O lugar que o Ensino Medio Publico da escola Fanny Manzonni Santos Osasco ocupa na vida de seus educandos

June 1, 2017 | Autor: Maria Torquato | Categoria: Education, Jovens, Socialização, Sociologia da experiência
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Maria Socorro G. Torquato

“O lugar que o Ensino Médio noturno da escola Fanny Manzoni Santos (Osasco) ocupa na vida de seus educandos”

Trabalho apresentado para obtenção do grau de mestre

Orientador: Orlando P. de Miranda

Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Sociologia São Paulo, 2002

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Maria Socorro G. Torquato

O lugar que o Ensino Médio noturno da escola Fanny Manzoni Santos (Osasco) ocupa na vida de seus educandos

Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Sociologia São Paulo, 2002

-------------------------------------------------------------Maria Arminda do Nascimento Arruda FFLCH/USP

------------------------------------------------------------Celso de Rui Beisiegel FE/USP

------------------------------------------------------------Orlando P. de Miranda FFLCH/USP

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Aos alunos do Ensino Médio público, em especial àqueles que fizeram parte desse trabalho e que, assim como eu, vivenciam o choque entre a cultura popular e a formal.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Orlando Miranda, por ter me aceito como orientanda e pela austeridade nas observações, desencadeando uma profunda reflexão do

meu papel de

educadora do ensino básico; Ao Professor Celso Beisiegel pela co-orientação e encorajamento a cada etapa da pesquisa; Ao CNPq pelo apoio financeiro; À professora Marília Sposito e ao colega de classe Juarez Dayrell pelas valiosas sugestões; À professora Maria Arminda pela gentileza do respaldo na qualificação; Aos alunos que fizeram parte dessa pesquisa, em especial aos quinze entrevistados, por terem permitido a invasão de privacidade; Às amigas Neide, Ivone (Nega) e Vera pelo auxílio e sugestões; A minha irmã Mazé e à amiga Lucilia, pela paciência e incentivo; A minha mãe, que embora não entendesse o meu trabalho, criava as condições domésticas para que eu pudesse desenvolvê-lo.

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RESUMO Visando entender a contribuição da escola/ensino médio do período noturno da Escola Pública na vida do educando, realizamos uma pesquisa numa escola da periferia de Osasco, Grande São Paulo.

Trabalhamos com uma amostra de quinze alunos, divididos em três grupos: os mais freqüentes, disciplinados e interessados no conteúdo programático. Os menos freqüentes, pouco interessados nos conteúdos programático e indisciplinados; e os evadidos no ano anterior à pesquisa. Orientando-nos pela teoria da Experiência de François Dubet, chegamos às seguintes conclusões: a escola representa, sobretudo, um importante espaço de sociabilidade, no qual os alunos que evadem o fazem, principalmente, porque não conseguem torná-la sociável. Os alunos que têm facilidade para se integrarem ao mundo escolar – sociabilidade e conteúdos programáticos - e

que constroem projetos de vida ligados à escola, tendem a construir

experiências positivas como, por exemplo, sentirem-se capazes de lidar com a norma culta. Aqueles que demonstram dificuldades com os conteúdos e não possuem projetos de vida ligados à escola, em geral, “arranham” a auto-estima, sentindo-se aquém dos “bons alunos”.

Palavras- chave: jovem; escola; sociabilidade; experiência

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ABSTRACT

Aiming to understanding the contribution of the elementary/high scholl of the government at the night scholar shift in the student life, we put into practice a search in the periphery of Osasco, whereas a part of the capital São Paulo city, also called Great São Paulo. We worked with a sample of fifteen pupils, divided in three groups: the habitually present, disciplined, prospective in the programmatic contents; the usually absent, undisciplined and not interested in the programmatic contents and the group of evaded students of the former year to the search. For our guidance we looked at through François Debuta Experience and we reach we reached the follwing conclusions: a scholl represents, over all, na important space of sociability, were the students, those that evade, they do that, mainly they can‟t transform the scholar environment in a sociable space for them. The students who have a facility in integrating the school universe –

sociability and programmatic contents – are inclined to

build positive experiences, as such strengthening their self-esteem to make friends, etc. Those who show difficulties in learning the programmatic, generally, merely, scratched the surface of their self-esteem, and have the feeling that they are below the others.

Keywords: ; young; scholl; sociability; experience;

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SUMÁRIO Introdução...........................................................................................08 Capítulo I A- Justificativa.....................................................................................10 B – Breve Histórico.............................................................................14 C – Jovens...........................................................................................18 Capítulo II TEORIA..............................................................................................22 Capítulo III POPULAÇÃO ESTUDADA..............................................................28 A - A cidade.......................................................................................28 B - O bairro........................................................................................29 C - A escola........................................................................................31 D - As classes .....................................................................................32 E - Entrevistas e análises.....................................................................46 a - Alunos mais freqüentes em sala de aula....................................46 b - Alunos menos freqüentes em sala de aula..............................................66

c -Alunos desistentes..................................................................... 86 Conclusão.........................................................................................110 Referências Bibliográficas................................................................113 Anexos...............................................................................................117 A - Tabela de matrículas do Ensino Médio Público...........................118 B - Perfil dos desistentes ...................................................................119 C - Roteiros das entrevistas.................................................................127 D - Modelos dos questionários aplicados...........................................128

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INTRODUÇÃO

A pesquisa em questão objetivou investigar, a partir da ótica do aluno, qual o lugar que o Ensino Médio Regular, da Rede Pública e do período noturno, ocupa na vida dos educandos de uma escola da periferia de Osasco, ou seja, na vida de educandos carentes no que tange ao poder econômico e suas derivações. Em que esse ensino e essa escola contribuem na formação acadêmica, profissional e na auto-estima do aluno? Enfim, analisar a relação do educando com essa escola, e com esse

ensino, entender o porquê da

insistência de alguns em cursá-la e do abandono por parte de outros. Tais questionamentos parecem pertinentes ao observarmos o quadro que o Ensino Médio da rede pública apresenta nos últimos 20 anos. Tivemos um aumento de matrículas de uma parcela da população carente economicamente e que, no final do curso, não obtém conhecimentos profissionais, mesmo porque o curso não é profissionalizante, e aqueles que pretendem continuar seus estudos são obrigados a procurar um cursinho pré- vestibular. Então, o que faz este curso que não prepara para o vestibular nem profissionaliza? As críticas em relação ao Ensino Médio público noturno

são várias: falam de

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ineficiência e despreparo para lidar com a nova clientela ; de uma crise do ensino médio por falta de definição de objetivos2; Pesquisas mostram o alto índice de violência nas escolas3, que se transformam em reféns dos traficantes, uma vez que não conseguem lidar com tal problema4. Por outro lado, os professores, através da APEOESP (Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), reclamam das más condições de trabalho, dos baixos salários e da violência crescente5. Para orientar nosso trabalho, utilizamos a sociologia da experiência, de François Dubet.

1

Ver Guimarães, E. Escola, Galeras e Narcotráfico – PUC - São Paulo (Tese de Doutorado), 1995 Ver Fantini, N. & Strehl, Afonso. Ensino Médio:Identidade em crise: qualificação profissional ou preparação para o vestibular? Opção consciente ou manipulação?- Porto Alegre, EDIPUCURS , 1994. 3 Pesquisa realizada pela UDEMO (Sindicato de Especialistas em Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo) em 1999 4 Ver Guimarães, E. Escola, Galera e Narcotráfico – PUC – São Paulo (Tese de Doutorado) , 1995 5 Ver APEOESP, Secretaria de Assuntos Educacionais e culturais – Subsídios para conferências Regionais de Educação – SP 15/09/1997. 2

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Comparando os alunos que prosseguem os estudos com aqueles que o abandonam, desenvolvemos a hipótese de que exista um diferencial entre os respectivos projetos de vida, influências culturais familiares, redes de amizade e poder aquisitivo, com a influência de uma ou mais dessas variáveis para a ocorrência do abandono da escola. Considerando-se que o conteúdo programático do ensino parece possuir pouco significado prático, isto é, dificilmente ser considerado útil, é possível supor-se que os alunos estimulados a prosseguir desenvolvam estratégias de aprovação desligada dos estudos propriamente ditos. Ou ainda que, com perda de objetivos, o próprio espaço da escola tenha passado a se constituir em um objetivo, por se constituir num locus privilegiado para a sociabilidade. No primeiro capítulo, procuramos justificar a pesquisa apoiando-a em dados sobre o Ensino Médio; apresentamos um breve histórico do Ensino Médio no Brasil; discutimos o conceito de juventude para, no final, caracterizar o tipo de jovem com que vamos trabalhar. No segundo capítulo, mostramos em que lugar se situa, dentro da sociologia da socialização, a sociologia da experiência de Dubet. No terceiro, consideramos pertinente trabalhar o perfil da população estudada, dividindo-a

em quatro planos: A- Cidade; B- Bairro; C- Escola e

D- As Classes

Pesquisadas. Neste último plano definimos o perfil a partir de dois questionários aplicados a três turmas do segundo ano do Ensino Médio. Ainda nesse capítulo, construímos o cenário em que o educando atuava no momento da pesquisa e também trabalhamos com dados históricos, ainda que breves, para apreender melhor a dinâmica dos educandos em questão. No quarto, trabalhamos com as entrevistas realizadas com quinze alunos, sendo que dez deles freqüentaram o ano letivo de 1998 (cinco mais freqüentes, mais disciplinados, aparentemente mais interessados nos conteúdos curriculares, e cinco menos disciplinados e, aparentemente, menos interessados

menos freqüentes,

no conteúdo curricular).

Examinamos, ainda, cinco casos de alunos desistentes do ano letivo de 1997. Neste capítulo, pretendemos obter informações mais precisas no que tange à relação desses educandos com a escola,

trabalho,

família,

amigos,

projetos profissionais e pessoais. Enfim, como

combinam esses elementos de forma a construírem a si mesmos. Comparando os diferentes grupos, estaremos testando nossas hipóteses. E, na conclusão, esperamos ter chegado a uma visão aproximada da contribuição da escola e/ou do Ensino Médio na vida dos educandos pesquisados.

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CAPÍTULO I

A - JUSTIFICATIVA O Ensino Médio tem avançado no Brasil com o número de matrículas crescendo 57,3% no quinquênio 1994/99. Apenas em 1999, as taxas registravam um incremento de 11,5% em relação ao ano anterior. Todavia, o percentual dos jovens entre 15 a 17 anos que freqüenta o ensino médio ainda é baixo (32,6%, em 1999). Uma das causas do problema , segundo o MEC, seria a distorção entre idade e série, proveniente da repetência e evasão no Ensino Fundamental, dificultando o trânsito pelo Ensino Médio. Porém,

o quadro de

repetência e evasão parece estar com os dias contados, uma vez que tanto a primeira quanto a segunda têm diminuído consideravelmente nos últimos anos.6 As matrículas do Ensino Médio têm sido efetuadas principalmente no setor público e, dentro desse, as grandes responsáveis têm sido as redes estaduais de ensino que, em 1999, atendiam 79% do total de matrículas em todo o Brasil..7 Apesar de a Constituição Federal, a Emenda Constitucional nº 14 (12.09.1996) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação atribuírem a educação básica aos estados e municípios – embora esses últimos devam priorizar o ensino fundamental e a educação infantil – tradicionalmente são governos estaduais que assumem a maior parcela de atendimento. Na rede pública de ensino do Estado de São Paulo, o número de matrículas aumentou 21% de1997 a 19998 – o índice de aprovação cresceu de 70,3% para 85,5% (1994 /1998). No mesmo período, a evasão escolar caiu de 18,9% para 10,8 % e a retenção de 10,8% para 3,6%.9

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Fonte: INEP/MEC 9/99. Fonte : INEP/MEC 9/99 - Ver tabela no anexo. 8 Fonte: Fundação Seade 1/00. 9 Fonte : Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. 01/00 7

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O desenvolvimento da rede paulista de ensino caracteriza-se, segundo pesquisa realizada pela Fundação Seade, pelo melhor desempenho do Ensino Fundamental10 , o que aumenta o número de alunos aptos para o Ensino Médio. Além disso, os jovens estariam retornando à escola premidos pelas novas exigências do mercado de trabalho. Para a secretária de Educação do Estado, Rose Neubauer, a melhoria nos índices de aprovação, evasão e retenção acontece devido à reforma educacional, implantada desde o começo do governo Covas, quando foram tomadas medidas como a criação de recuperação nas férias, o sistema de progressão continuada – que substitui a repetência por série pela repetência por ciclo11 – e as classes de aceleração – que permitem ao aluno que apresenta distorção entre idade e série “pular” uma ou algumas séries, desde que o conteúdo dessas seja trabalhado de forma condensada posteriormente12. Além desse aspecto, há a “onda de adolescentes” (Parecer CEB/CNE nº15/98, p.8), fenômeno que se refere a um progressivo aumento de jovens entre 15 a 18 anos. Como esse fenômeno demográfico está ocorrendo em épocas de escassez de ofertas de trabalho, boa parte desses jovens tenta permanecer mais tempo na escola, de forma a obter maiores habilidades para competir com maiores oportunidades no mercado de trabalho. (...)

(DOMINGUES; TOSCHI;

OLIVEIRA, 2000, p. 67). Com o significativo aumento de matrículas, nos dois níveis de ensino, e a relativa estabilidade do volume de verbas para a Educação do Estado13, diminuíram os recursos per capita para a Educação, principalmente para o Ensino Médio, que não recebe verbas de outras fontes, ao contrário do Ensino Fundamental14. Complicando ainda mais o quadro, o ensino médio paulista obteve notas baixas na avaliação do Saeb15 em 1997 e 1999. O desempenho dos alunos da 3ª série do Ensino Médio foi o equivalente ao esperado dos alunos da 8ª série do Ensino Fundamental16. A então coordenadora de Pós - Graduação em Educação e Currículo da PUC, Isabel Franchi Capelletti , e a então diretora da Faculdade de Educação da USP - Myriam Krasilchik 10

Segundo a mesma pesquisa divulgada em janeiro de 2000: entre 94 e 98 a aprovação aumentou de 77% para 93,4% e a evasão caiu de 8,9% para 4,6%. 11 Foram criados três ciclos : a) lª a 4ª série; b) 5ª a 8ª série; c) lº ao 3º ano do ensino médio. 12 Entrevista publicada pelo jornal a Folha de São Paulo em 17/01/00 no caderno São Paulo / “Política antiga causou atraso, diz secretária ” . 13 Fonte: Fundação Seade 1/00. 14 Segundo estudo realizado pela Fundação Seade, nos anos 80 o valor unitário por aluno ,considerando tanto o fundamental como o médio, era de R$ 800, sendo que em 98 caiu para R$ 625. Obs: Estes valores incluem despesas com administração. 15 Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, implantado em 1990, coordenado pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), os levantamentos de dados são realizados a cada dois anos. 16 Fonte: INEP/MEC – 11/98.

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- em entrevista ao jornal Folha de São Paulo17 afirmaram que isso ocorre porque o currículo oficial é uma expectativa normalmente não alcançada, pois depende da boa formação dos professores e da estrutura das escolas. O Saeb constatou também que os alunos que cursaram toda a educação básica em escolas públicas apresentavam rendimento inferior ao dos alunos que estudaram sempre em escolas privadas, pesando ainda a renda familiar, ou seja, os alunos provenientes de famílias com renda mensal acima de 10 salários mínimos obtiveram desempenho muito superior ao daqueles com renda de um a seis salários mínimos. Um contingente

considerável dos jovens de baixa renda interrompe os estudos

principalmente porque precisa trabalhar, não possui recursos financeiros para manter a si próprio e aos estudos, e por falta de interesse gerado, normalmente, pela dissociação entre o conteúdo das aulas e o seu momento de vida18. Segundo Ruy Berger, secretário nacional da Educação Média e Tecnológica, foi pensando nessa dissociação entre o conteúdo programático e a vida do educando que o Mistério da Educação preparou a reforma curricular do Ensino Médio, para ser implantada a partir do ano 200019. Para o

MEC,

a

reforma consiste,

em linhas gerais,

na

proposta da

interdisciplinaridade e contextualização (o conhecimento tendo como ponto de partida a experiência do aluno), objetivando levar aos estudantes conhecimentos capazes de torná-los críticos, versáteis e hábeis para continuarem aprendendo e se adaptando às

constantes

exigências do mundo globalizado20. Tal reforma já havia sido delineada pela nova LDB de 1996, que tentou resgatar a identidade do Ensino Médio, dando-lhe um caráter de formação básica geral para a vida e para a continuação dos estudos; formação ética, autonomia intelectual, aprimoramento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, isso num primeiro momento e, num segundo momento, um caráter profissionalizante facultativo. Ou seja, “ O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas” (LDB, Seção IV, art. 36, parágrafo 2º).

17

Entrevista publicada em 26/11/1998 no Caderno São Paulo “Currículo está distante da prática, diz especialista

” 18

Segundo estudo realizado pela Fundação Seade em 1999 56,2% dos jovens na faixa etária entre 18 e 24 anos estão fora da escola, sendo que 47,1% interromperam os estudos devido ao trabalho e por falta de dinheiro para se manterem na escola, enquanto que 27,5% desistiram por falta de interesse pela escola. 19 Entrevista publicada no jornal do MEC em 10/99 “Conhecimentos devem estar relacionados com a vida” 20 Fonte Jornal do MEC 10/99

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Há algum tempo, entidades de classe como a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e autores como Strehl e Fantini vêm defendendo a tese de que o ensino médio estaria passando por uma profunda crise de identidade, oscilando entre preparação para o vestibular, formação acadêmica e profissionalização. Esses autores acreditam que a expansão do ensino médio, a partir da década de 40, servindo cada vez mais a uma população oriunda das classes médias e populares, sem medidas educacionais paralelas que adequassem o ensino à nova clientela, e a lei 5.692 de 1971 21 - que desmantelou a estrutura das escolas22, - revogada pela lei 7.044 de 1982, foram responsáveis por essa crise. O Ensino Médio da rede pública foi deixando, progressivamente, o papel exclusivo de formar os filhos das elites econômicas e intelectuais que almejavam o acesso ao ensino superior, tornando-se, na década de 40, também profissionalizante,23 qualificando as camadas médias, principalmente, e, na década de 70, as camadas populares. Com essa dualidade, a expansão e as reformas pouco adequadas, o ensino médio público foi paulatinamente

se

desestruturando, criando um vácuo de definições sobre a finalidade da formação (FANTINI; STREHL, 1994 ) . Hoje, o Ensino Médio da rede pública do estado de São Paulo atende principalmente aos estudantes oriundos das camadas populares24 que reconhecem a escola como meio de alcançar a qualificação para o trabalho, diferenciando o seu futuro do dos seus pais, que, por sua vez, esperam tornar os filhos não apenas habilitados no futuro, mas ainda disciplinados no presente. Porém, no dia-a-dia, os conteúdos disciplinares parecem estar longe dos interesses e dos projetos dos alunos, que passam a desprezá-los. Ao mesmo tempo, grupos e lógicas externas à escola, como a existência do tráfico e das galeras, entre outras, parecem imobilizá-la, uma vez que se encontra despreparada para lidar com a situação, e também com a clientela (GUIMARÃES,1995). Segundo pesquisa realizada, em 1999, pelo Sindicato de Especialistas em Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo (UDEMO), 82% das 520 escolas estaduais pesquisadas tinham sofrido algum tipo de violência, como depredações a móveis (lâmpadas, 21

Segundo essa lei, as escolas de ensino secundário ficaram obrigadas a oferecer o ensino profissionalizante, mesmo se não tivessem interesse ou /e infra-estrutura para tal. 22 Sendo obrigadas a implementarem o ensino profissionalizante, algumas escolas burlavam a lei elaborando currículos oficiais profissionalizantes e, na prática, utilizavam currículos que preparavam para o vestibular, outras proporcionavam habilitações que exigiam poucos recursos e que na maioria das vezes não havia mercado de trabalho, outras não gozavam da mínima estrutura para ter aulas práticas e acabavam ficando só na teoria. 23 Na década de 40, com a aprovação das Leis Orgânicas dos Ensinos Industrial, Secundário, Comercial, Normal e Agrícola, o ensino médio passa a ter, legalmente, um caráter dual, profissionalizando e preparando os mais abastados para o ensino superior (Cunha; 1991). 24 Fonte: Pesquisa realizada com alunos de 2º grau de ensino da capital e da grande São Paulo (Hábitos e comportamentos) pela FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação) em 1991.

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carteiras, cadeiras etc.), pichações internas e externas, brigas, explosão de bombas, furtos, tráfico de drogas dentro ou perto da escola, invasão de estranhos, arrombamentos e danificação de veículos25. A escola tornou-se, assim, mais um espaço relativamente barato de sociabilidade (flertes, namoros, lazer, encontros etc.) do que um espaço de qualificação para o trabalho e de preparação para o vestibular (DAYRELL,1996), ou, muitas vezes, um lugar perigoso. Além de ser um espaço de sociabilidade, descontração, amizade namoros, contato com as drogas, o que mais essa escola oferece aos educandos? Que influência ela exerce sobre eles? Alguns param os estudos, embora saibam que o mercado de trabalho tem sido exigente no que tange à escolaridade. Em que diferem daqueles que continuam até o término do Ensino Médio? Os projetos e perspectivas de futuro são diferentes? Os valores culturais e o poder econômico diferem? Enfim, quais as experiências proporcionadas ao educando pelo Ensino Médio na escola em questão? Experiência aqui entendida como o trabalho realizado pelo indivíduo sobre si mesmo, combinação da sua formação anterior, seu projeto de vida e as estratégias escolares (colas, ser simpático com certos professores, maior dedicação às disciplinas que julga mais importantes etc.), tudo isso tangenciado pela seleção escolar e pela integração (absorção de regras, sistemas de valores etc.). Essas questões serão analisadas aqui à luz da Sociologia da Experiência de Dubet (1994), para a qual os processos engendrados pela experiência escolar podem possibilitar ou a construção do jovem enquanto sujeito ou a sua alienação, incapacidade de gerir a multiplicidade de situações. Não conseguir administrar as dimensões da estratégia escolar, do seu projeto e de sua formação significa o fracasso escolar, que pode resultar na violência contra a escola. O fracasso pode significar a renúncia à escola e a busca de um trabalho como tentativa de recuperar a auto-estima ( DUBET, 1994).

B - BREVE HISTÓRICO Em 1549, os jesuítas fundaram no Brasil o ensino secundário, o qual tinha caráter essencialmente literário e clássico, preparando os jovens para ingressarem no ensino superior. 25

No ano de 2000 foi novamente realizada a mesma pesquisa e constatou-se que das 496 escolas pesquisadas, 81% sofreu algum tipo de violência; em 48% houve casos de tráfico e consumo de drogas nas imediações e em 44% houve aumento da violência de 1999 para 2000 (Fonte: UDEMO ).

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Porém, em 1759, com a reforma pombalina, os jesuítas foram expulsos do Brasil, acarretando um certo desmantelo da estrutura educacional, pois o Estado passou a controlar a educação e, ao longo dos anos, não conseguiu criar uma estrutura educacional tal qual era a dos jesuítas (PILETTI,1988). Uma vez na mão do Estado, o ensino secundário passou a ser ministrado através de aulas régias – avulsas, autônomas e isoladas – e em alguns seminários religiosos, tendo como objetivo preparar os jovens para o ensino superior, à maneira dos jesuítas. E os raros cursos técnicos secundários existentes eram menosprezados, porque os poucos jovens que tinham acesso ao ensino secundário almejavam o ensino superior (PILETTI,1998). Dessa forma, segundo Piletti (1998), a colônia deixa como legado ao Império uma porção de aulas avulsas, inorgânicas e irregulares. Para tentar resolver o problema, o Império criou, como modelo de ensino secundário, o colégio Pedro II, no qual as aulas não seriam mais avulsas, e sim orgânicas, regulares, hierarquizadas. Mas o que acabou surgindo, na verdade, foi a manutenção de dois sistemas paralelos de ensino: o do colégio Pedro II, com aulas regulares, do qual o jovem saía com a formação de bacharel e poderia, automaticamente, ingressar no ensino superior; e as aulas avulsas, as quais não ofereciam nenhuma formação, apenas preparavam para os exames que davam acesso ao ensino superior. Isso acontecia porque não havia nenhuma exigência de título de conclusão do ensino secundário regular para ingressar no ensino superior, bastava completar uma determinada idade e ser aprovado nos exames, além do mais, fazer os estudos regularmente demandava muito mais tempo. Logo, (...) a conseqüência natural desta dualidade de critério foi a total fragmentação do ensino secundário, de tal forma que, já ao final do Império, o próprio Pedro II, ao invés de impor-se como padrão a ser seguido pelos demais estabelecimentos, viu-se também submerso ao

pernicioso sistema de curso avulso e exames paralelos

(PILETTI,1998, p.11). A república acabou herdando esse sistema dual de ensino que vigorou até 1931, quando foi imposta a universalidade do ensino secundário pela lei Francisco Campos (PILETTI,1998). Na primeira fase da República (1889 a 1930), a educação secundária não teve grandes transformações, pois continuávamos com uma economia agrário-exportadora (formas arcaicas de produção e baixa densidade demográfica) em uma sociedade predominante rural. Esse quadro sofre profundas transformações, na década de 30, devido à expansão do capitalismo industrial no Brasil. Cresce o número de indústrias, há aumento da população – sobretudo a da zona urbana – gerando novas exigências educacionais. Para que fosse possível a expansão do ensino secundário,

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ele foi estruturado seguindo regras e normas rígidas, em 1931

(reforma Francisco Campos),

passando a ter duração de sete anos, sendo que cinco eram considerados pertencentes ao ensino fundamental e dois ao pré-universitário. Oficialmente, tinha como função dar formação geral e preparar para o ensino superior (ROMANELLI, 1982, p.134-135). Essa expansão do ensino na década de 30 se deu, segundo Romanelli (1982), de forma atropelada e improvisada. O Estado preocupou-se em atender as pressões por novas vagas, sem elaborar uma política nacional de educação. Ou seja,

houve um crescimento da oferta

educacional (em número insuficiente, ficando a grande maioria da população em idade escolar fora da escola), de qualidade insatisfatória, sem ajustar-se ao novo momento histórico (de industrialização), e as novas necessidades do educando . Ainda segundo Romanelli (1982), a situação era reflexo do momento em que vivia a sociedade brasileira – aspectos modernos trazidos pelo desenvolvimento do capitalismo industrial convivendo com arcaicas facções das elites hegemônicas – assim como parte da estrutura sócio econômica que permanecia inalterada. .

A partir de 1942, o ensino secundário foi reformulado mais uma vez, passou a ter a

seguinte estrutura: 4 anos (ginásio) e 3 anos (colégio), objetivando a formação integral dos adolescentes, principalmente no que dizia respeito à consciência patriótica, humanística e à preparação intelectual para o ensino superior (ROMANELLI, 1982). Paralelamente à reformulação, foi criado o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) e algumas poucas escolas técnicas federais, e as empresas com mais de 100 operários foram obrigadas a manter por conta própria a formação profissional dos trabalhadores (ROMANELLI,1982) (...) A legislação em vigor nas décadas de 40 e 50 preservava a antiga organização “dualista” do ensino, caracterizada pela coexistência de algo como dois sistemas paralelos de educação, um para o povo em geral e outro para as elites, o primeiro iniciado na escola primária e continuado depois nas escassas escolas profissionais de nível médio então existentes; e o segundo, igualmente iniciado na escola primária e continuado depois na escola secundária, organizada com a intenção de encaminhar sua clientela para as escolas superiores e para as posições mais privilegiadas.

(BEISIEGEL,1982, p.16). A legislação de 42 não conseguiu, porém, barrar o acesso da classe média emergente e de certas parcelas das camadas populares que viam no ensino médio uma forma de ascensão social ou uma forma de acrescentar prestígio ao seu status, continuando a pressão pela expansão do curso secundário e levando o governo a promover várias alterações (ROMANELLI,1982).

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Assim, tanto em 31 quanto em 42, a reformulação no ensino reflete o momento vivido pela nação: de um lado o desenvolvimento industrial, criando demanda de mão-de-obra, e, de outro lado, uma reformulação do ensino que privilegia a formação literária, acadêmica e humanista (ROMANELLI,1982). (...) a profunda transformação observada nos modos de vida e na estrutura ocupacional estaria provocando a generalização de novos padrões reguladores do êxito social e profissional. A escola secundária aparece então para as populações como o caminho natural na ascensão segundo esses novos padrões (...) (BEISIEGEL,1982,

p.18).

Nos anos que se seguiram à década de 40, constatou-se a aceleração no ritmo de crescimento da demanda social por educação e, em conseqüência, segundo o autor acima, o crescimento de matrículas e das escolas da rede oficial de ensino. Em agosto de 1971, através da lei 5.692, o ensino secundário é reformulado, passando a ser constituído de apenas 3 anos (colégio), sendo que os 4 anos restantes (ginásio) passaram a fazer parte do ensino de 1º grau. O colegial (2º grau) tornou-se, obrigatoriamente, profissionalizante, visando à formação do adolescente de forma a habilitá-lo e qualificá-lo para o trabalho. (PILETTI,1988). Segundo Romanelli (1982), a intenção de promover a rápida formação de profissionais visava atender a uma presumida expansão da demanda de mão-de-obra advinda do desenvolvimento técnico-industrial e desviar a demanda social de educação superior. Contudo os egressos do ensino médio continuaram candidatos ao ensino superior, mesmo aqueles que ingressavam no mercado de trabalho. Para Cunha (1991), essa reforma, longe de pretender atender a demanda por técnicos de nível médio, objetivou, apenas, conter a procura

ao ensino superior, reeditando, de forma

dissimulada, o ensino dual (diferenciado segundo a classe social) que, segundo ele, existiu no Brasil durante o Estado Novo (37 a 45), sendo desmantelado no período democrático (45 a 64) devido ao processo de expansão da escola e de abertura das barreiras internas à escola. A lei 5.692, de1971, trouxe inúmeros problemas para os estabelecimentos de ensino, pois mesmo aqueles que não gozavam de infra-estrutura para implantarem o ensino profissionalizante eram obrigados a fazê-lo. Muitos burlavam a lei elaborando currículos oficiais que profissionalizavam e, na prática, usavam currículos que preparavam para o vestibular; alguns estabelecimentos proporcionavam somente habilitações baratas – que exigiam poucos recursos – e para as quais freqüentemente não havia mercado de trabalho. Muitas outras alternativas foram criadas para cumprir a lei, o que desembocou no desmantelamento da qualidade das escolas

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secundárias, fossem elas de formação humanística e propedêutica ao ensino superior, fossem elas profissionalizantes. (STREHL; A. FANTINI, 1994). A partir de 1983, através da lei 7.044 de 18 de outubro de 1982, as unidades escolares ficaram livres para oferecer, ou não, a habilitação profissional. De forma que, durante a década de 90, as escolas públicas de ensino médio, na sua grande maioria, deixaram de oferecer o ensino profissionalizante. Em 1996, foi promulgada a nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional), lei nº 9394/96, que mantém os três anos de escolaridade para o ensino médio regular. Segundo o artigo 35 da nova LDB, o ensino médio tem como finalidades a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupações ou aperfeiçoamento posteriores; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. A identidade do Ensino Médio, na atual reforma, será constituída pedagogicamente com base em um currículo diversificado e flexibilizado (...) Socialmente, a identidade do Ensino Médio estará condicionada à incorporação das necessidades locais – características dos alunos e participação de professores e famílias na configuração do que é adequado a cada escola. (...).

Vale lembrar, todavia, que o discurso da diversificação e da

flexibilização não é novo, uma vez que está presente na Lei nº 4024/61 e na Lei nº 5692/71. Nesse caso, a diversificação e a flexibilização perderam-se na trajetória, no processo de implementação da reforma (...).

(DOMINGUES; TOSCHIT;

OLIVEIRA,2000, p.68).

C - JOVENS Faz-se necessário voltar nossa atenção para o que é ser jovem, entender melhor o momento pelo qual passam os atores que freqüentam o Ensino Médio. Só assim será possível apreender suas experiências, como articulam as várias dimensões do sistema escolar, construindo a si próprios. A literatura especializada leva a crer que o conceito de juventude não é estanque, é construído historicamente, sofrendo mutações, por isso não podemos falar de um único conceito de juventude.

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Abramo (1994, p.11) após elencar alguns conceitos da literatura especializada do que é ser jovem, conclui o que eles têm em comum: (...) a idéia central é a de que a juventude é o estágio que antecede a entrada na „vida social plena‟ e que, como situação de passagem, compõe uma condição de relatividade: de direitos e deveres, de responsabilidades e independência mais amplos do que os da criança e não tão completos quanto os do adulto. Assim como os limites de início e término dessa transição não são claros nem precisos, nem demarcados por rituais socialmente reconhecidos, nas sociedades modernas, esses direitos e deveres não são explicitamente definidos nem institucionalizados, imprimindo-se à condição juvenil uma imensa ambigüidade.

A juventude pode ser considerada também como uma situação de geração que (...) está baseada na existência de um ritmo biológico na vida humana - os fatores de vida e morte, um período limitado de vida, e o

envelhecimento (...) Não fosse pela

existência de interação social entre os seres humanos, a existência de uma estrutura social definida e pela história está baseada em um tipo particular de continuidade, a geração não existiria como um fenômeno de localização social; existiria apenas o nascimento, envelhecimento e morte.

(MANNHEIM,l982, p.71- 72).

Há, ainda, um conceito mais atual que acredita que, com a aceleração das transformações contemporâneas, está havendo uma “dissolução da cristalização geracional”, pois não há mais a oposição entre o passado e o futuro, esse se torna presente e absorve passados; faixas etárias diferenciadas coexistem em sua maneira de reagir. O tempo passa a ser funcionalmente diferenciado, o tempo linear aparentemente se esgota. Várias mudanças sociais e culturais incidem sobre as representações relativas a especificidades das fases do ciclo vital, como nas relações de trabalho e o prolongamento da escolarização. Isso, porém, não ocorre de maneira homogênea em todas as camadas da população; dessa forma, a juventude passa a ser associada a valores e a estilos de vida, e não propriamente a um grupo etário (PERALVA, 1997). Como exemplo de valores e estilos de vida, podemos citar os darks e os punks, grupos juvenis surgidos na década de 80 no Brasil. Frutos de um quadro de exclusão social, esses grupos chamaram a atenção dos cientistas sociais para a importância de entender os jovens também a partir de suas experiências juvenis de sociabilidade, etapa em que a rua e o lazer assumiam importância significativa na sua integração e socialização, e não mais só através da escola e do trabalho. (ABRAMO, 1994). Contudo, os jovens com os quais trabalharemos não apresentam valores e estilos tão específicos. Os jovens em questão, alunos de escola pública, nos finais de semana freqüentam salões de bailes, jogam futebol, vêem televisão, ouvem música e vão à casa de amigos (MENDES,

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1991) . Em geral, são formas de lazer que não demandam grandes gastos, pois o salário desse aluno/trabalhador é ínfimo, e grande parte é utilizada na compra de vestuário que permitam a identificação com alguma “tribo”. Isso porque, para fazer parte de uma determinada “tribo”, é necessário ter os mesmos códigos, sendo que o vestuário assume muita importância dentro desse quadro (ABRAMO, 1994). Em geral, os jovens do Ensino Médio já estão inseridos no mercado de trabalho26 , uma vez que necessitam ter acesso ao mundo do consumo e, dessa forma, participar da linguagem simbólica da juventude 27 . A grande maioria desses jovens trabalhadores atua no setor terciário em funções tais como mensageiros, auxiliares de escritório, vendedores, recepcionistas e, somados aos trabalhadores fabris, implicam cerca de metade do contingente estudantil de segundo grau na Grande São Paulo28 . A esmagadora maioria sustenta a perspectiva de mudar de trabalho no futuro, principalmente através de um curso superior29. O trabalho é importante, para o jovem, pela possibilidade de autonomia de consumo de bens culturais, além de passar a ser respeitado pelos adultos e irmãos, tanto os mais velhos como os mais novos (ABRAMO, 1994). A família também vê essa inserção como benéfica porque acredita que contribui positivamente na formação do caráter do jovem, proporciona uma certa contribuição financeira e maior permanência na escola – uma vez que o mesmo terá dinheiro para comprar o material escolar. (MADEIRA, 1986). Porém, a necessidade da contribuição financeira para a manutenção da família provoca conflitos com esse jovem, que vive um momento no qual se permite gozar a vida –diversões, gastos supérfluos, boêmia etc. – ou seja, as necessidades de consumo se chocam com as necessidades da família. O vestuário tornase o item principal na hierarquia de consumo do jovem, não só porque há a necessidades de exaltar as transformações pelas quais passam o corpo nessa fase da vida, mas também porque é responsável pela identificação de pertencer a uma determinada “tribo”. (ABRAMO, 1994). A mídia e o sistema de crédito financeiro contribuem para o aumento do consumo, o primeiro sugerindo comportamentos; e o segundo, facilitando as compras. (MADEIRA, 1986) . Apesar dos conflitos com o jovem, a família exerce grande influência em sua formação, assim como a mídia, a Igreja, a Escola e o próprio ambiente dos jovens. 26

Segundo pesquisa realizada pela FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação) em 1991 na Grande São Paulo com alunos, da Rede Pública Estadual, do ensino médio aponta que 58% trabalhavam, 13% estavam desempregados e 5% tinham parado de trabalhar. 27 Segundo pesquisa realizada pela FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação) em 1991 na Grande São Paulo constatou que 76% dos estudantes gastavam seu salário prioritariamente em vestuário. 28 Segundo pesquisa realizada pela FDE em 1991 na Grande São Paulo, 31% dos alunos trabalhavam no setor terciário e 16% no setor secundário. 29 Segundo pesquisa realizada pela FDE em 1991 na Grande São Paulo, 90% dos alunos pretendiam continuar estudando e 91% diziam gostar de estudar.

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(ROMANELLI, 1995). A família transmite, na maioria das vezes, uma moral baseada no modelo de chefe provedor, responsável pelo sustento familiar e principalmente pela respeitabilidade, ainda que a família não seja constituída

de um homem provedor, e sim de uma mulher

provedora. Essa moral delineia a identidade da mulher, da criança e do adulto, definindo os códigos de conduta de cada um. (TELLES,1982: SARTI,1994 ). “(...) Essa moralidade, projetando-se para além da própria família, configura um sistema de valores que incide sobre seu modo de pensar e se colocar frente a ele” (SARTI,1982, p. 53). Segundo Lahire (1997): a família é a grande responsável pela formação do educando, cujo desempenho escolar está intrinsecamente ligado à configuração familiar, que é basicamente constituída de cinco fatores: a relação mantida pela família com a cultura escrita; as condições materiais de existência familiar; a ordem moral doméstica (regularidade das atividades, horários, regras, relações afetivas etc.); formas de autoridade familiar; investimento pedagógico familiar (ex. projeto familiar orientado para a escola, ter a escolaridade como finalidade essencial etc.). O modo como tais itens se relacionam origina várias configurações familiares e, conseqüentemente, os educandos terão formações diferenciadas, relacionando-se de maneiras variadas com a escola. O autor afirma que os pais esperam bons resultados escolares dos filhos para que eles tenham um futuro profissional bem mais promissor que o seu. Para isso tomam algumas medidas, como ajudá-los nas tarefas (quando é possível), ficando atentos nos horários de dormir, repreendendo-os quando os resultados das avaliações são negativos etc. Assim como Lahire (1997), autores como Romanelli (2000) e Portes (2000) comungam da tese da importância da socialização familiar no desempenho escolar do educando. A Escola, outra importante instituição para os jovens em questão, que é considerada pela visão clássica da sociologia como um espaço secundário de socialização, é partirão nossas observações.

de onde

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CAPÍTULO II

TEORIA

Trabalharemos aqui com a sociologia da experiência, iniciando por situá-la no campo da socialização. A socialização designa o duplo movimento pelo qual uma sociedade se dota de atores capazes de assegurar sua integração e de indivíduos, de sujeitos suscetíveis de produzir uma ação autônoma. (...) a socialização é definida por uma tensão situada no centro de diversos debates sociológicos, mobilizando, de uma só vez, representações do ator e representações do sistema social.(...) (DUBET; MARTUCCELLI, 1997, p.241) Segundo os autores acima, é possível dividir o tema da socialização em dois grandes conjuntos teóricos: socialização enquanto internalização normativa e cultural (visão clássica) e um segundo grupo, que trabalha com o distanciamento, a separação entre o ator e o sistema. Os grupos teóricos estão associados a duas figuras da integração social - aquela que privilegia a integração social e aquela que dá primazia à integração sistêmica - e neles localizam-se várias teorias da socialização. O primeiro grupo trabalha com a idéia moderna de indivíduo em oposição ao homem comunitário. A figura do indivíduo aparece como uma conseqüência mais ou menos direta de um nível crescente de diferenciação social e de racionalização. A maior densidade subjetiva dos indivíduos na sociedade moderna procede de uma sociedade mais complexa, na qual o indivíduo cruza com um número cada vez mais elevado de atores e na qual está submetido a um maior estímulo por parte do ambiente. Pertence a diversos círculos sociais e deve cumprir um número crescente de tarefas e de papéis. (...) As estruturas sociais se dividem à medida que se especializam e o

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ator é guiado por valores cada vez mais universais, suscetíveis de se aplicar a uma multidão de casos particulares. Os códigos são substituídos por orientações de ação internalizadas, por sentimentos e convicções.Esta representação dominante originou duas grandes versões opostas. A primeira é uma versão 'encantada' da socialização. A ligação entre a individuação e a diferenciação social assegura, em um único movimento intelectual e prático, de uma só vez, a autonomia pessoal e a integração social do indivíduo. É a socialização que dá conta da ligação entre a ação individual e a ordem social à medida que o ator agencia, freqüentemente de maneira consciente, princípios de ação que definem a coerência da sociedade. Mas se a vida social repousa sobre um conjunto de valores comuns e princípios de ação mais ou menos circunscritos, o indivíduo permanece senhor da escolha definitiva (...).A Segunda versão, ao contrário é 'desencantada' e crítica. A sociedade, percebida como um conjunto de estruturas de poder, se inscreve nos indivíduos que são então operados pelo sistema social. A autonomia é geralmente apresentada como ilusão subjetiva, tanto quanto as práticas sociais são concebidas em versões extremas dessas teorias, como signos da ordem social. A socialização aparece como forma de programação individual que assegura a reprodução da ordem social por meio de uma harmonização das práticas e das posições. Essa versão desencantada da modernidade está totalmente presente na obra comum de Bourdieu e Passeron (1964;1970). (...) Nos dois casos, o indivíduo além de suas margens mais ou menos grandes de autonomia, é definido pela internalização de normas e de disposição comuns à sociedade ou a uma classe social”

(DUBET;

MARTUCCELLI, 1997, p. 244-2445). Há diferenças entre os autores do primeiro grupo. Para alguns, contrariando certas concepções críticas da socialização, o indivíduo moderno não é totalmente socializado. No segundo grupo, o problema central é a especificidade da individuação e não mais do papel como no primeiro (DUBET; MARTUCCELLI, 1997). (...) O problema da socialização torna-se aquele da reflexividade, da crítica, da justificação, do distanciamento. Para dar conta deste processo, é preciso uma vez mais fazer referência a uma diferenciação social crescente que aumenta o fosso entre as posições sociais e as motivações individuais ao ponto em que sua junção não pode mais ser assegurada pelo viés dos esquemas organizados de ação, isto é pelos papéis. Existem , claro, tarefas objetivas delimitadas, mas as motivações e as orientações subjetivas consensuais não são mais tidas como adquiridas, cabendo ao próprio ator a decisão (...). O afastamento estrutural crescente entre objetividade e a subjetividade alimenta uma dupla tentação: seja a inclinação em direção a versões extremas de uma sociologia dos sistemas sem atores (a sociedade é uma estrutura de poder ou um mercado), seja a construção de uma visão intimista e dessocializada dos atores ( a sociedade é uma soma aleatória de

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interações).(...) Esse distanciamento é interpretado de duas maneiras. Para um primeiro grupo de autores, ele é a conseqüência de uma sociedade na qual os atores são confrontados a um conjunto heterogêneo de lógicas de ação. A autonomização das lógicas dos sistemas sociais, sem princípio unitário central, prolonga- se em tensões internas aos atores, comandados a cada momento por diferentes racionalidades sociais. O indivíduo é concebido como um sujeito incerto (Ehrenberg,1995), multiforme, fragmentado e descentralizado, um 'nó' em meio a redes de comunicação. O sujeito está sob o domínio da 'disseminação de si', é um efeito da superfície e da intersecção das tramas de interação. Este sujeito é forçado a gerir contradições institucionais (Bell,1978; Friedland, Alford,1991), a articular as diferentes dimensões da ação e construir uma experiência (Dubet,1994). O afastamento das situações permite aos indivíduos orientar e justificar as ações com a ajuda dos diversos princípios de justiça (Boltanski, Thévenot, 1991). Os atores constituem- se em sujeito coletivo por meio de diversas configurações simbólicas deslocadas das realidades sociais pré-constituídas (Laclau ,Mouffe, 1985). Essas situações complexas põem em evidência a extensão do grau de reflexividade pessoal dos atores. A partir de outros pressupostos, um esforço intelectual desse tipo é também identificável entre os autores que defendem uma concepção excêntrica [deslocada do centro] da personalidade humana, notadamente na obra dos marxistas 'pós - modernos' anglo -saxões ou em ensaios de síntese com outras tradições (Jameson,1984, Harvey, 1989).Para um segundo grupo de teóricos, o distanciamento deve ser interpretado em termos cognitivos (...). O ator é concebido então como agindo em meio à incerteza, visando a reduzir a complexidade com o auxílio de rotinas, fazendo escolhas em situações ambíguas por meio de preferências inconsistentes. O problema da motivação se transforma; o sujeito é um organizador de informações. (...) A 'estratégia' dos atores não mais se confunde com definições da situação imposta pelo quadro organizacional. As instituições não engendram lealdades morais não são mais que um ambiente dado em termos de oportunidades e constrangimento. O ator é sempre defendido pela distância de sua posição social; autônoma, ele se orienta menos em função de 'normas' que em função de oportunidades. Esta 'ruptura' cognitiva está presente também

em

diversas variantes de sociologias compreensivas: é preciso não mais pensar, mesmo implicitamente, a socialização como um processo 'passivo' de transmissão de normas e de aquisição de papéis. Em todos os casos o ator não faz mais emergir uma ordem coletiva preestabelecida, e sobretudo, é o próprio quadro situacional, e não mais a internalização das normas, que define as atitudes (...)”

MARTUCCELLI, 1997, p. 247-250).

(DUBET;

25

A sociologia da experiência situa-se nesse segundo grupo teórico, que trabalha com o distanciamento entre o ator e o sistema, fruto do confronto entre os atores e um conjunto heterogêneo de lógicas de ação. O objeto da sociologia da experiência é a subjetividade dos atores, constituída a partir da combinação das lógicas de ação. Numa perspectiva sociológica, a subjetividade é percebida como uma atividade social engendrada pela perda da adesão à ordem do mundo. Percebe-se, nesse sentido, o domínio da experiência como conseqüência do dualismo moderno que introduziu a separação do sujeito, do indivíduo e das leis da natureza, criando dessa forma um espaço subjetivo. Quanto mais o ator se afasta daquela ação considerada como papel, mais se vai em direção à experiência social, em direção às condutas estruturadas pelas diversas lógicas de ação, e maior é a reflexão. Para a sociologia da experiência, o ator é capaz de dominar conscientemente, numa certa medida, sua relação com o mundo. A definição de experiência como objeto sociológico apela para três grandes princípios de análise: a) a ação social não mais como uma unidade (não há mais racionalidade total, como na sociologia clássica); b) a ação definida pelas relações sociais; c) a experiência social como combinação de três operações intelectuais essenciais (1- isolar e descrever as lógicas presentes em cada experiência concreta; 2- compreender a forma pela qual o ator combina e articula as diversas lógicas; 3- compreender quais são as diversas lógicas do sistema social e como os atores as sistematizam e as catalisam, tanto no plano individual como no coletivo). As lógicas da ação que originam a experiência social são três: a) a lógica da integração, na qual o ator se define pelos seus pertences e objetiva mantê-los ou reforçá-los no seio de uma sociedade considerada como um sistema de integração; b) a lógica da estratégia, em que o ator tenta realizar o conceito que ele tem de seus interesses na sociedade concebida como mercado; c) a lógica da subjetivação, na qual o ator apresenta como sujeito critico confrontado a uma sociedade definida como um sistema de produção e de dominação. Essas lógicas estão ligadas a três grandes tipos de sistema: 1) o sistema de integração (comunidade); 2) o sistema de competição (mercado); 3) o sistema cultural, não totalmente redutível à tradição e à utilidade. Para Dubet, é atualmente a justaposição desses três sistemas que estrutura a sociedade, porque não há mais uma coerência interna à sociedade como na sociologia clássica. Portanto, as sociedades existem devido à capacidade política e voluntária de ligar esses três elementos. Assim, elas são mais uma construção do que um sistema natural.

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Logo, cada ator ( individual ou coletivo) adota necessariamente esses três registros de ação (integração, estratégia e subjetivação) que definem, simultaneamente, uma orientação visada pelo ator e uma maneira de compreender as relações com os outros. Essas lógicas de ação podem ser ainda decompostas em três elementos analíticos mais simples: os princípios da identidade; da oposição e da totalidade. Na lógica da estratégia, a identidade é construída pelos atores como um recurso porque a sociedade não é mais representada como sistema integrado e sim como um campo concorrencial. O ato define sua identidade em termos de status, o qual designa a posição relativa de um indivíduo. Nessa lógica, as relações são definidas mais ou menos no calor dos interesses individuais ou coletivos. A sociedade é percebida como um sistema de trocas concorrenciais para obter bens raros, dinheiro, poder prestígio, influência, reconhecimento. A concorrência não significa a destruição do adversário porque o rival pode ser um aliado em potencial. Freqüentemente, a concorrência dá origem a mil estratégias dentre as quais o outro é percebido como rival ou meio. Os valores são percebidos como recursos, ideologias, como um meio de ação. Dessa forma, importam mais as oportunidades ofertadas para perseguir do que as tensões que possam ser vencidas na construção da mobilização social. É menos o descontentamento, a frustração relativa dos indivíduos que explica a mobilização do que a possibilidade de agarrarse às oportunidades ofertadas pelo sistema político. Na lógica da integração, a identidade é a vertente subjetiva da integração do sistema. Essa identidade é a maneira pela qual o ator interiorizou os valores institucionalizados por meio de seus papéis. Nessa lógica de ação, o outro se define pela diferença e pela estranheza e, para que haja identificação e manutenção de um grupo, é necessária a construção de diferenças, de hierarquias e de uma escala de bom e de mau gosto. A lógica da integração tem como peça principal os valores comuns que edificam a sociedade. Ofender os valores significa ofender a identidade de cada um. Na lógica da subjetividade, a identidade pode ser definida como o engajamento em direção aos modelos culturais que constroem a representação do sujeito. Essa identidade é formada a partir da tensão com o mundo, ou seja, com a ação integradora e com a estratégia. A parte subjetiva da identidade impede o indivíduo de ter totalmente seu papel ou sua posição. A identidade é construída a partir da relação entre o papel e o eu interno.

27

Enfim, para Dubet (1996), a experiência é uma forma de construir o mundo, de construir os fenômenos a partir das categorias do entendimento e da razão: uma atividade cognitiva, uma maneira de construir o real, de experimentar.

28

CAPÍTULO III

POPULAÇÃO PESQUISADA A - A CIDADE Osasco – limitada ao norte e a leste por São Paulo, ao sul por Taboão da Serra, e a oeste por Cotia, Carapicuíba, Barueri e Santana do Parnaíba, com uma área quilômetros quadrados e com 650 mil habitantes

30





de 66,9

foi palco de vários trabalhos

científicos, como de Helena W. Pignatari (Raízes do Movimento Operário em Osasco – Cortez /1981), Orlando P. de Miranda ( Obscuros Heróis de Capricórnio – Global/1987) e Francisco C. Weffort ( Participação e Conflitos Industrial: Contagem e Osasco, 1968 – Cebrap/1972), entre outros. Essa recorrência deve-se a vários fatores, dentre os quais as greves operárias que ocorreram na cidade após o golpe de 64. Nomes como José Ibrahim, Conrado Del Papa, João Joaquim da Silva e outros fazem parte da história da cidade. Não é a história das lutas operárias a responsável por Osasco ser novamente eleita como palco de mais um trabalho científico. Mesmo porque aquela Osasco que consolidou seu processo de urbanização nas décadas de 50 e 60, com a instalação de vários grupos industriais aumentando consideravelmente até meados da década de 70, o que assegurava postos de trabalho para os migrantes, principalmente nordestinos,

e fazia de Osasco uma cidade

operária, não existe mais. Acompanhando a dinâmica da política econômica na região da grande São Paulo31 , a cidade passou por um momento singular, no qual perdeu postos de trabalho no setor secundário, ou seja, muitas indústrias (Eternit, Santista, Lonaflex, Frigorífico Wilson e outras) deslocaram-se para o interior ou falira. No construídos

ou ampliados centros comerciais; hipermercados:

Carrefour,

lugar

foram

Wal Mart e

Barateiro; universidades privadas: Uniban, Fizo, Fito e outras. Dessa forma, cresceu a oferta

30

Fonte: Osasco: Cidade Trabalho. Secretaria de Comunicação Social – Pref. de Osasco – Abril/2001 Segundo pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre 1988 e 1995 o setor que mais perdeu emprego foi o secundário, que era responsável em 1988 por 32,1% dos posto de trabalho, passando em 95 para 24,8%. Sendo que os segmentos que mais demitiram foi o de alta tecnologia, principalmente devido à maior eficiência na produção. 31

29

de trabalho no setor terciário, em que na maioria das vezes a demanda de mão-de-obra é jovem e barata.32 O jovem osasquense, em geral, não conhece a história da cidade, embora essa esteja imortalizada em livros e documentários (1º de Maio não é 1º de Abril, produzido e dirigido por Rui de Souza). O relevante é saber se Osasco vai comportá-los no mercado de trabalho, como fez com muitos de seus pais e avós. São estes – estudantes do Ensino Médio da escola pública estadual, na maioria das vezes filhos ou netos de migrantes, vivendo numa Osasco em que os postos de trabalho no setor secundário não são mais promissores e dão lugar ao setor terciário que, ao contrário da época dos seus pais e avós, exige maior grau de escolaridade e mais qualificação, oferece baixos salários e menos perspectiva de estabilidade no emprego – os responsáveis por dirigirmos novamente os holofotes para Osasco. Pretendemos entender como, num mundo em que o desemprego estrutural e o desenvolvimento tecnológico avançam, dando margem para se pensar num futuro sem trabalho humano33, jovens sedentos para usufruírem cada vez mais do mercado de consumo e de adentrarem no mercado de trabalho34, constroem a relação com a escola – um dos poucos meios para a população se qualificar e ter acesso à cultura erudita – engendrando sua formação e socialização a partir dela.

B - O BAIRRO Na zona sul de Osasco encontramos o bairro de Vila Yolanda, um dos mais antigos do município, limitado pelos bairros de Cipava, Califórnia, Santo Antônio e Jardim das Flores, com uma população estimada de mais de 16.000 habitantes.35 Vila Yolanda está ligada aos primeiros movimentos migratórios que chegaram ao município nas décadas de 50 e 60. Os migrantes na maioria das vezes eram nordestinos que já haviam, provavelmente, passado por Minas Gerais e Paraná, e, ao chegarem a São Paulo,

32

Segundo estudo interno do departamento de Planejamento e Urbanismo da Prefeitura do Município de Osasco, o município, no período de 1989 a 1994, perdeu 17.239 postos de trabalho na indústria; no período de 1970 a 1994 o setor de prestação de serviços saltou de 1.683postos de trabalho para 30.635; a administração pública cresceu 70,7% no que tange ao número de funcionários. 33 Tema trabalhado pôr Domenico de Masi em seu ensaio “Desenvolvimento sem Trabalho”, publicado no Brasil pela editora Esfera em 1999 (São Paulo). 34 Essa tendência dos jovens já foi verificada em várias pesquisas, entre elas a de Helena W. Abramo “Cenas Juvenis” publicada pela editora Scritta em 1994 (São Paulo). 35 Fonte: PMO – Departamento de Planejamento e Urbanismo do Município de Osasco – 1997.

30

estabeleceram-se primeiramente na capital, no interior e em outras cidades da grande São Paulo (SÃO PAULO,1979). A expansão industrial em Osasco e o loteamento de áreas como o bairro de Vila Yolanda , facilitando a compra de terrenos, foram os motivos que os levaram a um novo deslocamento (SÃO PAULO,1979). Os serviços públicos instalados no bairro incluem um posto de saúde, uma creche, uma escola de educação infantil municipal, uma escola estadual com ensino fundamental (de quinta a oitava série), ensino médio e ensino de jovens e adultos (EJA). Além disso, 95,80% das ruas são asfaltadas, 80,19% iluminadas, 91,08% servidas de rede de esgoto, a água encanada beneficia 98,10% das casas e todas recebem o serviço de coleta de lixo36. Os equipamentos comunitários contam ainda com um campo de futebol (utilizado apenas pelos times organizados) e um centro de vivência. Quatro linhas de ônibus servem o bairro, sendo uma delas intermunicipal (São Paulo/Lapa). Há escolas particulares de educação infantil, um supermercado e vários mini-mercados. Vasto comércio de pequeno porte (locadora, padaria, oficina mecânica, bazar, farmácia, açougue, pizzaria, floricultura, depósito de material de construção, quitanda etc.).Várias igrejas, sendo uma católica, uma associação de bairro desativada e uma favela. O bairro não oferece grandes alternativas de lazer para o jovem, sendo necessário o deslocamento em direção ao centro da cidade ou a um dos municípios vizinhos mais próximos (São Paulo). Porém, a maioria não possui dinheiro para se deslocar em busca de lazer, limitando-se ao bairro e às adjacências. As festinhas e reuniões em casa de amigos, futebol de rua, a igreja, a televisão, o jogo de baralho e a casa da (o) namorada (o) acabam sendo as poucas alternativas de lazer no bairro para esses filhos e netos de migrantes, deslumbrados com a sociedade de consumo. As amizades e os namoros se dão na vizinhança, assim como na escola, que cumpre um papel importante como espaço barato de encontros e desencontros. Assim, o jovem acaba tecendo uma boa parte de suas referências e experiências no bairro e nas adjacências de onde vive.

36

Fonte: PMO - Departamento de Planejamento e Urbanismo do Município de Osasco – 1997.

31

C - A ESCOLA A escola que serviu as bases empíricas para o nosso trabalho foi fundada em 1967, época em que o número de matrículas no ensino médio estava em pleno crescimento, segundo Beisiegel (1982, p.5).Única escola do bairro de Vila Yolanda – embora haja outras escolas nos bairros adjacentes – oferece o Ensino Médio e o Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série, funciona nos períodos diurno e noturno. No ano letivo de 1998 contava com 2.069 alunos matriculados, 63 professores,1 diretor, 2 vice-diretores, 1 professor- coordenador, um secretário de escola, 5 inspetores de alunos (1 afastado), 6 oficiais de escola e 6 serventes (2 afastados). Em termos de recursos pedagógicos, a escola possuía: biblioteca, laboratório, quadra esportiva, computadores (7), sala de vídeo, aparelho de som, minivideoteca (para uso dos professores), 1 projetor e álbuns de slide, retroprojetor (1), mimeógrafo (3), máquina de xerox (1), gravador (1), mapas e jogos educativos.37 A unidade escolar utilizava ainda

como recurso pedagógico: a sala ambiente,

atividades extra-classe e recuperação paralela e de final de bimestre. A grade curricular do ensino médio noturno era composta pelas disciplinas: Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Biologia, Física, Química, Educação Artística e Inglês38. A escola encontrava-se com um bom aspecto físico, ventilada, limpa, pintura nova, vidros intactos e sem pichação, pois havia passado por uma reforma no ano de 1997. É uma

unidade escolar de grande porte, que, no momento da pesquisa, estava

razoavelmente servida de recursos humanos e pedagógicos e

tentava adequar-se à nova

política educacional do Estado de São Paulo, promovendo a educação extra-classe, assim como a recuperação paralela e o “enxugamento” da grade curricular, pois constatamos a ausência

de

disciplinas

como

Filosofia,

Psicologia

e

Sociologia.

A escola tentava ser atraente ao promover campeonatos, projetos ligados à área de Biologia, mural com notícias da semana e outros eventos. Mas, em geral, o que prevalecia eram as aulas em sala,

ministradas

com

recursos mínimos

(giz, apagador, textos e

cadernos). As salas-ambiente implantadas não estavam aparelhadas com recursos necessários a cada disciplina.

37 38

Fonte: Plano Diretor da Escola Fanny Manzoni Santos do ano de1998. Fonte: Plano Diretor da Escola Fanny Manzonni Santos do ano de 1998.

32

Os alunos mostravam comportamentos diferenciados nas salas de aula: uns poucos demonstravam interesse pelos conteúdos programáticos, alguns passavam a impressão de estarem alheios a tudo, outros pareciam interessados em um bom papo, após uma jornada de trabalho ou de um dia em casa sem contato com amigos. A entrada e o intervalo pareciam ser os momentos mais sublimes, pois

viam-se

rodas de amigos espalhadas pelo

pátio(jogando baralho ou num bom papo), enquanto casais de namorados aproveitavam os locais mais discretos do pátio. Quando o sinal anunciava a hora de entrada, para a primeira aula, os alunos demoravam de 10 a 15 minutos para atendê-lo. Situação essa que se repetia no retorno do recreio, embora antes que o mesmo fosse anunciado o pátio já se encontrasse repleto de alunos. Entre uma aula e outra, alguns alunos escapavam das salas e permaneciam nos corredores e no pátio, pareciam procurar algo que não haviam encontrado em sala: amigos, namorados ou outro atrativo. Muitas vezes “cabulavam” e voltavam mais cedo para casa.

D – CLASSES Introdução Com o intuito de obter o perfil geral da população a ser pesquisada, propusemos a três classes de segunda série do Ensino Médio noturno dois questionários, de múltipla escolha. O primeiro com questões mais gerais, e o segundo para detalhar as informações já obtidas. Após a explicação dos objetivos da pesquisa, cada um deles permaneceu duas semanas à disposição dos alunos, na tentativa de conseguirmos o maior número possível de preenchimentos. Conseguimos com o primeiro questionário atingir 110 alunos, embora o número total de matriculados nas três classes fosse 147. Entre os ausentes, alunos transferidos (17), já evadidos (17) e faltosos no período (3). Ao segundo questionário atenderam108 alunos, faltando mais três alunos em uma das turmas, e ocorrendo o regresso de uma dos faltosos em outra. A taxa de evasão, à época da pesquisa, poderia assim ser avaliada entre 13 e 14,5%. Aplicados os questionários, passamos a observar sistematicamente os alunos em sala de aula, nos intervalos de aula, na entrada e na saída do período. Escolhemos a 2ª série B para assistir às aulas, aleatoriamente, uma vez que constatamos que as diferenças entre as três

33

classes eram mínimas no que tange às faixas etárias e econômicas, à estrutura familiar e à sociabilidade. A convivência de duas semanas somada à ajuda dos professores e alunos possibilitou detectar os alunos mais freqüentes, interessados e disciplinados e , em oposição, os menos freqüentes, menos interessados e indisciplinados. Separando-os em dois grupos, escolhemos cinco de cada grupo para duas entrevistas, com um intervalo de dois anos entre a primeira e a segunda. Paralelamente, fizemos um levantamento nos documentos da escola, localizando nome e endereço dos vinte e um alunos que se haviam evadido das mesmas turmas no ano letivo anterior (1997). Desse total, sete haviam se matriculado novamente em 1998 (três em classes regulares e quatro no EJA), quatro não foram localizados (mudaram de endereço) e um recusou- se a participar da pesquisa. Trabalhamos os nove restantes, aplicando os dois questionários39 . A pretendida montagem de um grupo de controle com cinco estudantes evadidos acabou se fazendo automaticamente, pois dos nove entrevistados, quatro encontravam-se vinculados ao supletivo com matrícula na rede privada, restando, portanto, como realmente evadidos, os cinco que seriam efetivamente entrevistados.

Perfil Nas três classes pesquisadas, encontramos um total de 110/108 alunos, que tinham, no que tange a sexo, idade e estado civil as seguintes características: Dados dos dois questionários Sexo – 1º Questionário MASCULINO 47% (52)

FEMININO 53% (58)

Sexo – 2º Questionário MASCULINO 48% (52)

FEMININO 52% (56)

Idade: 16 / 18

19 / 21

22 / 25

26 / 30

mais de 30

Em Branco

81 % ( 89 )

0,8% ( 13 )

2,7% ( 3 )

0,9 % ( 1 )

0,9 % ( 1 )

2,7% (3)

Estado Civil :

39

ver tabulação no anexo.

34

Solteiro 92,8% (102)

Casados 2,7 % ( 3 )

Separado / Viúvo 2,7 % ( 3 )

Anulada 0,9 (1)

Em Branco 2,7% (3)

Podemos perceber que é uma população balanceada entre homens e mulheres, dentro da idade escolar do curso, e solteiros, na sua grande maioria. No que diz respeito à situação econômica, podemos expressar da seguinte forma:

Precisam trabalhar Não precisam trabalhar para sobreviver

para sobreviver

73,7 % (81)

23,6% (26)

Nunca

Trabalha ou Trabalha ou

Não responderam

Total

2,7% (03)

100% (110)

Faz ou já

Trabalha ou

Não respondeu

trabalho

trabalhou

trabalhou

fez

trabalhou

u

com salário

ajudando

trabalhos

como

fixo

negócios da

eventuais

autônomo

família

(bico)

28 % ( 31 )

22 % ( 24 )

9,1% (

35 % ( 38 )

4,7 % ( 06)

Total

0,9 % (01)

100%(10

10 )

0)

25% ( 27 )

Moram em casa cedida por familiares não residentes 5,0% ( 05 )

100%( 108 )

Possuem automóvel

Não possuem

Não responderam

Total

52% ( 56 )

42,5% ( 46 )

5,5% ( 06)

100% ( 108)

Não possuem imóvel

Em branco

Moram em casa

Moram em casa

própria

alugada

70,3 % ( 76 )

Total

Além da casa própria:

Possuem imóvel

Total

35

37% (40)

59,3% (64)

3,7% (04)

100% ( 108)

A renda pessoal mensal :

Até

R$121,00/R R$251,00/R R$501,00/R R$701,00/R

R$120,00 13.5%(15

$250,00 32%

$500,00

$700,00

$1.000,00

26% (29)

1,8 % (02)

2,7% (03)

Em

Total

branco 24% (26) 100%(110)

) (35) Renda familiar mensal:

M enos de

R$361, 00/ R$720,00

R$360,00 6,5% (0,7) 33,3% (36)

R$721, 00/

Mais

Em

Total

de R$1.200,00 branco

R$1.200,00 32,4% (35)

22,2% (24)

5,5% (06)

100% (108)

Razões que levaram ou que levam os alunos a procurar trabalho:

Ajudar nas Comprar com autonomia seu despesas vestuário (bonés, domésticas roupas, tênis, etc.) 70% (76) 53% (57)

Ter dinheiro O pai obrigou para o lazer (discotecas, barzinhos, clubes, etc.)

Juntar dinheiro Total

32% (35)

9,2% (10)

3,7% (04)

para o casamento

182

Obs.: 1) As questões eram fechada e os alunos deram mais de uma resposta.

Os dados acima nos mostram a origem econômica da população estudada. Oriunda da classe média baixa , ou seja , a família possui casa própria , na sua grande maioria, (71%); esses jovens precisam ajudar nas despesas da casa (70% ) e, por isso, a grande maioria exerce ou já exerceu algum trabalho remunerado, apenas 9,1% nunca trabalhou. Além da casa própria, 37% das famílias possuem outro imóvel e 52% possuem automóvel. A renda pessoal da grande maioria fica entre 1 s/m a 4 s/m, embora seja uma renda, para uma parcela significativa, flutuante e incerta, pois 22% fazem eventuais “bicos” e outros 5,0% são autônomos, talvez por isso uma parcela considerável, de 24%, não respondeu esse item. A renda familiar da grande maioria está entre 3 s/m a 10 s/m, considerando que 58% das famílias são compostas ao todo por 5 a 7 pessoas e 32% por mais 2 ou 3 pessoas, além

36

do aluno adolescente. Para ajudar a ter uma idéia melhor sobre as condições econômicas, é de grande serventia observar a estrutura familiar:

1) Os pais nasceram :

São

Norde

Minas

Paulo

ste

Gerais

Norte

São

Outro

Outro

Em

Paulo/

estado do

s

branco

Nordeste

Sudeste

Total

44,4%

16%

12%

7,4%

4,6%

4,6%

10,1

0,9%

100%

(48)

(17)

(13)

(08)

(05)

(05)

%

(01)

(108)

(11) 2) Os estudantes nasceram:

(108)

Nesta mesma

Cidade

Outra cidade de

Estado com

Outro

região

próxima(Gran-

São Paulo

limite a São

estado

(Osasco)

de São Paulo)

68,1%(75)

16,4% (18)

(10 Total

Paulo 8,2% (09)

0,9% (01)

6,4% (07) 100% (110)

3) O grau de parentesco das pessoas que moram na mesma casa é :

Pai/

Mãe/Ir

Pai/

Pai/Ir

Mãe

Irm

Outros

Branco

Mãe/I

mão

Mãe

mão

49,1

17,3%

3,7%

2,7%

2,7% 2,7 17,3% (19)

0,9%

3,6%

%

(19)

(04)

(03)

(03)

( 01)

(04) 100%

ão

Anul ado

Total

rmão/

%

(54) (03) 4) Quantidade de pessoas que moram na mesma casa: Mora sozinho

0,9 % (01)

(110)

C/ mais C/ mais 2ou 3 Ao todo 5 a 7 Ao todo de 8 a Total uma pessoas pessoas 10 pessoas pessoa 5,5% ( 06)

32% (35)

58% (64)

3,6% (04)

100% ( 110)

37

5) Nível de instrução Paterna e Materna:

1º grau

1º grau

incompleto completo

2º grau

2º grau

3º grau

3º grau

Branc

incompleto completo incompleto completo

59% (64) 16%(17) 9,3%(10) 62%(67) 12%(13) 7,5%(8)

Nulo

Total

o

8,3%(9) 0,9%(1) 7,5%(8) 0,9%(1)

1,9%(2) 3,7%( 0,9%(1 100% 4,6%(5) 4,6%( 0,9%(1 100% 4) ) (108) (05) 5) ) (108) Obs. A primeira linha na horizontal refere-se aos pais e a segunda, às mães. (108) (10 É possível constatar, diante dessas informações, que grande parte desses estudantes

tem pais nascidos no Estado de São Paulo ( 44.4 % ), porém, uma parcela significativa é composta de migrantes do Nordeste ( 16 % ), de Minas ( 12% ) , do Norte ( 7.4% ) e de outros Estados do Sudeste ( 4,6 % ). Se pesquisássemos a origem dos avós, talvez chegássemos à conclusão de que esses na sua grande maioria são migrantes. Isso porque a história do bairro nos mostra que a maioria da população é de migrantes, principalmente nordestinos. Os estudantes são, na sua grande maioria, osasquenses ( 68,1 % ) ou de uma cidade próxima ( 16,4 % ). Pelo menos 82% dos pesquisados habitam com familiares (51,8% com núcleos familiares completos, 23,6% com núcleos incompletos pela ausência do pai ou mãe, os restantes com outros familiares). Os pais em sua maioria têm baixa escolaridade, pois 59 % (das mães) / 62% (dos pais) não completaram o primeiro grau. Os alunos relacionam-se com a escola da seguinte forma:

1) Desde que entrou na Escola:

Estuda sem

Matriculou- Matriculou- Matriculou-

Parou de

Parou de

se, mas teve se, mas teve se, mas teve estudar (não estudar (não

interrupç

que desistir

que desistir

que desistir

se

se

ões

1 vez

2 vezes

3 vezes

matriculou)

matriculou)

1 vez

2 vezes

4,5% (5)

0,9% (1)

81% (89)

8,2% (9)

4,5% (5)

0,9% (1)

Tota l

100 %(1 10)

38

2) Levando em consideração o ensino fundamental e médio:

Nunca foi

Foi

Foi

Foi

Foi

reprovad reprovado 2 reprovado 3

reprovad

o 1 vez

vezes

vezes

Total

reprovado mais 3

o

vezes

46,3 (51) 32% (35) 16,3% (18)

4,5% (05)

0,9% (01)

100%(110)

4,5 3) O Ensino Fundamental foi cursado:

Numa escola

Numa escola pública

pública estadual

municipal

89% (96)

9,1% ( 10)

Parte em escola pública estadual e parte em escola privada 1,9% (02)

Total

100% ( 108)

4 ) Ao ingressar no ensino médio procurava :

Base para o vestibular

Diploma

Queria

Branco

Total

0,9% (01)

125

para facilitar simplesment a entrada no

e continuar

mercado de

os estudos

trabalho 59% (64)

38% (41)

18% (19)

Obs: Alguns alunos deram mais de uma resposta.

5) Até então o segundo grau correspondeu às suas expectativas?

a) Sim 36,1% (39)

b) Não

c) Branco

d) nulo

Total

61,1% (66)

1,9% (2)

0,9 (01)

100%(108)

39

a ) As causas são: Facilidade no trabalho (1) , atualização (2) , já aprendeu o suficiente para o vestibular (1) , obtém conhecimentos úteis para o campo profissional (1), os professores ensinam bem , obtém conhecimento geral e para o vestibular (1),aprende tudo que precisa. (2), dar continuidade ao segundo grau (1), branco (30) b) As causas são: (45) ensino fraco , (1) mal organizado e professores mal educados , (2) aprendem coisas que não são necessárias no dia - a - dia , (1) não prepara para o vestibular , (2) não precisam estudar para passar de ano, (2) por ser escola do governo, (1) Não precisa de estudo, (1) Mal organizada, (1) anulada, (10) branco.

6) Ao terminar o Ensino Médio, os estudantes pretendem :

O

Fazer

Parar de

Fazer curso

ingress

curso

estudar por técnico e

o na

técnico

um tempo

universidade

12% (13)

4,5% (05)

Branco

Anulado

Total

0,9%

0,9% (01)

100%(1

universi profissiona dade

l

42,7%

39% (43)

(47)

(01)

10)

7)Você acha importante cursar a universidade ?

Sim

Apenas em

Branco

Total

certos casos 84%(92)

14% (16)

1,8% (02)

100%(110)

7) O que o você mais gosta na escola é : De

Das aulas

De

Outros

Total

1,9% (02)

123

encontrar os (disciplinas) encontrar a amigos 52% (56)

namorada 48% (52)

12% (13)

40

Obs.: Alguns alunos deram mais de uma resposta.

8) O lugar que os alunos mais gostam de ficar é :

No

Na

Na sala

pátio sala de vídeo

No

No banheiro

portão

Na sala do

Outros

Total

1,9% (02)

133

coordenador

de aula 58%

42

17,5 (19)

6,5%

0,9% (01)

0,9 (01)

(63) %(4 (07) Obs.: Alguns5)alunos deram mais de uma resposta.

10) Os conteúdos das disciplinas ministradas pelos professores :

Embora

São

Embora

São

sejam

facilmente

sejam

dificilmente

facilmente assimilado

dificilmente

assimilados

assimilados

s porque

assimilados,

porque não

, não estão

estão

ligados ao

ligados ao

dia-a-dia

dia-a-dia

33% (36)

32,5% (35)

Branco

Anulado

4,5%(5)

1,9% (2) 100%(10

estão ligados estão ligados ao dia-a-dia

ao dia-a-dia

15% (16)

13%(14)

(05)

8)

11) Na sua opinião, a escola tem ajudado profissionalmente :

Muito 46,3%(51)

Total

Pouco

Nada

Branco

Total

37,3%(41)

15,5%(17)

0,9%(01)

100%(110)

41

12) Na opinião dos alunos a escola contribui para a formação como cidadão :

Muito

Pouco

54,3%(60)

Nada

33%(36)

7,3%(08)

Branco

Nulo

Total

2,7%(03)

2,7%(03)

100%(110)

13) Na opinião dos alunos a escola contribui para os conhecimentos úteis:

Muito 58,2%(64)

Pouco 29,1%(32)

Nada 8,2%(09)

Branco

Total

4,5%(05)

100%(110)

Parece significativo que a grande maioria dos estudantes (81%) não tenha sido compelida a interromper os estudos, a despeito das reprovações relativamente freqüentes, que afetaram 53,7% da população pesquisada. Praticamente todos os estudantes vieram do ensino fundamental cursado na rede pública e ingressaram no ensino médio visando o preparo para o vestibular, o mercado de trabalho ou ambos. Uma minoria (18%) ainda não se decidira, seguindo o hábito de estudar. Todavia, seis em cada dez alunos consideram o ensino abaixo de suas expectativas, sendo relevante o argumento do ensino “fraco”, supondo uma falta de conteúdo ou de adequação ao que os estudantes efetivamente esperavam. Interessante vincular aqui os dados de outra resposta, na qual um percentual semelhante dos pesquisados (64,8%) considera os conteúdos fáceis de assimilar. É possível que a “aflição” relativa à suposta baixa qualidade do ensino, vincule-se ao problema da competição referida à continuidade dos estudos em universidades ou escolas técnicas. De fato, 86,2% dos entrevistados não pretendem encerrar o ciclo estudantil no ensino médio, visando a universidade, cursos técnicos profissionalizantes, ou ambos. Quatro entre cinco estudantes (83,6%) crê na importância do ensino superior. Independente de como consideram o conteúdo (fácil ou difícil), 46% da amostra considera o ensino desligado do cotidiano, mas apenas 15,5% o pensam como inúteis para instruir o dia- a- dia. Na verdade, 84% acreditam ter se servido dos conhecimentos escolares, e 46,3% declaram mesmo que a escola tem ajudado muito. No que diz respeito à contribuição da escola em relação à formação da cidadania, 54,3% consideram que a escola ajuda muito; 33% que ajuda pouco e 7,3% que nada ajuda. É

42

importante frisar, entretanto, que os alunos têm uma visão vaga do que seja cidadania. Isso foi possível notar nas entrevistas posteriores. Podemos observar que praticamente a metade dos alunos entrevistados acredita na escola e espera dela ajuda profissional, formação para cidadania e conhecimentos úteis ao dia - a - dia . Deixando de lado o aspecto da educação formal, a escola é um espaço de sociabilidade. No dia- a- dia, o que os alunos mais gostam na escola é de encontrar os amigos (52%), a namorada (12%) – observamos aí uma porcentagem bastante significativa como espaço de sociabilidade ( 64% ), mas eles também dizem apreciar as aulas (48%). Vale lembrar que foi dada mais de uma resposta. A tendência observada acima é confirmada pelo dado que aponta o pátio como o lugar da escola que mais gostam de ficar (58%), enquanto 42% citam a sala de aula. Para conhecermos melhor os estudantes fora da escola, coletamos as seguintes informações (sociabilidade):

1)Durante o tempo livre você

Sai

Fica

Sai

Sai com os

Sai com os

com

em

com

amigos da

amigos do

os

casa

outras

escola

trabalho

19%(21)

8,2%(09)

Sai sozinho

Branco

Total

4,5%(05)

2,7%(03)

128

amigo assist pessoas s da

indo

vizinh

à

ança

televi são

33%(3 27%( 22%(24 6)

30)

)

Obs.: Alguns alunos deram mais de uma resposta.

43

2)Você freqüenta normalmente:

Uma igreja

Associações

Casas de

Estádios

(Bailes,

espetáculos

esportivos

16%(18)

14,5%(15)

Branco

Total

3,6%(04)

128

barzinhos etc.) 40%(44)

35%(39)

Obs: Os alunos deram mais de uma resposta.

2) Você gasta o seu salário com:

Despesas

Lazer

Vestuário

Transporte

Outros

Branco

Total

38%(41)

17%(18)

9%(10)

2,3%(03)

163

de casa 44%(48) 40%(43

) Obs: Alguns alunos deram mais de uma resposta.

3) O seu estilo musical é : Sam

Pagode

Romântico

Rap

MPB

ba

Funk

Outros (axé,

Tot

dance

al

music, country,evangé lica, etc 64% 54%(58) (69)

37%(40)

35%(38)

16%(17)

13%(14) 20% (22)

258

44

4) Compra CDs e fitas :

Raramente Freqüentem

Escuta

ente

Anulada

Branco

Total

0,9%(01)

0,9%(01)

100%(108)

somente as músicas no rádio e nos lugares em que vai se divertir

50%(54)

28,7(31)

19,5%(21)

5) Quando vê TV, prefere:

Filme Telejor Progra s

Progr. de

Progr. de

Outros

ma

Animação

Entrevista

(Vídeo

Esporti

(Silvio

vo

Santos,

Marília

Ratinho,

Gabriela,

Faustão etc.)

etc)

36% (39)

34% (37)

nais

61%( 53%(57

40%

Novelas

38%(41)

66) ) ((57) (43) (41) Obs. Os alunos ((66) deram mais de uma resposta.

Total

(Jô soares, clipe, etc)

0,9%(1)

322

(01)

Percebe-se que a população em questão sai nos finais de semana com amigos da vizinhança (33%), bem mais que com os amigos da escola (19%), e menos ainda com os amigos do trabalho(8%). Porém uma parcela considerável (27%) prefere ficar em casa vendo televisão. Gostam de assistir principalmente a filmes (61%), telejornais (53%), programas de esporte (40% ), novelas (38% ), programas de animação (36% ), programas de entrevista (34%) e desenhos (34% ).

45

Quando esses jovens saem , preferem ir à igreja (44%), a bailes, barzinhos e casa de amigos (35%), em geral lugares que não requerem muito gasto, pois o seu salário é empregado nas despesas de casa (44%) – isso é uma evidência da importância do salário desses jovens para o complemento da renda familiar – além de prover seu próprio lazer (40%) e vestuário (39%) – o que é também uma forma de ajudar nas despesas domésticas, uma vez que a família não precisa se preocupar com os itens já financiados pelo próprio filho. Evidentemente, essa também é uma forma pela qual o educando pode proporcionar a si mesmo aquele vestuário e lazer que os pais não poderiam lhe dar devido à baixa renda familiar. Essa afirmação se confirma também pelos dados, já mencionados, de que 70% dos alunos procuram o mercado de trabalho para ajudar nas despesas domésticas, 53% procuramno para comprar, com autonomia, seu vestuário e 32%, para gastar com lazer. Enfim, são estudantes tanto do sexo masculino como do feminino, oriundos da classe média baixa, solteiros, que moram com suas famílias, almejam se fixar no mercado de trabalho para ajudar na renda familiar e para ter acesso a certo tipo de vestuário e lazer que seus pais não poderiam lhes dar. Como discute Abramo (1994), os jovens nessa fase da vida sentem necessidade de se identificar com algum grupo e, para isso, precisam possuir o código desse grupo, ou seja, se vestir como esse grupo, freqüentar os lugares que esse grupo freqüenta, ouvir e possuir as músicas desse grupo, ter a linguagem desse grupo etc. Percebemos que eles acreditam na Escola como veículo de ascensão social, como a instituição que pode torná-los cidadãos - embora possuam uma noção bastante vaga do que seja cidadão/cidadania – , além de ajudá-los a se preparar para o mercado de trabalho e proporcionar conhecimentos úteis. Como se a escola fosse um investimento para o futuro próximo. Esses mesmos alunos pretendem continuar seus estudos, seja num curso de 3º grau, seja num curso técnico. O futuro, para eles, parece passar pela escola, mesmo que no presente momento haja a sensação de que ela não corresponde às expectativas. Os conteúdos são considerados facilmente assimilados, embora para muitos eles não estejam ligados ao dia-adia. Mas quase todos comungam a idéia da escola como um importante espaço de sociabilidade. De modo geral é o mesmo perfil do estudante da rede estadual de ensino encontrado por Mendes (1991) em sua pesquisa realizada com uma amostra bem maior (704 alunos), abrangendo a capital e a grande São Paulo, o período noturno e o diurno, e as quatro séries do Ensino Médio e profissionalizante.

46

No final do ano letivo pesquisado (1988) dos 147 alunos matriculados, 110 foram promovidos, 17 transferidos, 17 evadidos e 03 retidos após recuperação do mês de Janeiro40.

E- ENTREVISTAS E ANÁLISES a - Alunos mais freqüentes em sala de aula

Entrevistas Db, 20 anos, (na ocasião da primeira entrevista), osasquense, moradora do bairro da V. Yolanda desde seu nascimento, desistiu uma vez (1º ano do ensino médio), ficou 2 anos sem estudar, pais nordestinos, mãe analfabeta.

Db pertence a uma família de 5 filhos, sendo a segunda, antecedida por um irmão, tornou-se desde cedo “o braço direito da mãe”, empregada doméstica, que deixava a casa sob sua responsabilidade. Durante os três primeiros anos de escolaridade, estava morando com a avó materna, pois após o terceiro filho a mãe separou-se do pai – o qual Db só tornou a ver com 19 anos. A avó comparecia às reuniões bimestrais e a incentivava nos estudos, apesar de ser analfabeta e não poder ajudá-la nas lições escolares. As dúvidas eram sanadas com os professores. Quando estava na 4ª série do ensino fundamental, a mãe casou-se novamente e foi morar no mesmo quintal da mãe do padrasto. Sua vida escolar passa a ser acompanhada pela mãe, de forma limitada, porque também era analfabeta: “(...) Ela perguntava se tinha lição, se tem vai fazer, ela ia sempre nas (sic) minhas reuniões (...)”. Durante todo o ensino fundamental, Db não teve problemas, ao contrário, contou que sempre foi boa aluna, continuou tirando dúvidas com os professores, com exceção da 8ª série, em que foi auxiliada pela supervisora da escola dominical, onde dava aulas para as crianças. Podemos perceber que, embora as duas pessoas mais próximas de Db, a mãe e a avó materna, fossem analfabetas, cursou sem problemas o ensino fundamental. Talvez porque 40

Fonte: Secretaria da Escola Fanny Manzoni Santos.

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desde cedo aprendeu a ter responsabilidade, fazia as vezes da mãe quando essa estava ausente (cuidando dos irmãos mais novos e dos serviços domésticos), responsabilidade que foi transferida para o trabalho escolar. Teve, também, que realizar as tarefas que a mãe não tinha condições de fazer, como, por exemplo, escrever cartas, ler as correspondências recebidas, fazer as contas etc. Ou seja, Db adquire, no seio da família, uma função para a qual a cultura escolar é fundamental41.

A responsabilidade é reforçada, posteriormente, pela atuação

religiosa, uma vez que a leitura e a interpretação são pontos centrais para o estudo da Bíblia e constitui-se numa prática estimulada pelo pastor. Db passou a desempenhar a atividade de monitora na escola dominical, o que se relaciona ao universo escolar tradicional : ensinar, aprender, interpretar, etc. Indo para o ensino médio, Db passou a estudar na mesma escola (Fanny) no período noturno, pois pretendia conseguir um trabalho, sendo que a única experiência resumia-se à função de empacotadora numa loja, apenas no período de festas de final de ano. Surge, então, a oportunidade de trabalhar como babá de duas crianças, filhas de um pastor evangélico de uma igreja diferente da que freqüentava, mas que morava no mesmo bairro. Depois de alguns meses, o casal que a empregava teve que se mudar para uma cidade vizinha, Barueri. Paralelo ao trabalho, Db estava vivendo a experiência do primeiro ano no ensino médio noturno. Sentindo-se desanimada e cansada devido ao trabalho, a garota começou a ter problemas em relação ao entendimento de alguns conteúdos, acrescentando-se

a existência de uma

desavença com o professor de Física, o que a faz optar pela desistência e acompanhar os patrões. Em Barueri, passou a freqüentar a igreja dos seus patrões, e também a monitorar na escola dominical. Permanece dois anos e meio fora da escola, período em que tenta conseguir uma vaga para estudar no magistério público – a experiência como babá e monitora na escola dominical despertou o interesse para ingressar na profissão do magistério, porém perdeu o dia de inscrição na escola pública que oferecia o curso. Sem conseguir a vaga para ingressar no magistério e já tendo retornado para a casa da mãe, pois o casal para quem trabalhava havia se mudado para São Paulo, decidiu voltar ao ensino médio na mesma escola que havia abandonado. Trazia consigo a experiência42 de um mercado de trabalho cada vez mais exigente, e, diante disso, percebe que concluir o ensino 41

“Podemos observar que famílias fracamente dotadas de capital escolar ou que não o possuam de forma alguma (no caso dos pais analfabetos) podem, no entanto, muito bem, através do diálogo ou através da reorganização dos papéis domésticos, atribuir um lugar simbólico (nos intercâmbios familiares) ou um lugar efetivo ao “escolar” ou à criança letrada no seio da configuração familiar”. (LAHIRE,1997, p.343). 42 Pois, ao retornar para casa da mãe, começou a procurar emprego, sem sucesso

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médio era imprescindível para ter chances no mercado de trabalho formal. Outro fator que influenciou na decisão foi a dificuldade na monitoria da escola dominical (sentindo falta de leituras e incapacidade de interpretar certos textos), valorizando, ainda mais, o aprendizado escolar. Sonhava com um futuro diferente e melhor em relação ao da mãe e, mais, queria ser artista plástica como o pai, proporcionando à sua mãe o orgulho de ter um filho com o ensino médio, pois o irmão mais velho interrompera os estudos na 5ª série do ensino fundamental – “(...) ele sempre teve preguiça de estudar (...)”. Um outro, cinco anos mais novo, deixara de freqüentar a escola a partir do 1º ano do ensino médio porque “(...) começou trabalhar à noite”. Mais tarde, voltou aos estudos, concluindo o ensino médio através do supletivo, sendo acompanhado por Db, que o auxiliava nas tarefas escolares e ia às reuniões. Ao retornar aos estudos, Db não teve problemas com os conteúdos programáticos e muito menos com os professores, segundo ela, porque o quadro de professores havia mudado e, assim, os métodos de ensino eram outros. Acreditamos que, mais do que a mudança de professores, as metas que a adolescente construiu ao longo dos dois anos e meio fora da escola contribuíram para um retorno sem problemas, pois, quando houve a desistência, a alegação era de desânimo, motivado pela sensação de que continuar os estudos não fazia sentido, uma vez que já sabia ler e escrever, sendo a única na família, até então, com ensino fundamental completo, considerava que o que lhe faltava naquele momento era trabalho. Ao retornar à escola, Db não queria perder tempo : “(...) estou aqui para estudar, vamos estudar (....)”. As notas eram, na maioria, positivas, e, quando obtinha um conceito negativo, ficava muito chateada. Estudava para as provas, fazia os exercícios propostos, prestava muita atenção nas aulas expositivas, lia o mural da escola (notícias da grande imprensa), principalmente a seção de esportes. Tinha uma boa relação com todos os professores, em especial com a professora de Língua Portuguesa, devido às aulas de redação, aos trabalhos em grupo (os quais ajudaram-na a ser menos tímida), aos questionamentos surgidos em sala e aos livros de literatura que conseguia emprestado com a mestra. Db gostava de ler, graças a uma amizade que travou com a amiga de uma de suas primas, também estudante do Fanny. Gostava muito, ainda, das aulas de Matemática, pois gostava de cálculos, chegando a afirmar num trecho da entrevista que Matemática e Língua Portuguesa seriam as únicas disciplinas que, de fato, a ajudariam em seus planos e em sua formação, as únicas que, realmente, estavam ligadas ao dia-a-dia. Porém, no decorrer da entrevista, quando indagada sobre as demais disciplinas, esforçou-se

em dar exemplos de como

estão ligadas ao

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cotidiano, sem conseguir parecer convincente. A impressão é de que, uma vez incutido que a escola ensina o que é necessário para a vida, discordar pode passar a idéia de ignorância. Ao término de cada ano, guarda os cadernos com os conteúdos, alegando que os irmãos mais novos poderiam precisar. Mas Db não poupa críticas à escola, pois, embora acredite que possa ajudar os alunos a se descobrirem, a formar suas opiniões, a dissipar os preconceitos, a respeitar uns aos outros e “ensinar o certo” , “ela é muito fraca”, as informações sobre o Brasil e o mundo e os conteúdos programáticos são muito superficiais. Na ocasião da segunda entrevista, Db havia terminado o ensino médio sem problemas, o que foi motivo de orgulho para a mãe que, mesmo com problemas financeiros, fez questão de pagar a festa de formatura. A entrevistada continuava desempregada, apenas cobria o período de férias de uma amiga que atuava como babá. Havia feito um curso de cabeleireira, e tinha começado a trabalhar no ramo, mas, por problemas de saúde – o contato com químicas fortes – foi obrigada a desistir. O projeto de se tornar artista plástica, como o pai, foi substituído pelo sonho de fazer um curso de Ciências Contábeis em nível de terceiro grau, pois os professores a estimularam a trocar de curso devido ao mercado de trabalho. No entanto era algo para um futuro distante, precisava primeiro ter condições financeiras e cuidar de seu filho, pois estava grávida de três meses do ex-namorado. Db continuou mantendo contatos esporádicos com alguns amigos que fez no Fanny e na igreja, além da cunhada, com a qual tinha maior contato. Deixou de ser evangélica, passou a não sair muito de casa. Dc, 17 anos (na ocasião da primeira entrevista), entrou na escola aos 8 anos, nunca foi reprovado, não é desistente, morador do bairro de V. Yolanda desde os 7 anos, pais paulistas, mãe com ensino fundamental incompleto e pai com ensino fundamental completo.

Dc considerava-se bom aluno, disse que em geral as notas eram azuis e sentia-se muito bem quando conseguia a nota máxima, não tinha problemas com os conteúdos escolares. Fazia as lições de casa na classe, antes que o professor fizesse as correções, e ficava sempre atento para saber a postura que deveria adotar com cada um. Mas isso não significava que não temia as notas vermelhas, ao contrário, as temia principalmente porque eram sinônimo de ter que realizar outra avaliação, e também representavam uma ameaça de reprovação no final do ano, o que atrapalharia seus projetos profissionais.

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No ano em que o entrevistamos pela primeira vez (98), acabara de ingressar no mercado de trabalho, ainda como aprendiz, numa fábrica de brinquedos que produzia toda linha para playground, e já projetava montar o próprio negócio na área após a conclusão do ensino médio. Pensava também em cursar o ensino superior (Pedagogia) logo que terminasse esse nível de ensino. Caso o projeto no ramo de brinquedos não desse certo, já teria uma profissão, mas, se acontecesse o contrário, o curso superior serviria como status e daria mais confiabilidade ao

produto na hora da venda, pois

os brinquedos, na maioria, seriam

vendidos para escolas infantis. Ou seja, fazer um curso universitário seria um investimento; e terminar o ensino médio, a garantia de poder realizá-lo. Além de considerar o diploma do ensino médio como uma garantia para continuar os estudos, afirmou que os conteúdos programáticos estavam ligados com o trabalho que desenvolvia, nos falou sobre a lei de Newton, medidas como metro e outros – todos exemplos fazem parte do conteúdo do ensino fundamental – , nos pareceu bastante frágil sua convicção, a impressão que nos deu é de que havia a necessidade de encontrar utilidade na escola, além do diploma. Talvez isso aconteça porque incutiu a idéia de que se aprendem coisas úteis e necessárias na escola. Dizia acreditar também que os professores ajudam a formar opiniões “sobre diversas coisas”, “a participar dos acontecimentos do país” – embora não tenha tirado seu título ao 16 anos e ache que “o voto não adianta em nada” – e a “informar sobre drogas, abortos, sexo etc”. Em linhas gerais, para Dc, “a escola ensina o certo” e “ajuda no vestibular”. Lia raramente o mural da escola e, quando o fazia, lia somente o tocante à literatura “porque a professora pegava no pé”. Dc refere-se também à escola como espaço de sociabilidade: “(...) 50% para estudar e 50% para encontrar os amigos”. Tinha amigos na escola e também na igreja evangélica da qual fazia parte, sendo membro da banda de música da congregação. Gostava da escola e não tinha críticas, não mudaria nada nela. Confessa que o cansaço físico deixava-o disperso nas últimas aulas, principalmente às sextas-feiras. Mas não “cabulava”, a solução encontrada era pedir para o professor conversar com a classe, não dar aula. Quanto às reuniões bimestrais, eram freqüentadas pela mãe, a qual gostava de ler livros e revistas de receita – porém não havia mais, como no ensino fundamental, cobrança permanente das realizações das lições escolares. Durante o ensino médio, passou a ter mais autonomia, deixou de pedir ajuda para a mãe e para a irmã mais velha na realização das

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lições de casa. O pai – que estudava a Bíblia –, embora não se envolvesse diretamente nas questões escolares, cobrava aprovação e dava-lhe “muitos conselhos sobre a vida”. Dc entrou no mercado de trabalho aos 17 anos, queria aprender uma profissão e ter dinheiro para comprar o vestuário e para o lazer (passeios em chácaras com a turma da igreja, jogos de futebol e basquete), não ajudava em casa nas despesas domésticas, pois o salário era ínfimo e só dois anos depois começou a

contribuir financeiramente em casa, “quando

começou a sobrar”. Pertencia a uma família com cinco filhos, em que era o mais novo; todos os irmãos concluíram o ensino médio e estavam

trabalhando, o pai era pastor evangélico e havia

concluído o ensino fundamental, a mãe fazia salgadinhos para festas e não completara o ensino fundamental. Vieram para Osasco por designação da Igreja quando Dc tinha 7 anos, moravam em casa própria. Quando encontramos Dc pela segunda vez, continuava solteiro, morando com os pais e irmãos, havia terminado o ensino médio sem problemas de reprovação e nos passou a imagem de uma pessoa responsável, preocupada com o futuro e cheia de projetos. Embora não estivesse cursando o ensino superior, estava pesquisando preços e faculdades, pois ainda era presente a idéia de cursar Pedagogia. Havia mudado de emprego, mas continuava no mesmo ramo de brinquedos: era vendedor numa loja de brinquedos pedagógicos, negociava diretamente com escolas infantis. Talvez por este motivo somavam-se aos seus antigos projetos abrir uma escola infantil. Mas, antes, pretendia

trabalhar com toda linha de

brinquedos para playground, projeto apresentado na primeira entrevista. Naquele momento, já produzia alguns brinquedos, comprava outros e afirmou que, em questão de meses, faria locação para festas e, no futuro, aumentaria a produção para vendas. Continuava mantendo contatos com os amigos da escola que moravam perto de sua casa e com os amigos da igreja. Avalia que foi um aluno razoável, que aprendeu muito no Fanny porque tinha professores preocupados em ensinar, embora tivesse críticas à escola – na ocasião da primeira entrevista não as tinha. Achava desnecessário fazer um cursinho pré-vestibular para entrar na faculdade. Quando indagado sobre a qualidade da escola pública, afirma achar o Fanny tão boa quanto algumas escolas particulares.

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An, 17 anos (na ocasião da primeira entrevista), repetiu o primeiro ano do ensino fundamental, osasquense, a mãe e o padrasto concluíram o ensino fundamental e são nordestinos. An passou a morar no bairro da V. Yolanda a partir dos 9 anos, numa casa alugada – antes morava em um bairro distante dali – , com a mãe, um irmão (só por parte de mãe), com 2 anos de idade e o padrasto – não conheceu o pai. A educação que recebeu do padrasto foi bastante rígida, não podia ficar por muito tempo na rua, deixar de fazer as tarefas escolares etc. Nunca deu trabalho na escola com medo de que o padrasto fosse convocado. Embora fosse a mãe que o ajudasse nas tarefas escolares e freqüentasse as reuniões bimestrais durante o ensino fundamental, era o padrasto quem o cobrava e o aconselhava. Dizia-lhe que era necessário estudar para “crescer”, para não passar mais pelas dificuldades financeiras que haviam passado. Durante o ensino médio, já não pedia mais ajuda para a mãe, embora essa continuasse a freqüentar as reuniões. An apresentava um discurso duro em relação à disciplina e à ordem, chegava a dizer que

gostaria que tudo fosse como na época da ditadura militar. Discurso reproduzido do

padrasto, confessa An, que lhe dizia: “(...) se o Brasil estivesse sob uma ditadura militar seria melhor, não teria os desvios que está tendo agora”. Aplica para si a rigidez e acaba vivendo um dilema entre ser disciplinado e ter a obrigação de aprender com a indisciplina e a dispersão: “Muitas das vezes eu quero aprender, mas alguma coisa dentro mim faz com que eu não preste atenção, e vou brincar e influenciar outros amigos a não prestar atenção (...)”. Ele concebia o ensino médio como importante por ser um trunfo a mais para conseguir um bom trabalho – que lhe permitisse realizar os sonhos de consumo (carro, hobby e lazer) – mas acreditava que era necessário também ter um bom comportamento (não ter vícios), realizar alguns cursos paralelos ao ensino médio (datilografia e digitação) e ter uma boa indicação dentro da empresa em que fosse pleitear o emprego. Mas não era só essa utilidade que An via na escola. Acreditava, ainda, que pudesse lhe trazer disciplina, conhecimentos para usar na educação dos futuros filhos, informações mais claras que a dos telejornais. Enfim, o ajudaria a ser no futuro um bom pai, um bom profissional e um adulto responsável. Por enquanto, tentava obter informações que pudesse utilizar nas conversas cotidianas no trabalho, pois os colegas da empresa eram bem mais velhos e com grau de escolaridade superior (na ocasião da primeira entrevista).

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Chamou nossa atenção para o fato de que na escola também se aprendem coisas ruins como fumar, beber, falar palavrões, ser mal educado com os professores etc. An afirmou que o motivo que o levava todos os dias para a escola não era os amigos, embora os tivesse, e sim a obrigação de aprender, apesar de muitas vezes o cansaço tirar a atenção das aulas, assim como o método cansativo de alguns professores. Fez críticas à escola “(...) hoje é mais presença, as matérias são mais fáceis e os alunos não se esforçam (...)”. Para reforçar a rigidez de An, observamos o discurso em relação ao voto: “Agora com 17 e 18 anos eu tenho que me interessar por política, eu gosto de política (...)”. Posiciona-se contrariamente ao voto aos 16 anos, alegando que o eleitor poderia fazer uma escolha errada. Por esse motivo afirmou não ter tirado o título de eleitor. E, também podemos observar que, apesar de achar o hábito de leitura “super legal”, não lia nem mesmo o mural da escola, porque não tinha “entusiasmo”, embora soubesse que continha “coisas construtivas”. Afirmou que o fato de não ler pode ser considerado uma falha na educação. Estudava para as provas e realizava os exercícios de fixação dos conteúdos (menos de Inglês), sentia-se “valorizado” com as notas positivas, orgulhoso por estar cursando o ensino médio – e mais ainda quando o concluiu – pois, assim como a mãe e o padrasto, tinha alguns parentes que não conseguiram chegar nesse grau de ensino. An vivia uma experiência nova: conciliar a escola e o trabalho, driblar o cansaço físico e continuar sendo um bom aluno. Fazia apenas três meses que havia adentrado o mercado de trabalho (com ajuda de um amigo), na função de auxiliar de escritório. Como recompensa tinha a certeza de que os projetos estavam mais próximos de serem realizados: a compra de um carro e dinheiro para o lazer e futuros hobbies. Não era necessário contribuir financeiramente nas despesas domésticas, o pai trabalhava como garçom, tornando-se mais tarde, funcionário de uma empresa de prestação de serviços e a mãe, como cozinheira em restaurantes, conseguiam manter a casa. Quanto aos estudos, depois do ensino médio pretendia fazer cursos técnicos na área de elétrico-eletrônica para ter uma noção do curso universitário que faria. Dois anos após a primeira entrevista, havia terminado o ensino médio sem problemas, comprou o tão sonhado carro (Voyage 84) e passou a ter dinheiro para o lazer (bares). Mas, passado um ano do término do ensino médio, não havia se matriculado no ensino técnico. Afirmava ser um projeto que ainda colocaria em prática – faria um curso na área elétricoeletrônica ou de informática, pois tinha um colega de trabalho (da primeira empresa) que cursava informática, “ele era uma fera em computador”, que o levou a pensar nisso – embora tivesse desistido da idéia de fazer um curso universitário porque os cursos são caros e,

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principalmente, longos, ao contrário dos cursos técnicos. Além do mais, julgava ser necessário fazer um curso pré-vestibular, pois apesar de ser um bom aluno: “tem coisas que o professor não ensinou direito”, coisas que foram ensinadas quando estava ausente, ou seja, era “preciso se preparar mais” e, para isso, era necessário dinheiro e paciência, os quais não possuía . Ao mesmo tempo, observa que o fato de achar necessário fazer um curso prévestibular para entrar na faculdade não tira o mérito da escola pública e não se sente inferior diante daqueles que estudaram em escolas privadas. Havia mudado de trabalho, pois fora despedido do anterior porque a empresa estava reduzindo o quadro de funcionários. Passou a trabalhar numa empresa que prestava serviço para a Eletropaulo, fazendo entregas de contas de luz e leituras de relógios da empresa nos domicílios. O trabalho foi conseguido pelo padrasto, que era “encarregado” na empresa. O segundo trabalho exercido por An parece não incentivá-lo na continuação dos estudos (curso universitário), pois trabalha a maior parte do tempo sozinho na rua, ao contrário do trabalho anterior em que convivia com pessoas mais velhas e com escolaridade superior à sua e esforçava-se, portanto, para aprender mais na escola porque acreditava que assim poderia manter uma relação menos desigual. Naquela época, projetava continuar os estudos somando-os com a disciplina porque acreditava que, assim, teria chances de galgar um patamar a mais na hierarquia da empresa. No novo trabalho, almejar um posto melhor seria sinônimo de tirar o emprego do padrasto – o qual, segundo An, não necessitou do ensino médio para estar no cargo: “bastou sua inteligência” – , mas estava protegido do desemprego. A ausência de um trabalho que exigisse maior grau de escolaridade e informação levava-o a uma inércia escolar: “(...) quem sabe mais pra frente, numa empresa, eles vão me pedir, „né‟? Aí eu começo a fazer outra coisa (...)”. As amizades também influenciaram neste momento de sua vida. Desde que terminou o ensino médio e saiu do antigo trabalho só tem contatos com os colegas do bairro, os quais pararam de estudar no ensino fundamental, e a maioria está sem trabalho. Anteriormente tinha amizades com os colegas da escola e do trabalho, todos cursando o ensino médio, um curso técnico ou, ainda, um curso universitário. An, embora pareça interessado em desfrutar de férias das obrigações, projeta para o futuro um novo trabalho, a volta à escola em curso técnico e a compra de um apartamento.

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Dv, 17 anos (na ocasião da primeira entrevista), osasquense, morador do bairro da V. Yolanda desde que nasceu, repetiu o primeiro ano do ensino fundamental; mãe paulista com o ensino fundamental completo e o pai paraibano com o ensino médio completo.

Dv aprendeu a sentir orgulho do pai desde cedo “(...) nunca precisei buscar ele (sic) no bar como muitos amigos meus (...)”. Ele nunca me envergonhou (...). Além disso, “(...) meu pai sempre foi competente, sempre deu tudo que nós precisávamos (...)”. Mas, para me igualar a ele (...) eu sabia que tinha que estudar e os professores também falavam (...)”.O pai, como poucos no bairro, tinha cursado até o ensino médio. Reforçando a idéia de que para ter um bom trabalho – que possibilitasse sustentar com qualidade uma futura família –, era necessário estudar, teve como experiência a primeira promoção no trabalho: “O primeiro emprego que consegui foi como amarrador de colunas, mas já entrei sabendo que meu grau de escolaridade era maior, e logo o dono já me deu um outro serviço, de cuidar do depósito. Percebi que os outros, que só tinham a 4ª série, tinham mais tempo de amarrador de colunas do que eu. Vi que o dono deu um grau de confiança para mim porque o meu grau de escolaridade era maior, porque ele achou que eu tinha competência, inteligência para mexer com dinheiro”. Dv aprendeu com essa experiência que os estudos seriam o melhor parceiro para a conquista de novas promoções: “Então isso sempre foi incentivo para mim (sic) estudar (...). Vi que se eu fosse entrar numa firma eu precisaria de mais.” A escola não era vista por Dv apenas como sinônimo de diploma. Acreditava que o ajudaria a expressar-se melhor, “ conversar de igual para igual com as pessoas que tinham um nível mais alto”, a ter uma visão crítica em relação aos acontecimentos do Brasil e do mundo e “entender melhor o que as pessoas dizem”, ou seja, esperava que a escola descortinasse o mundo e o preparasse para enfrentá-lo. Além disso, Dv atribuía à escola o hábito de ler o jornal que o pai assinava e o fato de ter ido pela primeira vez ao teatro e de ter lido o primeiro livro. Essa formação era importante, segundo Dv, para que tivesse condições de decidir em que ramo de negócio iria investir no futuro, pois pensava em ter o próprio negócio. Não tirou o título aos 16 anos para votar nas eleições de 98, por pura distração “(...) quando fui tirar já tinha passado [o prazo], mas eu queria ter votado (...) [pois], procurei analisar a política, o mundo em geral para saber o que acontecia, a partir da influência dos professores (...)”

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Dv não tinha o hábito de ler o mural da escola, argumentava que preferia ler o jornal em casa, pois o pai assinava o mesmo jornal que era exposto no mural, e assim teria mais tempo para conversar com os amigos e distrair-se. Confessou-nos que a certeza de encontrar os amigos na escola era um grande incentivo para não faltar: “(...) O principal lugar para encontrar os amigos é na escola. Eu encontro os amigo no final de semana, eles vão estar comentando o que aconteceu na escola, se eu não estiver sabendo, vou ficar destacado, não vou ter como se (sic) comunicar com eles.” Dv não tinha problemas com os conteúdos escolares, suas notas foram sempre positivas, para isso estudava para as provas, participava das aulas e realizava os exercícios de fixação propostos. Tudo isso pode ter sido facilitado pelo exemplo que o pai representava, por possuir o ensino médio, assinar e ler diariamente um jornal da grande imprensa, proporcionando ao filho a mesma leitura. Além disso, Dv tinha o exemplo de um primo que parou de estudar no ensino fundamental, o que considera negativo: “Eu sinto arrependimento por ele, se estivesse estudando, ele teria condições de fazer um projeto [negócio] melhor.43 Fico me espelhando nele para mim (sic) não parar”. Durante o ensino médio, a mãe continuou freqüentando as reuniões escolares, mas já não o ajudava mais nas lições, como fazia no ensino fundamental, agora Dv compartilhava as dúvidas com os colegas de classe.. Em geral, gostava da escola, embora tivesse algumas críticas. A mais contundente é referente ao “(...) fato das (sic) pessoas saberem que todo mundo vai passar (...), eu acredito que é por isso que elas não se interessam (...), eu acho que deveria haver mais cobrança (...). Exigir que as pessoas estudem (...)”. Em suma, Dv tinha um “espelho” que havia freqüentado a escola, um projeto para o futuro que o ligava à escola, um ambiente familiar que facilitava o trato com a cultura escolar. Sem contar o fato de que as experiências na escola eram todas positivas, levantando-lhe a auto-estima. Dv entrou no mercado de trabalho aos 16 anos de idade porque queria comprar um carro. Com o salário, ajudava em casa e o resto guardava para comprar o automóvel, utilizando o mínimo para o lazer (dançar) e o vestuário. A família de Dv é composta de mais dois irmãos mais novos, portanto, foi o primeiro a concluir o ensino médio, sendo motivo de comemoração e orgulho para os pais. Moram em casa própria, que foi construída aos poucos, no bairro da V. Yolanda.

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O primo tem seu próprio negócio, como almeja Dv.

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Na ocasião da segunda entrevista, Dv estava em um novo trabalho – numa empresa de grande porte – pela primeira vez tinha registro em carteira de trabalho e estava ganhando melhor, o que lhe proporcionava aumentar a ajuda financeira à família. Apenas há alguns meses na empresa já havia sido promovido, acreditava que isso se deveu à dedicação ao trabalho, à

responsabilidade e à vontade de aprender cada vez mais. Almejava outras

promoções, mas, para isso, dizia ser necessário realizar um curso universitário na área de Administração de Empresa. Alegava que não havia começado, ainda,

porque precisara

dedicar-se ao aprendizado da nova função, ficando, por exemplo, além do horário do expediente. Mas estava disposto a prestar vestibular no ano de 2001, já havia começado a pesquisar os preços das faculdades. Teria ajuda da empresa, que custeia 50% da mensalidade para funcionários. Não pretendia fazer curso pré-vestibular, pois acreditava ter uma formação razoável, porque havia se dedicado bastante aos estudos. Quando indagado sobre a bagunça e as drogas que muitos alunos afirmaram ser um problema do Fanny, alegava que eram problemas da maioria das escolas e dizia: “(...) quem faz a escola é o aluno. (...) “As pessoas quando não têm vontade de estudar sempre arrumam uma desculpa”. Dos vários amigos que Dv fez no Fanny, alguns prestaram vestibular, embora nenhum tenha passado. A maioria estava trabalhando, costumava encontrá-los nos finais de semana para irem a bares e uma vez por mês saía com a família para sítios ou praias. Com o trabalho garantido e investindo para seguir carreira dentro da empresa, Dv projetava a compra de um novo carro – porque o adquirido não era o desejado – e uma casa para casar e constituir família. O projeto de abrir o próprio negócio – externado na primeira entrevista – ficou relegado para segundo plano, bem mais para o futuro.

Fv, 18 anos (na ocasião da primeira entrevista), repetiu 2 anos no ensino médio, nunca desistiu, moradora do bairro da V. Yolanda desde que nasceu, pai paranaense com o ensino fundamental completo, mãe osasquense com o ensino fundamental incompleto.

Fv morava num sobrado construído no quintal dos avós maternos, com os pais e dois irmãos mais novos – sendo que um é um ano mais novo e parou os estudos na 6ª série do

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ensino fundamental e a outra, 16 anos mais nova. O pai trabalhava em uma gráfica e a mãe cuidava da casa. A grande preocupação era conseguir um trabalho fixo para conquistar definitivamente a

independência financeira, pois desde 1995 procurava emprego, conseguindo somente

trabalhos temporários, o que a levava a ficar alguns períodos desempregada, dependendo dos pais para as despesas pessoais. Mas afirmou que quando conseguia trabalho, não deixava de colaborar com as despesas domésticas; a ajuda financeira não era imprescindível, mas ajudava a melhorar a qualidade de vida da família. A busca por emprego proporcionou-lhe o conhecimento da dinâmica do processo seletivo numa empresa. Baseada nessa experiência, afirmava que para conseguir uma colocação no mercado de trabalho era necessário o diploma do ensino médio, conhecimentos escolares para passar nos testes, além de ser necessário ter boa expressão: “(...) eu tinha que entrar em contato com os clientes, eu tinha que falar bem, principalmente o português.” Por estas razões, considerava imprescindível a conclusão do ensino médio e pretendia, no futuro próximo, seguindo suas ambições profissionais, tornar-se secretária executiva, fazendo um curso de secretariado em nível superior, para o qual teria ajuda financeira do pai. Mas não era só no campo profissional que via a utilidade no ensino médio. Acreditava também no poder de ensinar o “certo e o errado”, em proporcionar confiança em si mesmo e formar opinião. Além do mais, nos confessou que o fato estar cursando o ensino médio era motivo de orgulho, pois o irmão, os pais e uma das tias haviam parado os estudos no ensino fundamental. Seria, então, a primeira da família nuclear a concluir esse nível de ensino. Afirmou, ainda, que, durante o ensino médio, adquiriu o hábito de ler livros de literatura nas aulas de Língua Portuguesa, além de sair com amigos da escola nos finais de semana, pois a escola foi citada também como espaço para fazer amizades e encontrar amigos. Em geral, Fv gostava da escola, embora apontasse algumas falhas, como, por exemplo, a falta de professores de algumas disciplinas e o uso de drogas dentro da escola. Mas, não acreditava que esses fatores prejudicassem em sua formação escolar. Em relação às estratégias para obter notas, realizava os exercícios de fixação que sabia, o que não sabia pedia ajuda aos professores, nunca discutia com eles – mesmo quando acreditava que estavam errados – , mantinha o caderno organizado, estudava para as provas e controlava os pontos que faltavam em cada disciplina para ser promovida. Quando tirava notas negativas “eu ficava me achando burra”, mas, quando tirava notas positivas, se “sentia inteligente”.

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Quanto ao mural da escola, afirmou que o lia somente fora da época de provas, porque na época das avaliações todo o tempo era reservado para estudar e conversar com os amigos. O pai tinha o hábito de comprar um dos jornais da grande imprensa aos domingos, mas Fv não o lia, alegava que não tinha tempo, uma vez que era o dia da faxina doméstica. Durante o ensino médio, as reuniões bimestrais eram freqüentadas pelo pai, as dúvidas dos conteúdos programáticos eram dissipadas com os colegas e professores. Nos primeiros anos do ensino fundamental era o pai que lhe tirava as dúvidas, mas no decorrer dos anos as tias maternas – com as quais mantinha muito contato (moravam no mesmo quintal) e, com exceção de uma, todas haviam concluído o ensino médio – , passaram a auxiliá-la; e a mãe, a freqüentar as reuniões bimestrais. Foi uma boa aluna durante o ensino fundamental, sempre assessorada pela família. Porém, no primeiro ano do ensino médio, repetiu por duas vezes, pois começou a “cabular” aulas e ter muitas notas vermelhas. Estava pela primeira vez estudando no período noturno, mundo novo, liberdade. Contou-nos que até então havia sido criada “muito presa”, por isso aproveitava o período de aula para ir aos bares com os amigos e com o namorado que conheceu na escola. Isso a levou a ser reprovada duas vezes no primeiro ano do ensino médio. Sendo que, durante o segundo ano em que foi reprovada, estava bastante deprimida porque havia terminado o namoro e por isso não via razão para estudar, estava “desanimada”, optava por “cabular” as aulas e ir para a casa de amigas, mesmo com as idas freqüentes do pai à escola. Reprovada pela segunda vez consecutiva, tendo magoado os pais durante dois anos – em que mudou totalmente o comportamento, tornando-se agressiva com os familiares, levando o namorado para morar na casa do pais e descuidando totalmente da vida escolar – resolveu retornar aos estudos com seriedade. Relatou que os conselhos dados pelos professores ajudaram-na a tomar a decisão e colocar como meta estudar para “vencer na vida”. Mirando-se em uma das tias maternas – que, após ter se divorciado, conseguiu um trabalho, comprou carro, apartamento e entrou na faculdade, em vez de retornar para a casa dos pais – retomou os estudos com dedicação, tornando-se uma boa aluna, como fora no ensino fundamental. Na ocasião da segunda entrevista, Fv havia terminado o ensino médio sem grandes problemas e já estava há um ano em um trabalho fixo, era recepcionista em uma loja de eletrodomésticos. Pensava em prestar vestibular no meio do ano, queria fazer um curso de economia e não mais de secretariado, pois, segundo ela, economia era mais barato. Pretendia fazer um curso pré-vestibular, porque acreditava que não possuía boa formação. Embora

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afirmasse que

havia aprendido a respeitar a escola pública quando ainda no ensino

fundamental, indagou ao pai o porquê de alguns colegas estudarem em escolas privadas, e esse teria respondido que os pais daqueles gozavam de condições financeiras para tal, mas que o governo dava chances, através da escola pública, para aqueles quem não as possuíam . A partir desta resposta, Fv disse ter se conscientizado de que ao menos havia chances de estudar, não precisando parar no ensino fundamental como os pais. Fv fez várias amizades no Fanny, mas, após a conclusão do ensino médio, perdeu o contato com os colegas, restringindo os contatos e o lazer aos familiares (tias, pais, avós e outros) e a um professor do Fanny que se tornou seu amigo.

ANÁLISE Nessa nossa amostra, um tanto heterogênea, podemos notar, em relação à estrutura financeira familiar, que apenas a família de An paga aluguel; as demais instalaram-se de formas diferentes: a família de Fv construiu uma casa no terreno de seus avós maternos, a família de Db mora no mesmo quintal da mãe do padrasto e as famílias de Dc e Dv moram em casa própria; todos residem no bairro da Vila Yolanda. As famílias são constituídas de pai (ou padrasto), mãe e filhos, sendo que, no caso de An, Dv e Fv , eles são os mais velhos entre os irmãos. No caso de Db, embora seja a segunda filha, desde cedo lhe foi atribuída responsabilidade de irmã mais velha. Esses quatro, portanto, desde que começaram a trabalhar ajudaram financeiramente suas famílias e, apesar de suas contribuições não serem imprescindíveis, contribuíam para melhorar a qualidade de vida (comia-se melhor, podia-se comprar um objeto novo para casa etc.). Dc só passou a contribuir financeiramente com a família após dois anos de trabalho. Pode-se concluir que essas famílias estão razoavelmente instaladas e o salário dos responsáveis consegue prover a família do básico. Seus filhos, porém, que almejavam além do básico, como por exemplo: roupas de grife e dinheiro para o lazer e carros, ingressaram no mercado de trabalho porque só assim poderiam concretizar seus sonhos de consumo. Além disso, outros, como Dv e Dc, estavam preocupados também em uma carreira profissional e acreditavam que o melhor meio era entrando no mercado de trabalho o mais cedo possível. Todos os cinco ingressaram no mercado de trabalho apenas após a conclusão do ensino médio. Isso mostra o quanto a contribuição financeira dos filhos não era urgente e

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aponta, ainda, para a existência de um pacto implícito entre filhos e responsáveis: O mundo do trabalho só seria conhecido após o ensino fundamental; antes era necessário preparar-se o mínimo possível porque, do contrário, seria difícil conseguir um trabalho devido às exigências cada vez maiores do mercado. Entretanto, mais que isso, parece haver por parte dos responsáveis um sentimento de obrigação de dar aos filhos o que consideram o mínimo, o ensino fundamental.44 O que seria, em geral, tanto quanto ou mais do que os pais conseguiram realizar, já o ensino médio fica a cargo dos filhos, sob sua responsabilidade, teriam que “andar com as próprias pernas”. Percebe-se um distanciamento dos pais em relação à escolaridade dos filhos após o ensino fundamental – deixam de cobrar as tarefas diariamente, de ajudá-los com as lições –, embora continuem acompanhando-os e, acima de tudo, esperando bons resultados. Embora os pais ou responsáveis desses jovens não tenham ultrapassado o ensino fundamental – muitos não chegaram nem a concluí-lo_, com exceção dos pais de Dv, nossos entrevistados concluíram esse nível de ensino sem apresentarem grandes problemas. An e Dv reprovaram o primeiro ano, mas superaram tal reprovação e tornaram-se “bons alunos”. Cada um, em particular, viveu um conjunto de fatores que os levou ao sucesso durante o ensino fundamental. Destacaremos aqui aqueles fatores que conseguimos detectar dentro dos limites de nossa pesquisa45, e que julgamos de grande relevância. O fato de An ter recebido de seu padrasto uma educação rígida no que tange à disciplina (aprendendo a obedecer e a cumprir as tarefas) e a necessidade de estudar para que no futuro não passasse pelas mesmas dificuldades financeiras que a família havia passado durante a sua infância parece ter facilitado seu sucesso escolar. Podemos perceber, pelas suas afirmações, que tudo soa como obrigação: obrigação de gostar de ler, de gostar de política, de prestar atenção nas aulas; enfim, obrigação de ter sucesso na escola e de valorizar a cultura escolar. Tudo isso, no nosso entendimento, é fruto da educação disciplinadora do padrasto. Além do mais, via o padrasto, figura respeitada e admirada, ler esporadicamente os jornais da grande imprensa, o que pode ter fortalecido a valorização da cultura escolar. Dv aprendeu desde cedo que para ser igual ao pai, do qual se orgulhava muito por não deixar faltar nada em casa, não ser alcoólatra – como muitos pais de seus colegas do bairro – , precisava estudar como ele, que havia concluído o ensino médio, pois só assim conseguiria um bom emprego e seria um bom pai mais tarde, a exemplo de seu próprio pai.

44

Dv

Zago em sua pesquisa tal também chega a essa conclusão: “(...) Toda escolarização posterior ao ensino médio é considerada responsabilidade dos próprios filhos” . (2000:26) 45 Nosso objetivo era focar o ensino médio, portanto nosso alcance no ensino fundamental ficou bastante reduzido.

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presenciava, ainda, o pai ler diariamente um jornal de expressão nacional, do qual possuía uma assinatura, mostrando-lhe, indiretamente, a importância da cultura formal. Fv, além de estar em permanente contato com as tias maternas, que estudavam – apenas uma delas não chegou a concluir o ensino médio – adorava o pai, que ela considerava muito inteligente; havia concluído o ensino fundamental e era bastante presente e atencioso para com ela. Durante os primeiros quatro anos do ensino fundamental, ele se encarregou de ajudá-la nas tarefas escolares, passando mais tarde essa tarefa para as tias, embora tenha continuado a acompanhar sua vida escolar, sempre perguntando se tudo estava indo bem na escola. Tudo isso, somado ao fato de o pai, admirado, ter o hábito de ler aos domingos um jornal da grande imprensa, leva Fv a valorizar a cultura escolar. Dc, além de viver rodeado de irmãos que estudavam – todos concluíram o ensino médio –, viveu desde o seu nascimento um clima familiar em que a cultura escolar era valorizada, pois seu pai era pastor evangélico (estudava a Bíblia) e toda a família envolvia-se com a igreja, seja na escola dominical, no grupo de jovens da igreja ou na banda de música. Sempre moraram ao lado da igreja, facilitando, assim, essa convivência. Além disso, a mãe, que é quituteira, tem o hábito de ler livros e revistas de receita. Embora o pai de Dc não interviesse diretamente em suas tarefas escolares, esperava e cobrava sucesso, um bom desempenho escolar. Por último, temos Db, criada pela avó e pela mãe analfabeta, sendo- lhe atribuídas dentro do seio familiar funções que exigiam a cultura escolar (fazer e pagar contas, ler e escrever correspondências, fazer compras etc.) e responsabilidades (cuidar da casa, dos irmãos mais novos etc. ). Acreditamos que esses dois fatores, reforçados pelo clima vivido mais tarde na igreja evangélica (ler a Bíblia, interpretar e, a partir da 8ª série atuar como monitora da escola dominical) tenham contribuído de forma positiva para seu sucesso no ensino fundamental. Quanto ao ensino médio, percebe-se que o sucesso acontece quando os educandos têm um projeto para o futuro próximo, intrinsecamente ligado à escola e quando, paralelamente vivenciam a valorização desta, como é o caso de Dv que, tendo um projeto de conseguir um bom emprego ( com salário mais alto do que o de então , registrado em carteira de trabalho, com direitos trabalhistas, numa empresa de grande porte ) no futuro próximo –, acreditava que isso se daria através do grau de escolaridade – e, ao mesmo tempo, vivia num ambiente de trabalho em que foi promovido porque era o empregado com maior nível de escolaridade. Para ele, trabalho e escola eram duas coisas inseparáveis e ter “um bom emprego” era a garantia de poder realizar seu sonho de consumo (carro), tendo, mais tarde, condições de

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sustentar uma família como seu pai; de An, que também tinha a escola como trunfo para manter-se e crescer no trabalho, e, através deste, conseguir realizar seus sonhos de consumo ( carro, hobbies e lazer) , além de, no futuro distante, sustentar a sua própria família. Acresça-se a isso o fato de que ele convivia em seu trabalho com colegas mais velhos, com nível de escolaridade superior ao seu, ocupando cargos mais elevados na hierarquia da empresa, o que o levava a valorizar a cultura escolar ainda mais, interessando-se por ela; finalizando, temos o exemplo de Dc, que via a escola ligada ao seu projeto profissional: era preciso fazer o ensino médio para ingressar no curso de pedagogia, o qual lhe auxiliaria em seu projeto de tornar-se produtor e vendedor de toda a linha de brinquedos para playground. Esse curso daria confiabilidade para seus produtos – uma vez que negociaria com donos de pré-escolas, além de lhe dar chance de mudar de profissão, caso esse projeto não desse certo. Ao mesmo tempo, vivia na igreja, com os amigos, e em casa, com os pais e os irmãos, um clima de valorização da cultura escolar, ainda que não fosse externada. Esses argumentos fortalecem-se, em nosso entendimento, quando olhamos para as histórias totalmente diferentes de Db e Fv. Ambas tiveram sucesso no ensino fundamental, que fizeram sem problemas, mas, ao ingressarem no primeiro ano do ensino médio, não tinham projetos ligados à escola, ao contrário, estavam vivenciando momentos em suas vidas em que a escola não tinha sentido. Db estava trabalhando como babá, não precisava para essa ocupação mais do que o ensino fundamental, aliás, esse grau ensino na sua família já era uma grande vitória (avó e a mãe eram analfabetas e seu irmão mais velho havia parado os estudos antes de concluir o ensino fundamental), em seu trabalho nada a estimulava a continuar os estudos. Trabalhara estimulava-a, era algo novo ter seu próprio dinheiro. Fv, ao ingressar no ensino médio, passa a namorar, a sair com colegas para bares, em vez de entrar nas aulas, sente-se com liberdade, pois até então o pai havia proibido as saídas noturnas com colegas, mas agora, trabalhando, tendo seu próprio dinheiro, estudando durante o período noturno, não tinha como seu pai controlar, portanto, a escola fica em segundo plano, o projeto é divertir-se, não há outro. Elas só voltam a se interessar pela escola após passarem por experiências negativas em busca de trabalho formal (carteira assinada, direitos trabalhistas etc.) e percebem que, para adentrarem nesse mercado, seria necessário no mínimo a conclusão do ensino médio, ou seja, quando firmam um projeto para um trabalho formal e o ligam à escola. E, no caso de Db, há ainda a experiência como monitora da escola dominical e a convivência na casa do pastor, que reforçam a valorização da cultura escolar, ajudando-a na decisão de voltar aos estudos.

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Esses cinco jovens esperavam da escola muito mais do que realizar seus projetos; esperavam que ela pudesse lhes colocar em contato com a cultura formal – elevando, assim, sua auto-estima –, esperavam, ainda, que a escola lhes ensinasse o caminho certo que deveriam seguir na vida, a formar opinião e a se expressarem melhor. Nesse grupo de alunos, tem-se a impressão de que as aulas e o contato com alguns professores os ajudaram a aumentar o vocabulário, a aprender a fazer interpretações, a formar opiniões, a obter informações político-sócio-econômicas do Brasil e do mundo, a valorizar a informação da grande imprensa, a literatura e, sobretudo, a cultura escolar, a ponto de esforçarem-se para enxergar utilidade nos conteúdos programáticos de todas as disciplinas. Sentem-se valorizados e respeitados devido aos seus contatos extra-classe com os professores, dos quais pegam livros emprestados, ouvem conselhos, discutem sobre política, colhem dicas sobre cursos superiores, vestibular, carros etc. Além do mais, todos são unânimes em conceber a escola como um espaço importante de sociabilidade em suas vidas. Carentes de lazer, pois o salário desses jovens é ínfimo e destina-se, principalmente, à compra do vestuário46; o bairro não oferece espaços públicos de lazer juvenil47, daí encontrarem na escola um lugar de descontração, encontros, desencontros, flertes, namoros: um espaço de experiências juvenis, que inclui a observação da venda e do uso de drogas no espaço escolar, enquanto escutam discursos de professores e diretores condenando essa prática. Junto a essas experiências, esses jovens apresentam em comum as notas; os cinco as mantêm positivas na sua maioria, para isso utilizam-se de várias estratégias, dentre elas: o estudo para as provas e a realização dos exercícios de fixação. Temem as notas negativas e a repetência, embora tenham informações de que não há mais reprovação na escola pública, mas não se arriscam. São acompanhados pelos pais, não mais como no ensino fundamental, pois esses não intervêm diretamente – como se esse nível de ensino fosse responsabilidade exclusiva do aluno – e esperam o sucesso escolar. Talvez isso aconteça porque os pais sintam que não podem contribuir, uma vez que a maioria cursou apenas até o ensino fundamental. Esses alunos parecem tomar para si essa responsabilidade, pois, mesmo enxergando várias falhas na escola, esforçam-se para terem um bom desempenho e acreditam, no final do processo, terem tido uma formação razoável, graças aos seus esforços individuais, chegando a

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Esses dados podem ser confirmados não só nas entrevistas dos 5 alunos como também na pesquisa quantitativa realizada com as três classes, além da pesquisa de Mendes ( 1991). 47 Essa afirmação pode ser constatada no texto em que situamos o bairro.

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ponto de alguns considerarem dispensável realizar um curso pré-vestibular para pleitear um curso universitário. Eles terminaram sem interrupção o ensino médio e um ano após o término desse nenhum havia iniciado o ensino superior, embora o almejassem. Três deles ( Dc , Dv e Fv ) afirmaram estar providenciando (pesquisando preços, faculdades etc.) para, em breve, cursar o ensino superior. Dv estava trabalhando numa grande empresa e, para ter chances de subir na hierarquia, precisava do terceiro grau. Dc, que está colocando em prática seu projeto de montagem e venda de brinquedos, quer realizar o quanto antes a outra parte do seu projeto, que é cursar pedagogia. Fv, que atualmente havia conseguido seu primeiro emprego formal (registrado em carteira, com direitos trabalhistas etc.), quer iniciar o ensino superior para se fixar nesse mercado com uma profissão definida, pois imagina que dessa forma terá mais chances. An está trabalhando numa empresa que não lhe exige grandes conhecimentos e, tendo estabilidade no emprego, uma vez que seu “encarregado” é o próprio padrasto, projeta

fazer um curso técnico por ser mais barato e

mais curto, embora pareça estar desanimado para voltar aos bancos escolares. Por último, temos Db, que, embora fale em fazer um curso superior, parece ser um projeto para um futuro distante, pois ela fala desse projeto sem muito ânimo, pois o que de fato gostaria de fazer era artes plásticas, porém, desmotivada pelos professores, planeja substituí-lo por um curso de contabilidade; além disso, está desempregada, não tendo dinheiro nem mesmo para prestar vestibular, e, ainda, está grávida de seu ex- namorado. Ou seja, Db não tem incentivo nem condições financeiras para realizar um curso de terceiro grau e precisará concentrar seus esforços para cuidar de seu futuro filho. Terá que enfrentar o mercado de trabalho com sua experiência de babá e seu curso de cabeleireira. Ao término do ensino médio, esses jovens conservaram apenas algumas amizades construídas na escola e afirmam terem restringido o lazer. Nossos entrevistados parecem ter construído uma experiência positiva na escola. Eles apresentam disposição para o aprendizado escolar, valorizam a cultura formal, sentem-se valorizados por freqüentar a escola, pretendem continuar os estudos, os quais estão ligados aos seus projetos profissionais. O ensino médio reforça a valorização da cultura formal, além de instrumentá-los com essa cultura e lhes proporcionar um espaço importante de sociabilidade, que, no entanto, é perdido ao término do curso.

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b - Os menos freqüentes em sala de aula Entrevistas Ld 17 anos (na ocasião da primeira entrevista), reprovado na 2ª série do ensino fundamental, osasquense, morou na V.Yolanda durante 12 anos, pai (paranaense) com ensino médio completo e mãe (paulista) com ensino médio incompleto.

Ld, aluno bastante inquieto em sala de aula, tido pelos colegas como bagunceiro, “(...) está sempre agitado e agitando a classe”48, era apontado também como faltoso, mas ele se defende dizendo que as faltas se deviam ao seu antigo horário de trabalho, que fazia com que ele se atrasasse e, muitas vezes, faltasse, além das constantes dores de cabeça que o obrigavam a pedir para ser dispensado mais cedo da escola. Disse que nunca pediu para ser dispensado para ficar no portão da escola ou “cabulando”. Segundo ele, não ir à escola era sinônimo de dormir cedo, o que não lhe agradava porque, assim, deixaria de se distrair, de ver os amigos, com os quais mantinha contato até nos finais de semana. Afirmou que sentia saudades dos colegas, dos professores e até mesmo da diretora nos períodos de férias escolares. Apesar de suas faltas, não tinha problemas com notas, fazia os exercícios de fixação durante o trabalho ou em sala de aula e estudava para as provas, suas dúvidas eram sanadas entre os amigos. “Puxar saco” dos professores, para obter nota, não era sua política. Freqüentava as próprias reuniões bimestrais. Concluiu o ensino médio sem problemas de recuperação ou repetência, como uma etapa que precisava ser cumprida, afinal de contas esse grau de ensino não era novidade em sua família: o pai havia concluído e a mãe parara no meio. Considera que foi um aluno razoável no ensino médio, tirando a indisciplina, ao contrário do bom desempenho no ensino fundamental, quando foi acompanhado de perto pela 48

Expressão usada por uma de suas colegas de classe.

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mãe, apesar de ter sido reprovado na segunda série. Responsabiliza a greve dos professores, ocorrida, segundo ele, naquele ano, pela sua reprovação. A escola era considerada por Ld como algo positivo, que facilitaria conseguir um bom emprego, que afastaria de si a qualidade de vagabundo (caso estivesse desempregado), que possibilitaria um determinado conhecimento para auxiliar seus futuros filhos e que “(...) ensina as coisas certas, o caminho certo (...), a escola influencia a não entrar nas drogas”. Na ocasião do nosso primeiro encontro, ele esperava que a escola pudesse auxiliar em seu projeto para o futuro próximo, facilitando o aprendizado no curso técnico em eletrônica – que pretendia realizar após o término do ensino médio – e ajudá-lo em futuros testes nas empresas de grande porte, pois pretendia trabalhar numa grande companhia na área de eletrônica. Mas, ao mesmo tempo, avaliava que, na escola em que estudava, “(...) não se aprende muita coisa (...) fica repetindo coisas do primeiro ano (...)”, afirmava que a escola era fraca e incapaz de ajudar todos os alunos a ficarem longe das drogas. Essa contradição entre a idéia da escola e a realidade vivida não parecia incomodá-lo muito, não era um problema, pois a escola lhe proporcionava ver os amigos, não lhe causava transtornos, e, além do mais, afirmava que os professores traziam para a sala as informações do cotidiano político e econômico do país, embora não tivesse o hábito de ler o mural da escola. Já nas férias, caso desejasse obter esse tipo de informação, teria que recorrer aos telejornais. O título de eleitor só tirou aos 18 anos; afirma não ver razão para votar, fazendo-o, apenas, por obrigação. Quando indagado sobre a qualidade da escola pública, fez questão de dizer que tinha amigos em escola privada e não os considerava melhores por esse motivo. Ld, no período do ensino médio, esteve cercado por amigos da escola, do bairro e da Praia Grande, onde costumava passar suas férias, amigos que cursavam o mesmo grau de ensino, e outros que já haviam parado até mesmo no ensino fundamental. Esses colegas, apesar de serem seus acompanhantes nos momentos de lazer: andar de moto, conversar, jogar bola na praia e “andar de sonrisal” (espécie de prancha para surfar), não parecem ter nenhum tipo de responsabilidade pelo caminho seguido por ele, pois, assim como planejou, Ld cursou o ensino técnico em eletrônica após o ensino médio e conseguiu um trabalho numa empresa de grande porte, da mesma forma que fizeram os três tios maternos, – com os quais conviveu durante a infância e a adolescência –, a diferença é que os tios conseguiram trabalho nas

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grandes empresas existentes, na época, em Osasco, enquanto que Ld foi obrigado a trabalhar na cidade vizinha (Barueri). Da mesma forma seguiu sua irmã um ano mais nova: concluiu o ensino médio e, após, fez um curso técnico em processamentos de dados. Mas Ld não se adaptou ao trabalho, não gostou da área de eletrônica. Desde os dez anos trabalhava com entrega de mercadorias, no começo para acompanhar o pai e, depois, para ter seu próprio dinheiro e ajudar em casa: “(...) a gente via que faltavam as coisas em casa (...)”. Então, resolveu tentar outro ramo de trabalho, mais uma vez seguindo o exemplo empreendedor que a família lhe transmitira: o pai, que de motorista de caminhão passara a corretor de imóveis e, na ocasião da segunda entrevista, havia comprado terras destinadas ao plantio no Estado da Bahia, com financiamento do governo daquele Estado; o avô que, de operário numa companhia de grande porte da cidade (Santista), passou para o ramo de microônibus e, desse, para o de imóveis e, por fim, um dos tios maternos mais admirados por Ld por considerá-lo inteligente e sem

medo de tomar decisões, pois uma vez, perdendo o

trabalho em Osascoi, resolveu montar o próprio negócio, na área de eletrônica, no estado do Paraná (Curitiba). Ajudado por uma amiga da família, Ld torna-se cantineiro em uma escola técnica mantida pelo SESI (Serviço Social da Industria), chegando até a fazer um curso rápido de contabilidade para saber gerir o capital do novo negócio, que já necessitava da ajuda da mãe e de um funcionário. Na ocasião da segunda entrevista, Ld disse sentir-se praticamente realizado: já havia montado seu próprio negócio, possuía seu carro e uma casa, localizada em um bairro vizinho ao da V. Yolanda, na qual morava desde os dezesseis anos – doada em cartório por um dos tios maternos. Afirmou, no entanto, que a

realização será completa quando conseguir

comprar uma outra casa, porque a atual era pequena e ficava no quintal dos avós, com os quais sempre teve uma relação bastante estreita. Tanto é que, naquele momento, o avô passava por problemas de saúde e era Ld quem o acompanhava ao médico e à fisioterapia. Pelo que pudemos observar, não estava nos projetos de Ld realizar um curso de terceiro grau. É possível inferir que ele não via sentido na realização de tal curso, pois já conseguiu o que almejava: trabalho e alguns bens materiais (casa e carro). E a lição que sempre aprendeu com a família foi que a profissão e o trabalho são frutos do ensino técnico.

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Ax. 18 anos, (na ocasião da primeira entrevista), reprovado na 5ª série do ensino fundamental, iniciado aos 8 anos, osasquense, morador desde seu nascimento em bairro vizinho ao da V. Yolanda, pais pernambucanos que fizeram até a 4ª série do antigo primário.

Ax era um aluno freqüente – embora ficasse mais no pátio e nos corredores do que em sala de aula – adorava ir à escola, porém não eram os conteúdos escolares que o atraíam, e sim a paquera, amigos e, sobretudo, a possibilidade de fugir da “chatice” de ficar em casa. Usar a escola principalmente como um espaço de sociabilidade não lhe trazia problemas no que tange à aprovação: “(...) têm professores que não vão e não dão aula, só tem um ou dois que pegam no pé, os outros não ligam (...) Sempre que tem trabalho as meninas fazem; as provas, de vez em quando a gente cola das meninas, na maioria das vezes eu colo.” Ax era atento ao jogo escolar, portanto só fazia os trabalhos e provas que contavam para as médias bimestrais; as notas negativas não apresentavam uma ameaça de retenção, pois afirmava que seria aprovado de uma maneira ou outra, só não abusava delas porque temia a recuperação de férias (janeiro),

o desconforto que poderia

lhe causar perante os colegas ( sentir-se

diminuído) e seu pai, pois não queria decepcioná-lo. Ao mesmo tempo em que ele nos passava a impressão de conviver bem no ambiente escolar, nos deixava claro que não possuía afinidade com algumas disciplinas: “A única matéria de que eu gosto é Matemática, porque é a única que só mexe com continhas, não mexe com nada de Português.” Tanto o espaço escolar como os funcionários eram bem quistos por Ax, que afirmava nunca não ter brigado na escola, pichado, quebrado carteiras ou coisa que o valha, usava o mural49 da escola para se informar sobre as notícias de esporte. A possível existência do uso de drogas dentro da escola não o atingia, pois afirmava não ver nada nem ter contato com alunos envolvidos, e que seu negócio era paquerar. A relação mantida com a escola no ensino médio foi a mesma do

ensino

fundamental, embora durante a 8ª série do ensino fundamental, o pai tenha acompanhado-o mais de perto, cobrando as tarefas escolares e indo às reuniões. Contudo, mesmo assim, Ax conseguia enganar o pai: não fazia as tarefas destinadas para casa; não estudava para as provas e, muitas vezes, “cabulava”, o que o levou, segundo ele, a ser reprovado na 5ª série do ensino fundamental. 49

A escola mantinha um mural informativo com notícias extraídas da grande impressa. Trabalho realizado pelos professores da área de língua portuguesa em conjunto com os alunos.

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Ax confessou-nos nunca ter gostado de estudar, não desistia porque sabia que iria decepcionar o pai., figura admirada e respeitada por ele , portanto a escola era uma obrigação que precisava ser cumprida. Da mesma forma, foi obrigado pelo pai a cursar o ensino técnico em eletrônica, no Senai, paralelamente ao ensino fundamental. O desprezo pelo estudo e a recusa de vê-lo como útil para um futuro profissional foram reforçados quando Ax resolveu inserir-se no mercado de trabalho formal, pois o pai não admitia que

trabalhasse sem antes terminar o ensino médio; protelando, assim, o

amadurecimento, o sentimento de responsabilidade pelo presente e pelo futuro: “Nunca pensei numa profissão. Foi meu pai que falou: - Você só vai trabalhar quando terminar os estudos. Então eu ainda tenho um ano de férias50para pensar em profissão (...) Se eu, quando quis trabalhar, meu pai deixasse, agora eu poderia estar com alguma coisa, pensando em alguma profissão. Mas eu não penso em nada(...) Nunca pensei se a escola pode me ajudar a escolher uma profissão (...). Eu vivia muito bem, sem ter aprendido o que eu aprendi. Eu acho que não aprendi nada, porque eu não me interesso por nada”. Logo em seguida, observou que, no futuro, poderá precisar da escola, que tinha consciência da concorrência no mercado de trabalho, mas que “(...) uma coisa é saber, outra é sentir.” Não vivia a necessidade de trabalhar para ajudar em casa, o pai – operário na empresa Sambra em São Paulo – com apenas o antigo primário, conseguia sustentar a família e ter a casa própria; os dois irmãos mais velhos, embora tivessem parado seus estudos durante o ensino fundamental – um deles voltando a estudar mais tarde no supletivo particular e concluindo o ensino médio – tinham conseguido, sem problemas, colocar-se no mercado de trabalho, apenas sua irmã dez anos mais velha seguiu o curso dos estudos até o ensino médio sem interrompê-lo, casando-se após concluí-lo e continuando a morar no mesmo quintal dos pais. Além dos irmãos, mantinha contato com primos e amigos do bairro, todos com a mesma idade e preocupações: jogos, paqueras, carros e boa aparência. Logo, a escola só foi apreendida como uma obrigação criada pelo pai, do qual ouvia discursos que a valorizavam, o que, para Ax, soava muito distante da realidade dele. Portanto, o que lhe interessava era trabalhar para não pedir dinheiro para o pai, por sentir-se constrangido, ainda mais depois que o pai aposentou-se,

50

quando percebe que a situação financeira da família fica delicada.

Ele se refere ao terceiro ano do ensino médio, prazo dado pelo pai, para que ele pudesse inserir-se no mercado de trabalho.

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Começa a procurar trabalhos temporários de reparos na rede elétrica, pois havia feito um curso de eletrônica. Na ocasião da segunda entrevista, encontramos Ax já inserido no mercado de trabalho – emprego conseguido pelo irmão, portanto não passou por um processo de seleção – é expedidor de notas numa transportadora, e, para melhor desenvolver suas atividades, foi obrigado a se matricular em um curso de digitação, o qual era custeado pela empresa. Disse estar gostando do trabalho, principalmente porque podia comprar as próprias coisas (roupas, sapatos, Cds etc .) e ter lazer sem pedir dinheiro ao pai. Ajuda em casa pagando a conta mensal de telefone, que não passa de quarenta reais. Quando indagado em relação à possibilidade de cursar o ensino superior, afirmou não ter prestado vestibular – não obstante o desejo paterno – que tal curso ficaria como projeto para o futuro, porque, naquele momento, não tinha condições financeiras, pois

havia

começada a trabalhar há pouco tempo, queria primeiro dedicar-se ao trabalho. Mas confessou que gostaria de fazer o curso de Ciências da Computação, porque, no trabalho, utilizava o computador, anteriormente já havia pensado em cursar Engenharia Elétrica ou Mecatrônica para continuar no mesmo ramo do curso de eletrônica feito no Senai, embora não gostasse da área. Tinha claro que precisaria fazer um cursinho pré-vestibular caso quisesse ingressar naquelas faculdades ou universidades que julgava mais competitivas, já naquelas que facilitavam o acesso (baixa nota de “corte”) não seria necessário, pois alguns dos seus amigos haviam sido aprovados nessas faculdades. Acreditava que o seu aprendizado no ensino médio era suficiente para a vida. A impressão que nos causou foi que julgava ter aprendido aquilo que estava disposto a aprender, sem muito esforço, o bastante para ter o diploma, e que não estaria pensando num curso de terceiro grau se não fosse pela relação com a namorada, futura noiva, pois ela estava freqüentando um curso pré-vestibular e havia prestado vestibular no começo do ano. Ou seja, Ax vivia o momento da namorada, levando-a ao “cursinho”, tendo que sacrificar horas de namoro durante os sábados (dia de aula). Tal rotina pode tê-lo influenciando.

Vl, l6 anos (na ocasião da primeira entrevista), nunca repetiu, pai paulista, cursando o terceiro grau de ensino (Direito), mãe mineira com a 4ª série do ensino fundamental, moradora de bairro adjacente ao de V. Yolanda dos 5 aos 17 anos.

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Vl, bastante sorridente, orgulhava-se por nunca ter repetido, parecia estar sempre de bom humor, a maioria das vezes em que a encontramos estava no corredor da escola durante as aulas, sempre acompanhada da amiga Br. Em sala de aula procurava sentar ao lado da amiga. Tudo se passava como se estivesse em clima de festa. Adorava ficar no pátio, nos contou que a maior motivação para ir à escola, depois de um dia de trabalho cansativo, era reencontrar os amigos. Mas Vl não descuidava das notas e faltas, tinha tudo sob controle, sabia as aulas a que deveria assistir (aquelas que teriam explicações para provas e trabalhos), como comportar-se com cada professor (para assegurar a imagem da aluna simpática) e as aulas que poderiam ser “cabuladas”(nas quais o professor fosse corrigir uma prova, dar trabalho para quem não havia feito o anterior e nas aulas de disciplinas que considerava impossíveis de acompanhar como, por exemplo, Inglês). Mesmo sabendo que às sextas-feiras era comum não haver aulas – pois faltavam muitos alunos e os professores acabavam não ministrando conteúdos, fazendo somente a “chamada” – Vl ia até a escola para garantir a presença e, em seguida, voltava para casa. Vl mantinha uma boa relação com a escola (funcionários em geral e alunos), nunca teve nenhum problema ou cometeu qualquer ato de violência que afetasse o patrimônio escolar. Achava a escola “legal”, com exceção de alguns obstáculos: duas disciplinas – Inglês (que achava chato e impossível de aprender com apenas duas aulas semanais) e Matemática (que não conseguia entender e em cujo conteúdo não via sentido) – ; o uso de drogas dentro da escola e, por último, a falta de rigidez por parte da direção com quem “cabulava” e usava drogas dentro da escola. Quanto às avaliações, ao mesmo tempo em que afirmava ter um bom proveito nas disciplinas, nos confessou que colava porque “não sabia nada” e, em relação às notas vermelhas, principalmente em Matemática, alegava que isso acontecia “porque era difícil colar” em tal matéria. Dizia sentir-se incomodada diante dos colegas e totalmente responsável pelas notas negativas, porém não mudava de postura, como estudar, por exemplo. Percebemos que, como as notas negativas podiam ser recuperadas mediante um trabalho, e que a percepção por parte da aluna de que o aprendizado ou não do conteúdo escolar não modificaria o produto final, ou seja, a sua aprovação formal – “(...) nas escolas, por exemplo, agora ninguém mais repete de ano, o cara tá inventando recuperação de janeiro (...)” –, a situação estava boa do jeito que se encontrava. Conseguir boas notas estudando seria bom, levantaria a moral perante os colegas, porém exigiria um esforço que Vl não estava

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disposta a empregar, mesmo porque representaria gastar energia com conteúdos que, segundo nossa entrevistada, não teriam nenhuma utilidade prática para o aprendizado dela. Logo, o pouco que consegue apreender lhe parece, sinceramente, o suficiente, mesmo que não o bastante para realizar provas e trabalhos com sucesso. A escola, para Vl, estava intimamente ligada às facilidades que poderia trazer em relação ao mercado de trabalho e ao vestibular, enquanto diploma, credenciamento. Embora, no primeiro momento, Vl tenha feito um discurso da necessidade do conteúdo escolar, ao longo da entrevista, anula-o, mostrando no que de fato acredita: “(...) Você vai num lugar preencher uma ficha, se você não tiver um certo conhecimento, você não liga no que a pessoa tá perguntado (...) O diploma é só papel, o essencial é o que você aprende. Tipo assim, no local que você vai fazer um teste, a maioria não está se importando com o seu diploma, e sim se você vai mostrar sua capacidade (...) Se você estuda, que série que você tá, se você faz algum curso superior, na verdade ele [empregador] só quer saber ali na hora. E, no serviço, você vai ver não é nada daquilo, eu não vou usar aquilo. O cara [empregador] só quer saber o que você aprendeu, o que você tem, se você não tem, se você tem um diploma a mais (...)”. Vl vivia a experiência de um trabalho desvinculado da vida escolar, tanto em relação ao diploma, que não era exigido, quanto ao conteúdo: “(...) trabalho numa casa de massas (...). No meu trabalho atual o diploma não influi. Lá é mais experiência. Com a escola não tem a ver, porque tem que ser rápida, ser esperta, pesou, pegou mais um quilo, pegou, pesou (...)”. Nesse seu trabalho – o primeiro – não foi preciso passar por um processo de seleção, foi convidada para trabalhar pela ex-madrasta. Porém acreditava que a conclusão do ensino médio seria um investimento para o futuro, ou seja, poderia proporcionar um outro trabalho e, até mesmo, a possibilidade de realizar o projeto – que nos pareceu senti-lo distante – de fazer um curso de dança em nível de terceiro grau. Ao mesmo tempo, era levada a acreditar, pelo discurso vigente e pela educação dada pelo pai, que na escola aprendem-se coisas úteis à vida. Esforçava-se para nos dar exemplos: “(...) antigamente tinha escravos, eles eram obrigados a trabalhar, se não trabalhava, morria (...) hoje a gente tem mais liberdade, se a gente não é pago, a gente vai reclamar em outro lugar”. Cita também as conquistas das mulheres através dos anos – é bom lembrar que Vl é mulher e negra. Não consegue dar mais exemplos e acaba dizendo que o que aprende em Matemática, Português, Inglês e demais matérias não tem ligação com seu dia-a-dia, “não faz nenhuma diferença” . Vl parecia ter duas crenças: uma delas era a desvinculação da escola com a realidade, que, cotidianamente, não requeria a utilização dos conteúdos programáticos formais; a outra é

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aquela que havia aprendido, com o pai e os professores, da escola, que ensina, educa (através dos conteúdos programáticos), tornando-se imprescindível para o futuro. Vl não o lia o mural escolar, pois, segundo ela, as informações lhe chegavam através de conversas com os colegas no trabalho, na escola e, até mesmo, no ônibus. Arriscava algumas leituras de livros de literatura encontrados na estante do pai, que não os lia, para aprender ortografia. Dizia gostar de política, porque conhecia pessoas de um partido de esquerda (PT) da cidade vizinha (Jandira), as quais desenvolviam trabalhos comunitários, embora não tivesse tirado o seu título com 16 anos para votar na eleição de 98. Porém, na ocasião da segunda entrevista, reencontramos uma Vl, que se definia como petista (apesar de não ser filiada ao partido) e que dizia, orgulhosamente, ter votado, nas eleições de 2000, em todos os candidatos do PT. Vl inseriu-se no mercado de trabalho aos quinze anos, pois queria ter dinheiro para vestuário, Cds, o lazer (barzinhos e salão) etc. Nunca ajudou financeiramente em casa, pois o pai sempre fez questão de prover o sustento da família. Foi criada só pelo pai, o qual se separara da mãe quando Vl tinha cinco anos, e vieram morar em Osasco – juntamente com uma irmã de Vl de 6 anos – em um bairro adjacente ao de V. Yolanda. A casa era alugada de um primo do pai dela. Moraram na referida casa até Vl concluir o ensino médio, após, mudaram-se para uma cidade vizinha (Barueri), onde continuaram pagando aluguel, porém começaram a construir uma casa no mesmo bairro, em um terreno comprado pelo pai. Foi em Osasco que Vl conheceu a vida escolar. Durante o ensino fundamental, foi acompanhada pelo pai, que sempre fez questão de ir às reuniões da filha e verificar as tarefas escolares, mesmo tendo se “casado” novamente por várias vezes (5), nunca deixou tais tarefas a cargo das madrastas. Embora o pai não se descuidasse quanto à escola das crianças, precisava trabalhar – era operário numa grande empresa (Cobrasma), passando mais tarde a funcionário federal (atendente do INSS), ficando as crianças com as madrastas ou sozinhas, quando as responsáveis por elas trabalhavam, por isso, desde cedo, aprenderam a ser bastante independentes, sabendo, por exemplo, como usar o transporte coletivo para ir ver a mãe, sem a companhia de um adulto. O contato com a mãe – empregada doméstica – era esporádico, ocorrendo nas datas comemorativas (Páscoa, Natal e outras). Vl deixou-nos a impressão de ter recebido pouco auxílio da mãe na educação, e muito menos das madrastas, com exceção de uma, a atual patroa. “(...) ela foi como uma mãe

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para mim (...). Ela ensinava como fazer comida, lavar uma roupa, o que não podia comer tudo de uma vez, como comprar uma roupa (....)”. Vl, aos 11 anos, conheceu a madrasta, depois ficaram sem se ver durante dois anos (a madrasta havia se separado do pai de Vl), retornando o contato quando Vl completou quinze anos, sendo que, na ocasião, a ex-madrasta convidou-a para que trabalhassem juntas numa casa de massa da qual era proprietária. A reaproximação com a madrasta trouxe de volta os conselhos num momento importante da vida de Vl: a efervescência da adolescência . Influenciada pela ex-madrasta, iniciou, após o ensino médio, cursos curtos e baratos na área de estética (depilação e cabeleireira) no Senac. Tais cursos ligavam-se ao projeto da ex-madrasta de trocar de ramo de negócio, de massas para estética. Vl apropriou-se do projeto da madrasta, pelo menos temporariamente, pois, quando soube da existência de apenas dois cursos gratuitos de dança em nível de terceiro grau no Brasil, concluiu que seria muito difícil, naquele momento51, realizar tal sonho. Não tardou a substituí-lo por outro: cursar Educação Física52, porque, segunda ela, era um curso dinâmico e que oferecia várias opções de trabalho: “(...) posso ser professora de natação, professora de basquete (...)”. Mas, ainda, não poderia pagá-lo. Realizando, portanto, os cursos de estética que eram mais acessíveis – por serem mais curtos e mais baratos – e estarem ligados a uma proposta de trabalho da ex-madrasta. Vl considerava o pai um espelho, admirava-o por ter assumido sozinho a criação das filhas, achava-o inteligente: “(...) tudo ele quer saber, se é uma coisa que não sabe, se informa (...) nada é impossível para ele (...) nunca tá parado (...) sempre que tem uma oportunidade, tá fazendo um curso (...)”. O pai de Vl entrou com quarenta e cinco anos no curso de Direito, por isso Vl dizia que nunca era tarde para entrar na faculdade, embora afirmasse que o importante era ter uma profissão de que gostasse e com a qual se identificasse, independente do nível do curso. É interessante observar que o pai entrou na faculdade quando Vl estava cursando a 7ª série do ensino fundamental, contribuindo, talvez, para reforçar a valorização da escola, mas, ao mesmo tempo, no seu cotidiano, o contato tão importante com a ex-madrasta – que não concluiu o ensino médio – oferecia-lhe um outro parâmetro de vida, aquele ligado mais diretamente à prática, ao trabalho. Portanto, fazer um curso de terceiro grau era algo positivo, porém era deixado para o futuro, enquanto no presente cuidava-se do prático, da garantia do emprego. 51 52

Final do ensino médio. A idéia surgiu ao observar sua irmã que treinava vôlei com o professor de Educação Física da escola.

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Embora admirasse no pai o gosto pelos estudos e o achasse inteligente por isso, definia-se como uma pessoa agitada, sem paciência para freqüentar um curso de quatro anos e para debruçar-se sobre os livros. Afinal de contas, a experiência do ensino médio ainda estava presente – as notas baixas, a dificuldade de se dedicar de fato aos estudos e a falta de sentido dos conteúdos escolares. O reforço das idéias anteriores revela-se quando Vl fala do então namorado: “(...) ele é tudo ao contrário de mim, porque terminou o colégio e não faz uma faculdade porque não tem condições de pagar. Mas, todo ano, presta [vestibular] e todo ano passa (...). Ele é muito inteligente.” O inteligente aqui parece ter o mesmo sentido dado para o pai, aquele que tem paciência para estudar e consegue entender os conteúdos curriculares. Quanto às amizades de Vl, continuaram as mesmas: as amigas do “Fanny”; da escola em que cursou o ensino fundamental; do trabalho e do bairro no qual morava antes de mudarse de Osasco. Algumas, por terem engravidado, se casaram; outras continuaram solteiras; muitas conseguiram trabalhos temporários; e apenas uma continuou os estudos, chegando ao terceiro grau; as demais pararam os estudos – a maioria após a conclusão do ensino médio. Estava saindo pouco, esporadicamente via os amigos e, quando saía, ia aos shoppings com o namorado. Uma vez indagada sobre a qualidade da Escola Pública, fez questão de dizer que “não é escola que faz a diferença”53, dá exemplo do namorado, que estudou em escola pública e passava nos vestibulares e do filho de uma médica conhecida que, apesar de haver realizado os estudos em escola privada, não conseguia passar no vestibular. Ao fazer imediatamente a ligação entre escola pública/pai sem condições financeiras e escola privada/pai com condições financeiras, talvez tenha surgido um sentimento de inferioridade, daí a defesa.

Rg 19 anos (na ocasião da primeira entrevista), repetiu 2 anos do ensino fundamental (5ª e 7ª séries), osasquense, a partir dos 9 anos passou a morar no bairro do V. Yolanda, a mãe concluiu o antigo primário, o pai concluiu o ensino médio, ambos baianos.

Rg era um aluno bastante ausente em sala de aula, embora fosse à escola, preferia ficar no pátio ou nos corredores. O que lhe interessava era a possibilidade de ver os amigos e a 53

Embora na primeira entrevista tenha tecido críticas em relação a falta de rigidez da escola com a indisciplina e a aprovação dos alunos.

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namorada, distrair-se, além do mais, já havia virado uma rotina: “(...) eu acostumei com a escola não consigo parar, eu vou, só que não entro nas aulas”. Além de considerar o ambiente escolar um lugar agradável de sociabilidade,

havia

também a obrigação imposta pela mãe. “(...) minha mãe fala: – Vai terminar os estudos depois você segue o que fazer (...)” Rg mantinha boas relações na escola, gostava dos colegas, dos professores, da direção e demais funcionários, dizia defender o prédio escolar dos pichadores. Não tinha críticas, considerava a estrutura de ensino boa do jeito que estava. Não tinha o hábito de estudar em casa, quando assistia às aulas

“pegava as

explicações” e, com essas, tentava fazer as provas, se não fosse o suficiente, colava. Caso o resultado fosse negativo, não se desesperava, porque tinha consciência de que era possível recuperar mais tarde. Sabia também que as notas vermelhas não seriam um empecilho para sua aprovação, pois, ao final do 1º

ano do ensino médio, esperava ao menos ficar para

recuperação em janeiro, porque “(...) sinceramente eu não aprendi nada (...)”. Mas houve promoção direta. Não tinha interesse pelos conteúdos programáticos, não via utilidade da escola na sua vida prática e no seu futuro. Trabalhava como despachante, manuseava documentos e os levava ao Detran, não enxergava onde poderia encaixar a escola. Era o primeiro trabalho de Rg e não fora necessário passar por um processo de seleção – o cunhado o havia indicado. Para o futuro, projetava ser dono do próprio negócio (ter um escritório de despachante), para tanto, afirmava ser o suficiente possuir o diploma de ensino médio. Vestibular era algo em que não pensava num curto prazo, talvez para um futuro distante. Acreditava ter opinião formada sobre tudo, não precisando da escola. Porém, no decorrer da entrevista, deixou clara a idéia de que a escola era importante e que valorizava o fato de se concluir o ensino médio, citando como exemplo um dos irmãos que interrompera os estudos na 8ª série do ensino fundamental, fato com o qual não concordava, pois, apesar de considerar a conclusão do ensino médio desnecessária para ele, o mesmo não valia para outras pessoas, como para o irmão. Não se interessava em ler o mural jornalístico da escola – embora algumas vezes tenha ajudado a professora de Língua Portuguesa a montá-lo; não

gostava de assistir

telejornal, dizia-se desinteressado pelas notícias sócio-econômicas e políticas do país e do mundo, votava por obrigação. Rg era o caçula de uma família de cinco filhos, sendo que, com exceção de um, todos concluíram o ensino médio. A irmã mais velha foi a única que fez o terceiro grau, especializando-se em psicopedagogia. A mãe havia cursado até a 4ª série do ensino

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fundamental; e o pai, o ensino médio. Podemos inferir que fazer o ensino médio colocava-se como uma obrigação moral diante do histórico da família. Ao mesmo tempo falava com desprezo do ensino superior: “(...) ela [a irmã mais velha] só tá dando aula (...)”. Nos quatro primeiros anos do ensino fundamental de Rg, a irmã mais velha ajudavao nos afazeres escolares e a mãe ia às reuniões da escola. A partir do 5º ano do ensino fundamental, a irmã deixou de ajudá-lo, pois se casou e foi morar em São Paulo, e ele passou a recusar a ajuda dos demais irmãos; mas a mãe continuou indo às reuniões. Durante o ensino médio, a mãe parou, a pedido dele, de freqüentar as reuniões bimestrais. Percebe-se um distanciamento de Rg em relação à família, o contato passa a ser mais com os colegas do bairro, da escola, do time de futebol e com um dos cunhados – que passara a morar no mesmo quintal quando Rg tinha 12 anos e com o qual trabalhava como despachante. O cunhado torna-se um dos melhores amigos de Rg, sendo que, mesmo tendo interrompido os estudos antes de terminar o ensino fundamental, sustentava a família prestando serviços de despachante. Aos quinze anos, Rg perde o pai e, aos dezoito, entra no mercado de trabalho, para poder comprar o vestuário com autonomia, possuir dinheiro para lazer (salão e bares) e comprar uma moto, projeto realizado após três anos. Raramente ajudava nas despesas de casa. Concluiu o ensino médio sem problemas e continuou na profissão de despachante, embora até

o ano 2000 não tenha conseguido montar o próprio negócio, conforme o

projetado. Incentivado por um dos irmãos, tentou um outro trabalho, que lhe desse algumas garantias (salário fixo, carteira assinada, direitos trabalhistas e outras coisas do gênero), os quais a atividade de despachante não lhe dava, mas saiu logo em seguida, voltando para a antiga profissão juntamente com o cunhado.54

Ad osasquense, 18 anos (na ocasião da primeira entrevista), repetiu um ano no ensino fundamental (6ª série), entrou com 8 anos na escola, desistiu uma vez no ensino médio (3ª série), morador do bairro de V. Yolanda desde o seu nascimento, ausentando-se apenas por dois anos (período em que morou em outros bairros). Seus pais não chegaram a terminar o ensino fundamental, o pai é nordestino; e a mãe, paulista.

54

Essas informações foram coletadas com sua mãe juntamente com uma de suas irmãs, pois mesmo com muita insistência (telefonemas e visitas) Rg recusou-se a nos dar uma segunda entrevista, embora tenha sido avisado, na ocasião da primeira, a possível necessidade da segunda.

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Ad era, sobretudo, um aluno que parecia estar alheio aos acontecimentos da sala de aula. Desatento, estava sempre envolvido com os próprios pensamentos ou conversando com outros colegas. No pátio, ficava nas rodas de colegas, mas não conversava. Vivia envolvendo-se em encrencas dentro da escola, como, por exemplo, colocar fogo no lixo da sala de aula – mas nunca era o mentor, simplesmente executava. A justificativa que dava para tal tipo de comportamento era o cansaço físico – não tinha ânimo para conversar nas rodas de amigos –, a falta de bons professores – alegava que não explicavam bem as matérias, além de ficarem revendo os conteúdos dos anos anteriores e porque que gostava chamar a atenção. Esperava da escola apenas o histórico escolar e conselhos dos professores sobre o que estudar para o vestibular. Não tinha o hábito de ler o mural da escola, não acreditava na eficácia de eleger algum candidato, portanto não tirou seu título de eleitor aos 16 anos. O esforço de freqüentar o ensino médio após oito horas de trabalho devia-se ao projeto de cursar o ensino superior de Medicina. Era um sonho de infância, fortalecido, no nosso entendimento, pelo fato de estar trabalhando num consultório médico. A escola representava, também, ficar longe dos conflitos familiares, discussões com o padrasto e os irmãos. Seu projeto era, contudo, muito mais um sonho, pois Ad não tinha consciência da dificuldade de entrar num curso público de Medicina (como desejava), e não trabalhava no sentido de construir seu projeto. Não havia dedicação aos estudos, dentro ou fora da escola, não fazia os exercícios de fixação e não estudava para as provas. As notas baixas não o deixavam preocupado, embora se sentisse o único responsável por elas, sabia como recuperá-las para não ficar retido: os trabalhos que deveria realizar, como deveria comportar-se com determinados professores, de que forma colar etc. As notas positivas traziam-lhe uma sensação de capacidade, “de que não era burro”, “que conseguiria se quisesse”, mas se contentava com o mínimo para ser aprovado porque “(...) o importante era passar de ano de qualquer forma, colando, aprender não era importante, o importante era passar (...)” Para Ad, a escola não o ajudava a expressar-se melhor – pois ele alegava que os professores mais novos também falavam na gíria. Essa tarefa ficava, então, a cargo da convivência no trabalho, e as informações sobre os acontecimentos políticos e sociais eram obtidas no noticiário radiofônico. No entanto, segundo ele, a escola exercia um papel moral,

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ensinava o que é certo e o que é errado. Mas, ao mesmo tempo, afirmava que “apenas aqueles que eram bons iriam seguir o caminho certo, enquanto aqueles que eram ruins seguiriam o caminho errado”. Ou seja, embora a escola apontasse o que é certo e o que é errado, não teria a capacidade de influenciar o aluno, pois tal proeza seria conseguida pelo trabalho e pela família. Ad nos chama a atenção para o fato de que ter o ensino médio, no Brasil, já era muito, diante do elevado número de analfabetos, por isso se sentia orgulhoso, ainda mais que, juntamente com o irmão, eram os únicos da família a concluírem o ensino médio – a irmã e os primos haviam parado no ensino fundamental. Por isso vislumbrava para si um futuro bem mais promissor. Outra característica interessante de Ad era o fator carência, gostava de chamar a atenção, pois quando indagado sobre o porquê de ter colocado fogo no lixo da sala de aula, alegou ter sido para chamar a atenção e, quando questionado sobre o que mudaria para melhorar a escola que tanto criticava, ele respondeu que colocaria cinco professores em cada sala para que fosse dada mais atenção aos alunos. Ad foi acompanhado pelo pai na vida escolar até os nove anos, quando os pais separaram-se, e sua mãe precisou trabalhar dobrado como atendente em um posto de saúde municipal a fim de sustentar os três filhos (Ad, uma irmã dois anos mais velha e um irmão dois anos mais novo). Assim, passou a não haver mais cobrança em relação à vida escolar, não havia ninguém que pudesse ensiná-lo ou sanar possíveis dúvidas. Ficava em casa com os irmãos, os quais padeciam do mesmo problema. A irmã, logo em seguida, parou de estudar na 6ª série do ensino fundamental. Embora convivesse no mesmo quintal com alguns primos mais velhos55, “eles não gostavam de estudar”, em conseqüência não tinha como ajudá-los. Um dos primos, admirado e imitado por Ad., usava drogas e era bastante indisciplinado na escola: “(...) ele era zoeiro (sic), eu me divertia com ele (...)”. Na medida em que foi crescendo o envolvimento dos primos com as drogas, ele foi afastando-se, mantendo mais contato com amigos da rua e do bairro (V. Yolanda). A situação foi se complicando até culminar no assassinato de um dos primos no quintal da casa em que moravam. Esse episódio levou a mãe a decidir pela mudança, alugaram uma casa no mesmo bairro, mas distante dos primos. O namorado da mãe, a partir de então, passou a morar com a família, mas, desde os dez anos de idade, Ad já mantinha uma boa relação com ele.

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O imóvel era herança deixada pela avó materna à família.

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Diante da difícil situação financeira vivida pela família, o pai de Ad, que era comerciário e mantinha contato com a família, arrumou-lhe um trabalho como office-boy num consultório médico na cidade de São Paulo, sem que houvesse a necessidade de passar por um processo de seleção. Ad estava com dezessete anos, cursando a 2ª série do ensino médio. Desde o começo, seu salário foi imprescindível para as despesas

domésticas, embora

reservasse uma parte para seus gastos pessoais. Na ocasião da segunda entrevista Ad já havia se demitido porque, após retornar depois de nove meses afastado no exército, queria um emprego no qual tivesse chances de crescer na hierarquia da empresa, o que seria impossível dentro de um consultório médico. Então bastou a promessa, não cumprida, de um tio materno, de lhe conseguir algo na área de informática para que ele pedisse dispensa. Alguns meses antes de ser dispensado, Ad começou a fazer um curso básico de informática e comprou um computador, pois queria investir em si pensando num futuro nessa área. Passados alguns meses, já perto do término do seu curso de informática, o fato de o tio não haver cumprido o prometido leva Ad a procurar uma colocação em qualquer área, pois havia terminado o ensino médio e queria continuar seus estudos. Não sabia ao certo se faria um curso técnico – na área de informática ou contabilidade (dizia que gostava de mexer com cálculos, por isso a escolha) – ou um curso superior de informática (Análise de Sistemas). Quando indagado sobre seu sonho/projeto de ser médico, expressado na primeira entrevista, disse que não havia esquecido, mas que, primeiro, iria fazer o que dava dinheiro para, depois, pensar no prazer. Ad avaliava que os nove meses passados no quartel e o fato de estar namorando provocaram seu amadurecimento. Conta-nos que o quartel era muito rígido – “(...) lá é uma hierarquia que tem que ser seguida (...)” – e tinha que conviver com todo tipo de pessoas – “(...) drogados, ladrões, gente boa, gente ruim (...)”, mas conseguiu safar-se de todas as armadilhas dos “colegas”, alcançando o mérito de sair na primeira “baixa”. Ao retornar para o ensino médio, o qual havia abandonado na 3ª série por não conseguir conciliá-lo com o serviço militar, tornou-se um aluno dedicado aos estudos. Atribui essa mudança à maturidade e à namorada, que estudava na mesma sala que ele e que o ajudava e incentivava: “(...) era um dando força para o outro (...)”. Mudou o conceito negativo em relação à Escola Pública: “(...) quem faz a escola é o aluno, o importante é você querer estudar, não importa onde for (...)” Tinha o irmão como o melhor amigo e passou admirá-lo porque, após o término do ensino médio, no Fanny, fora aprovado em vários vestibulares, não se matriculando em

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nenhum curso por falta de dinheiro. Ad reconhece que, para conseguir a mesma proeza do irmão, precisaria fazer um cursinho pré-vestibular porque foi “muito relaxado na escola”. Por último, informou-nos sobre projetos para o futuro: comprar uma casa para a mãe, dando-lhe conforto material e , posteriormente , ter um filho.

ANÁLISE Essa amostra dos alunos pouco freqüentes em sala de aula apresenta também uma certa heterogeneidade, a qual nos agrada, pois entendemos que, assim, teremos um enriquecimento do nosso trabalho. No que tange à estrutura econômica das famílias, podemos dizer que apenas a de Vl sempre pagou aluguel – ainda que fosse para o primo do pai – ao contrário das demais que possuíam casa própria, embora a família de Ad, a partir dos seus dezesseis anos, passasse a pagar aluguel56 por opção da mãe que não queria mais a convivência com os primos, os quais estavam envolvidos com drogas. As famílias dos jovens aqui entrevistados, com exceção da de Ld, puderam sustentá-los sem que fosse necessário que ingressassem no mercado de trabalho para ajudar na manutenção da família. Três só começaram a trabalhar quando iniciaram o ensino médio. Mesmo assim, dois não passaram a contribuir significativamente, e um não passou a contribuir. Ainda temos o exemplo de Ax, que só se inseriu no mercado de trabalho após o término do ensino médio, e que também não iniciou uma contribuição financeira significativa para a família. Ld é o único que

trabalhava e ajudava em casa durante o ensino fundamental, mas

nos pareceu que a contribuição dele, embora fosse importante, não era imprescindível , pois os pais não pagavam aluguel – moravam no mesmo quintal da casa dos avós paternos de Ld e depois mudaram-se para casa própria – a família era pequena

(apenas 2 filhos) e o pai

estava empregado. Podemos perceber que tais famílias conseguiam, certamente de forma modesta, se manter sem a ajuda financeira dos filhos e, mais uma vez, percebe-se, com exceção do exemplo de Ld, um pacto implícito entre pais e filhos: os filhos concluiriam o ensino fundamental primeiro para depois inserirem-se no mercado de trabalho. No caso de Ax, os pais vão além, exigem a conclusão do ensino médio.

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A família de Ad morava em casa própria, no mesmo quintal de sua tia materna, pois o imóvel era herança que as duas famílias receberam após a morte da avó de Ad.

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Permitir que os referidos jovens ingressassem no mercado de trabalho não era sinônimo de que pudessem parar de estudar, embora os pais não mantivessem um acompanhamento tão estreito como no ensino fundamental, cobravam bons resultados e a conclusão do ensino médio. Os entrevistados viviam experiências diferentes em seus contatos mais próximos. Temos o exemplo de Ld, que aprendeu em casa com o pai, o avô e os tios paternos a importância da formação técnica, de obter uma profissão através de cursos técnicos, mas que, além disso, aprendeu a valorizar a cultura escolar através dos pais, que cursaram até o ensino médio. Parece-nos que amigos não exerceram influências significativas em termos de vida ou na valorização da cultura formal. A entrada precoce no mercado de trabalho ao lado do pai e o fato de passar a morar sozinho a partir dos dezesseis anos, no fundo do quintal de avós paternos, parece ter contribuído para o amadurecimento de Ld, levando-o a preocupar-se, antecipadamente, com um futuro profissional e, conseqüentemente, com a escola. Ax tinha em casa exemplos que, de uma certa forma, não o ajudavam a valorizar os estudos. A irmã dez anos mais velha, que concluiu o ensino médio, se casou e permaneceu fora do mercado de trabalho. Os dois irmãos e o pai, embora não tivessem o ensino médio57, trabalhavam e sustentavam a casa. O pai, apenas com a quarta série do ensino fundamental, havia conseguido criar a família e comprar casa própria. Em casa e com os amigos, Ax não tinha contato estreito com a cultura formal, estavam interessados em paqueras, carros e futebol. Além do mais, o ensino médio representava para Ax um empecilho à entrada no mercado de trabalho, para obter o próprio dinheiro podendo, assim, realizar sonhos de consumo, uma vez que o pai não o deixava trabalhar sem

antes concluir o ensino médio. Talvez por tais motivos Ax mantivesse

desprezo em relação aos conteúdos curriculares. Vl convivia com um pai que gostava de aprender, de estudar, que mantinha livros em casa – embora não os lesse – fazia cursos e que, aos quarenta e cinco anos entrou em um curso de Direito, quando ela estava ainda na sétima série do ensino fundamental. Ou seja, Vl vivia em casa um clima de valorização da cultura formal e era cobrada pelo pai para que mantivesse um bom andamento escolar. Porém a necessidade de trabalhar e, mais tarde, de estudar tornou um tanto distante o contato entre pai e filha. Vl passa a ter maior contato com as madrastas – que na maioria dos casos não haviam concluído o ensino fundamental –

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Um de seus irmãos concluiu mais tarde esse nível de ensino.

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principalmente com uma das ex- madrastas que conheceu aos onze anos –, bastante respeitada por ela e que vai ser fonte de conselhos e influências, além de oferecer-lhe seu primeiro emprego aos quinze anos. Essa ex - madrasta possibilita a ela um outro parâmetro de vida, ligado à prática e ao trabalho, diferente daquele oferecido pelo pai. Além disso, convivia também com a irmã mais nova e com as amigas um clima que estava longe da cultura formal. Ou seja, Vl aprende a valorizar a cultura escolar através do pai e, certamente, tal valorização é reforçada pela escola, que se torna, porém, uma realidade pouco familiar, uma vez que “A presença objetiva de um capital cultural familiar só tem sentido se esse for colocado em condições que tornem possível sua transmissão” (LAHIRE,1994, p.338). Julgamos que essa falta de familiaridade com a cultura escolar seja responsável pelas dificuldades apresentadas por Vl em algumas disciplinas durante o ensino médio. Rg aprendeu certamente em casa a valorizar o fato de “estudar”, pois conviveu em casa com uma família na qual apenas a mãe e um dos irmãos não haviam concluído o ensino médio, porém não se familiarizou com a cultura formal, não gosta de ler , de estudar e de se manter informado sobre as notícias políticas, econômicas e sociais do Brasil e do mundo. Aprendeu desde os doze anos com um dos cunhados – o qual tornou-se seu melhor amigo

– que era possível trabalhar e sustentar uma família sem muita instrução. Em

contrapartida, tinha o exemplo da irmã mais velha, a única que chegou até o ensino superior e que, segundo a concepção de Rg, fez muito esforço para pouco resultado, uma vez que “apenas dá aula”. Rg teve a ajuda e a presença da referida irmã até os onze anos, quando ela se casou e foi morar distante (em São Paulo). Rg passou, então, a conviver mais de perto com o cunhado, que passou a morar no mesmo quintal. Surge, portanto, uma mudança radical no modelo a seguir. O modelo do cunhado é reforçado pelos colegas do bairro, do time de futebol e da escola, que não têm familiaridade com a cultura formal e estão mais interessadas em futebol, paqueras, motos e carros. A distância da cultura formal parece ter sido reforçada pelas repetências na 5ª série (no mesmo ano em que perde a ajuda da irmã e passa a recusar ajuda dos outros irmãos) e na 7 ª série. Ad viveu um clima familiar também bastante distante da cultura formal, pois a mãe dele estava na maior parte do tempo no trabalho, e o pai deixou de acompanhá-lo

na vida

escolar por ter se separado de sua mãe. Ad passou, então, a conviver cotidianamente somente com os irmãos mais novos – que padeciam das mesmas carências – e com os primos maternos (adolescentes) que moravam no mesmo quintal. Não encontrou em casa, nem com os primos

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e amigos do bairro, um modelo de convivência com a cultura formal. Tal contato era mantido apenas na escola, a qual freqüentava por obrigação (a mãe o obrigava) e porque era um local de divertimento. Durante o ensino médio, passa a freqüentar a escola por vontade própria, pois quer prestar vestibular e fazer medicina, não precisando mais ser cobrado pela mãe. Ao contrário do que poderíamos pensar, o gosto por medicina não significou familiaridade e gosto pela cultura escolar, apenas um sonho de infância reforçado pelo fato de passar a trabalhar em um consultório médico. Ad só vai se mostrar interessado pelo aprendizado escolar no final do ensino médio, pois após abandoná-lo durante um ano e meio devido o serviço militar, volta mais maduro e preocupado com o aprendizado, e não mais só com o diploma. A falta de familiaridade com a cultura escolar contribui para que esses jovens, embora valorizem o diploma e mantenham uma boa relação com a escola, não apresentem facilidade com os conteúdos programáticos, não gostem e não se interessem pelos estudos, conseguindo notas positivas graças às colas, à ajuda de colegas que realizam os trabalhos escolares deles e a outras estratégias. A dificuldade de se tornarem “bons alunos” parece afastá-los cada vez mais da cultura escolar, e a forma como reagem, tomando toda responsabilidade do “fracasso” para si, fazendo com que se sintam incapazes de tolerar horas de estudos (leituras, interpretações etc.) e corroendo sua auto-estima, não os impede, entretanto, de manter o domínio sobre os mecanismos escolares, pois sabem utilizar as estratégias para que não sejam formalmente reprovados pela escola. Parecem, ainda, levantar a auto-estima através do trabalho. Porém um deles, Ld, apresenta características diferentes, diz estudar, parece que tem facilidade com os conteúdos programáticos, embora falte muito – devido a problemas de saúde e trabalho – mantém notas positivas sem fazer uso da cola ou qualquer estratégia do gênero. Podemos observar que Ld é o único que tinha um projeto de futuro claro e palpável, baseado na saga dos tios maternos, quando foi entrevistado pela primeira vez, ainda cursando o ensino médio, e estava construindo-o, ao contrário dos projetos vagos de Vl de fazer um curso de dança, pois não havia investimento na carreira, ela não praticava nenhum tipo de dança ou coisa que o valha, pré-requisito necessário nesse tipo de carreira.; de Ad de fazer Medicina e da ausência de projetos, no caso de Ax e, ainda, de Rg, o qual tinha um projeto independente do ensino médio. Se conseguissem o diploma do ensino médio, já seria bom demais, não precisavam do conteúdo.

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Os quatro jovens que não possuíam um projeto claro e vinculado ao ensino médio viviam, no trabalho, uma experiência que não conseguiam relacionar com o aprendizado escolar, ao contrário, não viam nenhum vínculo entre eles, e, além do mais, as horas trabalhadas geravam um cansaço físico e mental que prejudicava o desempenho escolar. Seus trabalhos eram práticos, não exigiam grandes conhecimentos escolares, que também não utilizaram para conseguirem seus respectivos empregos, pois não passaram por uma seleção. Uma característica importante do grupo de alunos, com exceção de Ld, é que, ao contrário do primeiro grupo ( “Os alunos mais freqüentes “) , não viam a escola como uma instituição moral, que conduzisse ao “caminho certo” a seguir na vida. Três alunos possuíam um senso crítico em relação à qualidade do curso oferecido pela escola: professores ruins, aprovação automática, falta de professores. Porém conservavam uma reação passiva frente ao que criticavam, talvez porque para obter o diploma, o que de fato interessava, essas “falhas” da escola na verdade ajudavam a conseguir o objetivo mais facilmente. Mas, ao emitir opinião sobre a Escola Pública, afirmam que ela é de boa qualidade, talvez porque dizer o contrário seria desmerecer, desprestigiar o próprio diploma, mexeria com sua auto-estima e, nesse momento, reagem como se tivéssemos tocado em alguma ferida. A escola acabava tendo uma função extraordinária no que tange a fazer amizades, trocar informações de todas as espécies, paquerar, descontrair, fugir dos problemas familiares, namorar etc. Os alunos são unânimes em confirmar o uso da escola como espaço importante de sociabilidade, uma vez que não despendiam muito dinheiro para o lazer – a maior parte dos salários era gasto com vestuário. O único problema desse espaço de sociabilidade, segundo o grupo de alunos, era o uso e a venda de drogas, sem intervenção da direção da escola. Podemos afirmar que, além de espaço de sociabilidade e de geradora de uma credencial para facilitar a entrada no mercado de trabalho, a escola apresentou-se como um dos poucos espaços em que tais jovens tinham acesso à cultura formal (textos literários, jornais da grande imprensa, poesia, filmes etc.), porém isso não parece tê-los influenciado, ao contrário do primeiro grupo (“Os alunos mais freqüentes...”), em que alguns reforçaram o hábito pela leitura de textos literários, passaram a ler esporadicamente jornais da grande imprensa e se interessaram por teatro e pelos acontecimentos socioeconômicos e políticos do Brasil e do mundo.

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C - Alunos desistentes Entrevistas Mr, 24 anos (na ocasião da primeira entrevista), osasquense, repetiu uma vez e desistiu três vezes durante o ensino fundamental ; no ensino médio desistiu uma vez (sem voltar a se matricular), morador da V. Yolanda desde os 4 anos de idade. Pai português(com a 4ª série do ensino fundamental incompleto), mãe paulista (analfabeta).

Mr freqüentou o ensino médio público por seis meses, o suficiente para largá-lo. Anteriormente cursava técnico em eletrônica numa escola privada, curso cuja mensalidade era paga cinqüenta por cento pela empresa em que trabalhava. Havendo redução do número de funcionários na empresa, Mr, além de perder o emprego, perdeu também os cinqüenta por cento da mensalidade paga pela empresa, tendo que parar o curso. Resolveu, então, matricular-se no segundo ano do ensino médio, no período noturno, da única escola pública do bairro. Estava desempregado e noivo, pensou que o mais certo naquele momento seria continuar os estudos. Além do mais, havia uma certa pressão, embora implícita, por parte da noiva, pois ela estava na faculdade, e já lecionava no ensino fundamental (1ª a 4ª série). Uma vez na escola pública, Mr não se adaptou. Segundo o rapaz, foram vários os motivos: o uso e o tráfico de drogas dentro da escola; badernas; alunos armados; desconexão entre o conteúdo escolar e o seu dia-a-dia (vida pessoal e trabalho temporário); repetição de vários conteúdos escolares (afirma já tê-los aprendido no ensino técnico e fundamental) e o obstáculo que o horário da escola representava para os trabalhos temporários que realizava, ocasionando muitas faltas e, conseqüentemente, notas negativas. As únicas matérias que considerava de algum proveito – Matemática, devido ao curso de eletrônica, e Português por causa dos relatórios que realizava no trabalho – “(...) não conseguia assimilar devido à bagunça (...)”. Mr não deixava de fazer comparações entre o curso anterior (eletrônica) – “(...) a faixa etária era mais alta, havia interesse e respeito pelos professores (...)” – e a escola pública regular era totalmente o contrário, de acordo com a concepção dele. Diante disso, começa a cultivar um sentimento de desprezo pela escola atual.

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Estava ligado ao mundo do trabalho, com 23 anos, noivo, desempregado – fazendo apenas alguns trabalhos temporários – não via na escola pública meio de melhorar de profissão, conseguir um trabalho fixo, ou seja, naquele momento a escola não passava de status, porque a noiva estava na faculdade e ele não tinha o ensino médio. Mas foi impossível suportar um ambiente totalmente diferente do anterior (escola técnica), interesses e momentos de vida diferentes dos demais “colegas” de classe – os quais se encontravam, ainda, no momento lúdico de suas vidas, em que a paquera e as brincadeiras sobrepunham-se aos estudos – e, por fim, as notas vermelhas. Acabou, então, abandonando a escola pública. Não era, porém, a primeira vez que vivia tal experiência; já havia abandonado a escola na 5ª, na 6ª e na 7ª série do ensino fundamental. Mr explicou-nos que, no ensino fundamental, era um aluno “bagunceiro” e, por isso, tirava notas vermelhas, o que o levando a desistir no meio do ano letivo: “(...) sabia que eu não ia passar(...)”. Antes que a escola desse a sentença, considerou melhor desistir. A bagunça, segundo Mr, era fruto de uma criança e de um adolescente revoltado devido à ausência dos pais, que trabalhavam durante todo o dia, retornando para casa somente após as 20:00 ou 21:00 horas, cansados e sem ânimo para dar atenção aos três filhos: Mr, um irmão três anos mais velho e uma irmã nove anos mais nova – era uma carga de trabalho e de responsabilidade pouco comum para uma criança ou para um adolescente. Juntamente com o irmão mais velho, fazia comida, limpava a casa e cuidava da irmã mais nova. Não contava com os pais nem mesmo para ajudá-lo nas tarefas escolares, pois, além da falta de tempo, a mãe (cozinheira) era analfabeta e o pai (ferramenteiro em empresa de grande porte em Osasco) não havia concluído o antigo primário. Quem ia às reuniões escolares era a sua avó materna58, a qual havia cursado até a 4ª série do antigo primário. Embora os tios maternos estudassem, chegando até ao terceiro grau, o contato que mantinha com eles era esporádico (moravam em bairros diferentes), daí não poder contar com nenhuma ajuda. Quanto à família paterna, que vive em Portugal, não tem contato. Convive, então, com o irmão, que também tinha problemas com a escola, a qual abandonara ainda no ensino fundamental, com a irmã (bem mais nova) e com os amigos do bairro, que tinham um perfil parecido com o dele: filhos de classe média baixa; criados com ausência dos pais; com problemas de notas e de disciplina na escola pública e que, no futuro, iriam, na sua maioria, desistir da escola e se envolver com drogas, segundo Mr.

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A avó morava em bairro vizinho, portanto não acompanhava o cotidiano de Mr.

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Mr viveu parte da infância e adolescência no bairro de V. Yolanda, para onde se mudou com quatro anos, quando o pai comprou uma casa onde vive até hoje. A infância e adolescência foram vividas sem grandes cobranças no que tange à vida escolar: “(...) meu pai dizia que não precisava ficar me obrigando ir à escola, porque eu não era mais criança, eu até já trabalhava (...)”. A grande cobrança do pai era em relação às amizades e às drogas. Hoje Mr avalia que o pai estava certo ao adverti-lo em relação aos amigos, muitos deles envolveramse com drogas e furtos. O pai é tido agora como um exemplo a ser seguido, honesto e trabalhador. Mr entrou no mercado de trabalho, como office-boy, aos 15 anos, quando cursava a 6ª série do ensino fundamental. Precisava ajudar financeiramente a família, além de almejar ter dinheiro para comprar seu vestuário e para o seu lazer (bares e salões de dança). Com um trabalho e dinheiro para alcançar os objetivos, ganhava mais autonomia do que já tinha, em relação aos pais. Com as coisas indo mal na escola, muitas notas vermelhas, a melhor saída encontrada é abandoná-la mais uma vez, repetindo o feito da 5ª série. Um ano após o primeiro trabalho, o pai veio a falecer, aumentando assim a importância da contribuição financeira de Mr dentro de casa, uma vez que o irmão mais velho já morava com a avó materna há algum tempo e o salário de cozinheira da mãe não era suficiente para sustentar a casa. A morte do pai, o começo de um namoro com uma jovem do bairro – que se tornou, mais tarde, sua esposa – e a promoção no trabalho – passou a exercer a função de auxiliar de escritório – vai começar a mudar a forma que ele tinha de pensar e agir. O aumento de responsabilidade com a casa, com a mãe e com a irmã mais nova, assim como o contato com a nova namorada, que era estudante de um curso de magistério; e,por fim, a oportunidade de crescer dentro da empresa, levaram-no, novamente, aos bancos escolares para concluir o ensino fundamental, embora o tenha interrompido por mais um ano, na 7ª série, devido ao serviço militar. Ao retornar à escola, o fez em um bairro vizinho, tendo a oportunidade de fazer novas amizades, principalmente com o seu professor de História, do qual ouvia muitos conselhos. “O Gl [professor de História] nos tratava como amigo e não com autoritarismo (...)”. Esse professor parece ter influenciado no rumo que Mr deu à vida – não se envolver com drogas, continuar estudando etc. – reforçado pelo convívio com a família da namorada. Uma família rígida que valorizava a cultura escolar, com a qual Mr confessa ter aprendido muita coisa. “(...) Eu comecei a assistir [telejornal] quando comecei a freqüentar a casa da minha noiva, que gosta. Meu sogro também gosta e hoje eu gosto de assistir.”

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Com o término do ensino fundamental, Mr recebeu uma proposta da empresa em que trabalhava: fazer um curso de eletrônica e, em seguida, mudar de ramo dentro da empresa, com um salário maior. Proposta prontamente aceita. Na ocasião da primeira entrevista, em 1998, Mr tinha como projeto voltar ao curso de eletrônica interrompido e casar-se. Dois anos depois

o encontramos, casado, com data

marcada para ser pai (a esposa estava grávida), morando no mesmo quintal da mãe, trabalhando muito – inclusive nos finais de semana, sem tempo para o lazer – e, embora houvesse uma constante cobrança da mulher, não havia voltado a estudar. “(....) este ano não deu porque já começou o ano e por causa do meu horário [no trabalho], mas no ano que vem vou voltar.” Mr confessa-nos que o projeto de retorno ao curso está ligado a um outro projeto, uma promoção que pretende pleitear no novo trabalho (conseguido em 1998) como “meio-oficial”.

As, osasquense, 21 anos (na ocasião da primeira entrevista), repetiu duas vezes durante o ensino fundamental e desistiu duas vezes durante o ensino médio (2ª série) sem voltar a se matricular, nascido no bairro da V. Yolanda, onde reside; pais paulistas; a mãe concluiu o ensino fundamental, e o pai, não.

As, o mais velho de uma família de três filhos, tímido, mora com os pais em dois cômodos no quintal da casa dos avós maternos, no bairro da V. Yolanda, desde o nascimento. Um espaço pequeno para três famílias, pois na casa dos avós mora, ainda, uma tia com dois filhos, além de o avô utilizar o que resta de quintal como tapeçaria. A mãe cuida da casa e ajuda o avô com os sofás – nas poucas vezes em que há serviço – , o pai é líder de segurança em uma empresa de grande porte em São Paulo. Na vida escolar, foi acompanhado pela mãe – que ia às reuniões bimestrais – e era ajudado nas tarefas escolares, durante o ensino fundamental, pela prima (dois anos mais velha) que morava no mesmo quintal e estudava no Fanny, mesma escola em que ele estudava. A prima parou de estudar após a conclusão do ensino fundamental, voltando alguns anos depois para concluir o ensino médio através do supletivo público. Na escola, em que estudou desde o primeiro ano do ensino fundamental, fez amigos com os quais passou – a partir da 8ª série – a sair nos finais de semana para festas, shoppings, etc.

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Não gostava de ficar nos corredores nem no pátio da escola, preferindo a sala de aula porque era menos barulhenta e, também, porque era nela que encontrava o grupo de amigos. Durante o ensino médio, havia alguns professores como conselheiros e exemplos a serem seguidos: “(...) tem professor que começa a colocar na idéia que precisa ter seu próprio carro, ter estabilidade financeira. Professores que eu tinha, toda hora ele fazia com que a gente tivesse nossas idéias (...) os espelhos em que se transformavam os professores, isso é o mais importante da escola”. Mas afirmou que o grande aprendizado ocorre fora da escola, com os pais, como por exemplo: não roubar e não se envolver com drogas, sendo que a escola reforça tal aprendizado, mas não consegue, sozinha, afastar os alunos dos referidos males. Confessou que na escola alguns colegas ofereciam-lhe drogas, mas sempre recusou, porque aprendeu em casa que se envolver com drogas é errado. Os pais davam-lhe a educação básica, mas era a escola que o ajudava a amadurecer, a exercer a sociabilidade e o lado lúdico, através das amizades lá cultivadas. Segundo As, durante o ensino médio os professores faziam excursões para locais que não conhecia, proporcionando, assim, a convivência com pessoas mais velhas, o que o levava a rever determinadas atitudes, consideradas infantis. Quanto às notas, disse que a grande maioria sempre foi azul, porque estudava – pensando na necessidade dos estudos para o futuro – e seguia as regras de cada professor, durante o ensino médio, pois durante o ensino fundamental colava, copiava as lições já resolvidas dos colegas, não estava preocupado com os estudos, resultando em dois anos de retenção. O que mais o motivava, contudo, a ir para a escola eram os amigos: “Era mais por causa dos amigos mesmo, chegava lá descontraía, era a motivação” Percebe-se na fala de As a ausência de um projeto ligado à escola, no momento que está cursando o ensino médio, o máximo que se ouve é que a escola é importante para o futuro, o que soa muito vago. Portanto, bastou perder a turma de amigos para que desistisse da escola. No segundo ano de ensino médio foi obrigado a prestar serviço militar e, com as constates escalas durante o período noturno no quartel, era obrigado a faltar à escola, levando-o a desistir. No ano seguinte, matriculou-se novamente, porém seus amigos já estavam adiantados um ano (3ª ano). Passou a se sentir deslocado em sala de aula, não tinha facilidade para fazer novas amizades, não gostava de ficar no pátio, ficou desmotivado para continuar estudando e, por fim, desistiu pela segunda vez. Conta-nos que a escola deixou de ser “legal”, ficou “chata”.

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Resolveu priorizar a busca por um trabalho fixo, já estava com vinte anos, precisava ajudar financeiramente a família e ter o próprio dinheiro; até então só havia conseguido trabalhos temporários, como efetuar reparos na rede elétrica de casas na vizinhança, pois havia feito, paralelamente ao ensino fundamental, um curso de eletricista no Senai. Na busca por trabalho, esbarrava em um obstáculo: a ausência do diploma do ensino médio; disse ter perdido dois empregos por este motivo, mas duvida da necessidade do ensino médio para desenvolver os trabalhos perdidos. Havia sempre um desconforto quando era indagado numa empresa sobre o nível de ensino: “(...) numa empresa (...) quando eles perguntavam: em que série você está? Ah, eu parei no segundo colegial. Já olha assim. Pô, se ele parou no colegial, então no trabalho ele também vai querer parar”. O desconforto também existia em relação aos colegas que continuaram seus estudos: “(...) porque na visão deles você desistiu por vagabundice (sic).” As conseguiu um trabalho apenas oito meses depois que deixou a escola, com a ajuda do pai da namorada, como auxiliar administrativo numa empresa em São Paulo. Logo em seguida, noivou e começou a fazer planos para o futuro. Pretendia concluir o ensino médio através do supletivo privado e, após, fazer um curso universitário de engenharia eletrônica. Matriculou-se, influenciado pelo trabalho no qual lidava com microcomputador, em um curso básico de informática – e, ao concluir, paralelo ao ensino médio, projetava fazer um curso de programação de computador, o qual alegava ser necessário para auxiliá-lo no futuro na área de eletrônica. Além dos planos profissionais, tinha também os pessoais, casar-se em breve. Para a esposa também fazia planos, ela teria um comércio de cosmético, pensava em aprender o máximo no trabalho sobre a área administrativa para utilizar no negócio da futura esposa. Dois anos após a primeira entrevista, encontramos As morando no mesmo lugar com os pais, solteiro, não havia terminado o ensino médio, estava em outro trabalho (auxiliar de expedição, preparava notas fiscais para os caminhões viajarem), havia parado o curso de computação e terminado o noivado. O noivado acabou depois que parou de freqüentar a igreja da noiva, que era evangélica. Segundo ele, o pastor humilhou as pessoas que não podiam pagar as “ofertas”, acusando-as de estar gastando com o diabo (fumo, bebida, mulher, etc.), por isso as desprezava. As havia se convertido à religião, mas afirma que, com a humilhação por não ter dinheiro para pagar as “ofertas”, resolveu abandoná-la, desencadeando a crise no relacionamento e culminando com o término do noivado. Paralelo aos acontecimentos acima, foi despedido do trabalho e, em conseqüência, interrompeu o curso de computação por falta

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de dinheiro. Conseguiu um outro trabalho apenas alguns meses depois, numa transportadora em Osasco. Não foi possível concluir o ensino médio, segundo As, porque não havia encontrado vaga, até então, no supletivo público, uma vez que não tinha dinheiro para realizálo numa escola privada, como planejara. Mas projetava continuar tentando uma vaga no supletivo público e voltar para o curso de computação interrompido – incentivado por um amigo de trabalho que estudava nessa área – dessa forma acreditava estar investindo para que, no futuro próximo, pudesse galgar um cargo melhor dentro da empresa em que trabalhava, pois pretendia ter um salário melhor para realizar o mais novo projeto: comprar um apartamento. Temos a impressão de que voltar ao ensino médio é, mais uma vez, um projeto que As sabe que dificilmente realizará, pois nos conta que ainda não havia retornado para o curso de informática porque sobraria pouco tempo para dormir, uma vez que trabalhava à noite. Como faria, então, para voltar ao ensino médio, que compromete mais tempo de dedicação aos estudos? Enquanto isso, limitava-se a procurar vaga na escola do bairro. Não nos pareceu que havia empenho para realizar esse projeto, e sim que se tratava de um tipo de “desencargo de consciência”, pois idealizava ser como um dos tios maternos: constituir família, ajudar financeiramente os membros da família necessitados, comprar uma casa (o que o pai não conseguiu) e ter um bom emprego, mas, para realizar semelhante sonho, acreditava, baseado na própria experiência, ter que voltar à escola. Porém, ao mesmo tempo em que concebia a ausência do diploma do ensino médio como um obstáculo, acreditava que, na prática, os conhecimentos programáticos não eram utilizados no trabalho e, muito menos, na vida pessoal. Dessa forma, voltar à escola torna-se penoso porque não via utilidade naquele tipo de aprendizado, que, além de tudo, exigia sacrifícios (dormir menos). Encontrava-se num momento que precisava privilegiar o trabalho, pois necessitava de dinheiro para se sustentar e ajudar a família. Havia perdido o contato com os amigos do Fanny – apenas um deles continuou os estudos após o ensino médio – o único lazer que possuía era jogar bola e sair aos sábados à noite – para comer esfihas – com os colegas do trabalho.

Eg, 24 anos (na ocasião da primeira entrevista), reprovou cinco vezes, sendo quatro vezes no ensino fundamental e uma no ensino médio, desistiu duas vezes no ensino médio e não se rematriculou. Osasquense, morou no bairro de V. Yolanda durante seis anos, pais paulistas.

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Eg, pelo que podemos concluir59, fez duas vezes (no Fanny) o primeiro ano do ensino médio – além de tê-lo, também, interrompido e no curso de magistério privado, devido à falta de dinheiro – tendo abandonado, no meio, o segundo ano. No primeiro momento da entrevista, apontou a preguiça como responsável pelas desistências e retenções constantes: “Eu não sou muito de estudar, eu tenho preguiça (...)” No decorrer da entrevista, entretanto, culpou a escola (Fanny) e a necessidade de trabalhar: “(...) o Larizatte [escola em que cursou o ensino fundamental] é diferente em termos de professores, de alunos, de ensino, de tudo do Fanny. Porque o Larizatte, em termos de professores, o ensino é mais forte (...). O que eu aprendi do meu primeiro ano até a 8ª série, tava (sic) repetindo, voltando, e fora a direção, que não era muitas coisas (...)”. Na avaliação de Eg, o ensino fraco, os alunos bagunceiros, a direção que não colocava ordem na escola e a dificuldade, devido ao trabalho, de chegar nas primeiras aulas, rendendolhe muitas faltas e notas vermelhas, levaram-na a desistir. Eg começou a trabalhar por volta dos 14 anos, cursava naquele momento a 6ª série do ensino fundamental no período diurno, passando a estudar no período noturno. Precisava ajudar financeiramente a família e queria ter dinheiro para as despesas com vestuário e lazer. A família pagava aluguel, o pai tinha um emprego, que não lhe proporcionava um bom salário, como vigia na Philips, em São Paulo; a mãe era vendedora ambulante de Yakult e o irmão mais velho trabalhava como operário numa empresa de grande porte em Osasco (Cobraseixos). Alguns anos depois, quando se encontrava no ensino médio, mesmo com os dois irmãos mais novos trabalhando – o mais velho havia se casado – e o pai com um negócio próprio (dono de perua escolar) era necessário trabalhar para ajudar a família a pagar o aluguel e as demais despesas, além do que estava com mais de 20 anos e achava que precisava fixar-se em um trabalho e definir uma profissão. Com a dificuldade de adaptação na nova escola (Fanny), na qual tudo era tido como negativo, não fez amizades, fazendo questão de frisar que não tinha amigos na escola, não gostava de ficar no pátio ou no portão da escola. Vivia uma experiência nova, havia mudado para a V. Yolanda, não tinha amigos no bairro, limitava o contato aos três irmãos – um deles dois anos mais velho; e os outros dois 5 e 6 anos mais novos, respectivamente. Todos os 59

As informações que ela nos deu são bastante contraditórias e imprecisas no que tange às séries em que desistiu e foi reprovada.

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irmãos viveram também a experiência da desistência escolar, sendo que dois desistiram no ensino médio e um no ensino fundamental. Dois retornaram aos estudos, concluindo o ensino médio no supletivo público. Eg, influenciada pela convivência com o acupunturista para o qual trabalhava como recepcionista, fez um curso de massagista durante o ensino médio, começou a trabalhar como autônoma na profissão e passou a investir em cursos de curta duração na área. Trocava, assim, o antigo projeto de fazer magistério para trabalhar com criança, por algo mais ao seu alcance, uma vez que, segundo nos relatou, todas as vezes que pleiteou uma vaga no curso de magistério público não conseguiu, e não tinha condições de pagá-lo na rede privada. Embora na ocasião da primeira entrevista ainda pretendesse voltar ao curso de magistério, na segunda entrevista o retorno já não estava mais em seus planos e, sim, continuar no ramo de massagem e estética. Mas nos pareceu, na ocasião do nosso segundo encontro, que Eg não se deu muito bem nesse ramo, pois estava trabalhando somente nos finais de semana devido à falta de clientes. Por isso passou a morar, provisoriamente, num bairro vizinho à V.Yolanda, com a avó materna, que, por estar doente, necessitava de cuidados diários. Podemos inferir que alguns motivos podem ser apontados como responsáveis pela falta de adaptação à nova escola, tais como: a dificuldade de fazer amizades na escola e de articular uma estratégia para conseguir notas azuis – “(...) o estilo do Fanny era diferente (...)”; o distanciamento entre o projeto de cursar o magistério e o ensino médio regular; a dificuldade de lidar com a cultura escolar – já havia repetido algumas vezes no ensino fundamental; a baixa auto-estima gerada pela repetência – haja visto a preocupação de frisar que suas reprovações se deram devido às faltas e não às notas e, logo em seguida, argumentar que as notas vermelhas não significam “(...) que você é burro (...), mas, sim, que você precisa estudar mais um pouquinho (...)” – e estar fora da média de idade da classe, pois entrou no ensino médio com mais de 20 anos, quando o comum nessa escola era o aluno estar já na segunda série do ensino média com 16 ou 17 anos60, encontrando “colegas” de classe num outro momento de vida, “da bagunça”, como ela afirma. Tudo isso pode tê-la levado ao abandono e ao desprezo total pelo Fanny – como fica claro na entrevista aqui reproduzida –, a ponto de acreditar que a escola anterior, em que realizou o ensino fundamental, era melhor, “mais forte” – como afirma – e que os formados do Fanny saíam incapacitados de serem aprovados em qualquer vestibular, curso ou teste de empresa. 60

Segunda nossa pesquisa realizada com as três classes do segundo ano do ensino médio da escola Fanny M. Santos.

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Surpreendentemente, a imagem da escola, mesmo da escola pública, não ficou arranhada para Eg, pois ela nos disse que a escola é necessária para vida e ajuda no cotidiano, ao contrário do Fanny.. Quando indagada sobre as reprovações no ensino fundamental, que fez em uma outra escola, afirmou justificar-se porque, além de não ter feito pré-escola, – vindo a repetir o primeiro ano – não havia ninguém que a ajudasse nas dúvidas e nas lições de casa, alegando que os pais haviam concluído apenas a 4ª série do ensino fundamental e, por isso, não tinham condições de ajudá-la, embora a mãe freqüentasse as reuniões escolares. Assim, Eg alegou motivos externos para as reprovações sofridas. Temos um outro olhar para repetência de Eg no ensino fundamental, acreditamos que a ausência da pré-escola e a falta de alguém para orientá-la nos estudos – pois devia ter muitas dúvidas que não tirava com a professora devido à sua timidez – contribuíram para a repetência, mas devemos considerar também outros fatores como: o complexo de inferioridade – por se ver diferente dos demais colegas –, que pode ter desencadeado os dois anos de acompanhamento psicológico a que foi submetida, porque havia caído de uma laje e a mãe, a exemplo dos médicos, receava que houvesse causado algum problema psíquico; ser uma criança bastante nervosa, que não admitia que o professor dissesse que estava errada; a ausência de convivência com a cultura escolar em casa e a entrada no mercado de trabalho, aos 14 anos, quando ainda estava no ensino fundamental, sendo obrigada a freqüentar as aulas após uma jornada de trabalho de oito horas.

Rm, 21 anos (na ocasião da primeira entrevista), nunca repetiu, parou de estudar duas vezes, a primeira após a 4ª série (com 10 anos), voltando a estudar com 15 anos; e a segunda, na 2ª série do ensino médio; os pais são nordestinos e cursaram até a 4ª série do ensino fundamental.

Rm morou até os 14 anos em Sorocaba, interior de São Paulo, com o pai (motorista), a madrasta (do lar) e os dois irmãos (um irmão 6 anos mais velho e uma irmã 13 anos mais nova); perdeu a mãe na infância. Após a conclusão da 4ª série do ensino fundamental, em que era ajudada nas tarefas escolares pelo irmão seis anos mais velho, foi obrigada a desistir dos estudos, porque,

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segundo a madrasta, “mulher não precisava estudar”. Diante da proibição e da vontade de continuar os estudos, resolveu acompanhar o irmão mais velho – que também havia parado os estudos no ensino fundamental – na mudança para a cidade de São Paulo ( bairro Jabaquara), em busca de trabalho. Ao chegar a São Paulo, no Jabaquara, matriculou-se na 5ª série do ensino fundamental, embora estivesse bastante receosa porque estava fora da idade da série (encontrava-se com 15 anos). Mas não encontrou problemas, mesmo sendo obrigada, alguns meses depois, a mudar de escola e de cidade, pois o irmão precisou mudar para Osasco. Na nova escola, fez amizades, cativou os professores, não teve problemas com os conteúdos escolares, mantinha boas notas. “(...) Pra mim, da 5ª a 8ª série foram os meus melhores anos, tanto professores, colegas, foi maravilhoso (...)”. No mesmo bairro (Jd. das Flores) em que residia e estudava, conseguiu um trabalho como repositora em um supermercado. No término do ensino fundamental, casou-se e foi morar em um bairro distante do trabalho – no quintal da sogra –; o irmão já havia se casado um ano antes. A continuidade dos estudos deu-se em outra escola (Fanny) porque a anterior não oferecia o ensino médio. A nova escola situava-se no bairro de V.Yolanda, vizinho ao anterior. Rm estranhou o Fanny Manzoni: “(...) no Guimarães [escola anterior] era tudo arrumadinho, organizado, todo mundo tratava bem todo mundo, os professores super contentes, dificilmente a gente tinha aula vaga. Aí no Fanny é aquela bagunça e aquela agitação, gente fumando no corredor (...)”. Faz-se necessário frisar que a escola anterior era menor em espaço físico e em número de alunos, além do mais só oferecia o ensino fundamental, motivo pelo qual a maioria dos alunos era menor de idade, sendo mais fácil de serem controlados pela direção no que tange à disciplina ou ao uso de cigarros, ou qualquer outra coisa do gênero, nas dependências da escola. O ensino médio não era a única novidade na vida de Rm, que estudava, agora, longe dos amigos do ensino fundamental, pois aqueles que foram, também, para o “Fanny” encontravam-se em outras salas, com exceção de dois que foram mantidos. O percurso para chegar até a escola havia aumentado e muito: “Eu saía do trabalho [Jd. das Flores], ia a pé para casa [Jd. Santo Antônio], porque onde eu trabalhava não dava vale-transporte (...) chegava cansada, ia dar uma arrumada na casa, tomar banho correndo e voltava para a escola [V. Yolanda] (...)”

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Depois de passar por todo o percurso acima, as deficiências da escola tornavam-se insuportáveis: “Dava 15 para as 8 horas, não aparecia professor, quando acabava a energia [elétrica] aquele povo revirava aquela sala toda, aquela gente no corredor, era um horror (...)”. Os conteúdos de algumas disciplinas novas, para Rm, como Filosofia, Física e Química, eram incompreensíveis e ela não podia contar com a ajuda dos colegas de classe, porque não eram solidários como na escola anterior. Começou a tirar notas vermelhas, o que era inconcebível no ensino fundamental, embora tentasse estudar e fazer os exercícios propostos. O clima na escola começou a ficar insuportável, nos contou que alguns dos amigos, da escola anterior, desistiram, levando-a a aumentar o desânimo. Começou, então, a faltar à escola, aumentando o número de notas vermelhas em todas as disciplinas. Queria desistir, mas, ao mesmo tempo, pensava no quanto fora difícil conseguir voltar aos estudos, tendo até que deixar a família, porque acreditava que escola proporcionaria um bom trabalho, fugindo, assim, do futuro de empregada doméstica que a madrasta havia lhe reservado. Acreditava que, se continuasse morando em Sorocaba e parasse os estudo na quarta série do ensino fundamental, esse seria o seu fim. Conseguiu, apesar dos conflitos, manter-se na escola e ser aprovada para o segundo ano. No mesmo ano em que começa a cursar a 2ª série, obteve um novo trabalho, como vendedora em uma loja de roupas no centro de Osasco, não seria mais repositora em um supermercado de bairro. Rm havia alcançado um trabalho que almejava há algum tempo. Porém sairia do trabalho às 19:00 horas – horário que deveria entrar na escola - e levaria mais 40 minutos no percurso de ônibus até a escola, logo, entraria todos os dias a partir da segunda aula. Uma vez comunicando à direção da escola e aos professores, não teria problemas de ordem formal (faltas, perda de provas ou trabalhos), pois o regimento escolar autorizava a entrada na segunda aula aos alunos que precisavam, desde que devidamente comprovado. Diante do clima que vivia na escola, tentou, sem sucesso, uma vaga no curso de magistério público, pois era uma profissão que gostaria de ter, alfabetizar crianças. Mas, diante das dificuldades e do desânimo em continuar o ensino médio no Fanny, resolve, por fim, desistir. Não conseguia enxergar o que o Fanny acrescentava à vida que levava, ao contrário, era um martírio em seu dia-a-dia, tratava de coisas que eram incompreensíveis para si, não tinha amigos – os poucos, vindos da outra escola, estavam em outras salas ou haviam desistido – julgava a escola uma bagunça e, enquanto se preocupava com a casa e com o

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marido, os “colegas” de sala arquitetavam uma forma de “cabular” para ficar no pátio ou nos corredores paquerando e namorando. Rm possuía um novo emprego, que julgava bom e ao qual queria dedicar-se. Assim, aproveitava para se livrar de algo que, na nossa opinião, a oprimia e mexia com sua auto estima – sentia-se incapaz de entender certos conteúdos e tirava notas vermelhas, inconcebíveis até então, apagando a imagem de boa aluna que tinha de si. Prosseguiu, entretanto, com o projeto de terminar o ensino médio, pois continuava acreditando na necessidade de concluí-lo para o futuro profissional. Um ano depois obteve outro trabalho, como atendente na Drogasil, em uma filial em Osasco, e começou a pensar seriamente em retornar aos estudos, pois para ser promovida no trabalho precisaria freqüentar os cursos realizados pela própria empresa, mas somente quem possuía o ensino médio poderia fazê-los; era uma exigência da empresa. Na ocasião da primeira entrevista, Rm parecia bem animada com o novo emprego e com a possibilidade de retornar aos estudos, dizia ter incentivo do marido e dos colegas de trabalho. Quando a encontramos pela segunda vez, havia terminado o ensino médio, que concluiu em oito meses através do supletivo da rede privada. No mesmo ano (2000) em que terminou o ensino médio, solicitou a inscrição nos cursos da empresa, mas já não parecia tão motivada. Pois, segundo ela, lidar com remédios e clientes tinha se tornado monótono, o que desejava naquele momento era mudar de área de trabalho, portanto estava pensando em fazer o terceiro grau na área de informática. Acreditava que era um campo amplo de trabalho e que se renovava a cada dia, exigindo constantes atualizações por parte do profissional, ou seja, uma área dinâmica que se diferenciava totalmente da monotonia da área de farmácia. Assim, mesmo a empresa custeando parte dos estudos para aqueles funcionários interessados em cursar o ensino superior na área de farmácia, não se entusiasmava. Quanto ao supletivo, afirma não ter tido problemas para acompanhá-lo, porque os professores eram competentes; os colegas, solidários e, além disso, recebeu apoio e incentivo dos colegas de trabalho e, em especial, do gerente. Foi um ano difícil, pensou até em desistir mais uma vez, pois perdeu um membro da família e separou-se do marido. Com a separação, desestruturou-se financeira e emocionalmente, foi obrigada a montar uma nova casa, passar a pagar, sozinha, o aluguel. O principal motivo da separação, segundo Rm, foi a falta de vontade do marido de construir um futuro promissor. Estava desempregado fazia cinco anos, realizando apenas trabalhos temporários e informais, não pensava em retornar aos estudos (havia concluído somente o ensino fundamental) ou comprar uma casa

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para morarem, não poupava dinheiro, raramente ajudava nas despesas domésticas e recusavase a fazer os trabalhos domésticos (lavar, passar, cozinhar, etc.). Rm diz ter sede de “crescer”, aprender coisas novas, “de subir na vida”, “acompanhar os novos tempos”, por isso mirava-se sempre naqueles que “subiram na vida”, como o gerente da central que, para concluir um curso superior, passou por muitas dificuldades, além de já estar casado e com filhos. Quando indagada sobre os projetos para o futuro, nos confessa que pretende encontrar alguém maduro, disposto a construir uma vida a dois, de forma que sejam criadas condições para que possa cursar o ensino superior e, em conseqüência, conseguir um bom emprego. Podemos perceber que Rm é movida pelo projeto de ter um bom trabalho e, assim, prosperar, acreditava que a escola pudesse ajudar. Cada vez que julgava ter alcançado um objetivo, abandonava-o e, quando se punha novamente a procurar, tentava voltar aos estudos. Mas, em nenhum momento encontrou, no ensino médio, utilidade para o seu dia-a-dia. Representava, simplesmente, credenciamento para um novo trabalho. Contudo, em relação ao curso universitário, parecia esperar um aprendizado útil para o campo profissional, ou seja, aprender uma profissão. No que tange ao lazer, sempre foi restrito para Rm. Costumava ir à igreja e, às vezes, saía para a casa dos familiares do marido, pois, além de não sobrar dinheiro, trabalhava durante os finais de semana. Na ocasião da segunda entrevista, seu lazer havia se restringido ainda mais; uma vez morando sozinha passou a fazer mais horas extras no trabalho e as despesas com a sobrevivência dobraram, não lhe sobrando tempo nem dinheiro para o lazer.

Ln, 23 anos (na ocasião da primeira entrevista), osasquense, moradora de um bairro vizinho da V. Yolanda desde os 9 anos, repetiu cinco anos no ensino fundamental, desistiu uma vez no ensino médio e não voltou a se matricular; pai analfabeto, mãe com a 4ª série do ensino fundamental, ambos nordestinos.

Ln matriculou-se, em 1996, no ensino médio da escola Profª Fanny Manzoni Santos, a qual ficava distante de sua casa, em um bairro vizinho, pois foi a única escola da região na qual encontrou vaga. Porém o trabalho como empregada doméstica na cidade vizinha (São Paulo) era um obstáculo para a sua entrada na primeira aula, o que a levava a faltar.

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O percurso para casa após o término das aulas era longo 61, poderia fazê-lo de ônibus, mas demandaria um custo mensal que não teria como arcar, por isso, fazia-o a pé. Apresentava dificuldade na assimilação dos conteúdos escolares, principalmente na área de exatas – ao longo das duas entrevistas frisou o seu problema em Matemática – que, no geral, considerava muito distantes do cotidiano. Insistia, porém, em estudar porque acreditava que a escola era necessária para ter um bom futuro, embora no presente não enxergasse utilidade nos conteúdos programáticos. Mas nem tudo era sacrifício, a escola era a oportunidade de encontrar amigos, fazer amizades “com alguns professores legais”, combinar saídas para os bailes após o intervalo das aulas, às quintas e às sextas-feiras. Enfim, a escola era um lugar para distrair-se após o trabalho. Além dos conteúdos programáticos, outra coisa a incomodava: o fato de alguns alunos usarem drogas dentro da escola. Diante de tantas faltas e dificuldades com os conteúdos programáticos, era necessário fazer uso de estratégias para não ficar retida, e isso Ln havia apreendido no ensino fundamental. Não faltava nos dias de provas, controlava as faltas e sabia fazer uso da cola. Quando tirava notas vermelhas nas avaliações, chegava a ficar brava consigo mesma por não ter colado direito. Mas não entrava em pânico porque sabia que teria chance de fazer outra avaliação para recuperar a nota vermelha. O que estava em “jogo” não era assimilar o conteúdo e, sim, obter notas azuis, não importando os meios que assegurassem uma futura aprovação. Conseguiu, assim, ser aprovada no primeiro ano do ensino médio. No primeiro semestre do segundo ano do ensino médio, Ln ficou desempregada e, não possuindo mais dinheiro para ir aos salões de baile com os amigos da escola, precisaria recorrer ao pai para comprar o material escolar, o que não lhe agradava. Sentindo-se desmotivada para estudar, resolveu, então, desistir. Essa decisão foi reforçada pela notícia, logo em seguida, da gravidez. Interessante observar que, mesmo considerando a importância da escola para o futuro e tendo-a como instituição disciplinadora (“aconselha ensinando o certo e o errado”), não conseguiu prosseguir os estudos, pois perdeu o trabalho, uma das poucas coisas que lhe elevava a auto-estima. Deixou de ser suficiente saber que a escola a ajudaria no futuro, o presente passou a falar mais alto, e o presente era a escola, que a atormentava com um conhecimento que parecia inatingível, que a fazia sentir que “não [era] feita para os estudos” e que a obrigava a pedir dinheiro ao pai para comprar material escolar.

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Para chegar à escola fazia o percurso de ônibus, pois vinha direto do trabalho.

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Mesmo conseguindo trabalho, alguns meses depois, como empregada doméstica, e projetando voltar ao ensino médio porque assim imaginava conseguir um emprego como secretária numa empresa, continuou fora da escola, alegando que, com o nascimento do filho, ficara mais difícil retornar aos estudos, uma vez que precisaria pagar alguém para cuidar à noite da criança (que permaneceria na creche durante o dia), demandando uma quantia de dinheiro de que não dispunha. Além do mais, observou que diminuiria o já escasso contato com o filho. Além da dificuldade de conciliar o retorno aos estudos e a convivência com o filho, considerava o fato de as experiências vividas na escola não terem sido as melhores. Na 6ª série do ensino fundamental já havia reprovado várias vezes, chegando a perder as contas. Só soube dizer que nessa séria (6ª) estava com 17 anos, pois foi quando entrou no mercado de trabalho como doméstica. Quando estava na 3ª série do ensino fundamental (com 9 anos), foi obrigada a mudar de escola porque os pais se separaram, passando a morar com o pai e quatro irmãs numa área livre, local em que residia até o momento das entrevistas. Já na série seguinte, Ln conheceu o gosto da repetência62. Seu pai, analfabeto, não tinha condições de ajudá-la nas tarefas escolares, muitas vezes quem a auxiliava eram as filhas da vizinha que, a pedido do pai, freqüentavam as reuniões escolares e cuidavam de Ln e das irmãs quando eram pequenas. Seguiu a vida escolar sem ter grande ajuda em casa, vivendo, ao mesmo tempo, uma situação nova, distante da mãe, de quem gostava; cuidada por uma estranha, além de assistir de longe a mãe tornar-se uma alcoólatra e conceber mais dois filhos que foram entregues pelo tio materno ao juizado de menores. O mesmo tio providenciou tratamento para a mãe de Ln em Minas Gerais, afastando definitivamente mãe e filha. Ln disse-nos gostar da mãe e teceu bons comentários sobre ela, “mulher inteligente” – fizera até a quarta série do ensino fundamental – “trabalhava como revendedora da Avon” e “sabia fazer muito bem matemática”. Na 7ª e na 8ª série do ensino fundamental, Ln passara por uma experiência menos sofrível na escola. Nessa época morava na casa em que trabalhava como empregada doméstica (SP- capital/ bairro Rio Pequeno) e a patroa dela incentivava-a a estudar dando-lhe conselhos sobre a vida em geral. Fizera, ainda, amizade com uma colega de classe que a 62

“A situação das relações de interdependência no seio das quais se achavam inseridas as crianças é, portanto, muito susceptível de transformação e, quando a boa situação escolar das crianças só se mantém por um fio, por uma ausência de investimentos culturais e econômicos suficientemente potentes, recorrentes, para evitar qualquer acontecimento perturbador, então a menor modificação das relações de interdependência (...) pode traduzir-se em “dificuldades”. (LAHIRE,1997;347)

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ajudava nos afazeres escolares. Encontrou carinho e ajuda escolar, o que a levou a eleger essas duas séries como as mais tranqüilas e gostosas. Depois do ensino fundamental, foi obrigada a voltar para Osasco, pois a patroa não tinha mais condições financeiras de manter uma empregada doméstica. Matriculou-se, então, no ensino médio no Fanny. Assim como Ln, as irmãs também tiveram dificuldades com a escola A irmã um ano mais velha parou os estudos na 8ª série do ensino fundamental, quanto às irmãs mais novas, uma concluiu o ensino médio com 20 anos; outra estava no 3º ano do ensino médio com 19 anos, na ocasião da segunda entrevista; havendo, ainda, uma com 17 anos na 6ª série do ensino fundamental. Evidencia-se um contraste em relação aos dois irmãos por parte de pai, os quais cursavam a 5ª e a 2ª série do ensino fundamental, com as idades de 11 e 8 anos, respectivamente. Ln dizia não ter paciência para ajudar os dois irmãos mais novos nas tarefas escolares, só ajudou nas primeiras séries, quando estavam sendo alfabetizados. Assim como não gostava de pedir ajuda nas tarefas escolares, preferia copiar já pronto dos colegas, não gostava de ensinar. A irmã mais velha de Ln também trabalhava como empregada doméstica, a tia com a qual mantinha mais contato era diarista, uma de irmãs mais novas havia deixado recentemente a profissão de doméstica, tendo conseguido um trabalho em outro ramo, uma outra irmã cuidava da casa e dos filhos da irmã mais velha. A experiência das irmãs e da tia possibilitou a Ln empregar-se como doméstica, pois precisava ajudar nas despesas domésticas, além de ter seu dinheiro para despesas pessoais e lazer (bailes). Muitos dos amigos (do bairro e do Fanny) pararam antes de concluir o ensino médio – apenas uma das amigas conseguiu retornar para concluir o ensino médio através do EJA (Educação de Jovens e Adultos). Quando se refere a um dos amigos que concluiu o ensino médio, diz: “Ah, fico contente por ele, eu não consegui me formar porque não tinha vontade mesmo, ele tinha vontade de terminar os estudos pra se formar, pra ser alguém na vida”. Talvez essa sensação de incapacidade transformada em expressões como “não querer” cresça cada vez que for reprovada numa entrevista ou em um teste numa empresa, pois, como nos contou, havia sido reprovada havia poucos dias para a vaga de atendente de telemarketing, e responsabilizava a deficiência em matemática pela reprovação. Alega estar procurando um outro trabalho porque “o salário como empregada doméstica está baixo”, além de ter problemas com a então patroa e almejar mudar de profissão – durante a entrevista, por várias vezes, ela disse que gostaria de terminar o ensino

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médio para conseguir um trabalho numa empresa para “deixar essa vida” –, estava animada com o fato de a irmã ter conseguido outro tipo de trabalho. Na ocasião do nosso segundo encontro, Ln continuava morando na mesma área livre, mas em uma casa separada da do pai – embora fosse ao lado – ela e as três irmãs optaram pela separação devido à má convivência com a madrasta; estava namorando e pensando em se casar. Ln acalentava, ainda, o projeto de conclusão do ensino médio e a realização de um curso de computação para ter chances no mercado de trabalho formal, longe do campo de atuação como doméstica.

ANÁLISE Em nossa amostra dos cinco jovens desistentes, encontramos uma característica que consideramos de suma importância: o histórico de repetência e/ou desistência no ensino fundamental, arrastando-se até o ensino médio, ao contrário da amostra anterior (“Os alunos menos freqüentes...”), que, embora, na sua maioria, tenham passado por uma experiência de retenção no ensino fundamental, conseguiram superar o fato seguindo os estudos até a conclusão do ensino médio. Os jovens desistentes não conseguiram superar a experiência negativa de retenção e/ou desistência, esticando-a até ao ensino médio, o qual foi abandonando antes da conclusão. Nessa amostra apenas Rm voltou, após alguns anos, aos estudos (que abandonara no ensino fundamental por imposição da madrasta) para concluir o ensino médio. Os demais pretendem, com exceção de Eg, retornar aos estudos no futuro, pois no presente estão preocupados com o trabalho, com a sobrevivência63. A demora na conclusão do ensino fundamental levou-os, com exceção de As, a ingressarem no mercado de trabalho com a anuência das respectivas famílias, antes mesmo de terminarem a oitava série. O mercado de trabalho não lhes foi, portanto, muito generoso, uma vez que a falta de qualificação e o baixo grau de escolaridade geraram salários ínfimos e fases de desemprego. Assim, na ocasião da segunda entrevista, todos eles encontravam-se, ainda, tentando firmar-se nos empregos.

63

“(...) Da parte de muitos, ocorrem tentativas de retorno à escola, mas, em muitos casos, a relação entre o mundo do trabalho e o da escola se mostra de difícil conciliação (...)” (ZAGO, 2000:27)

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Embora tenha sido possível para as famílias mantê-los fora do mercado de trabalho por alguns anos – tempo suficiente para concluírem o ensino fundamental, se não houvesse interrupções ou repetências – após começarem a trabalhar passaram a contribuir para as despesas domésticas e para o próprio sustento, ao contrário do que ocorreu com o grupo anterior ( “Os alunos menos freqüentes... “). Mr só após a morte do pai tornou-se uma peça chave no orçamento doméstico, uma vez que, além da contribuição financeira da mãe (cozinheira), a família contava apenas com o salário dele; Rm passou a morar fora da casa dos pais, juntamente com o irmão, precisando, então, do próprio salário para se sustentar; Lm, diante da nova família que o pai constituiu, teve a necessidade – juntamente com a irmã solteira – de prover o próprio sustento; Eg, ao lado do irmão mais velho, começou a ajudar os pais nas despesas domésticas e a pagar o aluguel, uma vez que a família era composta por mais dois membros que não trabalhavam; por último, temos As, que foi o único que ingressou no mercado de trabalho após a conclusão do ensino fundamental (com 20 anos), embora, anteriormente, fizesse esporadicamente serviços como eletricista em casas da vizinhança para ajudar na manutenção da casa e de si próprio. Porém foi só após a entrada no mercado de trabalho formal que começou a ter uma contribuição imprescindível, época em que a família passou a ter mais um membro e a contribuição financeira da mãe tornou-se bastante escassa, uma vez que na “tapeçaria”, na qual trabalhava, os serviços tornam-se cada vez mais raros. Mesmo tais jovens pertencendo a famílias carentes que precisam de mais um membro trabalhando para ajudar nas despesas domésticas, não nos parece que essa tenha sido a causa principal para que entrassem no mercado de trabalho, com exceção de Rm , mas, sim, a necessidade de fazer algo que lhes desse um retorno positivo, que os valorizasse diante do outro e de si mesmos e que lhes elevasse a auto-estima. O fato de o trabalho proporcionar ajuda financeira à família e ao educando – no que tange ao vestuário, ao lazer e o material escolar – traria respeito por parte da família e abrandaria a marca de derrotado construído na escola através das notas baixas, da impotência diante de conteúdos pouco inteligíveis e da reprovação formal pela própria escola. O que nos leva a chegar a tal conclusão é o tempo razoável que eles levaram para ingressar no mercado de trabalho. Considerando tratar-se de famílias de classe média baixa, seria tempo suficiente para concluírem o ensino fundamental, caso não houvesse interrupções ou repetência – ou seja, não havia urgência financeira para começarem a trabalhar. Portanto, só depois de estarem trabalhando passaram a ter uma contribuição doméstica imprescindível.

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Parece que as famílias esperavam a conclusão do ensino fundamental, mas, devido à demora em razão das constantes desistências e/ou repetência, resolveram não interferir na decisão dos filhos de entrarem no mercado de trabalho antes mesmo de terminarem o ensino fundamental. Os pais talvez tenham percebido que os filhos, dentre outras coisas, estavam sedentos daquilo que o mercado de consumo podia lhes oferecer, e, conscientes de que não poderiam financiar esses gastos, acabaram até aceitando contribuições financeiras. Percebe-se que as idades ao conseguirem o primeiro emprego

não

são muito

diferentes daquelas dos dois grupos anteriores: tinham respectivamente 15,17,14 e 20 ; o primeiro grupo tinha 15,15,18,18, e 17; e o segundo grupo, 17,17,17,16 e15. A diferença maior estava na conclusão do ensino fundamental, concluída pela maior parte dos integrantes dos dois primeiros grupos antes que começassem a trabalhar. A entrada no mundo do trabalho, embora tenha melhorado a auto-estima do educando, aumentou a distância em relação à escola, pois as oito horas diárias de trabalho geraram cansaço físico e mental, dificultando ainda mais a assimilação dos conteúdos, provocando atrasos, faltas e a quantidade de notas negativas. Além do mais, existe o fascínio com o poder de compra, que, apesar de pequeno, permite, por exemplo, a aquisição do vestuário desejado. Vêem, portanto, cada vez menos a necessidade da escola em suas vidas porque conseguem trabalhar, ganhar dinheiro e gastá-lo

sem ao menos concluírem o ensino

fundamental. Acrescente-se o fato de que não conseguem ver ligação entre trabalho e estudos, não atribuem à escola um papel moral, como é o caso do primeiro grupo, que acredita que lá é mostrado o caminho certo a seguir na vida. O importante passa a ser cada vez mais o trabalho e o lado pessoal (namoro, casamento e etc.), porém continuam a estudar até onde suportam: concluir o ensino fundamental e entrar no ensino médio. O esforço talvez aconteça porque apreenderam a escola como valor positivo e como aquela que ajuda a ter chances melhores no mercado de trabalho e, assim, até onde conseguem, vão fazendo um investimento para o futuro. Mesmo quando Lm, Mr e Rm afirmam terem vivido uma boa relação com a escola no ensino fundamental – iniciando e mantendo várias amizades com seus pares e com o corpo docente – percebe-se que a escola é vista como local de sociabilidade. O desinteresse e dificuldade para com os conteúdos programáticos os levam ao uso de várias estratégias, dentre elas a cola, para a aprovação. As dificuldades e desinteresse podem ter sido geradas, dentre outras coisas, pelo escasso contato com a cultura formal fora da escola. Os pais não os ajudavam nas tarefas escolares, seja pelo baixo grau de escolaridade (com exceção dos pais de As, os demais não

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ultrapassaram a 4ª série do ensino fundamental), seja por falta de tempo ou por outros motivos que não nos foram revelados. Isso não significa que os pais fossem alheios à vida escolar dos filhos, ao contrário, freqüentavam as reuniões bimestrais e esperavam bons resultados, embora não soubessem como ajudá-los. Mesmo tendo concluído o ensino fundamental e prosseguido no ensino médio, tais estudantes não conseguiram articular um projeto de futuro ligado à escola. Não enxergaram nela ligação com suas vidas, seu cotidiano, seu trabalho, embora tenham aprendido que a escola é importante para ter um futuro promissor. Além disso, três dos jovens em questão ( Mr, Rm, e Eg ) passaram por problemas de adaptação na nova escola em que foram cursar o ensino médio, pois tiveram dificuldades para fazer amizades e entraram em choque com os colegas de sala, em geral mais novos

64

e com

interesses diferentes, como cabular aula para namorar e paquerar, bagunçar em sala de aula e com os professores etc., enquanto eles estavam preocupados com marido/esposa, noivo(a), ter aula, trabalho, com futuro profissional etc., além da dificuldade com conteúdos novos de disciplinas desconhecidas até então (Física, Química e

Filosofia), que não conseguiam

assimilar, desencadeando notas baixas. Uma vez não conseguindo transformar a escola em um espaço agradável de sociabilidade, e também tendo dificuldades de articular estratégias para conseguir boas notas, vivem o pesadelo das notas vermelhas que abrem a ferida da auto - estima minada. O fracasso escolar é mais que a simples falha em uma empreitada (...); ele é um veredicto que leva a uma reorganização da percepção de si. Humilhado, o aluno pode se achar dentro da impossibilidade de se livrar do julgamento escolar”. (...) A recuperação da auto-estima exige uma revanche sobre a escola, o porvir exige o “luto” pelo fracasso

escolar. (...) [Dentro dessa perspectiva, crescer pode ser

sinônimo de] ter um trabalho, renunciar à escola se desprender.

(DUBET,1996,

p. 273 e 275) Lm, embora tenha conseguido fazer amigos no ensino médio e marcado saídas para bailes, revive também a experiência de notas vermelhas, a dificuldade com conteúdos escolares e, a partir do momento em que fica desempregada, não tendo mais o dinheiro para as saídas com as amigas da escola, mina o espaço de sociabilidade que a escola representava e não sobra muito dela, optando por desistir. 64

Os “(...) percursos acidentados (sejam decorrentes de reprovações ou de interrupções) aumentam a distância entre idade cronológica e idade escolar, e, quanto maior a diferença, mais improvável se torna a conclusão de um ciclo de ensino (...)”. (ZAGO, 2000:27).

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As, embora não tivesse que se adaptar à escola durante o ensino médio, porque foi o único que concluiu o ensino fundamental na mesma escola, teve que se adaptar à nova turma depois que ficou afastado um ano devido ao serviço militar, adaptação na qual não obteve sucesso Era muito tímido, tinha dificuldade para fazer amizades, a turma anterior era muito importante para ele, estavam juntos havia dois anos e era isso que o incentivava a ir à escola; com a nova turma, voltou a viver o pesadelo das notas vermelhas e da dificuldade de articular estratégias para aprovação, pois já havia repetido duas vezes. Percebe-se, aqui, o abandono da escola porque ela deixou de ser um espaço de sociabilidade e de representar uma fonte de aprendizado útil para suas vidas, seja como crescimento pessoal ou como ferramenta para o trabalho. Daí sentirem a necessidade de eliminar da vida tal obstáculo, pois, além de lhes roubar momentos de descanso e de oprimilos, reprovando-os através de notas vermelhas e de conteúdos não inteligíveis para eles, a escola parece acentuar seus complexos, diminuindo-lhes a auto-estima. Além do mais, a conclusão do ensino fundamental representa, em geral, já ter conseguido realizar muito mais do que seus pais realizaram, e desistir é um ato familiar, já vivido pelo próprio entrevistado e por outros membros mais velhos da família. Claro, continuar os estudos continua sendo para o referido grupo, com exceção de Eg, um projeto para o futuro, mesmo que seja como desencargo de consciência, pois aprenderam que a escola é necessária para a obtenção de um futuro promissor (trabalho, dinheiro etc.) Percebemos que Rm foi a única a concluir o ensino médio, movida pela necessidade de galgar um patamar a mais dentro do trabalho, ou seja, num determinado momento da vida, atrelou o projeto profissional à escola, usando-a para uma futura promoção. Rm foi a única aluna desta amostra que não teve um histórico de repetência e, quando desistiu no ensino fundamental, o fez por imposição da madrasta e, na época em que desistiu do ensino médio, tinha claro ter atingido um objetivo profissional: um bom emprego, ou seja, não precisava mais, naquele momento, da escola. Os demais, que não continuaram os estudos, embora afirmassem sentir um certo desconforto perante a esposa, o empregador e os amigos pelo fato de não terem concluído o ensino médio, não conseguem retornar à escola, apesar dos projetos nesse sentido, pois os obstáculos são muitos: o horário de trabalho; o cansaço físico e mental oriundo do trabalho; a dificuldade de conviver com os colegas de classe mais novos (fator que poderia ser resolvido cursando o supletivo, como fez Rm, em que a faixa etária é mais alta, porém as vagas no supletivo público são poucas, teriam que pagar uma escola, esbarrando, assim, em um outro problema –; a ausência de um projeto profissional conectado com a escola); o total

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desinteresse pelos conteúdos programáticos e a ausência de uma visão sobre o papel da escola ou a frágil idéia de que ela não passa de uma instituição moral (que ensina “o caminho certo” a seguir). Portanto, a escola continua sendo vista como necessária à vida – porque assim apreenderam – mas, na prática, os jovens aqui apresentados não conseguem enxergar sua utilidade – a não ser como credenciadora para um possível trabalho – e ,além do mais, tornase “chata”, (assim que As a define), impossível de ser tolerada, e opressora devido às as reprovações através das notas vermelhas e dos conteúdos pouco inteligíveis. Diante dessa visão, alguns responsabilizam a escola em que cursavam o ensino médio pela desistência, outros culpam a si mesmos, e, ainda, alguns responsabilizam a ambos, mas, no fundo, todos parecem sair com a auto-estima arranhada, sentindo-se bastante incapazes para o aprendizado escolar.

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CONCLUSÃO

A democratização do ensino médio65 levou as camadas populares a terem acesso a ele. Tais camadas apresentavam uma fraca familiaridade com a cultura formal 66. Em decorrência, e paralelo a essa inserção, geraram-se tensões entre as duas culturas díspares, assim como a contraposição entre a autonomia juvenil e uma organização escolar que tenta impor a utilidade dos estudos e uma certa disciplina. A maneira como cada jovem administra as tensões surgidas influencia, de forma significativa, em sua formação (DUBET,1996). Embora a escola atual atinja de forma diversa cada um dos jovens, tentamos encaixálos em três diferentes grupos e trabalhar as diferenças. Os três grupos diferem-se profissionais

pelo fato de seus membros possuírem ou não projetos

e de vida ligados à escola e de vivenciá-la ou não como “locus”

de

sociabilidade e de aprendizado para a vida presente, uma vez que a escola pode ser vista de forma positiva ou negativa, dependendo das experiências fora dela; funcionando, ainda, como um espaço lúdico, agradável ou não. O primeiro grupo é o que se encontra mais em consonância com o mundo da escola, com mais disposição para absorver a cultura escolar. Seus membros, por motivos variados, aprenderam a valorizar esse tipo de cultura, acreditando que, através dela, possam ter sucesso profissional e ascensão social, por isso constroem projetos profissionais ligados à escola, se esforçam para apreender o currículo escolar, embora nem sempre tenham sucesso, atribuem ainda, valor moral à escola (“ensina o caminho certo a seguir”). Concebem a escola como uma obrigação para o futuro e aproveitam-na no presente como espaço de sociabilidade. Orgulham-se de estar no ensino médio e projetam chegar ao terceiro grau. No segundo grupo, embora seus membros também tenham a idéia da escola como valor positivo e apresentem-se integrados ao universo escolar, fazendo com facilidade 65

Tema trabalhado por Celso de Rui Beisiegel em seu livro “Estado e Educação Popular”. SP: ed. Pioneira, 1974. 66 Similar aos que DUBET ( 1996 ) chamou de “Os novos alunos do Liceu”.

111

amizades entre pares, professores, direção e funcionários em geral, sabendo manusear muito bem as estratégias para conseguirem a aprovação, apresentam, no entanto, dificuldades em relação aos conteúdos curriculares, sendo que alguns chegam mesmo a desprezá-los totalmente, apresentando, talvez, um sentimento disfarçado, herdado do ensino fundamental, de incapacidade para o aprendizado escolar. Os conteúdos, além de serem pouco inteligíveis, estão distantes do seu cotidiano, não vêem sua utilização prática. A escola está fragilmente ligada a projetos profissionais. No fundo, ela fica reservada para um futuro distante e abstrato. Cursá-la torna-se uma proteção contra o desemprego. Valorizam o trabalho, que começa a ter uma importante influência em sua formação, em detrimento da escola. (DUBET,1996). Porém a escola é considerada unanimemente como “locus” de sociabilidade. Por fim, o terceiro grupo apresenta dificuldades de integração ao mundo da escola, seus membros não conseguem articular estratégias para obter boas notas, não se identificam com seus pares, não reconhecem na escola um espaço de sociabilidade, vivem uma realidade totalmente desconectada do mundo escolar. A relação com a escola humilha-os, sentem-se incapazes de acompanhar o conteúdo escolar e defendem-se fazendo críticas a ela: má administração escolar, tráfico e uso de drogas dentro da escola etc. Parece que encontram no trabalho a válvula de escape para a experiência negativa construída na escola, a qual acabam abandonando como estratégia para se sentirem menos inferiorizados e se fortalecerem no mundo do trabalho. O fracasso escolar é mais que a simples falha em uma empreitada e de um projeto; ele é um veredicto que leva a uma organização da percepção de si. Humilhado, o aluno pode se achar dentro da impossibilidade de se livrar do julgamento escolar. “(...) A recuperação da auto-estima exige uma revanche sobre a escola, o porvir exige o “luto” pelo fracasso escola. [Dentro dessa perspectiva, crescer pode significar (...) ter um trabalho, renunciar à escola, se desprender]. ( DUBET,1996, p.273 e 275 ). Uma vez no mercado de trabalho, ao contrário dos dois grupos anteriores, os membros do último grupo têm contribuição imprescindível nas despesas domésticas, o que os obriga a eleger o trabalho em primeiro plano em detrimento da escola, com a qual possuem uma relação conflituosa. Percebe-se que é mais fácil para o primeiro grupo construir experiências positivas do que para os outros dois. Embora não se constitua no ideal, pois seus membros vivem a

112

experiência de trabalhar e estudar concomitantemente, o que lhes traz dificuldades como cansaço físico e mental, menos tempo para se dedicar aos estudos etc, prevalece o esforço para conciliar trabalho e estudos, e para ligar a escola aos seus projetos de futuro. Já o segundo grupo, embora represente uma experiência positiva, pois na escola encontram amigos entre pares, professores e funcionários, trocando informações, ostentando o status de estudantes de ensino médio e conseguindo dominar as estratégias para aprovação no final do ano letivo, vive, contudo, a dicotomia entre trabalho e escola, a opressão das aulas e de conteúdos pouco inteligíveis que lhes somam experiências negativas. Porém, nesses dois casos, eles conseguem controlar, de uma certa forma, o seu futuro, sendo sujeitos da vida escolar. No terceiro grupo, as experiências construídas no ensino médio são bastante negativas no que tange a fazer amigos, a absorver os conteúdos escolares, à auto-estima etc, o que os leva a abandonar a escola e buscar no trabalho uma experiência positiva, em que se sustentem como sujeitos, deixando de ser barcos à deriva, prestes a afundar. Percebe-se que, para os três grupos, a escola não se apresenta como um local em que se absorvem regras, como um sistema de valores. Ou seja, a formação não se dá a partir dela, mas sim a partir das experiências e das tensões nela vividas. Os três grupos relacionam-se de formas diferentes, uma vez que tiveram experiências diferentes. A escola não existe mais como instituição, mas como uma organização em que a coordenação das ações provém de um ajustamento aos constrangimentos do meio, da capacidade propriamente política de coordenar as ações da heterogeneidade dos atores e dos objetos que eles têm em vista (DUBET,1996 ).

113

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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115

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116

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117

ANEXO

118

A – Tabela de matrículas do ensino médio público

119

B - Perfil dos desistentes 1) Sexo: M 5

F 4

2) Idade: 16 a 18 anos 2

19 a 21 anos 4

22 a 25 anos 3

3) Estado Civil: Casa Solteir do o 2 7 4) Precisa trabalhar para viver? Sim 3

Não 6

5) Trabalho atual é: Assalariado Fixo

Eventual (bico)

Autônomo (por conta própria)

2

2

2

Ajudando Negócio da Família 0

Não tem profissão 3

6) Faixa salarial pessoal de renda, média mensal: Não Até 121,00 a 251,00 a 501,00 a 751,00 a 1001,00 a + de respond 120,00 250,00 500,00 750,00 1000,00 2000,00 2000,00 eu 1 1 4 2 0 0 0 0 7) Considera já ter uma profissão? Sim 2

Não 5

Não respondeu 2

120

8) Qual o local em que nasceu? Estado Out Não Cidade Próxima Em outra respondeu (Grande SP) cidade de SP que faz limite ro Estado com SP 2 1 0 1 0

Nesta mesma Região 5

9) Quantas pessoas da família moram em sua casa? Mora Com + Com + 2 ou Ao todo 5 a Ao todo 8 a Com + de Não Sozinho 1 pessoa 3 pessoas 7 pessoas 10 pessoas 10 pessoas Respondeu 0 1 2 4 2 0 0

10) Parentesco das pessoas que moram na mesma casa que você: Pai 7

Mãe 9

Irmão(s)

Tio(s)

7

2

Primo(s)

Avó(s)

1

2

Esposa(o Filho(s) ) 2 2

11) Contando 1º e 2º Graus você: Nunca foi reprovado 1

Foi Foi Foi reprovado Foi reprovado + reprovado 1 reprovado 2 3 vezes de 3 vezes vez vezes 4 3 1

12) Desde que se matriculou na escola, você: 1 Sempre estudou sem interrupções Matriculou-se, mas teve que desistir Parou de estudar (não se matriculou)

1 vez 2

2 vezes

2

1 ano 2

2 anos 2

0 3 vezes

+ de 3 vezes

0

1

+ de 3 anos

0

3 anos

13) Na sua opinião, a escola tem ajudado-o profissionalmente? Muito 3

Pouco 4

Nada 2

14) Para sua formação como cidadão, a escola contribui: Muito 6

Pouco 2

15) Para os conhecimentos úteis, a escola contribui:

Nada 1

121

Muito 4

Pouco 5

Nada 0

16) Ao terminar o 2º Grau, você pretende: Parar de estudar, ao menos por um tempo 4

Fazer um curso técnico profissional 5

Tentar o ingresso na Universidade 0

17) Você acha importante cursar a universidade? Sim 7

Não 0

Em certos casos 2

Obs: Mesmo aqueles que pretendem fazer um curso técnico ou pretendem parar de estudar após o colégio acham importante cursar a universidade. 18) Durante o tempo livre você, preferencialmente: Fica em cada lendo ou vendo televisão Sai sozinho Sai com os amigos do trabalho Sai com os amigos da vizinhança Sai com as pessoas da família Sai com outras pessoas 19) Você normalmente freqüenta: Igreja 6

5 0 1 1 1 1

Outras Associações 3

20) O que significou a Escola para você? Aluno nº “Um emprego decente”. 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Reposta

“Muito importante. Pretendo fazer o magistério e seguir a vida”. “Educação, trabalho e chance de aprender coisas muito importantes e interessantes”. “Sem ela não somos nada”. “Aprender a ler, escrever, a entender as coisas e viver”. Não respondeu. “A partir para uma vida digna”. “Passar para o conhecimento profissional, para podermos ingressar no vestibular, para poder competir com escolas particulares, para conseguirmos uma vaga numa universidade e para sermos verdadeiros cidadãos”. Faz uma crítica à escola “Pane (queda de energia elétrica), professores bravos,

122

falta de aulas, falta d‟água, não aprendia nada. As outras escolas eram boas”.

Situação Familiar 1) Seus pais nasceram: Nordeste

Norte

Sul

Centro-Oeste

45%

0% (

0%

0%

São Paulo 50%

Outro estado do Sudeste 5%

2) Nível de instrução do pai: 1º grau completo 10%

1º grau incompleto 90%

2º grau completo 0%

2º grau incompleto 0%

2º grau incompleto 15%

2º grau completo 15%

3) Nível de instrução da mãe: 1º grau incompleto 70%

1º grau completo 0%

Situação sócio-econômica 4) Mora em casa: Própria 85%

Alugada 15%

5) Gasta seu salário com: Vestuá rio 18,75%

Lazer 25%

Despesas da casa 37,5%

Alimenta Cão 6,25%

Outros (não tem salário, transporte) 12,5%

6) Calcule aproximadamente a faixa de renda doméstica ( todos os membros da família): R$ 361,00 a 720,00 33,3%

R$ 721,00 a R$ 1.200,00 33,3%

R$ mais de 1.200,00 33,3%

123

7) Na casa onde você mora há:

Gelade Máq. Máq. TV Víde ira de de colori o lavar lavar da casse louça rou te pa 100% 22,2 77,7 100% 77,7 % % %

Ap. Microon de das CD

Bate deira elétrica

33 %

66,6%

33%

Com puta dor

0%

Liqüi Processa difica dor de dor alimentos

66,6% 11,1%

8) Na sua casa vocês possuem o hábito de contratar o serviço de: Empregada doméstica 0%

Diarista 11,1%

9) Em casa vocês possuem carro próprio?

Sim 77,7%

Não 22,3%

10) A família possui imóvel (independente da casa própria)? Sim ( 33,3% )

não ( 66,6% )

11) As razões que levaram ou levam você a procurar trabalho são: Para ajudar a família nas despesas domésticas O pai obrigou Juntar dinheiro para o casamento Ter dinheiro para o lazer (discoteca, barzinho, clubes,etc.) Para poder comprar com autonomia seu vestuário (sapatos, roupas, bonés, etc.) Outros Especifique:..........................................................................................

(40% ) (0% ) (6,6% ) (20%) (33%) (0% )

12) Seu estilo musical é: Samba (30% )

Rock (10%)

pagode (30%)

romântico MPB (20%) (3%)

funk (7%)

rap (20%)

124

13) Você compra CDs e fitas: Freqüenteme nte (33,3% )

raramente (33,3%)

somente escuta as músicas no rádio e nos lugares que vai se divertir (33,3%)

14) Quando você vê TV prefere: (30%) (25%)

Novelas Programas de animação ( Ratinho, Silvio Santos, Gugu, Leão, Ana M. Braga etc) Filmes Programas de entrevistas (Jô Soares, Marília Gabriela, Bruna Lombardi, Fogo Cruzado etc) Desenhos Programas Esportivos Telejornais Outro: Especifique:.................................................................................................... ..

(45%) (25%) (12,5%) (38% ) (45%) (0%)

Vida escolar e expectativas: 15) Concluiu o primeiro grau: Numa escola Numa escola pública estadual pública municipal

(70%)

Parte numa escola pública estadual e parte numa escola privada

Parte numa escola pública municipal e parte numa escola privada

(15%)

(15%)

0%

16) Ao ingressar no segundo grau, você procurava: Base para o vestibular

(33,3%)

Diploma para facilitar a entrada no mercado de trabalho (66,6% )

Queria simplesmente continuar os estudos ( 0%)

17) O segundo grau correspondeu às suas expectativas? Sim (60% )

Não (40%)

Porque “Ensino fraco”, “Insuficiente”, “Não encontrei o que esperava”.

125

18) Você pretende voltar a estudar? Sim Não (70%) (0% )

Talvez (15%)

Já voltou (15%)

19) O que mais você mais gostava na escola: Das aulas

Dos professores

De encontrar os amigos

(45% )

(32,5%)

(30%)

De encontrar a namorada (o) (0% )

Outros Especifique: (15% ) (da merenda)

20) Qual o lugar na escola que você mais gosta de ficar: Na sala de aula

No banheiro

No pátio

No portão

Na sala de vídeo

(50%)

(0%)

(25%)

(15%)

(0%)

Na sala do Outros coordena Especifique dor : (0%) 10% Na biblioteca

21) Os conteúdos das matérias que os professores passavam eram: (10%)

Facilmente assimilados porque estavam ligados ao seu dia- adia Dificilmente assimilados porque não estavam ligados ao seu dia- a- dia Embora fossem facilmente assimilados, não estavam ligados ao seu dia- a- dia Embora fossem dificilmente assimilados, estavam ligados ao seu dia- a- dia

(55%) (15%) (20% )

22) Os conteúdos das disciplinas (matérias) ajudavam: Profissionalmente A entrar na faculdade A entender melhor o que acontece em termos econômicos e políticos no

(62,5%) (37,5% ) ( )

Brasil

23) Você aprendeu algo positivo nas dependências da escola (portão, pátio, corredores etc), exceto sala de aula? Sim Não Mais ou menos (45% ) (45% ) (10%) 24) Porque você desistiu de estudar? Motivos Financeiros ou de tempo Devido à falta de aula, o período, falta de educação dos professores, o aproveitamento ser mínimo

11,1% 11,1%

126

Por motivo de trabalho Gravidez Falta de ânimo Não respondeu Cansaço

22,2% 11,1% 11,2% 22,2% 11,1%

Consideramos importante observar que estes nove alunos evadidos – embora possuíam várias características parecidas com as das classes pesquisadas, como grau de escolaridade dos pais, origem dos pais, local de nascimento, objetivos que os levaram a procurar trabalho, importância dada ao ensino médio, e outras – apresentavam também, algumas diferenças relevantes. Esses alunos encontravam-se entre 19 e 25 anos, portanto fora da idade escolar do ensino médio, na sua maioria empregados com salário fixo (variando de R$ 121 a R$ 500), considerando-se possuidores de uma profissão e com um histórico de repetência acentuado – todos ou repetiram uma ou mais vezes, ou desistiram uma ou mais vezes, ou desistiram e repetiram uma ou mais vezes. Esses, na maioria, ao entrarem no ensino médio pretendiam obter somente o diploma para facilitar a entrada no mercado de trabalho (6), apenas 3 buscavam base para o vestibular, ao contrário daqueles das classes de aulas pesquisados – 59% buscavam base para o vestibular e 38% diploma para facilitar a entrada no mercado de trabalho. Talvez aqui se encontre uma das explicações para o abandono escolar desses educandos, porque se estavam trabalhando, não precisavam, ao menos no presente, do diploma, logo não era preciso “sacrificar-se” com horários corridos e “suportar” os conteúdos escolares, que eles

consideravam

totalmente desvinculado do dia-a-dia. Embora, quando

indagados sobre a importância e o significado da escola em suas vidas, as respostas sempre foram positivas.

127

C - Roteiro das entrevistas Primeiro roteiro 1- Nome 2- Idade 3- Confirmação da estrutura econômica declarada no questionário 4- Confirmação dos hábitos culturais ( o que lê, o que assiste na televisão, lugares que freqüenta e com quem) 5- Projeto de vida: O que pretende para o futuro próximo e a longo prazo ? 6- Trabalha ? Há conciliação entre o trabalho e a escola ? Um ajuda o outro? No caso negativo, isso o desmotiva a continuar na escola ou no trabalho? A escola ajuda profissionalmente? 7- Construção do sujeito participativo, ético: A escola ajuda a elaborar suas próprias idéias( pensar por conta própria, ter interesse em votar?) Você já tem título ? Votou ? Você se considera uma pessoa que está “por dentro” dos acontecimentos do Brasil e do mundo? Você adquiriu algum hábito através da escola? Você lê o mural da escola? O que você entende por cidadania? A escola ajuda na construção da cidadania? 8- Por que você está fazendo o colégio? O que tem na escola que atrai você? Você mudaria alguma coisa no ensino médio? Está bom do jeito que está? Do jeito que está, ajuda-o em alguma coisa? Ele é “um saco” ou é uma coisa “legal” ? Por quê? O que você acha das matérias? 9- A violência contra a escola seria uma forma de expressar frustrações e conflitos em relação a ela: Você já quebrou algum vidro ou fez alguma pichação na escola ? Você já fez alguma maldade com o professor ? Por quê ? Você tem raiva da escola ou de alguém da escola? 10- Quando você tira nota baixa, o que sente? Como se sente diante dos seus erros em sala (exercícios, indagações dos professores etc.)? Quando você tem um bom nível de acertos em exercícios e provas você vibra? 11- Você se orgulha de ser um estudante de segundo grau ? Você é motivo de inveja para algum amigo, vizinho ou parente que não faz ou não fez o segundo grau?

128

12- O que você faz para conseguir nota? Quais são suas táticas? Você faz todos os exercícios propostos em sala de aula ou só aqueles que são para nota? Você acha que ser amigo do professor é uma tática para conseguir boas notas? Você é puxa-saco? 13- O que você acha do método dos professores? É estimulante? 14- O que você aprendeu até agora no segundo grau? Tem a ver com seu dia-a-dia?

Segundo roteiro 1) Idade 2) Local de nascimento (do entrevistado e da respectiva família). 3) Escola : Concluiu o ensino médio? Qual a reação da família? Está fazendo ou fez algum curso? 4) Considera que foi um bom aluno no ensino médio? E no ensino fundamental? Sentia-se inferiorizado pelas notas? Quem freqüentava suas reuniões no ensino fundamental e no médio? Já foi reprovado ou desistiu? Por que isso aconteceu? 5) Você sempre estudou em escola pública? Ter estudado em escola pública é fato de orgulho, ou ao contrário? 6) Com quem está morando? Qual o grau de escolaridade dessas pessoas? E a profissão? As pessoas com quem você convive influenciaram em seus estudos? Ajudavam nas lições de casa? Elas lêem? Como é a relação com a sua família? 7) Você tem admiração por alguém? Por quê? 8) Trabalho: Está trabalhando? Continua no mesmo trabalho? Por que foi procurar seu primeiro emprego? Como conseguiu? 9) Ajuda financeira: Continua ajudando a família financeiramente? Mais, menos ou a mesma quantia? 10) Projeto: Alcançou? O que está fazendo para realizá-lo? Mudou de projeto? 11) Quem são seus amigos no momento? E com os amigos do Fanny, continua mantendo contato? 12) O que fazia e o que tem feito de lazer? O faz nos finais de semana? 13) Assiste a telejornais? Que tipo de notícia prefere? 14) Quais são seus projetos futuros?

D- Modelos dos questionários aplicados i

O tio era operário na Cobrasma

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