores parcelares 1: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca? n = 961 (amostra global) n = 60 (Portugal)

No que diz respeito aos leitores parcelares de tipo 2 a requisição de livros digitais na biblioteca reduz-se em relação aos leitores totais (ver gráfico 21).

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Gráfico 21 Leitores parcelares 2: Já requisitou um livro digital numa biblioteca? n = 734

Nas razões para nunca requisitar um livro digital de uma biblioteca (ver gráfico 22) o único motivo que se destaca é não saber que a biblioteca tinha e-books (24.6%). Gráfico 22 Leitores parcelares 2: Porque nunca requisitou um livro digital de uma biblioteca? n = 734

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Mais uma vez o desconhecimento da possibilidade de requisitar livros digitais numa biblioteca é ainda mais elevado entre os leitores parcelares portugueses de tipo 2 (ver gráfico 23) que, na sua totalidade, afirmam nunca ter requisitado um livro digital de uma biblioteca. Gráfico 23 Leitores parcelares 2: Porque nunca requisitou um livro digital de uma biblioteca? (Portugal) n = 34

A não utilização da biblioteca é também bastante elevada entre os leitores parcelares de tipo 2 em Portugal, 37.6% (ver gráfico 24).

Gráfico 24 Leitores parcelares 2: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca? (Portugal) n = 34

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Finalmente, os leitores parcelares de tipo 3 (ver gráfico 25) são a tipologia de leitores onde a não utilização das bibliotecas é mais elevada, mantendo-se as práticas centradas no papel. Gráfico 25 Leitores parcelares 3: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca? n = 956 (amostra global) n = 24 (Portugal)

Este cenário pouco otimista para as bibliotecas leva-nos a uma outra questão, a de pensar o que está então reservado para a nova vida das bibliotecas, ou seja, como é que elas podem sobreviver neste novo contexto digital e que caminhos têm à sua frente. O peso esmagador de conteúdos em língua inglesa e a falta de recursos e de conteúdos em língua portuguesa para alimentar as nossas bibliotecas é, de facto, um cenário dramático. Isso significa que todos nós, enquanto agentes culturais, temos o dever de modificar esta situação, e temos que encontrar formas criativas de, num contexto de forte contração económica, conseguir fazer com que a herança cultural e a língua portuguesas possam ter um impacto significativo num contexto digital.

A nova vida das bibliotecas The reports of my death have been greatly exaggerated. Mark Twain

No seio desta realidade tão diversa temos que afirmar convictamente (como Mark Twain) que seremos capazes de sobreviver a este contexto, e isso significa, sobretudo, que temos que encontrar novas soluções, soluções que sejam criativas e que vão de encontro àquilo que os leitores esperam.

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Uma opção é a de requacionar a biblioteca como espaço, no sentido de manter a noção de espaço físico, e assim olhar para ela ou como um repositório ou como um centro agregador e criativo, com o efeito de criar uma comunidade em torno dessa biblioteca e das pessoas que a frequentam. Há inúmeras boas práticas a serem desenvolvidas nesse domínio quer a nível global quer a nível nacional, e que podem ser objeto de estudo e de replicação. Outra opção é pensar a biblioteca não apenas como um espaço mas como um serviço, e nesse sentido reconsiderar a noção de que as pessoas vão à biblioteca por oposição à ideia de que é a biblioteca que vai às pessoas. Neste aspeto em particular, a herança da biblioteca itinerante é muito interessante, justamente porque se trata de uma metáfora que nos permite pensar a necessidade de encontrar novas formas de ser itinerante, tendo nós agora um contexto propício que oferece essa possibilidade, o contexto digital. As bibliotecas têm, assim, que encontrar novas formas de serem itinerantes digitalmente. Quanto à leitura participativa, e ao papel do leitor como produtor e das bibliotecas como espaços de produção e de acesso a tecnologias e competências de produção, em Portugal temos um indicador muito significativo e muito positivo, já que somos, entre os blocos de países analisados, aquele onde a diferença entre as atividades de escrita e de leitura nas redes sociais é menor, o que aponta para uma propensão para a produção, para a vontade de criar. A produção é de facto o nível mais elevado de participação, o que implica uma maior integração e uma maior democratização. Isso significa que temos uma oportunidade única de transformar esta vontade das pessoas em produzir, em participar, em estar envolvidas, em algo que pode ser capitalizado no contexto das bibliotecas. Para isso, no entanto, a biblioteca tem que ser uma fonte de recursos: tecnológicos e de competências. As barreiras são, no entanto, várias. Há, desde logo, dificuldades operacionais a que não se pode estar alheio, incluindo fatores tão simples como não haver espaço para os computadores ou os bibliotecários não disporem de um cartão de crédito para comprar livros digitalmente. Além disso, também os recursos financeiros e humanos são reduzidos; há conflitos de interesses com as editoras; a instabilidade dos formatos é problemática; a preservação dos dados e a persistência do acesso é uma questão que não está resolvida; e há, claro, uma quantidade muito reduzida de conteúdos em língua portuguesa. Estas foram as principais dificuldades elencadas pelas bibliotecas nacionais nas reuniões realizadas ao longo do projeto (ver capítulo 15 para uma descrição mais detalhada). Face a estas dificuldades as políticas de incentivo às bibliotecas precisam de ser desenvolvidas em torno de três grandes eixos: -

a formação de recursos humanos, garantindo a formação de e-bibliotecários que sejam capazes de apoiar o desenvolvimento de competências de leitura digital junto dos seus públicos; 445

-

o desenvolvimento de novas métricas que traduzam a criação de valor para os novos e velhos segmentos de leitores; o desenvolvimento de uma estratégia integrada, promovendo o diálogo entre os vários agentes da cadeia de valor do livro e da leitura, de forma a que a biblioteca se possa assumir como um palco para os autores e um veículo de sustentabilidade para as editoras. Esse diálogo deve conduzir à criação de novos modelos de negócio e de atuação.

A(s) biblioteca(s) – uma realidade multifacetada Há que ter em conta que há realidades muito distintas no âmbito das bibliotecas – por um lado, temos as bibliotecas escolares, que vivem atualmente um novo ecossistema de aprendizagem caracterizado pelo volume, velocidade e relevância. Assiste-se também à penetração crescente dos Moocs (massive online open classes) que trazem grandes desafios nomeadamente na transformação do papel do professor que passa a ser um produtor ativo de conteúdos. Esta produção de conteúdos torna-se colaborativa e vão surgindo iniciativas alargadas de desmaterialização do manual escolar de que é exemplo o projeto “Manuais Escolares Eletrónicos: Um tablet por aluno”, em fase piloto na Escola Secundária de Vila Viçosa e na Escola Básica Integrada de Cuba. Estas transformações são abraçadas com maior ou menor resistência quer de alunos quer de professores. O papel das bibliotecas, principalmente das escolares, passa assim pela promoção da leitura em outros suportes que não o impresso e em outros formatos que não o livro (ver o estudo de caso “Sintra E-conteúdos”).

ESTUDO DE CASO: PROJETO SINTRA E-CONTEÚDOS235 Desde o surgimento do Plano Nacional de Leitura (PNL), em 2006, o governo português, através do Ministério da Educação (atualmente Ministério da Educação e Ciência) juntamente com o Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares e o Ministério da Cultura (atualmente Secretaria de Estado da Cultura), tem vindo a implementar um conjunto de estratégias pedagógicas no sentido de desenvolver as competências nas áreas da escrita e da leitura dos jovens em idade escolar, com particular ênfase sobre o encorajamento dos hábitos de leitura.

235

O estudo de caso resulta da investigação desenvolvida por Tiago Chaves, antropólogo e colaborador do CIES-IUL, em duas escolas do concelho de Sintra envolvidas no projeto “Sintra E-Conteúdos”, financiado pela Rede de Bibliotecas Escolares (RBE). Para suportar os objetivos desta pesquisa, recorreuse a uma metodologia qualitativa que incidiu em pesquisa bibliográfica, na observação participante, em entrevistas semiestruturadas e análise de documentos (p.e. apresentações de conferências, trabalhos de alunos) enviados pelos coordenadores das duas escolas básicas do concelho de Sintra em estudo. O trabalho de campo foi realizado durante os meses de Abril a Junho de 2013.

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A leitura constitui, de facto, um instrumento essencial na aquisição e divulgação de saberes e, por esse motivo, tem sido defendida por instituições internacionais como a UNESCO ou a OCDE enquanto suporte primordial do conhecimento e do progresso sustentado. Nesse sentido, Mário Lages sublinha a importância da leitura como «fonte de conhecimento» ao permitir criar «imagens do mundo com implicações directas no que somos e na imagem que de nós damos aos outros e que para nós próprios fazemos», acrescentando que «o nível de literacia atingido por uma população pode ser tomado como barómetro do seu desenvolvimento científico, técnico e artístico, não porque tudo a ela se reduza, mas porque nela se manifesta de forma objectiva o progresso individual e social» (2007: 9). O aparecimento de novos meios tecnológicos que permitem potenciar o investimento num conhecimento mais democrático e global, nomeadamente através das práticas de leitura digital, tem vindo a incentivar a implementação de diferentes iniciativas que possibilitam a transformação dos hábitos de leitura, reconfigurando-os à luz de um contexto no qual os dispositivos tecnológicos – como os computadores, as consolas de jogos, os leitores de mp3, os telemóveis ou os tablets – assumem cada vez maior protagonismo. Neste domínio, os recursos informáticos e tecnológicos assumem-se também como vias fundamentais para a modernização das escolas, podendo inclusivamente contribuir para as tornar mais igualitárias nas oportunidades – académicas, sociais e profissionais – que oferecem aos seus alunos. É precisamente neste contexto que surge o projeto Sintra E-Conteúdos, uma iniciativa conjunta das Escolas Professor Galopim de Carvalho, de Queluz, e Padre Alberto Neto, de Rio de Mouro, com o apoio da Rede de Bibliotecas Escolares, e que assenta na implementação do uso de iPads por parte de alunos e professores em contexto escolar, tendo em vista não apenas a promoção das competências de leitura digital, mas igualmente a produção e disseminação de recursos educativos digitais. No projeto participam um total de 12 professores, três turmas de alunos, uma funcionária da biblioteca e 42 monitores da biblioteca escolar, envolvendo a lecionação de diferentes disciplinas, nomeadamente a língua portuguesa, a matemática, as ciências da natureza, a educação visual e tecnológica (EVT), as ciências naturais e a físico-química. Em termos de recursos materiais, a iniciativa implica a disponibilização de 15 iPads, aplicações para produção e manipulação de texto, imagem e som, e acesso à Internet. As atividades desenvolvidas com o recurso à utilização do iPad têm lugar no contexto da sala de aula para leitura e exploração de obras incluídas no Plano Nacional de Leitura, sob a orientação do docente, e na biblioteca escolar, onde o iPad pode ser utilizado livremente pelos alunos para leitura de e-books, revistas ou jornais, e consulta de aplicações educativas, contando com a mediação e o apoio da equipa da própria biblioteca. A pesquisa levada a cabo, em torno deste projeto, procurou avaliar se os novos dispositivos tecnológicos, e neste caso em particular os iPads, estão ou não a contribuir de forma consistente para a promoção da literacia digital, incentivando hábitos de leitura junto de novos públicos e socorrendo-se de novos suportes em contexto escolar. De acordo com os dados recolhidos, as Escolas EB 2.3 Professor Galopim de Carvalho e Padre Alberto Neto abrigam uma população escolar marcadamente multicultural, com uma maioria de alunos provenientes de famílias com acentuadas carências socioeconómicas e apresentando elevadas taxas de abandono escolar prematuro. Ambos os estabelecimentos integram, de acordo com o Projeto Educativo 2013-2017, o Agrupamento de Escolas BelasQueluz (o segundo maior do país), constituído por 4281 alunos, distribuídos por múltiplos 447

ciclos de ensino que vão desde o Pré-Escolar ao Secundário, passando pelos Cursos de Formação e Educação de Adultos. Em termos de nacionalidades, importa assinalar a presença de uma percentagem significativa de comunidades estrangeiras, em particular de alunos oriundos do Brasil e dos PALOP. Os resultados obtidos a partir deste estudo de caso indicam que semelhante tipo de iniciativas estimula e desenvolve as competências de leitura digital, permitindo em simultâneo um maior envolvimento no trabalho de equipa, nomeadamente na interação aluno-aluno, alunoprofessor e professor-aluno, e um dinamismo acrescentado que é produzido pela relação aluno/iPad. De facto, parece haver uma rápida apropriação por parte dos jovens alunos das múltiplas funções permitidas pela tecnologia intuitiva e de fácil manuseamento dos iPads, o que por seu turno possibilita uma melhoria das próprias práticas pedagógicas e o desenvolvimento das competências de literacia digital. Quando questionados (Pinheiro, 2013), 75% dos alunos afirmaram que relativamente ao livro em papel a leitura digital é mais fácil e essa percentagem é ainda mais elevada, 89%, para os alunos que tinham afirmado gostar pouco ou muito pouco de ler. Para estes alunos as principais vantagens dos livros digitais são “encontrar mais facilmente o que procuram”, 53%, e a possibilidade de incluir som ou vídeo nos livros, 16%. Mais uma vez, a possibilidade multimédia é particularmente relevante para os alunos que gostam pouco ou muito pouco de ler, 26%. Coleman (1966) e Plowden (1967) afirmam que as diferenças nos resultados escolares estão mais interligadas com a condição social de cada família em particular do que com os recursos escolares disponíveis. O insucesso escolar advém resumidamente de fatores que, combinados entre si, provocam ruturas e discordâncias que têm que ser examinadas numa leitura longitudinal. Só assim se poderá compreender muitas das descontinuidades culturais entre o ambiente que alguns alunos têm em casa e aquele que encontram nas escolas que frequentam. Uma das principais dificuldades identificadas neste estudo de caso prende-se com a desarticulação entre a realidade do contexto escolar e a realidade doméstica da maioria dos alunos, que não dispõem em casa dos mesmos equipamentos que podem utilizar na escola. Além disso, os iPads não estão disponíveis para toda a população escolar e não existe uma política integradora a longo prazo que permita fazer a ponte entre as diferentes realidades escolar e doméstica.

Referências bibliográficas Coleman, James S. (org) (1966), Equality of Educational Opportunity, Washington DC, Government Printing Office. Lages, Mário (coord.) (2007), Os Estudantes e a Leitura, Lisboa, Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação (GEPE). Pinheiro, C. (2013), “Leitura Digital e Formação de Leitores”, in ABC da Edição Digital: Conferencia sobre Edição Digital de Livros para Crianças, Lisboa, Fundação Calouste de Gulbenkian, 28 de Janeiro de 2013. Plowden (1967), Children and their Primary Schools (Report of the Central Advisory Council for Education), Londres, HMSO.

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As bibliotecas públicas, por seu lado, são confrontadas diariamente com a necessidade de alargamento do seu espaço comunitário - “as technologies advance, people in our communities rely on digital information to find opportunities to improve their lives. We must make sure public libraries, which are critical community hubs, keep pace with that change and give patrons access to the resources they need”236. Aquilo que os leitores desejam é, essencialmente, o acesso facilitado, a partir de qualquer lugar, de forma contextual e democrática, e o acesso imediato e alargado, vinte e quatro horas por dia, todos os dias da semana. Este é, de facto, um desafio radicalmente diferente do paradigma segundo o qual as bibliotecas funcionavam e isso implica também novas métricas: “não é correto que continuemos a medir o desempenho das nossas bibliotecas pelas estatísticas convencionais, mas sim pelo contributo que elas dão para a mudança social, para a resolução de problemas nas comunidades, e isso tem de se medir de outra forma”237 (bibliotecário, 2011).

Conclusões: a biblioteca como pilar de democratização Em Portugal a leitura de livros digitais em contexto de biblioteca apresenta-se ainda com um carácter embrionário e Portugal é também o país com uma das taxas mais baixas de frequência de bibliotecas. No entanto, tal como referido no capítulo 7 sobre as novas formas de leitura e de leitores, quando se perguntou, no âmbito do inquérito, se esperavam ler mais ou menos através de um meio digital, a expectativa para 44% das pessoas é ler mais. Esta não pode ser uma oportunidade perdida para as bibliotecas. As bibliotecas podem ter um papel crucial na aproximação dos leitores à leitura digital e na construção de uma cidadania digital, especialmente as universitárias dado que o seu público-alvo é exatamente aquele que mais lê livros digitais. As bibliotecas estão posicionadas para ser a nova montra da oferta digital mas o desconhecimento dos recursos digitais ou a sua ausência são um entrave a este papel. Os novos desafios e oportundiades são enfrentados num contexto de enorme fragilidade e de instabilidade. Para que possam assumir em pleno o papel de pilar de democratização as bibliotecas precisam de novas estratégias e investimentos que sejam centrados em novas prioridades, mas assegurando a inclusão dos leitores não digitais dado que o formato impresso continua a ser muito importante, especialmente para os mais jovens e as suas famílias; necessitam de novos modelos de avaliação, de novas métricas, já que o digital não pode ser avaliado apenas pelo paradigma do livro, e precisam de encontrar um novo equilíbrio com os restantes agentes da rede de valor 236

Jill Nishi, diretora da iniciativa bibliotecas na Fundação Bill & Melinda Gates - palavras proferidas no anúncio do lançamento do projeto de investigação do Pew Research Center para estudar as mudanças de papéis das bibliotecas públicas e os seus usos na era digital, com o apoio da Fundação Bill & Melinda Gates: http://libraries.pewinternet.org/2011/10/17/press-release/ 237 Comentário de um bibliotecário na reunião com bibliotecas públicas no âmbito do projeto de investigação “A Leitura Digital e a Transformação do Incentivo à Leitura e das Instituições do Livro”.

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da leitura, nomeadamente editores e escolas. Têm igualmente de fazer um esforço de ajuste às novas expectativas dos seus leitores que esperam acesso facilitado (de qualquer lugar, contextual e democrático), imediato e alargado. A solução, que não é única, deve ser encontrada nas necessidades, práticas e expectativas da comunidade específica de cada biblioteca.

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Referências bibliográficas American Library Association and the Information Policy & Access Center (2012), Libraries Connect Communities: Public Library Funding & Technology Access Study 2011-2012, Universidade de Maryland. Castells, Manuel (2004), A Galáxia Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (2012), Relatório Estatístico 2012 relativo à Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP). Levien, R.E. (2011), Confronting the Future. Strategic Visions for the 21st Century Public Library, American Library Association and the Information Policy & Access Center, Policy Brief nº 4, Junho. Zickuhr, K., Rainie, L. e Purcell, K. (2013), Younger American’s Library Habits and Expectations, Washington, Pew Research Center’s Internet & American Life Project. Zickuhr, K., Rainie, L., Purcell, K., Madden, M. e Brenner, J. (2012), Libraries, patrons, and e-books, Washington, Pew Research Center’s Internet & American Life Project.

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12 Os contextos das bibliotecas escolares e municipais: procura e oferta de recursos e serviços na era do digital Marta Neves

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Qual o rosto das bibliotecas nos nossos dias? Que papel desempenham no âmbito das comunidades de que fazem parte? Como irá evoluir a sua acção na próxima década e em que áreas? Em que termos a leitura digital é hoje integrada e dinamizada no cômputo geral da oferta de recursos e serviços ao dispor dos públicos, em particular das crianças e jovens? Estas são algumas das linhas gerais de pesquisa que orientaram um questionário dirigido a responsáveis de bibliotecas municipais e escolares, apoiadas pela Fundação Calouste Gulbenkian no apetrechamento de dispositivos de leitura digital. Daí que o principal enfoque tenha recaído sobre as questões da leitura em ecrãs digitais.

Enquadramento teórico As bibliotecas representam hoje espaços especialmente amplos, com estruturas susceptíveis de propor uma variedade de recursos e serviços aos seus públicos, ganhando assim um particular relevo. A este propósito, e em relação a públicos infantis, Kirsten Drotner refere-se às bibliotecas públicas como a arenas galvanizadoras das futuras expressões e expectativas socioculturais das crianças. Ou seja, as bibliotecas, sejam elas físicas ou virtuais, tendem a demonstrar capacidade de oferta aos seus utilizadores mais jovens, associada a uma diversidade de suportes para texto, imagens e som: (…) public libraries of the 21st century must offer young users a wide range of new, multimodal forms of expression in order to fulfill their time-honoured aims and objectives. (Drotner, 2009: 1) Drotner defende que as bibliotecas devam passar a definir-se em função da relação que estabelecem com os utilizadores e a oferta que lhes destinam, pressupondo uma aposta na qualidade do conhecimento obtido via informação, entretenimento e comunicação. Partindo da noção de liberdade de expressão das crianças, a autora confere-lhe um entendimento amplo: “liberdade de expressão das crianças” congregaria em si movimentos de recepção, ou seja, de pesquisa e acolhimento. Em simultâneo envolveria também produção e troca; informação e entretenimento e ainda o uso de todos os tipos de media. Se numa perspectiva tradicional as bibliotecas públicas centravam a sua acção especificamente nos modos de recepção das crianças (o que justificava a valorização dos media impressos), as tendências actuais em torno de tecnologias digitais e cultura dos media estão a disponibilizar novos meios capazes de envolver outros aspectos da liberdade de expressão das crianças, permitindo-lhes modelar e partilhar informação e entretenimento através do que a autora designa de novos repertórios de texto, imagens e som. Na prática, as alterações na acção (no output) das bibliotecas verifica-se ao nível dos novos materiais e novos usos que lhes são assignados. Ou seja, a forma como as bibliotecas públicas tenderão a operar resultará em parte do impacto trazido pelas mudanças nos usos que os mais novos fazem dos media em geral. 453

Face à mudança das condições em curso, Kirsten Drotner aponta como um dos maiores desafios das bibliotecas públicas a capacidade de desenvolverem estratégias holísticas de comunicação com os seus utilizadores e que devem ser sensíveis ao quotidiano das crianças e aos seus múltiplos contextos de apropriação cultural. No cômputo geral de oferta actual das bibliotecas, tal como anteriormente se sublinhou, é notória a preponderância das interacções digitais desenvolvidas por públicos mais jovens, conjugada com a persistência de hábitos associados a recursos tradicionais proporcionados por estas instituições. Ao estudar as relações de jovens norte-americanos entre os 16 e os 29 anos com bibliotecas, a Pew Internet Research (2013), chegou a conclusões que vêm confirmar tal tendência. Segundo Kathryn Zickuhr, Lee Rainie e Kristen Purcell, os usos dos jovens americanos nas bibliotecas reflectem uma mistura composta por serviços tradicionais e tecnológicos: - por um lado mantêm um relacionamento forte com os media impressos, ou seja, fazem requisições de livros em papel, pesquisam o que existe nas prateleiras e ainda cultivam uma ligação intensa com as bibliotecas em si, visitando estes espaços e valorizando-os como locais que oferecem condições para estudar, para além de representarem fóruns de convívio informal; - ao mesmo tempo mantêm uma interacção bastante elaborada com os computadores e o online nas bibliotecas. Esta relação com a tecnologia tanto ocorre no contexto físico da biblioteca como virtualmente, através do acesso a websites e serviços de que esta disponha remotamente. Em suma, a oferta variada tanto de recursos tradicionais como de recursos tecnologicamente mais elaborados parece ser uma preocupação inscrita na missão actual das bibliotecas. Ainda em relação aos recursos de natureza digital, cada vez mais solicitados pelos públicos, sobretudo os comummente designados como geração digital, implicando um maior investimento por parte das bibliotecas, levanta-se uma questão: bastará a estas entidades assegurarem o seu apetrechamento consistentemente? Caber-lhes-á uma percentagem de responsabilidade pela natureza dos usos digitais desenvolvidos no seu contexto? Até que ponto a dinamização proactiva da literacia digital se está a converter num dos principais eixos de intervenção das bibliotecas no século XXI? Recorde-se a este propósito como David Buckingham fala da diferenciação nas competências digitais com que as crianças se envolvem em função dos espaços que frequentem, tomando como termos comparativos o que se passa no contexto escolar, formal e o que ocorre para lá dele, noutros âmbitos. Sugere o autor que o uso dado pelos mais novos ao online para lá da escola está imbuído na cultura quotidiana de pares, em ligação directa à cultura dos media dos filmes, televisão, música e videojogos. Tudo isto encontra as suas motivações na vontade de comunicar e na procura do entretenimento, áreas de interesse que não são abordadas na escola e onde a utilização da Internet é extremamente limitada (Buckingham, 2007: 93). No mesmo sentido Mizuko Ito e a sua 454

equipa dedicada ao estudo das interacções de crianças e jovens com a tecnologia, chamam a atenção para as aprendizagens das crianças e jovens, associadas ao novos media em regime autodidacta e também muito por influência dos seus pares, demitindo adultos e professores deste papel. O envolvimento informal com os media digitais e a aquisição de competências técnicas consentâneas como que decorre sem que este processo seja oficialmente pressentido: (...) young people acquire various forms of technical and media literacy by exploring new interests, tinkering, and “messing around” with new forms of media. They may start with a Google search or “lurk” in chat rooms to learn more about their burgeoning interest. Through trial and error, youth add new media skills to their repertoire, such as how to create a video or customize games or their MySpace page. Teens then share their creations and receive feedback from others online. By its immediacy and breadth of information, the digital world lowers barriers to self-directed learning. (Ito et al., 2008: 1-2) Perante este cenário acrescenta-se nova questão: que papel poderão desempenhar as bibliotecas neste processo de aquisição de competências digitais pelos mais novos nos termos de uma abordagem informal? Atente-se nas pistas que a reflexão subsequente poderá vir a fornecer.

Caracterização da amostra e orientações metodológicas Reflectir acerca da leitura digital no âmbito da acção mais ampla das bibliotecas constitui o ponto de partida desta análise que elegeu bibliotecas municipais e escolares como objecto de estudo. A amostra seleccionada para o efeito é composta pelo conjunto de bibliotecas que se candidataram a apoios lançados pela Fundação Calouste Gulbenkian (em 2011 e 2012) para a dinamização de projectos na área das aprendizagens digitais, dirigidos a adolescentes e jovens. Em concreto estas instituições beneficiaram do apetrechamento com dispositivos de leitura digital. Ao todo foram auscultadas 31 bibliotecas, 27 escolares e 4 municipais, na sua maioria dirigidas por professoras e bibliotecárias (com efeito, a presença masculina confirma-se como sendo pontual neste universo). Deste grupo fazem parte as seguintes bibliotecas: - Agrupamento de Escolas de Melgaço (Viana do Castelo); - Biblioteca da Escola Secundária de Caldas de Taipas (Guimarães); - Biblioteca da Escola Secundária Martins Sarmento (Guimarães); - Biblioteca da Escola Secundária de Amares (Braga); - Biblioteca da Escola Secundária de Arouca (Porto); - Biblioteca da Escola Secundária Soares de Basto (Porto); - Biblioteca Municipal de Felgueiras (Porto); 455

- Biblioteca da Escola Secundária Inês de Castro (Porto); - Biblioteca da Escola Secundária José Régio (Porto); - Biblioteca da Escola Secundária D. Afonso Sanches (Porto); - Biblioteca da Escola Secundária de Amarante (Porto); - Bibliotecas do Agrupamento de Escolas de Mangualde (Viseu) e em que se incluem a Escola Secundária de Nelas, a Escola Secundária de Penalva, a Escola Secundária de Vila Nova de Paiva, a Escola Secundária de Canas de Senhorim e a Escola Secundária de Mangualde; - Biblioteca da Escola Secundária Frei Rosa Viterbo (Viseu); - Biblioteca da Escola Secundária das Palmeiras (Castelo Branco;) - Biblioteca da Escola Secundária de Campo Maior (Portalegre); - Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada (Aveiro); - Biblioteca Municipal de Penacova (Coimbra); - Biblioteca da Escola Secundária de Maria Lamas (Santarém); - Biblioteca Municipal da Batalha (Leiria). - Biblioteca da Escola Secundária Domingos Sequeira (Leiria); - Biblioteca da Escola Secundária Luís de Camões (Lisboa); - Biblioteca da Escola Secundária Santa Maria (Lisboa); - Biblioteca da Escola Secundária de Caneças (Lisboa); - Biblioteca da Escola Secundária Bocage (Setúbal); - Biblioteca da Escola Secundária Pública Hortênsia (Évora); - Biblioteca da Escola Secundária de Castro Verde (Beja); - Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos (Região Autónoma da Madeira); Numa perspectiva geográfica é evidente a sua concentração nas regiões norte, sobretudo junto ao litoral, tornando-se pulverizadas no centro até ao distrito de Beja. Um número considerável (8) localiza-se no distrito do Porto. Em relação às opções metodológicas, optou-se por desenvolver uma pesquisa qualitativa, suportada numa amostra intencionalmente não representativa e que foi auscultada através de um inquérito por questionário, elaborado de raíz para este efeito. Desenharam-se dois guiões de forma a inquirir as particularidades de bibliotecas municipais e escolares. Não obstante, cada um deles integrava um conjunto de perguntas comuns a ambos os tipos de instituições. Além disso, e porque a tónica desta pesquisa recai em grande parte sobre as interacções de adolescentes e jovens com as bibliotecas e o mundo digital da leitura, foram criadas questões comuns sobre este tema central na pesquisa. A partir da análise dos discursos dos professores e outros responsáveis pelas bibliotecas, traça-se aqui um perfil das suas singularidades quanto ao modo como articulam a tecnologia e a aquisição de literacias, mediante a gestão de recursos digitais de que dispõem. De acordo com este enquadramento averiguou-se o que distingue as bibliotecas municipais das escolares; que serviços e recursos compõem a sua oferta aos públicos; como tem evoluído a afluência a estas instituições e quem mais as frequenta. Identificam-se as 456

motivações para frequentar bibliotecas, dando especial atenção aos usos digitais. Deixa-se ainda uma reflexão sobre qual a missão futura das bibliotecas e como evoluirão consumos e públicos respectivos. No centro de tudo isto estão os públicos jovens protagonistas deste apelo pelo digital.

BIBLIOTECAS MUNICIPAIS

Todas iguais, todas diferentes Do conjunto de bibliotecas municipais auscultadas fazem parte a Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos, pertencente ao Município da Madeira; a Biblioteca Municipal de Felgueiras e a Biblioteca Municipal da Maia, ambas do distrito do Porto; a Biblioteca Municipal de Penacova, do distrito de Coimbra, e a Biblioteca da Batalha, situada no distrito de Leiria. Para lá de um conjunto amplo de serviços e programas comuns dinamizados em todas elas, identificam-se especificidades em função das quais são orientadas as respectivas intervenções: por exemplo a localização geográfica ou o nível de desenvolvimento socioeconómico e cultural da comunidade em que cada uma destas bibliotecas se integra. Nesta linha, em Câmara de Lobos, a sua responsável chama a atenção para a persistência do fenómeno do analfabetismo, associado a um baixo índice cultural da população. Esta particularidade leva a que a promoção da leitura ganhe por isso prioridade absoluta. Outro exemplo provém da Biblioteca Municipal de Felgueiras: a propósito dos pontos essenciais do seu perfil actual e da missão que deverá desempenhar nos próximos anos, a sua responsável enfatiza a necessidade de a intervenção da biblioteca levar em consideração e se moldar à conjuntura de crise económica, marcada pelos índices crescentes de desemprego na comunidade, respondendo às novas necessidades daquela. De resto, o cenário marcado pelas dificuldades agudas da crise é recorrente e transversal nos discursos dos questionados, indo reflectir-se na vida nas bibliotecas, seja ao nível dos recursos disponíveis mas também dos serviços que tendem e tenderão a ser mais solicitados. A essência das bibliotecas municipais pressupõe um “estar de portas abertas a todos”, enquanto extensões da comunidade; como espaços onde se pode conviver, pesquisar, ler, consultar, usar dispositivos digitais, fazer requisições, fruir de actividades, tudo com a marca da gratuitidade. Aqui reside o “core” estratégico para atrair e envolver a comunidade. Atente-se ao caso da Biblioteca Municipal de Penacova: para além de haver a preocupação de atingirem o máximo de públicos possíveis com acções que lhes sejam adequadas (promovendo actividades específicas em função dos momentos de férias escolares, datas especiais ao longo do ano...), os seus responsáveis põem uma tónica especial na promoção proactiva do património e da história do concelho. O levantamento 457

do património imaterial de Penacova, a promoção de conversas e memórias com os utentes séniores, passando pela criação de um arquivo digital fotográfico do concelho, envolvendo e dando a conhecer este manancial aos mais novos por via de programação pedagógica, são reveladores desta preocupação. Sublinhe-se que este tipo de acções dinamizadoras é, em geral, explorado em todas as bibliotecas questionadas, com maior ou menos ênfase sobre determinados temas. Em relação à Biblioteca Municipal da Batalha, da sua intervenção destaca-se o trabalho desenvolvido ao nível da biblioteca itinerante e soma-se ainda a aposta no domínio das acessibilidades, contando esta biblioteca com uma oferta de 200 títulos em braille e suporte áudio. Destes breves retratos é possível depreender o relevo crescente das bibliotecas municipais enquanto fóruns com vida própria, capazes de dinamizarem um leque de actividades apelativas, o que poderá explicar o aumento significativo da afluência de públicos nos últimos quatro anos. Tome-se o caso da Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos: (…) assiste-se a um aumento significativo desde a inauguração do novo edifício em 2009, e já em 2010 também, com a duplicação das entradas (7.088 em 2009 para 14.789 em 2010) e em 2012, com um aumento de mais de 25% de entradas relativamente ao ano anterior (20.121 entradas em 2012). Na Biblioteca Municipal de Penacova, a um crescimento continuado da procura segue-se um momento de explosão desde meio de 2010 em diante, coincidindo com a disponibilização de serviços digitais ao público. Na Biblioteca Municipal da Batalha o seu responsável confirma um significativo aumento das visitas e relaciona-o com a perda de poder de compra por parte da grande maioria de agregados familiares: cada vez mais, registamos o aumento de solicitações ao nível do empréstimo de livros de estudo obrigatório em regime de componente lectiva.

Bibliotecas municipais: quem as visita? A partir dos discursos dos inquiridos foi possível reunir pistas para desenhar um retrato, tão aproximado quanto possível, de quem frequenta as bibliotecas municipais: os seus públicos caracterizam-se pela heterogeneidade demográfica (abarcando crianças, jovens, adultos, séniores) e a outros níveis também, evidenciando-se a especial procura por parte de desempregados e cidadãos estrangeiros (muitos deles provenientes de países de Leste e do Brasil). Nessa perspectiva, as bibliotecas municipais tendem a assumir-se como espaço de apoio e envolvimento na comunidade, funcionando como agentes integradores. É ainda referido o hábito de fruição por parte de famílias (pais e filhos) de programas propostos pelas bibliotecas: 458

o público da Biblioteca da Batalha abrange várias faixas etárias. No período semanal, compreendido entre as 13h00 e as 18h00, de Segunda a Sexta-feira, o público é essencialmente jovem, com idades compreendidas entre os 10 e os 17 anos de idade, registando-se a presença de várias nacionalidades. Verifica-se um número considerável de cidadãos estrangeiros, oriundos essencialmente dos países de Leste e do Brasil. Temos também registado um aumento de público no que concerne a cidadãos desempregados, que usufruem principalmente do serviço de Internet e da consulta de periódicos. Aos sábados, com o horário das 14h30 às 18h00, recebemos os utilizadores que, por incompatibilidade de horário, não lhes é permitida a frequência da biblioteca em horário semanal, bem como de pais e encarregados de educação que acompanham os filhos, tanto para a requisição domiciliária como para usufruto das componentes lúdicas do espaço infanto-juvenil. Mensalmente, a Biblioteca dinamiza a Hora do Conto, dia em que a afluência de público aumenta significativamente. A análise realizada permite construir um perfil das bibliotecas municipais como espaços públicos que vêm suprir necessidades a que as famílias, e as pessoas em geral, não conseguem dar resposta. Assim, a disponibilização de livros e outros títulos, para consulta e requisição, o envolvimento gratuito em programas educativos e lúdicos, o acesso a computadores, Internet e outros dispositivos digitais para os quais se sente a ausência de poder de compra, ganham cada vez maior relevo neste contexto.

Bibliotecas municipais: serviços e programas mais procurados pelo público O olhar geral sobre o que mais procuram os públicos nas bibliotecas municipais permite sublinhar o protagonismo destas na dinamização da leitura e o chamariz que constituem para as audiências mais novas, aliciadas pelo acesso a recursos áudio, vídeo e digitais. Em Câmara de Lobos, destaca-se em primeiro lugar a requisição de cd’s e dvd’s, seguida pela requisição de livros e a participação em programas dirigidos a crianças e jovens. Seguese a leitura de jornais e revistas, vindo depois o simples estar na biblioteca, fruindo do que ela disponibiliza. Já outros usos que impliquem competências e literacias um pouco mais elaboradas, quer para adultos quer para crianças, não recebem grande atenção, tais como a pesquisa em bases de dados, e-books e audiolivros. Os programas e aulas destinados a adultos são os serviços menos procurados. Tal poderá relacionar-se (e ser explicado) pelo baixo índice de alfabetismo e de cultura geral apresentado pela população. Por seu lado, a utilização de recursos disponíveis na biblioteca para pesquisa de ofertas no mercado de trabalho é também pouco expressiva. Na Biblioteca Municipal de Penacova, entre os usos mais procurados contam-se os programas e aulas para crianças e jovens e para adultos, a requisição de revistas e jornais, o uso de recursos para procura de emprego, o uso de e-books. Segue-se a leitura de livros, a pesquisa das estantes da biblioteca. A leitura de revistas e a pesquisa de bases de dados. 459

Em Felgueiras os usos tradicionalmente associados à biblioteca são os mais comuns: interessa sobretudo a requisição de livros, estar na biblioteca lendo, estudando, utilizando (vendo ou ouvindo) algum media, a leitura de revistas, jornais e a pesquisa do que exista nas estantes da biblioteca. Associa-se ainda a frequência de aulas ou programas específicos para adultos e crianças e jovens, lado a lado com a utilização de recursos para pesquisar emprego. Não é feita menção alguma aos usos digitais mais elaborados, relacionados com audiolivros e e-books ou Kindle. Na Biblioteca Municipal da Batalha ganham destaque os programas específicos para crianças ou jovens, e os recursos para pesquisa de emprego. Segue-se a requisição de livros, estar na biblioteca lendo, estudando, utilizando (vendo ou ouvindo) algum media; a requisição de cd’s, vídeos, dvd’s e a leitura de revistas, jornais e a sua requisição. Merecem muito pouco relevo as interacções com audiolivros e bases de dados; e também não se fazem quaisquer referências aos e-books. Em suma, a pesquisa de emprego através dos recursos disponibilizados pelas bibliotecas é uma constante, mas que pressupõe algumas competências e literacias para que seja eficaz; entre os usos mais habituais estão as actividades ligadas à leitura e aos livros. Já os programas para crianças e jovens, mas também para adultos, assumem especial importância. Usar a biblioteca como espaço de convívio é outra função que se agrega cada vez mais às bibliotecas municipais.

A preponderância dos usos digitais Ao analisar a amplitude dos usos digitais (a sua procura) no cômputo geral dos serviços oferecidos pelas bibliotecas, surgem indícios de que estes têm vindo a adquirir especial significado. Por um lado, as bibliotecas parecem marcar pontos ao procurarem assegurar o acesso facilitado a estes recursos, sobretudo através da implementação de programas e projectos especificamente dirigidos à população mais jovem. Por seu turno, a adesão por parte deste público em concreto tende a ser mais intensa do que noutras faixas etárias. Fica por saber, em termos substanciais, em que se traduz esta utilização de recursos digitais: que dispositivos são mobilizados para além da Internet? Com que finalidades? A Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos é a única a indicar taxativamente que o uso por motivos de diversão e lazer é o mais comum, apesar dos esforços para tornar a interacção mais elaborada: actualmente, estamos a sensibilizar o público para o acesso à secção da Biblioteca na página oficial da Câmara através de login pessoal, onde podem aceder ao catálogo e ter informações mais personalizadas sobre os documentos.

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Ainda no sentido da promoção dirigida aos públicos mais jovens, assinale-se como na Biblioteca Municipal de Penacova a oferta de serviços digitais provocou o aumento em flecha da frequência da biblioteca: a partir do momento que tivemos mais serviços digitais, o número de utilizadores aumentou muito. Em termos de utilizadores este ano, estamos ainda no primeiro semestre e já tivemos praticamente os mesmo número de utilizadores do ano anterior. É o chamado Espaço jovem, e que está apetrechado com computadores, iPads e consolas. A Biblioteca Municipal de Felgueiras reitera a mesma ideia, evidenciando que o Espaço Internet (integrado na denominada Rede de Espaços Internet) é o mais valorizado pelo público em geral. O mesmo fenómeno verifica-se na Biblioteca Municipal da Batalha onde os usos online são uma tendência inquestionável (…) ainda muito alocada ao público juvenil mas que acreditamos se vai generalizar nos próximos anos. A conjugação entre digital e públicos mais jovens é inevitável, na opinião da responsável pela Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos: com o projecto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, “Espaço jovem, espaço de irreverência: lugar de leituras radicais”, estamos a tentar promover a leitura digital numa faixa etária de transição. (…) Criou-se uma actividade de promoção da leitura digital denominada “Aprendo com o iPad” que tem chamado a atenção de alguns adolescentes frequentadores da Biblioteca. A esse propósito, a bibliotecária da Biblioteca Municipal de Penacova refere que se vive neste contexto um momento híbrido: (...) a leitura tradicional do livro ou de outro material impresso convive com a leitura em suportes e formatos diferentes: as atividades de promoção da leitura nas bibliotecas devem ser pensadas para os “nativos digitais”, para os jovens, uma vez que consideram os computadores e outras ferramentas tecnológicas (jogos, leitores de musica digital, câmaras Web) como dispositivos que fazem parte das suas vidas, desde que nasceram, para realizarem várias atividades, nomeadamente a leitura recreativa. O conceito de promoção da leitura é um conceito amplo, relacionado com as políticas culturais, e que pode incluir diversas estratégias e técnicas que permitem fazer leitores, fidelizando-os à biblioteca. Para isso vamos recorrer às novas tecnologias para as actividades de animação da leitura. Não podemos menosprezar que a leitura recreativa, aquela que é feita de forma voluntária e que contribui para a criação de verdadeiros leitores não se restringe só ao suporte livro. O leitor do séc. XXI, “o nativo digital” inclui nas suas estratégias de leitura, ferramentas digitais que fazem parte do seu dia-a-dia. Assim o jovem precisa de desenvolver competências que lhe permitam aprender a ler o mundo em que vive, isto é, aprender a agir com consciência crítica para poder assumir a sua autonomia e cidadania em plenitude. 461

Em relação a este mesmo aspecto, na Biblioteca Municipal da Batalha é mencionada a importância do apoio à digitalização de recursos através da Fundação Calouste Gulbenkian: a Biblioteca da Batalha vai dar início no próximo mês de Julho ao projecto “E-leituras”, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Na prática, o serviço consiste na disponibilização de 10 tablets (na Biblioteca Municipal e no Pólo da Biblioteca na Freguesia de São Mamede), com a disponibilização de diversos livros digitais (portugueses e estrangeiros), diversos periódicos e revistas e algum acervo do fundo local. O que se pretende é que a “viagem” para a leitura digital, que estamos em crer que vai iniciar-se com alguma força nos próximos dois anos, essencialmente nas faixas etárias mais jovens, se inicie. Focando o olhar de forma particular sobre os usos digitais mais procurados por crianças e jovens, verifica-se como o recurso a computadores, impressoras e Internet é uma prática unânime em todas as bibliotecas e a mais intensa em três delas. Em relação a interacções com dispositivos electrónicos como leitores de e-books (ex.: Kindle), ou Tablet (ex.: iPad ou Samsung Galaxy) ou audiolivros ou até mesmo a pesquisa em bases de dados, os usos são muito mais rarefeitos e pontuais. Questiona-se a razão de ser deste resultado: ausência de dispositivos nas bibliotecas? Ausência de motivação para os procurar? Ausência de literacias que permitam a sua utilização? Mero desinteresse? Uso vedado pelas bibliotecas?

Missão, públicos e consumos: quando o futuro se deixa adivinhar Ao referirem-se à evolução do público na próxima década, grande parte das bibliotecas como a de Câmara de Lobos, Penacova e Felgueiras defendem que os projectos que já têm implementados irão produzir uma fidelização e aumento da sua afluência. A responsável pela Biblioteca de Câmara de Lobos tem consciência da dificuldade em cativar públicos, devido ao enquadramento socioeconómico e cultural muito débil da população em seu redor. Mesmo assim, defende que os jovens já se envolvem mais com a biblioteca e lidam com os seus recursos evidenciando maior destreza: (...) visto estarmos a trabalhar em prol da criação de pilares para que o público ganhe interesse na obtenção de conhecimento, na leitura e na cultura no geral, ainda teremos que percorrer um longo caminho até verificarmos alterações comportamentais significativas. Obviamente que os mais jovens já têm outra forma de se relacionar com os diversos recursos proporcionados pela biblioteca, contudo ainda há muita ingenuidade e despreocupação com tudo o que os rodeia, pelo que, acredito, ser fundamental para a Biblioteca pensar na sua conduta em torno destas questões.

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A bibliotecária da Biblioteca Municipal de Felgueiras, que também antecipa um aumento do público, justifica-o (mais uma vez) como estratégia para contornar tempos de crise económica e de desemprego intenso: (...) jovens e adultos ativos que apostarão na autoformação e na aprendizagem para fazer face ao desemprego e à exigência de uma formação mais geral face ao evoluir das exigências e evoluir das profissões existentes e das que surgirão. Todas as bibliotecas consideram que os usos digitais serão centrais na oferta das bibliotecas na próxima década, pressupondo a disponibilização de iPad’s, e-books, cursos de literacia digital, mais serviços online, acesso a bases de dados, tutoriais, repositórios e fundos documentais digitais, acesso wireless à Internet, com banda larga, disponibilização de tablets e outros suportes tecnológicos, livros e conteúdos electrónicos. De resto, algumas dão mesmo exemplos de projectos já em curso nesta área específica, enquadrados no contexto geral em que cada biblioteca opera: o projecto “Espaço jovem, espaço de irreverência” tem sido uma mais-valia para a Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos, pois percepcionaram-se outras questões para além da literacia digital: detectou-se, por exemplo, jovens que nem ler sabiam. (Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos) Sendo a aquisição de literacias básicas e a promoção da leitura e do uso do livro o objectivo central das bibliotecas, neste contexto em particular, para bibliotecas como a de Câmara de Lobos e Penacova, a partícula “digital” ganha importância enquanto instrumento promotor da leitura, essa sim, encarada como a essência do trabalho em causa: quando o interesse pela leitura é reduzido, utilizar-se recursos como o acesso ao iPad será facilitador desta tarefa. Portanto, os usos digitais serão o meio para atingir outros fins, esses sim, centrais. (Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos) pretendemos promover e estimular o gosto e o interesse pela leitura a partir das novas tecnologias. (Biblioteca Municipal de Penacova) Em relação à missão que se lhes apresenta para os próximos 10 anos, de um modo geral as bibliotecas municipais apoiam-se nos grandes princípios orientadores deixados pela UNESCO, fazendo uma leitura adaptada às especificidades e carências das comunidades a que pertencem: (...) a informação (atualizada); alfabetização (através de vários suportes, analógicos e digitais); educação (tendo sempre em consideração os interesses dos utilizadores e o

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solicitado pela escola e pela sociedade); cultura (promover várias manifestações culturais que abarquem várias áreas para trazer mais público) (...) Estes são aspectos norteadores para a Biblioteca Municipal de Penacova, também partilhados pela Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos. Por seu lado, esta prevê a necessidade de manter tal orientação a médio/longo prazo devido aos problemas de analfabetismo e desinteresse geral pela cultura, pelo que a mudança de mentalidades se fará muito lentamente. E sublinha ainda a importância de providenciar meios para que haja acesso à recreação e lazer. Saber como aceder e pesquisar informação é outro aspecto sublinhado pela Biblioteca de Felgueiras: (…) a orientação no acesso à informação através do melhoramento dos serviços de referência e a aposta na formação na utilização das redes sociais e recursos digitais. Na perspectiva da Biblioteca Municipal da Batalha, além do trabalho a realizar na componente tecnológica, a sua intervenção em força implicará o serviço de proximidade, o trabalho com grupos específicos, as minorias e a interculturalidade. A Biblioteca de Felgueiras, ao colocar a promoção do livro e da leitura como elementos centrais da sua missão, relaciona o alcance destes objetivos com a situação económica adversa do país, exigindo que as bibliotecas ampliem o seu papel, assegurando recursos: (…) face à presente crise económica, será de grande importância a disponibilização de acesso gratuito à Internet e a equipamentos tecnológicos de nova geração.

Pistas a seguir Este olhar, lançado sobre a organização e vivências de cinco bibliotecas municipais, sem pretensões de representatividade, permitiu que emergissem e se identificassem indícios relacionados com o papel futuro destas entidades. O impacto da acção das bibliotecas municipais num contexto de depressão socioeconómica em que o país está mergulhado, afigura-se como tema central. Nessa lógica, será decisivo acompanhar os termos em que estas irão adaptar/modelar a sua oferta em função dos fluxos de procura dos públicos (também eles em mudança na sua composição e nas motivações para frequentarem as bibliotecas). Será interessante ainda avaliar o nível de protagonismo das bibliotecas municipais na promoção da literacia digital, associada à disponibilização crescente de recursos digitais à população.

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BIBLIOTECAS ESCOLARES

Um perfil Ao desenhar um perfil geral das bibliotecas escolares questionadas, evidencia-se a amplitude e variedade de uma oferta que combina recursos e funções tradicionais destes contextos com outros ligados sobretudo à componente tecnológica. O conjunto destes recursos e serviços confere uma nova face e razão de ser às bibliotecas escolares nos dias de hoje. Nestes contextos misturam-se livros em papel (sobretudo) mas também em suportes digitais; revistas e jornais impressos lado a lado com a possibilidade de se aceder às mesmas publicações online, na área dos computadores, por vezes com a Internet disponível via wireless. Da leitura informal, nestes diferentes suportes, à leitura necessária, que acompanha as actividades curriculares, tudo isso convive no espaço da biblioteca escolar. Ao sistematizar a oferta por áreas (sem qualquer intuito de a hierarquizar), percebe-se como as bibliotecas escolares apostam fortemente na promoção da leitura. E fazem-no assegurando um acervo diversificado, composto por títulos que interessem a todas as faixas etárias. Na mesma lógica disponibilizam manuais escolares e outros livros que integrem os planos curriculares vigentes; promovem clubes de leitura, comunidades de leitores, dinamizam encontros com escritores; disponibilizam revistas e jornais. A oferta de recursos digitais é outra área decisiva e em permanente crescendo na vida das bibliotecas escolares. Aos computadores com acesso online, às impressoras e digitalizadoras, já democratizados nestes cenários, tem vindo a juntar-se, mais recentemente, o investimento em e-books e tablets. Nesta acção de apetrechamento percebe-se o esforço de resposta das bibliotecas à procura dos alunos, especialmente motivados para utilizações digitais em novos suportes. Na perspectiva de alguns responsáveis pelas bibliotecas, os novos ecrãs não só funcionam como aliciantes para a frequência de bibliotecas mas também como promotores da leitura em moldes diferentes dos tradicionalmente concebidos, jogando com outros suportes. Contudo, é notório o desfasamento da oferta disponível de dispositivos em causa face ao volume de solicitações. Em articulação, verifica-se que a promoção da literacia informacional, centrada na formação de utilizadores, é outra vertente bastante dinamizada pelas bibliotecas. Soma-se ainda a oferta de suportes audiovisuais, para visionamento de filmes e para escuta de música e em que se incluem cd’s, dvd’s, vhs’s e blu-ray. A sua utilização parece ocorrer na própria biblioteca e fora dela; neste caso através de requisição pelo corpo docente, em situação de aula, mas também através de requisição domiciliária, sobretudo por alunos. Outro aspecto a assinalar prende-se com a função de apoio logístico das bibliotecas escolares, enquanto fornecedoras de recursos necessários no âmbito das actividades 465

curriculares; por exemplo, através do empréstimo de calculadoras e material de desenho (Biblioteca da Escola Secundária Soares de Basto e Biblioteca da Escola Secundária de Campo Maior) ou até mesmo de manuais escolares, estendendo-se aos recursos audiovisuais, informáticos e digitais. Na verdade, a preocupação em apoiar activamente actividades lectivas é primordial, daí que algumas bibliotecas disponham de blogues com materiais e conteúdos variados, empregues nas diferentes disciplinas do currículo (Biblioteca da Escola Secundária de Nelas e Biblioteca da Escola Secundária de Mangualde). A intervenção das bibliotecas escolares estende-se ainda à dinamização de actividades pedagógicas e culturais e à disponibilização de espaços para exposições ou outros eventos. Verifica-se ainda como a oferta de jogos didácticos é essencial para as faixas de alunos mais jovens. Refira-se ainda como as bibliotecas constituem hoje um espaço onde se pode estar e conviver com os pares, para além das condições favoráveis ao estudo e pesquisa de forma acompanhada que propiciam. O dinamismo destas entidades é notório por via da relação estabelecida com os estabelecimentos de ensino em que se integram; o mesmo é aferível através das interacções com a comunidade em geral, outras bibliotecas instituições. Acentue-se ainda a extensão das bibliotecas, de natureza social face às dificuldades da conjuntura de crise, vindo suprir algumas carências ao nível de recursos pedagógicos e de materiais de alunos cujas famílias não têm condições para os adquirir.

Quem frequenta as bibliotecas escolares? Abertas à comunidade escolar, as bibliotecas visam servir em primeira linha o seu corpo discente. Em regra este é composto por um grupo amplo e heterogéneo de alunos, do 3º ciclo do ensino básico ao ensino secundário. No âmbito do ensino secundário, compreendem-se ainda os alunos do ensino regular e de cursos profissionais, incluindo-se ainda alunos do ensino diurno e nocturno. Esta variedade de graus de ensino determina uma apreciável heterogeneidade em termos etários, abarcando uma faixa que se inicia nos 11, 12 anos e vai até aos 18, 19 anos. A quase totalidade dos alunos é portuguesa. Para os poucos alunos estrangeiros identificados é sublinhada a importância das bibliotecas na aprendizagem da língua portuguesa e de outras valências com vista à integração. Assinalese um caso, diferente, de alunos ciganos que procuravam na biblioteca referências da sua própria cultura: em relação à etnia não temos dados já que na escola não há etnias diferenciadas. (tivemos apenas 3 miúdos de etnia cigana por um período de 2 meses e não houve comportamentos diferenciados, apenas detetámos que em relação aos vídeos do Youtube gostavam de ver os de etnia cigana). (Biblioteca da Escola Secundária de Canas de Senhorim)

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de realçar também a presença constante de alunos de outras nacionalidades que superam muitas das suas dificuldades linguísticas, recorrendo à biblioteca. (Biblioteca da Escola Secundária Pública Hortênsia Castro) temos já uma certa comunidade de alunos chineses: todos procuram e usam muito a biblioteca. (Biblioteca da Escola Secundária José Régio) de diferente etnia, temos um grupo de alunos que são de S. Tomé que frequenta e utiliza bastante a biblioteca também. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca) (...) público do ensino diurno – alguns alunos são oriundos do Brasil, de países do leste e dos PALOP. (...) Público do ensino noturno –os alunos oriundos dos PALOP frequentam amiúde a biblioteca – neste turno o número de alunos de diferentes nacionalidades é superior ao no ensino diurno devido ao curso de Português Para Todos. (Biblioteca da Escola Secundária Luís de Camões) Neste conceito de público incluem-se ainda o corpo docente e os assistentes operacionais e técnicos da escola, apesar de formarem um grupo menos expressivo: temos uma percentagem razoável de professores (homens e mulheres) que frequenta a biblioteca mas não tanto como gostaríamos. Há também dois ou três assistentes operacionais que são assíduos. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca) Se bem que pontuais, existem referências à procura destas bibliotecas por público exterior à comunidade escolar e em que se incluem antigos estudantes, encarregados de educação, sendo também mencionada a parceria com uma universidade sénior: (…) mas o fundo documental e os serviços estão também acessíveis a elementos externos, encontrando-se mesmo em implementação um projeto de leitura em parceria com a Universidade Sénior de Alcobaça. (Biblioteca da Escola Secundária Inês de Castro) (…) e, este ano, uma Encarregada de Educação que trabalha perto da escola e vem à biblioteca ler o jornal. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca) temos algum público exterior à comunidade escolar e que usufrui de alguns dos serviços. Esse número tem vindo a crescer mas ainda é relativamente residual. (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada) (...) o acesso aos documentos é livre e sem reservas. Para além da Comunidade Escolar, também servimos a comunidade local, uma vez que a biblioteca possui documentos que

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poucas bibliotecas têm, uma vez que recebeu uma biblioteca de um centro de formação de professores. (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada) no entanto, a Biblioteca está aberta a toda a comunidade, sendo utilizada por antigos estudantes, nomeadamente universitários, que residem no concelho, encarregados de educação, entre outros. (Biblioteca da Escola Secundária de Amares)

Motivações Ao inquirir o que justifica a frequência das bibliotecas escolares, desde logo destaca-se a procura de serviços que envolvam os suportes digital e papel. Em torno deles, pela ordem por que são enunciados, elaboram-se as grandes motivações para se ir à biblioteca da escola e delineiam-se os usos essenciais dos seus frequentadores. Através deste binómio descobrem-se significados que remetem para o campo da aquisição de literacias várias no contexto das bibliotecas escolares.

O digital avant la lettre No contexto das bibliotecas escolares é evidente o peso e preponderância da procura dos serviços e recursos digitais sobre os demais usos: a tecnologia desempenha um papel crescente na procura e percebe-se que no futuro poderá ditar a tendência de utilização. (Biblioteca da Escola Secundária de Campo Maior) conclui-se que a biblioteca é cada vez menos usada para leitura presencial e cada vez mais procurada pelos meios tecnológicos/digitais que disponibiliza. (Biblioteca da Escola Secundária de Amarante) cada vez mais, os utilizadores da biblioteca recorrem a este espaço para aceder às novas tecnologias. (Biblioteca da Escola Secundária das Palmeiras) os usos e serviços digitais constituem o centro da acção do utilizador da biblioteca (...). (Biblioteca da Escola Secundária Martins Sarmento) Quem protagoniza este fluxo tornado quotidiano é sobretudo o corpo discente (somam-se ainda os professores mas de forma bastante menos expressiva), sendo esta busca ligeiramente mais intensa por parte do sexo masculino, indicam os responsáveis pelas bibliotecas. Com a mudança de hábitos em curso, é natural que ocorram modificações na

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relação dos alunos com as bibliotecas e ao nível dos processos pelos quais ocorrem as aprendizagens em geral.

Acessos e usos Na prática, a busca de novas tecnologias envolve questões ligadas aos acessos e usos. Analisando as motivações dos alunos segundo estes dois eixos, percepciona-se que o acesso a computadores consubstancia uma utilização já bastante democratizada no âmbito das bibliotecas. O computador representa assim o denominador comum na utilização de dispositivos digitais, sendo especialmente aliciante se conjugado com acesso ao online, ou se existir serviço wireless (Biblioteca da Escola Secundária de Amarante), o que permite aos alunos usarem os seus portáteis. Recentemente, os tablets começaram a despertar interesse, reflectindo-se numa procura em flecha: há uma enorme procura dos computadores (que tem ligação à Internet) por parte dos alunos. A Biblioteca disponibiliza 14 postos de computador com uma ocupação muito intensa. A partir deste ano letivo, a Biblioteca passou a disponibilizar tablets (iPads) para leitura ou outras utilizações no seu espaço: refira-se que os iPads têm uma utilização muito intensa, provocando uma procura muito intensa, regulada por um regulamento próprio. (Biblioteca da Escola Secundária de Amares) sim, tem havido um crescendo na procura de tablets e computadores. Estes nunca chegam. Nota-se, cada vez mais, uma procura de novos dispositivos. Tudo o que for digital, tenha botões, som e afins são bem-vindos para os alunos. Quando têm que ler um livro já perguntam se há em e-book. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca) temos verificado que os serviços mais requisitados são o acesso e uso dos computadores, da Internet, dos iPads e dos documentos digitais de que dispomos. (Escola Secundária Caldas de Taipas) a maioria dos utilizadores procura os serviços digitais, nomeadamente através dos computadores ou tablets (embora a biblioteca somente disponha de 2). (Biblioteca da Escola Secundária de Penalva) os alunos do segundo e terceiro período deslocavam-se à biblioteca sempre na expectativa de encontrar um iPad ou computador livres para consultar as redes sociais ou jogar, sendo os primeiros os mais requisitados. (Biblioteca da Escola Secundária Soares de Basto) (…) os computadores e os iPads disponibilizados na biblioteca têm uma utilização muito intensa. Os computadores têm mais de 9000 utilizações registadas (e muitas outras são 469

feitas sem registos – impressões, por ex.), o que dá uma média diária de 60 utilizadores. Os iPads registam uma média de 350 utilizações mensais, e verifica-se que o tempo médio de utilização por cada utente é superior ao dos computadores. Estes serviços disponibilizados à comunidade têm enorme procura e são fundamentais no acesso da comunidade à web, à informação e ao conhecimento. Na Biblioteca são disponibilizados 3 iPads que, em determinados momentos, são utilizados em sala de aula num conjunto de 12. (Biblioteca da Escola Secundária de Amares) Há mesmo quem refira como as bibliotecas funcionam como complemento à oferta das salas de TIC das escolas: os recursos e equipamentos digitais são muito importantes na BE uma vez que com a sobrelotação das salas de TIC, estes são os únicos disponíveis e passíveis de serem requisitados. (Biblioteca da Escola Secundária de Castro Verde) É pois perceptível o esforço de resposta das bibliotecas face à elevada procura destes recursos digitais. Contudo, também é notório como na maior parte dos casos há um desfasamento entre a oferta efectivamente disponível e as solicitações recebidas. Em relação ao eixo dos usos, ou o que fazem os alunos na posse dos dispositivos digitais, identifica-se alguma polaridade entre os designados usos sérios por um lado, e os lúdicos, de estrito lazer, por outro. Em regra a maior parte dos alunos procura computadores tanto para fins de trabalho como recreativos, coexistindo por isso ambas as utilizações. Já em momentos chave, ligados à avaliação de conhecimentos ao longo do ano lectivo, ganham bem mais espaço as pesquisas online (feitas sobretudo com apoio do motor de busca Google), e também a produção de trabalhos individuais e de grupo. O PowerPoint e outros programas como o Prezi, fazem aqui as suas aparições, juntamente com a consulta do Moodle de determinadas disciplinas. Os alunos procuram essencialmente os computadores para realizar pesquisas e trabalhos propostos pelos professores de diversas disciplinas. Também os utilizam para aceder às redes sociais, email ou ao Moodle de algumas disciplinas, quando não existem requisições para trabalho. Excetuam-se os momentos de realização de trabalhos, em que o Google é motor de busca único e o Powerpoint a forma de apresentação mais utilizada, observando-se, no entanto, alguma utilização do Prezi. Muita da pesquisa para trabalhos escolares é efectuada através desse meio (online). (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada). Os alunos utilizam os motores de busca para a pesquisa necessária à elaboração de trabalhos. Utilizam o Moodle de diversas disciplinas. (Biblioteca da Escola Secundária de Penalva) 470

Para lá dos picos de trabalho, a componente lúdica ganha espaço em toda a linha: os jogos, as interacções via redes sociais (especialmente o Facebook), pesquisas no YouTube e a consulta de email pessoal tornam-se essenciais. Resultados das novas dinâmicas de utilização do digital são assim pressentidos, revelando como o online concentra e assegura consumos de vária ordem antes dispersos por outras sedes.

Tablet, relação não consolidada A grande novidade no ambiente digital das bibliotecas chama-se tablet. O que pensam os bibliotecários deste novo recurso? (…) tudo o que for digital é cada vez mais procurado. Computadores servem, mas o que está na moda é trabalhar com um tablet. Ligado à Internet, redes sociais, jogos e afins. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca) A sua introdução é relativamente recente. Tem-se desencadeado ao longo dos últimos dois anos no âmbito destas bibliotecas escolares, sendo o número de dispositivos disponíveis ainda bastante limitado: em bastantes casos existem 2, 3 aparelhos por biblioteca e que não podem responder cabalmente a uma procura fortíssima (Biblioteca da Escola Secundária de Penalva, Biblioteca da Escola Secundária de Vila Nova de Paiva, Biblioteca da Escola Secundária das Palmeiras). Percebe-se como neste momento em cada biblioteca de cada escola se vive a preocupação em definir as melhores soluções de aproveitamento dos tablets no contexto mais vasto das actividades pedagógicas. Seja qual for o emprego que venha a prevalecer, para já os novos recursos digitais são perspectivados como veículo promotor de maior envolvimento dos alunos nas actividades curriculares; isto para além de contribuírem para a promoção da leitura e potencial aproximação ao espaço da biblioteca. Nas salas de aula, por vezes, são utilizados os e-books sobre conteúdos do currículo para realizar trabalhos de pesquisa. Os professores consideram que o uso dos iPads tem motivado os alunos na realização das tarefas. (Bibliotecas do Agrupamento de escolas de Melgaço) Os usos dos serviços digitais são muito importantes pois aproximam os jovens da leitura e do espaço biblioteca que é simultaneamente um espaço de estudo, leitura e de aprendizagem. (Biblioteca da Biblioteca da Escola Secundária Bocage) Em relação aos usos efectivos explorados até agora, percebe-se alguma indefinição natural, provocada pela preocupação de integrar os tablets exclusivamente nas actividades curriculares e nos trabalhos em sala de aula - dado serem novidade e em número reduzido, 471

e por esses motivos de gestão mais difícil -, isto na perspectiva de professores e professores bibliotecários. Em contraponto, os alunos apressam-se a tirar partido de características como a portabilidade e a qualidade da imagem mas em usos preferencialmente informais: adquirimos no ano letivo anterior dois tablets e uma série de e-books que integraram o projeto “Leituras em Linha” dinamizado numa turma do 10º ano e do qual fazemos uma avaliação positiva; neste ano letivo, os dispositivos eletrónicos foram utilizados apenas no contexto da biblioteca e apesar da procura diária, os tablets foram maioritariamente utilizados para pesquisas na Internet e pouco usados em situações de leitura informal. (Biblioteca da Escola Secundária de Mangualde) com o projeto “Leitura e literacia na biblioteca do futuro” foram adquiridos 4 iPads que já vão sendo procurados (embora a maior parte das vezes não seja para leitura, mas para aceder à Internet e para diversão). (Biblioteca da Escola Secundária Frei Rosa Viterbo) os iPads têm uma elevadíssima taxa de utilização e são muito apreciados pelas suas qualidades gráficas, desempenho soberbo e grande portabilidade. Mas são usados essencialmente para acesso à Internet e para outras atividades de ocupação de tempos livres (tirar fotografias, fazer pequenos filmes, etc.). A utilização em ambiente de sala de aula ainda não foi muito explorada, excepto pelo PB que, nas suas turmas, pode apreciar a excelente capacidade destas máquinas para auxiliar em trabalhos de pesquisa. (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada)

Admirável mundo da leitura ainda em papel O suporte “papel” continua a levar a melhor no terreno dos livros e da leitura, apesar de a disputa com os ecrãs e o digital estar a acontecer no território das bibliotecas: - na actualidade estes espaços representam fortíssimos centros de promoção do livro e da leitura, desempenham o papel de aliados estratégicos na oferta de conteúdos e recursos, na sua maioria em suportes ditos tradicionais. Ao mesmo tempo tendem também a integrar e a moldar-se a hábitos de leitura no digital, desde os mais formais àqueles que vão ocorrendo sem que disso se dê conta, informalmente. A leitura é uma actividade imanente à vida das bibliotecas e que surge nos discursos dos bibliotecários conjugada sobretudo no âmbito de trabalhos curriculares, enquanto requisição presencial e domiciliária. Os principais fluxos de consulta de obras relacionam-se com o apoio ao estudo e à realização de trabalhos obrigatórios. A procura de literatura também é mencionada neste contexto, em ligação com os chamados contratos de leitura, existentes ao nível do ensino secundário. Os dicionários, enciclopédias e outros recursos audiovisuais e digitais são muito empregues pelos professores, como materiais de apoio, em ambiente de sala de aula, sendo que, por 472

vezes, os professores optam por transferir as aulas para as próprias instalações das bibliotecas, por uma questão de facilidade de acesso a estes meios: existe um grande apoio dados pela biblioteca, à cedência de recursos para utilizar em situação de sala de aula (exemplos: dicionários, enciclopédias, manuais, obras literárias, CD’s, DVD’s..). Os alunos do ensino secundário, onde se inclui o ensino profissional, consultam obras de apoio ao estudo e para a realização de trabalhos escolares e das provas de aptidão profissional. As obras literárias são muito requisitadas pelos alunos do ensino secundário, essencialmente contos, devido aos contratos de leitura. Também no ensino básico os alunos procuram literatura juvenil e a leitura em língua portuguesa e em línguas estrangeiras, principalmente Inglês. (Biblioteca da Escola Secundária de Caneças) os alunos do 3º ciclo e secundário procuram sobretudo livros de literatura para cumprirem os contratos de leitura da disciplina de Português e para leitura domiciliária. (Biblioteca da Escola Secundária Frei Rosa Viterbo) em termos de empréstimos para sala de aula, são muitos os dicionários e manuais entre os recursos mais solicitados (...). (Biblioteca da Escola Secundária de Castro Verde) (...) muito poucos preferem literatura não ficcional ou livros técnicos, a não ser quando a isso sejam obrigados para efectuar trabalhos escolares. (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada) A leitura puramente voluntária consegue abarcar as temáticas mais variadas e há indícios de ser uma actividade mais habitual entre as raparigas: há uma procura muito interessante de livros/álbuns de divulgação científica, curiosidades, mesmo por alunos que, não tendo hábitos de leitura regulares, gostam de ver essas obras (Ex: Livro Guiness de Records; livros sobre cães e gatos, livros de truques de bricolagem, música.). (Biblioteca da Escola Secundária de Amares) (...) exceptua-se claramente os livros de “educação sexual”, muito procurados quer para leitura presencial, quer para leitura domiciliária. (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada) Por seu lado, a leitura de publicações de imprensa desportiva na biblioteca parece ganhar ênfase, numa base diária, tanto por parte de alunos rapazes como por funcionários da escola: os rapazes utilizam mais a Biblioteca para leitura de jornais, particularmente os desportivos. (Biblioteca da Escola Secundária de Amares) 473

os nossos utilizadores, nos tempos livres, procuram muito os jornais e as revistas com especial relevância para as temáticas desportivas e musicais, dentro do que é a oferta disponível. (Biblioteca da Escola Secundária Pública Hortênsia Castro) há frequentadores diários para ler jornais entre alunos, funcionários e alguns professores. (Biblioteca da Escola Secundária de Penalva) a leitura presencial prende-se sobretudo com a leitura de jornais e periódicos, sendo, neste caso, mais clara a predominância dos alunos do ensino secundário. (Biblioteca da Escola Secundária de Amarante) rapazes (faixa etária dos 17-19 anos): visualização de filmes; pesquisa livre na Internet (consulta do e-mail, acesso ao Facebook, leitura online de jornais desportivos. (Biblioteca da Escola Secundária Martins Sarmento)

Ler no ecrã, hábito não estabilizado As bibliotecas escolares estão a iniciar um processo de descoberta dos recursos de leitura em suportes digitais enquanto potenciais aliados na promoção do livro e na ampliação do conhecimento em geral. Integra-se neste âmbito o apoio decisivo da Fundação Calouste Gulbenkian no apetrechamento digital das bibliotecas auscultadas. Neste contexto de difusão da leitura digital, na perspectiva de alguns dos bibliotecários, os professores irão desempenhar um papel determinante, incutindo novos hábitos aos alunos através do seu próprio exemplo, se bem que esse processo possa não ser linear: a tecnologia desempenha um papel crescente na procura e percebe-se que no futuro poderá ditar a tendência de utilização. Mas as leituras digitais só serão uma tendência para todos quando os professores também fizerem uma utilização muito generalizada. A leitura recreativa ainda é vinculada ao livro impresso e têm algumas resistências. (Biblioteca da Escola Secundária de Campo Maior) os docentes mostram um grande conservadorismo na forma de encarar os novos suportes de leitura e de acesso à informação e frequentam muito pouco a BE. (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada) Em concreto, pelas observações deixadas, percebe-se que a leitura em suportes digitais constitui um processo em descoberta recente, ainda longe da fase de estabilização:

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temos um público de alunos leitor de livros, minoritário, que procura sobretudo literatura de ficção nos suportes convencionais e que não parece ser muito entusiasta dos e-books. (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada) quando têm que ler um livro já perguntam se há em e-book. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca) relativamente aos e-books, já que a escola tem dois tablets e vários livros digitais, não temos verificado grande interesse por parte dos alunos. (Biblioteca da Escola Secundária de Canas de Senhorim) a leitura recreativa ainda é vinculada ao livro impresso e têm algumas resistências. (Biblioteca da Escola Secundária de Campo Maior) frequentemente, os utilizadores preferem a leitura em papel à leitura em suporte digital. (Biblioteca da Escola Secundária Inês de Castro)

Missão, públicos e consumos digitais futuros

Ao reflectirem acerca da missão das bibliotecas na próxima década, alguns dos seus responsáveis acreditam que se irá operar uma mudança nos termos em que estas irão disponibilizar recursos e serviços em virtude das tecnologias digitais, com uma presença cada vez mais marcante destas últimas. Contudo, a sua missão manter-se-á incólume. É por isso comummente aceite que as bibliotecas continuarão a desempenhar um papel preponderante como estrutura de âmbito pedagógico, articulada com outras estruturas educativas no contexto de cada escola. Penso que a missão da biblioteca escolar não sofrerá alterações na próxima década (...). A forma como disponibilizará os seus recursos e serviços é que passará a ser diferente, não apenas confinada ao espaço físico que ocupa na escola, mas muito mais abrangente, com a disponibilização online de recursos e de novos serviços. (Biblioteca da Escola Secundária de Canas de Mangualde) Acredito que poderá ser de grande relevo o papel da BE como um centro de aprendizagem, numa perspetiva de trabalho de parceria com os docentes que poderá, de forma bem gerida, planificada e com outra cultura de escola, contribuir muito para o sucesso educativo a vários níveis. (Biblioteca da Escola Secundária Pública Hortênsia Castro) Na opinião de quem dirige bibliotecas escolares caber-lhes-á investir nas competências de aprendizagem dos alunos, transformar a informação em conhecimento dando especial 475

atenção aos domínios da leitura, da escrita e das literacias em sentido lato. Sem que se desvirtue o núcleo essencial da missão das bibliotecas assim traçado, os seus responsáveis estão cientes de que estas irão integrar e adaptar-se ao processo de digitalização. Esta trajectória, de resto já em curso, vai ao encontro das apetências do seu público chave, ou seja, crianças e jovens, envoltos desde cedo em experiências informais com o digital. O séc. XXI coloca às escolas em geral, e às bibliotecas escolares em particular, um novo desafio que resulta essencialmente de dois fatores: o perfil do aluno atual, “nativo digital” que constrói o seu conhecimento através da mediação da tecnologia, que não compreende o mundo sem recurso a ela, à informação do momento, a uma socialização virtual que ele alimenta, que o alimenta e o acompanha, e o desenvolvimento emergente e exponencial da Web 2.0. Esta Web é potenciadora da aprendizagem com os outros, do c-learning, (comunicação, colaboração, comunidade), da partilha de ideias, de questões, de trabalhos, de recursos, da expressão criativa, da interação, da conetividade. (Escola Secundária Caldas de Taipas) A única maneira de responder aos desafios que nos forem lançando será: acompanhar a natureza das mudanças, adquirir competências nos novos domínios, transformar a oferta do serviço conforme a necessidade dos utilizadores e as exigências tecnológicas. (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada)

Consumos futuros: digitalização de recursos e o poder dos ecrãs A centralidade dos consumos digitais e a multiplicação de ecrãs resumem a visão futura das bibliotecas, tal como é projectada pelos seus responsáveis. Segundo eles, é no apelo tecnológico que se irá fundar a principal motivação para um envolvimento mais intenso dos alunos com as bibliotecas e os seus recursos. Há quem defenda até que este entusiasmo é susceptível de se converter numa nova estratégia capaz de promover a leitura e o acesso ao conhecimento em sentido amplo; uma mais-valia no que respeita às práticas de estudo dos alunos e de ensino dos docentes em contexto de aula. Em suma, parece ser claro o poder dos ecrãs no contexto de hábitos de leitura: com condições físicas e materiais e apoio de recursos humanos, as bibliotecas são um pólo de atração dos alunos no seu processo de aprendizagem, quer em termos individuais quer em grupo. Para isso, é necessário não deixar morrer o interesse dos alunos pela biblioteca e canalizar esse interesse em prol do sucesso dos mesmos, que na sua maioria são os que mais precisam desse apoio e que não têm as mesmas condições fora da escola. A Biblioteca tem que acompanhar os progressos tecnológicos integrando-os nos seus serviços, ao

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encontro dos interesses dos alunos de forma integradora e educativa. (Biblioteca da Escola Secundária Pública Hortênsia Castro) julgo que terá de ser através do ecrã que as bibliotecas devem continuar a divulgar os seus conteúdos e a desenvolver produtos porque é aí que os alunos estão. As redes em computadores e telemóveis devem continuar a ser potenciadas para atrair os alunos para a leitura e acesso à informação. Por muito complicado que se revele muitas vezes gerir o comportamento e os usos dos alunos nos computadores, é inevitável e necessário desenvolver produtos e serviços no ambiente digital. (Biblioteca da Escola Secundária Domingos Sequeira) O fascínio pela tecnologia é aqui encarado como oportunidade para que os estudantes consolidem competências digitais e as articulem com a aquisição de hábitos autónomos de aprendizagem e espírito crítico, sendo que nalgumas bibliotecas essa mudança já está a dar-se. Nesta linha de pensamento integra-se a necessidade de disponibilizar alguns recursos, como sejam plataformas educativas (online), ligadas às áreas curriculares leccionadas, lado a lado com websites de editoras que forneçam conteúdos associados aos mesmos programas. A disponibilização de bases de dados, catálogos e até mesmo documentos digitalizados na íntegra e acessíveis online constituem outra forma de estabelecer e consolidar uma ligação mais sólida com as bibliotecas, ultrapassando ao mesmo tempo eventuais constrições físicas ao nível dos acessos. A extensão virtual da existência das bibliotecas surge assim como outro modo de ampliar a sua influência fora de portas (físicas). Na mesma linha integra-se a promoção de um acesso mais abrangente ao acervo da biblioteca, através de quiosques electrónicos, estrategicamente localizados, e que mais uma vez dispensem a deslocação ao espaço físico da biblioteca, reiterada a propósito de formas futuras de funcionamento e atendimento das bibliotecas ao seu público: penso que, num futuro próximo, a biblioteca deverá valorizar a cooperação e um acesso mais abrangente, residindo o valor da coleção na sua acessibilidade e não no número de exemplares. (Bibliotecas do Agrupamento de escolas de Melgaço) a aquisição (em processo) de um quiosque electrónico para o espaço da biblioteca insere-se nessa preocupação de alargar ofertas de consumos digitais e orientá-las. (Biblioteca da Escola Secundária Domingos Sequeira) há uma mudança significativa no conceito de biblioteca e esta tem que se adaptar: (...) disponibilização online de o máximo de serviços da biblioteca, para que os utilizadores possam tirar o máximo partido sem aí terem de se deslocar… (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca)

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Por fim, neste quadro de acesso ampliado a recursos das bibliotecas escolares, defende-se a criação de serviços mais personalizados de acordo com as necessidades específicas de pesquisa de cada um. Ou seja, é de um processo de trabalho mais autónomo que aqui se trata, e no entanto apoiado, se se desejar: tratando-se de uma biblioteca escolar, considero que a sua missão se prende com a melhoria da qualidade do acesso à informação, através da (1) formação dos utilizadores na sua consulta e da (2) organização/disponibilização de informação com qualidade e pertinência face ao contexto a que se destina, tendo também em atenção a articulação com outros ciclos de ensino e os objetivos do Catálogo Interconcelhio. (Biblioteca da Escola Secundária de Maria Lamas) perspetivo, que na próxima década, se acentue a missão de desenvolvimento do domínio da formação e apoio ao utilizador, e à leitura, com um atendimento cada vez mais personalizado e de acordo com as necessidades individuais. Com elevada interação entre a biblioteca e o utilizador (aluno ou professor, no caso da biblioteca escolar). Neste contexto, as novas tecnologias têm, e irão ter, um papel fundamental porque potenciam a aproximação e permitem a informação, interação... com o utilizador. Assim, a biblioteca escolar tem que fazer parte, cada vez mais, da escola (um recurso de todos), estar equipada e dotada de recursos humanos, que trabalhando em rede com outras bibliotecas, procuram não só responder às solicitações da comunidade mas, também, perspetivar o futuro, preparando-se para ele. (Biblioteca da Escola Secundária de Caneças) Em suma, a missão, os públicos e consumos digitais futuros das bibliotecas escolares podem ser mapeados a partir de um conjunto de ideias-chave como a virtualização das bibliotecas, a digitalização de recursos e conteúdos informativos e de qualidade, a promoção do acesso online, o emprego da tecnologia tirando partido das suas partículas de portabilidade e interactividade, a literacia digital, os usos personalizados, autónomos e críticos, a ampliação do conhecimento em última instância.

Tecnologias e literacias Para que os processos acima prospectivados ganhem lastro, para além da necessidade de coincidência entre oferta e procura de recursos, importará observar os usos efectivos, ou seja os níveis de competência e literacia digital envolvidos. Eis porque muitos dos responsáveis das bibliotecas referem como imperativa a aposta na formação dos principais utilizadores destes recursos, os alunos. Contudo esta é uma preocupação extensiva aos responsáveis das bibliotecas e aos professores, tanto mais que numa perspectiva tradicional seriam eles os transmissores destas literacias; para que desempenhem esse papel crucial, estes formadores terão de ser previamente formados: 478

contudo, uma BE com recursos analógicos como digitais atualizados e com uma equipa multidisciplinar, organizada e ativa, será sempre uma motivação para levar os alunos à BE. (Biblioteca da Escola Secundária Luís de Camões) organização de equipas BE que contenham obrigatoriamente, pelo menos, um técnico informático, capaz de atualizar constantemente o software, os recursos digitais criados ou a criar e que esteja atualizado quanto às mais recentes inovações educativas digitais (…). (Biblioteca da Escola Secundária de Nelas) criação de equipas BE tecnologicamente preparadas para criarem e apoiarem os nossos alunos, estando disponíveis à constante formação nesta área. (Biblioteca da Escola Secundária de Nelas) O discurso dos bibliotecários ao mesmo tempo que sugere o reconhecimento do peso decisivo dos ecrãs no contexto futuro das bibliotecas, deixa transparecer a preocupação em que se reoriente esta aliciante tecnológica para estritos objectivos de natureza pedagógica. Este entendimento assim condicionado não deixa margem de manobra para um manuseamento e descoberta livres dos recursos tecnológicos e das suas potencialidades para lá das temáticas curriculares. Com o intuito de integrar o uso dos iPads nas finalidades do projeto de desenvolvimento das literacias, optámos, numa primeira fase, por formar os professores antes de disponibilizar os equipamentos, na biblioteca, aos alunos. Tal opção prende-se com o facto de não acreditarmos que o mero contacto dos jovens com as tecnologias melhore as suas competências de informação, na perspetiva preconizada pelo currículo. A orientação/acompanhamento dos alunos exigirá a preparação prévia dos docentes, colocando-os a par dos rudimentos do funcionamento dos tablets e das potencialidades pedagógicas destes dispositivos, tendo em atenção os modos pelos quais os alunos aprendem. Assim, restringimos o empréstimo dos tablets aos professores, no âmbito da formação em curso, e à Comunidade de Leitores, pelo que ainda não temos experiência relativamente à utilização destes equipamentos pela generalidade dos alunos. (Biblioteca da Escola Secundária de Maria Lamas) Por outro lado, sem se darem conta, alguns bibliotecários ainda associam o perfil do aluno aplicado e estudioso àquele que recorre preferencialmente a recursos ditos tradicionais, em papel. “Trabalhar” parece conjugar-se com papel e livros enquanto o lazer chama e alinha-se com o online. E assim, como que se distinguem dois modos de estar nas bibliotecas escolares, não comunicantes entre si: por um lado a preocupação com o desempenho escolar, em obediência ao currículo, e os usos obrigatórios de recursos, mais formais, ligados sobretudo

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ao papel; por outro, a acessibilidade, que é voluntária, a recursos digitais, orientada para a vertente criativa e informal dos usos. Com a tendência identificada de as bibliotecas se tornarem em centros de utilizações digitais, contando com um apetrechamento mais completo de recursos, para que todos os elementos se conciliem, é essencial que os responsáveis daquelas prestem atenção aos usos livres com os ecrãs na medida em que estes representam formas de aquisição e consolidação de competências digitais que se podem revelar importantes no contexto dos usos sérios, pedagógicos, podendo reverter numa experiência digital mais envolvente e enriquecedora. Este enquadramento futuro ainda está por considerar pelas bibliotecas, talvez na medida em que exija uma alteração na mentalidade.

Principais linhas caracterizadoras das bibliotecas escolares A análise dos discursos dos responsáveis pelas bibliotecas escolares permite traçar um conjunto de linhas caracterizadoras destas instituições. Antes de mais configuram-se como espaços dinâmicos e com capacidade e vontade de adaptação às necessidades das comunidades em que se integram. Deste modo vão ampliando as áreas de intervenção e tornando mais elaborados aspectos que já anteriormente integravam o seu core de actuação; Para além de servirem as comunidades escolares em primeiro lugar, também são acessíveis a públicos externos às instituições de ensino a que pertencem. Assinale-se a importância das bibliotecas nos hábitos quotidianos da população escolar, enquanto centros privilegiados de estudo e pesquisa, apoiados por recursos necessários mas também na qualidade de espaços sociais de convívio informal entre pares e de promoção de actividades didácticas, culturais ou puramente lúdicas. Atesta-se também o relevo da procura do livro e o papel decisivo das bibliotecas escolares na promoção da leitura através de uma oferta variada e actualizada de títulos, articulada com as necessidades curriculares e com os gostos dos seus públicos. Ainda integrado no ponto anterior interessa destacar o cariz pioneiro da exploração da leitura digital no contexto destas bibliotecas. O aspecto acima mencionado compreende-se também à luz da preponderância que a procura de recursos digitais representa no cômputo geral da oferta das bibliotecas, sobretudo por parte do corpo discente. Hoje em dia, “ir à biblioteca” encontra no digital a sua motivação mais intensa e recorrente.

Notas finais. Dos usos digitais – entre os legitimados e os ignorados A propósito dos usos digitais e da leitura em novos suportes deixa-se um apontamento final, em jeito de alerta: em regra, tanto nas bibliotecas municipais como nas escolares 480

pressente-se uma tensão entre o emprego, por crianças e jovens, de recursos digitais para finalidades do estrito campo pedagógico e as restantes. Por “restantes” entende-se aqui todas aquelas actividades que se desenvolvam num registo informal, associadas ao entretenimento, comunicação, pesquisa voluntária em função de gostos e apetências de cada qual. Aos olhos dos responsáveis pelas bibliotecas, as utilizações online que extravasem a aprendizagem e o conhecimento em moldes formais são em regra desvalorizadas. E no entanto tarefas como pesquisas online, jogos ou mesmo as interacções que privilegiam a comunicação em redes sociais, implicam a leitura, a escrita, o apurar do domínio de competências na área informática/tecnológica, muitas vezes numa base de tentativa e erro, mas também de espírito crítico. Na prática, o trabalho de descoberta pura, o querer saber como funciona um tablet com que nunca antes se trabalhou, as interacções com os pares em redes sociais, os jogos online, o uso do email serão sempre as utilizações mais procuradas pelos alunos e será também através delas que muitas competências digitais irão emergir e concorrer para a consolidação da literacia digital dos mais novos. O grande desafio para cuidadores reside em ser-se capaz de tomar consciência da importância destes “usos pressentidos” mas quase sempre ignorados por quem dirige bibliotecas, reconhecendo que os mais novos ganham um domínio sobre o digital através destes processos autodidactas de descoberta. Mas, para além disso, implica ainda ser-se capaz de tirar partido destas diferentes estratégias de envolvimento com o digital integrando-as nas aprendizagens, tanto dos mais novos como dos adultos também.

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Referências bibliográficas Buckingham, D. (2007), Beyond technology: children’s learning in the age of digital culture, Cambridge, Polity Press. Drotner, Kirsten (2009), Children’s media culture: a key to libraries of the future?, DREAM: Danish Research Centre on Education and Advanced Media Materials, University of Southern Denmark, Odense, disponível em http://conference.ifla.org/past/2009/103drotner-en.pdf Ito, Mizuko et al. (2008), Living and Learning with New Media: summary of findings from the Digital Youth Project, The John D. and Catherine T. MacArthur Foundation, disponível em http://digitalyouth.ischool.berkeley.edu/files/report/digitalyouth-WhitePaper.pdf Zickuhr, Kathryn, Rainie, Lee e Purcell, Kristen (2013), Younger Americans’ library habits and expectations, Pew Research Center, disponível em http://libraries.pewinternet.org/2013/06/25/younger-americans-library-services/

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PARTE V TECNOLOGIA, CIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO DIGITAL DO LIVRO

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Os capítulos desta secção, consistindo em contributos de cariz muito distinto mas todos eles, de uma ou de outra forma, entroncando na problemática da leitura digital, consagram-se à análise das dimensões puramente tecnológicas da edição de livros nesse suporte, ao modo como as tecnologias de informação e comunicação mudaram a produção, circulação e consumo de artigos dentro da comunidade científica ou, por fim, às perspectivas dos diferentes actores do sector nacional do livro no que diz respeito à evolução para o formato e-book. Sumariamente, interessa reter que “o mercado da edição digital de livros (…) tem vindo a percorrer um caminho muito marcado por ciclos de desenvolvimento tecnológico que têm ditado o ritmo das inovações, quer ao nível do campo da emissão como também ao nível da recepção dos conteúdos”. Ou que a desmaterialização trazida pelo digital transforma as modalidades de apropriação do livro, quer consoante as plataformas ou aplicações de leitura quer segundo o gadget ou dispositivo de que se dispõe. É porque esse processo a que, duas secções atrás, se chamou de digitalização da leitura assume contornos de uma enorme abrangência social que vale a pena compreender a dinâmica da relação entre as tecnologias digitais, as experiências de acesso e as estratégias de produção de texto dos cientistas. Em traços grossos, e salientado como “o crescente stock de conhecimentos disponível online, o desenvolvimento de hardware e software científico, bem como a proliferação de plataformas de colaboração, estruturam um novo contexto para o trabalho científico” (a que os periódicos académicos se foram adaptando), acentua-se por exemplo a existência de diferenças entre domínios científicos quanto à preferência demonstrada pelos investigadores pela publicação em formato digital ou papel. Ademais, constatase que “os investigadores com menor acesso a publicações tendem a valorizar a dimensão do acesso às publicações que escolhem para publicar o seu trabalho, bem como a atribuir uma valorização positiva ao modelo Open Access”. Já mediante o texto que fecha esta parte, com outro tipo de enfoque, é-se levado a partir do que hoje caracteriza a paisagem editorial global em termos digitais para, de seguida, perceber quais as expectativas, preocupações e desafios de vários actores nacionais que participam na construção do fenómeno da leitura, a propósito das transformações que tanto esta como o livro vêm sofrendo.

484

13 A tecnologia na edição digital Ricardo Rodrigues

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Tecnologias emergentes, sistemas operativos, ferramentas e formatos para o desenvolvimento de livros digitais Falar sobre tecnologia quando o momento da escrita difere do momento da publicação, mesmo quando estes dois momentos ocorrem com um intervalo de tempo muito curto, implica assumir o risco de que o capítulo que aqui se inicia possa eventualmente necessitar de ser revisto numa próxima edição da presente obra. O risco encontra fundamento por se tratar de um capítulo que pretende mapear um conjunto de abordagens e escolhas tecnológicas no mercado da edição digital, uma indústria marcada pela dinâmica circular de tentativa, erro e aprendizagem. Na produção de um ebook, para consulta em dispositivos electrónicos (computador pessoal, telemóvel, tablets, leitores de ebooks, consolas de videojogos portáteis, etc.) as equipas de desenvolvimento criativo (editor, guionista, escritor, revisor, etc.) e tecnológico (designer gráfico, ilustrador, animador, programador, editor de áudio, editor de vídeo, etc.) percorrem um longo caminho feito de escolhas e decisões, que orientam, modelam e definem o produto final. Este percurso, na maioria das vezes, não é linear e pode assumir diferentes trajetos consoante as características do produto que irá ser produzido, existindo na origem duas abordagens elementares que definirão as escolhas seguintes e que podem ser designadas como uma abordagem por conversão ou uma abordagem por produção de raiz. Na abordagem por conversão existe um reaproveitamento do ficheiro digital, criado inicialmente para servir de arte-final238 para a impressão e reprodução do livro em suporte papel. Esta abordagem apresenta à partida um problema, reflexo de existir um aproveitamento de um ficheiro que originalmente não foi criado e pensado para apresentação do conteúdo do livro noutro suporte que não seja um meio impresso e que só por si já apresenta um número grande de possibilidades e constrangimentos (gramagem do papel, técnica de impressão, dimensão física do material a imprimir, etc.) que são inerentes às características do suporte físico e à própria leitura e manuseamento para este contexto de fruição do conteúdo. Numa abordagem por produção de raiz a capacidade de controlar e acompanhar o desenvolvimento do ebook é muito maior, porque o objecto livro passa a ser pensado à luz das características materiais e imateriais das plataformas de distribuição e de fruição do conteúdo deste livro em território digital. Assim, existe uma maior propensão para a criação de livros de maior qualidade e uma oportunidade maior para diferenciar e inovar, garantido que o conteúdo fica preparado para ciclos, cada vez mais pequenos, de inovação tecnológica, em especial no que diz respeito ao aparecimento de novos formatos, plataformas e dispositivos de leitura. O mercado da edição digital de livros, à semelhança do que se verificou noutros mercados que também cruzaram as fronteiras das chamadas novas tecnologias 238

Acabamento de um trabalho gráfico antes de seguir para publicação, impressão ou reprodução.

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digitais, tem vindo a percorrer um caminho muito marcado por ciclos de desenvolvimento tecnológico que têm ditado o ritmo das inovações, quer ao nível do campo da emissão como também ao nível da recepção dos conteúdos. No campo das tecnologias emergentes podemos destacar o ePaper (ou E-Ink) e a sua capacidade para exibir o conteúdo de um livro eletrónico num ecrã com 16 níveis de cinzentos e/ou até 4096 cores; a intensificação do uso das últimas revisões das linguagens Web Standards239, presentes no código fonte de qualquer página da World Wide Web e das quais podemos destacar o HTML5 (HyperText Markup Language para marcação e estruturação do conteúdo), as CSS3 (Cascading Style Sheets que definem os estilos de apresentação do conteúdo) e o JavaScript (que define a interacção com esse mesmo conteúdo). Estas linguagens são hoje assumidas como padrões estáveis e robustos no desenvolvimento de páginas web. Neste contexto, pelas possibilidades que apresenta, o HTML5 poderá estar prestes a ganhar o estatuto de padrão no futuro do desenvolvimento de ebooks, na medida em que permite a escrita e o desenvolvimento de um produto único para consulta a partir de um qualquer dispositivo, contrariamente ao que acontece quando a abordagem passa pelo desenvolvimento de múltiplas versões desse produto para distribuição em multiplataforma (Kindle, iOS, Android, etc.), permitindo desta forma que as editoras possam cortar nos custos de desenvolvimento. No território da distribuição e armazenamento podemos destacar a chamada computação na nuvem (Cloud Computing), que permite que sejam deslocados, dos dispositivos usados pelos leitores, os processos de memória, capacidade de armazenamento e outras funções associadas ao processamento de dados, movendo a localização destes serviços para o lado dos servidores. Nesta desmaterialização física dos ficheiros o leitor passa a ter acesso aos seus livros a partir de um qualquer dispositivo, independentemente da plataforma que esteja a usar, do lugar no mundo onde se encontra e da própria hora a que acede ou compra os seus livros, tendo como único requisito a possibilidade de ligar-se à Internet para aceder ou descarregar os seus ficheiros. No desenvolvimento de hardware, destaque para os ecrãs de pequenos formatos, que equipam os dispositivos de leitura (leitores de ebooks, tablets, telemóveis de última geração e consolas de videojogos portáteis) e que registam uma evolução a caminho da alta definição (exemplo da empresa Apple e os seus ecrãs Retina Display), alcançada através do uso de sistemas com uma maior densidade de píxeis (um número maior de píxeis) e em que, dada a proximidade entre cada píxel, o olho humano tem dificuldade em distinguir ou não distingue individualmente cada um a uma distância normal de visualização, o que melhora substancialmente o conforto da leitura em ecrã. 239

São consideradas tecnologias Web Standards todos os standards e especificações técnicas, não proprietários, que definem e descrevem aspectos relacionados com a World Wide Web.

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Os dispositivos de leitura, na sua maioria, são vendidos equipados pelos sistemas operativos de duas grandes empresas: a Google e o seu sistema Android, actualmente na versão 4.4 (comercialmente designada por KitKat) e a Apple com o seu sistema iOS que integra todos os seus dispositivos móveis (iPhone, iPad e iPod), actualmente na versão 7. A Microsoft compete neste segmento de mercado com duas versões, o sistema Windows RT e Windows 8. Os utilizadores que optarem por uma opção de sistema baseado em código aberto (open source) têm à sua disposição versões de sistemas Linux que equipam outros dispositivos comercializados por algumas marcas. Neste mercado há ainda espaço para sistemas operativos que marcam presença em alguns equipamentos disponíveis, dos quais podemos destacar o WebOS240 (baseado em Linux, inicialmente desenvolvido pela Palm, que mais tarde acabou por ser adquirida pela Hewlett-Packard e recentemente passou para o portfolio da LG Electronics) ou o BlackBerry OS241, que equipa a linha de produtos da marca BlackBerry, entre outros menos conhecidos e com taxas de utilização menores. Depois de feitas as principais escolhas e decisões, as equipas de desenvolvimento de um ebook têm à sua disposição um conjunto de ferramentas (compostas por frameworks, bibliotecas de software e linguagens de programação) para desenhar e programar o arquivo do livro digital. No quadro seguinte estão reunidas e enunciadas algumas das ferramentas usadas no mercado de edição de ebooks: FERRAMENTA

ESPECIFICAÇÕES Encurtam o tempo no processo de produção ao nível da escrita/programação do código.

Adobe ® Digital Publishing Suite242 Adobe ® InDesign243 Quark Publishing Platform244

Permitem exportar versões para múltiplas plataformas (ePub, PDF, iOS, Android, etc.). Ferramentas proprietárias. São soluções que consomem mais recursos ao nível do hardware dos dispositivos usados para a produção do arquivo do livro digital.

Appcelerator ® 245

Permitem criar aplicações de uma forma muito rápida e a baixo custo.

Adobe ® PhoneGap246

240

http://www.openwebosproject.org/ http://pt.blackberry.com/software.html?lid=pt:bb:software&lpos=pt:bb:software 242 http://www.adobe.com/pt/products/digital-publishing-suite-family.edu.html 243 http://www.adobe.com/pt/products/indesign.edu.html 244 http://www.quark.com/Products/Quark_Publishing_Platform/Default.aspx 245 http://www.appcelerator.com/ 246 http://phonegap.com/ 241

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247

ePUB

SDK (Software Development Kit) iOS248 e Android249

Um formato baseado nas linguagens de programação XHTML, CSS e Javascript (apenas na versão ePUB3). Ferramentas desenvolvidas e fornecidas pela Apple e Google para a criação de aplicações nativas para serem usadas nos equipamentos comercializados por estas duas empresas. Estas ferramentas são baseadas nas linguagens de programação HTML, CSS, Javascript, ObjectiveC, etc. Criação rápida e intuitiva. Permite a criação de livros com layout fixo e elementos multimédia.

iBook Author © 250 (Apple)

Funciona apenas na aplicação para leitura iBooks disponível nos dispositivos portáteis e computadores da marca Apple (iPad, iPhone e iPod Touch).

QUADRO 1 - Ferramentas para a criação de ebooks

A distribuição de ebooks pode ser feita directamente para uma plataforma específica ou, em alternativa, para multiplataformas. Em qualquer uma das opções feitas, é necessário ter em conta os formatos aceites pelas diversas plataformas existentes. Cada formato apresenta características e formas de exibição do conteúdo próprias que nem sempre são compatíveis com todos os dispositivos de leitura disponíveis no mercado. O caminho para a interoperabilidade entre sistemas, que preocupa igualmente outros sectores da indústria digital, também se verifica na indústria dos ebooks, uma vez que quando um leitor, na maior parte das vezes, adquire um ebook numa loja virtual de uma marca não pode ter acesso ao conteúdo desse arquivo noutro dispositivo que esteja fora do ecossistema dessa marca. Desta forma vê condicionada a possibilidade de ler esse ebook onde quiser, à hora que quer e no dispositivo que mais lhe convenha, consequência da falta de interoperabilidade entre formatos e plataformas. Dos formatos disponíveis, destaque para o PDF (Portable Document File), a grande preferência para a exibição de ebooks em computadores pessoais, desenvolvido pela Adobe como o formato de eleição para impressão de arquivos e por isso também reconhecido como um formato documental de excelência, permitindo a exibição de textos, gráficos e imagens (independentemente do dispositivo usado e da 247

http://idpf.org/epub/30 https://developer.apple.com/devcenter/ios/index.action 249 http://developer.android.com/sdk/index.html 250 http://www.apple.com/ibooks-author/ 248

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resolução do respectivo ecrã). Esta exibição não está dependente de um software, hardware ou sistema operativo específico, quer na criação do arquivo neste formato como na própria exibição do conteúdo, o que faz dele uma opção segura, ágil e versátil para a exibição de ebooks em qualquer uma das tipologias de dispositivos de leitura disponíveis actualmente (computador pessoal, e-reader, tablet, smartphone, etc). A grande desvantagem de publicar ebooks no formato PDF está na apresentação do conteúdo dos arquivos, sujeita ao tamanho do ecrã ou formato para o qual foi criado, não podendo o tamanho ser redimensionado, o que faz dele um formato fixo e “não líquido”, no sentido em que a sua flexibilidade em adaptar-se a ecrãs de pequenos formatos é diminuta ou inexistente, provocando graves problemas de usabilidade e acessibilidade na experiência de utilização. Ao ser usado como um formato pleno na criação de artes finais para impressão em suporte papel, muitas vezes estes arquivos digitais são reaproveitados, pelas editoras, na tentativa de diminuição de custos de produção, como produtos finalizados para serem comercializados e distribuídos no ecossistema digital como ebooks. Este processo não tem em consideração as características distintivas que separam o suporte papel dos suportes digitais e os efeitos da remediação na passagem de um suporte para outro. Na procura de um formato padrão para a publicação de ebooks, o relevo vai para um formato, considerado pela organização International Digital Publishing Forum (IDPF)251 como sendo o “padrão” do mercado para a distribuição de publicações e documentos digitais, designado como ePub (Electronic Publication). Pensado essencialmente para a publicação de textos, na sua origem estão tecnologias Web Standards, em concreto a tecnologia XML, baseado em três padrões de código aberto: o Open Publication Structure (OPS), um documento XHTML, que entre outras convenções, determina a estrutura da publicação e os estilos de apresentação definidos por folhas de estilo em cascata (Cascading Style Sheets ou CSS); o Open Packaging Format (OPF) que determina a estrutura do contentor (o documento XML); e o Open Container Format (OCF), um arquivo comprimido num único ficheiro em formato ZIP (um formato de compressão) com a extensão .pub onde estão alojados todos os ficheiros que compõem a publicação (texto, imagens, etc.). Desta forma é possível produzir e distribuir um único arquivo para publicação digital, que inclui três padrões que tratam respectivamente da forma de apresentação do conteúdo, da sua codificação e da forma que irá assumir a sua embalagem (o contentor) durante o processo de distribuição e exibição. Em termos de funcionalidades específicas para a apresentação do conteúdo, este formato permite que o layout, que compõe o conteúdo no ecrã, se adapte à largura disponível pelo tamanho e resolução do ecrã que integra o dispositivo que o leitor está a usar para a leitura. Esta vantagem é em simultâneo uma desvantagem para as editoras que assim ficam impossibilitadas de desenhar ebooks com layouts de 251

http://idpf.org/

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largura fixa, que criam uma experiência de visualização sempre igual mesmo em diferentes dispositivos de leitura, um requisito estético importante na paginação de livros com muitos conteúdos gráficos (livros para crianças, livros de cozinha, enciclopédias, etc.). Na sua maioria, as empresas que fabricam dispositivos de tinta electrónica apoiam este formato porque o conteúdo se adapta automaticamente ao tamanho do ecrã dos dispositivos de leitura e porque, sendo este formato aberto, utiliza codificação UNICODE, o padrão na indústria de computação usado como garantia para uma correcta e consistente codificação, representação e manipulação do texto. Além disso, vem incluído na maior parte dos sistemas de escrita usados no mundo, o que aumenta a interoperabilidade entre software e hardware, garantido a compatibilidade entre quase todos os dispositivos de leitura disponíveis no mercado. A evolução deste padrão, aprovado e proposto pela IDPF como a especificação recomendada em Outubro de 2011, e reconhecida pela International Publishers Association (IPA)252 em Março deste ano como o formato aconselhado para a produção de ebooks, designa-se por ePub 3.0. Esta nova especificação utiliza HTML 5 e JavaScript (tecnologia responsável pelo suporte à interactividade nesta actualização do padrão) que permite incluir no texto elementos multimédia (imagens, áudio e vídeo), tabelas (que podem assumir um comportamento de auto-ajuste), hiperligações, api’s253 de redes sociais, notas de rodapé e que incorpora as funcionalidades relacionadas com a estética do layout presentes noutros formatos (KF8, Fixed Layout EPUB e .ibooks). Existe ainda um formato, baseado no formato ePub 2.0.1, conhecido como ePub com Layout Fixo, que mantém as páginas e os gráficos em posição fixa como sucede num arquivo em formato PDF. Este formato pode ainda conter animações, narrações, vídeo e áudio, tornando recorrente a sua utilização em ebooks infantis ou outras tipologias literárias onde a componente visual assuma uma importância extrema. Esta variante, criada pela empresa Apple, assegura que existe uma apresentação adequada dos elementos gráficos e ilustrações nos seus dispositivos equipados com as últimas versões dos sistemas operativos OS X e iOS através da aplicação de leitura iBooks. A desvantagem, para as editoras, está na limitação nos formatos de media usados (resoluções, tamanhos de ficheiros, proporções de alguns elementos, etc.). À medida que a adopção pelo formato ePub 3.0 for crescendo, o formato da Apple acabará por cair em desuso, uma vez que as suas funcionalidades singulares estão agora cobertas pela nova versão do formato ePub.

252

http://www.internationalpublishers.org/ Application Programming Interface, conjuntos de rotinas e padrões estabelecidos por um software, que permite a utilização das suas funcionalidades por aplicações que apenas pretendem usar os serviços disponibilizados por este software. Ex.: implementação de sistemas de comentários da rede social Facebook em páginas web de jornais. 253

491

Com a apresentação, em Janeiro de 2012, da aplicação de criação de ebooks iBooks Author, a Apple oferece aos autores e editoras uma ferramenta para autopublicação. A partir desta ferramenta são criados arquivos em formato PDF ou no formato proprietário da Apple cuja extensão é “.ibooks”, baseado no formato ePub 3.0, que apenas podem ser distribuídos através da loja virtual iBookstore proprietária da marca. A grande barreira à disseminação do ePub 3.0 prende-se com o facto de ainda serem poucos os softwares e dispositivos de leitura que permitem a exibição desta evolução no padrão ePub. Ainda assim, com a passagem do conteúdo de formatos gráficos, onde o PDF é o exemplo perfeito, para linguagens de marcação, como por exemplo o HTML, as editoras passam a ter os conteúdos dos livros que comercializam disponíveis num formato que permite uma grande amplitude de processos de transformação e reutilização e que não foi imposto por um software específico, na maior parte das vezes proprietário. No terreno dos formatos proprietários o relevo vai para o Mobi e AZW, suportados nativamente pelos dispositivos Kindle da Amazon. O Mobi é o formato original da plataforma Mobipocket que em 2005 foi adquirida pela Amazon e baseia-se numa versão modificada da linguagem de marcação HTML. Ambos os formatos impõem grandes limitações ao layout do livro e funcionam com DRM (Digital Rights Management) proprietário que apenas permite a leitura nos dispositivos da Amazon. Para competir no mercado dos conteúdos multimédia, a Amazon apresentou recentemente o formato Kindle Format 8 - KF8 (ou AZW3), com mais recursos que permitem acrescentar elementos multimédia e interactividade aos livros comercializados nesta plataforma. Nos casos em que os formatos apresentados anteriormente não cobrem ou satisfazem todas as necessidades pretendidas para uma determinada obra existe uma alternativa, que implica a distribuição sob a forma de aplicação (app). Com custos de produção maiores, mais demorados e com múltiplos ciclos de vida, têm como grande vantagem o facto de eliminarem a maior parte das limitações dos outros formatos, não necessitarem de uma aplicação específica para a sua leitura e uma maior capacidade de processamento de dados (que assume uma grande importância nos livros que integram conteúdos multimédia e interacções complexas). As aplicações são na prática um programa (software) que necessita de ser instalado no dispositivo do utilizador e que por norma está ligada a uma plataforma que funciona como uma loja de aplicações (exemplos: Google Play / Android ou AppStore / iOS). Podem ser escritas em diversas linguagens e padrões e permitem incluir no livro áreas de scroll254 (texto e imagem), slideshows, animações, imagens em perspectiva panorâmica, diferentes níveis de navegação, recursos multimédia e interactivos (áudio, vídeo, hiperligações, etc.). Se o caminho for o da distribuição de livros para multiplataformas esta opção de 254

Processo de deslocamento de conteúdo, no eixo vertical ou horizontal, no ecrã de um dispositivo electrónico.

492

distribuição cria grandes desafios de produção na medida em que se torna necessário dar suporte a plataformas distintas (iOS, Android, Blackberry, Web Browser, etc.). Existem ainda muitos outros formatos, menos usados neste contexto, dos quais podemos destacar o .TXT (um formato para ficheiros de texto que usam poucos recursos de formatação, de fácil acesso por qualquer programa de leitura e/ou edição de documentos de texto, e que por isso é tido como universal), .RTF (Rich Text Format, um formato proprietário de arquivo de documentos desenvolvido pela Microsoft para a troca de documentos entre aplicações diferentes, a maior parte dos processadores de texto lê e permite criar/editar uma das muitas versões deste formato), .DOC (a abreviatura da palavra “document” para a extensão de ficheiros criados por processadores de texto, a Microsoft adoptou esta extensão para os ficheiros criados originalmente no seu processador de texto Microsoft Word) e .DOCX (uma extensão dos ficheiros criados no Microsoft Office baseado no formato XML), os formatos de imagem JPEG, GIF, BMP e PNG, formatos de áudio como o MP3 e muitos outros de uso ainda mais marginal. Actualmente a tendência passa por uma aposta dos grandes grupos editoriais na oferta de um mesmo produto em multiformatos, para que o utilizador possa desta forma consultar o ebook em qualquer plataforma ou dispositivo (browser, aplicações específicas de leitura para Apple e Android) consoante o contexto em que se encontra. Apesar da polissemia de formatos existentes e das imposições dos fabricantes de dispositivos e softwares de leitura, existem sinais de mudança no sentido de que cada fabricante deixe de oferecer exclusivamente o seu próprio formato proprietário e incorpore formatos abertos (ex.: ePub) com vista a permitirem uma fruição multiplataforma das obras disponibilizadas. A grande vantagem de apoiar ou apropriar um padrão passa pela diminuição do efeito “Torre de Babel”, que tem como principal desvantagem a dificuldade que os leitores encontram na troca, de forma fácil e sem que acarrete custos, dos arquivos que têm nos seus dispositivos. Para contornar o problema da troca de arquivos entre dispositivos/plataformas, os leitores têm à sua disposição softwares que permitem, entre muitas outras tarefas comuns na edição de texto (justificar, alinhamento, alteração do tipo de letra, enfatização, manipulação de margens, etc.), fazer a conversão de formatos. Das opções disponíveis podemos destacar: FERRAMENTA

ESPECIFICAÇÕES

PDF Creator

Software livre, converte qualquer arquivo em formato .DOC, .TXT, .RTF, .HTML, etc. para formato PDF.

Calibre

Software livre, permite fazer gestão de bibliotecas e conversão para múltiplos formatos.

Stanza

Software

open

source,

permite

converter 493

formatos .HTML, .PDF, .DOC e .RTF. EPUB2GO Sigil

KindleGen (Amazon)

Um software web based255, que permite a conversão de ficheiros .PDF para o formato ePub. Software livre e open source, que permite a conversão de ficheiros .TXT e .HTML para o formato ePub. Um software que permite converter ficheiros HTML, XHTML ou ePUB para os formatos proprietários KF8 e Mobi da Amazon para serem usados nas aplicações e dispositivos de leitura desta marca.

QUADRO 2 - Softwares para Conversão de Formatos

Plataformas e aplicações de leitura A visualização do conteúdo de um ebook sofre ligeiras alterações consoante a plataforma e/ou aplicação de leitura que o utilizador elege, em cada contexto ou em cada dispositivo que utiliza, para aceder ao arquivo. A falta de consistência na apresentação de conteúdos digitais entre plataformas diferentes não é um problema que surge com o ebook. Esta situação também ocorre quando acedemos a uma página web em browsers (ex.: Google Chrome, Firefox, Internet Explorer, Safari, etc.), dispositivos (computadores pessoais, smartphones, tablets, consolas de videojogos, etc.) e sistemas operativos (Windows, OS X, Linux, Android, iOS, etc.) diferentes. No ecossistema dos ebooks este contratempo sofre um agravamento na escala pela quantidade de opções para a leitura digital que estão disponíveis actualmente, onde o número de dispositivos e de aplicações de leitura é multiplicado exponencialmente a cada dia que passa. A solução do problema pode passar por observar e analisar a forma como os profissionais de Web Design e Web Development estão a trabalhar para resolver o problema de falta de consistência das páginas web na infraestrutura Internet. Estes profissionais começam a adoptar novos paradigmas no desenho e produção das páginas web, que passam por colocar de lado as preocupações relacionadas com as especificações do “ecrã” que irá apresentar o conteúdo, deslocando todas as atenções para o conteúdo em si, que passa a ser encarado como uma matéria “líquida” que pode ser apresentada em qualquer dispositivo e não está vinculada a um modelo único de apresentação. Desta forma a “matéria” sofre variações e reconfigurações 255

Web Based - Softwares que não necessitam de instalação na memória física do dispositivo onde este está a ser executado e funcionam directamente no browser web instalado nesse mesmo dispositivo, mediante acesso a uma página web onde o software está armazenado.

494

consoante o dispositivo que a apresenta, assumindo materializações diversas consoante o contexto e a “janela” que o utilizador escolhe usar, a cada momento do dia para solicitar a apresentação do conteúdo de um determinado arquivo. Ficam resolvidos os obstáculos levantados pela acessibilidade e usabilidade que o utilizador encontrava no acesso a estes conteúdos, quando o acesso é feito pelo uso de um dispositivo que não um computador pessoal (PC). Esta mudança no paradigma de produção de páginas web começa a dar os primeiro sinais positivos que podem ser confirmados pelo aumento do número de acessos a páginas web provenientes de dispositivos de pequeno formato, como são exemplo os telemóveis e as tablets, e que nos permite especular: poderá esta alteração de metodologia de produção ser replicada e adoptada na produção e distribuição de ebooks? Na indústria da edição digital, a grande fatia da distribuição e comercialização de livros está repartida por um número pequeno de distribuidores, que na sua maioria se dedicam à venda generalista de livros. O modelo de negócio sofre pequenas nuances que variam entre os projectos que apenas comercializam ebooks para leitura em multiplataforma, passando para outros modelos que para além de possuírem as suas lojas virtuais, são ainda detentores de catálogos de dispositivos e aplicações de leitura. O quadro seguinte apresenta e sintetiza o modelo de negócio dos principais actores deste mercado: PLATAFORMA

DESCRIÇÃO

Project Gutenberg

Projecto256 pioneiro na distribuição de livros digitais, fundado por Michael Hart, disponibiliza múltiplos formatos, com preferência pelos formatos abertos, gratuitos e/ou de utilização livre. Comercializa livros impressos e digitais em formato próprio (Mobi e AZW) vendidos na sua loja, Kindle Store, com DRM proprietário.

Amazon

Possui dispositivos próprios (gama Kindle e Kindle Fire) e aplicações (Kindle Apps) para dispositivos equipados com sistema operativo Android e para todos os dispositivos da marca Apple. A partir da sua loja, Google Play, comercializa livros em formato ePub com DRM da Adobe.

Google

256

Os exemplares adquiridos nesta loja são armazenados na nuvem, o que permite a leitura em múltiplos dispositivos compatíveis e com

http://www.gutenberg.org/

495

acesso à Internet. A leitura dos livros é permitida em todos os dispositivos equipados com o sistema operativo Android, dispositivos da marca Apple, mediante a instalação de uma aplicação (Google Play Books App) específica para o efeito, directamente no browser de um qualquer computador ou num dispositivo de eReader compatível. A comercialização dos seus livros é feita através de uma das suas lojas virtuais: iTunes Store, iBooksstore e App Store, que trazem DRM próprio e que restringe o uso dos mesmos aos equipamentos comercializados por esta marca (iPhone, iPad, iPod Touch, e computadores pessoais equipados com o sistema operativo OS X Mavericks). Apple Os livros adoptam o formato ePub e há ainda exemplares (conhecidos por Enhanced eBooks257) que utilizam uma versão modificada deste formato de forma a incluir funcionalidades que apenas podem ser usadas nos dispositivos da marca e que acrescentam elementos multimédia, hiperligações, interactividade, vídeo e áudio ao texto.

Barnes & Noble258

A empresa detentora de uma das maiores cadeias de livrarias a operar em território americano, possui uma loja própria de venda de livros digitais, a Nook Store, onde também são comercializados equipamentos da marca Nook (eReaders e Tablets). Os livros disponíveis são distribuidos em formato ePub e utilizam DRM da Adobe que podem ser usados nos dispositivos Nook e noutras plataformas através da instalação de aplicações de leitura gratuitas para iOS, Android, Windows 8, Web browsers e consolas de videojogos.

Kobo259

Funciona em simultâneo como loja e distribuidora para comercialização de livros digitais em formato ePub, com e sem DRM. Tem uma linha própria de dispositivos eReader, tablets e aplicações de leitura para outras plataformas (iOS, Androi, Blackberry, Computadores Pessoais).

257

Livros digitais interactivos com funcionalidades e recursos audiovisuais e multimédia. http://www.barnesandnoble.com/u/nook/379003208 259 http://www.kobobooks.com/ 258

496

Adobe

Para além das aplicações de leitura disponibilizadas pelos projectos e empresas que distribuem e comercializam livros digitais, a Adobe disponibiliza gratuitamente, para computadores pessoais, o software Adobe Digital Editions260. Este software permite a leitura de livros online e offline (através do armazenamento dos ficheiros no computador do utilizador) adquiridos noutras plataformas, em especial as que utilizam DRM da Adobe. Da lista de funcionalidades que disponibiliza destaque para a possibilidade de organização e gestão dos ebooks adquiridos numa biblioteca pessoal e personalizada e ainda a possibilidade de fazer anotações nas páginas desses livros.

QUADRO 3 - Plataformas de distribuição de livros digitais.

Neste mercado há ainda espaço para projectos com uma dimensão mais pequena, dos quais podemos destacar a plataforma Smashwords261, dedicada a autores, distribuidores e agentes literários independentes. Os livros adquiridos nesta loja online podem ser usados em multidispositivos e estão disponíveis em formato ePub, PDF e RTF para leitura em computadores pessoais, dispositivos Apple, dispositivos equipados com sistema operativo Android, Sony Reader, Nook e Kobo, e em formato Mobi para os dispositivos Kindle da Amazon. A Safari Books Online262 dedica-se ao mercado dos livros técnicos e tem um modelo de negócio baseado em subscrições mensais que permitem o acesso a uma vasta biblioteca de livros em formato ePub, PDF ou em HTML e que podem ser lidos directamente no browser ou nas aplicações de leitura disponíveis para iOS, Adroid e Blackberry. A funcionar em exclusivo na cloud (computação na nuvem) a Booki.sh263 comercializa ebooks que podem ser lidos em qualquer lugar e a partir de um grande número de dispositivos, desde que estes estejam equipados com as últimas versões dos browsers disponíveis no mercado (Safari, Chrome, Firefox, Opera e Internet Explorer). Para plataformas específicas (iOS e Android) há ainda a hipótese de instalar os livros nos dispositivos como se de uma aplicação se tratasse. Do catálogo disponibilizado fazem parte livros com e sem DRM que podem ser usados fora do software da Booki.sh disponibilizado via browser (Web Based).

260

http://www.adobe.com/pt/products/digital-editions.html https://www.smashwords.com/ 262 http://www.safaribooksonline.com/ 263 https://booki.sh/ 261

497

Outra caminho a seguir é a especialização no território de uma língua, como foi a estratégia da cadeia de livrarias Casa del Libro264. Fundada em 1923 em território espanhol, lança a sua loja na Internet em 1996, que rapidamente se tornou líder na venda de livros em língua castelhana pela capacidade de distribuição em cinco continentes. Na sua entrada no território dos ebooks assumiu uma parceria com a empresa Tagus para a comercialização de dispositivos de leitura (eReaders e tablets). Os ebooks adquiridos nesta loja podem ser lidos online, sem ser necessário descarregar previamente o ficheiro para o dispositivo, bastando para isso o uso de um browser (Mozilla Firefox, Chrome e Safari). Em alternativa o utilizador pode descarregar a aplicação Tagus App, disponível para equipamento com iOS e Android, através das lojas Apple App Store e Google Play ou em outro qualquer dispositivo compatível com o DRM da Adobe. Os formatos utilizados na comercialização dos livros são o ePub e o PDF com e sem DRM.

Dispositivos: eReader e tablet Actualmente, o hardware para leitura de livros digitais expandiu-se muito para além do omnipresente computador pessoal e do dispositivo de leitura digital de excelência - o eReader. Os smartphones, a que se seguiram as tablets e mais recentemente o aparecimento das chamadas Smart TV, aumentaram as janelas disponíveis para a leitura em ecrã. As Smart TV podem vir a constituir um trunfo importante na entrada da leitura digital no conforto da sala de estar de qualquer lar que esteja equipado com uma televisão com estas características, e que mimetizam as funcionalidades e serviços já oferecidos pelas principais consolas de videojogos (Playstation, Xbox e Wii), que através de uma ligação à Internet permitem o acesso a lojas virtuais onde é possível comprar tudo aquilo que habitualmente já compramos através do nosso computador pessoal ou dispositivos portáteis (música, filmes, jogos, jornais, revistas e livros). No acesso aos arquivos de leitura os dispositivos eReaders (ex.: Kindle) e as tablets (ex.: iPad) são, em grande medida, os responsáveis pelo crescimento do mercado de edição digital, pela suas características ergonómicas (que facilitam a sua portabilidade e uso), pelos preços cada vai mais baixos a que são vendidos e pela evolução nas tecnologias que estes suportam e que permitem uma leitura em ecrã cada vez mais agradável. As grandes diferenças entre estas duas gamas de produtos está, de forma geral, nas seguintes características:

264

http://www.casadellibro.com/

498

eReader

Tablet

Ecrã a preto e branco ou ecrã a cores

Ecrã a cores

Imagens e áudio

Imagens, áudio, vídeos e animações

Simplicidade

Sistemas operativos mais complexos

Portabilidade / mais leve

Tamanhos maiores / mais pesados

Apenas para leitura. Alguns modelos permitem a navegação na Internet.

Multifunções

Bateria: tempo útil mais longo

Bateria: tempo útil mais curto

Preço baixo

Preço alto

QUADRO 4 - Principais diferenças entre um dispositivo eReader e uma Tablet.

Os dispositivos eReader utilizam tecnologia de tinta electrónica, requisito base para as vantagens que esta tipologia de dispositivo enuncia: maior legibilidade, uma vez que simula a leitura feita em papel e consequentemente reduz o cansaço dos olhos do leitor; a visualização no ecrã pode ser feita a partir de qualquer ângulo; existe um baixo consumo de energia (os ecrãs não têm retroalimentação e o consumo de energia só acontece quando há alteração da informação no ecrã do dispositivo) que permite o uso prolongado do equipamento sem que haja necessidade de recarregar a bateria. No outro extremo, a grande desvantagem dos equipamentos com estas características está sobretudo ao nível da lentidão do varrimento de informação no momento da passagem de uma página para outra. Assim, na hora de escolher um equipamento para a leitura de ebooks, o utilizador deve ponderar as necessidades que pretende ver satisfeitas: se procura apenas um dispositivo para leitura de livros e outras fontes de informação um eReader pode ser a melhor opção, mas se para além da leitura, o utilizador pretender adquirir um equipamento multifunções com capacidades de exibir conteúdos multimédia, navegar na Internet, usar o serviço de e-mail, redes sociais, etc., uma tablet é o equipamento ideal para colmatar todas estas necessidades. Na compra de um equipamento portátil para leitura há muitos outros factores a ter encontra, no momento de escolher uma das opções disponíveis no mercado, como por exemplo, se o acesso à informação é feito através de um ecrã táctil (onde os menus e opções são activados com os dedos ou um apontador), de botões físicos que manipulam as diferentes tarefas e funcionalidades do dispositivo; a dimensão e o peso; a bateria; a memória (se possui apenas memória interna ou tem a possibilidade de expandir o armazenamento de arquivos através de uma memória externa); os formatos de leitura aceites pelos dispositivos (PDF, ePub, FB2, RTF, TXT, HTML, PRC, 499

JPG, MP3, etc.) e se utiliza ou não DRM; a conectividade (USB, Blutooth, WiFi, 3G, 4G, etc.); as ligações que estão disponíveis (SD, MMC, USB 2.0, etc.); se tem saída para o uso de auricular; a capacidade do processador; a compatibilidade com sistemas operativos (Mac, Windows, etc.). A somar a estas características existem outras duas que são cruciais na escolha, de entre a oferta existente no mercado, o sistema operativo (Linux, Android, iOS, Windows RT e 8, etc.) e o tamanho e a resolução do ecrã. O quadro seguinte enuncia os principais dispositivos presentes neste mercado concorrido: EQUIPAMENTO

ESPECIFICAÇÕES ● ●

● Kindle (eReader)

● ● ●

● ●

Kindle Keyboard 3G (eReader)

● ●

● ●

Kindle Paperwhite (eReader)

● ● ● ● ●

Kindle Fire HD 8.9’’ (Tablet)



Wi-Fi; Ecrã 6’’ sem retroiluminação, textos ou gráficos em escala de cinzentos (oscilam entre os 4 e os 16 níveis); Incorpora a tecnologia de tinta electrónica (e-Ink); Armazenamento interno de 2GB e possibilidade de armazenamento na Cloud; Possui um formato e DRM próprio; Navegação: 5 botões físicos que controlam todas as funcionalidades do dispositivo. 3G e Wi-Fi; Ecrã 6’’, sem retroiluminação, textos ou gráficos em escala de cinzentos (oscilam entre os 4 e os 16 níveis); Incorpora a tecnologia de tinta electrónica (e-Ink); Armazenamento interno de 4GB e possibilidade de armazenamento na Cloud; Áudio: altifalantes estéreo; Navegação: teclado com botões físicos. Wi-Fi + 3G ou versão apenas com Wi-Fi; Ecrã com iluminação própria de 6’’; Armazenamento interno de 2GB e possibilidade de armazenamento na Cloud; Navegação: ecrã multi-toque. Versão 4G + Wi-Fi e versão apenas com Wi-Fi; Ecrã LCD de alta definição com 8.9’’ e 1920x1200 de resolução; 500



● ● ● ● Kindle Fire HD (Tablet)



● ● ● ● Kindle Fire (Tablet)



● ● ● ●

● Kobo Glo (eReader)

● ● ● ●

● ● ● Kobo Touch (eReader)

● ● ● ●

Armazenamento interno de 32GB ou 64GB na versão com 4G e 16GB ou 32GB na versão apenas com Wi-Fi, possibilidade de armazenamento na Cloud; Áudio: altifalantes estéreo; Navegação: ecrã multi-toque. Wi-Fi; Ecrã LCD de alta definição com 7’’ e 1280x800 de resolução; Armazenamento interno de 16GB ou 32GB, possibilidade de armazenamento na Cloud; Áudio: altifalantes estéreo; Navegação: ecrã multi-toque. Wi-Fi; Ecrã LCD com 7’’ e 1024x600 de resolução; Armazenamento interno de 8GB, possibilidade de armazenamento na Cloud; Áudio: altifalantes estéreo; Navegação: ecrã multi-toque. Wi-Fi; Ecrã com iluminação própria de 6’’, resolução 1024x768 e 16 níveis de escala de cinzentos; Incorpora tecnologia de tinta electrónica (e-Ink); Micro USB; 2GB de armazenamento; Navegação: ecrã táctil e botões físicos para ligar/desligar e ligar/desligar luz. Suporta os formatos: ePub, PDF, JPEG, GIF, PNG, TIFF, TXT, (X)HTML, RTF, CBZ, CBR e DRM da Adobe. Wi-Fi; Ecrã de 6’’, resolução 800x600 e 16 níveis de escala de cinzentos; Incorpora tecnologia de tinta electrónica (e-Ink); USB; 2GB de armazenamento; Navegação: ecrã táctil e botão físico; Suporta os formatos: ePub, PDF e Mobi, JPEG, GIF, PNG, BMP, TIFF, TXT, HTML, RTF, CBZ e CBR.

501

● ● ● Kobo Mini (eReader)

● ● ● ●

● ●

● Kobo Aura (eReader).

● ● ● ●

● ●

● ● ● ● Kobo Arc (Tablet)

● ●

● ●

Kobo Arc7 (Tablet)

● ● ● ●

Wi-Fi; Ecrã de 5’’, resolução 800x600 e 16 níveis em escala de cinzentos; Incorpora tecnologia de tinta electrónica (e-Ink); Micro USB; Navegação: ecrã táctil e botões físicos para ligar e desligar o dispositivo. 2GB de armazenamento. Suporta os formatos: ePub, PDF, JPEG, GIF, PNG, TIFF, TXT, (X)HTML, RTF, CBZ, CBR e DRM da Adobe. Wi-Fi; Ecrã com iluminação própria de 6’’, resolução 1024x768 e 16 níveis de escala de cinzentos; Incorpora tecnologia de tinta electrónica (e-Ink); Micro USB; 4GB de armazenamento (até 32GB com cartão MicroSD); Navegação: ecrã táctil e botões físicos para ligar/desligar e ligar/desligar luz. Suporta os formatos: ePub, PDF, Mobi, JPEG, GIF, PNG, TIFF, TXT, (X)HTML, RTF, CBZ, CBR e DRM da Adobe. Wi-Fi; Ecrã de 7’’, resolução de alta definição com 1280x800, exibição de 16.4 milhões de cores; Câmara frontal; Micro USB; Entrada para auscultadores; Armazenamento: modelos de 16GB, 32GB e 64GB. Áudio: dois altifalantes frontais; Navegação: ecrã multitoque, sensores de toque e botões físicos para ligar/desligar e controlo de volume. Sistema Operativo: Android 4.0. Suporta os formatos: ePub (incluindo layout fixo), JPG, PNG, GIF, BMP, MP3, AAC, AAC+, 3gp, mp4, m4a, flac, ogg, wav, mid., webm, H.263, H.264 e VP8. Wi-Fi; Ecrã de 7’’ com 1024x600 de resolução; Câmara frontal; Bluetooth;

502

● ● ● ● ● ●

● ● ●

● ●

Kobo Arc7 HD (Tablet)

● ● ● ● ● ● ● ●

● ● ●

● ●

Kobo Arc10 HD (Tablet)

● ● ● ● ● ● ●

Micro USB; Saída Micro HDMI; Entrada para auscultadores; Armazenamento: 8GB (expansíveis até 32GB com cartão microSD); Áudio: dois altifalantes frontais; Navegação: ecrã táctil, sensores de toque e botões físicos para ligar/desligar e controlo de volume; Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz ambiente; Sistema Operativo: Android 4.2.2 Jelly Bean; Suporta os formatos: ePub (incluindo layout fixo), JPG, PNG, GIF, BMP, MP3, AAC, AAC+, 3gp, mp4, m4a, flac, ogg, wav, mid., webm, H.263, H.264 e VP8. Wi-Fi; Ecrã de 7’’ com 1920x1200 de alta resolução; Câmara frontal; Bluetooth; Micro USB; Saída Micro HDMI; Entrada para auscultadores; Armazenamento: versão 16GB e 32GB; Áudio: dois altifalantes frontais; Navegação: ecrã multi-toque, sensores de toque e botões físicos para ligar/desligar e controlo de volume. Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz ambiente. Sistema Operativo: Android 4.2.2 Jelly Bean; Suporta os formatos: ePub (incluindo layout fixo), JPG, PNG, GIF, BMP, MP3, AAC, AAC+, 3gp, mp4, m4a, flac, ogg, wav, mid., webm, H.263, H.264 e VP8. Wi-Fi; Ecrã de 10.1’’ com 2560x1600 de alta resolução; Câmara frontal; Bluetooth; Micro USB; Saída Micro HDMI; Entrada para auscultadores; Armazenamento: 16GB; Áudio: dois altifalantes frontais e microfone; 503



● ● ●

● ● ● Nook Simple Touch (Barnes & Noble) (eReader)



● ● ●

● ●

● Nook Simple Touch GlowLight (Barnes & Noble) (eReader)



● ● ●

● ● Nook HD (Barnes & Noble) (Tablet)

● ● ● ● ● ●

Navegação: ecrã multi-toque, sensores de toque e botões físicos para ligar/desligar e controlo de volume; Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz ambiente; Sistema Operativo: Android 4.2.2 Jelly Bean; Suporta os formatos: ePub (incluindo layout fixo), JPG, PNG, GIF, BMP, MP3, AAC, AAC+, 3gp, mp4, m4a, flac, ogg, wav, mid., webm, H.263, H.264 e VP8. Wi-Fi; Ecrã 6’’ com 600x800 de resolução e 16 níveis de escala de cinzentos; Incorpora a tecnologia de tinta electrónica (e-Ink); Armazenamento interno de 2GB (possibilidade de expandir até 32GB a partir de um cartão microSD); Micro USB; Navegação: ecrã de toque e um botão físico; Suporta os formatos: ePub, PDF, JPG, GIF, PNG e BMP. Wi-Fi; Ecrã com iluminação própria de 6’’ com 600x800 de resolução e 16 níveis de escala de cinzentos; Incorpora a tecnologia de tinta electrónica (e-Ink); Armazenamento interno de 2GB (possibilidade de expandir até 32GB a partir de um cartão microSD); Micro USB; Navegação: ecrã de toque e um botão físico; Suporta os formatos: ePub, PDF, JPG, GIF, PNG e BMP. Wi-Fi; Ecrã de 7’’ com 1440x900 de alta resolução; Micro USB; Bluetooth; Entrada para auscultadores; MicroSD; Armazenamento: versão de 8GB e 16GB; Áudio: dois altifalantes; 504

● ● ●

● ●

Nook HD+ (Barnes & Noble) (Tablet)

● ● ● ● ● ● ● ● ●

● ● ● ● ● ● ● ● Apple iPad 2 (Tablet)



● ●

Navegação: ecrã multi-toque e um botão físico; Sistema Operativo: Android; Suporta os formatos: PDF, ePub, DRP, ePIB, FOLIO, OFIP, CBZ, TXT, RTF, XLS, DOC, PPT, PPS, PPSX, DOCX, XLSX, PPTX, LOG, CSV, EML, ZIP, MP4, M4A, 3GP, AAC, MP3, FLAC, WAV, OGG, AMR, WEBM, JPEG, GIF, PNG e BMP. Wi-Fi; Ecrã de 9’’ com 1920x1280 de alta resolução; Micro USB; Bluetooth; Entrada para auscultadores; MicroSD; Armazenamento: versão de 16GB e 32GB; Áudio: dois altifalantes; Navegação: ecrã multi-toque e um botão físico; Sistema Operativo: Android; Suporta os formatos: PDF, ePub, DRP, ePIB, FOLIO, OFIP, CBZ, TXT, RTF, XLS, DOC, PPT, PPS, PPSX, DOCX, XLSX, PPTX, LOG, CSV, EML, ZIP, MP4, M4A, 3GP, AAC, MP3, FLAC, WAV, OGG, AMR, WEBM, JPEG, GIF, PNG e BMP. Versão com Wi-Fi + 3G e versão apenas com Wi-Fi; Ecrã LED de 9.7’’ com 1024x768 de alta resolução; Câmara frontal e posterior; Bluetooth; Entrada para auscultadores; Armazenamento: 16GB; Áudio: dois altifalantes e microfone; Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz ambiente; Navegação: ecrã multi-toque e botões físicos (Home, ligar/desligar, volume e silêncio/bloqueio de rotação; Sistema Operativo: iOS7; Suporta os formatos: AAC, Protected AAC, HE-AAC, MP3, MP3 VBR, AAX, AAX+, AIFF, WAV, H.264, m4v, mp4, mov, MPEG-4, M-JPEG, avi, jpg, tiff, gif, doc, docx, htm, html, key, numbers, pages, pdf, ppt, pptx, txt, rtf, vcf, xls, xlsx, zip, ics, ePub e ibooks. 505

● ● ● ● ● ●

Apple iPad Mini (Tablet)

● ● ●

● ●

● ● ● ● ● ●

Apple iPad Air (Tablet)

● ● ●

● ●

Samsung Galaxy Note (Tablet)

● ●

Versão com Wi-Fi + Rede celular e versão apenas com Wi-Fi; Ecrã LED de 7.9’’ com 2048x1536 de alta resolução; Câmara frontal e posterior; Bluetooth; Entrada para auscultadores; Armazenamento: versões 16GB, 32GB, 64GB e 128GB; Áudio: dois altifalantes e microfone; Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz ambiente; Navegação: ecrã multi-toque e botões físicos (Home, ligar/desligar, volume e silêncio/bloqueio de rotação; Sistema Operativo: iOS7; Suporta os formatos: AAC, Protected AAC, HE-AAC, MP3, MP3 VBR, AAX, AAX+, AIFF, WAV, H.264, m4v, mp4, mov, MPEG-4, M-JPEG, avi, jpg, tiff, gif, doc, docx, htm, html, key, numbers, pages, pdf, ppt, pptx, txt, rtf, vcf, xls, xlsx, zip, ics, ePub e ibooks. Versão com Wi-Fi + Rede celular e versão apenas com Wi-Fi; Ecrã LED de 9.7’’ com 2048x1536 de alta resolução; Câmara frontal e posterior; Bluetooth; Entrada para auscultadores; Armazenamento: versão de 16GB, 32GB, 64GB e 128GB; Áudio: dois altifalantes e microfone; Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz ambiente; Navegação: ecrã multi-toque e botões físicos (Home, ligar/desligar, volume e silêncio/bloqueio de rotação; Sistema Operativo: iOS7; Suporta os formatos: AAC, Protected AAC, HE-AAC, MP3, MP3 VBR, AAX, AAX+, AIFF, WAV, H.264, m4v, mp4, mov, MPEG-4, M-JPEG, avi, jpg, tiff, gif, doc, docx, htm, html, key, numbers, pages, pdf, ppt, pptx, txt, rtf, vcf, xls, xlsx, zip, ics, ePub e ibooks. Versão Wi-Fi + 3G e versão apenas com Wi-Fi; Ecrã WQXGA TFT de 10.1’’ com 1280x800 506

● ● ● ●

● ● ● ●

● ● ● ● ● ●

Samsung Galaxy Tab 3 (Tablet)

● ● ● ●

Microsoft Surface 2 (Tablet)

● ●

de resolução; Câmara frontal e posterior; USB e Micro USB; Bluetooth; Armazenamento: versão 16GB e 32GB (possibilidade de expandir até 64GB a partir de um cartão microSD); Sistema Operativo: Android 4.3, Jelly Bean; Sensores: acelerómetro, geo-magnético e luz; Navegação: Ecrã de toque; Suporta os formatos: MP3, M4A, AAC, WMA, ASF, OGG, FLAC, AMR, WAV, MID, XMF, MXMF, iMY, RTTTL, RTX, OTA, AAC, AAC+, eAAC+, WMA, AVI, MP4, M4V, 3GP, MKV, WMV, ASF, FLV, WEBM, H.263, H.264, VC-1, VP8, GIF, AGIF, JPEG, PNG, BMP, WBMP e WEBP. Versão Wi-Fi + 3G e versão apenas com Wi-Fi; Ecrã WSVGA TFT de 7’’ com 1024x600 de resolução; Câmara frontal e posterior; Entrada para auscultadores; USB e micro USB; Armazenamento: versão 8GB e 16GB (possibilidade de expandir até 64GB a partir de um cartão microSD); Sistema Operativo: Android 4.1.2, Jelly Bean; Sensores: acelerómetro, geo-magnético, luz e de proximidade; Navegação: ecrã de toque e botão físico; Suporta os formatos: MP3, M4A, AAC, WMA, ASF, OGG, FLAC, AMR, WAV, MID, XMF, MXMF, iMY, RTTTL, RTX, OTA, AAC, AAC+, eAAC+, WMA, AVI, MP4, M4V, 3GP, MKV, WMV, ASF, FLV, WEBM, H.263, H.264, VC-1, VP8, GIF, AGIF, JPEG, PNG, BMP, WBMP e WEBP. Wi-Fi; Ecrã de 10.6’’ com 1920x1080 de 507

● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ●

● ●

Microsoft Surface Pro 2 (Tablet)

● ● ● ● ● ● ● ● ● ● ●

resolução; Câmara frontal e posterior; Entrada para auscultadores; Bluetooth; USB; MicroSD; Saída de vídeo HD; Armazenamento: versão 32GB e 64GB; Áudio: altifalante estéreo e dois microfones; Sistema operativo: Windows RT 8.1; Sensores: acelerómetro, giroscópio, magnetómetro e luz ambiente; Navegação: ecrã multi-toque e botões físicos (aumentar/reduzir volume e ligar/desligar). Wi-Fi; Ecrã de 10.6’’ com 1920x1080 de resolução; Câmara frontal e posterior; Entrada para auscultadores; Bluetooth; USB; MicroSDXC; Mini DisplayPort; Armazenamento: versão 64GB, 128GB, 25GB e 512 GB; Áudio: altifalante estéreo e microfone; Sistema operativo: Windows 8.1 Pro; Sensores: acelerómetro, giroscópio, magnetómetro e luz ambiente; Navegação: ecrã multi-toque e botões físicos (volume e ligar/desligar).

QUADRO 5 - Os principais dispositivos no mercado dos eReaders e Tablets.

Sistema de Protecção DRM (Digital Right Management) De forma a controlar a livre circulação de ebooks entre plataformas distintas, existem sistemas de protecção conhecidos por Digital Right Management (DRM). As principais empresas a actuar neste mercado desenvolveram estratégias que passam 508

pela criação de ecossistemas fechados, sustentados a partir de hardware (dispositivos de leitura) e software proprietários (lojas virtuais, formatos e DRM) que impedem a exportação e importação de ficheiros entre ecossistemas diferentes. Este é o modelo usado pelos principais actores deste mercado, em especial a Amazon e a Apple, que encerram dentro do território dos seus ecossistemas os exemplares comercializados e que limitam o uso que um leitor pode fazer do arquivo que adquiriu a partir das lojas virtuais destas duas marcas. Assim, o leitor vê restringida a possibilidade de escolher o dispositivo que mais lhe convém para fazer a leitura do livro que adquiriu, uma vez que este aquivo apenas pode ser usado nos dispositivos ou aplicações de leitura comercializados por estas marcas. Estas restrições assumem diferentes formas: criação de formatos de arquivo proprietários (AZW, MOBI ou ibooks), alterações feitas a formatos existentes (como por exemplo o ePub com Layout Fixo) e que apenas são compatíveis com os dispositivos ou aplicações de leitura que certas marcas comercializam ou uso de tecnologias que permitem criar sistemas de protecção de direitos de autor e de anticópia. Estes últimos são materializados em sistemas que permitem encriptação da informação concertada entre software e hardware, que é depois incorporada nos arquivos de ebooks e em alguns casos no próprio hardware utilizado para a leitura destes arquivos (um dispositivo de leitura pode inclusive conter múltiplos sistemas de DRM para os múltiplos formatos a que dá suporte). Para o utilizador leitor a experiência de compra e uso de um ebook devia estar próxima daquilo que acontece com um livro impresso e assumir-se como uma tarefa simples e agradavél de concretizar. Na realidade o que acontece, na maior parte das ocasiões, é que ao efectuar a compra de um título é feita uma restrição à leitura desse arquivo a um determinado utilizador ou, em alternativa, a um número limitado de dispositivos onde pode ser usado, o que dificulta uma experiência de utilização plena, agradável e que leva o consumidor a questionar-se sobre o porquê de proteger um arquivo pelo qual pagou? A resposta a esta questão passa pela justificação de estabelecer os usos permitidos do título adquirido e dos direitos sobre a obra digital e a sua distribuição. Existem vários sistemas de DRM que partilham entre si a maior parte das seguintes características: ● aplicam-se a conteúdos intelectuais ou criativos em formato digital; ● estabelecem quem ou o que pode aceder às obras e em que condições; ● autorizam ou restringem o acesso à obra ou a alguma(s) funcionalidade(s); ● é o fornecedor da obra que estabelece as condições de acesso; ● reduz as possibilidades de proliferação de cópias ilegais; ● facilita o acesso, em tempo real, às estatísticas de download e usos de um arquivo digital (o que acaba por ajudar na determinação do preço); 509

● à semelhança do que acontece com os formatos ainda não há um padrão e a sua codificação varia consoante a empresa que o desenha. Dos sistemas existentes, destaque para os exemplos enunciados no quadro seguinte: SISTEMA DE DRM

CARACTERÍSTICAS ● ●



Adobe Digital Experience Protection Technology (ADEPT)

● ●



● ●

● Amazon





Apple FairPlay



Um dos sistemas mais utilizados. Permite a compra e gestão de downloads de ebooks e outras publicações digitais com DRM. Usado por múltiplas empresas (ex.: Barnes & Noble) para protegerem principalmente conteúdos em formato ePub. Pode ser aplicado aos formatos PDF, ePub e Flash. O sistema DRM pode ser lido a partir do software de leitura Adobe Digital Edition desenvolvido pela própria Adobe e por outros softwares de leitura de outras empresas. Permite que os utilizadores possam trocar arquivos entre o máximo de seis computadores. Baseado no sistema de DRM desenvolvido pela empresa Mobipocket. Aplicado a todos os ebooks disponibilizados através da loja virtual Kindle Store, normalmente no formato KF8. Estes ebooks apenas podem ser usados nos dispositivos Kindle ou nas aplicações de leitura disponibilizadas pela Amazon para outros dispositivos. Desde Janeiro de 2011 que a Amazon permite que os utilizadores possam transferir um livro, por um período limitado de tempo, para outro utilizador da plataforma da Amazon. Sistema DRM aplicado a todos os conteúdos vendidos na loja virtual iBookstore, compatível com os formatos ePub, .ibooks e Apple Epub Layout Fixo. Todos os livros distribuídos através da loja iBookstore, apenas podem ser usados nos dispositivos e software de leitura proprietário da Apple. 510





A empresa permite a importação de arquivos ePub e PDF de outros dispositivos e aplicações de leitura. Permite o uso de um título simultaneamente em 5 dispositivos autorizados pelo utilizador.

QUADRO 6 - Lista dos principais sistemas de DRM existentes.

Serviços de auto-publicação Para quem pretende editar um ebook, mas não tem possibilidades de o fazer através de uma editora, no mercado da edição digital têm surgido empresas que se dedicam à criação de plataformas e ferramentas para auto-publicação de conteúdos. Estes serviços prestam informações claras sobre os aspectos técnicos da produção de um ebook, disponibilizam ferramentas para a construção do arquivo do livro digital (paginação, formatação, autoria e exportação), e podem ainda oferecer acesso a um canal de distribuição, que pode passar pelas principais lojas virtuais existentes como a Amazon, iBookstore, Barnes & Noble, entre outras. Há ainda empresas que procuram diversificar o seu portfolio e apresentam serviços especializados, tais como: consultoria editorial, conversão profissional (para livros com muitos conteúdos gráficos, notas de rodapé, etc.) e promoção de livros (criação e distribuição de pressreleases, book trailer e banners promocionais). Dos serviços existentes apresentamos em seguida os mais populares: SERVIÇO

CARACTERÍSTICAS ●

● ● Lulu265 ● ● ●

265

Conversão de formatos DOC, DOCX, RTF e formatos ODT para o formato ePub, com e sem DRM. Criação de capa e ISBN (International Standard Book Number). Integração em plataformas de distribuição (lulu.com, iBookstore e Barnes & Noble Nook Store). Existem preços para vários planos de serviços. 10% do preço de venda do livro fica para a empresa. Serviços especializados: design gráfico da capa e ilustrações, edição, serviço de relações públicas, escrita de comentários,

http://www.lulu.com/

511

● ● ● ● Escrytos266 (Leya) ●

● ●

● Bubok267 ● ● ● ●

● iBooks Author268 (Apple)



opiniões e resenhas do livro, criação de suportes de divulgação (website, book trailer, vídeo com entrevista com o autor, etc.) e divulgação em feiras do livro. Serviço de publicação em formato papel. Conversão do formato DOC (Word) para ePub. Possibilidade de escolher uma capa e criação de ISBN. Integração em plataformas de distribuição de ebooks da editora e das principais lojas virtuais internacionais (Amazon, Kobo, iBookstore, Barnes & Noble, etc). A criação do livro é gratuita mas existem serviços pagos (parecer editorial, edição, revisão e promoção - press releases, book trailer, etc.) 75% do preço líquido de venda do livro fica para a Leya. Conversão a partir dos formatos PDF, DOC e PPT para PDF e ePub (serviço pago). Publicação em papel (tecnologia Print On Demand) ou em formato digital. A criação do livro é gratuita. O autor decide o formato, o preço e se o livro é de utilização pública ou privada. O autor recebe 80% do lucro das vendas. Um software, distribuído gratuitamente pela Apple através da sua loja virtual Mac App Store, que permite a criação de ebooks para dispositivos iPad e computadores Mac. Permite criar de forma rápida textos, galerias, diagramas interactivos, objectos 3D, expressões matemáticas, formas, gráficos, tabelas e ainda a possibilidade de adicionar vídeo, aúdio e propriedades de interacção aos diferentes elementos que compõem cada página. Permite criar paginações de raiz mas também oferece um conjunto de modelos de página pré-feitas (templates) prontas a serem preenchidas com

266

http://www.escrytos.com/ http://www.bubok.com/ 268 http://www.apple.com/ibooks-author/ 267

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● ● Kindle Direct Publishing Program269 (Amazon)





conteúdo. Os aquivos de ebooks criados a partir desta plataforma podem ser disponibilizados a partir de um servidor privado, enviados por e-mail ou submitidos na loja virtual iBookstore para venda ou download gratuito. Conversão a partir de formatos DOC, DOCX, HTM, HTML, ZIP, MOBI, ePub RTF e TXT e formato PDF. A criação do livro é gratuita. Oferece um conjunto de ferramentas que permitem fazer a produção do arquivo do livro digital e ferramentas para promoção dos livros publicados. Os eBooks são vendidos na loja virtual Amazon Kindle Store e podem ser usados nos dispositivos e aplicações de leitura Kindle. O autor ganha 35% das vendas (direitos de autor) e existe a opção de receber 70% das vendas com royalties, se o título for exclusivo para a plataforma Kindle.

A “Fan Fiction”271 é um fenómeno exponenciado pelo digital e um dos elementos centrais das narrativas transmédia. Aproveitando o sucesso deste fenómeno a Amazon decidiu lançar a sua própria plataforma de auto-publicação especializada neste subgénero literário.

Kindle Worlds270 (Amazon)

A Amazon já assegurou algumas licenças necessárias para a criação de novas histórias (Ex.: Goosip Girl, Pretty Little Liars e The Vampire Diaries, Silo Saga, Kurt Vonegut, Harbinger, Shadowman, etc.). O autor escolhe umas destas histórias já licenciadas, lê as orientações do conteúdo para esse licenciamento e pode escrever a sua própria história e colocá-la à venda nesta plataforma. Os autores ficam com 35% dos royalties dos livros vendidos.

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https://kdp.amazon.com/self-publishing/signin https://kindleworlds.amazon.com/ 271 Ficção criada por fãs inspirada em livros populares, filmes, séries televisivas, banda desenhada, música ou jogos. 270

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● ● Kobo Writing Life272 (Amazon) ● ●

272

Conversão de formatos ePub, DOC, DOCX e ODT para ePub com ou sem DRM. Permite o carregamento de uma imagem em formato JPG ou PNG para usar como capa do ebook. A criação do livro é gratuita. Os eBooks são vendidos na loja virtual Kobo Store.

http://www.kobo.com/writinglife?___store=pt&style=onestore

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Referências bibliográficas Blӓsi, C. e Rothlauf, F. (2013), On the Interoperability of eBook Formats, Brussels, European & International Booksellers Federation. García, J., Díaz, R. e Arévalo, J. (2011), Gutenberg 2.0. La revolución de los libros electrónicos, Gijon, Ediciones Trea. Garrish, M. (2011), What Is EPUB3?, Sebastopol, O’Reilly Media. Kleinfeld, S. (2012), HTML5 for Publishers, O’ Reilly Media. McKesson, N. e Witwer, A. (2012), Publishing with iBook Author. An Introduction to Creating Ebooks for the iPad, O’ Reilly Media. Stevens, C. (2011), Designing for the iPad. Building applications that sell, Wiley.

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14 Ciência, texto e tecnologias digitais Pedro Jacobetty e João Querido

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Introdução A Ciência opera através de práticas de inquirição sistemática e tem por objectivo a produção de um tipo particular de conhecimento. A sua forma moderna é o resultado de um processo histórico cujas origens se estendem até à Antiguidade. A objectividade científica sustenta-se num empreendimento comunitário: um universo de colaborações que, graças às melhorias nos meios de transporte e comunicação, cria “redes de observadores cada vez mais vastas e densamente relacionadas” (Daston, 1999: 91). As publicações científicas, o principal suporte de publicação para o trabalho dos cientistas, têm a sua origem no ano de 1665, ano em que surgiram a Journal des Sçavants, em Paris, e a Philosophical Transactions, em Londres (Stumpf, 1996). Embora não haja remuneração associada à publicação dos seus textos, ao contribuir para estas publicações periódicas os cientistas obtêm prestígio e reconhecimento por feitos pioneiros, o que impulsiona as suas carreiras. Os journals constituem plataformas centrais da comunicação formal entre cientistas, a par com livros e comunicações em encontros científicos. Comunicando entre si, a comunidade científica valida descobertas e reduz duplicação desnecessária de esforços de investigação. Como afirma João Caraça, o carácter público do conhecimento científico “garante a sua validade e permite uma avaliação da sua qualidade, por outras palavras, do seu valor e da novidade criada pela sua circulação, através da explicitação das opiniões dos pares sobre aquela matéria” (Caraça, 1999: 72). Para integrar o corpo de conhecimento de um determinado campo de investigação experimental, as descobertas são avaliadas, publicadas, replicadas, validadas e, finalmente, citadas (Barjak, 2006: 1351) A comunicação é, assim, uma condição para o incremento do corpus de conhecimento da comunidade científica, desempenhando um papel central na divisão do trabalho bem como na comparação e replicação de resultados; consequentemente, “a eficácia da comunicação científica afecta o ritmo do progresso científico” (Barjak, ibidem: 1350). O presente capítulo tem por base a análise das respostas ao inquérito aplicado a investigadores da rede europeia COST em 2009/2010 no âmbito do projecto de investigação “Ciência Aberta: Investigar, Publicar e Divulgar Ciência na Sociedade em Rede”, desenvolvido no CIES-IUL (Centro de Investigação e Estudos em Sociologia) sob a coordenação de Gustavo Cardoso e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. O questionário foi desenhado com o objectivo de fazer um levantamento sobre as representações e práticas científicas junto de membros da comunidade científica portuguesa e internacional. No âmbito do presente texto, cujo objectivo consiste em explorar o impacto das TIC na comunidade científica, não serão analisadas as diferenças ou semelhanças entre investigadores de diferentes países, dada a natureza internacional da rede COST e do trabalho que esta enquadra. Os dados foram tratados

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através da versão 20 do Statistical Package for Social Sciences (SPSS), software reconhecido e habitualmente utilizado entre a comunidade científica. Seguidamente apresenta-se a metodologia utilizada. Embora seja uma componente central da prática de investigação, os leitores que desejarem mergulhar imediatamente nos resultados da análise poderão passar à próxima secção.

Metodologia

Reestruturação de variáveis No âmbito do tema a explorar, ou seja, a forma como as tecnologias digitais afectam os processos de consumo e produção de texto no trabalho dos investigadores, foi necessário criar variáveis que nos permitissem medir a sua receptividade à publicação no formato digital. Para efeitos de análise, construiram-se dois indicadores com categorias dicotómicas, mutuamente exclusivas: “formato de publicação preferido” e “acesso a publicações electrónicas”. O primeiro permite aferir quais os inquiridos que dão maior importância à disponibilização em formato digital e em papel na escolha de publicações para o seu trabalho273; o segundo, aqueles que afirmam ter maior ou menor acesso às publicações online de que necessitam274, sendo estas as principais variáveis de segmentação da nossa análise.

Análise de componentes principais Procedeu-se a uma análise factorial exploratória através da análise de componentes principais (ACP) incidindo sobre as variáveis que nos permitissem identificar lógicas de atribuição de importância a diferentes aspectos inerentes à escolha de uma publicação para submissão do trabalho de investigação275. A análise de componentes principais 273

A variável é dicotómica e distribui os investigadores pelas categorias “Digital” e “Não digital”. Teve origem na diferença da importância atribuída, numa escala de 1 (Nada importante) a 7 (Muito importante), entre as variáveis P32.6 “Disponibilidade de uma versão em formato electrónico” e P32.7 “Disponibilidade de uma versão em formato papel” (P32.6 – P32.7). Assim, aqueles que apresentam um resultado positivo, ou seja, os que atribuem maior importância ao formato digital face ao papel, serão qualificados como “Digital”. Aqueles que apresentam resultados menores ou igual a zero (atribuindo igual ou menor importância ao formato digital) são qualificados como “Não digital”. 274 A variável em questão é dicotómica, tendo por base a variável P30: “Como descreveria o seu acesso a publicações online?”. Caracterizaram-se como tendo “Maior acesso” os que responderam “Tenho acesso a um bom número das publicações que necessito” ou “Tenho acesso a todas as publicações que necessito”; e como tendo “Menor acesso” os que responderam “Tenho acesso a poucas publicações que necessito”, “Tenho acesso apenas a algumas publicações que necessito”. 275 A análise factorial em questão foi executada sobre o grupo de questões: “Quando selecciona uma publicação para o seu trabalho, qual a importância que atribui face aos seguintes factores? Expresse a

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tem como principal objectivo reduzir a complexidade dos dados pela identificação de inter-relações entre indicadores que não seriam facilmente apercebidas através de uma análise uni ou bivariada. No processo de execução deste método estatístico de análise multivariada foi possível identificar variáveis não correlacionadas, padrões ou dimensões inerentes a um amplo número de variáveis que representam uma combinação linear das variáveis originais. A matriz de correlações permite medir a quantidade de variação explicada por cada componente principal. Para a validar, recorreu-se ao teste de esfericidade de Bartlett, medida que irá servir para verificar a presença de correlação significativa entre o conjunto de variáveis e determinar a adequabilidade deste método. Para complementar, verificou-se a adequabilidade da ACP aos dados através da estatística Kaiser-Meyer-Olkin. O seu valor situa-se entre 0 e 1, quanto mais elevado, melhor é a representação ou a explicação da variação das variáveis em análise pelas componentes principais. A interpretação desta medida segue a sugestão de Kaiser: >0,9 muito boa; >0,8 boa; >0,7 média; >0,6 razoável; >0,5 má; 100 inquiridos) e resultou da combinação de 3 critérios: a percentagem de variância explicada, o scree test ou análise gráfica do scree plot e o critério de Kaiser (valores próprios superiores a 1). Solicitou-se a rotação dos eixos para se obter uma estrutura que simplificasse a interpretação dos resultados (ibidem).

Construção de índices A solução final da ACP apresentou uma correlação significativa entre o conjunto de variáveis analisadas, um bom nível de adequabilidade aos dados276 e uma variação explicada da importância atribuída pelos inquiridos aos indicadores em questão na ordem dos 64,7%. Na prática, tendo em conta a relação entre a perda de complexidade ao combinar variáveis e o ganho que isso representa em termos de interpretação de resultados, a solução final da ACP informou a construção de 3 índices: Acesso, Prestígio e Audiência. Os índices foram criados com base nas sub-questões relacionadas com factores importantes na escolha de publicação: 1. O índice Acesso obteve-se através da combinação das variáveis: “A minimização do custo de acesso às bibliotecas”, “Facilidade de acesso aos recursos por parte das comunidades científicas de regiões do mundo menos

sua opinião numa escala de 1 a 7, em que 1 significa que considera “Nada importante” e 7 considera “Muito importante””. 276 Bartlett (45) = 1631,3; p < 0,001; KMO = 0,788 ≈ 0,8.

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desenvolvidas”, “A protecção da propriedade intelectual e industrial do autor”, “O acesso ao público em geral” e “O Preço”; 2. O índice Prestígio obteve-se através da combinação das variáveis: “Índice de citações”, “Cobertura pelos serviços indexados” e “Prestígio na área”; 3. O índice Audiência obteve-se através das seguintes variáveis: “Dimensão da audiência potencial” e “Especificidade da sua audiência”. Estes índices não resultam directamente dos scores proveniente da ACP mas dos valores médios obtidos na combinação (aritmética) dos conjuntos de variáveis agrupados em componentes pela ACP. Verificámos que o índice Acesso apresenta uma boa consistência (AC Acesso = 0,803) e que os índices Prestígio e Audiência exibem consistência razoável (AC Prestígio = 0,713; AC Audiência = 0,706).

Inferência estatística Este estudo também analisou o nível de significância dos resultados obtidos, por forma a identificar quais os resultados amostrais que seriam extrapoláveis para a população. Para este efeito recorreu-se a testes de hipóteses que foram seleccionados com base em critérios associados à distribuição das variáveis. Quando os requisitos associados à aplicação de testes paramétricos não se verificam, nomeadamente as condições de normalidade e homogeneidade de variâncias, das variáveis em estudo, considerou-se mais adequada a utilização de testes não paramétricos. Nesta discussão, é habitualmente aceite que os testes não paramétricos têm menor potência estatística que os seus correspondentes paramétricos na medida em que a probabilidade de cometer um erro de tipo II – não rejeitar a hipótese nula quando esta não se verifica – é maior. Contudo, “esta afirmação só é realmente robusta para amostras de grande e igual dimensão. Para amostras de pequenas e diferentes dimensões e onde as variáveis sob estudo não verificam os pressupostos dos métodos paramétricos, os testes não-paramétricos podem ser mais potentes” (Maroco, 2010). Assim, justifica-se a utilização de testes não paramétricos tal como o Mann-Whitney (M-W), que permite identificar diferenças na distribuição de uma variável entre dois grupos. Este teste é o equivalente ao teste T (T) para a diferença de médias entre duas amostras independentes. É adequado para comparar as distribuições de uma variável quantitativa ou qualitativa ordinal medida em duas amostras independentes. A opção entre o teste T (paramétrico) e o Mann-Whitney (não paramétrico) terá em conta a natureza dos dados e os pressupostos mencionados.

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Ciência em transformação O conhecimento científico está na base de grande parte das forças criativas e de inovação aplicadas aos mais variados domínios da vida humana. Como refere John Ziman, “falar sobre a ciência na sociedade moderna é falar sobre a sociedade moderna em quase todos os seus aspetos” (1999: 437). Na sua análise das Consequências da Modernidade, Anthony Giddens (1990) defende que a reflexividade e os sistemas periciais assumem uma importância fundamental no contexto social. Formou-se um consenso, globalmente generalizado entre as mais diversas instâncias de decisão, relativo à importância do conhecimento científico para a promoção do desenvolvimento económico e social (Watson et al., 2003). Contudo, existe uma cada vez mais alargada consciência sobre os novos riscos associados à pesquisa científica (Beck, 1992). Esta consciência generalizada traduz-se em exigências para que a Ciência opere de forma mais transparente e em diálogo com outras instituições sociais (Pidgeon, 2008). A Ciência sofreu processos de especialização no domínio cognitivo, de profissionalização no domínio social e de institucionalização no domínio político (Oliveira, 2000; Gibbons et al., 1994). Esses processos tiveram por consequências “a estruturação do conhecimento científico em disciplinas, uma certa concepção de ciência e de cientista, um conjunto de normas sociais que regulam este sistema e a identificação de lugares/instituições que participam na construção e funcionamento do edifício científico” (Oliveira, 2000: 100). Robert Merton, pioneiro nas abordagens sociológicas da Ciência, identificou quatro imperativos institucionais inerentes ao ethos científico (Merton, 1938; 1996), muitas vezes referidas por CUDOS (Communism, Universalism, Desinterestedness e Organized Skepticism)277, que são apresentadas como características funcionais da Ciência moderna. Importa salientar que Merton não confunde esse ethos, o ideal normativo instituído, com o comportamento dos homens de ciência ou o trabalho levado a cabo nas instituições científicas. É possível identificar a coexistência de normas potencialmente contraditórias no seio da Ciência, como em outras instituições, que geram ambivalência nas relações entre cientistas (Merton, 1963).

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Comunismo: os produtos da ciência são vistos como resultado da cooperação social e são atribuídos à comunidade, constituindo uma herança colectiva e não algo apropriado individualmente; é um sentido lato e não técnico de propriedade comum do conhecimento. Universalismo: as contribuições para a ciência não devem depender de culturas específicas e o conhecimento deve ser sujeito a critérios impessoais pré-estabelecidos, não contradizendo a observação e conhecimento previamente confirmado. Desinteresse: o cientista deve ser isento, assumindo uma atitude impessoal relativamente às suas próprias ideias. Cepticismo organizado: trata-se de uma norma metodológica e institucional, relacionada com os outros elementos do ethos científico, que exige que o conhecimento seja submetido a escrutínio sob critérios lógicos e empíricos.

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Durante o período conhecido como Guerra Fria, particularmente nas suas fases finais, a Ciência foi alvo de crescente privatização e novos padrões foram introduzidos no seu modo de funcionamento. Mitroff, guiado pela noção de ambivalência sociológica mertoniana, conduziu um estudo com base em entrevistas a cientistas que identifica contranormas coexistentes com os imperativos institucionais de Merton, tais como o particularismo, o interesse e o dogmatismo organizado (Mitroff, 1974). Para Ziman (1995; 1996), o ethos científico mertoniano refere-se ao funcionamento do que o autor designa por Ciência Académica; porém, a nova ciência aplicada, a Ciência PósAcadémica, rege-se por normas antitéticas a esse funcionamento. Por oposição à mnemónica mertoniana, Ziman caracteriza essa nova Ciência como sendo Proprietária, Local, Autoritária, Commissioned (encomendada) e Especialista (PLACE). O estreitar das relações entre Ciência e as suas aplicações sociais tem vindo a intensificar-se e a diversificar-se nas suas formas, ao ponto de alguns autores identificarem mudanças qualitativas na Ciência. As bases de sustentação do modelo de Ciência moderna, enquanto instituição social e forma de conhecimento, que perdurou durante a primeira metade do séc. XX, “teriam vindo a ser destruídas ao longo do tempo, fundamentalmente devido à massificação do ensino e à apropriação da função de investigação pelas universidades, na medida em que um número crescente de indivíduos tornou possível uma disseminação do conhecimento académico pela sociedade, constituindo o suporte de um novo modo de produção do saber” (Oliveira, 2000: 100). Gibbons e outros (1994) sustentam que emergiu um modo de produção de conhecimento científico (Modo 2), caracterizado pela transdisciplinaridade e forma organizacional não hierárquica, reportando a contextos sociais e integrando reflexividade; este modo opera de forma distinta à produção de conhecimento científico no interior de contextos disciplinares autónomos (Modo 1). A conexão entre Universidade e Indústria, característica do novo modo, dá origem a instituições híbridas, como empresas spin-off que derivam da investigação. Etzkowitz e Leydesdorff (2000) propõem o modelo denominado por Hélice Tripla para analisar as relações entre Estado, Indústria e Academia. O modelo diferencia três configurações históricas dessas relações: Hélice Tripla I – o Estado envolve e dirige as relações entre Academia e Indústria; Hélice Tripla II – existem fortes fronteiras entre as diferentes esferas institucionais; Hélice Tripla III – as esferas institucionais encontram-se sobrepostas na infraestrutura de produção de conhecimento. Na configuração mais recente do modelo, o “objectivo comum é criar um ambiente de inovação consistindo de empresas spin-off das universidades, iniciativas trilaterais para o desenvolvimento económico baseado no conhecimento, e alianças estratégicas entre empresas (grandes e pequenas, que operam em áreas diversas e em diferentes níveis tecnológicos), laboratórios públicos e grupos de investigação académica” (Etzkowitz e Leydesdorff, 2000: 112).

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Aplicações científicas das TIC O desenvolvimento e a apropriação social da Televisão, da Rádio e da Imprensa estão na origem do paradigma que caracteriza o sistema de comunicação das sociedades industrializadas ao longo do séc. XX: a comunicação de massa (Thompson, 1995; Mattelart, 1996; Ortoleva, 2004). O papel da informação e da comunicação na mudança social tem sido largamente discutido (Webster, 1995; Poster, 2000; Castells, 2002). O desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), particularmente de base digital, trouxe novas possibilidades à investigação e à comunicação científica. Ao apropriar a inovação tecnológica para comunicação, processamento e armazenamento de informação, os cientistas transformaram o seu trabalho de tal modo que alguns académicos apontam para uma mudança radical ou mesmo qualitativa da Ciência (Jankowski, 2007). “A crescente utilização das TIC na investigação científica produz uma rápida acumulação de stocks de dados observados, modelos matemáticos de sistemas do mundo real, simulações e outros dados gerados através da computação, informação descritiva e explicativa científica, e assim por diante. (…) A acumulação de informações científicas de maneira a facilitar a sua utilização e distribuição por outros utilizadores é um meio fundamental para realizar as potencialidades de maior coordenação e integração da investigação, e para suportar maior especialização e aumento das capacidades no seio da comunidade científica internacional” (David, 2000: 9). A tecnologia computacional está integrada na maioria dos processos de produção e distribuição de conhecimento científico. Está directamente associada a descobertas e transformações disciplinares, acelerando o progresso em áreas como a Química e a Biologia. No entanto, a crescente aplicação das TIC tem vindo a simplificar as mais variadas operações e etapas da pesquisa científica, o que consiste num contributo menos visível. O trabalho quotidiano dos cientistas tem vindo a adaptar-se de forma a integrar elementos como computadores em rede, bases de dados online, a World Wide Web, journals electrónicos, listas de discussão, conferências electrónicas e bibliotecas digitais (Nentwich, 2005: 542). Assim, o crescente stock de conhecimento disponível online, o desenvolvimento de hardware e software científico, bem como a proliferação de plataformas de colaboração, estruturam um novo contexto para o trabalho científico. O sistema formal de comunicação científica, as revistas académicas, também se adaptou ao novo contexto. Conley e Wooders (2009: 5) afirmam que esse sistema de comunicação, tradicionalmente de base “papirocêntrica”, passou a basear-se em documentos electrónicos; segundo os autores, a transformação foi tão radical que, “em 2008, journals em papel são essencialmente um anacronismo e a sua actual existência é resultado de histerese”.

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O projecto de mapeamento do genoma humano, realizado entre 1990 e 2003, é outro elemento chave para compreender as transformações ocorridas “nos modos de produção, distribuição e utilização do conhecimento científico, e especialmente no papel da Biologia na investigação científica” (Bucchi, 2004: 128).

Privatização do conhecimento científico Num artigo sobre transformações do ethos científico, em particular na biotecnologia, José Luís Garcia e Hermínio Martins afirmam que “por todo o mundo académico ocidental, e especialmente na investigação científica, dentro e fora das universidades, nos âmbitos da biotecnologia e de outras ciências e tecnologias da vida, estão sendo disseminados os traços tipicamente característicos dos campos comercial e empresarial” (Garcia e Martins, 2009: 83). Vários estudos sublinham o estreitamento da relação entre ciências da vida e o mundo empresarial, bem como as barreiras à livre circulação de conhecimento nestas áreas (Krimsky et al., 1991, 1996; Blumenthal et al., 1997, 2006; Campbell et al., 2002; Bowring, 2003; Murray, 2007; Murray et al., 2009). A ligação dessas áreas com a indústria farmacêutica, bastante dependente de deireitos de propriedade intelectual (Cohen et al., 2000), é particularmente relevante para explicar o seu maior fechamento. Os avanços na biologia molecular motivaram um aumento exponencial do patenteamento para exploração comercial da investigação fundamental (Eisenberg, 2006). Rai e Eisenberg sustentam que, embora a pesquisa biomédica integre a partilha do conhecimento fundamental como tradição, o estreitamento entre pesquisa fundamental e aplicação comercial, nomeadamente através do desenvolvimento de fármacos, tem vindo a erodir essa tradição. Nas últimas décadas, os direitos de propriedade expandiram-se a montante (upstream) do produto-final, englobando descobertas fundamentais que poderiam servir de base ao desenvolvimento de novos produtos: “a descoberta de novos fármacos é agora extremamente dependente de conhecimento básico de genes, proteínas e vias bioquímicas associadas. As receitas previsíveis dessa pesquisa fundamental tornaram mais fácil a obtenção de patentes para descobertas que, em épocas passadas, pareceriam demasiadamente distantes de aplicabilidade útil da protecção por patentes” (Rai e Eisenberg, 2003: 289).

Ciência Aberta e acesso livre a periódicos científicos É este o contexto da emergência de mobilizações no seio da comunidade científica para a construção de um modelo de produção e disseminação da Ciência com menos restrições. No âmbito do estudo que esteve na origem do questionário aqui analisado, optou-se pelo termo Ciência Aberta para traduzir a lógica unitária de diferentes 524

esforços de criação de modelos alternativos de Ciência que visam reduzir o isolamento e o secretismo no trabalho científico (Cardoso, Jacobetty e Duarte, 2012). Reflecte a disponibilização dos produtos gerados nas várias fases do processo de investigação científica, desde a concepção às suas formas finais no formato de publicação. Este movimento visa uma reaproximação às normas mertonianas e é influenciado de tensões entre esferas institucionais, que Merton já identificara: “o comunismo do ethos científico é incompatível em abstrato com a definição da tecnologia enquanto «propriedade privada» numa economia capitalista. (...) As patentes proclamam direitos exclusivos de uso e, frequentemente, de não uso” (Merton, 1996: 273). Os direitos e as patentes têm por missão manifesta a promoção da inovação através de incentivos económicos e a regulação justa do acesso aos conteúdos por eles protegidos. A Ciência Aberta consiste então numa alternativa complementar às lógicas de propriedade intelectual aplicadas à produção e distribuição de informação e conhecimento científicos. Os seus proponentes argumentam que a privatização destes elementos tende a atrasar o avanço científico, tal como o progresso económico e social (David, 2003), e conduz a situações de escassez artificial que poderia ser eliminada com recurso às TIC (Vadén, 2006). Existem várias definições de Ciência Aberta. David (2003) define-a como um modelo de alocação de recursos alternativo ao modelo de propriedade intelectual – ou seja, que não obedeça a incentivos de mercado – para a produção e distribuição de conteúdos científicos. Para González, trata-se principalmente da aplicação de “princípios e cláusulas Open Source para proteger e distribuir os frutos da pesquisa científica” (González, 2006: 329). Maurer (2003) não propõe uma definição estanque mas relaciona-a com “(a) publicação completa, franca e rápida de resultados, (b) ausência de restrições relativas a propriedade intelectual e (c) transparência, radicalmente aumentada em fases de pré- e pós-publicação, de dados, atividades e decisões dentro dos grupos de investigação” (Maurer, 2003: 4). Assim, não estamos perante um debate sobre paradigmas científicos no sentido proposto por Kuhn (1962), teorias e métodos aceites pela comunidade científica, mas antes sobre a forma como os cientistas partilham e integram nas suas pesquisas os vários tipos de conhecimento produzidos pelos seus pares. Uhlir e Schröder (2007) designam estas novas abordagens por “paradigmas de investigação”, enquanto Bechhofer et al. (2010) utilizam a expressão “meta-ciência”. A filosofia que subjaz à Ciência Aberta também pode ser aplicada ao sistema de comunicação científica baseado nos journals. Tradicionalmente, os artigos científicos eram doados pelos autores às revistas especializadas. Com o advento da Internet, torna-se possível disponibilizar esses documentos sem custos significativos, o que facilitou a emergência do Open Access, um modelo de publicação periódica científica online de livre acesso. A adopção desse modelo no seio da Ciência constitui um processo “que potencia a reutilização e a disseminação do conhecimento ao mesmo tempo que minimiza a sua recriação (isto é, repetição de experiências/investigações 525

por desconhecimento/falta de acesso a resultados já existentes)” (Cardoso et al., 2009). Importa compreender o papel que as TIC desempenham enquanto propulsoras do Open Access. Conley e Wooders (2009) afirmam que, embora as competências das publicações comerciais278 fossem centrais para a comunicação académica e irreproduzíveis pela Academia antes dos anos 90, esse cenário foi transformado por inovações que facilitam a formatação e a distribuição de documentos electrónicos. Para além do papel facilitador das tecnologias, outros factores estão na origem da proliferação de revistas Open Access. A considerável subida de preço dos journals nas décadas de 90 e 2000 gerou uma crise de acesso, levando ao cancelamento de subscrições de periódicos por parte das instituições académicas. A comunidade científica respondeu a essa crise procurando formas alternativas de disseminação do seu trabalho (Canessa e Zennaro, 2008).

Análise de resultados

Caracterização da amostra O inquérito reuniu 642 respostas válidas por parte de pessoas que integram a comunidade científica. A grande maioria dos respondentes é do sexo masculino (69,8%) e tem idades compreendidas entre os 28 e os 78 anos, apresentando uma média de 51,5 anos e uma dispersão relativamente baixa (DP279 = 9,5 e CV280 = 18,4%). A média de idades entre os homens é de 52,0 (DP=9,6) e entre as mulheres de 50,21 anos (DP=9,2). Apesar da diferença de idades entre sexos ser estatisticamente significativa281, uma diferença de dois anos, neste caso não se demonstra particularmente relevante. Do total dos inquiridos, a maioria investiga nas áreas de Matemática, Física, Informática, Engenharia, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) e Ciências da Vida (CV), ambas as áreas apresentam proporções de 40,0%, seguidas pelas Ciências Sociais e Humanidades (CSH), na proporção de 20,0% dos inquiridos282. A vasta maioria 278 Entre as quais uma formatação adequada, capacidade de distribuição, publicidade, serviços de subscrição e produção. 279 Desvio-Padrão. 280 Coeficiente de Variação (CV) =

  100 = 18,4%. Segundo Pestana e Gageiro (2005), o coeficiente s

de variação contido entre 15% e 30% identifica uma dispersão média. Neste caso poderemos assumir que será média-fraca. 281 T( 639)  2,223 , p  0,027 (verificou-se a homogeneidade de variância entre grupos através do teste Levéne e, uma vez que os grupos constituem amostras de dimensão superior a 30, a normalidade é atestada pelo teorema do limite central). 282 Para efeitos de simplificação de leitura, atribuiu-se as seguintes designações na presente variável: Ciências Sociais e Humanidades (CSH) – Economia, História, Filosofia, Direito, Sociologia, Gestão, etc. –,

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integra instituições exclusivamente públicas (86,2%), sendo em menor número os que integram instituições públicas e privadas (9,1%) ou exclusivamente privadas (7,3%). Em simultâneo, a larga maioria é original de países europeus (96,7%) e integra instituições do seu país de origem (89,3%). Os inquiridos são, na sua generalidade, investigadores bastante experientes. Na sua maioria contam com mais de 20 anos de experiência em investigação (57,2%), seguidos pelos que têm entre 11 e 20 anos (32,7%). Dos restantes, 8,7% tem entre 6 e 10 anos de experiência e apenas 1,4% dos respondentes tem menos de 5 anos.

Produção de texto digital A criação de variáveis que identifiquem os inquiridos segundo a importância atribuída ao formato no qual as publicações são disponibilizadas pretende caracterizar a relação dos respondentes, na qualidade de produtores de texto, com o suporte digital. Os quadros seguintes apresentam-nos as tendências verificadas entre elas.

Segundo os resultados, existe uma clara relação entre a área de investigação e a importância atribuída à disponibilização de periódicos em formato digital. A maioria dos investigadores das CV atribui maior importância à disponibilização do formato digital. Nas CSH pode-se verificar a tendência inversa: a maioria dos investigadores atribui igual ou menor importância ao formato digital quando comparado com o suporte em papel. Nas MFIETU, este valor anda à volta de 50%. Esta relação entre área de investigação e preferência de formatos revelou-se estatisticamente significativa. Matemática, Física, Informática, Engenharia, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) e Ciências da Vida (CV) – Biologia, Medicina, Farmácia e Medicina Veterinária.

527

O sector em que os investigadores trabalham também parece estar relacionado, embora de forma mais ligeira, com a preferência de formatos. Nos casos em que a integração institucional é exclusivamente pública, a maioria dos investigadores atribui maior importância ao formato digital. Nos restantes, a maioria atribui igual ou menor importância ao suporte digital. Esta relação também apresenta significância estatística. Ao nível da experiência como investigador, existe uma tendência para a preferência do suporte digital, à excepção dos que têm entre 10 e 20 anos de experiência. Contudo, importa salientar que, exceptuando os que têm menos de 5 anos de experiência, esta relação tende a ser equilibrada. Devido à forte desigualdade na distribuição pelas categorias desta variável, não foi possível testar a significância estatística da relação entre estas variáveis. Relativamente à comparação entre aqueles que investigam dentro e fora do seu país de origem, a distribuição é equilibrada e não parecem existir diferenças entre os grupos (a igualdade de distribuições é coincidência). O mesmo sucede com a distribuição da preferência de formatos por sexo e por função. Estas diferenças, para além de serem ligeiras, não são estatisticamente significativas.

Estratégias de publicação Esta secção é dedicada à análise da importância atribuída a diferentes factores que influenciam a escolha de uma publicação para o trabalho dos inquiridos. De forma a simplificar a interpretação de resultados, a análise incidiu na observação das médias de respostas dadas numa escala em que 1 corresponde a “Nada importante” e 7 “Muito importante”. Em complemento, optou-se por uma análise de frequências que agrega as resposta de forma a obtermos as proporções de respostas “Menos importante” (soma das respostas dadas entre os pontos 1 e 3 da escala), “Neutro” (ponto 4) e “Mais importante” (soma das respostas dadas entre os pontos 5 a 7 da escala). No geral, o nível de importância atribuído aos factores em análise tende a concentrar-se nos pontos superiores da escala: sete dos factores apresentam uma média superior a 5 e somente um exibe uma média inferior a 3. Na análise dos factores com maior importância, obteve-se os seguintes resultados:

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O factor considerado mais importante para esta escolha é claramente o “prestígio na área” (88,9% das respostas), que também apresenta o valor médio mais elevado (6,0). Seguem-se os factores associados à “cobertura pelos serviços indexados” (79,6%) e “índice de Citações” (77,5%), com médias idênticas (5,6), e a “dimensão da audiência potencial” (77,4%), com uma média próxima dos factores anteriores (5,5). Por fim, destaca-se ainda a “especificidade da sua audiência” (73,8%) e a “rapidez de revisão por parte dos pares” (72,5%), com médias idênticas (5,3), e a “reputação do conselho editorial” (70,9%), com média próxima dos anteriores (5,2). Em todos estes factores, a proporção que atribui um nível de importância acima do valor intermédio é superior às frequências combinadas das restantes categorias. De seguida, analisaremos os factores a que foi atribuída menor importância. Aqui foram agrupados os factores que apresentam uma proporção que atribui um nível de importância abaixo do valor intermédio superior à proporção que atribui um nível mais elevado a esse mesmo ponto:

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Pode-se verificar que, para os inquiridos, o factor menos importante na escolha de publicação consiste na “maximização do retorno de investimento das instituições financeiras” (65,6%), apresentando a média menos elevada (2,9). Seguem-se os factores “preço” (48,2%) e “protecção da propriedade intelectual e industrial do autor” (47,9%), com médias mais elevadas face ao anterior (3,6 e 3,7 respectivamente). Por fim, surgem os factores “a minimização do custo de acesso às bibliotecas” (46,0%) e “origem institucional” (42,3%), apresentando frequências aproximadas e médias idênticas (3,8). Na próxima secção serão apresentados os factores que apresentam uma proporção combinada dos que atribuem nível de importância inferior e igual ao ponto intermédio da escala superior à proporção dos que atribuem um nível de importância superior a esse ponto. É o caso da “facilidade de acesso aos recursos por parte das comunidades científicas de regiões do mundo menos desenvolvidas” (39,3%), com uma média próxima do ponto intermédio da escala (4,1), bem como “o acesso público em geral” (31,7%) e “facilidade de aceitação de artigos submetidos” (29,8%), ambos com médias também próximas desse ponto (4,3). Podemos então assumir que os inquiridos assumem ser de maior importância os factores associados ao prestígio da publicação, à sua indexação, audiência e rapidez dos processos de revisão. Os de menor importância estão associados a questões económicas, origem institucional e facilidade de acesso por parte do público em geral como dos investigadores nas regiões do mundo menos desenvolvidas. Após uma análise geral, procedeu-se à análise comparativa da importância atribuída aos mesmos factores segundo o formato de publicação preferido. A seguinte figura apresenta os resultados desta análise para os factores identificados como os mais importantes:

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Embora todos esses factores apresentem níveis de importância relativamente próximos, foi possível identificar diferenças estatisticamente significativas em dois dos factores em análise. Assim, conclui-se que aqueles que preferem o suporte digital para publicação do seu trabalho dão maior importância à “cobertura pelos serviços indexados” e à “rapidez de revisão por parte dos pares”283 na escolha de uma publicação para o seu trabalho. Seguidamente apresentam-se os resultados da mesma análise para os factores identificados anteriormente como menos importantes:

283

A estatística utilizada será o teste T (coluna T), uma vez que as amostras utilizadas obedecem aos pressupostos de homogeneidade de variâncias e normalidade.

531

No geral, esses factores apresentam maiores diferenças entre os grupos analisados face aos anteriores. Foram verificadas diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos em quatro dos factores em análise. Assim, comparativamente, o grupo que prefere o suporte digital para publicação do seu trabalho atribui maior importância ao “preço”, à “minimização do custo de acesso às bibliotecas” e à “facilidade de acesso aos recursos por parte das comunidades científicas de regiões do mundo menos desenvolvidas”. O grupo que não dá preferência a esse suporte atribui maior importância à “origem Institucional”. Após analisar a importância atribuída isoladamente aos diferentes factores que influem na escolha de publicação para o trabalho dos cientistas, optou-se por reduzir a complexidade dessa informação através da ACP. Desta resultou uma estrutura de correlações que nos permite analisar a relação entre as variáveis em causa 284. A partir desta análise foram construídos três índices que traduzem três lógicas distintas de valorização de factores que influenciam a escolha de publicações: índice acesso às publicações (IPUB_ACESSO)285, índice prestígio das publicações

284

Foi utilizada uma análise factorial exploratória através de componentes principais. O processo está explicado no enquadramento metodológico deste capítulo. 285 IPUB ACESSO foi concebido com a MÉDIA das respostas atribuídas às seguintes questões: “O Preço”; “O acesso ao público em geral”; “A protecção da propriedade intelectual e industrial do autor”; “Facilidade de acesso aos recursos por parte das comunidades científicas de regiões do mundo menos desenvolvidas”; “A minimização do custo de acesso às bibliotecas”.

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(IPUB_PRESTIGIO)286 e índice audiência das publicações (IPUB_AUDIENCIA)287. De uma primeira análise geral, salientam-se os seguintes resultados:

O acesso é claramente a dimensão menos valorizada. Analisando os índices segundo a valorização do suporte digital na escolha de publicação, verifica-se que somente a diferença ao nível do índice de acesso tem significância estatística.

286

IPUB_PRESTIGIO foi concebido com a MÉDIA das respostas atribuídas às seguintes questões: “cobertura pelos serviços indexados”; “índice de citações”; “prestígio na área”. 287 IPUB_AUDIENCIA foi concebido com a MÉDIA das respostas atribuídas às seguintes questões: “especificidade da sua audiência”; “dimensão da audiência potencial”.

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Acesso ao texto digital Esta secção será dedicada à análise do acesso por parte dos investigadores às publicações electrónicas de que precisam. O seguinte quadro apresenta as tendências verificadas entre os grupos:

Não foram encontradas diferenças significativas a nível de acesso a publicações quando se compararam investigadores das diferentes áreas de investigação, aqueles que trabalham dentro ou fora do seu país de origem e os que integram instituições de diferentes sectores. Ao nível dos anos de experiência como investigador, todas as categorias desta variável, à excepção dos que têm menos de 5 anos de experiência, pertencem ao grupo com maior acesso às publicações de que necessitam. Também se encontram diferenças ao nível do acesso a publicações segundo o sexo dos respondentes: as mulheres afirmam ter menor acesso que os homens. Estas associações entre variáveis revelaram diferenças estatisticamente significativas.

Open Access Procedeu-se a uma análise das representações dos inquiridos sobre o contributo do Open Acess para a Ciência, incidindo na comparação de médias das respostas numa escala em que 1 significa “Discordo totalmente” e 7 “Concordo totalmente”. Em complemento, também se optou por agregar os pontos da escala por forma a obter as proporções de “Discordantes” (soma das respostas entre os pontos 1 e 3 da escala), “Neutro” (ponto 4), e “Concordantes” (soma das respostas dadas entre os pontos 5 a 7 da escala). 534

Na análise dos factores cujas respostas foram tendencialmente mais elevadas, verificam-se os seguintes resultados:

Os factores que reuniram maior consenso entre os inquiridos consistem na percepção que esta modalidade de publicação “vai facilitar o acesso a publicações” (78,8%) e “a divulgação aumentará” (76,9%), sendo estes os indicadores com médias de respostas mais elevadas (ambas com 5,5). De seguida, a afirmação “o número de leitores vai aumentar” também exibe elevados graus de concordância, com uma média bastante próxima das anteriores (5,4), bem como “os autores vão ter mais opções de journals para publicar o seu trabalho” (70,9%), com uma média também elevada (5,1). À parte dos indicadores mencionados, todos os restantes obtiveram níveis de concordância abaixo de 70%. Entre estes, as afirmações “os custos de publicação vão diminuir” (62,8%) e “os autores vão subscrever mais publicações na sua área” (61,4%), ambos com médias próximas do nível das anteriores (4,8 e 4,7 respectivamente) consistem nas que obtiveram maiores níveis de concordância. A estas seguem-se as afirmações “as publicações impressas tenderão a desaparecer” (51,8%), “as bibliotecas vão aumentar os orçamentos disponíveis” (45,7%), “os papers vão-se tornar mais extensos” (40,6%), com médias idênticas (4,3). Por fim, surgem as afirmações “os autores vão publicar mais” (40,6%, média 4,2), “os autores vão subscrever mais 535

publicações noutras áreas que não a sua” (40,1%), este último apresentando uma média inferior (4,1) aos indicadores que se seguem, nomeadamente “as editoras oferecerão melhores serviços aos autores” (39,8%) e “combater-se-á a centralização de conhecimento” (37,1%), que obtiveram médias semelhantes (4,2). Nesta secção, iremos observar os que tiveram níveis de concordância menores, ou seja, cujas respostas se concentraram nos pontos inferiores da escala de concordância (de 1 a 3):

Importa enfatizar que nenhuma das afirmações apresenta uma proporção de respostas “discordantes” superior a 50%, exceptuando o item “publicar em journals académicos e científicos terá menor valor” (59,7%), que apresenta a média mais baixa de todos estes indicadores (3,1). Em seguida, com maiores níveis de discordância, surgem as afirmações “os arquivos serão mais difíceis de manter” (45,6%) e “os lucros com publicações aumentarão” (45,2%), ambas com médias idênticas (3,7), ou “os papers publicados terão maior qualidade” (44,2%), com uma média de 3,5. A partir deste ponto, verificamos que os indicadores já assumem uma menor proporção dos que discordam face aos que concordam. É o caso das afirmações “a qualidade editorial vai ser menor que nos modelos comerciais” (37,4%) e “o número de papers rejeitados irá diminuir” (36,3%), ambos com médias superiores a todos os restantes indicadores dos mais discordantes (3,9). Procedeu-se ainda à comparação do nível de concordância com os itens supramencionados entre os grupos de investigadores que afirmam ter maior ou menor acesso às publicações de que necessitam.

536

Verifica-se que, no geral, os inquiridos com menor acesso têm, em média, graus de concordância com as afirmações mais elevados face àqueles com maior acesso. Contudo, apenas algumas questões se revelaram estatisticamente significativas, ou seja, extrapoláveis à população. Estas são: “os autores vão subscrever mais publicações noutras áreas que não a sua”; “as editoras oferecerão melhores serviços aos autores”; “a divulgação aumentará”; “o número de leitores vai aumentar”; “os autores vão ter mais opções de journals para publicar o seu trabalho”; “os custos de publicação vão diminuir”; “os autores vão subscrever mais publicações na sua área”. Para todos estes casos, os investigadores com menor acesso exibem graus de concordância superior aos restantes. De seguida apresentam-se os resultados das comparações para os factores com graus de concordância mais baixos:

537

Verificam-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos relativamente ao grau de concordância com as afirmações “os lucros com publicações aumentarão” e “os papers publicados terão maior qualidade”. Como identificado anteriormente, são os investigadores com menor acesso a publicações que exibem graus de concordância mais elevados face aos demais. As diferenças nos índices relativos aos factores valorizados na escolha de publicação entre os grupos definidos pelo acesso a publicações também foram comparadas.

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Verificaram-se diferenças significativas ao nível da importância atribuída aos indicadores que integram o índice de acesso e, de forma mais ligeira, aos que integram o índice prestígio. Os investigadores com menor acesso a publicações atribuem maior importância ao acesso às publicações que escolhem para o seu trabalho, enquanto aqueles com maior acesso privilegiam o prestígio. As representações dos investigadores sobre a qualidade do Open Access, aferidas pela questão “em comparação com os outros regimes de publicação, como avalia a qualidade geral das publicações Open Access relativas à sua área de estudo?”. As respostas a esta questão seguem a seguinte distribuição: “Inferior” (31,7%), “Similar” (61,5%) e “Superior” (6,5%). Verificou-se que as respostas à categoria “Superior” foram escassas, o que em termos de análise tornou imperativo proceder à agregação desta categoria à anterior, considerando-se assim apenas duas categorias: “Inferior” e “Similar/Superior”. Procedeu-se à análise das respostas a estas categorias por diferentes segmentos já utilizados anteriormente, concretizando-se nos seguintes resultados:

Apenas foi possível identificar relações significativas ao nível do sexo: comparadas com os homens, as mulheres atribuem maior qualidade a este modelo de publicação. Também se testou a diferença de médias dos índices relativos às estratégias de publicação segundo a qualidade atribuída ao modelo Open Access:

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Todos os índices apresentam diferenças de médias significativas entre os grupos analisados. Aqueles que consideram a qualidade deste modelo de publicação similar ou superior, comparativamente com aqueles que o consideram inferior, atribuem maior importância às possibilidades de acesso às publicações que escolhem para o seu trabalho e menor importância às dimensões do prestígio e audiência. Analisaram-se também as respostas à pergunta “se fosse convidado a publicar em dois journals da sua área com reputação idêntica, qual aceitaria primeiro: um journal do Open Access ou um journal de acesso restrito/pago?”. Quase metade dos inquiridos (48,6%) afirmam que escolheriam a publicação Open Access, seguidos pelos que afirmam ser irrelevante (37,7%). Apenas 13,7% afirmam que optariam pelo journal com acesso restrito.

Identificou-se que existem relações estatisticamente significativas entre a valorização do modelo Open Access e o acesso a publicações, bem como a área de investigação.

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Tanto os investigadores com menor acesso como os das áreas de CV, manifestam uma maior tendência a escolher esse modelo. Outra questão analisada, também relacionada com o modelo de publicação Open Access, foi formulada da seguinte maneira: “quando comparado o modelo Open Access face a um modelo de acesso restrito/pago, considera que irá ter uma melhor relação de custo-benefício?”. Esta questão possibilitava o posicionamento numa escala de concordância288 que varia de 1 (Discordo totalmente) a 7 (Concordo totalmente). Como tal, apresentam-se os resultados médios das respostas.

Verificaram-se diferenças significativas segundo o formato de publicação privilegiado e o acesso a publicações: os investigadores que preferem o formato digital e aqueles com menor acesso tendem a concordar que o modelo Open Access terá melhor relação custo-benefício relativamente ao modelo de acesso restrito ou pago.

Considerações finais As tecnologias, redes e dispositivos digitais transformaram o panorama da comunicação científica. A comunicação escrita no seio da Ciência, particularmente 288

Uma escala de Likert tratada como uma variável quantitativa, logo serão apreciadas as médias. A escala varia entre 1 (Discordo totalmente) a 7 (Concordo totalmente). Os testes apresentados são do tipo paramétricos e concordantes com os testes não paramétricos equivalentes, assegurando que os resultados são válidos.

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através de periódicos científicos, é um exemplo de como as tecnologias digitais estruturaram um novo contexto comunicativo para a comunidade científica. Na última década, os cientistas apropriaram e adaptaram-se às TIC ao nível da produção, distribuição e consumo de artigos científicos. Essa mudança foi tão radical que as revistas em papel quase se tornaram obsoletas. Segundo os resultados obtidos, existem no entanto diferenças entre as áreas científicas: quando escolhem publicações para o seu trabalho, os investigadores das CV claramente dão preferência ao formato digital, os das MFIETU dividem-se igualmente pelos formatos e as CSH privilegiam o formato em papel. Embora o prestígio das publicações seja a dimensão mais valorizada, a elevada importância atribuída aos serviços de indexação é também sinal de fortes mudanças a este nível. As transformações relativas ao papel do texto na Ciência não se resumem às puramente técnicas. Embora estejam relacionadas, surgiram inovações ao nível de modelos de publicação, como a distribuição de artigos em regime de livre acesso (Open Access). As possibilidades associadas a esse regime são, no geral, reconhecidas pela comunidade científica. No entanto, novos e velhos desafios co-existem com as potencialidades da proliferação de artigos científicos e da emergência do modelo Open Access na Internet. Como já foi referido, essa proliferação não eliminou desigualdades de género ao nível do acesso a artigos electrónicos. Também parecem existir algumas suspeitas em relação à qualidade das publicações Open Access, principalmente nas áreas de MFIETU. No geral, porém, os investigadores não tendem a diferenciar a qualidade das publicações em regime de livre acesso e em regime restrito. Os investigadores com menor acesso a publicações tendem a valorizar a dimensão do acesso às publicações que escolhem para publicar o seu trabalho, bem como a atribuir uma valorização positiva ao modelo Open Access. Estes resultados, juntamente com o movimento massivo de digitalização dos journals, demonstram que a comunidade científica está particularmente adaptada para reestruturar os seus canais formais de comunicação escrita caso necessite ou considere apropriado. O actual estado de aceleração no desenvolvimento e massificação dos media sociais, da banda-larga e da proliferação de tecnologias para a integração de conteúdos em registos diferenciados (texto, som e imagem) e por associação de significados (teia semântica) já se está a fazer sentir na Ciência. A emergência de video journals, bancos de dados científicos, ontologias digitais, plataformas de colaboração e redes sociais de cientistas são exemplos claros desse impacto.

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15 Expectativas, preocupações e desafios: a leitura digital na perspectiva de bibliotecários, editores, livreiros e representantes do sector das tecnologias de informação Cátia Ferreira

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A forma como lemos está a mudar. O advento das novas tecnologias digitais e a sua massificação está a contribuir não só para o desenvolvimento de uma relação diferente com os conteúdos veiculados, mas também para uma noção diferente do que significa ler. Com o aparecimento da Internet o enfoque é posto no que lemos – conteúdos, mas neste momento torna-se cada vez mais importante perceber como lemos, uma vez que a prática da leitura é fortemente influenciada pelo suporte. Com a disseminação e o aperfeiçoamento da imprensa de caracteres móveis (Johannes Gutenberg, cerca de 1450) o livro estabelece-se como o conhecemos hoje,289 tornando-se um produto cultural com potencial para ser massificado – os custos de produção foram baixando ao longo do tempo acompanhando os aperfeiçoamentos dos mecanismos de produção, o formato permite uma leitura fácil e tornou o objecto simples de transportar. Apesar de ser visto como o formato ideal para a prática da leitura, experiências em torno da alteração do formato do livro estão a ser conduzidas um pouco por todo o mundo, sendo o objectivo principal o de aproximar o livro ao contexto digital: “[…] nestes últimos anos, temos vindo a assistir ao aparecimento de livros em versão digital, de editores electrónicos, de livrarias virtuais, de obras de referência e bases de dados textuais online, de obras hipertextuais e de dispositivos de leitura de livros electrónicos” (Furtado, 2003: 1). O aparecimento e uso generalizado das tecnologias digitais tem contribuído para uma mudança na forma como acedemos, consumimos e inclusivamente nos relacionamos com os conteúdos informativos e de entretenimento. Perante esta mudança, torna-se necessário que os intervenientes da rede de produção e comercialização do livro ajustem as suas práticas aos novos contextos de consumo de conteúdos escritos (Kroes, 2011). No contexto editorial internacional assistimos já a algumas alterações e, contrariamente ao fim anunciado do livro (Bell, 2006; Benjamin, 1978; Birkerts, 2006), estamos a assistir a uma remediação290 do objecto tradicional através do aparecimento de livros digitais cada vez mais sofisticados (Carreiro, 2010; Lynch, 2001; Nunberg, 1996). No entanto, é preciso perceber o impacto que os conteúdos e a leitura em formato digital estão ou poderão vir a ter no sector editorial global. De forma a contribuir para este entendimento, começaremos por caracterizar a adopção de novas tecnologias no sector editorial, bem como as tendências do contexto editorial global relativamente à edição de e-books. Depois de definido o contexto e as práticas

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O formato do livro estabeleceu-se com o códice, ou codex, entre os séculos III e IV. A invenção da imprensa de tipos móveis ocorre inicialmente na China, em 1045, depois na Coreia com o uso do metal para a produção dos caracteres, em 1230, mas é apenas no século XV, com o aparecimento da prensa de Gutenberg que a impressão de livros se dissemina. 290 Remediação no sentido proposto por Jay David Bolter e Richard Grusin em Remediation: Understanding New Media (2000): os novos media resultam do processo de ‘remediação’ das características e funcionalidades principais dos seus antecessores. Por exemplo, a Web permite-nos ver filmes como a televisão, ouvir rádio como a rádio tradicional e ver imagens tal como a pintura.

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centrar-nos-emos na análise dos discursos dos representantes da rede de valor 291 do sector editorial nacional. Esta será uma análise qualitativa e terá como base os dados recolhidos em focus groups com agentes do livro e da leitura – autores, bibliotecários, editores, livreiros e representantes do sector das tecnologias de informação.

Adopção de novas tecnologias no sector editorial O livro é um dos produtos culturais que mais tem influenciado a história da Humanidade. Desde o século XV, devido ao contributo de Johannes Gutenberg e ao nascimento da indústria do livro, este tornou-se um produto de massas e permitiu que leitores em todo o mundo tivessem acesso a diferentes tipos de conteúdos. A história do livro tem acompanhado a história das ideias e da religião, bem como da economia e da política. O primeiro livro impresso na prensa de caracteres móveis foi a Bíblia, conhecida como A Bíblia de Gutenberg, impressa em 1455. Este livro marcou o início da ‘galáxia Gutenberg’ e da generalização dos hábitos de leitura – que a partir deste momento passam a ser acessíveis a todas as classes sociais (McLuhan, 2011). Desde o início da indústria do livro, este tem desempenhado um papel determinante no que diz respeito a níveis de literacia e educação, mas também no entretenimento de pessoas em todo o mundo. A transformação digital do livro pode contribuir para o esbater de fronteiras geográficas, permitindo acesso fácil a livros em diferentes línguas de uma forma quase imediata. No entanto, apesar do reconhecimento das mais-valias de associar a indústria livreira às das tecnologias digitais, o sector editorial é visto como um dos mais tradicionais e como um dos que mais tem resistido à mudança no que diz respeito à aproximação da ‘revolução digital’. Contudo, a relação que se tem estabelecido entre produtores de livros e as novas tecnologias nem sempre foi uma relação pautada pela desconfiança. Até ver posto em causa o seu formato privilegiado (o livro impresso), este sector revelou-se receptivo à inovação tecnológica. A sua principal preocupação tem sido a conservação do texto impresso, a facilidade de acesso à informação, as questões de portabilidade e os seus custos de produção. Entre os avanços tecnológicos respeitantes à produção de livros que foram bem aceites por editoras e gráficas são de destacar o recurso a processadores de texto e programas de paginação, a possibilidade de envio dos ficheiros para as gráficas em formato digital, impressão em offset através de ctp (computer-to-plate) e a possibilidade de impressão digital. O recurso a estas novas tecnologias permitiram reduzir custos de produção e demonstram o quão indispensáveis os computadores se tornaram para a indústria. Tal como Borgman

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O conceito rede de valor foi proposto por José Afonso Furtado (2008) para substituir a designação cadeia de valor do livro proposta por John B. Thompson (2005). Furtado (2008) defende que o modelo da rede é mais adequado para compreender o sector do livro e o seu sistema de criação de valor.

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(2000) sugere, apesar da aparente resistência às novas tecnologias digitais, estas são já evidentes em praticamente todos os aspectos do processo editorial: Authors write their texts on word processors and send them to their publishers online or on disk. Images, tables, and graphics also are likely to be created on computers. Even if the authors do not create content initially in electronic forms, most publishers key, scan, or otherwise digitize content for production. Editing, page layout, and other production tasks take place online, regardless of whether the final product appears in print or electronic form. […] In sum, most aspects of modern publishing are electronic. (Borgman, 2000: 83) Todavia, o desenvolvimento de novas tecnologias de informação pode provocar alterações no sector editorial para lá do que diz respeito a mecanismos de produção. Os novos dispositivos desenvolvidos especificamente para a actividade de ler, como os e-readers, podem vir a ter um impacto ainda mais evidente no sector, uma vez que podem resultar em alterações no comportamento dos consumidores e não apenas no modo de produção de livros. A adopção de novas ferramentas tecnológicas por parte dos membros das sociedades mais industrializadas é evidente. Para além do impacto na forma como trabalhamos e comunicamos, por exemplo, as novas tecnologias têm contribuído também para mudanças nas formas e meios de entretenimento. A indústria do cinema e música foram as primeiras a sentir necessidade de se adaptarem ao novo contexto digital e devido ao seu esforço os resultados começam já a ser notórios. No que diz respeito ao sector do livro, a adaptação ao digital está a ser mais morosa, principalmente no que respeita à forma material do produto cultural disponibilizado aos consumidores. Um dos passos que começa a ser dado por editoras em todo o mundo é a integração de novos media nas suas estratégias de comunicação e marketing, bem como de distribuição – principalmente centrada na venda online. A integração de novos meios de comunicação disponíveis através da Internet permite uma relação mais próxima com o público leitor e resulta também na adopção de novos modelos de negócio. No entanto, essa tentativa de actualização do sector não responde a todas as mudanças a que estamos a assistir relativamente ao consumo de produtos culturais e, tal como Borgman (2000) salienta, precisamos de centrar a nossa atenção no formato do livro e pensar se num sector em que a maior parte do processo de produção é realizado digitalmente, porque é que a maioria dos livros produzidos são postos à disposição do cliente num formato diferente? Porque estamos a transformar todos os ficheiros digitais em papel dificultando a sua distribuição? Porque não conciliar os dois tipos de ficheiros e adaptar a oferta à procura dos leitores? De modo a perceber melhor de que forma o sector editorial se está a adaptar aos desafios da era digital, na próxima secção dedicar-nos-emos à análise das tendências 550

do contexto editorial global. Esta análise terá como ponto de partida um relatório publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em 2012, com o intuito de mapear as práticas de edição digital nos 34 países membros desta organização.

Tendências do contexto editorial global O sector do livro é um sector em mudança – um dos motores principais desta mudança tem sido a adaptação dos modelos de negócio tradicionais, centrados no livro impresso, aos novos modelos centrados nos livros electrónicos ou e-books. Devido à crescente importância dos e-books, a OCDE lançou um relatório no final de 2012 onde apresenta as tendências do mercado editorial – E-books: Developments and Policy Considerations. Para além disso, são também discutidas considerações sobre as políticas a adoptar de modo a incentivar a adopção de e-books, a potenciar as suas vantagens e a minorar as suas desvantagens. Teremos como ponto de partida a caracterização dos e-books no que diz respeito às suas vantagens e desvantagens. A reflexão sobre as vantagens dos e-books evidencia algumas características distintivas relativamente às edições impressas. Por um lado a edição digital possibilita a compra, download e leitura imediatos. O processo é mais simples para o utilizador, quanto mais compatíveis forem os formatos adoptados pelas editoras292. Por outro, oferece uma nova experiência de portabilidade: os dispositivos de leitura digital têm capacidade para armazenar uma quantidade significativa de títulos, de um modo geral são mais pequenos e leves do que uma edição de capa dura. A produção e distribuição requerem menos recursos, não necessitam de papel ou tinta e a distribuição recorre a menos combustíveis fósseis. A comunicação em rede, possibilitada pelo acesso móvel à Internet, torna possível fazer download gratuito de títulos que se encontrem no domínio público, bem como guardar uma cópia de segurança dos livros na nuvem e/ou no computador, o que torna os e-books menos susceptíveis de serem roubados, perdidos ou danificados. Os dispositivos de leitura digital mais recentes oferecem a oportunidade aos leitores de ajustarem alguns elementos para terem uma experiência de leitura mais confortável. Por exemplo, é possível aumentar ou reduzir o tamanho da fonte, tal como seleccionar a tipologia preferida entre os tipos de fontes disponibilizadas. O formato digital permite ainda a integração de elementos multimédia e/ou de funcionalidades de acessibilidade como o ‘text-to-speech’ (textopara-voz). Por outro lado, é necessário reflectir sobre fenómenos potenciados pela edição digital, como a auto-publicação, e o seu impacto ao nível da oferta. De acordo com o relatório (OCDE, 2012), a auto-publicação permite oferecer aos leitores uma

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Formatos como o pdf e o epub estão entre os compatíveis com um maior número de dispositivos e de aplicações de leitura digital.

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maior variedade de títulos, uma vez que estes não estão sujeitos à avaliação e aprovação das editoras e agentes literários. As vantagens enumeradas tornam os e-books um produto apelativo tanto para leitores como representantes do sector do livro. Contudo, é necessário ter também em consideração que este novo formato do livro tem também um conjunto de desvantagens que carecem de reflexão e de serem tidas em conta aquando a definição de estratégias editoriais e de promoção da leitura digital. Um dos aspectos mais comumente apontado como desvantajoso nos livros electrónicos é o facto de que estes nunca conseguirão ser apelativos (fisicamente) como os livros em papel, o que pode dificultar a relação de proximidade com o objecto. O toque e o cheiro do papel são experiências dificilmente reprodutíveis em dispositivos electrónicos. Por outro lado, considera-se que livros com imagens grandes ou diagramas podem perder leitura, o que pode ser um obstáculo para algumas edições técnico-científicas, ou até para os livros infanto-juvenis. No que diz respeito ao suporte, é preciso ter em conta que, apesar da produção e distribuição de e-books recorrerem a menos recursos, os dispositivos são feitos com substâncias tóxicas e não são biodegradáveis. E apesar do preço de produção de livros em formato digital ser mais baixo do que o das edições impressas, os dispositivos de leitura são mais caros. A última desvantagem apontada é uma das mais relevantes para os leitores e diz respeito aos formatos dos ficheiros digitais. Os formatos de publicação continuam em desenvolvimento e a evolução tecnológica das edições digitais pode fazer com que os leitores se tornem obsoletos, ou que os formatos de hoje não sejam lidos pelos dispositivos do futuro. Apesar da importância da normalização dos formatos para o público leitor, a OCDE considera que este factor pode ser determinante para o desenvolvimento do sector. A demora em definir um standard, que seja adoptado em larga escala, inclusivamente por organizações como a Amazon ou a Apple, pode estar a condicionar o desenvolvimento de hábitos de leitura digital. Para melhor compreendermos o potencial do e-book no contexto actual, debruçarnos-emos de seguida sobre as tendências do mercado editorial no que diz respeito a este novo tipo de edição. Nos 34 países membros da OCDE293, o sector do livro tem vindo a ser alvo de processos de concentração, e a tradicional casa editorial independente está a dar lugar ao aparecimento de grupos editoriais que concentram nas suas estruturas diversas chancelas. No que diz respeito às vendas de livros digitais, a tendência generalizada no conjunto dos países membros desta organização é a sua baixa representatividade; os Estados Unidos da América são a única excepção - aí as vendas de e-books, apesar de ainda distantes das vendas de exemplares impressos,

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Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Coreia, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos da América, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, República Eslovaca, Suécia, Suíça e Turquia.

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começam a ser representativas294. Apesar da baixa expressividade na venda total de títulos, os e-books têm vindo a ganhar importância – considera-se que o ponto de viragem foi Maio de 2011 quando a Amazon anunciou que as vendas de edições digitais haviam ultrapassado a venda de produtos impressos. Por outro lado, a procura de edições digitais tem contribuído para o aumento da procura de edições impressas, consolidando a tendência de que quem lê mais em formato digital tende a ser quem lê mais no impresso. No entanto, estamos perante um mercado heterogéneo, pois a capacidade de adequação do sector e as tendências de consumo não são as mesmas para diferentes tipos de livros. Logo, é necessário adaptar as estratégias de promoção da leitura tendo em conta as características específicas de cada género literário. Outra característica deste mercado é o facto de ser, ainda, definido pela língua de edição, apesar das edições electrónicas permitirem o acesso imediato a obras publicadas em todo o mundo. Por fim, o relatório conclui que as preferências relativamente aos dispositivos de leitura digital são diferentes em contextos socioculturais distintos, logo os e-books têm de estar preparados para serem lidos em diferentes dispositivos. Tendo como ponto de partida a caracterização valorativa do e-book em relação ao livro impresso, bem como a sua contextualização no mercado do livro, a OCDE elaborou uma proposta de considerações políticas relativamente à disseminação deste formato. O primeiro aspecto que evidencia está relacionado com os direitos dos consumidores. Considera que a distinção entre compra de um produto e compra de um acesso tem de ser clara, sendo essencial salvaguardar que o utilizador é informado das condições específicas de compra da licença de utilização. A compatibilidade de formatos e de dispositivos é também considerada um factor crítico para o sucesso do livro electrónico. As estratégias de divulgação dos e-books têm sido muito centradas nos dispositivos, o que pode conduzir a problemas de inter-operacionalidade, pois os leitores tendem a ficar restritos ao dispositivo e isso pode levar à fragmentação do mercado. Outra questão a carecer de atenção é a dos direitos de publicação e distribuição. Estes direitos continuam a delimitar a compra de títulos de acordo com a área geográfica do comprador, ou seja, uma das principais vantagens dos e-books está a ser posta em causa – o acesso imediato a qualquer obra e formato digital. No que diz respeito à competitividade dos e-books, é preciso ter em conta a variável preço. Algumas das perguntas que necessitam de uma resposta ponderada e concertada entre agentes do sector do livro e da promoção da leitura são: deve a lei do preço fixo abranger os e-books? Será este o modelo mais vantajoso tanto para o sector como para os consumidores? De acordo com o estudo conduzido pelo grupo de trabalho de Economia da Informação da OCDE, é necessário analisar bem as dinâmicas do mercado antes de se tomarem decisões políticas relativamente a este assunto. Os impostos aplicados aquando das transacções comerciais têm também influência no preço de 294

Os e-books representam cerca de 1% das vendas de livros em todos os países da OCDE, com excepção dos Estados Unidos onde representam cerca de 8%. Dentro do cômputo geral desta organização, o Reino Unido é o segundo país onde os e-books têm vindo a crescer em relevância, representando entre 2% e 3% das vendas (OCDE, 2012).

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venda. A relutância em alargar o regime reduzido de IVA, ao qual estão sujeitas as edições impressas na maioria dos países da OCDE, às edições digitais é vista como um dos factores que está a contribuir para a lenta adopção destes produtos. Para além destes aspectos, o relatório propõe ainda mais um conjunto de medidas. Por um lado, que se tenha em consideração a transparência das políticas de privacidade. É necessário assegurar que os leitores estão conscientes de que é possível monitorar as suas práticas de leitura digital e recolher dados estatísticos sobre as suas preferências. No que diz respeito aos direitos de autor e pirataria, governos e editores têm procurado assegurar que os direitos de autor são salvaguardados nas edições digitais, no entanto considera-se necessário que estas medidas sejam aplicadas apenas para proteger os direitos autorais e não para controlar a forma como os leitores usam os ebooks. A proposta da OCDE é que os editores melhorem os modelos de negócio dos ebooks para que estes ofereçam valor acrescentado a quem os compre relativamente à cópia pirata. Por exemplo, desconto na compra da edição impressa, acesso a informação complementar sobre o autor ou obra, convites para lançamentos, entre outras iniciativas. O empréstimo é outro aspecto importante, pois as obras protegidas por DRM295 limitam o empréstimo entre consumidores, pelo que é considerado que quem possibilitar o empréstimo poderá ter alguma vantagem competitiva. Esta reflexão é também pertinente no âmbito das bibliotecas. As políticas que têm vindo a ser implementadas para proteger os e-books, nomeadamente o DRM, limitam o empréstimo público, logo é premente analisar esta questão e definir políticas que assegurem o acesso dos leitores às obras em formato digital. Tal como é necessário assegurar a acessibilidade possibilitada por este novo formato, os e-books podem ser a solução para o alargamento da oferta de conteúdos escritos para pessoas com deficiência visual. Contudo, esta possibilidade tem sido pouco explorada, tornando-se necessário, por um lado, incentivar a produção de dispositivos de leitura digital que incorporem funcionalidades a pensar nas necessidades dos leitores e, por outro, a publicação e-books em formatos compatíveis, como o epub3. Por fim, é necessário reflectir sobre a importância de monitorizar o mercado. É considerado que a escassez de dados sobre o mercado de e-books pode estar a prejudicar o seu desenvolvimento, pelo que a recolha e análise sistemáticas destes elementos devem ser uma prioridade, quer a nível nacional como internacional. As conclusões do estudo da OCDE (2012) contribuem para um entendimento mais aprofundado do mercado do livro electrónico. Para compreender de que forma estão os representantes nacionais a gerir as mutações vividas pelo sector, na próxima secção 295

“DRM (Digital Rights Management ou Gestão de Direitos Digitais) são as tecnologias digitais desenvolvidas para garantir e permitir a entrega via meios electrónicos de documentos (livros, artigos científicos, publicações periódicas, etc.) que estejam protegidos por direitos de autor e/ou direitos intelectuais. Os documentos protegidos com DRM são encriptados – com as permissões de utilização especificadas pelo detentor dos direitos – e que podem (i) incluir restrições nos equipamentos onde o documento é utilizado (ii) definir o número de impressões que podem ser feitas (iii) o tempo entre impressões (iv) as permissões de copiar/copy » colar/paste, etc.” (Biblioteca Nacional de Portugal http://livrariaonline-ebooks.bnportugal.pt/page/faq).

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serão discutidos os dados recolhidos em focus groups com agentes do livro e da leitura.

Expectativas, preocupações e desafios dos actores nacionais A escassez de informação sistematizada e actualizada sobre o sector editorial português tem contribuído para a ausência de uma política organizada de promoção da leitura digital. Na definição destas políticas é importante ter em conta a complementaridade da leitura digital relativamente à tradicional, bem como a perspectiva dos diferentes elementos que fazem parte da rede de valor do livro e da leitura. Com o objectivo de contribuir para a discussão em torno do potencial dos ebooks, nesta secção serão analisados dados recolhidos em seis focus groups que tiveram lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, entre os dias 13 de Janeiro e 30 de Março de 2012. As sessões foram organizadas com representantes de autores, bibliotecários – dois grupos, bibliotecas escolares e públicas e bibliotecas universitárias e especializadas -, editores, livreiros e representantes do sector das tecnologias de informação. A análise procurará mapear as expectativas, preocupações e desafios associados com a leitura digital, em geral, e com o formato e-book, em particular. A sessão com o grupo de autores contou com a participação de cinco elementos. A selecção dos participantes foi feita tendo em conta a diversidade no que diz respeito a géneros literários, público-alvo e anos de carreira literária. Considerou-se que a diversidade poderia proporcionar uma discussão rica e que abordasse diferentes perspectivas. Apesar de tal ter acontecido, é possível generalizar perspectivas a partir dos dados recolhidos. Os autores com quem conversámos revelaram que consideram que os e-books podem ser uma oportunidade para divulgarem a sua obra nos países de expressão portuguesa. No entanto, será necessário desenvolver a lusofonia e estabelecer pontes com mercados em crescimento como os de Cabo Verde, Angola e Moçambique. Quanto ao futuro da sua profissão, um dos aspectos mais debatidos diz respeito à necessidade de aprender com outras indústrias culturais, como a da música. Tal como os músicos contornaram a crise do sector quando se aperceberam que os eventos ao vivo poderiam ser parte da solução, os representantes dos autores debateram a transformação do escritor num performer. Apesar de não ter ficado definido um modelo de actuação, um modelo de negócios para o autor, este parece ser o caminho para novas formas de rentabilizar o seu trabalho. Dois dos temas mais explorados relativamente às práticas de leitura digital e que indiciam o potencial conferido ao e-book, dizem respeito à privacidade oferecida pelas práticas de leitura digital e às possibilidades do hipertexto e da interactividade. Por um lado, consideram que a ausência de elementos externos que identifiquem o título que está a ser lido pode incentivar a leitura de géneros socialmente tidos como menores e/ou controversos – como títulos considerados de menor qualidade literária ou obras de 555

cariz erótico296. Por outro, reiteram que a interactividade oferecida por tecnologias digitais passíveis de ser integradas em livros electrónicos pode ter impacto positivo na aproximação dos leitores à leitura, por poder apresentar o livro como um jogo. O sector das bibliotecas é composto por instituições de cariz diversificado. A realidade das bibliotecas escolares, públicas, universitárias e especializadas é diferente, como tal foram organizadas duas sessões com bibliotecários, de forma a perceber quais os aspectos tidos como mais relevantes na perspectiva de profissionais em contacto com contextos diferentes. Devido à impossibilidade de organizar quatro sessões, os representantes das bibliotecas foram organizados em dois grupos, de acordo com os seus públicos – bibliotecas escolares e públicas e bibliotecas universitárias e especializadas. O primeiro grupo contou com oito elementos e o segundo com sete. Independentemente das características distintivas das bibliotecas onde trabalham, os participantes destacaram a falta de conteúdos em português. Consideram que o investimento dos editores nacionais no livro electrónico tem sido lento e que tem contribuído para a demora na disponibilização de títulos em formato digital por parte das suas instituições. Ainda relativamente à interacção entre biblioteca e editor, é evidente que o DRM é uma preocupação. Este limita as possibilidades de empréstimo e pode conduzir ao fim do empréstimo gratuito, o que implicaria mudanças profundas no modo de funcionamento da biblioteca. Questões práticas relacionadas com a aquisição de e-books podem também ser um entrave à afirmação do bibliotecário enquanto promotor da leitura digital. Os métodos de pagamento disponíveis nas livrarias online não são compatíveis com as práticas em vigor nas bibliotecas escolares, por exemplo. Os formatos, aspecto destacado pelo relatório da OCDE (2012), constituem também uma preocupação para os bibliotecários portugueses, que consideram que os formatos são um risco. É ainda de destacar a constatação da falta de adesão por parte dos leitores e da necessidade de se pensar em estratégias para a promoção da leitura digital. E, por fim, a reflexão em torno da necessidade de desenvolver uma literacia de informação e do papel que a Biblioteca pode assumir como mediadora de informação. A sessão dos editores contou com oito participantes, e tal como no processo de selecção dos autores, procurou-se a diversidade no conjunto dos participantes. Contámos com a presença de representantes de grupos editoriais e de editoras independentes, de jovens editores e de editores com vários anos de experiência, e de editoras de diferentes dimensões e áreas de especialização. Os editores nacionais reconhecem estar um pouco atrasados relativamente ao mercado global. Assumem que há o receio de ser inovador e de o risco não compensar. No entanto, o futuro do papel do editor preocupa-os, apesar de serem unânimes na ideia de que o papel da 296

Na Feira do Livro de Frankfurt de 2012 tornou-se evidente o crescimento das vendas de títulos de literatura erótica para edição electrónica. O artigo de Frederic Happe, da Agence France-Press (AFP), intitulado ‘Discrete EBooks Have Unlocked A Huge Erotic Fiction Market’ noticia esta tendência. Artigo disponível em http://www.businessinsider.com/discrete-ebooks-have-unlocked-a-huge-erotic-fictionmarket-2012-10.

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editora não se extingue com a auto-edição. Consideram que ainda não existem modelos de negócio estáveis, mas que o iPad mudou a forma como se vêem os livros digitais. Com o aparecimento dos tablets, tornou-se mais viável investir em livros interactivos e multimédia que ofereçam novas experiências de leitura. Contudo, é considerado que a edição em formato digital pode ser uma ameaça para o livro traduzido mas uma oportunidade para o livro ilustrado. Ao contrário da opinião veiculada pelos autores, os editores são de opinião que a indústria do livro não pode seguir os mesmos passos da indústria da música, pois os autores não podem fazer espectáculos. Ou seja, se tivermos em conta a perspectiva dos autores, podemos observar que os editores parecem menos abertos à possibilidade de procurar outras formas de monetarização da obra literária. No que diz respeito à dimensão comercial, há uma preocupação generalizada relativamente à perda da importância da montra, mas muitos dos participantes consideram que os media sociais – em particular os sites de redes sociais e os blogues - podem ter um papel importante. No final da discussão, uma questão permanece por responder: como explorar o mercado da oferta quando o bem se torna intangível? Esta interrogação aproxima-nos do grupo seguinte, para quem a materialidade do livro tem sido o elemento central do seu negócio – os livreiros. A sessão com os representantes do retalho foi a que contou com menos participantes, três. A diversidade de perspectivas, no entanto, não foi posta em causa já que conseguimos reunir uma livraria de um grupo de retalho e duas livrarias independentes, uma generalista com uma secção de alfarrabista e uma especializada no público infantil. Uma das ideias principais dos livreiros relativamente aos e-books diz respeito ao facto de sentirem poder estar a perder o seu papel de promotores da leitura. Esta mudança deve-se, precisamente, ao carácter intangível do livro digital e à sua simples comercialização através do canal Internet. A aposta nas vendas online parece ser uma das soluções possíveis para a sua adaptação à morosa, mas crescente, afirmação do livro electrónico. Esta decisão não se prende com a representatividade das vendas online, pois estas continuam a ser marginais quando comparadas com a venda de livros em espaços comerciais físicos. Mas poderá ser uma forma de acompanhar o desenvolvimento digital do produto livro. Neste processo adaptativo, as livrarias independentes parecem ter maior capacidade de ajuste, tornando positivo o facto de estarem habituadas a trabalhar em nichos de mercado. O último grupo foi composto por representantes do sector das tecnologias de informação. Contámos com a presença de sete participantes, cuja actividade profissional se desenrola em diferentes áreas – edição de autor e edição digital, mass media e telecomunicações. Mais uma vez, o objectivo foi reunir um painel de participantes com perspectivas diversificadas, mas de algum modo complementares, em relação à produção e distribuição de conteúdos para serem lidos em formato digital. Ao contrário dos editores, os representantes das tecnologias de informação não parecem tão relutantes em acompanhar a evolução do livro para o digital. No 557

entanto, consideram que é, de facto, importante aprender com as outras indústrias culturais que já passaram por este processo de ‘desmaterialização’ dos seus produtos. O carácter social da leitura digital é considerado um dos aspectos que deve ser potenciado pelos e-books e pelos editores nacionais. Consideram que a oportunidade de massificação dos hábitos de leitura digital está nas faixas etárias mais jovens e mais velhas, e que a facilidade de acesso é essencial para conquistar estes públicos. A reflexão em torno do segmento com mais potencial para ser estimulado com livros em formato digital conduziu à conclusão que será o infanto-juvenil. Este segmento pode ser conquistado com e-books multimédia e interactivos, que ofereçam novas dinâmicas de leitura e que permitam explorar novas formas de imersão narrativa. A análise dos focus groups com representantes nacionais do livro e da leitura revela que alguns dos agentes parecem mais preocupados em tentar atrasar o futuro do que em reagir e aproveitar as oportunidades oferecidas pelo livro digital. Esta tendência foi verificada tanto entre os editores como entre alguns representantes das tecnologias de informação. Os primeiros receiam apostar num novo formato, os segundos, por sua vez, parecem resistir a tirar partido das novas tecnologias de comunicação e informação, às quais muitos têm acesso privilegiado. A falta de standards é uma preocupação generalizada partilhada por elementos de todos os grupos e é vista como um dos principais desafios à disseminação do livro electrónico. Outro factor visto como preponderante para a aceitação tardia deste novo formato é o conflito latente entre agentes da rede de valor do livro digital, em particular entre editores e bibliotecários. No cerne deste conflito têm estado as limitações impostas pelo DRM. Em relação às suas prospectivas, parece haver um reconhecimento partilhado por todos de que o futuro da leitura passa, também, pelo formato digital. As indústrias do livro e da informação terão de encontrar rapidamente novos modelos de negócio, estáveis e que lhes permitam fazer face às expectativas dos leitores digitais, tendencialmente mais exigentes. Contudo, é de realçar a dificuldade detectada, em praticamente todas as sessões, relativamente à definição daquele que será o caminho a seguir pelo sector. Apesar do sector do livro ser uma das últimas indústrias culturais a sentir o impacto da digitalização, os agentes da leitura parecem estar a ter dificuldades em aprender com os seus predecessores, das indústrias da música e do cinema, e em definir estratégias conjuntas de actuação. Uma das dimensões que parece ter potencial para dinamizar o livro electrónico é o facto de os livros serem móveis desde o aparecimento do códice, contudo, os fornecedores de conteúdos têm agora de enfrentar o desafio de tornar a leitura digital relevante para os novos dispositivos móveis, com ligação à internet.

Conclusão A adopção do livro em formato electrónico carece de reflexão. Por um lado, e tal como proposto pelo relatório ‘E-books: Developments and Policy Considerations’ (OCDE, 558

2012), é necessário compreender quais as vantagens e desvantagens do livro digital, em relação ao livro impresso. Este entendimento permitirá perceber a melhor forma de tornar estes dois formatos editoriais compatíveis e, acima de tudo, complementares. A ideia de que o e-book suplantará o livro impresso faz parte das primeiras perspectivas sobre este assunto. Actualmente já é possível delinear o papel das edições electrónicas no cômputo das práticas de leitura digital. No entanto, tornase também premente reconhecer que a leitura digital não passa só pelo e-book e que todas as formas de leitura em ecrã devem ser potenciadas enquanto incentivadoras de hábitos de leitura mais extensivos, independentemente do suporte. A reflexão em torno do lugar do e-book no seio do sector editorial nacional conduz-nos a algumas conclusões sobre a relação que se tem vindo a estabelecer entre e-books e leitura digital em Portugal. Por um lado, é essencial mapear o mercado e definir estratégias de promoção da leitura digital. Apenas a compreensão das dinâmicas entre todos os agentes da rede de valor do livro e da leitura permitirá tirar o melhor partido possível das vantagens dos e-books e que este produto se afirme como fundamental para a disseminação de hábitos de leitura em diferentes grupos de leitores. Após a análise do relatório da OCDE e da sua articulação com as perspectivas partilhadas pelos participantes nos grupos de discussão organizados, podemos concluir que há um conjunto de aspectos que devem ser tidos em consideração e que poderão definir o futuro da edição digital. Por um lado, é imprescindível reflectir sobre estratégias editoriais que recorram a valor acrescentado enquanto meio para prevenir a cópia ilegal. Se o editor oferecer exactamente o mesmo produto em formato impresso e digital, não estará a incentivar o desenvolvimento de práticas de leitura multiplataforma nem a encorajar o leitor a comprar as duas versões do seu produto, ou mesmo apenas uma, em detrimento da cópia ilegal que põe em causa o direito autoral. Por outro lado, é necessário resolver o conflito latente entre editores e bibliotecários e encontrar um posicionamento conjunto que assegure o empréstimo gratuito de e-books nas bibliotecas. A extensão da Lei do Preço Fixo e do regime de IVA reduzido aos livros não impressos deve também ser alvo de reflexão. A distinção do produto com base na sua materialidade é vista como um factor que pode estar a ser um obstáculo à adopção mais generalizada de novos suportes de leitura. Outro aspecto visto como determinante para esta generalização é a normalização dos formatos. Neste ponto, para além da definição conjunta de um standard, é necessário dar especial atenção à compatibilidade entre formatos e diferentes dispositivos de leitura, bem como à implementação de formatos compatíveis com funcionalidades para pessoas com deficiência visual. Por último, a possibilidade de empréstimo entre leitores é vista como um dos aspectos que poderá marcar a diferença entre o sucesso e insucesso comercial do livro electrónico. Esta funcionalidade poderá incentivar não só a partilha de leituras bem como a exploração da dimensão social da leitura digital, caso os e-books e aplicações de leitura permitam partilhar experiências entre leitores através da ligação com media sociais, como o site de rede social Facebook, ou a 559

plataforma de microblogging Twitter. Ou seja, é necessário transportar a leitura para o seio da comunicação em rede e da interacção em plataformas sociais digitais. A aceitação do livro electrónico em Portugal está dependente das estratégias implementadas na produção e comunicação do produto. Contudo, verifica-se que, apesar da rede de valor do livro digital estar ainda em desenvolvimento, há um reconhecimento por parte dos agentes nacionais de que o futuro do livro passará mesmo pelo digital. Os representantes do sector consideram que é fundamental definir modelos de negócio que permitam gerir melhor o risco da aposta em novas formas de narrar uma história, independentemente do seu género literário, bem como tirar partido das novas práticas comunicacionais em rede – cada vez mais a dimensão de mobilidade é valorizada, logo é importante que o livro consiga adaptar-se a um contexto de mobilidade aumentada. Estamos perante a possibilidade não só de ler em qualquer lugar, o que já era proporcionado pelo livro ou pelos jornais impressos, mas perante uma mobilidade conectada, em rede, colaborativa. As expectativas, preocupações e desafios discutidos pelos representantes do sector indiciam, assim, que a adaptação do sector editorial ao contexto digital passará indubitavelmente pela definição de estratégias de edição digital que contemplem os diversos intervenientes no processo de criação e consumo do livro: autores, editores, agentes, bibliotecários e leitores. Ou seja, é necessário definir não só estratégias de produção e distribuição mais adequadas às oportunidades e ameaças do contexto digital, mas também adaptar os modelos de negócio tradicionais à possibilidade de produzir livros em diferentes formatos, adequados a diferentes públicos-leitores e disponíveis através de diferentes canais – livraria, livraria online, site da própria editora ou ‘distribuidores digitais’. Os editores devem, assim, retirar o melhor partido possível das possibilidades oferecidas pelo contexto digital e centrar a sua atenção nos leitores, tal como sugere Stephen Page, editor principal da Faber and Faber, num artigo de opinião publicado no The Guardian, a 06 de Março de 2008: So publishers must harness the great power of online networks through enriching reader experience. We must provide content that can be searched and browsed, and create extra materials – interviews, podcasts and the like. We mustn’t be afraid of inviting readers to be involved. Beyond online retailing, publishers can now build powerful online places to showcase their books through their own and others’ websites and build communities around their own areas of particular interest and do so with writers. (Page, 2008)

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CONCLUSÃO Ler Gustavo Cardoso

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Esta análise sobre o livro, o leitor e a leitura digital termina com um breve capítulo e com um breve título: “Ler”. A escolha foi propositada pois, como pudemos ver ao longo das múltiplas páginas e dos vários olhares que constituem esta análise, foram lançados diversos desafios sobre o que entendemos ser um livro, um leitor e a leitura digital. No fim de contas, o que quisemos foi efetivamente questionar o que são, na sociedade contemporânea, o ato, i.e. a prática, e a ideia, i.e. a representação, da leitura. É claro que para concretizar esse objectivo tivemos de tentar responder ao que vai acontecer ao livro e, por o termos questionado, tivemos igualmente que esclarecer de que livro falávamos. Do livro impresso? Ou do livro digital? Obviamente, ao termos feito as três perguntas anteriores tivemos também de interrogar o que sucederia com os leitores. E, por sua vez, perguntar o que são, quem são os leitores hoje. Não pretendendo terminar esta reflexão com mais interrogações do que aquelas com que partimos, parece lógico que perguntar algo sobre o livro e sobre os leitores teria, obrigatoriamente, de nos conduzir até ao questionamento sobre o que é a leitura no presente. O que implica, portanto, responder ao que se lê. E se esse “o que se lê” se refere a palavras-chave classificadoras de géneros da escrita (e quem sabe do desenho também) como sejam o romance, a banda desenhada, o conhecimento técnico, etc. Ou se “o que se lê” se refere a formatos de leitura, os quais antes de leitura foram de escrita, como sejam os livros, as páginas web, as revistas, os blogues, os jornais (e as suas notícias) ou as redes sociais (e os seus posts) – e é claro que aqui teríamos também de dizer se em papel ou digitais. Como parece claro, pelo menos neste momento de leitura para quem até aqui chegou, não podíamos ter iniciado esta análise, e muito menos concluí-la, se tivéssemos tido medo de colocar em causa as nossas certezas de senso comum, evitando o questionar daquilo que aprendemos ao longo da escolaridade, daquilo que temos lido, do que observamos no nosso dia-a-dia de trabalho e familiar e, também, das certezas que os media nos deixam intuir através das suas notícias sobre o livro, o leitor e a leitura. Por tudo o que aqui referi, o nosso ponto de chegada teria, indubitavelmente, de ser a palavra “Ler”. Pois se conseguirmos definir o que é ler “hoje”, num século XXI de convivência entre o papel e o digital, teremos cumprido o principal objectivo a que nos propusemos. Dar resposta à pergunta “o que é ler?” não terá aqui o perigo de ser uma resposta datada e rapidamente ultrapassada pelos próprios acontecimentos e apropriações que pretendemos estudar? Creio que a resposta será negativa, que esse perigo não existe. Essa convicção alicerça-se na análise realizada e na hipótese por ela consubstanciada, ou seja, tal como em outros momentos históricos o paradigma da leitura – e por arrasto dos seus suportes e dos seus atores – se definiu enquanto produto de experimentação, de produção e apropriação, deixando tendências de práticas e representações que se mantiveram ao longo de largos períodos de tempo, também aqui cremos estar perante um fenómeno semelhante. 563

O período de definição do atual paradigma da leitura iniciou-se com o surgimento do computador pessoal e, posteriormente, com a difusão da Internet e com a experimentação de práticas de leitura em ecrã, do computador ao ebook. Este período de experimentação definiu já claramente práticas de leitura e representações do que é ler e essa experimentação perdurou já tempo suficiente para ter igualmente impacto em algumas instituições da sociedade transformando-as, por vezes colocando-as em causa, outras vezes fazendo-as redescobrir novos papéis. A nossa hipótese é que estamos já hoje perante a institucionalização de novas práticas e representações face ao que é ler. Depois de os leitores terem já transformado as suas práticas e representações face à leitura, estaremos a assistir ao clarificar de quais as novas instituições associadas à leitura, ou seja, ao surgir de um novo Sistema da Leitura. Um novo Sistema da Leitura que, como todos os sistemas, é produto da institucionalização de novas lógicas e novas rotinas. Estas rotinas são, por exemplo, a combinação entre novos canais e canais de distribuição para a leitura já experimentados. Canais que encontram nas bibliotecas, livreiros e grandes superfícies virtuais – como a Amazon, com os seus armazéns de produtos também bem materializáveis - três das suas tradicionais instituições, mas que também convivem com a multiplicação da oferta de escrita em redes sociais, blogues e páginas de criadores, produtores de conteúdos e escritores em todas as línguas e sob as mais diferentes formas de apresentação e narração do conteúdo escrito. O que poderíamos apresentar, em jeito de argumento final, como a nossa nota conclusiva, ou seja, o que gostaríamos que os nossos leitores pensassem sobre esta análise ao terminarem a leitura da nossa última linha de texto? Em primeiro lugar há o contexto da leitura. E para tal será preciso que interroguemos os nossos leitores sobre como leram este texto. Alguns tê-lo-ão lido em papel, tendo-o comprado numa loja (online ou de rua), outros terão por exemplo usufruído de um empréstimo de um amigo ou, tendo primeiro consultado o livro, requisitaram-no depois numa biblioteca. Essa serão algumas das experiências possíveis. Já outros terão lido este texto num ecrã, percorrendo com os dedos o passar virtual de páginas, tendo descarregado o texto para leitura a partir de um operador de vendas online ou, eventualmente, de uma biblioteca que havia já implementado um sistema de empréstimo virtual de livros ou de leitores e livros. Haverá ainda outros que o lerão num ecrã a partir de um pdf que alguém, de quem se perdeu o traço, colocou num blogue ou numa página de partilha de ficheiros. Haverá ainda outros que, nas redes sociais, contactarão com este livro através das frases partilhadas por alguém que ao estudar sobre este tema resolveu partilhar algo como “Não é o livro que comanda, é o leitor que comanda. Portanto é o leitor que define a leitura.”, uma frase que faz parte deste texto e que se encontra algures numa outra parte do livro que não a que está a ser lida por si neste momento. Mas a frase que escolheríamos para resumir o que aqui se aborda sobre o “Leitor, o Livro e a

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Leitura Digital”, e que definiria o que é para nós o paradigma da leitura, ou o que é ler hoje, é uma frase um pouco mais longa. Primeiro, necessitamos recordar que o século XXI é a época histórica onde, sem sombra de dúvidas, até hoje mais se escreveu. Tal profusão da escrita destinada à leitura, por outros que não os autores dessa escrita, deve-se à difusão da Internet e dos dispositivos de leitura com ecrã. Em segundo lugar, nunca se leu tanto em nenhum outro momento histórico, há uma maior população global, os níveis de alfabetização e literacia são os mais elevados de que há memória e o lema de que vivemos numa “Era da Informação” cria a apetência e a percebida necessidade de ler e manter a leitura permanente e atualizada. Por último, nunca publicámos institucionalmente tanto – seja com revisão por pares ou porque se paga para ser publicado – nem nunca tivemos tantas instituições centradas na difusão da leitura, sejam elas bibliotecas ou editores. Nem nunca tantas empresas dependeram tanto, para as suas vendas de produtos e serviços, de serem lidas pelos seus prospectivos clientes online. Ler foi nos dois últimos séculos associado à leitura de livros, jornais e revistas. Tal foi produto da articulação entre o que socialmente foi sendo definido como de importância cultural, económica e política para a nossa vida em sociedade e o interesse individual de quem lia. Tal não quer dizer que não existissem, porque sempre existiram, livros, jornais e revistas cujos conteúdos – i.e. o que neles, para além do formato, estava escrito – produzissem as mais duvidosas certezas quanto à sua real importância cultural, económica e política para a nossa vida em sociedade. A dificuldade de como lidar com a certeza de que nem tudo o que era escrito em livros, jornais e revistas, possuía um papel social claro foi resolvida através de instituições formativas, de preservação de memória e de partilha de conhecimento – leia-se escolas, bibliotecas e arquivos. Ler foi também associado à leitura em papel mas, num dado momento histórico, isso mudou. Com os computadores, com a Internet e com a simulação da experiência de ler em papel passada para os ecrãs alterámos a nossa relação com os suportes – passámos a ler em papel e em ecrãs, sem obrigatoriamente sermos fundamentalistas de um ou de outro modelo. Com esta passagem somos de novo confrontados com a multiplicidade de textos publicados em formato digital, alguns deles continuando a ser apresentados como se de livros, jornais ou revistas se tratasse, só que agora sem papel, passando ao formato de ecrã. Outros textos evoluíram para uma lógica diferente, como por exemplo os posts em blogues e em redes sociais ou em páginas web. Também aqui se constatam as mesmas situações atrás expressas, temos muitas pessoas a decidirem individualmente o que querem, o que gostam de ler, em ecrãs, sejam esses textos posts ou livros. E, por isso, de novo se colocam as mesmas questões com as quais sempre nos debatemos, entre o que socialmente foi sendo definido como de importância cultural, económica e política para a nossa vida em sociedade e o 565

interesse individual de quem lia. No entanto, falta-nos ainda definir institucionalmente como se irá dirimir a interação entre o interesse individual e o interesse social de ler, agora centrado no ecrã e já não apenas no papel ou só nos livros, jornais e revistas. Este é o campo de debate e experimentação que ainda temos de observar, mas tal não é impeditivo de aqui deixarmos uma definição do que é ler. Ler é o ato de leitura de textos escritos, em formato papel ou ecrã, produzidos por outrem com o intuito de divulgação abrangente, distribuídos através de redes digitais ou circuitos de distribuição físicos. Ou, se preferirmos, ler pode ser social e individualmente definido. Assim, ler é socialmente o ato de leitura de textos escritos de importância cultural, económica e política para a nossa vida em sociedade. Mas ler também é a última frase desta análise, que pode ser lida na linha seguinte após este parágrafo. Ler é o ato de leitura de textos escritos sob qualquer forma e formato.

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