O modo de viver dos justos: uma leitura do Salmo 1 através da Teoria Semiótica do Texto

June 4, 2017 | Autor: Alexandre de Jesus | Categoria: Biblical Studies, Linguistics, Hebrew Bible/Old Testament, Semiotics Theory of the Text
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ANAIS ELETRÔNICOS ENILL Encontro Interdisciplinar de Língua e Literatura | 17 a 19 de novembro de 2010 Itabaiana/SE: Departamento de Letras, Vol.01, ISSN: 2237-9908

O MODO DE VIVER DOS JUSTOS: UMA LEITURA DO SALMO 1 ATRAVÉS DA TEORIA SEMIÓTICA DO TEXTO Alexandre de Jesus dos Prazeres1 RESUMO Neste trabalho, efetua-se leitura do Salmo 1 e sua estrutura literária desde a composição em língua hebraica, considerando-o tanto como “objeto de significação” quanto como “objeto de comunicação”. A mensagem se expõe a partir da “estrutura literária” utilizada pelo autor do texto, ressaltando os elementos artístico-poéticos utilizados no intuito de revelar intencionalidade. O artigo beneficia-se das contribuições oferecidas pela Linguística Textual e pela Teoria Semiótica do Texto para a compreensão de poemas líricos e sapienciais, em cuja categoria o Salmo 1 está inserido. Palavras-chaves: Texto, percurso gerativo, estrutura literária, leitura. ABSTRACT In this work, effects reading of the Psalm 1 and its literary structure since the composition in Hebrew language, considering it in such a way as “significance object” how much as “communication object”. The message if displays from the “literary structure” used by the author of the text, standing out the artistic-poetical elements used in intention to disclose scienter. The article benefits of the contributions offered for the Linguistic of the Text and the Theory Semiotics of the Text for the lyric and wisdom’s poem understanding, in whose category Salmo 1 is inserted. Keywords: Text, gyration passage, literary structure, reading.

INTRODUÇÃO Neste artigo, efetua-se uma leitura do Salmo 1, considerando o seu “percurso gerativo de sentido” ou “níveis de leitura”.

O percurso gerativo de sentido é uma sucessão de patamares, cada um dos quais suscetível de receber uma descrição adequada, que mostra como se produz e se interpreta o sentido, num processo que vai do mais simples ao mais complexo (FIORIN, 2008, p.20). 1

O autor é bacharel em Teologia pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e professor de Grego Koinê no Seminário Teológico Ministério da Graça (SETEMIG) em Aracaju. Endereço para correspondência: Rua Distrito Federal, 588, Aracaju-SE, CEP 49.075-190. E-mail: [email protected].

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Considera-se também que o texto é tanto “um objeto de significação” quanto “um objeto de comunicação”. Concebido como “objeto de significação”, o texto do Salmo 1 será lido em termos “dos procedimentos e mecanismos que o estruturam, que o tecem como um ‘todo de sentido’. A esse tipo de descrição tem-se atribuído o nome de análise interna ou estrutural do texto” (BARROS, 2005, p.11-12). E ao ser concebido como “objeto de comunicação”, será lido, levando-se em consideração o que expõe a linguista Diana Luz Pessoa de Barros (2005, p.12):

O texto encontra seu lugar entre os objetos culturais, inserido numa sociedade (de classes) e determinado por formações ideológicas específicas. Nesse caso, o texto precisa ser examinado em relação ao contexto sócio-histórico que o envolve e que, em última instância, lhe atribui sentido. Teorias diversas têm também procurado examinar o texto desse ponto de vista, cumprindo o que se costuma denominar análise externa do texto.

Nesta leitura, concebe-se a existência de uma “semântica do discurso” que é ao mesmo tempo gerativa, sintagmática e geral. Gerativa, pois se leva em conta que num nível mais profundo os diferentes elementos do nível de superfície podem significar a mesma coisa; sintagmática, pois se busca a explicação não das unidades lexicais que produzem a frase, mas a produção e a interpretação do discurso; geral, pois se considera que a unidade de sentido de um texto pode ser manifesta por diferentes planos de expressão (no caso do Salmo 1, o plano de expressão é verbal), como explica José Luiz Fiorin (2008, p.16).

1. TEXTO NA LÍNGUA ORIGINAL E TRADUÇÃO DO SALMO 1 Segue abaixo o Salmo 1 em hebraico, segundo o texto da Bíblia Hebraica Stuttgartensia (doravante BHS), acompanhado por uma tradução do mesmo, segundo o princípio de equivalência formal. 2

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TEXTO DA BHS ~y[iîv'ñr> tc;ç[]B; é%l;h' al{ï rv) 3 `x:yli(c.y: hf,ä[]y:-rv,a] lkoßw> lAB+yI-al{) Whleî['w> ATª[iB. `x:Wr) WNp,îD>Ti-rv,a] #MoªK;÷-~ai yKiî ~y[i_v'r>h' !kEï-al{ 4 ~yaiªJ'x;w>÷ jP'_v.MiB; ~y[iv'r>â WmqUåy"al{ !KEÜ-l[; 5 `~yqI)yDIc; td:î[]B; ~y[iäv'r> %r), “e tudo o que faz prospera” (v. 3d), que quando vista à luz da estrutura concêntrica do salmo, revela-nos uma importante lição contida no texto. A afirmação ocorre no centro de uma estrutura que forma um quiasmo como um divisor de águas e sendo, portanto, a principal lição do texto: O verdadeiro êxito resulta da obra de Deus na vida daquele que o busca de todo o coração (2 Cr 31.21; cf. Js1.8; Sl 1.3). Sendo este um Salmo da Lei, que são salmos que exaltam a lei pelo efeito que tem de transformar, moldar o caráter e consolar o fiel, apresenta o viver segundo a lei de Iahweh como melhor forma de se relacionar com ele e experimentar as suas bênçãos. A pessoa devota sinceramente súplica a Deus que lhe conceda sucesso em seu trabalho (Sl 118. 25). Conquanto a origem do êxito seja apenas a bênção divina, muitas vezes parece que os ímpios se saem bem. Essa aparência leva os justos a questionar o envolvimento de Deus nos negócios humanos (Jr 12.1). Nos últimos dias, aqueles que se opõem a Deus prosperarão por algum tempo por meio de astúcia e engano (Dn 8.12, 24), mas o seu sucesso será apenas passageiro, pois Deus, para dar vazão à sua indignação, está preparando uma hora de juízo contra todo mal (Dn 11.36).

B’. UMA SÍMILE (O ÍMPIO COMO PALHA DISPERSA) (V. 4A-B). No versículo quatro, o poeta constrói uma imagem dos ímpios como sendo oposta a do homem bem-aventurado, quando diz:

1. 2.

Os ímpios não são assim (v. 4a); Pelo contrário: são como a palha que o vento dispersa (v. 4b).

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Aqui temos uma reflexão de conteúdo existencial muito intenso. Pois aqueles que em suas limitações humanas têm buscado ao Senhor com coração sincero, mas mesmo assim tem se visto em meio a situações de sofrimento e aflição, enquanto contemplam a impiedade ganhar campo e os ímpios exibindo sorrisos, podem ser levados a pensar que não há recompensa ou galardão para os que se dedicam fielmente ao Senhor e que Deus tarda em derramar a sua ira sobre os infiéis. Mas é quando a esperança está quase findando, que o Senhor declara: os ímpios são como restolho de colheita, inúteis, e estão destinados ao fogo. E prossegue: “por isso não se levantarão ímpios no julgamento, nem pecadores na assembleia dos justos” (v.5).

A’. ENUNCIADO SOBRE O DESTINO DOS JUSTOS E DOS ÍMPIOS (V. 5A6B). No versículo 5: “Por isso os ímpios não se levantarão no julgamento, nem os pecadores na assembleia dos justos”, o salmista está descrevendo o destino dos ímpios. Nesse versículo, o salmista faz uso de dois paralelismos sinonímicos: o primeiro está nas palavras ímpios e pecadores; e o segundo nas expressões no julgamento e na assembleia dos justos, descrevendo para o leitor o mesmo ambiente judiciário. Mas a lição deste versículo está no fato de que um único verbo, não se levantarão (WmqUåy"-aol{), expressa a ação descrita em todo o versículo, causando maior proximidade entre as formulações paralelas. Neste versículo, o salmista está nos ensinando que no dia do juízo ou assembleia dos justos os ímpios (pecadores) não se levantarão, pois não terão direito de falar, não terão voz, apenas ouvirão a sentença proferida pelo Senhor, reto juiz. O versículo 6, é iniciado por uma conjunção explicativa yKi (pois, porque), seguida da declaração: “o Senhor conhece o caminho dos justos; mas o caminho dos ímpios perecerá”. Aqui temos um contraste, um paralelismo antitético, entre o caminho dos justos e o caminho dos ímpios, onde é declarado que o Senhor conhece o caminho dos justos. A palavra conhecer nas Escrituras e especialmente neste texto expressa a comunhão mais intensa possível, tendo o sentido de amar, por isso é uma palavra usada 15

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para descrever a relação íntima do ato sexual entre um homem e uma mulher, quando se diz que o homem conheceu sua mulher. O verbo conhecer marca a história entre o Senhor e o seu povo. Portanto, quando o salmista afirma que o Senhor conhece o caminho dos justos, quer expressar que o Senhor acompanha5 de forma preocupada e amável o modo de viver dos seus servos. Por sua vez, o salmista declara que o caminho dos ímpios perecerá, descrevendo dessa forma as conseqüências do modo de viver dos ímpios, condenação, morte. Ou seja, não terão como escapar da justiça divina que os condenará.

CONCLUSÃO Há neste texto implicações importantes para áreas como soteriologia, principalmente para doutrina da santificação, e para eclesiologia, na relação pessoal de cada membro do corpo de Cristo com Deus e sua Palavra como elemento motivador da conduta, chama purificadora e santificadora, ou seja, é o amor por Deus e por sua Palavra que deve motivar nossas ações. Como também não deixa de contribuir para a ética cristã, pois os cristãos fundamentam o seu padrão moral naquilo que extraem de suas reflexões nas Escrituras, ela concede a base ética sobre a qual se apóiam para rejeitar a impiedade e lutar por uma reforma nas estruturas sociais. O Salmo 1 também resplandece luz sobre a escatologia, pois o texto revela os destinos de justos e ímpios e o papel desempenhado por Deus nisto. E por fim, nos fornece uma concepção bíblica da história, contribuindo também para a filosofia. Pois o texto nos revela que Deus é o Senhor da história, embora ela se desenvolva de forma linear num sistema de causas e efeitos, esse sistema não é fechado, Deus intervém nos negócios humanos para recompensar os justos e punir os ímpios. Embora os justos sofram no presente momento, e assistam os ímpios gargalharem, Deus “conhece o caminho dos justos, porém o dos ímpios perecerá”. 5

No texto, o salmista faz uso do verbo [d;y" no particípio ativo [;dEäAy, “está conhecendo”, que indica uma ação em desenvolvimento, por isso transmitindo o conceito de acompanhar de forma amorosa.

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REFERÊNCIAS ARENS, Eduardo. A Bíblia Sem Mitos: Introdução Crítica. São Paulo: Paulus, 2007. BARROS, Diana L. Pessoa. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 2005. ELLIGER K., & RUDOLPH, W. Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 5.ed. Stuttgart: Deutsche Biblegesellschaft, 1997. FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 14. ed. São Paulo: Contexto, 2008. ______; SAVIOLI, F. Platão. Para Entender O Texto. São Paulo: Ática, 2006. KAISER, Walter C.; SILVA, Moisés. Introdução À Hermenêutica Bíblica. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. KOCH, Ingedore Villaça. A Coesão Textual. São Paulo: Contexto, 2004. SCHÖKEL, Luís Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: salmos 1-72. São Paulo: Paulus, 1996. ______. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997. SELLIN, Ernest; FOHRER, G. Introdução Ao Antigo Testamento. São Paulo: Academia Cristã, 2007. SILVA, Cássio Murilo Dias da. Leia a Bíblia como literatura. São Paulo: Loyola, 2007.

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