O Marco Civil da Internet apos 3 anos: desafios e oportunidades

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28/04/2017

O marco civil da internet após 3 anos: desafios e oportunidades - Direito Digit@l

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O marco civil da internet após 3 anos: desafios e oportunidades

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O marco civil da internet após 3 anos: desafios e oportunidades sexta­feira, 28 de abril de 2017

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Foi em 1995 que os ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia lançaram um projeto de implantar no país uma rede global de comunicação abrangendo outros usos e entes que não os acadêmicos. Não existia a Internet no país senão uma Rede Nacional de Pesquisa, que era de uso exclusivo das universidades. Em razão da criação da Internet no país o governo decidiu criar também seu Comitê Gestor para que estivesse envolvido diretamente nas decisões referentes à implantação, à administração e ao uso da Internet.  Desta  forma,  em  31  de  maio  de  1995,  a  portaria  interministerial  nº  147  criou  o  Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br. Aliás, já tivemos a oportunidade de escrever sobre ele aqui na coluna  em  outubro  de  2015  ("Uma  breve  história  da  Internet  e  do  Comitê  Gestor  da  Internet  no Brasil"). O CGI.br teve grande importância para o surgimento do marco civil da Internet na medida em que ele próprio,  o  Ministério  da  Justiça  e  agentes  engajados  da  sociedade  civil  entenderam  que  era  o momento  de  transformar  o  decálogo  do  CGI.br  em  lei  principiológica  que  reafirmasse  e  garantisse direitos no Âmbito da Internet. Assim,  desenhou­se  um  projeto  no  âmbito  do  Ministério  da  Justiça,  que,  entre  os  anos  de  2009  a 2014,  passou  por  um  longo  processo  de  discussão  por  meio  de  um  sistema  colaborativo  open source, onde a sociedade civil pode ofertar sugestões. Após receber contribuições, foi submetido ao Congresso,  onde  permaneceu  inerte  por  algum  tempo,  especialmente  por  conta  da  oposição  das empresas de telecomunicações que eram contrárias ao princípio da neutralidade da rede. Com a divulgação de atos de espionagem revelados por Edward Snowden em 2013, o projeto de lei se  tornou  uma  prioridade  do  governo,  até  porque  houve  notícias  de  que  a  então  Presidente  havia sido espionada pelo governo dos Estados Unidos. A tramitação no Congresso ganhou, então, alguma agilidade  e  o  projeto  foi  aprovado  em  março  de  2014  com  um  texto  semelhante  à  versão originalmente submetida ao Legislativo. A então Presidente sancionou a lei que criou o marco civil da Internet em 23 de abril daquele ano no encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet (NETMundial). Tínhamos,  a  partir  dali,  um  padrão  fundado  no  decálogo  do  CGI.br  com  vistas  a  se  tornar  uma referência de direitos individuais relativos ao uso da Internet. Mas a lei dependia de regulamentação, o  que  foi  feito  em  meados  de  2016  com  a  edição  do  decreto  nº  8771.  Este,  porém,  ainda  deixou alguns pontos em aberto, basicamente relacionados1. Em termos bastante objetivos, as oportunidades trazidas pelo marco civil são muitas, todas derivadas das próprias dos entendimentos, estudos e discussões relativos ao texto da lei. É inegável que seu http://www.migalhas.com.br/DireitoDigital

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surgimento trouxe proximidade, à uma significativa parcela da população, de temas que normalmente não  seriam  acessíveis,  possibilitando  que  pessoas  que  nunca  haviam  pensado  em  estudar  ou discutir  temas  relativos  à  Internet  tivessem  agora  soubessem  que  a  Internet  "não  é  uma  terra  sem lei".  Isso  porque  sempre  houve  uma  falsa  ideia  de  que  não  havia  qualquer  regramento  para atividades havidas nos meios digitais. Evidentemente que o arcabouço legislativo, embora não fosse especializado, já tinha leis que podiam regular grande parte das atividades praticadas no âmbito da Internet.  Isso,  no  entanto,  não  retira  ou  diminui  a  importância  do  marco  civil,  que,  como  dito,  veio propiciar maior conhecimento social de direitos e, ainda, buscar a tão necessária segurança jurídica. As oportunidades, então, passam pelo acima exposto e, ainda, pela existência de uma agenda para discutir  a  proteção  de  dados  pessoais,  a  concretização  da  neutralidade  da  rede  e  o  estímulo  à inclusão digital. Ocorre que o texto da lei, por si só, não confere a ela a devida efetividade. Para a concretização dos direitos  fundamentais  é  preciso  verificar  e  entender  como,  na  prática,  a  lei  (não)  tem  sido  aplicada. Aqui é que se discutem, principalmente, seus desafios. Um  dos  principais  desafios  à  efetividade  do  MCI  é  a  concretização  da  neutralidade  da  rede.  É  que embora a lei a tenha erigido a direito (art. 3º) e o decreto tenha excetuado os casos em que poderá ser quebrada (art. 3º), não há um monitoramento para aferir seu (des)cumprimento. Há,  por  exemplo,  práticas  comerciais  de  alguns  planos  de  telefonia  móvel  com  Internet  que  não descontam da franquia do consumidor o uso de dados para determinados aplicativos. É o que ocorre com alguns usuários da Claro e da Tim relativamente ao WhatsApp, Twitter e Facebook. Ocorre que o  não  desconto  na  franquia  dos  dados  utilizados  em  trocas  de  mensagens  pelo  referido  aplicativo pode  ser  considerada  uma  quebra  à  neutralidade  da  rede.  É  que,  tecnicamente,  a  neutralidade  da rede poderia ser quebrada de três formas: pelo bloqueio de conteúdo, pela redução de velocidade e, ainda, pela cobrança de valores distintos para determinado conteúdo (aplicação de sobretaxa ou do "zero rating"). Como isso não tem sido monitorado pela Anatel, esta discussão técnica e econômica é, sem dúvida, um grande desafio que precisa ser enfrentado e superado. Outro desafio reside no fato de que as operadoras de Internet anunciaram que os planos de banda larga  passarão  a  ser  limitados  por  franquias  de  dados,  assemelhando­se  com  o  que  já  ocorre  na Internet móvel. O consumidor, então, não contraria velocidade, mas um pacote de dados. O grande problema  aqui  é  que  isso  pode  inviabilizar,  por  exemplo,  o  consumo  de  produtos  streaming  (jogos, músicas  e  filmes  online,  etc.).  O  anúncio  da  decisão  foi  feito  no  início  do  ano  passado  e  gerou enorme repercussão negativa até porque, inicialmente a Anatel se mostrou completamente favorável a ela. Depois a agência suspendeu a limitação por noventa dias e, depois, por tempo indeterminado. Mas a questão está longe de ter sido resolvida. Mas qual o desafio para o marco civil aqui? Seria a interpretação  do  art.  4º,  I,  que  dispõe  que  "o  direito  de  acesso  à  internet  a  todos",  isto  é,  se  a  lei promove  o  acesso  à  internet,  as  operadoras  não  podem  simplesmente  cortá­las  ou  reduzirem  sua velocidade de conexão até que se torne impossível de navegar. Além disso, o art. 7º, IV, determina a "Não  suspensão  da  conexão  à  internet,  salvo  por  débito  decorrente  de  sua  utilização",  o  que  pode complementar o argumento de que não pode haver limitação à Internet banda larga. A utilização de franquia por si só não bloqueia certos tipos de tráfego, mas acaba tendo efeito muito parecido.  Afinal,  não  se  pode  inviabilizar  o  acesso  a  alguns  conteúdos,  fazendo  com  que  o consumidor  tenha  acesso  a  outros,  sem  uma  justificativa  adequada.  Na  verdade,  a  questão  aqui reflete fortemente na manutenção da neutralidade da rede. Outro  desafio  é  concretizar  a  proteção  de  dados  pessoais,  já  que  o  marco  civil  não  trata minuciosamente do tema, o que demanda um tratamento detalhado por outra lei. Há, de fato, uma premente necessidade de se discutir a proteção de dados pessoais não só para que se  possa  dar  concretude  ao  marco  civil,  mas  porque  as  novidades  tecnológicas,  cada  vez  mais, requerem  nossos  dados  "incrementar  a  experiência  do  usuário"  decorrentes  dos  modelos  de negócios na Internet. As pessoas, neste contexto, têm uma legítima expectativa de que as empresas que  coletam  nossos  dados  farão  bom  uso  deles,  mas  ignoram,  em  sua  grande  maioria,  o  que realmente  acontece  com  eles  assim  que  fornecidos.  Ignoram  que  serviços  "gratuitos"  praticamente não existem e que a contrapartida pela utilização deles será a inexorável negociação comercial que possa sustentar e fazer lucro a partir de um modelo de negócios digital. O  desafio  é  regulamentar  com  proporcionalidade  a  proteção  dos  dados  pessoais  para  evitar  o  uso indevido  deles,  como  em  atividades  criminosas,  bem  como  para  evitar  a  extrema  exposição  da privacidade  e  intimidade  das  pessoas,  já  que  as  leituras  feitas  por  algoritmos  em  big  data  são capazes de demonstrar praticamente nossa alma a quem detêm tais dados. Sobre o tema, a ex­Presidente submeteu a comissões do Congresso um projeto de lei de proteção de  dados  (PL  5.276/2016)  que  exigiria  que  as  empresas  construíssem  sistemas  de  proteção  de http://www.migalhas.com.br/DireitoDigital

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dados  mais  e  determinaria  a  criação  de  uma  nova  autoridade  fiscalização.  Há  uma  proposta concorrente à essa no Senado (PLS 330/2013). Todavia, após o impeachment, o atual governo disse que vai desenvolver suas próprias propostas de proteção de dados. O mais importante é que sejam preservados  os  principais  pontos  do  PL  5.276/2016,  que  foi  construído  também  a  partir  de colaborações da sociedade civil e protege os cidadãos e dá segurança jurídica a todos. Entendemos que ainda há um outro desafio – talvez o maior deles – para a efetivação do marco civil: superar  o  conjunto  altamente  conflituoso  formado  por  empresas  de  tecnologia,  autoridades, investigações  e  os  direitos  à  comunicação  e  privacidade.  Não  nos  referimos  ao  fato  do  Poder Judiciário  requisitar  informações  e  dados  trocados  em  aparelhos  celulares  e  aplicativos  de mensagens  –  algo  que  é  comum  em  todo  o  mundo  –  mas  a  forma  recorrente  com  que  juízes  de primeira instância têm conseguido bloquear aplicativos, mais especificamente o WhatsApp. Já foram pelo  menos  três  vezes  que  o  aplicativo  teve  contra  si  ordem  judicial  determinando  que  fosse bloqueado2. Muitos argumentos foram trazidos como justificativas para tanto e, dentre eles, o de que até o próprio marco civil autoriza tal prática. O bloqueio, ao nosso ver, significa uma interferência na estrutura de rede, o que fere as disposições do  marco  civil.  Poder­se­ia  pensar  em  interferências  no  conteúdo  –  como  a  retirada  do  ar  de conteúdos criminosos – mas não a suspensão de funcionamento do aplicativo. A celeuma decorre da interpretação  do  inciso  III  do  art.  12  que  permite  a  suspensão  temporária  das  atividades  que envolvam os atos previstos no art. 113. Uma leitura com menor amplitude de interpretação não deixa dúvidas sobre a impossibilidade de bloqueio do aplicativo por ordem judicial fundado no marco civil. No  entanto,  a  dificuldade  em  obter  dados  de  determinadas  pessoas,  mormente  em  casos  de investigações criminais, tem feito com que os magistrados tenham determinado os bloqueios. Fato é que o WhatsApp sempre alegou que não guardava ou fazia registros das mensagens trocadas pelo aplicativo, no entanto passou a adotar um sistema de criptografia de ponta a ponta no qual apenas os  envolvidos  na  conversa  podem  ter  acesso  ao  conteúdo  trocado.  Por  tal  razão,  tem  repetido  que não tem meios de fornecer as informações pedidas pela Justiça. Se isto for verdadeiro, então a única forma  de  quebrar  esta  barreira  seria  proibir  a  criptografia  no  Brasil,  o  que  é  bastante  questionável, embora a discussão esteja ocorrendo em outros países, como os Estados Unidos e Inglaterra. Há,  por  fim,  o  desafio  de  superar  as  tentativas  de  alteração  da  lei,  tendo­se  em  vista  que  existem dezenas  de  projetos  de  leis  que  pretendem  mudar  o  texto  em  vigor.  A  maioria  das  propostas  (50) estão  na  Câmara  dos  Deputados,  restando  as  demais  (6)  no  Senado.  A  maioria  trata  dos limites/franquias  de  uso  de  Internet  no  âmbito  das  residências  e  o  segundo  tema  mais  tratado  nos projetos é a regulamentação da suspensão/bloqueio do aplicativo. Enquanto os projetos não andam, no âmbito do Supremo Tribunal Federal há duas ações – ADI 5.527 e ADPF 403 – onde se discute esta última questão. Aliás, em breve haverá audiências para debate do assunto naquela Côrte. Esperamos que nos próximos anos o marco civil possa continuar sendo aplicado com mais coerência e técnica, prevalecendo os direitos individuais e respeitando­se seus ideias. __________ 1 Os objetos da regulamentação são os constantes nos art. 9º, §1º (as hipóteses de rompimento da neutralidade da rede), art. 10, §4º (as medidas e procedimentos de segurança e de sigilo dos dados pessoais), art. 11, §3º e 4º (o modo pelo qual os provedores de conexão e de aplicações deverão prestar informações sobre o cumprimento da legislação referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações.), art. 13 (a obrigação de manter os registros de conexão, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança) e art. 15 (a obrigação do provedor de aplicações de internet de manter os registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de seis meses, nos termos do regulamento). 2 O primeiro bloqueio ocorreu em dezembro de 2015, determinado pela 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo.  A  decisão  foi  tomada  em  processo  de  investigação  de  um  suposto  latrocínio,  trafico  de  drogas  e associação a organização criminosa. O bloqueio teria ocorrido porque o WhatsApp teria deixado de atender a ordens  judiciais  para  fornecimento  de  informações/dados.  O  segundo  bloqueio  ocorreu  em  maio  de  2016, determinado  pela  Vara  Criminal  de  Lagarto  (SE),  também  por  suposto  descumprimento  de  ordem  judicial  de fornecimento  de  informações  para  apuração  de  crime  de  tráfico  de  drogas.  Neste  caso  se  chegou  a  decretar  a prisão do vice­Presidente do WhatsApp. O terceiro bloqueio adveio de decisão da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias (RJ), onde também se apurava a prática de crimes e não cumprimento de ordem judicial, inclusive com o WhatsApp tendo ofertado uma das respostas em inglês. 3 Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra  em  território  nacional,  deverão  ser  obrigatoriamente  respeitados  a  legislação  brasileira  e  os  direitos  à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.

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Coriolano Almeida Camargo é doutor em Direito pela Fadisp e Mestre em Direito na  Sociedade  da  informação  pela  FMU.  Conselheiro  Estadual  da  OAB/SP. Presidente  da  Comissão  de  Direito  Eletrônico  e  Crimes  de  Alta  Tecnologia  da OAB/SP. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de SP.

Marcelo  Crespo  é  advogado  especialista  em  Direito  Criminal,  Digital  e Compliance. Doutor  e  mestre  em  Direito  Penal  pela  USP.  Profissional  Certificado em  Compliance  pela  Society  of  Corporate  Compliance  and  Ethics  (CCEP­I). Especialista  em  Direito  Penal  e  em  Segurança  da  Informação  pela  Universidade de  Salamanca.  Professor  Titular  em  Processo  Penal  na  Faculdade  de  Direito  de Sorocaba/SP.  Professor  nos  cursos  de  pós­graduação  em  Direito  e  Processo Penal  da  EPD  ­  Escola  Paulista  de  Direito.  Coordenador  do  curso  de  Pós­ Graduação  em  Direito  Digital  e  Compliance  no  Damásio  Educacional.  Membro Consultor da Comissão de Crimes Digitais e Compliance da OAB/SP. Membro do subgrupo  de  Direito  Digital  da  FIESP.  Autor  de  livros  jurídicos,  dentre  os  quais “Crimes  Digitais”  (Saraiva,  2011)  e  autor  de  diversos  artigos  sobre  direito  penal, digital e compliance.

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