O marcador discursivo \'mas\'. Breve análise sincrónica e diacrônica da forma galego-portuguesa

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Conjunto Documental: 2011 - Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa, 4. Título: O marcador discursivo mas: Breve análise sincrónica e diacrônica da forma galego-portuguesa. Autoria: Magarinhos, Luís. Data: 2011. Revista: Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa. Número: 4. Paginação: 127-136. Editora: Academia Galega da Língua Portuguesa. Cidade: Padrão. Meio Original: Documento eletrónico em PDF, 10 p. de 14,8 x 21 cm. Proveniência: Joám Evans Pim. Direitos: Este material foi licenciado com uma licença Creative Commons, podendo ser copiado, distribuído, exibido e executado com atribuição da fonte, desde que seja para fins não comerciais, não podendo criar derivações da mesma. (CC-BY-NC-ND) 3.0, 2011.

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O marcador discursivo mas Breve análise sincrónica e diacrônica da forma galego-portuguesa

Luís Magarinhos

Resumo Partindo duma metodologia baseada na teoria da argumentação e que nos permite analisar o discurso em três níveis ou camadas diferenciadas, mostramos algumas das propriedades semânticas, pragmáticas e argumentativas do marcador discursivo galego-português mas dum ponto de vista diacrônico e sincrônico. Tentamos também analisar as suas equivalências contrastivas em distintas linguas românicas e as dificuldades práticas para a sua tradução devido a que os marcadores discursivos não possuem um significado de representação do mundo mas processual condicionado pelo contexto. Palavras-chave Marcadores discursivos, linguística constrastiva, teoria da argumentação. Abstract Starting from a methodology based on the argumentation theory which allows us to analyze speech in three different levels, we show some semantic, pragmatic and argumentative properties of marker galician-portuguese mas from a diachronic and synchronic point of view. We also try to analyze their contrastive equivalence in other romance languages and their practical difficulties to be translated because discourse markers do not possess a meaning representation of the world but constrained by the procedural context. Key words Discourse markers, contrastive linguistics, argumentation theory.

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Marcadores discursivos. Propostas de definição Os marcadores discursivos, como fenómeno linguístico, encontram-se presentes tanto na língua escrita quanto na oral, mas é sobretudo nos registros orais de qualquer língua que podemos encontrar marcadores discursivos susceptíveis de serem analisados desde diferentes focagens. Schiffrin (1987: 31) define os marcadores discursivos como elementos sequencialmente dependentes que ligam unidades de conversação. Aliás, considera que a sua análise faz parte de outra mais geral que tem a ver com a coerência do discurso. Isto é, a forma como os falantes e ouvintes integram conjuntamente formas, significados e ações para lhe dar um sentido global ao que se diz (Freixeiro Mato, 2005: 54). São portanto unidades linguísticas invariáveis que guiam o processo inferencial que se produz na comunicação, possibilitando desta forma a adequada interpretação do texto (Freixeiro Mato, 2005: 58). O estudo dos marcadores discursivos tem ficado historicamente relegado a um segundo plano no âmbito da linguística e dos estudos gramaticais em geral, porém, nas últimas décadas, estes estudos têm ampliado seu campo de atuação e o incremento da produção científica sobre o assunto tem sido notável nos últimos vinte anos. Incluíndo aqui os estudos focados na língua galego-portuguesa. Numa primeira aproximação conceitual aos marcadores discursivos, podemos afirmar que análises básicas no campo da semântica e ligadas aos conceitos de ‘preposição’, ‘adverbio’, ‘conjunção’, ‘interjecção’ etc, não resultam suficientes para darem conta das propriedades reais dos marcadores discursivos, os quais poderiam ser definidos também como ‘conetores discursivos’, ou ‘expressões pragmáticas’. É Deborah Schiffrin (1987) que legitima o termo marcadores discursivos com a publicação de Discourse markers. Assim, alguns exemplos de marcadores dircursivos seriam os que se exemplificam a seguir por Freixeiro Mato (2005: 8)1: (a).- Primeiro, há que preparar-se bem. Depois, já se verá. (b).- Bem, vejamos, como está a situação atual. (c).- Teremos que procurar outras soluções, isto é, devemos abandonar projeto inicial. (d).- Então, tu que opinas disso? (e).- Tem muito mérito seu trabalho. – Pois a mim não me convence. 1 Sigo em particular a monografia do Prof. Xosé Ramón Freixeiro Mato, da Universidade da Crunha, de que tomo exemplos e citações. Contudo, permito-me transliterá-los para português, na confiança de respeitar o sentido do texto e não transgredir a atitude do autor, a quem apresento o meu reconhecimento e gratidão.

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Analisando as palavras destacadas nestes exemplos textuais vemos que conformam unidades linguísticas de diferente natureza em função da qualidade pragmática dada pela pessoa que fala e que põe de manifesto uma série de indicações precisas sobre a estruturação e articulação do texto e sobre as relações que se produzem entre estas palavras destacadas no nível semântico e pragmático. Se num primeiro estágio se estudaram os marcadores discursivos como aqueles elementos que produzem coesão e coerência dentro dum texto, é nos estudos posteriores quando se foi evidenciando que não era totalmente adequada esta consideração que define unicamente os marcadores como aqueles elementos coesionadores do texto, já que a «ausência dos conetores não leva consigo necessariamente a desaparição da relação conjuntiva que expressam pois, duas orações relacionadas sem a mediação de conetor [...] que constitutivas dum enunciado global podem converter este em perfeitamente coerente» como se pode ver em Freixeiro Mato (2005:9): (a).- O Celso é de Vigo; portanto, é do Celta. (b).- O Celso é de Vigo; é do Celta. (c).- O Celso é de Vigo; porém, é do Celta. Vemos nos exemplos (a) e (b) que a presença dos conectores portanto e porém não implica neste exemplo uma conexão mais eficaz do que no exemplo (b) das duas partes da oração. Sem necessidade dum marcador específico no exemplo (b) a frase tem um sentido similar ao dos outros dous exemplos. Bases teóricas para o estudo dos marcadores discursivos Pragmática conversacional A pragmática conversacional, concebida por Herbert Paul Grice em 1975, é uma abordagem pragmática da linguagem pela qual o princípio básico da comunicação humana é a cooperação: Se duas ou mais pessoas estabelecem uma interação verbal, geralmente cooperam para que o diálogo seja realizado corretamente. De acordo com Grice, a comunicação de cooperação entre duas ou mais pessoas está sujeita tacitamente a quatro princípios que caracterizam o comportamento cooperativo: A quantidade ou coerência, a qualidade, a pertinência ou relevância e o modo. Grice identifica assim uma serie de princípios não normativos que são aceitados tacitamente por todas as pessoas que participam de forma voluntária numa conversação e que no seu conjunto constituem um princípio cooperativo. Este modelo precisa dum contexto de conversação que permita um processo inferencial adequado como podemos ver neste exemplo de Grice (1975: 43); Freixeiro Mato (2005: 16): (a).- Como lhe irá ao João no seu novo trabalho no banco? (b).- Ah, acho que mui bem. Não se leva mal com seus companheiros e ainda não o meteram na prisão. 129

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No exemplo (b) o que realmente quer dizer o interlocutor, afasta-se muito do significado literal da oração pois não é que João se tenha libertado da prisão mas é uma pessoa honesta que não se deixa corromper pelo dinheiro. Este significado real do enunciado seria o que Grice denomina “implicatura” ou implicação pragmática que se opõe ao sentido lógico e literal baseado no conteúdo lógico ou semántico duma expressão. O importante aqui é o que se comunica, toda a informação transmitida no enunciado. Teoria da relevância A teoría da relevância parte dos postulados da pragmática conversacional formulados por Grice ao centrar o processo comunicativo no princípio de relevância ou pertinência. Esta teoria, formulada por Dan Sperber e Deirdre Wilson em Relevance Communication and Cognition (1986), define um modelo de pragmática linguística que pretente explicar a forma como os falantes interpretam os enunciados comunicativos. Reyes (2002: 53, citado em Freixeiro Mato, 2005: 21) diz-nos que a “teoria da relevância não pode ser tratada como uma simple extensão do programa de Grice, senão que propõe uma forma diferente de explicar o processo de comunicação linguistica, superando o modelo griceano em poder explicativo e dando satisfação à intuição dos utentes da língua sobre os processos de comunicação verbal.” Assim, «a teoria da relevância conforma um modelo pragmático de se propõe explicar o modo como os falantes interpretam os enunciados ao se apoiar numa hipótese de carácter cognitivo sobre como os seres humanos processamos a informação linguística: o processador central da mente é altamente eficaz no tratamento da informação porque está orientado dum modo específico cara a procura da relevância (Montolio, 1998: 94). A relevância converte-se assim no princípio geral que explica que todos os atos comunicativos linguísticos sem exceção» (Freixeiro Mato, 2005: 22). O princípio da relevância indícanos que a priori a sua pertinência é ótima e que os utentes da língua tentam interpretar a informação que os rodeia em função da relevância. Para esta teoria, o uso dum determinado marcador discursivo só será relevante e pragmáticamente adequado se se puder «achar num determinado contexto físico, linguístico ou cognitivo alguma informação que vier a explicar a razão pela qual se estabelece uma determinada relação entre dous segmentos informativos» (Freixeiro Mato, 2005: 26). Assim, no exemplo (a) é difícil encontrar um contexto no que se possa produzir uma oposição entre as duas clausulas concorrentes, razão que nos leva a considerar o enunciado inadequado pragmaticamente: (a).- O Farruco é galego; porém, é marinheiro (b).- O Fernando nasceu e viveu até os vinte anos em Segóvia; porém, é marinheiro Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa (ISSN 1888-8763)

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No exemplo (b) sim vemos claramente uma relação contra-argumentativa entre o fato de ser de Segóvia e ser marinheiro, garantindo-se assim a adequação pragmática do enunciado. Teoria da argumentação A teoria da argumentação da língua é uma teoria semântica (semântica argumentativa) que estuda a forma em que os enunciados condicionam pelo seu significado a continuação do discurso, de modo que serão os próprios elementos linguísticos, e não os factos que puderem representar, os que vão encaminhar a argumentação. (Freixeiro Mato, 2005: 34). A argumentatividade não constitui algo acrescentado ao uso linguístico, senão que o uso da linguagem é inerentemente argumentativo. Argumentar como forma de aproximar argumentos a favor duma determinada conclusão. (Koch, 2002: 102; Freixeiro Mato, 2005: 34). A teoria da argumentação essencialmente semântica enquadra-se dentro da semântica estruturalista, pois desvinculase da realidade como suporte do significado, procurando-lhe uma base exclusivamente linguística. É a própria forma linguística dos enunciados a que determina o seu carácter argumentativo, mais do que elementos de tipo contextual. Esta teoria vai-se ocupar dos médios formais que permitem construir a argumentação. (Escandell, 1999: 94). Não se argumenta com a língua, nem com o que a língua representa, senão que se argumenta na língua, com o que a língua diz. (Martín Zorraquino-Portolés, 1999) Exemplo A (Freixeiro Mato, 2005: 34): (a).- O Carlos bebeu um pouco. Não deve conduzir Carlos ha bebido un poco. No debe conducir (b).- O Carlos bebeu pouco. Pode conduzir Carlos ha bebido poco. Puede conducir O uso da unidade linguística «pouco» e «um pouco» condiciona completamente o discurso, conduzindo o sentido da frase a conclusões completamente opostas, ainda aceitando o facto que a quantidade de álcool ingerido é exactamente o mesmo nas duas orações. Exemplo B: (a).- O rapaz é alto mas é lento /El chico es alto pero es lento (b).- O rapaz é lento mas é alto / El chico es lento pero es alto Se vocês fossem treinadores de basquetbol e tivessem que contratar um novo jogador para a sua equipa, qual seria então, dos dous exemplos anteriores, o rapaz que escolheriam para fazer parte da sua equipa. Tenhamos em conta que as duas frases fazem a mesma representação da realidade. Isto é, o rapaz é alto e lento.

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Temosportanto que basear a nossa análise desses enunciados em critérios estritamente linguísticos: o significado do marcador mas e a posição dos membros do discurso que este põe em conexão. Semântica

Relacionamento entre as pessoas. A linguagem como representação do mundo.

Pragmática

Interacção social das pessoas na linguagem e por médio da linguagem.

Argumentatividade

Caracteriza essa interação social. A argumentatividade e imanente ao uso da linguagem.

Tabela 1. Teoria da argumentação. Quadro de análise. Koch (2002:17)

Conetores argumentativos Podemos definir os conetores argumentativos como «unidades (advérbios, locuções, conjunções, etc…) que articulam dous ou mais membros do discurso que intervêm numa estratégia argumentativa única.» (Freixeiro Mato, 2005: 39). Os conetores convertem um conjunto de enunciados numa unidade argumentativa. Assim, para Martín Zorraquino-Portolés (1999) todos os conetores argumentativos são ao mesmo tempo marcadores discursivos (Freixeiro Mato, 2005: 40). Propostas de classificação com o mas como exemplo: (Escandell 1999: 98103; Moeschler 1985: 62-64) a) Pela função Conetor que introduz argumento: A amiga dele é simpática, mas não gosta das tuas brincadeiras. La amiga de él es simpática, pero no le gustan tus bromas. Conetor que introduz conclusão: O livro parece interessante, mas não o vou comprar. El libro parece interesante pero no lo voy a comprar. b) Pela valência Critério baseado no número de enunciados argumentativos que precisa cada conetor. Valência dous: Convido-te a jantar, pois hoje poderemos estar juntos. Te invito a cenar, pues hoy podremos estar juntos. Valência três:

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Parece que chegou o Inverno: Faz muito frio e há um vento forte mas, vou sair igualmente. Parece que ha llegado el invierno: Hace mucho frio y hay un viento fuerte pero, voy a salir igualmente. c) Pela orientação argumentativa Antiorientado: Faz muito frio, mas preciso um respiro. Hace mucho frio, pero necesito un respiro. Coorientado: Gosto muito da tua casa, está bem distribuída, e além disso parece nova. Me gusta mucho tu casa, está bien distribuida, y además parece nueva. O mas como atenuante da força argumentativa (Freixeiro Mato, 2005: 43) Os argumentos possuem uma força argumentativa que pode ser maior ou menor. O conetor contra-argumentativo mas consegue atenuar a força argumentativa do membro anterior do enunciado (Freixeiro Mato, 2005: 43). Exemplos: Mas, ela disse que este verão não vai poder viajar. Pero, ella ha dicho que este verano no va a poder viajar. Mas, cala! …que a gente está estudando. Pero, calla! …que la gente está estudiando. Conetor contraargumentativo mas Classificação do conetor mas O marcador discursivo mas, além de indicar que o membro do discurso que o segue é o que guia as conclusões, também monstra que o precedente é um argumento insuficiente para chegar à conclusão que ele orienta. Introduz pois uma segunda unidade anti-orientada a respeito da primeira (Freixeiro Mato, 2005: 50). Esta alteração pode ser de dous tipos: a) Contraargumentação direta: «O teu filho estudou pouco, mas pode passar» «Tu hijo ha estudiado poco, pero puede pasar» b) Contraargumentação indireta: «O rapaz é lento mas é alto» [o rapaz poderá ser bom jogador] «El chico es lento pero es alto»

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Português mas (Castelhano: pero, sino) Propriedades Gramaticais Capacidades Textuais Instruções Argumentativas Propriedades Pragmáticas

Conjunção coordenativa adversativa. «O teu filho estudou pouco, mas pode passar» Conetor interfrasal. «O teu filho estudou pouco, mas pode passar» Conetor argumentativo ou interactivo. «O teu filho estudou pouco, mas pode passar» Marcador discursivo. «O teu filho estudou pouco, mas pode passar»

Tabela 2. Marcador discursivo mas2 (Freixeiro Mato, 2005: 53)

De magis a mas O mais medieval3 manifesta afinidades evidentes de funcionamento com mas do galego-português atual. Insere-se numa linha de continuidade com o latino magis, mas as alterações de sentido que afetaram o morfema iniciamse provavelmente numa fase latina (Araújo Barros, 1985: 40). Exemplos de corpus medieval no galego-português: «no quisse dar pea corporal de morte ou de lison ao que fezesse, mais mandou se ffosse leygo que o nõ ordinassem» (Araújo Barros, 1985:33). «Se algun louco ou sandeu fazer preyto dementre que a sandice enel durar nõ valla, mays se enalgun tempo cobrar en seu sem e en seu siso, o preyto que fez en tal tempo valla» (FR, I, 735-737) (Araújo Barros, 1985: 33). Exemplos de corpus medieval no castelhano: «Lo que yo dixier non lo tengades a mal. En Castejon non podriemos fincar; çerca es el rey Alfonsso e buscar nos verna. Mas el castielo non lo quiero hermar; çiento moros e çiento moras quiero las quitar, por que lo pris dellos que de mi non digan mal.» Cantar del Mio Cid. Cantar I, 26 «…E vos, Pero Vermuez, la mi seña tomad; commo sodes muy bueno tener la edes sin arth; mas non aguijedes con ella si yo non vos lo mandar."» Cantar del Mio Cid. Cantar I, 34 O continuum semântico-pragmático de magis a mas torna-se claro e a homonímia verificada entre mais adverbio e mais conjunção em português arcai2 O dito para o conetor mas, vale para o mais da norma galega fixada pelo ILG-RAG. O que acima digo do port. mas e do cast. pero poderia dizer-se do iInglês: but e do francês: mais. 3 Também se verifica na língua medieval a existência da forma mays (Araújo Barros, 1985: 44)

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co poderia ser uma das explicações desta evolução. Portanto, «…a forma mas resulta da evolução de mais e será a forma do português europeu moderno; há sobrevivência da forma mais no galego, no português do Brasil e em certas variedades regionais do português de Portugal.» (Araújo Barros, 1985: 33).

Dificuldades na tradução dos marcadores discursivos Na sua função, os marcadores discursivos, não possuem um significado de representação do mundo, mas um significado processual condicionado pelo contexto. Isto significa que na tradução destas unidades não devemos procurar um equivalente semântico, mas pragmático (Malgorzata Was, 2000: 161177). Muitos marcadores caracterizam-se pela polifuncionalidade (pois, além de, então, bom, realmente, etc…) que mais além das suas funções interoracionais como advérbios, conjunções, etc, podem funcionar como marcadores discursivos de diferente tipo. Isto dificulta a sua correta interpretação no processo de tradução (Was, 2000: 161-177). Exemplos: mas (equivalente a cast. pero) «Teu filho estudou pouco, mas aprendeu muito» «Tu hijo ha estudiado poco, pero há aprendido mucho» mas (equivalente a cast. sino) e senão (equivalente a cast. sino) «Não sou americano, mas europeu» «No soy americano, sino europeu» «Não sou americano, senão europeu» «As Câmaras Municipais não estão para perseguir a Cultura, mas para a defenderem» 135

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«Los Ayuntamientos no están para perseguir la Cultura, sino para defenderla» Na prática, os tradutores, muitas vezes cometem o erro de cingir-se ao significado literal e semântico do marcador o que pode resultar numa tradução destas unidades exclusivamente na sua função interoracional. A interpretação correta do valor semântico-pragmático dos marcadores do discurso em diferentes contextos bem como a necessidade de corrigir esses valores na línguaalvo é uma tarefa difícil, que exige, pelo tradutor, um conhecimento amplo e profundo de todos os recursos das línguas envolvidas no processo de tradução. Referências Araújo de Barros, Clara (1988), «A propósito dos Morfemas Contrastivos em Português (Um «mas» de excepção provocação)», Porto, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. II Série. Vol. V. Tomo 1. Araújo de Barros, Clara (1985). De «mais» a «mas», de «por ende» a «porém»: Derivas semânticas e pragmáticas, Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Castro Pinto, José Manuel; Vieira Lopes, M.ª do Ceu (2005). Gramática do Português Moderno. Lisboa: Plátano Editora. Escandell Vidal, Mª Victoria (1999). «Introducción a la pragmática.» Barcelona: Ariel. Freixeiro Mato, Xosé Ramón (2005): «Os marcadores discursivos. Conectores contraargumentativos no galego es-crito.» Monografía 3 da Revista Galega de Filoloxía, Crunha, Área de Filoloxias Galega e Portuguesa da Universidade da Coruña. Grice, Herbert Paul (1975). «Logic and conversation» in P. Cole & J.L. Morgan (orgs.): Syntax and Semantics 3: Speech Acts. New York: Academic Press, 41-58. Koch, Ingedore G. Villaça (2002): «Argumentação e liguagem» São Paulo: Cortez. Martin Zorraquino, M.ª Antónia; Portoles Lázaro, José (1999). «Los marcadores del discurso» in Gramática descriptiva de la lengua española. V.3, Madrid, RAE. Moeschler, Jacques (1985) «Argumentation et Conversation. Éléments pour une analyse pragmatique du discours.» Paris/Geneve: Hatier-Crédif. Schiffrin, Deborah (1987). «Discourse markers» Cambridge: Cambridge University Press. Sperber, Dan & Deirdre Wilson (1986). «Relevance: Communication and Cognition.» Oxford: Basil Blackwell. Was, Margorzata (2000). «Aspectos de la traducción del marcador discursivo moze al español», Quaderns: revista de traducció núm. 5, pp. 161-177. Disponível em: [Acesso: 05/07/2010]

LUÍS MAGARINHOS Doutorando em Estudos Comparados da Literatura e da Cultura pela Universidade de Santiago de Compostela (USC) é licenciado en Humanidades pela Universitat Pompeu Fabra (UPF) de Barcelona. Com formação interdisciplinar no campo das Ciencias Sociais e Humanidades tem dedicado especial atenção aos estudos sociais e culturais no ámbito europeu e lusófono. Ampliou estudos nas universidades de Vigo, Porto (Portugal) e Presbiteriana Mackenzie (São Paulo, Brasil).

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