O Modelo Inglês de Combate à Violência Domestica

June 14, 2017 | Autor: Dr Sofia Graca | Categoria: Comparative Law, Domestic Violence
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Em 2004, apenas dois anos antes da entrada em vigor da Lei Maria da Penha no Brasil (Lei nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006), foi introduzida em Inglaterra a ‘Domestic Violence and Victims of Crime Act 2004’ (DVVC) que foi descrita pelo Governo Inglês como a maior reestruturação da legislação sobre violência doméstica naquele país nos últimos 30 anos. Ao contrario da legislação Brasileira que se destina clarament à protecção de mulheres, a lei Inglesa não faz qualquer menção de género, destinando-se a todas as vítimas de crimes. Uma peculiaridade desta lei é não definir o que considera ser violência doméstica. A definição do conceito pode ser encontrado em documentos officiais do Governo sobre violência doméstica e violência contra mulheres e crianças, mas não na própria lei. Na ausência de tipificação legal, o crime de violência doméstica é pois punível de acordo com a legislação criminal, por exemplo, no que diz respeito ao homicídio ou assédio. A DVVC foi considerada revolucionária pelos seus autores porque insituiu uma série de mecanismos destinados a aumentar a protecção judicial oferecida a vítimas de violência doméstica. Até 2004, para além da protecção conferida pela lei penal através da acção do Ministério Público, uma vítima de violência doméstica podia recorrer a tribunal civil para pedir dois tipos de protecção: uma ordem que impedisse o agressor de a importunar ou assediar (nonmolestation order), e uma ordem que impedisse o agressor de ocupar a residencia de família (ocupation order). A partir de 2004, a violação de uma non-molestation order tornou-se crime, dando-se mais gravidade à conduta do agressor. Instituiu-se ainda na lei a obrigatoriedade de abrir um processo de averiguação institucional no caso de morte de vítimas de violência doméstica (que entrou em vigor apenas em 2011). Na legislação que se seguiu ao DVVC, houve também um esforço para envolver várias instituições, estatais e não estatais no apoio à vítima através da criação de uma série de mecanismos como os Independent Domestic Violence Advisors ou as Multi-Agency Risk Assessment Conferences. No Verão de 2011, no espírito de protecção à vítima da DVVC e legislação posterior, foi implementado um projecto com a duração de um ano em três regiões Inglesas, com o objectivo de acelerar a protecção offerecida a vítimas de violência doméstica. Trata-se da implementação de Domestic Violence Protection Orders (DVPOs) e Domestic Violence Protection Notices (DVPN). Nestas regiões do país, um agente da polícia, com autorisação de um superior pelo menos com o cargo de superintendente, pode emitir uma notificação ao autor da violência que o

impeça de se manter em contacto com a vítima ou regressar à morada de família durante um máximo de 48 horas (uma DVPN). Nestas 48 horas, tem de ser iniciados tramistes processuais num tribunal cível que confirmem esta notificação e a estendam por um período de entre 14 e 28 dias (a DVPO). Ainda que o afastamento do agressor da residência de família seja uma practica adoptada em várias jurisdições como forma de protecção imediata da vítima, note-se que neste projecto piloto, durante 48 horas o agressor é afastado da sua residência sem uma decisão judicial ou intervenção do Ministério Público. O objectivo desta medida é permitir à vítima decidir em segurança se quer abandonar o agressor e abrir um procedimento de natureza civel (por exemplo uma non-molestation order) sem ter de abandonar a sua residência e fazer providencias alternativas no que diz respeito à sua vida pessoal e à dos seus filhos. Trata-se de uma opção delibrerada de deslocar o agressor e não a vítima da casa de morada da família. Pretende-se também colmatar os níveis de vitimisação que ocorrem aquando da libertação do acusado detido, que muitas vezes assume um comportamento ainda mais violento após a sua libertação. O sistema inglês tem, pois, vindo a tentar simplificar o procedimento judicial no que diz respeito à protecção de vítimas de violência doméstica ao mesmo tempo que tenta passar a mensagem de que se trata de um comportamento inaceitéval. A criminalisação da violação das non-molestation orders foi uma passo importante neste sentido, bem como o esforço de sensibilisação para este problema junto de, entre outros, polícia, serviços sociais e público em geral. A utilisação de DVPNs é uma práctica que segue na mesma linha de acção e que transfere para a polícia grande parte do poder de decisão nas horas imediatamente a seguir ao crime. A sua constitucionalidade provavelmente seria debatida em vários sistemas judiciais por poder colidir com os dos direitos individuais do agressor (ainda não constituido arguido ou condenado por um crime quando afastado de casa). Trata-se, contudo, de uma posição que não é única na Europa, na celeridade com que visa actuar e no poder de decisão que dá à polícia. Este projecto piloto pode assinalar o futuro do sistema legal em situações de violência doméstica, pelo que o seu impacto merece ser debatido.

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