O MECANISMO DO CONSENSO COMO PRODUTO DA JUSTIÇA PENAL CARACTERISTICA DO ESTADO NEOLIBERAL

July 18, 2017 | Autor: Lucas Carapiá | Categoria: Criminal Law, Criminal Procedure, Neoliberalism
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O MECANISMO DO CONSENSO COMO PRODUTO DA JUSTIÇA PENAL CARACTERISTICA DO ESTADO NEOLIBERAL1

Lucas Pinto Carapiá Rios2 Sumário: 1. INTRODUÇÃO; 2. CONTEXTO DA INTRODUÇÃO DO CONSENSO NA SEARA DO DIREITO PENAL; 2.1 UM RECORTE SOBRE A FORMAÇÃO DO SABER PENAL CONTEMPORÂNEO: DA INDUSTRIALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO; 2.1.1 O surgimento da pena de prisão como produto da Justiça Penal após as transformações sociais e econômicas provocadas pela Revolução Industrial; 2.1.2 A introdução do modelo consensual no âmbito da Justiça Penal como resultado da nova fase transformadora de desenvolvimento do capitalismo e do pensamento neoliberal; 2.2 MOVIMENTOS DE LEI E ORDEM, MÍDIA, MANIPULAÇÃO DO MEDO E AMPLIAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL FORMAL: PRECEDENTES PARA A INTRODUÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CONSENSUAL NO ÂMBITO PENAL; 3. OS PRETENSOS LIMITES DO CONSENSO NA JUSTIÇA PENAL; 4. OS MECANISMOS DE JUSTIÇA CONSENSUAL CRIMINAL NO ESTADO BRASILEIRO; 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

RESUMO O presente artigo trata do Sistema de Justiça Penal Consensual, consolidado no Brasil pela Lei 9.099/95, como uma opção do Estado de natureza Neoliberal em substituição ao Estado Social e de Bem Estar Social. Fundamenta-se no plano histórico e ideológico de evolução do capitalismo e da estruturação do Estado em torno da proteção dos seus valores, tendo como foco deste primeiro labor as alterações promovidas pela Revolução Industrial e posteriormente pelo movimento de globalização. Dentro desse contexto, indaga-se o papel da Justiça Consensual e procura-se buscar limites aos espaços de consenso na esfera da Justiça Penal. Por fim, aponta-se a violação aos direitos fundamentais dos indivíduos, como contraditório, ampla defesa, presunção de inocência e devido processo legal, promovida pela aplicação arbitrária dos mecanismos de Justiça Penal Consensual, ressaltando-se a necessidade de preservação dos direitos fundamentais como valores intrínsecos do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Justiça consensual; consenso; Estado de bem estar social; Estado social; Estado policial; Lei e ordem; controle social; direitos fundamentais; Direito público.

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Artigo elaborado em fevereiro de 2010. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4993285049285420

1. INTRODUÇÃO:

Quando se trata de bens jurídicos disponíveis, a idéia de consenso tem aplicabilidade imediata; é intrínseca ao Direito privado a consonância de vontades. Nada mais natural do que privilegiar o entendimento pacífico entre as partes para a resolução de um problema de conseqüências meramente privadas. Em contrapartida, quando se tem por objeto a agressão a um bem da vida tutelado pelo Direito Penal, o interesse na preservação aos direitos fundamentais se agiganta em favor do acusado, visando coibir a aplicação arbitrária e meramente vingativa do poder punitivo. Disso decorre relevante parte do imenso abismo de diferenças entre os espaços de consenso nos Juizados Especiais Cíveis e nos Criminais. Utilizando como base de investigação os mecanismos negociais (Transação Penal, Composição dos Danos Civis e Suspensão Condicional do Processo) introduzidos no sistema penal brasileiro pela Lei dos Juizados Especiais Criminais (9.099/95), percebe-se que a justiça consensual, nesta seara, ignora tais diferenças e materializa um dos maiores problemas do Estado neoliberal: a deflagração de um modelo regulador e repressor para suprir a falta de um sistema de transformação e de promoção da Justiça Social. Inevitavelmente, perpetuando-se a conhecida regra do sistema punitivo clássico, opera-se a aplicação da Justiça Penal Consensual como instância drástica e seletiva de controle de condutas, cuja aplicação mantém-se voltada àquela parcela da população econômica e socialmente desfavorecida. Da maneira como estão estruturadas no sistema penal brasileiro, as soluções consensuais trazem ao crivo da Justiça Criminal determinados fatos de mínima relevância social que, muitas vezes, sequer ensejariam uma reparação civil. Sem as devidas considerações acerca dos bens da vida juridicamente relevantes, e destes, os merecedores da tutela penal, mostra-se flagrante a violação ao Princípio da Intervenção Mínima e dos seus corolários, Fragmentariedade e Subsidiariedade. Ademais, a Justiça Penal Consensual é uma opção extremamente perigosa, pois relativiza de maneira exacerbada as garantias processuais do contraditório e da ampla defesa, viola o devido processo legal e, diante de uma lógica predominantemente utilitarista, sobrepõe o dito “interesse público” sobre a necessidade de respeito aos direitos fundamentais que resulta da manutenção de um Estado Democrático de Direito. O objetivo principal deste artigo é promover uma investigação crítica das razões provocadoras da adoção de um sistema de Justiça Consensual, tal qual o brasileiro, como modelo Estatal de solução de conflitos penais. Importante, também, demonstrar como esse sistema, utilizado para reprimir condutas não merecedoras de reprimenda penal e 2

determinadas predominantemente por problemas sociais – sejam de ordem econômica ou não – insere o Direito Penal em questões que, por força dos Princípios da Intervenção Mínima e corolários, não deveriam ser submetidas ao seu crivo. Deve-se alertar, entretanto, que inobstante a temática gire em torno das Ciências Criminais, importante enfoque da pesquisa também aponta para o Estado como produtor do sistema de controle social calcado em suas escolhas políticas, econômicas e sociais. Neste desiderato, será imprescindível discorrer acerca do contexto da introdução do consenso na seara do Direito Penal, abordando especificamente um recorte acerca da produção do saber contemporâneo e algumas alterações dos mecanismos de aplicação da Justiça Penal desde a Revolução Industrial até os dias atuais; e, por conseguinte, demonstrando como as estruturações social e axiológica do Estado manifestaram-se nos mecanismos penais de controle, por meio da manipulação do medo, culminando na ampliação desmedida do controle social formal. Quanto ao sistema consensual penal brasileiro, a prática demonstra, não raramente, que indivíduos submetidos ao cumprimento de penas restritivas de direitos, decorrentes de mecanismos de avença como a Transação Penal, manifestam grande insatisfação com a “Justiça”, em virtude de nem sequer terem tido oportunidade de se defender, face ao “acordo” que lhes foi imposto. Ademais, demonstram-se de maneira muito clara as angústias dessas pessoas acerca da possibilidade de exercerem direitos não atingidos pela restrição “avençada”. Diante de tais observações fica evidente a imensa desigualdade de partes daquela relação jurídica: de um lado o Estado e todo o seu aparato institucional; do outro, o indivíduo, muitas vezes desamparado de qualquer informação técnica. Observada tamanha disparidade, até mesmo um acordo na esfera cível seria facilmente anulado por vício de consentimento. Noutro plano, também se deve destacar que, nos dias atuais, rediscutir os mecanismos de aplicação de penas / medidas penais por vias negociais, como opção do Estado em sua configuração Neoliberal, é extremamente relevante e necessário. Isso porque, hodiernamente, o número de pessoas no Brasil cumprindo apenas medidas alternativas, dentre as quais estão as aplicadas por meio da transação penal, sem contar aqueles que cumprem penas restritivas de direitos decorrentes de sentenças condenatórias, já é maior do que o número de presos no país. Tal dado é extraído de pesquisa oficial do Ministério da Justiça3 e revela claramente que, na atualidade, o direito penal no Brasil atinge e pune os cidadãos, controlando suas condutas, em maior parcela, por uma via incomodamente relativizadora de

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Pesquisa disponível em http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ47E6462CITEMID38622B1FFD6142648AD402215F6598F2PTBRIE.htm. Consultada em 02.02.2010, às 10:20h.

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direitos e garantias individuais e pouco regulada do ponto de vista processual penal. Outrossim, não se pode desconsiderar que a inserção de práticas negociais e a aplicação de “medidas penais assecuratórias” que, a pretexto de sua necessidade cautelar, punem antes de processar, estão cada vez mais presentes nos textos legislativos brasileiros e vêm ganhando ares de modernidade e evolução nos discursos de muitos. Diante desse contexto, torna-se fundamental retomar as análises sobre a aplicação da chamada justiça negocial no âmbito penal, para que se promova a adequação de tal fenômeno aos paradigmas de tutela dos direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal e nas normas internacionais de proteção aos direitos humanos. Este texto se propõe, portanto, a incentivar uma releitura da Justiça Penal Consensual por parte dos pensadores e operadores do direito, para tentar promover uma ressignificação da idéia de consenso nos Juizados Especiais Criminais, repelindo a utilização de meios exclusivamente repressivos para suprir a falta do Estado Social. Não se deve ignorar que, mesmo embevecido pelo sentimento de grande potência mundial, o Brasil é, segundo dados relativos ao ano de 2009 constantes do Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)4, um dos países mais desiguais do mundo e ainda figura em 75º lugar no que diz respeito ao índice de desenvolvimento humano, ficando atrás de países como Cuba, Uruguai e Venezuela, e revelando graves mazelas em seus níveis de renda per capta e de educação. Com efeito, o país continua distante de resolver seus agudos problemas sociais, de modo que qualquer estudo ou medida dirigida ao tratamento do fenômeno da criminalidade, como política de Estado, deve se pautar, em primeira linha, por estratégias de correção de tais mazelas.

2. CONTEXTO DA INTRODUÇÃO DO CONSENSO NA SEARA DO DIREITO PENAL: 2.1 UM RECORTE SOBRE A FORMAÇÃO DO SABER PENAL CONTEMPORÂNEO: DA INDUSTRIALIZAÇÃO À GLOBALIZAÇÃO

A construção do saber penal na sociedade contemporânea ou, como dizem alguns autores, pós-moderna5, remonta necessariamente ao contexto histórico-social do 4

Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano disponível em http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2009_PT_Complete.pdf. Consultado em 30.01.2010, às 15:00h. 5 Este texto, particularmente, adotará a nomenclatura “contemporânea”, que significa “do nosso tempo”, sem o objetivo de exaurir a discussão acerca da possibilidade de utilizar a expressão pós-modernidade para designar os dias atuais.

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industrialismo mundial e caminha lado a lado com o desenvolvimento do modelo capitalista de organização econômica. Ressalte-se que não se pretende reduzir a formação do pensamento jurídico a critérios meramente econômicos, entretanto, reputa-se esta análise (que delimitará o corte metodológico do presente artigo) de fundamental importância para a compreensão dos hodiernos mecanismos punitivos. Para uma melhor compreensão do sistema punitivo vigente – considerando que as alternativas consensuais de soluções de conflitos penais aplicáveis no Brasil são preponderantemente sistemas punitivos –, portanto, é fundamental investigar a utilização do Direito Penal como forma de expressão das estruturas socioeconômicas 6, mais precisamente do Capitalismo Industrial ao Globalizado, marcos históricos que promoveram algumas das mais profundas modificações estruturais da atualidade. Alerte-se, contudo, que não se pretende avaliar todos os processos históricos e sociais que contribuíram para a formação do atual pensamento jurídico-penal; nem se trata de uma análise acerca das escolas e teorias criminológicas, mas de uma necessária ponderação histórica crítica, embora pragmática, em torno dos aspectos e ideologias que se reputa hoje responsáveis pela penetração dos sistemas consensuais atuais como um modelo de produção de Justiça Penal cunhado pelo Estado.

2.1.1 O surgimento da pena de prisão como produto da Justiça Penal após as transformações sociais e econômicas provocadas pela Revolução Industrial:

No final do século XVIII, a partir de 1780, iniciando-se pela Inglaterra, a Europa experimentou importantes transformações científicas e tecnológicas nos meios de produção, que culminaram numa célere, porém gradativa, alteração do modelo produtivo até então adotado. A economia, que era fundada no trabalho artesanal e voltada para o campo, ganhou propulsão mecânica e passou a ser manufatureira e urbana. Segundo o Historiador Edward Burns (2005, p.513), três foram os fatores iniciais que, predominantemente, propiciaram a ocorrência deste fenômeno denominado Revolução Industrial, que mais tarde atingiria, direta ou indiretamente, a todos os continentes. O primeiro dos fatores estava ligado à exacerbação da propriedade privada, atrelada a uma suposta estabilidade negocial que sustentava as relações comerciais européias,

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A freqüente utilização desta expressão, por si só, denota um dos paradigmas mais marcantes, obviamente não exclusivo, da sociedade contemporânea: a forma de organização e estrutura social em função do modelo econômico vigente.

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cujos atores, na análise de Burns7, eram os “principais manufaturadores e comerciantes do mundo”. Com tal objetivo, continua ele, “a maior parte desses homens havia feito com que os governantes entendessem que suas riquezas, investidas em terras, em comércio, ou em ambas as coisas, eram deles e de mais ninguém”. Este pensamento privatista precedeu e foi fortalecido pela utilização dos contratos escritos que, em substituição aos costumes, “ajudavam a persuadir os mercadores, os banqueiros, os comerciantes e os empreendedores, de que viviam num mundo racional, estável e previsível”. É importante destacar que a busca desmedida pela prosperidade – tratada como acúmulo de riquezas – e, consequentemente, a deferência irrestrita à propriedade privada formam um dos três principais pilares do industrialismo mundial. O segundo fator surgiu do aspecto expansionista iniciado na Europa pouco mais de um século antes, que se materializou nas Grandes Navegações e conseqüente exploração de novos territórios e dos seus povos, cujo resultado, dentre outros, foi o fortalecimento do comércio europeu. De acordo com Edward Burns8, os capitalistas europeus não teriam prosperado “na falta de um mercado em expansão para os seus produtos”. O terceiro e mais relevante fator foi o crescimento rápido e contínuo da população européia. Dados apresentados na obra de Burns9 demonstram que a população inglesa passou de quatro milhões de habitantes no ano 1600, para nove milhões em 1800, ou seja, mais que se duplicou em apenas dois séculos. Desta maneira, o aumento da demanda foi grande e a necessidade de crescimento na produção era diretamente proporcional. Demonstrava-se, portanto, que a alteração estrutural dos mecanismos de produção, bem como das bases reguladoras de convivência social, era inevitável. O processo de industrialização da economia mundial promoveu, por conseqüência, uma série de mudanças socioculturais observadas no cotidiano das pessoas, na forma como se relacionavam e em tantos outros aspectos, como bem explicam Zaffaroni e Pierangeli:

[...] a revolução industrial acarreta uma transformação socioeconômica que cria as condições de uma mudança cultural profunda, cujas conseqüências persistem até nossos dias. [...] As mudanças estruturais que marcam esse período podem ser sintetizadas no seguinte: da forma de produção feudal, em que o esquema é dado pela relação do servo e seu Senhor, sendo o primeiro ligado à terra e ao Senhor, e este, por sua vez, devendo proteção ao servo, passa-se a uma relação de produção em que, sob a base da ficção de 7 8 9

Ob. Cit. p. 513. Ob. Cit. p. 514. Ob. Cit. p. 514.

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igualdade de todos os homens, pressupõe-se a existência de um mercado regido pela oferta e procura. Nele cada um oferece o que tem de forma completamente livre e, como é natural, aquele que nada tem somente pode oferecer o seu trabalho. (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p. 247, grifo dos autores)

O deslocamento da produção de riquezas para a indústria gerou um grande êxodo rural, acompanhado conseqüentemente pelo crescimento exagerado da população nos centros urbanos. A demanda de trabalhadores era muito superior à oferta de trabalho e isso, aliado à ganância dos detentores do capital pelo lucro cada vez maior, importou num custo de produção proporcionalmente menor, com a desvalorização crescente da mão de obra e a submissão daqueles trabalhadores a condições laborais absurdamente precárias. Com efeito, experimentou-se um grande acúmulo de capital, ou ainda, as tão conhecidas da realidade brasileira, concentração de renda e desigualdade social. Aquela transição paradigmática foi difícil e truculenta. A revolução remodelou a formação social em todo o mundo e acentuou a cisão da sociedade em classes. No mesmo sentido, acerca das alterações cotidianas provocadas pela Revolução Industrial, assevera Edward Burns:

A revolução industrial foi mais do que um episódio importante na história econômica e tecnológica do mundo. Ela contribuiu para reformular a vida de homens e mulheres, primeiro na Grã-Bretanha, depois na Europa Continental e nos Estados Unidos, e por fim em grande parte do mundo. Mediante o aumento da escala de produção, a Revolução Industrial criou o sistema fabril, que por sua vez determinou o êxodo de milhões de pessoas do interior para as cidades. Depois de migrarem, esses homens e mulheres tinham de aprender um novo estilo de vida, e depressa: organizar a vida de acordo com o apito da fábrica e sobreviver no cortiço, se eram trabalhadores urbanos de primeira geração; administrar uma força de trabalho e alcançar proeminência respeitável na comunidade, se eram homens de negócios ou suas esposas. (BURNS, 2005, p.529, grifo nosso)

Todas essas mudanças na estrutura social geraram a chamada “consciência de classe” em que, no dizer de Burns10, os indivíduos passaram a se identificar como componentes de um determinado grupo, com seus próprios interesses, de teor contrário aos interesses do outro grupo. Tal fenômeno ocorria em virtude da própria sistemática exploratória da força trabalhadora, que constituía a base da produção fabril e sustentáculo daquele modelo capitalista. A respeito das alterações no cotidiano das pessoas e da reestruturação dos sistemas de controle social para regular aquela nova realidade, observe-se uma citação feita por Michel Foucault (2002, p. 65), retirada da Obra Le Système pénitentiaire 10

Ob. Cit. p. 529.

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aux Etats-unis, 3ª Ed. 1845, p. 392-393, de A. de Tocqueville, falando sobre as alterações provocadas no funcionamento da justiça: “Ela torna-se, no século XVIII, mais lenta, mais pesada, mais severa com o roubo, cuja freqüência relativa aumentou, e contra o qual toma agora ares burgueses de justiça de classe”. Percebe-se que a luta de classes deflagrou a utilização massiva dos instrumentos penais pelos detentores do poder, repercutindo na valoração negativa das condutas nefastas ao sistema de acúmulo de riquezas (direito material), bem como na conseqüente criação de mecanismos práticos para repelir tais condutas (direito processual), conforme se observará com a alteração do modelo punitivo e métodos de aplicação, tratados mais adiante. A esse contexto, é importante acrescentar que o enquadramento do perfil criminoso também foi se modificando, produto de um complexo de fatores tais como o aumento das disparidades econômicas e de qualidade de vida, bem como uma supervalorização jurídica e moral das relações de domínio. Conforme observa Michel Foucault11, desde o final do século XVII os crimes violentos passaram a ser substituídos pelos crimes contra a propriedade, a exemplo dos assassinatos, que foram substituídos, em termos estatísticos, pelo roubo e pela vigarice. Segundo o autor, os criminosos do século XVIII “são velhacos espertos, matreiros que calculam... obrigados a se fazerem menores para passar despercebidos – não mais que um punhado de homens, muitas vezes – contentam-se com operações mais furtivas, com menor demonstração de força e menores riscos de massacres”. No mesmo sentido, Juarez Cirino dos Santos (2008, p.74) enfatiza que as estudadas “transformações sócio-econômicas do capitalismo” reduziram a “criminalidade de sangue” e aumentaram a “criminalidade patrimonial”, marcada pela “ilegalidade dos bens”. Vale ratificar, pois, que a alteração da natureza delitiva para uma configuração mais patrimonial foi guiada, dentre os motivos já citados, por uma tendência de pauperização que assolou a Europa e derivou, principalmente, do excesso demográfico nas cidades. O agrupamento urbano das pessoas, como elemento da mencionada reestruturação sócio-econômica em que camponeses despossuídos e desqualificados para o labor nas fábricas disputavam emprego e espaço com outros trabalhadores miseráveis, ao tempo que observavam o “galopante” enriquecimento dos fabricantes, culminou em alterações significativas na problemática criminal, conforme também destacam Zaffaroni e Pierangeli:

[...] durante esse processo, a população concentrada nas cidades se tornava perigosa; como não tinha trabalho e tinha fome, desprendeu-se dos 11

Op. Cit., p. 64.

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controles sociais feudais, nada tinha a perder e estava geograficamente no mesmo lugar em que se concentravam as riquezas. A riqueza e a miséria concentravam-se nas cidades. Os crimes aumentavam. Era necessário apelar a um controle social exemplar, de contenção. (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p. 249)

Como um termômetro social, os índices de criminalidade cresceram e o controle institucional sobre os cidadãos também. Segundo destaca novamente Foucault 12, no desenrolar do século XVIII “... a justiça se torna de certo modo mais pesada, e seus textos, em vários pontos, agravam a severidade: na Inglaterra, dos 223 crimes capitais que se encontravam definidos no começo do século XIX, 156 haviam sido nos últimos cem anos.” Continua ele, analisando que este maior rigor e meticulosidade da justiça passam a levar em consideração “toda uma pequena delinqüência” que anteriormente se deixava passar. Dessa conjuntura, é fundamental que se perceba como o sistema punitivo é ampliado13 em face do desequilíbrio social, com o objetivo de reprimir as condutas indesejadas pelas classes dominantes e manter as bases de dominação. Tal análise, deve-se ressaltar, não parte de premissas ingenuamente maniqueístas ou sugere a existência de uma “teoria da conspiração” dos ricos contra os pobres, mas, ao contrário, baseia-se numa constatação histórica e, portanto, concreta, que demonstra a caça instintiva do ser humano à melhor condição14 individual. Como quem tem o poder econômico é, como regra – que se tem demonstrado quase absoluta após a crise das Monarquias e Revoluções Burguesas – o mesmo que tem nas mãos também o poder institucional, a força bruta (representada na modernidade pelo sistema punitivo) é utilizada maciçamente como mantenedora das estruturas vigentes, em especial, das bases de produção capitalista. Nesse quadro de abuso punitivo, o Estado, cuja função precípua é conter os excessos individuais que atentem contra as garantias fundamentais e que ameacem a convivência em sociedade, sofre um completo desvirtuamento e passa a agir de maneira Absoluta, maculando tais liberdades e garantias sob a máscara da proteção social. Para tanto, o poder estatal atua como “organização política do poder de classe” e utiliza o Direito Penal para protagonizar a função de tutela do “modo de produção dominante”, engendrando o rigoroso “controle social dos processos de trabalho e das práticas criminosas”. (SANTOS, 2008, p.39).

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Ob. Cit., p. 65. Tal ampliação opera-se não somente através do aumento quantitativo ou do maior rigor nas punições por condutas já tipificadas, mas também pela tipificação de outras condutas e criação de novos mecanismos tecnológico-punitivos. 14 Em tempos de valorização exagerada da imagem e do patrimônio, o significado de “melhor condição” acha-se densamente relacionado ao acúmulo de riquezas. 13

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Nesse contexto, observa-se que, em conseqüência da configuração da “nova criminalidade” apontada por Foucault, o Estado passou a utilizar um policiamento cuja estrutura inaugurou as bases da polícia moderna, com métodos de investigação mais rigorosos e técnicas mais pesadas de captura. Aliado a isso, promoveu a reestruturação das suas modalidades punitivas. Como “sintoma” dessas gradativas alterações sócio-econômicas, a pena privativa de liberdade já vinha sendo aplicada, em alternativa às sanções corporais, ainda no século XVII, pois, segundo aponta Juarez Cirino dos Santos (2008, p. 66), “a produção manufatureira, baseada em funções especializadas, encontra escassa força de trabalho, em geral dizimada por pestes, guerras e punições”, de modo que o sistema penal abandona gradativamente as penas corporais, “destruidoras da força de trabalho” e passa a utilizar os trabalhos forçados e a privação da liberdade como instrumentos punitivos. Mas é no século XVIII, contudo, que a pena de prisão se estabelece como principal modalidade punitiva na Inglaterra – e como tal se consolida por todo o mundo “civilizado” – em substituição aos habituais suplícios que, além de serem incompatíveis com as estruturas produtivas então vigentes, já não contavam com a aprovação social, uma vez que se distanciavam dos ideais humanistas difundidos pelo iluminismo, tampouco se adequavam à natureza e abundância dos atos delituosos então praticados. Acerca do tema, Raúl Cervini (2002, p. 45) destaca que “o espírito iluminista” já não mais suportava “as sangrentas penas-espetáculo medievais, embora a pena privativa de liberdade continue sendo aplicada com incrível dureza, característica comum inclusive até princípios do século XX”. Perceba-se, portanto, que a prisão não surge como generosa humanizadora do sistema punitivo, mas como meio mais eficaz para o “tratamento” de dois inconvenientes levados à classe média pela revolução industrial: a proteção do seu patrimônio frente ao excedente de mão de obra que migrava rapidamente da zona rural e não se encaixava nas vagas de trabalho – sem que sua punição significasse extermínio populacional em massa –, bem como a “catequização” dessa classe trabalhadora, que se insurgia contra as duras e precárias jornadas laborais nas fábricas, no caso dos empregados, e contra a falta de trabalho, no caso dos desempregados. Também é esta a análise de Maria Lúcia Karam:

Surgindo como pena nos primórdios do capitalismo, a privação da liberdade teve, nesta sua origem, a importante função real de contribuir para a transformação da massa indisciplinada de camponeses expulsos do campo e separados dos meios de produção em indivíduos adaptados à disciplina da fábrica moderna. (KARAM, 2005, p. 30)

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Mais uma vez o direito penal cumpria sua execrável função, a manutenção das estruturas de poder. As normas penais tinham como objetivo proteger as “elites de poder econômico e político” de maneira que as condutas ofensivas a esses interesses selecionavam previamente os “sujeitos estigmatizáveis” (SANTOS, 2008, p. 45). Adotou-se, portanto, um modelo de “contenção”, ou seja, de repressão dura e exemplar para – utilizando uma expressão Foucaultiana15 – promover a “docilização dos corpos” (FOUCAULT, 2002, p.117) através da ampliação do poder punitivo estatal. Desta forma, estavam os indivíduos mecanicizados pelo trabalho nas indústrias e domesticados pela repressão do Estado, induzidos a continuarem mantendo aquele sistema de mais valia e exploração da força de trabalho. Nesse contexto, é importante ratificar que a privação da liberdade passou a ser largamente utilizada, no século XVIII, como resposta tecnológica punitiva a serviço da classe dominante, para proteção do seu patrimônio e perpetuação irrestrita do acúmulo de riquezas. À análise dos fatores que consolidaram a pena privativa de liberdade como principal meio punitivo, Maria Lúcia Karam16 acrescenta que o modo de produção capitalista promoveu a possibilidade de quantificação econômica do tempo, balizada pelo período gasto na produção de mercadorias, de modo que até mesmo a liberdade do homem passou a ser quantificada do ponto de vista econômico. No mesmo sentido, Juarez Cirino (2008, p. 67) assevera que “o estudo da prisão como modalidade punitiva baseada na privação de liberdade leva à discussão do conceito burguês de tempo como medida geral e abstrata do valor da mercadoria”, ratificando a adoção de tal critério valorativo na “medida da pena de prisão”, de maneira “proporcional ao crime praticado”. No aspecto ideológico, para sustentar suas práticas, os detentores do capital apoiaram-se nos ensinamentos liberais e contratualistas – a chamada ideologia da classe média –, dentre os quais estavam a teoria do liberalismo econômico e a doutrina do Laissezfaire17, utilizadas largamente para afastar a regulação estatal dos âmbitos negociais privados. Em meio aos principais teóricos seguidos pela classe média estavam Thomas Malthus, defendendo a teoria de que a pobreza era inevitável frente ao natural crescimento da população; David Ricardo, que sustentava a fixação do salário dos trabalhadores ao limite da subsistência, como forma de contenção do avanço populacional; e Jeremy Bentham, que 15

Com o perdão do neologismo. Ob. Cit., p. 26. 17 Um dos aspectos marcantes da doutrina do Laissez-faire é que as funções estatais deveriam limitar-se à manutenção da segurança pública, protegendo primordialmente a propriedade, sem que jamais pudesse intervir nos processos econômicos. 16

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merece especial comentário, pois sua teoria utilitarista possui forte penetração nos sistemas jurídico-criminais contemporâneos.

Homens e mulheres eram criaturas basicamente egoístas. Por isso, acreditava Bentham, imaginar que seria possível uma sociedade estável e generosa surgir sem a ajuda de um grupo de egos personalistas era imaginar o impossível. Para funcionar adequadamente a sociedade precisava de um princípio organizador que admitisse o egoísmo básico da humanidade, ao mesmo tempo em que compelisse as pessoas a sacrificar ao menos uma porção dos seus próprios interesses pelo bem da maioria. Esse princípio chamado utilitarismo, afirmava que toda instituição, toda lei, devia ser avaliada segundo sua utilidade social. E uma lei socialmente útil era aquela que produzia a maior felicidade para o maior número de pessoas. (BURNS, 2001, p. 544, grifo nosso)

A teoria benthaniana foi utilizada pelos industriais para retirar-lhes as responsabilidades diante das mazelas provocadas pelo desenvolvimento incondicional das atividades produtivas, na medida em que lhes dava o argumento de estarem promovendo a “felicidade” da maior parte da população, pouco importando que alguns fossem afetados negativamente com aquilo. Burns18 destaca que o utilitarismo benthaniano, aliado às teorias de Malthus e de Ricardo, provocaram uma argumentação tendente a considerar que o “sucesso” do desenvolvimento industrial atribuiu-se à exacerbação do individualismo, de forma que impedi-lo, ou sequer controlá-lo, seria o mesmo que arriscar o progresso produtivo e, portanto, macular a felicidade da maior parte das pessoas. A maior evidência do emprego da ideologia benthaniana para o remodelamento tecnológico das composições punitivas foi magnificamente revelada por Michel Foulcault (2002, p. 165), ao explanar sobre o modelo “panóptico”19 para a construção de estabelecimentos de vigilância dos “anormais”. 18

Ob. Cit., p. 544. Foulcault assevera que: “o Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição” (referindo-se ao conjunto de técnicas e instituições que “assumem como tarefa medir, controlar e corrigir os anormais”, dentre os quais estavam os “delinquentes”. “O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. [...] O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. [...] A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha. [...] Cada um, em seu lugar, está bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia; mas os muros laterais impedem que entre em contato com seus companheiros. É visto mas não vê, objeto de uma informação, nunca sujeito numa comunicação. [...] Do ponto de vista do guardião, é substituída por uma multiplicidade enumerável e controlável; do ponto de vista dos detentos, por uma solidão sequestrada e olhada. Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder”. 19

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O sistema de idéias utilitarista está bastante presente na política criminal dos Estados Unidos da América e, de modo geral, nos mecanismos consensuais de solução dos conflitos penais em vários países do mundo ocidental, inclusive no Brasil, conforme se observará oportunamente. Ademais, o positivismo de Auguste Comte também foi utilizado como ferramenta ideológica a favor do industrialismo, na proporção em que defendia o cientificismo pleno – que substituiria o estágio “metafísico” experimentado anteriormente pela Europa. Segundo a ideologia burguesa, o estágio positivo tornar-se-ia tão mais viável quanto maior fosse o desenvolvimento dos meios de produção. Perceba, com isso, que a revolução industrial não apenas utilizou-se das teorias individualistas da época, como também as fomentou, tornando-se, certamente, a principal responsável pela alteração dos paradigmas sociais e econômicos em todo o mundo. Desta forma, inaugurou alguns e consolidou muitos dos mais latentes aspectos formadores das estruturas social e, consequentemente, do saber dito moderno: o “[...] paradigma dominante – sociedade patriarcal; produção capitalista; consumismo individualista e mercadorizado; identidades-fortaleza; democracia autoritária; desenvolvimento global desigual e excludente [...]” (SANTOS, 2001, p. 16).

2.1.2 A introdução do modelo consensual no âmbito da Justiça Penal como resultado da nova fase transformadora de desenvolvimento do capitalismo e do pensamento neoliberal:

Por uma questão metodológica de delimitação temática, reconhecendo que a revolução industrial foi o primeiro e mais importante passo para a ascensão do capitalismo, bem como ultrapassando uma análise descritiva das revoluções liberais, nacionalistas, democráticas e sociais que se sucederam e desempenharam importantes contribuições às estruturas do modo de pensar e agir contemporâneo, é necessário analisar agora o processo recente que se inicia no pós-guerra e culmina no atual estágio de Globalização. O principal objetivo desta avaliação é demonstrar como o período pós-guerra e o processo globalizador, assim como, outrora, a revolução industrial, promoveram acentuada alteração social e, consequentemente, reestruturação das práticas punitivas, cuja significativa parcela é representada hoje por medidas negociadas. Saltando para o final do século XX, em período pouco posterior à segunda Grande Guerra, já observa-se um cenário mundial de hegemonia, do ponto de vista do poder 13

econômico, dominado predominantemente pelos Estados Unidos da América. Sem embargo, noutro plano o campo ideológico apresenta-se marcado por um panorama “bipolar”. De um lado os países capitalistas, liderados pelos norte-americanos, e de outro os países socialistas, conduzidos pela então URSS20. Esta é a análise feita por Edward Burns:

[...] União Soviética, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e República da China. Eram esses os Cinco Grandes que, ao chegar ao fim da guerra, pareciam fadados a governar o mundo. Entretanto, a China logo se viu engolfada numa revolução comunista, enquanto a Grã-Bretanha e a França se tornavam cada vez mais dependentes dos Estados Unidos. Em resultado disso, durante dez anos, depois de 1945, a comunidade das nações assumiu um caráter bipolar, com os Estados Unidos e a União Soviética competindo pela supremacia e esforçando-se por arrastar os estados restantes para suas órbitas. (BURNS, 2001, p. 738)

Com o fito de conter o avanço do modelo socialista, que contava com o apelo popular da primazia pelos direitos sociais e começava a acumular adeptos em muitas nações européias, em 1948 os Estados Unidos lançam o Plano Marshall, um pacote de medidas que tinham o objetivo de financiar a reconstrução da Indústria na Europa Ocidental, bem como promover programas de assistência social. No Brasil, tais políticas foram adotadas de maneira paliativa por Getúlio Vargas, através da publicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como forma de se antecipar e impedir no país o quadro de reivindicações de caráter social – que certamente seria muito mais amplo – que se sucedia nos países europeus e nos EUA, como se viu, insuflado pelo discurso socialista. A citada política norte-americana reforçou as bases do chamado Estado do Bem-Estar Social, também conhecido como Welfare State, que se expandiu por outros diversos países do mundo, impulsionado por sentimentos humanitários e de restauração que se manifestaram em face do sofrimento e destruição provocados pelas duas guerras mundiais, assim como pela tentativa dos países de promover um panorama de maior estabilidade interna, em face da imensa instabilidade política internacional. Em torno desse aspecto se manifesta Burns:

Em quase todos os países, sucessivos governos lançaram ou expandiram programas de assistência social, garantindo com isso que populações inteiras recebessem proteção contra desemprego, doença e velhice. [...] as nações ocidentais instituíram programas nacionais de crescente abrangência nas áreas de saúde e segurança social. Também os países socialistas e os do Terceiro Mundo procuravam minorar, em certos casos com notável rapidez, 20

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

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os problemas de pessoas às quais, durante gerações, fora negada a possibilidade de uma vida saudável e segura. (BURNS, 2001, p. 760)

É importante salientar que o modelo de bem-estar social que se expandiu pela Europa, não foi o mesmo adotado nos Estados Unidos, apesar de ali ter se iniciado a política que culminou no denominado Welfare State. O próprio conteúdo do Plano Marshall indicava os interesses beligerantes norte-americanos em face da URSS, assim como a manutenção da estabilidade interna dos países capitalistas para evitar a difusão do socialismo. O Estado do bem-estar social imaginado como ideal, que provavelmente teve no modelo escandinavo seu maior representante, não se coaduna com o exemplo americano, tampouco com o exercício de uma política meramente assistencialista de doações aos pobres. Ao contrário, identifica-se com o reconhecimento de direitos sociais e individuais inerentes à condição humana, como saúde, educação e emprego, e com a certeza de que o Estado, direta ou indiretamente, é o principal responsável por provê-los e distribuí-los, proporcionalmente, para todos, ainda que para isso tenha que adotar políticas afirmativas de restabelecimento do equilíbrio social. Não se pode olvidar, todavia, que a viabilidade desse modelo, de origem capitalista, está diretamente ligada às regras do mercado, pois depende de constantes aumentos na produção e na demanda, de modo que se trata de “um sistema que se retro alimenta”, sendo difícil “conceber o chamado Estado de Bem-Estar Social sem uma sociedade de consumo” (CERVINI, 2002, p. 37). Como efeito, comparando-se o mencionado momento histórico ao vivido no Estado Liberal dos séculos XVIII e XIX, também se observa um maior intervencionismo e controle21 institucional, traduzidos não apenas através do desenvolvimento de políticas públicas populares – o chamado Estado Providência –, mas também na economia, por meio dos investimentos em infra-estrutura e exercício da atividade fiscalizadora. Ademais, havia uma ampliação do controle burocrático, uma vez que era necessário ter informações mais detalhadas sobre os cidadãos para promover sua inclusão nos programas assistenciais. A política do bem-estar social foi largamente utilizada durante os anos que sucederam a II Guerra Mundial, contudo, após a crise capitalista de 197322, robusteceu-se um

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O intervencionismo e controle aqui citados possuem bases democráticas, decorrem das obrigações sociais atribuídas aos Estados e não estão vinculados às práticas de censura dos regimes totalitários. 22 Segundo relata Perry Anderson (2000, p. 10), a obra que inaugurou a teoria neoliberal foi O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrita em 1944, que atacava veementemente a limitação estatal aos mecanismos de mercado. O autor destaca que o fundamento daquela obra era que o “igualitarismo” provocado pelo Estado de bem-estar “destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos”, pressupondo ser a desigualdade “um valor positivo – na realidade imprescindível em si –, pois disso precisavam as sociedades ocidentais”. Conforme explica o autor, as teorias de Hayek não lograram sucesso

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movimento de fortes críticas a esse modelo político, sob o pretexto de que o Estado havia se imiscuído numa função por demais custosa e intervencionista, sem ter alcançado o fim da pobreza e da miséria que, em verdade, deveria se reconhecer, sempre existiriam. Este foi, basicamente, o tom do discurso que provocou a ascensão do modelo neoliberal de retorno a uma política regulada pelas leis de mercado, que, a partir de então, logrou inúmeras vitórias nos países centrais. Edward Burns23 destaca que, incentivados por este movimento neoliberal, o governo socialista Sueco foi substituído por uma administração conservadora e, noutra ponta, “Margareth Tatcher, a arquiconservadora líder do partido Tory da Grã-Bretanha, tornou-se em 1979 a primeira mulher a chefiar o governo daquele país”, utilizando-se de um discurso eleitoral baseado em severas críticas ao intervencionismo do Estado, motivo ao qual atribuía o declínio econômico britânico. O autor cita ainda o exemplo norte-americano de Ronald Reagan, que também fez uma “campanha relativamente bem sucedida, visando limitar a atividade do governo pela redução da tributação”. Nesse sentido, também relata Perry Anderson:

Na Inglaterra, foi eleito o governo Tatcher, o primeiro regime de um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o programa neoliberal. Um ano depois, em 1980, Reagan chegou à presidência dos Estados Unidos [...] Em 1983, a Dinamarca, Estado modelo do bem-estar escandinavo, caiu sob o controle de uma coalizão clara de direita, o governo Schluter. (ANDERSON, 2000, p. 11)

A análise desse movimento neoliberal e, principalmente, dos governos que o adotaram, é de fundamental importância para a compreensão das teorias jurídicas dele decorrentes, especialmente as relacionadas à política criminal que, por conseguinte, promoveram as alterações das vias punitivas e do sistema de perseguição processual até então predominantes. As proposições neoliberais instrumentalizaram o desenvolvimento do capitalismo globalizado, justificando e incentivando a crescente desigualdade social por meio do enfraquecimento das instituições democráticas e dos sistemas jurídicos protetivos. Observe o que diz Cláudio Alberto Guimarães sobre os objetivos e conseqüências dessa ideologia:

naquele período, pois o capitalismo passava por uma fase de crescimento nunca experimentada, atingindo os mais altos níveis da sua história nas décadas de 50 e 60. A difusão da teoria, enfim, só veio a ocorrer a partir de 1973, quando todo o mundo capitalista sofreu uma profunda recessão, experimentando baixos índices de crescimento econômico e altas taxas de inflação. 23 Ob. Cit., p. 761

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A doutrina neoliberal tem como desiderato primordial isentar o Estado de suas responsabilidades na gênese social e econômica da insegurança e transferir todas as conseqüências avassaladoras de seu modo de gestão para os indivíduos, notadamente para aqueles que são excluídos pelo próprio processo da economia globalizada, ou seja, suprimidos do mercado de trabalho e abandonados pelo Estado assistencial. (GUIMARÃES, 2004, p. 249)

As novas correntes liberais, como suas antecessoras, possuíam um caráter claro de expansão econômica irrestrita. Os principais objetivos no seu plano de ação eram traçados no sentido não apenas de reduzir os gastos governamentais com programas de assistência social, mas de romper o apoio estatal aos movimentos sociais organizados (sindicatos, associações de proteção...) e restringir a interferência do governo no mercado. Neste desiderato, da análise de Perry Anderson, percebe-se que os países a adotarem de maneira mais evidente tais posturas foram Inglaterra e Estados Unidos, cada um com suas peculiaridades:

O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Tatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais [...] se lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. [...] A variante norte-americana era bem distinta. Nos Estados Unidos, onde quase não existia um Estado de bem-estar do tipo europeu, a prioridade neoliberal era mais a competição militar com a União Soviética [...] Reagan também reduziu os impostos em favor dos ricos, elevou as taxas de juros e aplastou a única greve séria de sua gestão. (ANDERSON, 2001, p. 12)

A globalização surge então como uma nova etapa evolutiva do modelo de produção capitalista e provoca a concentração crescente do poder econômico e político em empresas transnacionais. Nessa senda, o processo globalizador maximiza, acelera e dissemina as novas práticas liberais, promove a importação dos sistemas jurídicos dos países “centrais” pelos países “periféricos”, enfraquece o Estado-Nação e privilegia o poder econômico em detrimento das garantias sociais. Como efeito do capitalismo globalizado de cunho neoliberal, o Estado mínimo no setor econômico se mostra convenientemente inexpressivo no social. O enfraquecimento do Estado-Nação e o fortalecimento do capital privado, materializado em empresas transnacionais, provocam e são produtos da grande desregulamentação e falta de poder 17

coercitivo dos países pobres nas negociações com os ricos, ao passo que o aumento das desigualdades sociais gera intenso regramento para as classes menos favorecidas e enrijecimento do controle formal:

Dentro do vitorioso Estado mínimo da pregação neoliberal faz-se presente um simultâneo e incontestado Estado máximo, vigilante e onipresente, que manipula a distorcida percepção dos riscos, o medo e os anseios de segurança, que manipula uma indignação dirigida contra os inimigos e fantasmas produzidos pelo processo de criminalização [...] (KARAM, 2004, p. 25)

Em igual sentido se posiciona Geraldo Prado:

A hegemonia do mercado, com a redução das barreiras formais aos fluxos de capital entre países, configurou o processo de desregulamentação e deformalização das relações econômicas e jurídicas, dando o primeiro passo em direção ao Estado Mínimo. [...] Estado Mínimo no campo da intervenção econômica, porém, dadas as conseqüências sociais desse novo estado de coisas, Estado máximo no âmbito do controle social [...] (PRADO, G., 2003)

Nesse contexto fica evidente, em determinados aspectos, a repetição histórica. O neoliberalismo implanta/firma as bases do capitalismo globalizado e, dentre tantos outros fatores, o esgotamento dos recursos primários e o aumento da concentração de renda geram um cenário mundial onde apenas poucos países detêm o controle de toda a geração de riquezas. Noutro aspecto, o inevitável processo de globalização traz consigo a pretensa difusão do conhecimento tecnológico e aparece como alternativa à distribuição do capital, no entanto, num primeiro momento, se configura mais uma ferramenta de agudização da já imensa desigualdade social. Se a economia do século XVI foi marcada pelas buscas por novos mercados e produtos, através das chamadas “Grandes Navegações”, a contemporaneidade é induvidosamente assinalada pela difusão de marcas, produtos e ideais através das “ondas” virtuais da internet, meio onde o “novo” modelo capitalista extrapola de uma vez por todas não apenas os limites territoriais, mas também os políticos. Com efeito, promove-se mais uma escalada dos valores de matiz patrimonial, mediante o crescente incentivo das grandes marcas multinacionais pelo consumo global dos seus produtos, de modo que o mundo novamente polariza-se, desta vez entre aqueles que podem comprar, os consumidores, e aqueloutros que não o podem, os marginalizados. Essa grande segregação, inevitavelmente, gera um aumento nos índices de criminalidade patrimonial e/ou vinculada a objetivos patrimoniais, na medida em que os mecanismos de sedução utilizados pelo mercado atingem a um número de pessoas 18

infinitamente superior àquele que realmente pode atender de maneira lícita ao chamado do consumo. Nesse contexto, não seria nenhum absurdo dizer, tampouco se deve questionar o caráter lógico científico de tal constatação, que um indivíduo que mata outro exclusivamente para roubar-lhe um tênis de uma marca famosa foi alcançado de maneira extremamente eficiente pelos mecanismos de sedução difundidos pelo mercado, tendo sido atingido por uma deturpação moral que o faz entender o status de possuidor / consumidor da coisa como valor mais importante do que a vida do outro. Destaque-se que tal análise não parte de premissas axiológicas no que diz respeito ao acerto ou desacerto da conduta rotulada criminosa, mas aponta tão somente para uma das conseqüências reais e práticas da valorização do capitalismo, em constante reafirmação das relações de “mais valia”, desta feita em escala planetária, e da inerente ocorrência do fenômeno criminal na vida em sociedade. No aspecto do fenômeno criminal, portanto, os aumentos das quantidades de marginalizados e da concentração de patrimônio culminam, tal qual no século XVIII, na reestruturação das vias punitivas que, por fim, serão disseminadas pela própria estrutura de conexões globais. Tal difusão, por conseguinte, é promovida especialmente por aqueles países que elevaram as teorias neoliberais ao mais alto patamar, como já se viu, Estados Unidos e Inglaterra. Veja a análise feita por Maria Lúcia Karam:

Este novo degrau da evolução capitalista, propiciado por um excepcional desenvolvimento das forças produtivas, motor da revolução científicotecnológica, traz reformulações mais ou menos profundas na estrutura e nas relações de produção. [...] A desaceleração no ritmo de crescimento dos centros dinâmicos da economia mundial, a queda estrutural dos níveis de emprego, a concentração de capitais em empresas, que, transnacionalizadas, acumulam um poder enfraquecedor dos Estados nacionais, a desregulamentação do mercado, a minimização e a privatização das áreas de intervenção econômica e social, estes e outros fatores aprofundam o processo de desigualdade e exclusão, inerente ao modo de produção capitalista, provocando o crescimento da quantidade de marginalizados, excluídos das próprias atividades produtivas. (KARAM, 2004, p. 24, grifo da autora)

A aguda ruptura com as antigas políticas sociais e o endurecimento estatal com os movimentos sindicais promovidos pelo capitalismo globalizado e alastrados por Estados imbuídos em doutrinas neoliberais, como já se havia observado no século XVIII, provocaram um aumento das disparidades de renda e das reivindicações por grupos de trabalhadores e “miseráveis desfavorecidos”. Os governos britânico e norte-americano, diante de tais fatos, em cumprimento de mais uma etapa do processo neoliberal, promoveram a proteção do seu capitalismo 19

mediante a ampliação, qualitativa e quantitativa, da intervenção penal. Para tanto, os Estados Unidos agenciaram um poderoso esquema doutrinário e midiático de enrijecimento do controle formal, cuja disseminação pelo continente europeu ficou a cargo do governo britânico. Observe-se o manifesto de Loïc Wacquant, ao tratar das alterações institucionais provocadas pela ideologia neoliberal que se espalhou pela Europa:

[...] a redefinição das missões do Estado, que, em toda a parte, se retira da arena econômica e afirma a necessidade de reduzir seu papel social e de ampliar, endurecendo-a, sua intervenção penal. O Estado-providência europeu deveria doravante ser enxugado, depois punir suas ovelhas dispersas e reforçar a “segurança”, definida estritamente em termos físicos e não em termos de riscos de vida (salarial, social, médico, educativo, etc.), ao nível de prioridade da ação pública [...] Seria preciso reconstituir, ponto por ponto, a longa cadeia das instituições, agentes e suportes discursivos ... por meio da qual o novo senso comum penal – visando criminalizar a miséria – e, por esse viés, normatizar o trabalho assalariado precário – concebido nos Estados Unidos se internacionaliza [...] (WACQUANT, 2001, p. 18, grifo do autor)

O sistema de “tolerância zero” – que será tratado logo adiante de maneira mais pormenorizada – adotado nos Estados Unidos apresenta-se então como uma solução “instantânea” de redução da criminalidade e atinge escala planetária por meio da globalização. Mais uma vez é promovida a reestruturação das vias punitivas em favor da concentração do capital, apoiada em discursos neoliberais e promovendo uma inversão entre as causas e conseqüências do aumento da criminalidade. O discurso de proteção ao “cidadão trabalhador honesto” e combate exemplar ao “insuportável avanço da criminalidade”, com reais metas de manutenção das estruturas econômicas, legitima o enrijecimento dos mecanismos formais de controle social e permite o agigantamento do aparato repressor Estatal, gerando uma perversa alteração lógica à medida que trata o fenômeno criminal como causador das mazelas sociais do mundo em sua conformação capitalista. Contra tal inversão também se insurge Juarez Cirino dos Santos (2008, p. 41), avaliando que a “estrutura econômica desigual e opressiva” é que produz os problemas sociais do sistema capitalista, “como o desemprego, a miséria e o crime, mas a organização política do poder do Estado apresenta esses fenômenos – especialmente o crime – como causas dos problemas sociais”.

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2.2 MOVIMENTOS DE LEI E ORDEM, MÍDIA, MANIPULAÇÃO DO MEDO E AMPLIAÇÃO DO CONTROLE SOCIAL FORMAL: PRECEDENTES PARA A INTRODUÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CONSENSUAL NO ÂMBITO PENAL

Baseados na exigência neoliberal de alteração dos paradigmas punitivos, no intuito de conter o crescente avanço dos índices de criminalidade, os Estados Unidos da América, a partir da década de 70, conforme destaca Sylvio Lourenço da Silveira Filho (2005, p. 258), promoveram uma substituição progressiva dos programas de caridade para os pobres, iniciado pelo peculiar Welfare State norte-americano, por uma política repressiva, cujos pontos de ação dividiam-se em basicamente duas vertentes:

[...] a primeira transformando os serviços sociais em instrumentos de controle moral das classes socialmente hipossuficientes, condicionando o acesso à assistência social à adoção de certas normas de conduta (sexual, familiar, educativa, etc.) e ao cumprimento de obrigações burocráticas onerosas ou humilhantes. A segunda, recorrendo de forma vultuosa e sistemática ao aprisionamento, pois após ter diminuído em 12% durante a década de 60, a população carcerária americana literalmente explodiu, passando de menos de 200 mil detentos em 1970 a cerca de 825 mil em 1991, ou seja, um crescimento nunca visto em uma sociedade democrática, de 314% em vinte anos. (SILVEIRA FILHO, 2005, p. 258, grifo do autor)

Deflagrava-se, então, o processo de reestruturação punitiva norte-americano, por meio da utilização dos mecanismos supostamente tendentes a promover o restabelecimento da paz social, como resposta ao aumento da criminalidade provocado pela adoção maciça das políticas neoliberais no país. Nessa perspectiva é que surgem as teorias que compõem o bloco ideológico denominado Movimento de Lei e Ordem e sua efetiva aplicação nas políticas de controle da criminalidade. Nos anos 90, o Movimento de Lei e Ordem se robustece pela política do “tolerância zero”, adotada primordialmente na cidade de Nova Iorque pelo então prefeito Rudolph Giuliani. Tal política era instrumentalizada, principalmente, pela “teoria das janelas quebradas” (theory of broken windows), criada por James Q. Wilson e George L. Kelling. Essa teoria, segundo Silveira Filho24, utilizava a seguinte metáfora: “se a janela de uma propriedade (comercial ou residencial) fosse quebrada e não consertada imediatamente, as pessoas que por ali passassem concluiriam que [...] naquela localidade não havia autoridade responsável pela manutenção da ordem”.

24

Ob. Cit., p. 259.

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Dessa alegoria, os autores extraiam a interpretação de que os outros indivíduos que por ali passassem, incentivados pelo primeiro sinal de desordem, atirariam pedras também nas janelas intactas, de modo que se espalharia a sensação de confusão e falta de responsáveis por aquela localidade. A partir de um silogismo no qual sequer as premissas possuíam fundamento plausível, a Teoria das Janelas Quebradas concluía que se fosse feita uma repressão dura aos infratores de pequenos delitos, se estaria, por meio das prevenções geral e especial, coibindo a ocorrência da “grande criminalidade”. Tal conclusão, contudo, nunca foi comprovada empiricamente. Note que essa teoria tinha o objetivo de fundamentar a política de maximização da intervenção penal, punindo desde as pequenas infrações, como forma de prevenir a chamada “grande criminalidade”. Ressalte-se, entretanto, que as mencionadas proposições faziam parte de um discurso muito maior, em favor do enrijecimento radical da repressão e controle de práticas ameaçadoras aos valores capitalistas, que, no geral, não se baseavam em qualquer dado científico confiável, materializando-se claramente numa ferramenta para a consecução do controle social almejado pelo Estado Neoliberal. O paradigma para a divulgação da política da “tolerância zero”, tida como extremamente eficaz no combate à criminalidade, foi a experiência da cidade de Nova Iorque a partir do ano de 1996, cuja administração estava a cargo do prefeito Rudolph Giuliani que, por sua vez, nomeou William Bratton e William Safir como chefes de polícia. Ambos sustentavam-se na ideologia do Manhatan Institute, instituto americano declaradamente defensor da teoria das janelas quebradas e da tolerância zero, e fundado por Anthony Fischer que, segundo Loïc Wacquant (2001, p. 14), havia sido mentor de Margareth Thatcher. Esse mesmo instituto, ao lado de Thatcher, havia promovido uma verdadeira campanha nos anos 80 visando ao extermínio dos benefícios sociais pagos pelos governos aos cidadãos, taxandoos de assistencialistas e culpando tais pagamentos pelas baixas nos índices de crescimento econômico em diversos Estados nacionais, especialmente na Inglaterra. Uma década mais tarde, a administração de Giuliani foi marcada pelo aumento considerável na força policial da cidade de Nova Iorque e também pela redução das taxas de criminalidade no município. Tal conjunto reforçou de maneira incalculável a divulgação da política da tolerância zero como um programa de extremo sucesso na gestão da segurança pública em vários países, mesmo que a adoção de tais medidas sacrificassem os investimentos do governo no campo social e relativizassem de maneira aguda direitos e intimidades dos cidadãos. Em obra mais recente, entretanto, Loïc Wacquant (2007, p. 419) revela que o aumento dos contingentes policiais e da vigilância dos cidadãos nova iorquinos não foi 22

responsável pela diminuição dos índices de criminalidade na cidade. Wacquant destaca que a primeira prova de sua afirmação é o fato de que a redução da violência criminal registrada em Nova Iorque iniciou-se três antes de Rudolph Giuliani assumir a administração da cidade, tendo continuado no mesmo ritmo de decréscimo após a sua posse. Acrescenta que durante os dois últimos anos de governo do seu predecessor, David Dinkins, a taxa de homicídio foi reduzida em 4% e 7%, respectivamente, apesar da maioria dos nova iorquinos acreditar que tais índices estivessem em ascensão, o que se devia, segundo o pesquisador francês, à maior cobertura da mídia ao crime. No mesmo sentido, Loïc Wacquant (2007, p. 420) observa que:

A taxa de homicídios sem o uso de armas de fogo cometidos na cidade vem diminuindo lenta, mas gradativamente, desde 1979; somente os homicídios por meio de balas caíram de forma acentuada após 1990 [...]. Com base em dados oficiais do Departamento de Polícia de Nova Iorque, a taxa de agressão com circunstâncias agravantes começou a cair na cidade em 1988, a taxa de roubo em 1980 (à exceção de uma alta moderada entre 1887 e 1990), a de assalto em 1980, e a de furto de veículo em 1990. O índice agregado para todos os crimes contra a propriedade, combinando assalto, furto, furto de veículos automotores, diminuiu durante 14 anos consecutivos, de 1988 a 2002 [...]. Assim, o crime diminuiu claramente, e de forma acelerada em Nova Iorque, mas essa diminuição teve início bem antes de Giuliani e Bratton terem entrado em cena.

Ainda como contraprova à política da tolerância zero como responsável pela redução dos índices de criminalidade em Nova Iorque, Wacquant (2007, p.421) aponta que outros Estados norte americanos, como Boston, São Francisco e São Diego, que adotaram programas de segurança pública menos repressivos, obtiveram maiores taxas de decréscimo da criminalidade. Dentre vários exemplos, é possível observar o caso de São Francisco, que adotou uma “política sistemática de encaminhamento dos jovens delinqüentes para programas de treinamento profissional, aconselhamento e tratamento social e médico”, o que permitiu a diminuição das prisões à metade e reduziu a criminalidade violenta em 33% entre 1995 e 1999. O autor alerta que em Nova Iorque, no mesmo período, houve um aumento de um terço do volume de ingressos em cadeias e uma redução de apenas 26% na criminalidade violenta. Em suma, o que se busca revelar é a completa desconexão lógico-científica entre o enrijecimento da perseguição institucional punitiva, produzido pelo aumento irracional do controle de condutas, assim como das detenções e dos encarceramentos, e a redução das taxas de criminalidade. Nessa esteira, é fundamental que se perceba como o discurso da “lei e ordem” produz uma análise que é, ao mesmo tempo, caricata e reducionista da realidade – e conseqüentemente equivocada – na medida em que desfigura determinados comportamentos 23

sociais de mínima lesividade, destacando de maneira exagerada a sua faceta “não querida” e taxando-os de criminosos, assim como ignora as variáveis que interferem nas causas de tais condutas e delas projeta, mediante uma previsibilidade não científica e quase esquizofrênica do comportamento humano, um resultado único e socialmente catastrófico. Nesse mesmo contexto, Loïc Wacquant (2007, p. 11) afirma que “o manejo da lei-e-ordem está para a criminalidade assim como a pornografia está para as relações amorosas, ou seja, um espelho que deforma a realidade até o grotesco”, extraindo “artificialmente os comportamentos delinqüentes da trama das relações sociais nas quais estão enraizados”. Inobstante, em meio ao processo globalizador e tendo em vista todo o apelo popular que possuem as políticas de segurança pública, os mecanismos de repressão e controle social estadunidenses se difundem por todo o mundo, apresentando-se como experiência bem sucedida de batalha contra a violência urbana. Os meios de comunicação de massa são utilizados também como principais instrumentos propagadores desse discurso neoliberal e promovem uma inteligência virtual da “realidade”, que se manifesta na criação de verdades especulativas, promovendo uma agudização da percepção dos riscos sob uma ótica reduzida, da violência como produto exclusivo das ações “criminosas” dos indivíduos marginalizados. A exploração vil pela mídia de fatos criminosos com altas cargas de violência atrai a audiência e, junto com ela, o pânico dos espectadores, de modo que a punição severa dos respectivos “delinqüentes” gera uma sensação instantânea de segurança e reafirmação dos papéis sociais. Nesse contexto, é inevitável observar a participação da mídia na formação ideológica das pessoas e, conseqüentemente, no surgimento dos seus anseios por proteção imediata. No mesmo sentido, Alexandre Morais da Rosa e Sylvio Lourenço da Silveira Filho (2009, p.8) apontam que através dos meios de comunicação de massa “o horror de cada esquina das grandes metrópoles e dos mais variados cantões invade os lares, contribuindo decisivamente para a difusão do medo e da insegurança, produzindo espasmos de irracionalidade, criando monstros e obstaculizando qualquer proposta de solução pacífica, racional e democrática dos conflitos”. Neste cenário, a sociedade clama por respostas rápidas e prematuras, instantâneas, tais quais as extraídas dos modernos sites de busca pela internet, e acostuma-se a conviver com “verdades” construídas a partir da exploração comercial da tragédia alheia. Investigações policiais e processos criminais transformam-se em mórbidos reality shows em que os bandidos já são “velhos” e etiquetados conhecidos. O clamor pela condenação sumária desses indivíduos soa como uma auto-afirmação dos papéis daqueles que julgam ser os “mocinhos” da história. Enfim, se deseja que tudo termine como no cinema, onde o “bem” 24

vence o “mal” num desfecho levianamente objetivo, que ignora a complexidade do fenômeno criminoso e parece justificar as inúmeras atrocidades e violações cometidas contra as garantias individuais, confortando momentaneamente aqueles que estão “do outro lado da tela”. O que não se percebe é a repetição histórica de todo esse discurso de dominação, hoje difundido e reproduzido pela mídia. O controle servil foi substituído pelo controle por meio da alienação ideológica; o monopólio da terra foi trocado pelo monopólio da comunicação. A diferença, porém, é que o segundo produz um efeito controlador infinitamente superior ao do primeiro.

A mídia implantou na sociedade o total sentimento de intranqüilidade; o medo contagia a todos de forma tal que a segurança do cidadão ocupa a centralidade das suas preocupações. O medo e a insegurança tornaram-se, por via de conseqüência, o tema central do fim do século XX. [...] A suspeita em relação aos outros, a intolerância em face da diferença, a preocupação paranóica com a lei e a ordem, ressuscitam os fossos e torreões que guardavam as elites de outrora, em seus castelos medievais; hodiernamente, os detentores do poder, as atuais elites globais, constroem suas casas e escritórios supervigiados, inacessíveis a quem quer que seja, acima e além dos problemas do mundo material. (GUIMARÃES, 2004, p. 252)

Em meio a essa sensação de pânico, o Direito Penal, na maioria das oportunidades, aparece como uma resposta eleitoreira e imediata, através da falsa idéia de mudança da realidade social por meio do enrijecimento do controle das condutas invariavelmente praticadas pelos excluídos dos sistemas de produção. Desta maneira, deflagra-se uma dupla e crescente exclusão desses sujeitos: a primeira promovida pela estrutura econômico-social e a segunda para manutenção desta estrutura através dos mecanismos penais.

Relações sociais que seguem a lógica do mercado, caracterizando-se pelo individualismo, pela competição, pelo imediatismo, pelo egoísmo, pela ausência de solidariedade no convívio, favorecem ainda mais esta percepção negativa dos riscos, gerando fortes sentimentos de incômodo e de medo, entronizadores de cegos anseios por segurança. [...] Um tal quadro enseja a reativação das premissas ideológicas de afirmação da autoridade e da ordem, fazendo surgir uma generalizada opção preferencial pela reação punitiva. Assim, abre-se o espaço para uma desmedida extensão do poder do Estado de punir, apresentados por políticos dos mais variados matizes como resposta aos cegos anseios individuais por segurança. (KARAM, 2004, p. 24)

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A sociedade, imbuída nos discursos que pregam “Lei e Ordem”, tomada por uma sensação de pânico e insegurança permanentes e impregnada no senso comum pela associação direta entre marginalidade e criminalidade, legitima o Estado a suprimir garantias conquistadas de maneira árdua durante longos anos. O Estado, por meio dos seus representantes diretos, utiliza-se deste clamor social para promover a satisfação de interesses individuais e faz das soluções criminais palanque político, através de um discurso facilmente aceito e pretensamente eficaz:

[...] O discurso da lei e da ordem conduz a que aqueles que não possuem capacidade para estar no jogo sejam detidos e neutralizados, preferencialmente com o menor custo possível. Na lógica da eficiência, vence o Estado Penitência, pois é mais barato excluir e encarcerar do que restabelecer o status de consumidor, através de políticas públicas de inserção social. Trata-se de uma conseqüência (penal) do afastamento do Estado do setor social, onde um menos Estado-providência necessita de um Estado (mais) Penal, para conter a decorrente marginalização social. (LOPES JR., 2005, p. 12)

Amplia-se, desta forma, o controle social formal sobre os cidadãos, provocando uma substituição das outras instâncias menos traumáticas e mais eficazes, como a família, a igreja, a escola...25 Todas essas instituições sociais têm sido sistematicamente abandonadas e afastadas das discussões democráticas. O Estado pune para não dar educação, segrega para não ter que promover a inclusão social. A sociedade civil é desorganizada e aceita os discursos de dominação como verdades absolutas. Diante de todo o quadro de pânico social já mencionado e sob a propaganda da celeridade na punição, rigidez e intolerância com a criminalidade, as soluções consensuais ganham força e inserem o controle formal repressor para suprir a falta do Estado-Social.

Cada Estado, à sua maneira, procurou adotar mecanismos que viabilizassem a expansão do Direito Penal, abrindo mão, porém, da tradicional pena de prisão, pelos seus custos, por sua ineficácia, e pelas denúncias de que violava os mais elementares dos princípios humanitários [...] (PRADO, G., 2003)

A utilização dos mecanismos consensuais criados com base no sistema estadunidense de justiça criminal representa uma manifestação clara das teorias que fundamentaram os movimentos de Lei e Ordem, a exemplo da teoria das janelas quebradas. 25

Segundo destaca A. L. Machado Neto (1987, p. 166), “o direito [...] é, pois, o modo mais formal do controle social formal. Sua função é a de socializador em última instância, pois sua presença e sua atuação só se faz necessária quando já as anteriores barreiras que a sociedade ergue, contra a conduta anti-social foram ultrapassadas”.

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Da mesma forma, condutas de pequena ofensividade, muitas vezes até irrelevantes penais, são submetidas à aplicação de penas antecipadas, como forma de promover um controle repressivo dos comportamentos invariavelmente praticados pelos excluídos dos sistemas de produção. Com efeito, o sistema de justiça consensual brasileiro promove o aumento do Estado Penal e, por conseguinte, da instância formal de controle das condutas classificadas como de menor potencial ofensivo. A transação penal, maior difusora da justiça consensual criminal no Brasil, como ferramenta da ampliação punitiva promovida pelo Estado capitalista globalizado, reproduz o “espírito” neoliberal e agencia a maximização do privado em detrimento do público, privilegiando os valores relacionados à propriedade, promovendo um verdadeiro “apartheid” entre aqueles que cometem crimes, em geral, contra o patrimônio, e aqueles que têm patrimônio. Nesse contexto, a crescente penetração da regulação Estatal nas relações sociais mais cotidianas, provocada pela possibilidade de aplicação de “penas” antecipadas por meio dos mecanismos consensuais vigentes, gera uma estado permanente de observação e controle dos cidadãos, tornando perene o sentimento de vigilância integral, tal qual o modelo Panóptico, perpetuando a conformação do poder. Na sociedade contemporânea há um perene crescimento das velocidades de respostas implantadas e exigidas pelo capitalismo globalizado e na reestruturação das vias punitivas para atender a essa nova realidade sócio-econômica. A utilização de mecanismos que promovem a antecipação de penas para acelerar a resposta penal aos fatos reputados delituosos, às custas da extrema mitigação de garantias, remete às antigas práticas punitivas que vinculavam o tempo à liberdade – produção fabril.

3. OS PRETENSOS LIMITES DO CONSENSO NA JUSTIÇA PENAL:

Na esteira da análise do sistema processual norte-americano e de sua penetração no sistema de justiça criminal brasileiro, é importante trazer à baila algumas considerações acerca dos espaços de consenso no Direito. Num primeiro momento, buscar-seá analisar o consenso numa dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado, com o objetivo de, em seguida, compreender as exigências mínimas para que um mecanismo essencialmente negocial possa ser adaptado a uma atividade ordinariamente pública, como é a

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persecução criminal. Para esta segunda etapa será esclarecedor acrescentar as variáveis da obrigatoriedade e da discricionariedade acusatória. A dicotomia Direito Privado / Direito Público está ligada originalmente às atividades exercidas pelo homem na Roma Antiga. O labor relacionado às atividades familiares, cuja estrutura era chefiada pelo pater famílias e destinava-se a prover a economia da casa e as necessidades individuais, situava-se na esfera privada. Por outro lado, o homem livre que circulava na pólis e exercitava o seu papel de cidadão, na relação com outros homens livres, estava praticando uma ação política, que conformava a esfera pública. Diante de todas as evoluções na definição destes espaços de relação humana, ainda mais após a criação da ficção estatal, restou contemporaneamente a noção de que o direito privado está, em maior grau, vinculado às interações para satisfação das necessidades individuais, assim como o direito público está primordialmente ligado às interações coletivas, marcadas pela prevalência dos princípios democráticos e, tratando-se de direito penal, pela tutela última da harmonia social. Acerca de parte dessa divisão, vale observar os ensinamentos de Tércio Sampaio:

É o princípio do interesse público relevante que, se contrastando com interesses privados, prevalece em última instância sobre eles. Esse interesse público pode ser do próprio Estado, no caso do Direito Administrativo, mas pode ser o de toda a comunidade, no caso do Direito Penal. Nesse caso, é o interesse da justiça, como um valor social global. O ente público que aplica as normas penais não age no interesse próprio, mas no da justiça, para e pela comunidade. A diferença é importante, pois evita confundir o Estado com a própria sociedade. Quando o ente público pressupõe o interesse relevante do Estado, vê nesse uma parte do todo social que, por sua importância para o todo, deve prevalecer. Quando vê no interesse relevante o interesse do todo social é a justiça26, como um valor global da comunidade, que prevalece. (FERRAZ JR., 2001, p. 137)

É bem verdade que, atualmente, observa-se o enfraquecimento dessa dicotomia, na medida em que há uma publicização do direito privado – como exemplo podese citar a valorização da função social da propriedade – e uma privatização do direito público – conforme se extrai da criação dos mecanismos de justiça consensual para a resolução dos conflitos criminais. Isso culminou na concepção de micro-sistemas jurídicos, nos quais se notam elementos tanto de um quanto do outro ramo do direito. É a partir dessa conformação do direito contemporâneo, experimentada em diversos países do mundo pela difusão dos mecanismos de justiça negocial, que surge a idéia 26

Entenda-se “justiça”, no dizer de Tércio Sampaio, como a preservação das garantias constitucionais e de proteção dos princípios democráticos.

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de consenso27 entre o órgão / agente acusatório28 e o autor da infração criminal como meio hábil para a solução do conflito penal. Cabe investigar, contudo, em que medida é possível a penetração de instrumentos de direito privado nos ramos de direito público sem que isso signifique um desvirtuamento das regras e princípios que regem este ramo do direito. Especificamente no que diz respeito ao tema em estudo, deve-se analisar até que ponto o consenso pode ser utilizado para a solução dos conflitos penais num sistema de persecução criminal público e de iniciativa obrigatória. É importante perceber que alguns mecanismos de justiça consensual provocaram uma ruptura na sistemática processual dos países em cujo direito tem origem romano-germânica e são regidos pelo princípio da obrigatoriedade acusatória. Tal princípio, não exclusivamente, precisou ser mitigado para a adoção das práticas negociais, o que ensejou a criação de micro-sistemas jurídicos nesses países, a exemplo de Espanha, Portugal e Brasil. Nos Estados Unidos, cuja persecução criminal, apesar de pública, é absolutamente discricionária, a adoção do plea bargaining não precisou submeter o sistema processual à mitigação dos seus princípios, ao contrário, esse modelo surgiu na common law e incorporou-se “com perfeição” ao sistema norte-americano, apesar de ter manifestado grande potencial arbitrário, decorrente não diretamente da possibilidade de consenso, mas da natureza discricionária da acusação. Essa discricionariedade acusatória absoluta, atribuída ao parquet, aliada à coercitividade do procedimento norte-americano de justiça consensual, concentram um poder aviltante e inquisitivo nas mãos do órgão ministerial, o que manifesta um aspecto típico dos Estados totalitários. Em suma, deve-se ter em mente que o consenso no direito privado apresenta peculiaridades inadmissíveis no direito público, em virtude de estar o primeiro calcado em princípios próprios, a exemplo da ampla autonomia de vontade. Perceba que as teorias liberais e utilitaristas, criadas no final do século XVIII, que sustentaram as relações de produção industrial, foram reformuladas e persistem até os presentes dias em muitas relações de direito privado, entretanto, tais teorias jamais podem ser aplicadas para a resolução dos conflitos penais. Admite-se até a viabilidade dos espaços de consenso no direito penal, contudo, este âmbito negocial deve submeter-se sempre aos princípios públicos e democráticos, de equilíbrio das relações e proteção dos cidadãos em face do poder absoluto. É importante notar que a imposição de fundamentos mercadológicos e privatistas nos espaços de direito público 27

Consenso é uma palavra derivada do latim (consensum) que significa acordo, aprovação unânime diante de algo. O signo consenso remete, de pronto, às idéias de negócio e avença, características originalmente inerentes ao direito privado. 28 Considerando a predominância nos sistemas jurídicos criminais dos modelos de acusação pública.

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está a serviço da ideologia capitalista neoliberal, que provoca a fragilização das garantias individuais e mina a proteção do Estado Democrático de Direito. Desta forma, exatamente no momento da transação entre o órgão acusatório – equipado com todo o seu aparato institucional – e o suposto autor de ato delituoso, é que se devem maximizar as garantias constitucionais conferidas a este último, notadamente a parte mais fraca da relação, em cumprimento ao imperativo constitucional democrático de promoção do equilíbrio social – razão fundamental de existir do Estado Democrático de Direito. Caso não sejam respeitados tais princípios, a relação persecutorial desvirtua-se, deixando de pautar-se pelos critérios de proteção inerentes ao direito público e transformando-se numa relação meramente privada, o que exigiria não a criação de um microsistema, mas a mutação de todo o sistema jurídico. Tal reflexão parece bastante lógica quando se trata de um sistema de acusação criminal exercido por um órgão público, e de maneira obrigatória. Mas, se ao mesmo órgão público acusatório for conferido o poder de escolher qual, como e quando formulará imputação em face de um suposto infrator, tal raciocínio continua sendo aplicável? Evidente que sim. Perceba que um Estado democrático de direito não pode concentrar um poder absoluto contra seus cidadãos. Diante disso, não importa se o oferecimento da ação penal é obrigatório ou discricionário. No momento em que se permite uma negociação acerca de um direito público, é necessário potencializar a proteção constitucional do cidadão, sob pena de estar exercendo uma supressão coercitiva de garantias constitucionais e, portanto, provocando o total abandono das bases democráticas. Partindo desse pressuposto, o consenso no direito penal pode ser aplicado única e exclusivamente para beneficiar o investigado/imputado, de sorte que a mitigação de suas garantias processuais justifique-se por um bem maior em seu favor. Os efeitos decorrentes desta interpretação constitucional e democrática são diversos, repercutindo de maneira fundamental na aplicação dos mecanismos consensuais no âmbito do direito criminal.

4. OS MECANISMOS DE JUSTIÇA CONSENSUAL CRIMINAL NO ESTADO BRASILEIRO:

Assim como em outros países do mundo ocidental, os mecanismos de justiça consensual foram importados também pelo legislador brasileiro. Em se tratando de direito privado, os Juizados de Pequenas Causas, criados pela Lei 7.244/84, possuíam objetivos claramente voltados à composição amigável dos conflitos, e causaram um importante avanço 30

na difusão do acesso à justiça, na desburocratização dos procedimentos e na agilização da prestação jurisdicional. Esta lei trouxe consigo um grande alvoroço doutrinário no sentido de ampliar sua aplicação, além de promover a utilização das alternativas consensuais nos outros ramos do direito, inclusive no direito penal. A doutrina freqüentemente apontava exemplos na legislação estrangeira, principalmente advindos da Itália e de Portugal, que ratificavam o emprego das vias consensuais para a resolução dos conflitos criminais, cujos procedimentos eram abreviados e promoviam a antecipação da resposta punitiva. Sabe-se, contudo, que assim como em outros países, os anseios pela criação dessas legislações consensuais no Brasil possuíam precedentes no modelo americano do plea bargaining, sob a propaganda do rápido e pretensamente eficaz modelo de “combate à criminalidade”. Com efeito, àquela altura já havia ao menos um Anteprojeto e um Projeto de Lei, que tramitava no Senado Federal, prevendo a criação de mecanismos negociais:

Nessa linha, inseria-se o Anteprojeto José Frederico Marques, que previa a proposta, pelo Ministério Público, do pagamento de multa que, aceita pelo acusado, levaria à extinção da punibilidade, por perempção (art. 84); bem como o Substitutivo ao Projeto de Código de Processo Penal, aprovado na Câmara dos Deputados, segundo o qual o processo se extinguiria sem julgamento do mérito, quando o acusado, primário, em sua resposta, aquiescesse no pagamento da multa a ser fixada pelo juiz (art. 207, II do Projeto). (GRINOVER, et al., 2005, p. 36)

Tantos esforços políticos e doutrinários influenciaram o Legislador Constituinte de 1988, que determinou, no art. 98, I, da Carta Magna brasileira, a edição de Lei Nacional específica para a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais nos âmbitos das Justiças Estaduais, o que mais tarde daria ensejo à Lei 9.099/95. Posteriormente, a Emenda Constitucional n.º 22, de 18 de março de 1999, ordenou expressamente a edição de Lei para a criação dos referidos Juizados no âmbito da Justiça Federal, o que culminou no dispositivo 10.259/01. A doutrina, de modo geral, euforicamente manifestava um sentimento de revolução processual, protestando por uma mudança ideológica em face dos antigos paradigmas delimitados pelo vigente Código de Processo Penal, bem como pela aplicação imediata dos institutos previstos na nova legislação. Parte dessa euforia doutrinária é relatada por Geraldo Prado:

[...] o novo estatuto foi recebido sem reservas e tornou-se depositário de expectativas de transformação de um obsoleto, seletivo e estigmatizante sistema de justiça criminal. Luiz Flávio Gomes, por exemplo, colocou em relevo a “verdadeira revolução (jurídica e de mentalidade)” produzida pela

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então recente legislação, pois possibilitava a “quebra da inflexibilidade do clássico princípio da obrigatoriedade da ação penal”, no que foi seguido por Humberto Dalla B. de Pinho. Este, por sua vez, destacou a própria transação penal como “instituto verdadeiramente revolucionário”, preconizando igualmente uma nova mentalidade, adaptada ao inovador espaço de consenso. (PRADO, G., 2006, p. 2)

A Lei dos Juizados Especiais Criminais inaugurou os institutos da Composição Civil, da Suspensão Condicional do Processo e da Transação Penal, trazendo ao ordenamento pátrio três mecanismos distintos de solução consensual dos conflitos criminais. Citados os mecanismos brasileiros, é pertinente esclarecê-los neste momento, ainda que sucintamente, tendo em vista que o foco da pesquisa está voltado para os aspectos da Justiça Consensual como opção do Estado. Composição dos Danos Civis é o acordo formulado entre o suposto autor de ato delituoso de pequeno potencial ofensivo29 e sua vítima, sob a tutela do Ministério Público e com a homologação do juiz, que se consubstancia em título executivo judicial a favor do segundo e opera, de maneira irrecorrível, a extinção da punibilidade em benefício do primeiro. A Suspensão Condicional do Processo, por sua vez, aplica-se apenas aos delitos em cuja pena mínima cominada não ultrapasse 1 (um) ano, e se materializa na sustação da persecução criminal, mediante proposta formulada pelo Ministério Público no instante em que oferece a peça acusatória, obstando o seu recebimento pelo magistrado e posteriormente operando a extinção da punibilidade caso sejam cumpridas as condições impostas ao acusado durante um período de prova variável entre 2 (dois) e 4 (quatro) anos. Esse instituto assemelha-se à suspensão provisória do processo adotada em Portugal e submete-se a determinados critérios objetivos como a primariedade do acusado e a ausência de maus antecedentes em seu desfavor. A transação penal, por sua vez, de acordo com Marcos Paulo Dutra Santos (2006, p. 7), consiste num “acordo entabulado entre o Ministério Público e o autuado, no qual o primeiro propõe ao segundo a aplicação imediata de uma pena pecuniária ou restritiva de direitos. Aceita a sanção pelo pretenso autor do fato, devidamente assistido por um defensor, o magistrado homologa por sentença a avença, impondo-lhe a reprimenda ajustada”.

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Os delitos de menor potencial ofensivo são aquelas em cuja pena máxima prevista seja igual ou inferior a dois anos, conforme determinado pelas legislações que tratam dos Juizados Especiais Criminais Estaduais e Federais.

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Ocorre que a aplicação desses institutos, a despeito de toda a euforia inicial, foi extremamente precipitada e se deu de maneira disforme. O que se esperava provocar uma revolução transformou-se em mais uma via punitiva e transgressora de garantias. Nesse sentido é o manifesto de Jacinto Coutinho:

Haver-se-ia, portanto, de ter cautela e, por evidente, em face da novidade, proceder-se a um longo percurso de discussão e construção sólida daquilo que, desde logo, mostrou-se como uma grande esperança à modernização – e democratização – do processo penal brasileiro. [...] Hoje, é preciso reconhecer, não foi bem o que se passou. [...] Afinal, a Lei para se dar cumprimento ao preceito do art. 98, I, da CR, veio à luz com uma pressa incabível, desnecessária. Isto, por evidente, consagra nomes (será que consagra mesmo?) porque deles se fala (às vezes não muito bem!), mas põe de joelhos estruturas inteiras em razão de que a falta de base teórica é sintoma da falta de discussão, como parece elementar; e os resultados são desalentadores, para não dizer desastrosos. (COUTINHO, 2005, p. 3)

A aplicação desses mecanismos consensuais se deu de forma arbitrária e sem considerar os inafastáveis critérios constitucionais. A criação de um espaço de consenso no âmbito penal não observou a tão elementar dicotomia entre o Direito Público e o Direito Privado, assim como o micro-sistema dos juizados especiais criminais foi encarado como se estivesse à margem de toda a ordem constitucional. Como observam diversos autores, dentre os quais estão Maria Lúcia Karam e Jacinto Coutinho – em obras já citadas – a aplicação desregrada dos institutos negociais, principalmente da transação penal, ressuscitou diversos pequenos delitos e infrações que, justamente em decorrência de sua insignificância, já não figuravam mais nas persecuções penais, estando submetidos a formas mais eficazes e racionais de controle e solução. Noutra perspectiva, observa-se que a aplicação imediata da norma deixou fez-se completamente dissociada da realidade, deixando de observar o princípio da congruência. Tal postulado, conforme leciona Humberto Ávila (2009, p. 156), exige que haja correlação lógica entre a norma e a realidade na qual se aplicará. Enfim, de um modo ou de outro, estava plenamente ativo o sistema brasileiro de solução consensual dos conflitos criminais. Logo se pôde observar a utilização preponderante do instituto da transação, pois veicula uma carga punitiva clara, representada pelas penas restritivas de direito previstas no Código Penal, além de ser aplicável aos delitos submetidos às ações penais públicas e privada.

A aplicação dos mecanismos de Justiça Penal Consensual no Brasil lastreia-se basicamente em razões de natureza utilitarista, voltada a postulados de uma eficiência quase 33

fabril, onde se busca o oferecimento da maior quantidade de respostas punitivas imediatas no menor tempo possível. Tal “eficiência”, entretanto, possui um custo demasiado grande para um Estado Democrático de Direito, revelado na implantação de um mecanismo processual de rito abreviado que se sustenta na supressão de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, como a presunção de inocência, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Diante desse quadro, o que se observa é uma aplicação maciça do interesse público, supostamente representado pelo clamor punitivo da sociedade em face das transgressões criminais, em detrimento de direitos fundamentais dos indivíduos. É fundamental perceber, entretanto, que não se pode justificar a supressão de direitos fundamentais com base no argumento da “Supremacia do Interesse Público”. Sobre o tema, Daniel Sarmento (2006, p.69) alerta que:

Negar a supremacia do interesse público sobre o particular a afirmar a superioridade prima facie dos direitos fundamentais sobre os interesses da coletividade pode parecer, para alguns, uma postura anticívica. [...] Mas esta visão não se justifica. O bom civismo, cujo cultivo interessa ao Estado Democrático de Direito, não é o do nacionalismo à outrance – que tanto mal já fez à humanidade –, nem o que prega a entrega incondicional do indivíduo às causas da coletividade. O civismo que interessa é o do ‘patriotismo constitucional”, que pressupõe a consolidação de uma cultura de direitos humanos. (SARMENTO, 2009)

Em suma, deve-se destacar que o clamor social por respostas punitivas diante de situações de criminalidade não podem autorizar a supressão das garantias fundamentais do cidadão acusado. Isso porque o Estado Democrático de Direito cria uma “bolha” de direitos individuais invioláveis, de modo que a sua transgressão pelo próprio Estado configura uma efetiva deslegitimação do mesmo e a perda da sua razão de existir.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Diante do que se expôs, revela-se que o sistema de Justiça Consensual brasileiro, consolidado pela Lei 9.099/95, origina-se das alterações provocadas nas estruturas sócio-econômicas globais pelo desenvolvimento do capitalismo no mundo, especificamente pelo processo de formação do pensamento Neoliberal e a difusão de seus ideais promovida pela Globalização. A opção do Estado pelo padrão Neoliberal, em grande medida, provocou a utilização dos instrumentos de Justiça Penal Consensual inseridos numa lógica utilitarista de 34

celeridade processual e ânsia punitiva em detrimento de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, deflagrando um modelo regulador e repressor para suprir a falta de um sistema de transformação e de promoção da Justiça Social. Nesse contexto, perpetuando a regra geral do sistema punitivo clássico, opera-se a aplicação da Justiça Penal Consensual como instância drástica e seletiva de controle de condutas, cuja aplicação também se mantém voltada àquela parcela da população econômica e socialmente desfavorecida. No mesmo sentido, vale ratificar que a Justiça Penal Consensual pode ser uma opção na necessária renovação dos sistemas penal e processual penal, mas não da forma como está atualmente estruturada na legislação brasileira, pois relativiza de maneira exacerbada as garantias processuais do contraditório e da ampla defesa, viola o devido processo legal e sobrepõe o dito “interesse público” sobre a necessidade de respeito aos direitos fundamentais, que decorre necessariamente da implementação de um Estado Democrático de Direito. Por fim, é importante destacar que o presente artigo não tem o objetivo de promover uma análise procedimental acerca dos instrumentos de justiça consensual. O que se pretende, em verdade, é oferecer subsídios críticos para que se perceba que a aplicação dos instrumentos negociais no direito criminal deve ser extremamente cuidadosa, de modo que não reproduza um quadro social mais degradante e desigual do que o que já se observa contemporaneamente, tampouco se autorize a recorrente e exagerada violação aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos em virtude da adoção de acordos espúrios para solução dos conflitos de caráter penal.

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