O Mercosul e o Brasil

July 12, 2017 | Autor: Marcelo Zero | Categoria: International Relations
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A ALADI foi crida pelo Tratado de Montevidéu, em 1980, e inclui atualmente os seguintes membros: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Nicarágua, Panamá, Peru, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação*. Tullo Vigevani** e Gabriel Cepaluni***


Falácias de Serra e demais Conservadores sobre o Mercosul e a Política Externa dos Governos do PT
Marcelo Zero

Mercosul e Integração Regional

Em seu famigerado discurso sobre a "mais grave crise do Brasil", Serra não se limitou a atacar as políticas internas do atual governo. Sua ira conservadora e neoudenista também foi direcionada à política externa dos governos do PT, particularmente ao Mercosul, obsessão antiga dos liberais brasileiros.

No seu pronunciamento, Serra disse que: Meus colegas, o Senador Aloysio vai presidir a CRE. Eu faço um chamado a ele e ao Presidente Renan, que não está aqui, para que ele tenha ousadias como a que teve ontem com relação às medidas provisórias, em matéria de política externa. Nós temos – este Senado, esta Legislatura – que revogar o Tratado do Mercosul (sic)tal como ele está posto hoje.

Segundo sua catilinária mercocética, o Mercosul foi um delírio megalomaníaco, que paralisou a política de comércio exterior brasileira.

Essa obsessão contra o bloco é muito antiga, e remete, na realidade, à própria fundação do Mercosul. Com efeito, na época da criação do bloco não faltaram críticas à "união dos rotos com os esfarrapados". Tampouco estiveram ausentes as críticas apocalípticas relativas ao fim iminente de um "bloco inútil", que estava inexoravelmente fadado a ser absorvido pelo "processo de globalização" e pela integração "verdadeiramente relevante" com as economias mais industrializadas. Assim, desde o seu início que os nossos conservadores anunciam o fim iminente do Mercosul. Para os que sonhavam com a Alca, o Mercosul era um pesadelo, um estorvo incompreensível.

Portanto, a crítica de José Serra não é nova ou surpreendente. Aliás, na campanha presidencial de 2010, Serra propôs abertamente o fim do Mercosul, chamando-o de "farsa", no que foi emulado, quatro anos depois, por Aécio Neves.

O que surpreende, contudo, é a fragilidade dos argumentos esgrimidos para propor o fim desse bloco e mesmo o desconhecimento demonstrado sobre o assunto por Serra e demais críticos do Mercosul.

A principal crítica de Serra ao Mercosul tange à união aduaneira do bloco, que impõe um tarifa externa comum (TEC) para os Estados Partes e, consequentemente, a adoção de posições comuns nas negociações comerciais com terceiros estados extrabloco, tal como acontece, há muito, naquele outro bloco, também "megalomaníaco" e "farsesco", a União Europeia.

De fato, no Artigo I do Tratado de Assunção, instrumento jurídico fundacional do bloco, se estabelece que os propósitos do Mercosul são :
A livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários restrições não tarifárias à circulação de mercado de qualquer outra medida de efeito equivalente;
O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;
A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e
O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.


Para Serra, assim como para os saudosistas da Alca e do livre-cambismo quimérico que predominava na região na década de 1990, a união aduaneira, ao exigir a negociação conjunta de acordos comerciais extrabloco estaria impedindo o Brasil de alçar voos maiores no comércio mundial. Serra alega que, não fosse pelo Mercosul e sua união aduaneira, o Brasil poderia ter assinado muitos acordos de livre comércio com países mais desenvolvidos. Serra também critica o fato de que o Mercosul teria celebrado apenas 3 acordos de livre comércio, desde a sua existência.

Ora, em primeiro lugar, o Mercosul firmou muitos acordos de liberalização comercial, desde sua fundação. A maioria foi firmada, no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). E o foi por uma razão muito simples: o Mercosul é um tratado celebrado também nessa esfera. Na realidade, o Tratado de Assunção é um tratado derivado do Tratado de Montevidéu de 1980, que criou a ALADI. Tanto é assim que, no preâmbulo do Tratado de Assunção, as Partes esclarecem que estão CONSCIENTES de que o presente Tratado deve ser considerado como um novo avanço no esforço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidéu de 1980. Por isso, o Tratado de Assunção estipula, em seu Artigo 20, que: O presente Tratado estará aberto à adesão, mediante negociação, dos demais países-membros da Associação Latino-Americana de Integração, cujas solicitações poderão ser examinadas pelos Estados Partes depois de cinco anos de vigência deste Tratado. Por conseguinte, o Mercosul é, desde a sua concepção, um bloco aberto à participação de qualquer membro da ALADI. O Mercosul nunca foi um bloco fechado.

Somente nesse âmbito específico, foram firmados, após o estabelecimento do Mercosul, 10 acordos de liberalização comercial, que envolvem, direta ou indiretamente (via Mercosul), interesses econômicos e comerciais do Brasil. Entre eles, destacamos os seguintes: Mercosul-Chile (Acordo de Complementação Econômica-ACE 35), Mercosul-Bolívia (ACE 36), Mercosul-Colômbia-Equador-Venezuela (ACE 59), Mercosul-Peru (ACE 58), ACE 62 (Cuba-Mercosul), ACE 53 (Brasil-México) e ACE 55 (Mercosul-México) Brasil - Guiana (ACE-38),Brasil-Suriname (ACE-41),Brasil-Venezuela (ACE-69).

Esses acordos possibilitaram que toda a América do Sul e o México façam parte de uma grande área de livre comércio com o Mercosul. Portanto, a ALADI e o Mercosul já configuraram o livre comércio com todos os países mais importantes da América Latina, inclusive aqueles que fazem parte da Aliança do Pacífico.

Além de todos esses acordos assinados no âmbito da ALADI, o Mercosul também já assinou, fora dessa esfera geoeconômica, 5 acordos de liberalização comercial, a saber: Mercosul/Índia, Mercosul/Israel, Mercosul/SACU (Southern Africa Customs Union- União Aduaneira da África Austral, bloco que envolve África do Sul, Namíbia, Lesoto, Botswana e Suazilândia), Mercosul/Egito, e Mercosul/Palestina.

Estão sendo negociados também os acordos Mercosul-União Europeia, com tratativas em estágio avançado, e Mercosul-Conselho de Cooperação do Golfo (Omã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Qatar, Bahrein e Kuwait).

Não há, portanto, falta de iniciativa do MERCOSUL em celebrar acordos de liberalização comercial com outros blocos e países. O que acontece é tais negociações são, em geral, muito complexas, demandando cuidadoso estudo das consequências dessas liberalizações no mercado dos Estados Partes, principalmente quando se trata de livre comércio com economias mais avançadas, configurando um quadro de assimetria pronunciada. Ademais, muitas vezes as resistências são maiores do outro lado da mesa de negociações. No caso das negociações entre o Mercosul e a União Europeia, por exemplo, o nosso bloco já apresentou recentemente uma ambiciosa proposta, mas, até agora, não recebeu resposta do bloco europeu. Como se sabe, há muitas resistências na União Europeia a abrir aquele mercado aos nossos competitivos produtos agrícolas. O mesmo ocorre nas negociações multilaterais da OMC e em outros foros bilaterais e regionais.

Serra e outros críticos do Mercosul e da política externa brasileira parecem acreditar que a celebração de acordos de livre comércio, especialmente com os países mais desenvolvidos, se constitui numa espécie de panaceia, que resolverá todos os nossos problemas econômicos. Não é.

Na realidade, a celebração desses acordos sem as cautelas necessárias e com a ruptura da união aduaneira, como deseja Serra, seria um grave tiro no pé. Além da gritante assimetria entre os países, tais tratados contém também outra ameaça: cláusulas relativas à propriedade intelectual, compras governamentais, regime de investimentos e a abertura dos serviços, as quais poderiam comprometer a capacidade do Brasil de implantar políticas de desenvolvimento. No caso dos EUA, tais acordos bilaterais seriam, na realidade, uma espécie de Alca bilateralizada, pois eles têm, por força e decisões do Congresso norte-americano, a quem compete a competência de conduzir o comércio exterior dos EUA, as mesmas cláusulas que o finado bloco hemisférico.


O exemplo do México, país que celebrou mais de 30 acordos de livre comércio, inclusive com os EUA e Canadá (NAFTA) e a União Europeia, é ilustrativo. Ademais do óbvio aumento da dependência do México em relação aos EUA, o livre-cambismo quimérico conduziu também a um crescimento econômico bem mais baixo que o do Brasil e a um aumento da pobreza. Nos primeiros 10 anos deste século, o PIB per capita (PPP) do México cresceu apenas 12%, ao passo que o do Brasil cresceu 28%. Hoje em dia, aquele país tem 51% da sua população abaixo da linha da pobreza, enquanto que o Brasil conseguiu reduzir essa porcentagem para 15,9%.

Contudo, a questão essencial a se ressaltar aqui é que, independentemente do número de acordos que o Mercosul tenha celebrado, esse bloco é um êxito econômico e comercial, de grande relevância estratégica para o Brasil.

Em 2002, exportávamos somente US$ 4,1 bilhões para o Mercosul. Já em 2013, incluindo a Venezuela no bloco, as nossas exportações saltaram para US$ 29,53 bilhões. Isso significa um fantástico crescimento de 617%, mais de sete vezes mais, em apenas 11 anos. Saliente-se que, no mesmo período, o crescimento das exportações mundiais, conforme os dados da OMC, foi de "apenas" 183%. Ou seja, o crescimento das exportações intrabloco foi, no período mencionado, muito superior ao crescimento das exportações mundiais.

No gráfico abaixo, pode-se observar esse desempenho extraordinário do Mercosul.
Fonte: MDIC. Elaboração Própria
Como se vê, o único bloco, entre os mais significativos, que cresceu mais que o Mercosul, em termos de absorção de exportações brasileiras, foi o do BRICs, graças, evidentemente, às gigantescas importações de commodities da China. O Mercosul e a ALADI (que inclui o Mercosul) vêm em segundo e terceiro lugar, respectivamente. Já para os parceiros tradicionais e mais desenvolvidos, Japão, União Europeia e os EUA, as nossas exportações cresceram "somente" 279%, 205% e 60,3%, respectivamente.

Entretanto, essa importância do Mercosul para o Brasil fica ainda mais evidente, quando se analisa o saldo comercial acumulado no período.



Fonte: MDIC. Elaboração Própria

No período considerado, o Mercosul nos deu um extraordinário saldo positivo de mais de US$ 90 bilhões, sendo que, com a ALADI, que o inclui, tivemos um saldo de US$ 137, 2 bilhões. Com outras regiões, tivemos um saldo mais modesto. Observe-se que, se somarmos os saldos do BRICs, da União Europeia e dos EUA, temos um saldo acumulado de aproximadamente US$ 120 bilhões. Portanto, a Associação Latino-Americana de Integração, cujo principal bloco é o Mercosul, nos deu um saldo positivo superior ao obtido com os EUA, a União Europeia e os BRICs, combinados.

Essa importância do Mercosul como fonte de saldos comerciais positivos para o Brasil tornou-se ainda maior com a eclosão da crise mundial. Com efeito, a política monetária expansionista dos EUA, que desvalorizou bastante o dólar em nível mundial, introduziu a chamada guerra cambial no comércio internacional, afetando os fluxos comerciais do Brasil e de muitos outros países. Ademais, os países mais desenvolvidos, que foram afetados com maior intensidade pela pior crise mundial desde 1929, restringiram naturalmente seu fluxo importador e passaram a ter uma atitude exportadora mais agressiva, de forma a compensar a contração de sua demanda interna. No gráfico abaixo, pode-se ver o resultado dessas tendências.



Fonte: MDIC. Elaboração Própria

XXXI-Nesse período mais recente (2009-2014), tivemos com a integração regional um saldo positivo de US$ 60,2 bilhões, bastante superior ao obtido com os BRICs (US$ 42,6 bilhões) e muito superior ao conseguido com a União Europeia (US$ 8,5 bilhões). Esse grande saldo comercial positivo com a ALADI contribuiu bastante para compensar o enorme déficit acumulado com os EUA (-45, 3 bilhões de dólares).

XXXII-Mas a principal característica de nossos fluxos comerciais com o Mercosul e a ALADI tange ao grande percentual de produtos manufaturados que exportamos para a região. Com efeito, esse dinamismo do Mercosul e da integração regional tem, para o Brasil, uma vantagem qualitativa e estratégica. É que as exportações brasileiras para o bloco são, em mais de 90%, de produtos industrializados, com alto valor agregado. Exportamos para o bloco automóveis, máquinas agrícolas, material de transporte, celulares, etc. Em contraste, no que tange às nossas exportações para a União Europeia, a China e os EUA, os percentuais de manufaturados são de 36%, 5% e 50%, respectivamente. Portanto, o Mercosul compensa, em parte, a nossa balança comercial negativa da indústria.

XXXIII-Nos dois gráficos a continuação, há dados impressionantes sobre essa característica qualitativa do comércio com o Mercosul e a ALADI.



Fonte: MDIC. Elaboração Própria


Fonte: MDIC. Elaboração Própria

XXXIV-Como se observa, no período 2010-2014, todos os países desenvolvidos somados absorveram apenas 40% das nossas exportações de manufaturados. No entanto, o Mercosul sozinho absorveu 27% e a ALADI, excluindo o Mercosul, foi responsável por 16%. Assim, somando-se o Mercosul e o resto da ALADI chegamos à conclusão de que a ALADI como um todo foi responsável por nada menos que 43% das exportações brasileiras de manufaturados.

XXXV- Ou seja, a integração regional, no período considerado, absorveu mais exportações de produtos industrializados do Brasil que todos os países desenvolvidos agregados. Nada mal para um bloco que é rotulado de "farsa" e de "megalomaníaco" por seus detratores.

XXVI-Tal constatação torna-se ainda mais embaraçosa para as teses do senador José Serra, quando nos debruçamos sobre os dados do comércio exterior de São Paulo, seu estado.




Fonte: MDIC. Elaboração Própria
XXXVI-No caso desse estado específico, foram exportados, nos últimos dois anos (2013 e 2014), US$ 21,915 bilhões para o Mercosul e US$ 13,369 para o restante da ALADI, o que dá um total de US$ 35,284 bilhões. Já para a União Europeia, São Paulo exportou US$ 16,869 bilhões, e US$ 15,924 bilhões para os EUA, o que dá um total aproximado de US$ 32, 8 bilhões. Ou seja: nos últimos 2 anos, São Paulo exportou mais para a ALADI e o Mercosul que para a União Europeia e os EUA, combinados.


XXXVII-Por conseguinte, resulta difícil sustentar, com base nos dados empíricos disponíveis, que o Mercosul é uma "farsa" que prejudica o Brasil ou mesmo estados específicos, como São Paulo. Na realidade, como vimos, os dados disponíveis mostram exatamente o contrário. Dessa forma, pode-se concluir que essa resistência ao Mercosul não resulta de uma avaliação racional das implicações desse bloco, mas sim de mero preconceito e de uma ideologia ultrapassada, vinculada ao fracassado modelo neoliberal, ou paleoliberal, que colocava, nas relações internacionais, ênfase excessiva em parceiros tradicionais desenvolvidos.



XXXVIII-Quanto ao argumento de que o Mercosul, com sua união aduaneira, impede uma maior participação do Brasil nos "fluxos internacionais de comércio", basta dar uma simples aferida na comparação do crescimento das nossas exportações, vis-à-vis o aumento das exportações mundiais. Entre 2003 e 2013, as primeiras cresceram cerca de 300%, ao passo que as segundas limitaram seu aumento a 183%.




Fonte: MDIC. Elaboração Própria




Cooperação Sul-Sul

Entretanto, as avalições equivocadas de Serra e de outros conservadores sobre a política externa brasileira não se resumem ao Mercosul e a integração regional. Elas também se estendem a outras diretrizes de nossa política externa, como a da cooperação Sul-Sul e a da celebração de parcerias estratégicas com países emergentes.


Serra e os demais conservadores classificam tais diretrizes como "ideológicas" e "terceiro-mundistas". Ênfases "ideológicas" e "equivocadas" que impedem que o Brasil se integre mais aos países que "verdadeiramente importam", como os EUA e os europeus.

Ora, tal avaliação revela um grande desconhecimento das profundas mudanças geoeconômicas e geopolíticas pelas quais o mundo passou, nos últimos 20 anos.





No gráfico acima descriminado, elaborado com base em dados coletados pelo FMI, ha duas grandes tendências de crescimento econômico: a relativa aos países desenvolvidos (em azul) e a relativa aos países emergentes (em vermelho). Pois bem, vê-se claramente que, a partir do final dos anos 90 e início deste século, há um nítido descolamento entre essas duas linhas de tendência. Os países emergentes passam a apresentar um crescimento substantivamente mais intenso que o dos países desenvolvidos.

Isso provocou um profunda mudança geoeconômica no mundo. A China e outros países em desenvolvimento, como Brasil, Índia, etc. adquiriram um protagonismo econômico muito maior. Obviamente, esse maior protagonismo abriu novas e grandes janelas de oportunidades para o Brasil, especialmente no campo do comércio exterior. Deve-se levar em consideração que, devido a esse crescimento maior, os países emergentes e em desenvolvimento aumentaram enormemente a sua participação no comércio mundial. No início dos anos 90, tais países respondiam por somente um terço do comércio internacional. Nos últimos anos, porém, esses países passaram a responder por cerca da metade desse fluxo.

Os resultados positivos para o Brasil podem ser vislumbrados nos gráficos seguintes.


Fonte: MDIC. Elaboração Própria

Fonte: MDIC. Elaboração Própria


Os dados são muito eloquentes. No período de 2003 (inclusive) a 2013, as exportações brasileiras para os países em desenvolvimento cresceram fantásticos 515%, ao passo que nossas exportações para os tradicionais parceiros desenvolvidos aumentaram "apenas" 166%. Quanto aos saldos obtidos, as informações são ainda mais ilustrativas: o saldo acumulado com os países em desenvolvimento, com o Sul geopolítico, foi 9 vezes maior que o obtido com os países desenvolvidos. Esses saldos extraordinários foram de fundamental importância para reverter a vulnerabilidade externa da nossa economia, herdada do período neoliberal.

Muito embora essa performance e esses superávits tinham sido obtidos em uma conjuntura favorável do comércio internacional, é preciso enfatizar que a participação do Brasil superou em muito, como vimos, a média de crescimento do comércio mundial, o que evidencia a competência e o acerto das diretrizes da nova política externa, particularmente no que tange à diversificação das parcerias estratégicas e à ênfase na cooperação Sul-Sul.

Há de se levar em consideração que tal crescimento não se deveu somente ao aumento dos preços de commodities, como muitos desinformados alegam, pois nossas exportações aumentaram bastante também em seu quantum, isto é, em seu volume físico.


Fonte:AEB. Elaboração Própria

Tivessem prevalecido as diretrizes anteriores, que colocavam ênfase nas relações com os países mais desenvolvidos, especialmente com os EUA, essa performance e tais superávits não teriam sido tão alentados, uma vez que o crescimento do comércio exterior nos países industrializados foi, obviamente, inferior ao da média mundial. Ademais, os mercados desses países já eram bastante explorados por nossas empresas, que neles enfrentavam (e enfrentam) concorrência muito grande e um sem número de barreiras não-tarifárias, as quais limitavam e limitam a priori ganhos substanciais.

Obviamente, esse crescimento maior do nosso comércio para os países em desenvolvimento mudou o perfil comercial do país, como se observa claramente nos gráficos seguintes.


Fonte: MDIC. Elaboração Própria


Fonte: MDIC. Elaboração Própria

Assim, os países em desenvolvimento já absorvem, hoje, cerca de 60% das nossas exportações.

Mas os países em desenvolvimento e emergentes são também muito importantes para as nossas exportações de manufaturados, especialmente pela vertente da integração regional, como já assinalamos. De fato, como está registrado no gráfico a seguir, esses países já respondem por 60% das exportações brasileiras de manufaturados. Não se trata somente de commodities, como erroneamente se afirma.

Fonte: MDIC. Elaboração Própria

Além disso, na presente crise, são justamente esses países que estão nos assegurando um comércio mais equilibrado, apesar da redução crescente de nossos superávits e do pequeno déficit registrado em 2014. Basta observar os dados, a continuação.


Fonte: MDIC. Elaboração Própria



Assim sendo, o nosso país aproveitou bem e de forma realista essas mudanças na geoeconomia mundial. Em outras palavras, a economia mundial mudou, surgiram novos polos dinâmicos entre os países emergentes, e o Brasil, graças à nova política externa, aproveitou bem, de modo pragmático, esses câmbios ocorridos na geoeconomia internacional.

Considere-se, adicionalmente, que tais mudanças na geoeconomia mundial também se refletiram nos fluxos de investimentos, particularmente dos investimentos diretos, que antes estavam muito concentrados nos países mais desenvolvidos. Hoje, os países em desenvolvimento absorvem a maior parte (58%) desses investimentos, como se observa no gráfico seguinte.



Fonte: UNCTAD. Elaboração Própria



Em relação à América Latina, é irônico observar que a chamada "integração cucaracha", denominação pejorativa usada por seus detratores, já absorve mais investimentos diretos que a União Europeia e os EUA.



Fonte: UNCTAD. Elaboração Própria


Não há assim, nada de ideológico ou partidarizado nessas vertentes exitosas da nova política externa do Brasil, ao contrário do que dizem Serra e os demais conservadores desinformados.

Saliente-se que, nesse período, o Brasil não "abandonou" suas relações com os "parceiros tradicionais". Nosso comércio com eles não aumentou mais por causa de seu crescimento econômico menor, e em virtude, sobretudo, das grandes barreiras que os principais produtos brasileiros encontram em seus mercados, algo que Serra tem dificuldade em entender.







Ganhos Geopolíticos

É evidente também que os ganhos não se limitaram ao campo econômico-comercial. Os avanços político-diplomáticos do Brasil ao longo desse período foram também muito significativos e acompanharam as mudanças geoeconômicas ocorridas no cenário mundial e regional.

O fortalecimento, ainda que parcial, do Mercosul e os inegáveis avanços na integração da América do Sul e da América Latina, manifestos na criação da UNASUL e da CELAC, consolidaram a liderança regional do Brasil e tendem a contribuir para a geração de um entorno mais próspero, que beneficia enormemente o país.

Ademais, esses avanços serviram também para tornar o nosso subcontinente uma área mais capacitada para resolver seus próprios conflitos e, portanto, menos propensa a sofrer intervenções indevidas de potências externas.

No plano multilateral, a criação do G20, na OMC, que mudou a correlação de forças nas negociações comerciais multilaterais, a paciente e firme construção de parcerias estratégicas com países emergentes e a ênfase na cooperação Sul-Sul, além dos avanços econômicos e sociais internos, contribuíram para elevar substancialmente o protagonismo internacional do Brasil.

Com efeito, hoje é impossível se pensar na discussão de quaisquer temas mundiais sem a participação do Brasil como interlocutor de primeira linha. O nosso país tem agora atuação decisiva em todos os foros e foi de fundamental importância na transformação do G8 em G20 e no enfrentamento global da crise financeira.

Um ponto em que a nova política externa foi de extremo relevo tange à reversão do processo de fragilização do país propiciado pela política externa anterior.

Assim, a nova política externa desmontou a armadilha criada com as negociações da ALCA, que ameaçava submeter o Brasil a uma dependência definitiva e extremamente danosa, sepultou de vez o famigerado Acordo de Alcântara, que colocava o programa espacial brasileiro na órbita do programa espacial norte-americano e impedia, na prática, o desenvolvimento do nosso veículo lançador, e rejeitou os acordos bilaterais de promoção e proteção recíproca de investimentos, que continham obstáculos praticamente intransponíveis à implantação de políticas autônomas de industrialização e desenvolvimento.

Desse modo, o círculo vicioso anterior de aumento da fragilidade econômica e diminuição do protagonismo internacional foi substituído por um círculo virtuoso de fortalecimento econômico-social interno e incremento da projeção de nossos interesses no exterior.

De uma forma bastante sintética, podemos contrastar as políticas externas do período da hegemonia do paradigma paleoliberal com este novo período dos governos do PT, da seguinte maneira.

No período neoliberal, ou melhor, paleoliberal, a adesão aos ditames do Consenso de Washington e aos imperativos da globalização assimétrica, levou o país a:

Colocar a relação bilateral com os EUA como seu eixo estruturante básico. O relacionamento com a superpotência única deveria ser prioridade, já que o acesso exitoso à nova ordem mundial dependeria, obviamente, da adoção de ações e políticas consentâneas com os interesses dos EUA. A inserção multilateral adviria essencialmente das diretrizes surgidas nessa relação bilateral.

Dar prioridade à dimensão Norte-Sul de seu relacionamento exterior, em detrimento da dimensão Sul-Sul. O eixo vertical da política externa passaria a predominar sobre o seu eixo horizontal. Uma vez que a prosperidade adviria essencialmente da ampliação do comércio com os países desenvolvidos e da capacidade de atrair investimentos externos oriundos das nações detentoras de capital, era vital orientar a política externa, em relação ao Norte industrializado.

Substituir a busca do que convencionou chamar na época de "autonomia pela exclusão", consequência do desenvolvimento relativamente autônomo ditado pelo paradigma do Estado Desenvolvimentista, pela busca da "autonomia pela integração", isto é, pela inserção do país nos cânones emanados da nova ordem internacional, de forma açodada, ingênua e acrítica. Na realidade, a autonomia pela integração não produziu nem maior autonomia (ao contrário) nem maior integração, pois, naquela época, a participação do Brasil no comércio mundial diminuiu.

Aderir às instituições e aos tratados que, em âmbito multilateral, regional ou bilateral, conformavam institucional e juridicamente a nova ordem mundial.


Já no período mais recente, houve forte mudança de inflexão da nossa política exterior, a qual passou a apresentar as seguintes características básicas:

A promoção do desenvolvimento nacional relativamente autônomo passa a ter de novo centralidade na condução da política exterior.

A superação da vulnerabilidade externa da economia se torna prioridade absoluta e o país, como no passado pré-neoliberalismo, busca ativamente obter vultosos superávits comerciais.

O comércio exterior que, no quadro do ajuste externo do paleoliberalismo, havia se convertido em uma variável dependente da política de combate à inflação e de estabilidade monetária, com o câmbio fixo e sobrevalorizado, voltou a ser colocado a serviço do estímulo à produção interna e à geração de empregos e divisas.

O eixo horizontal (Sul-Sul) passa a ter prioridade, sem que se abandonem as relações do eixo vertical (Norte-Sul). Na realidade, esses dois eixos são conduzidos articuladamente, evitando-se antigos pseudodilemas.

Ao princípio da "não-intervenção" é agregado o princípio da "não-indiferença", o qual pavimenta uma participação mais ativa do Brasil em questões mundiais, especialmente hemisféricas, como nos exemplos da missão da ONU no Haiti e da defesa da democracia em Honduras e no Paraguai.

As relações com os EUA, após a grande frustração dos anos 90, são colocadas em um patamar mais realista e menos "ideologizado", sendo conduzidas em base pragmática, calcada na negociação soberana de interesses concretos.

Há renovada ênfase no Mercosul, inclusive com a recuperação de seu sentido estratégico, e na integração da América do Sul.

A "autonomia pela integração" ( a integração assimétrica, frise-se) é substituída pelo o que se denominou de "autonomia pela diversificação", isto é, pela busca ativa de novas parcerias e espaços econômico-comerciais e político-diplomáticos.

Contrastando vivamente com o governo anterior e de forma consentânea com a busca de um maior protagonismo para o Brasil, a estrutura do Itamaraty foi consideravelmente fortalecida, nos governos de Lula. Ampliaram-se significativamente as vagas para os concursos públicos de diplomatas, estabeleceram-se regras mais transparentes e consistentes para as promoções, foram melhorados os rendimentos em todos os escalões e, ainda mais importante, robusteceu-se substancialmente a nossa rede consular e de embaixadas. Ressalte-se que essas iniciativas adotadas no governo Lula foram duramente criticadas pela oposição, que hoje lamenta os cortes orçamentários que afetaram recentemente o Itamaraty.



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Essa extraordinária inflexão tornou a política externa um fator de grande peso na constituição e manutenção desse novo processo histórico de desenvolvimento pelo qual passou o Brasil em período recente e que, agora, enfrenta perigosa crise política pelo forte ressurgimento de um conflito de classes.
Além das políticas internas, particularmente as de redução da pobreza e de distribuição da renda, a política externa é também um dos grandes sustentáculos do que convencionou chamar de novo-desenvolvimentismo ou social-desenvolvimentismo.
Talvez seja exatamente por isso que ela se tornou objeto da ira de José Serra e tantos outros saudosistas da política externa subalterna herdada do modelo paleoliberal fracassado.



























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