O microfone e a fogueira Imagens jornalísticas da crise
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O microfone e a fogueira Imagens jornalísticas da crise Edson P. Pfutzenreuter
Pensando na responsabilidade do designer gráfico que trabalha com imagens veiculadas nos meios de comunicação, escrevemos a partir da imagem que foi veiculada no facebook, na primeira semana de maio; e que permite associar Janaina Conceição Paschoal a Adolf Hitler. Janaína é uma jurista brasileira que protocolou o pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados1. Ao compartilhar a imagem fui questionado sobre o motivo pelo qual esta imagem não tenha sido tão criticada nas redes sociais como foi a foto que representa a presidente Dilma em uma montagem com fogo. A reposta exigiu tal grau de elaboração que extrapolou o espaço do post e se transformou neste texto. Para explorarmos este assunto é necessário tecer uma comparação entre as duas imagens, estabelecendo suas diferenças e similaridades na forma como essas imagens existem e os possíveis significados que geram. Começando pela interpretação mais óbvia, poderíamos olhar a foto que mostra a Dilma e dizer que ela é fogo! Indicando uma pessoa determinada, difícil ou até oferecendo conotações eróticas. Podemos dizer também que ela está pegando fogo, significado que parece aceitável.
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https://pt.wikipedia.org/wiki/Janaina_Paschoal
Já a foto onde aparece a Janaína exige um percurso de criação de sentido um pouco mais complexo, pois a mancha escura não é identificada rapidamente como um bigode e somente após podemos comparar com o bigode de Hitler. Na primeira imagem, Dilma queimando gera uma associação ruim perante as pessoas: o fato de "estar queimada", não ter mais respeito ou valor, mas também pode nos remeter às bruxas queimadas durante a inquisição. Saber qual intenção direcionou a produção de uma imagem não é uma tarefa fácil, porém acredito que a intenção esteve associada a esses dois possíveis significados. Imagino uma reunião de criação no qual alguém levantou a necessidade de mostrar que Dilma estava numa situação muito ruim, outra pessoa falou que ela estava queimada, e a solução visual mais óbvia, consequentemente, pouco criativa, foi esta. A imagem que mostra a Janaína Paschoal provavelmente não foi decidida numa reunião. Alguns comentários dizem que seria uma montagem, não acredito que seja isso, mas penso que é um frame extraído de um vídeo, uma vez que podemos ver parte da identidade visual da TV Senado no canto superior esquerdo. Pode ser que alguém estivesse assistindo ao vídeo e reparou neste aspecto do frame A câmera estava em frente à mulher e, entre ambas, havia o microfone. Poderíamos pensar nas associações fálicas relacionadas ao microfone, entretanto, no caso, não parece ser adequado, mesmo porque ela não interage fisicamente com microfone, que tem uma haste pequena e uma esfera escura na ponta. Entre a lente da câmera e a ponta do microfone temos uma linha reta que se projeta a cada momento em uma parte do seu rosto ou corpo. Sabemos que ela gesticula e se move com muita frequência, por isto o local onde vemos o circulo negro, que é o microfone, varia muito durante a filmagem. Este aspecto geométrico da fotografia: a linha reta entre lente e motivos fotografados, tem permitido imagens que estimulam nossa capacidade interpretativa com sobreposição de duas coisas. Temos muitos exemplos, mas creio que estes dois sejam suficientes: Cartier Bresson, em uma fotografia cujo nó da cortina ocupa o lugar da cabeça de uma pessoa e Doisneau que coloca o guarda na boca de um tipo de monstro.
Existe outro aspecto: O vídeo é composto de vários frames dos quais foi escolhido um, mas no caso da fotografia também temos uma sequência de fotos. A menos que não seja possível, nenhum fotógrafo arriscaria fazer somente uma imagem, pois sempre existe algo imprevisto no ato de fotografar. Há vários anos, Niels Andreas fez várias fotos do Maluf numa entrevista coletiva, e como ele também gesticula bastante, o fotógrafo obteve imagens de vários, o suficiente para fazer uma justaposição de imagens escolhendo uma na qual ele tapava os olhos, outra na qual ele tapava os ouvidos e, por fim, uma em que tapava a boca.
No caso do procedimento da foto da advogada, temos algo similar: não se trata de montagem, mas de seleção, aliás algo tipicamente fotográfico, no qual a partir de muitas imagens são escolhidas aquelas que estão mais alinhadas com as intenções informativas, estéticas, políticas, ou até humorísticas, de quem fez a imagem; sejam essas intenções conscientes ou inconscientes. A comparação entre os dois procedimentos de produção de imagem permite afirmar que a montagem com uma foto da Dilma foi produzida para gerar um significado, enquanto a fotografia que apresenta a referida jurista foi escolhida entre muitas imagens fotográficas também com intenção de gerar um significado. As estratégias de geração de significado, no entanto, são diferentes. A foto de Dilma já existia e provavelmente a do fogo também. A superposição utilizando a tecnologia dos programas de edição e imagem tem como resultado a presidenta pegando fogo. Uma estratégia herdeira da fotomontagem e da colagem.
No caso de Janaína Não foi colocada uma mancha na área entre o nariz e o lábio, que pode ser vista como um bigode; ela já estava na imagem A associação entre o bigode curto e Hitler merece ser desenvolvida. Este tipo de bigode foi utilizado por Chaplin, junto com o chapéu coco, na caracterização de seu seu personagem que surgiu em 1913 e cujos filmes rodaram o mundo, muito provavelmente sendo vistos por Hitler. Não posso afirmar que esta influência realmente oxcorreu, mas sabemos Hitler foi o único a utilizar este bigode em seu governo, o que pode ser visto na foto2 de 1940, com seus generais; quando seu bigode pode ser identificado imediatamente. Temos de lembrar que a comunicação política da época se dava principalmente em comícios, nos quais sua figura ocupava um espaço pequeno no campo visual do observador. Logo, podemos pensar que esse bigode funciona como sua identidade visual. Como algo que permite identificar rapidamente quem era Hitler em meio à outras pessoas. Provavelmente não existia a norma de identidade visual para o uso do bigode, mas, sem dúvida, esta foi sua marca registrada.
Por ter sido utilizada como marca, esta imagem foi muito divulgada e passou a fazer parte do nosso repertório de imagens, ocupando em nossa mente um lugar de fácil acesso. Portanto, esta imagem está tão impregnada que permite associála rapidamente, olhando parte do microfone no rosto de Janaína Paschoal, remetendo portanto à figura de Hitler. Isso poderia ser uma piada, como quando desenhamos um bigode na foto de uma pessoa, mas vários fatores fazem com que a significação seja um pouco diferente, igualando a 2
http://knoow.net/historia/historiamundial/adolfhitlernguerramundial/
personalidade de Hitler com aspectos da personalidade desta mulher, os quais teriam aparecido no vídeo de seu discurso na Faculdade de direito da USP em ,... O texto de por João Feres Júnior3 levanta alguns aspectos em seu artigo, quando afirma: A dramatização do discurso adotada pela professora da USP segue o modelo fascista. Basta checar os discursos de Hitler no Youtube, por exemplo, https://www.youtube.com/watch?v=EV9kyocogKo, para notar a profunda similaridade. Os surtos de frases de ódio acompanhados de gesticulação intensa e entrecortado por pausas longas estão lá. A demonização do inimigo também. Em suma, forma e conteúdo fascistas. Hitler falava em comícios onde, como já dissemos, ocupava um pequeno espaço no campo visual dos observadores, trazendo a necessidade de se chamar atenção com gestos, uma vez que seria impossível para o público perceber sutilezas da expressão facial, por exemplo. Assim, uma pessoa tão preocupada com sua imagem como o Führer, não deixaria isto ao acaso, desta maneira, ensaiava seus gestos 4, os quais foram registrados por Heinrich Hoffmann.
Não sabemos se a apropriação deste tipo de gesto é consciente, mas é esta a forma de expressão de Janaína Paschoal, com o agravante de que ela está em frente à câmera que a mostra em plano americano ou close, pode ser vista com detalhes Desta maneira, o que seria adequado numa visão à distância, tornase exagerado e até caricato ao ser visto de perto. O caminho de geração de significado do frame deste vídeo é mais complexo e, mais interessante. A interpretação direta é que o aspecto visual da personagem naquela imagem é parecido com um aspecto visual de Adolf Hitler. A a consequência desta interpretação é a
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“O exorcismo de Janaína Paschoal” http://jornalggn.com.br/noticia/oexorcismodejanainapaschoalporjoaoferesjunior 4 http://lounge.obviousmag.org/a_lente_lenta/2013/06/umafarsatragica.html
sugestão de outros aspectos similares entre os dois. Comparação somente possível pelos fatores citados. Associar uma pessoa a um comportamento nazista é algo agressivo. Mas a imagem de Janaína não é agressiva, ao contrário, ela tem algo de humor em função, entre outros fatores, de o significado possível não ter sido gerado intencionalmente. A imagem de Dilma pegando fogo é mais agressiva pela intenção, pela forma como foi feita e pelo contexto. Não podemos esquecer que, pouco tempo antes, Jair Messias Bolsonaro, ao votar pelo em 17 de abril, dedicou seu voto ao militar que havia torturado a presidenta. Não sei se queimar está entre o acervo de práticas para gerar dor que ele utilizava. Sabemos, porém, que este tem sido utilizado ao longo dos tempos por muitas pessoas no mesmo tipo de situação. Além disso, pensando na forma de divulgação, as redes sociais permitem um grande alcance de público, no entanto sua estrutura é muito similar a uma conversa em um grupo de amigos. Já um jornal é algo diferente. Um post no facebook não tem o mesmo peso que uma capa de jornal.
A imagem, não existe sozinha mas faz parte da primeira página de um jornal, ilustrando uma notícia que informa a investigação da presidenta. Esta afirmação significa que existe alguma possibilidade de seu envolvimento, justificando o investimento na investigação. Isso
não significa que a investigação já encontrou algo, que ela já foi levado a julgamento e foi considerada culpada no tribunal do júri, o qual, posteriormente determina a pena à qual a pessoa culpada é submetida. A variedade de penalizações é um capítulo particularmente cruel da história. Basta ler o primeiro capítulo de "Vigiar e punir" de Foucault, para termos uma ideia disto. Neste caso, a pena de morte na fogueira já foi muito utilizada eEbora seu uso tenha ficado mais famoso durante a inquisição, fazendo parte do acervo de crueldades humanas. O texto trata somente da investigação, mas a imagem julga, culpa e penaliza. É este o ponto principal da argumentação: um veículo de grande circulação não pode julgar e condenar; por isso a imagem não pode ser aceita e deve ser criticada, Por outro lado, as imagens são abertas a muitas significações e provavelmente quem propôs esta incineração simbólica não lembrou da quantidade de pessoas que morreram queimadas, mas que historicamente foram fortalecidas. A lista é enorme, entretanto, o primeiro nome que vem à mente é o de Joana D'Arc,lembrada por todos como aquela que salvou a França.
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