O MEDO DE UMA CATÁSTROFE ECOLÓGICA NAS PÁGINAS DE \" TERRA 1 \"

June 3, 2017 | Autor: Rodrigo Pedroso | Categoria: Fear, Comics, Brazil, Ecology, Cience Fiction
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O MEDO DE UMA CATÁSTROFE ECOLÓGICA NAS PÁGINAS DE “TERRA 1” Rodrigo Aparecido de Araújo Pedroso*

RESUMO

O presente trabalho analisa a série de HQs “Terra 1”, publicada entre junho e setembro de 1998 pela Abril Comics (selo criado pela Editora Abril com a intenção de lançar quadrinhos no estilo americano, mas produzidos por artistas brasileiros). A série trata de dois povos alienígenas, muito parecidos com os seres humanos, que devido a ações inconsequentes acabaram por devastar os recursos naturais de seus planetas e se viram obrigados a procurar um novo local para se estabeleceram. A Terra, por suas características climáticas parecidas com o antigo lar desses povos se tornou o local onde eles poderiam recomeçar suas vidas. A trama gira em torno da disputa entre esses dois povos alienígenas para se fixar na Terra, um deles com recursos tecnológicos mais avançados os chamados “Embaixadores” que se apresentam como super-heróis aos seres humanos; o outro não possui a mesma tecnologia e vagam pelo espaço em busca de asilo em uma nave que pertencia aos Embaixadores. E devido a uma manipulação feita pelos Embaixadores eles são vistos como monstros que pretendem destruir a Terra. Ao longo da série evidencia-se que os Embaixadores têm o objetivo de eliminar todos os seres humanos da Terra, pois os consideram indignos de viver em um “paraíso” ao qual eles não respeitam, a união entre alienígenas e humanos consegue evitar que o plano se concretize. “Terra 1” pode ser caracterizada como uma série de ficção científica com temática ecológica e distópica, pois expõem consequências pessimistas sobre o futuro, ao mostrar o quanto as ações humanas podem prejudicar o planeta Terra. O objetivo principal deste artigo é investigar a mensagem transmitida pelas HQs e discutir algumas questões referentes ao medo de um grande desastre ecológico e qual seria a melhor maneira de evitá-lo. PALAVRAS-CHAVE: ecologia; medo; Terra 1.

INTRODUÇÃO “Terra 1” foi uma minissérie dividida em quatro partes publicadas em 1998 pela Abril Comics (Figura 1.). Essas histórias em quadrinhos foram um projeto da Editora Abril que tinha como objetivo publicar quadrinhos feitos por autores brasileiros, porém em moldes de quadrinhos de super-heróis norte-americanos. A série foi organizada e produzida por Sérgio Figueiredo (argumentos); David Campiti e Kevin Juarie (roteiros); Carlos Mota (desenhos); René Micheletti (arte-final); Lilian Mitsunaga (letras) e Alexandre Jubran (cores)1. O tema central das quatro edições é a destruição de nosso meio ambiente e uma invasão de alienígena que ambicionam eliminar os seres humanos e repovoar a Terra com sua raça. *

Doutorando em História Social – FFLCH - USP. Além desses a série contou com a arte de Mike Deodato nas capas; Raquel Matsushita que fez o logotipo e com a produção do Estúdio Art & Comics. 1

Figura 1 – “Terra 1” capas das quatro edições. Fonte: FIGUEIREDO, Sérgio; CAMPITI, David; MOTA, Carlos. (et al.) Terra 1. São Paulo: Editora Abril, n. 01-04, jun.-set., 1998.

Na primeira edição da série somos apresentados a um alien com feições humanas que é interrogado por alienígenas, este conta sua história revelando o trágico destino de seu planeta, um local parecido com o planeta Terra que acabou tendo seus recursos naturais destruídos. A população acabou vivendo em um ambiente altamente poluído, com constantes chuvas ácidas e no qual o ar não é respirável, pois é necessário usar mascaras de gás ao sair de casa. A vida dos habitantes do planeta muda quando uma gigantesca nave alienígena cai em uma grande cidade. Os alienígenas da nave morreram na queda, porém uma alienígena sobreviveu e fez contato com o homem que narra a história, quando ele ainda era criança. Ela estava muito ferida, mas antes de morrer lhe deu uma esfera brilhante que continha sementes que poderiam ser usadas para restaurar a biodiversidade do planeta e alimentar os que passavam fome. Entretanto, estas sementes acabaram sendo roubadas pelos técnicos de uma poderosa indústria de alimentos, que mataram a família do narrador e passaram a vender os alimentos a um alto preso. Além disso, as empresas se apossaram da tecnologia da nave alienígena, e

construíram equipamentos para utilizar a energia do sol, mas isto resultou numa catástrofe ainda maior. Os equipamentos acabaram por desencadear um processo de explosão solar, que acabaria com a vida no planeta. Tentado fugir deste destino cerca de dois milhões de habitantes foram escolhidos para embarcar na nave alienígena que foi reconstruída, e partiram em busca de um novo planeta para recomeçar suas vidas. A Terra é o local para onde esses refugiados se dirigem. O alienígena que narra essa história é um “batedor” que foi enviado para averiguar como é a Terra e seus habitantes, porém, ele foi interseptado por outra raça alienígena, que o interrogou e se mostrou a principio amigável. Esses outros seres são chamados de “Semeadores” e teriam sido responsáveis por espalhar sementes por todo o universo e ajudar ao desenvolvimento da vida em diversos planetas. Essa face amigável dura pouco tempo, próximo ao final da primeira edição, os alienígenas assassinam o “batedor” e partem rumo a Terra para colocar em execução seu plano. A partir da segunda edição esse grupo de alienígenas hostis chega a Terra e se apresentam ao mundo como seres evoluídos que vieram em missão de paz, para ajudar todos os terráqueos. O grupo é composto por cinco personagens que se denominam como “Embaixadores”. “Ormazd” é o líder e o porta voz dos Embaixadores, que são compostos por: “Nazrene” alienígena fêmea com poderes tecnológicos; “Jahweh” com poderes de manipular energia das estrelas; “Krishna” outra fêmea com poderes para manipular recursos naturais e “Yahojah” alienígena “mudo” com poderes de materializar alimentos. Eles usam armaduras metálicas com aparência de humanos, seu visual lembra o de super-heróis com capas, e suas ações corroboram para essa aparência (Figura 2.). O grupo pratica diversas boas ações pelo mundo, alimentam pobres, aprimoram tecnologias, salvam vidas, discursam na ONU, enfim, se apresentam como seres bem intencionados e dispostos a melhorar a vida de todos na Terra. Ao mesmo tempo em que os Embaixadores praticam suas boas ações pelo mundo o outro grupo de alienígenas, mais parecido com humanos, planeja como fazer contato com a Terra e pedir asilo para seus dois milhões de refugiados. A tripulação dessa nave é dirigida por três alienígenas que se autonomearam como: “Lucas”, o capitão da nave e sua esposa “Natália” e “Mira” irmã de Natália. Mira é a porta voz do grupo encarregada de descer a Terra e fazer os primeiros contatos. Estes alienígenas são idênticos a seres humanos, mas tem corpos fisicamente mais definidos, fruto provavelmente de muito tempo praticando exercícios dentro da espaçonave.

Figura 2 – Embaixadores realizando diversas façanhas heroicas pelo mundo. Fonte: FIGUEIREDO, Sérgio; CAMPITI, David; MOTA, Carlos. (et al.) Terra 1, capítulo dois: a chegada. São Paulo: Editora Abril, n. 02, jul., 1998.

As primeiras mensagens que estes transmitem a Terra são adulteradas pelos Embaixadores, que modificaram as imagens dos refugiados para que eles ficassem parecidos com monstros. Além disso, armaram um plano que resulta na destruição de um ônibus espacial e dá início a uma série de combates entre terráqueos, Embaixadores e refugiados. No final da segunda edição a nave de Mira é abatida pelos Embaixadores e cai na Terra, na floresta amazônica para ser mais preciso. A terceira edição começa mostrando Mira e seu companheiro de tripulação “Gagarin” (nome escolhido para homenagear o astronauta russo) no meio da Amazônia enterrando corpos de amigos e tentando entender o que houve. Eles ainda não sabem da existência dos Embaixadores nem de suas maquinações para impedir o estabelecimento deles na Terra. Enquanto isso na Casa Branca em Washington, EUA, os Embaixadores fazem um discurso a diversos jornalistas e falam da necessidade de utilizar o arsenal nuclear do país para combater a ameaça alienígena. Entre os jornalistas está uma correspondente brasileira chamada Irene, que questiona a real necessidade de usar armas nucleares e se é possível confiar nos Embaixadores. Devido aos seus questionamentos Irene acaba sendo convidada por Ormazd

para conhecer a nave alienígena. Enquanto isto Mira vaga pela floresta e se depara com uma cena de desmatamento, homens com escavadeiras e motosserras destroem uma grande parte da Amazônia. Mira vê que a Terra sofre com o mesmo problema que destruiu o mundo dela. No desenrolar da trama, dessa terceira edição, ocorre um ataque de tropas da ONU liderados por Jahweh e Krishna aos sobreviventes aliens na Amazônia. Na nave Ormazd revela a Irene seu plano para usar os mísseis nucleares modificados pelo poder tecnológico de Nazrene para destruir a nave dos refugiados e, também, contaminar a Terra com um vírus que iria matar todos os seres humanos deixando o planeta desabitado e pronto para ser recolonizado pelos Embaixadores. Para Ormazd a destruição que os humanos causaram na Terra não tem perdão e por isso todos devem ser eliminados. Na quarta edição ocorre o desfecho da trama, as reais intenções dos Embaixadores são expostas e tem início uma luta entre alienígenas e humanos, com destaque para a atuação de soldados brasileiros, pois a luta se desenvolve na Amazônia, Irene também tem um importante papel nesse final. Ormazd e seu povo vêm de um planeta onde viviam em harmonia com a natureza, eram extremamente desenvolvidos tecnologicamente, mas sabiam o valor de seus recursos naturais e os respeitavam. Essa raça alienígena possuía corpos que mudavam de forma, de dia eram sólidos, ao anoitecer tornavam-se energia pura e vagavam pela noite até voltarem a sua forma sólida. “Mazda” uma brilhante cientista desenvolveu uma armadura que permitia que os corpos em estado de energia se mantivessem na ativa durante a noite. Tudo corria bem no mundo paradisíaco deles, até que mudanças climáticas repentinas impossibilitaram que os habitantes do planeta voltassem para sua forma sólida, devido a isso decidiram abandonar o planeta em busca de um local onde tivessem como viver nesta forma novamente. A primeira opção que eles encontraram foi o mundo dos refugiados, mas ele já estava praticamente todo destruído e levaria anos para restaurar a biodiversidade e torná-lo um local habitável. Com isso houve um desentendimento entre Ormazd e Mazda, o primeiro queria limpar o planeta, exterminando todos os habitantes. Já Mazda discordava dessa ideia, ela queria preservar a vida dos habitantes. Isso resultou numa divisão entre eles seguida de uma violenta batalha que terminou com a morte de todos os Semeadores, exceto Ormazd e seus quatro amigos, que seguiram em busca de um novo planeta. Essas explicações foram transmitidas a Irene pela consciência de Mazda, que se salvou dentro da esfera de energia que a própria entregou ao jovem batedor dos refugiados. Irene que havia sido violentada por Ormazd e deixada à beira da morte teve seu corpo mesclado ao de Mazda, dando origem e um novo ser híbrido humano/alienígena. A junção de força entre

sobreviventes refugiados, humanos e a nova Irene resultaram na derrota dos Embaixadores, que foram aprisionados, e sua nave tornou-se um posto de observação e proteção do planeta nomeada pela ONU de Terra 1. Aparentemente tudo terminou bem, exceto por Mira, que em algum lugar da Amazônia assistia tudo pela TV e discordava do rumo que as coisas estavam tomando, que então decide proteger o ecossistema a seu modo e parte para a floresta com uma arma disposta a punir todos que destroem o meio ambiente (Figura 3.).

Figura 3 – Mira disposta a tomar atitudes extremas para preservar a Amazônia. Fonte: FIGUEIREDO, Sérgio; CAMPITI, David; MOTA, Carlos. (et al.) Terra 1, capítulo quatro: a batalha. São Paulo: Editora Abril, n. 04, set., 1998.

A principal mensagem veiculada por essa série de HQs é com relação à preservação do meio ambiente. A forma como os mundos alienígenas foram destruídos é uma clara metáfora sobre o que está ocorrendo na Terra. A série fornece indícios de como poderá ser o futuro de nosso planeta e da raça humana se não tomarmos providências quanto à destruição de nossos recursos naturais. Os autores da série indicam um caminho trágico ao criar um cenário fictício de uma invasão de alienígenas, que por agirem de forma inconsequente perderam seus antigos lares, tem na Terra sua única opção de sobreviver. O que nos diferencia deles é que não temos, ainda, meios de abandonar a Terra e partir em busca de outros planetas para nos

fixarmos. Logo, se não tomarmos alguma atitude nosso futuro será muito mais trágico do que o dos aliens das HQs. Medo e ambientalismo são ideias que se relacionam na série, passaremos agora analisar como se dá essa relação.

MEDO E AMBIENTALISMO A preocupação com a preservação do meio ambiente e a organização de movimentos que lutam por isso é um fenômeno relativamente recente. De acordo com Sérgio Mattos Fonseca (2000) isto ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, a destruição causada pela guerra e a bomba atômica despertaram nos seres humanos a “consciência de que poderia acabar com todas as espécies, inclusive a própria.” Entretanto, essa preocupação com a destruição de tudo é mais antiga, faz parte do pensamento religioso ocidental que acredita na possibilidade de um fim do mundo, um dia do Juízo Final ou, de maneira mais genérica, acreditam no Apocalipse2. Há inúmeras descrições e previsões de como o mundo irá acabar durante um longo período essas ideias tinham um forte caráter religioso. O fim do mundo ocorreria quando as forças do “Bem” e do “Mal” travassem sua batalha definitiva. Porém, ao longo do tempo essas ideias foram secularizadas, se tornaram parte de um imaginário coletivo mais amplo e não necessariamente religioso, a ciência passou a se preocupar com o fim do mundo. De acordo com Andrew Feenberg (1995) os fatos ocorridos durante a Segunda Guerra e o advento da Guerra Fria colocaram em xeque toda a ideia de progresso tecnológico, até então visto como positivo e necessário para a melhoria da vida humana. O medo de uma destruição total do mundo tornou-se uma ideia plausível e temida. Isto possibilitou “[...] o surgimento de novos mitos apocalípticos inspirados pela invenção da bomba atômica. Os cientistas assustados com suas próprias realizações estavam entre os primeiros a despertar para as implicações pós-históricas de avanço tecnológico.” (FEENBERG, 1995, p. 41, tradução nossa). A parte mitológica desse medo a qual Feenberg se refere se manifestou na chamada ficção científica. Para Andréa Coutinho a ficção científica pode ser caracterizada como uma narrativa que [...] envolve elementos ficcionais, intuitivos, fantasiosos, virtuais e elementos racionais, técnicos e científicos. A associação de ambos cria uma narrativa que seria ficcional e científica, ao mesmo tempo que simula uma nova realidade, embora não no mesmo formato que aquela amparada nos aparatos tecnológicos.(2008, p.17).

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Para maiores informações sobre o tema recomendamos a leitura de WEBER, Eugen. Apocalypses: prophesies, cults, and millennial beliefs through the ages. Cambridge, Massachusetts: Havard University Press, 1999.

Estas obras contêm temáticas variadas, mas em sua grande maioria abordam temas referentes ao futuro da humanidade, idealizando futuros onde os seres humanos dominam o espaço, ou interagem com robôs e outros aparatos tecnológicos; ou também construindo cenários assustadores, com sociedades dominadas por governos autoritários, ou destruídas por guerras ou desastres naturais, as chamadas distopias. Ao mesmo tempo em que essas preocupações invadiam o mundo fictício, também se desenvolveu uma crescente produção acadêmica de estudos que demonstravam o risco das armas nucleares e chamavam a atenção para o perigo do esgotamento de nossos recursos naturais. O desejo desenfreado por desenvolvimento e consumo estava levando o mundo a um desastre sem proporções. Diversos trabalhos científicos expuseram essas ideias, porém estas não foram aceitas rapidamente, sua integração a políticas públicas só ocorreu com o desenvolvimento de movimentos ambientalistas. Voltando às HQs, podemos caracterizá-las como uma obra de ficção científica que procura chamar a atenção para problemas ambientais reais que o mundo e o Brasil, em específico, têm que enfrentar e encontrar uma forma de resolver. A série não fornece nenhuma alternativa clara de como se deve combater o desmatamento ou a constante poluição do meio ambiente. O roteiro das HQs é um tanto quanto confuso, seu foco político e crítico se perde em meio a uma profusão de cenas de ação e imagens de homens e mulheres nuas ou seminuas (Figura 4.) (nada muito explicito, pois se trata de um produto voltado para adolescentes). Entretanto, é possível verificar a existência de uma mensagem pacifista, ou melhor, contra extremismos ambientalistas. Os Embaixadores são um exemplo de ambientalistas extremos, que acreditam que a única forma de salvar a natureza é eliminando todos os seres humanos. Seu exemplo não deve ser seguido é necessário encontrar outra forma de resolver o problema.

Figura 4 – Mulheres e homens nus ou seminus constantes nas paginas da série. Fonte: FIGUEIREDO, Sérgio; CAMPITI, David; MOTA, Carlos. (et al.) Terra 1, capítulo um: a queda. São Paulo: Editora Abril, n. 01, jun., 1998.

Os refugiados do planeta parecido com a Terra também não são um exemplo a ser seguido, suas atitudes gananciosas e inconsequentes levaram seu mundo à extinção, dessa maneira restando como única alternativa a fuga em busca de outro lugar para viver. As HQs deixam em dúvida se a experiência vivida por esses seres realmente serviu para mudar sua forma de se relacionar com a natureza. Desses aliens Mira é a única que demonstra uma forte preocupação com o meio ambiente de seu novo lar, porém seu comportamento aponta para uma opção de luta mais extrema, próxima a dos Embaixadores. A forma ideal e desejada de lidar com os problemas ambientais proposta pelas HQs é a defendida por Mazda. A personagem se apresenta como um ser dotado de grande compaixão e conhecimento científico, disposta a ajudar outras pessoas e também a dar uma segunda chance aos seres que haviam destruído o meio ambiente. Em seu último diálogo (Figura 5.), Ormazd adverte Mazda dizendo: “Eles vão matá-la se você interferir. Eles não respeitam a Terra.” E ela responde: “Eles vão aprender visionário... Eles vão aprender.” (TERRA 1, n. 4, 1998, p.30). Mazda demonstra uma grande crença na capacidade de aprendizado dos seres humanos,

ela esta disposta a se ariscar na tentativa de ensinar aos humanos como viver melhor e em harmonia com o meio ambiente.

Figura 5 – Desfecho das HQs sinal que o futuro pode ser melhor. Fonte: FIGUEIREDO, Sérgio; CAMPITI, David; MOTA, Carlos. (et al.) Terra 1, capítulo quatro: a queda. São Paulo: Editora Abril, n. 04, jun., 1998.

A partir disto pode-se inferir que melhor forma de solucionar os problemas ambientais da Terra é a conscientização, é necessário ensinar a todos a importância da natureza e a necessidade de sua preservação. Neste ponto podemos considerar Terra 1 como uma publicação educativa, ou com um conteúdo educacional evidente, pois sua narrativa ficcional procura demonstrar e despertar algum tipo de conscientização ambiental. Esse despertar está vinculado a uma projeção aterrorizante de futuro. O medo neste caso tem um importante papel educativo, pois projeta um cenário terrível com a intenção de ensinar a como prevenir um destino semelhante. O sentimento de medo é uma das sensações mais ambíguas, pois ele pode ser motivador de mudanças quando controlado e quando descontrolado provoca imobilidade. O historiador Jean Delumeau explica essa ambiguidade da seguinte maneira: [...] o medo é ambíguo. Inerente à nossa natureza, ele é uma reação normal, uma fortaleza essencial, uma garantia contra os perigos e as surpresas ameaçadoras, um

reflexo indispensável permitindo ao organismo de se mobilizar e de escapar – provisoriamente – da morte. “Sem o medo, diz-se, nenhuma espécie teria sobrevivido”. Mas se ele ultrapassa uma dose suportável, torna-se patológico e cria bloqueios. Podemos morrer de medo ou, ao menos, sermos paralisados por ele. Maupassant, em Contes de la bécasse (Contos da galinhola), descreveu o medo como “uma sensação atroz, uma decomposição da alma, um espasmo horrível do pensamento e do coração, no qual lembrança só traz a ondas de angústia”. (2006).

Portanto, nessa perspectiva, pode-se considerar o medo como um dos principais motivadores de ações ambientalistas. Deve-se preservar o meio ambiente para evitar um futuro terrível sem florestas, sem ar respirável e água potável. Um mundo onde as condições de sobrevivência seriam ainda mais difíceis e até impossíveis, evitar uma catástrofe ambiental e encontrar meios de viver em harmonia com a natureza é o grande desafio que se apresenta para a humanidade. As poluições em todas suas formas, o esgotamento acelerado dos recursos do subsolo, o desflorestamento, o acúmulo de dejetos etc. podem comprometer o futuro do planeta. Revela-se, então, paradoxalmente, que nós não detemos suficiente medo desta degradação acelerada. É o momento de nos lembrarmos que o medo é fundamentalmente uma sã reação de alarme diante de um perigo e de que podemos e devemos fazer uso racional e controlado do medo quando o destino da humanidade está em jogo. (DELUMEAU, 2006) Assim, pode-se afirmar que a narrativa da série Terra 1 procura incutir em seus jovens leitores esse sentimento de medo “racional e controlado”, visando estabelecer uma reflexão sobre como devem agir para evitar um futuro desprovido de condições de vida adequadas. Além disso, a forma como a trama das HQs finaliza – sugerindo uma união de diversos governos e instituições internacionais (como a ONU) para combater os alienígenas e também coibir ações que prejudiquem o meio ambiente – evidencia que os autores entendem que o melhor caminho para se prevenir uma grande catástrofe ambiental é a união e cooperação internacional. De fato, o diálogo entre as nações e a implementação de ações mundiais para se combater as emissões de gases poluentes, o desmatamento, contaminação de reservas de água, e também a busca de fontes de energia alternativas são apontados pelos ambientalistas como a única forma de promover uma transformação em nossa relação com a natureza. Essa tendência atual do movimento ambientalista defende o chamado desenvolvimento sustentável, e as HQs fornecem indícios de que apoiam essa tendência como a mais apropriada. Há um apelo para se estabelece um equilíbrio entre avanço tecnológico e preservação dos recursos naturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Terra 1 foi uma publicação que surgiu em um momento em que os debates e sobre a preservação do meio ambiente estavam em evidencia no Brasil e no mundo. Em 1992 ocorreu a Rio-92, conferência mundial que colocou em pauta o desenvolvimento sustentável, e também abriu um campo de diálogo entre governos, ambientalistas, empresários e ONGs que participaram do evento. A conferencia resultou em diversas propostas para a preservação e desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao amenizar em um longo prazo os danos que os seres humanos vêm causando ao meio ambiente. Assim, os resultados práticos do evento ainda demorariam um tempo para se concretizar. Porém, por ter sido realizada no Brasil a Rio-92 foi de grande importância para a divulgação e popularização de algumas ideias relacionadas à preservação ambiental. Ideias que eram ainda pouco conhecidas da população brasileira. A constante divulgação nos meios de comunicação contribui para um relativo aumento da conscientização dos brasileiros ao longo da década de 1990. Entretanto, essa conscientização ainda é limitada como mostram os dados do final da década citados por Pedro Jacobi: “Cerca de 95% da população brasileira nunca ouviu falar da Agenda 21 [...] a perda da Biodiversidade, a Desertificação dos solos e o Efeito Estufa permanecem desconhecidos para 78%, 71% e 54% da população, respectivamente.” (2003, p.17). As HQs aqui analisadas podem ser incluídas nesse universo de divulgação e conscientização ambiental dos anos 1990. Todavia não temos meios de investigar como essas mensagens transmitidas foram recebidas pelos leitores. A série foi lançada com intenção de ser a primeira de um projeto de publicação nacional de quadrinhos, mas aparentemente não houve o retorno esperado e projeto foi abandonado. O que não diminui a relevância da mensagem transmitida pela série.

REFERÊNCIAS COUTINHO, Andréa. “Ficção Científica: narrativa do mundo contemporâneo.” In: Revista de Letras da Universidade Católica de Brasília, v.1, n.1, fev.2008. Disponível em: < http://portalrevi stas.ucb.br/index.php/RL/article/viewFile/27/59.> Acesso em: 20 de maio 2015.

DELUMEAU, Jean. Uma pesquisa histórica sobre o medo: Razões, explicações e conclusões. In: Revista multitextos CTCH, Rio de Janeiro: PUC/Rio, n. 3, 2006. Disponível em: Acesso em: 21 de maio de 2015

FEENBERG, Andrew. Alternative modernity: the technical turn in philosophy and social theory. California: University of California Press, 1995.

FIGUEIREDO, Sérgio; CAMPITI, David; MOTA, Carlos. (et al.) Terra 1, capítulo um: a queda. São Paulo: Editora Abril, n. 01, jun., 1998.

________________________________________________________. Terra 1, capítulo dois: a chegada. São Paulo: Editora Abril, n. 02, jul., 1998.

________________________________________________________. Terra 1, capítulo três: a traição. São Paulo: Editora Abril, n. 03, ago., 1998.

________________________________________________________. Terra 1, capítulo quatro: a batalha. São Paulo: Editora Abril, n. 04, set., 1998.

JACOBI, Pedro. Movimento ambientalista no Brasil. Representação social e complexidade da articulação de práticas coletivas. In: RIBEIRO, W. (org.) Publicado em Patrimônio Ambiental EDUSP, 2003. Disponível em: < http://www.cpd1.ufmt.br/gpea/pub/jacobi_movimento%20ambient alista-brasil-edusp.pdf> Acesso em: 22 de maio de 2015.

MATTOS-FONSECA, Sérgio. Movimento Ambientalista: um breve histórico. Jornal O FLUMINENSE, Niterói, 20 ago. 2000. Disponível em: Acesso em: 22 de maio de 2015.

WEBER, Eugen. Apocalypses: prophesies, cults, and millennial beliefs through the ages. Cambridge, Massachusetts: Havard University Press, 1999.

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