O microfone e a fogueira Imagens jornalísticas da crise

June 3, 2017 | Autor: Edson Pfutzenreuter | Categoria: Semiotics, Visual Culture, Visual Semiotics, Graphic Design, Politics, Visual Communication
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O microfone e a fogueira Imagens jornalísticas da crise Edson P. Pfutzenreuter       

   

 

  Pensando na responsabilidade do designer gráfico que trabalha com imagens veiculadas  nos meios de comunicação, escrevemos a partir da imagem que foi veiculada no facebook,  na primeira semana de maio; e que permite associar Janaina Conceição Paschoal a Adolf  Hitler. Janaína é uma jurista brasileira que protocolou o pedido de impeachment contra a  presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados1.    Ao compartilhar a imagem fui questionado sobre o motivo pelo qual  esta imagem não tenha  sido tão criticada nas redes sociais como foi a foto que representa a presidente Dilma em  uma montagem com fogo. A reposta exigiu tal grau de elaboração que extrapolou o espaço  do post e se transformou neste texto.     Para explorarmos este assunto é necessário tecer  uma comparação entre as duas  imagens, estabelecendo suas  diferenças e  similaridades na forma como essas imagens  existem e os possíveis significados que  geram.     Começando pela interpretação mais óbvia, poderíamos olhar a foto que mostra a Dilma e  dizer que ela é fogo! Indicando uma pessoa determinada, difícil ou até oferecendo  conotações eróticas. Podemos  dizer também que ela está pegando fogo, significado que  parece aceitável.    

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 https://pt.wikipedia.org/wiki/Janaina_Paschoal 

Já a foto onde aparece a Janaína exige um percurso de criação de sentido um pouco mais  complexo, pois a mancha escura não é identificada rapidamente como um bigode e  somente após podemos comparar com o bigode de Hitler.     Na primeira imagem, Dilma queimando gera uma associação ruim perante as pessoas: o  fato de "estar queimada", não ter mais respeito ou valor, mas também pode nos remeter às  bruxas queimadas durante a inquisição. Saber qual intenção direcionou a produção de uma  imagem não é uma tarefa fácil,  porém acredito que a intenção esteve associada a esses  dois possíveis significados.     Imagino uma reunião de criação no qual alguém levantou a necessidade de mostrar que  Dilma estava numa situação muito ruim, outra pessoa falou que ela estava queimada, e a  solução visual mais óbvia, consequentemente, pouco criativa, foi esta.     A imagem que mostra a Janaína Paschoal provavelmente não foi decidida numa reunião.  Alguns comentários dizem que seria uma montagem, não acredito que seja isso, mas penso  que é um frame extraído de um  vídeo, uma vez que podemos ver parte da identidade visual  da TV Senado no canto superior esquerdo. Pode ser que alguém estivesse assistindo ao  vídeo e reparou neste aspecto do frame     A câmera estava em frente à mulher e, entre ambas, havia o microfone. Poderíamos pensar  nas associações fálicas relacionadas ao microfone, entretanto, no caso, não parece ser  adequado, mesmo porque ela não interage fisicamente com microfone, que tem uma haste  pequena e uma esfera escura na ponta.     Entre a lente da câmera e a ponta do microfone temos uma linha reta que se projeta a cada  momento em uma parte do seu rosto ou corpo. Sabemos que ela gesticula e se move com  muita frequência, por isto o local onde vemos o circulo negro, que é o microfone, varia muito  durante a filmagem.     Este aspecto geométrico da fotografia: a linha reta entre lente e motivos fotografados, tem  permitido imagens que estimulam nossa capacidade interpretativa com sobreposição de  duas coisas. Temos muitos exemplos, mas creio que estes dois sejam suficientes: Cartier  Bresson, em uma fotografia cujo nó da cortina ocupa o lugar da cabeça de uma pessoa e  Doisneau que coloca o guarda na boca de um tipo de monstro.   

   

 

  Existe outro aspecto: O vídeo é composto de vários frames dos quais foi escolhido um, mas  no caso da fotografia  também temos uma sequência de  fotos. A menos que não seja  possível, nenhum fotógrafo arriscaria  fazer somente uma imagem, pois sempre existe algo  imprevisto no ato de fotografar.    Há vários anos, Niels Andreas fez várias fotos do Maluf numa entrevista coletiva, e como  ele também gesticula bastante, o fotógrafo obteve imagens de vários, o suficiente para fazer  uma justaposição de imagens escolhendo uma na qual ele tapava os olhos, outra na qual  ele tapava os ouvidos e, por fim, uma em que tapava a boca.    

    No caso do procedimento da foto da advogada, temos algo similar: não se trata de  montagem, mas de seleção, aliás algo tipicamente fotográfico, no qual a partir de muitas  imagens são escolhidas aquelas que estão mais alinhadas com as intenções informativas,  estéticas, políticas, ou até humorísticas, de quem fez a imagem; sejam essas intenções  conscientes ou inconscientes.     A comparação entre os dois procedimentos de produção de imagem permite afirmar que a  montagem com uma foto da Dilma foi produzida para gerar um significado, enquanto a  fotografia que apresenta a referida jurista foi escolhida entre muitas imagens fotográficas  também com intenção de gerar um significado.     As estratégias de geração de significado, no entanto, são diferentes. A foto de Dilma já  existia e provavelmente a do fogo também. A superposição utilizando a tecnologia dos  programas de edição e imagem tem como resultado a  presidenta pegando fogo. Uma  estratégia herdeira da fotomontagem e da colagem.   

No caso de Janaína Não foi colocada uma mancha na área entre o nariz e o lábio, que pode  ser vista como um bigode;  ela já estava na imagem    A associação entre o bigode curto e Hitler merece ser desenvolvida. Este tipo de bigode foi  utilizado por Chaplin, junto com o chapéu coco, na caracterização de seu seu personagem  que surgiu em 1913 e cujos filmes rodaram o mundo, muito provavelmente sendo vistos por  Hitler.    Não posso afirmar que esta influência realmente oxcorreu, mas sabemos Hitler foi o único a  utilizar este bigode em seu governo, o que pode ser visto na foto2  de 1940, com seus  generais; quando  seu bigode pode ser identificado imediatamente.     Temos de lembrar que a comunicação política da época se dava principalmente em  comícios, nos quais sua figura  ocupava um espaço pequeno no campo visual do  observador. Logo, podemos pensar que esse bigode funciona como sua identidade visual.  Como algo que permite identificar rapidamente quem era Hitler em meio à outras pessoas.  Provavelmente não existia a norma de identidade visual para o uso do bigode, mas, sem  dúvida, esta foi sua marca registrada.    

    Por ter sido utilizada como marca, esta imagem foi muito divulgada e passou a fazer parte  do nosso repertório de imagens, ocupando em nossa mente um lugar de fácil acesso.  Portanto, esta imagem está tão impregnada que permite associá­la rapidamente, olhando  parte do microfone no rosto de Janaína Paschoal, remetendo portanto à figura de Hitler.     Isso poderia ser uma piada, como quando desenhamos um bigode na foto de uma pessoa,  mas vários fatores fazem com que a significação seja um pouco diferente, igualando a  2

 http://knoow.net/historia/historiamundial/adolf­hitler­nguerra­mundial/ 

personalidade de Hitler com aspectos da personalidade desta mulher, os quais teriam  aparecido no vídeo de seu discurso na Faculdade de direito da USP em ,...     O texto de por João Feres Júnior3 levanta alguns aspectos em seu artigo, quando afirma:    A dramatização do discurso adotada pela professora da USP segue o  modelo fascista. Basta checar os discursos de Hitler no Youtube, por  exemplo, https://www.youtube.com/watch?v=EV9kyocogKo, para notar a  profunda similaridade. Os surtos de frases de ódio acompanhados de  gesticulação intensa e entrecortado por pausas longas estão lá. A  demonização do inimigo também. Em suma, forma e conteúdo fascistas.    Hitler falava em comícios onde, como já dissemos, ocupava um pequeno espaço no campo  visual dos  observadores, trazendo a necessidade de se chamar atenção com gestos, uma  vez que seria impossível para o público perceber sutilezas da expressão facial, por  exemplo. Assim, uma pessoa tão preocupada com sua imagem como o Führer, não deixaria  isto ao acaso,  desta maneira, ensaiava seus gestos 4, os quais foram registrados por  Heinrich Hoffmann.   

  

 

   Não sabemos se a apropriação deste tipo de gesto é consciente, mas é esta a forma de  expressão de Janaína Paschoal, com o agravante de que ela está em frente à câmera que  a mostra em plano americano ou close, pode ser vista com detalhes Desta maneira, o que  seria adequado numa visão à distância, torna­se exagerado e até caricato ao ser visto de  perto.     O caminho de geração de significado do frame deste vídeo é mais complexo e, mais  interessante. A interpretação  direta é que o aspecto visual da personagem naquela imagem  é parecido com um aspecto visual de Adolf Hitler. A a consequência desta interpretação é a 

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 “O exorcismo de Janaína Paschoal”  http://jornalggn.com.br/noticia/o­exorcismo­de­janaina­paschoal­por­joao­feres­junior  4  http://lounge.obviousmag.org/a_lente_lenta/2013/06/uma­farsa­tragica.html 

sugestão de outros aspectos similares entre os dois. Comparação somente possível pelos  fatores citados.    Associar uma pessoa a um comportamento nazista é algo agressivo. Mas a imagem de  Janaína não é agressiva, ao contrário, ela tem algo de humor em função, entre outros  fatores, de o significado possível não ter sido gerado intencionalmente.     A imagem de Dilma pegando fogo é mais agressiva pela intenção, pela forma como foi feita  e pelo contexto.  Não podemos esquecer que, pouco tempo antes, Jair Messias Bolsonaro,  ao votar pelo em 17 de abril, dedicou seu voto ao militar que havia torturado a presidenta.  Não sei se queimar está entre  o acervo de práticas para gerar dor que ele  utilizava.  Sabemos, porém,  que este tem sido utilizado ao longo dos tempos por muitas pessoas no  mesmo tipo de situação.     Além disso, pensando na forma de divulgação, as redes sociais permitem um grande  alcance de público, no entanto sua estrutura é muito similar a  uma conversa em um grupo  de amigos. Já um jornal é algo diferente. Um post no facebook não tem o mesmo peso que  uma capa de  jornal.        

      A imagem, não existe sozinha mas faz parte da primeira página de um jornal, ilustrando  uma notícia que informa a investigação da presidenta. Esta afirmação significa que existe  alguma possibilidade de seu envolvimento, justificando o investimento na investigação.  Isso 

não significa que a investigação já encontrou algo, que ela já foi levado a julgamento e foi  considerada culpada no tribunal do júri, o qual, posteriormente determina a pena à qual  a  pessoa culpada é submetida.     A variedade de penalizações é um capítulo particularmente cruel da história. Basta ler o  primeiro capítulo de "Vigiar e punir" de Foucault, para termos uma ideia disto. Neste caso, a  pena de morte na fogueira já foi muito utilizada eEbora seu uso tenha ficado mais famoso  durante a inquisição,  fazendo  parte do acervo de crueldades humanas.     O texto trata  somente da investigação, mas a imagem julga, culpa e penaliza.      É este o ponto principal da argumentação: um veículo de grande circulação não pode julgar  e condenar; por isso a imagem não pode ser aceita e deve ser criticada,    Por outro lado, as imagens são abertas a muitas significações e provavelmente quem  propôs  esta incineração simbólica não lembrou da quantidade de pessoas que morreram  queimadas, mas que historicamente foram fortalecidas. A lista é enorme, entretanto, o  primeiro nome que vem à mente é o de Joana D'Arc,lembrada por todos como aquela que  salvou a França.   

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