O modo epistolar e o debate público e privado: a carta nos séculos XVIII e XIX
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O modo epistolar e o debate público e privado: a carta nos séculos XVIII e XIX
O modo epistolar e o debate público e privado: a carta nos séculos XVIII e XIX Ana Teresa Peixinho FLUC / CEIS20 1. Problematização Um dos séculos mais importantes na construção da modernidade foi indiscutivelmente o século XVIII, século das Luzes, da consubstanciação de valores fundamentais como a liberdade, a democracia, a igualdade. É também este o século do nascimento do espaço público, de reconfiguração das esferas pública e privada, do nascimento da imprensa de opinião, dos cafés, teatros e tantos outros espaços sócio-‐discursivos responsáveis pela criação de uma opinião pública. Numa das suas primeiras obras sobre a constituição do espaço público, Jürgen Habermas localiza no século XVIII um período crucial no nascimento da esfera pública, estreitamente ligada à burguesia e à Literatura. Embora esta obra tenha merecido inúmeras críticas e uma recepção pouco consensual, que inclusive terão levado o autor a redefinições posteriores, ela permanece um marco incontornável no estudo do espaço público e interessa-‐nos para o tema que desenvolveremos, pois problematiza um conjunto de questões pertinentes sobre as nem sempre claras relações entre o público e o privado, demonstrando este período da História europeia está associado “ao crescimento da cultura urbana – enquanto nova arena de uma vida pública localmente organizada em concertos, teatros, óperas, salas de leitura ou museus – e ao desenvolvimento de uma nova infra-‐estrutura de comunicação social – onde se encontram a imprensa, os cafés, clubes ou as tabernas – no qual se deu uma espécie de desbloqueamento de determinadas possibilidades para a emancipação humana, dando origem a uma racionalidade gerada comunicacionalmente (Torres, 2009: 9). Na verdade, o nosso principal objectivo consiste em demonstrar de que forma o modo discursivo epistolar se insinuou no espaço público europeu, durante o século XVIII, e de que modo por ele se foi construindo um cânone literário novo que, embora reconhecidamente pobre em Portugal, conheceu noutros países uma fortuna considerável. Referimo-‐nos ao romance epistolar, apontado por Habermas como uma das formas literárias que sintomaticamente reflecte a mudança de paradigma e de configuração do espaço público setecentista. Está sobejamente estudada a projecção deste subgénero nas literaturas francesa e inglesa, onde nomes como os de Rousseau ou de Richardson
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contribuíram para a imortalização do género. Em Portugal, por motivos que adiante
tentaremos perceber melhor, o romance epistolar não teve repercussões como nas literaturas europeias, embora o cultivo da forma epistolar tenha conhecido outros matizes e assumido outras funcionalidades. Indo, naturalmente, ao encontro do tema deste Congresso parece-‐nos que o registo epistolar é, ao nível modal e discursivo, aquele que melhor estabelece a ponte entre o público e o privado. A escrita epistolar remonta aos primórdios da História e, embora tenha surgido investida de funções políticas e sociais que se foram ora esbatendo, ora transformando ao longo dos tempos, adquire, nos séculos XVII e XVIII, um estatuto que a identifica claramente com um discurso circunscrito ao domínio das relações privadas. Esta identificação ficou, em parte, a dever-‐se ao chamado “fenómeno Sévigné”: Mme de Sévigné foi, de facto, a grande responsável pela projecção do epistolar como veículo do sentimento, da naturalidade, da verdade e da feminilidade. A carta surge, assim, intimamente ligada a um universo de uma feminilidade supérflua, esvaziada de conteúdo, mas rica nos atributos de ligeireza, naturalidade e sentimentalidade, intuição e sinceridade. Concordamos com José-‐Luis Diaz quando afirma, ao comentar a visão do epistolar como um género feminino, que “la chance des femmes c’est qu’elles sont condamnées à être soi; plus originales parce que libres du joug de l’instruction et incapables de la patience de la réflexion. Il y a donc connivence entre leur statut d’outsiders et l’extériorité supposée du «style épistolaire» par rapport au cercle officielle de la littérature.” (Diaz, 1998ª : 153-‐177). Esta tese, que coloca em relação directa a marginalidade do modo epistolar com a marginalidade da mulher no seio da sociedade letrada de setecentos e oitocentos, também é suportada por uma autora – Christine Planté – que, ao problematizar o epistolar como género feminino, advoga que este, situado na periferia do campo literário, aparece como o género literário dos que não escrevem ou não podem escrever (Planté, 1998). Talvez este aspecto explique o número de autoras epistolares que aparecem no decurso da centúria de setecentos, para quem Mme de Sévigné é o modelo e a referência máxima1, e também a
1 “Si les Lettres Portugaises ont défini les formes stylistiques de la lettre d’amour, si Les Provinciales
ont fondé le type de la lettre polémique, les Lettres de Mme de Sévigné vont être le modèle, difficile à imiter, de la lettre naturelle et familière. (…) Mme de Sévigné est citée comme l’épistolaire parfaite tout au long du XIXe siècle, et tous les Secrétaires et les Manuels lui accordent la première place.” (Grassi, 1998: 26-‐27).
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forma como os próprios manuais epistolares (obras simultaneamente antológicas, didácticas e prescritivas) projectam as marcas de uma distinção sexista. O “fenómeno Sévigné” marcou a primeira grande revolução das práticas
epistolares, ao projectar a carta na sua dimensão mundana e socializante, facto que terá contribuído, em parte, para a sua desvalorização enquanto discurso pensante. Na verdade, a partir da publicação das cartas de Mme de Sévigné, assiste-‐se a três fenómenos interessantes, no âmbito das práticas epistolares: por um lado, a escrita de cartas é liberalizada, tornando-‐se acessível a todos aqueles que soubessem escrever, mesmo não pertencendo ao mundo dos literatos ou autores; por outro lado, e decorrente deste, a carta começa progressivamente a transpor as fronteiras do mundo da literatura, instituindo-‐se cada vez mais como uma prática eminentemente informativa; finalmente, a ideia de que o epistolar intimista é um domínio privilegiadamente feminino, reservado às mulheres e facilmente moldável às suas sensibilidade e superficialidade, recolhe muitos consensos. Como consequência, a carta passou a ser vista pela crítica setecentista como um domínio incompatível com a expressão do pensamento racional, pouco próprio ao desenvolvimento de um raciocínio sério e profundo, antes propícia à expressão sincera, espontânea e natural dos sentimentos e das emoções (Diaz, 1998: 13-‐16). No entanto também é certo que em muitos períodos da História, nomeadamente no século XVIII, a carta assume um importante papel na circulação de ideias, constituindo-‐se como elemento de redes epistolares de dimensão considerável, centrais na construção do espaço público burguês. Como explica Habermas: No por casualidad se convierte el siglo XVIII en un siglo de intercambio epistolar; escribiendo cartas se robustece el indivíduo en su subjectividad.” (Habermas, 2002: 86) Baseando-‐nos nestes factos históricos e num conjunto de propriedades que permitem delimitar o modo epistolar, que posteriormente desenvolveremos, partiremos, então para a análise da carta como forma textual híbrida, essencialmente identificada por antíteses estruturantes, que a colocam na fronteira dos discursos público e privado. 2. Público e privado: que fronteiras?
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Antes, porém, de desenvolvermos esta tese, convém que compreendamos do que falamos
quando nos referimos ao público e ao privado, enquanto conceitos basilares para a compreensão da circulação dos discursos literário e não literário no século XVIII. Para tal, partiremos do texto de Habermas, atrás referido, que explica em termos muito claros mas não isentos de algumas fragilidades a construção do Espaço Público no século XVIII. A fluidez de fronteiras destes dois conceitos deriva, em parte, da sua flutuação histórica e contextual2. Na verdade, se já na Grécia Antiga público e privado aparecem como dois domínios bem definidos e separados por clivagens profundas, esta divisão foi matizando as suas fronteiras até ao eclodir da modernidade. O estatuto de cidadania do homem helénico, vinculado pela palavra e acção política à polis, opõe-‐se com clareza ao chefe de família que exerce a coacção sobre os subordinados3. Oikos e Polis surgem, assim, como dois espaços antagónicos: o primeiro dominado por relações de poder despótico, à margem de qualquer lei ou regulação, o segundo como o espaço de liberdade em que o uso da palavra substituía a violência física e simbólica: Na esfera privada existia a mais pura desigualdade: o chefe de família comandava e os outros membros da família eram comandados (…) o homem encontrava-‐ se privado da mais importante das capacidades – a acção política. explica Marco Antunes (Antunes, s/d: 3). O advento da modernidade no século XVIII vem alterar o tipo de relação entre estas duas áreas, pois, “à oposição vem juntar-‐se um novo sentido: a sua articulação” (Esteves, s/d: 2). De facto, a ascensão de uma nova classe – a burguesia -‐ que, desde o século XVI, detinha o poder económico, vem modificar profundamente a esfera pública. Público e privado, a partir do século XVIII, constituem-‐se como dois domínios distintos, embora mantendo
2 Explica João Pissarra Esteves: “A relação Público-‐Privado, embora remonte às próprias origens do
pensamento e da cultura ocidentais, tem na sua forma uma extraordinária variabilidade ao longo dos tempos: quanto ao conteúdo conferido a cada um dos conceitos, em diferentes épocas e sociedades e também quanto ao modo como a sua linha de fronteira foi sendo sucessivamente definida e alterada.” (Esteves, s/s: 1) 3 “O poder da palavra através da persuasão (…) substitui a força e a violência da esfera privada. Os cidadãos livres e iguais da esfera pública da polis opõem-‐se, assim, às relações de dominação e de propriedade sobre os subordinados do oikos.” (Antunes, s/d: 3)
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relações e articulações, uma vez que o público só existe a partir de indivíduos que se assumam como tal na privacidade4.
A valorização da intimidade e o surgimento de um novo conceito de família, domínios separados da vida profissional, têm influências profundas ao nível dos processos de reprodução cultural. Seguindo a abordagem habermasiana, percebemos que a esfera pública burguesa pode ser encarada como um conjunto de pessoas privadas que, fazendo uso da razão, publicitam as suas opiniões: A esfera pública burguesa pode ser concebida, antes de mais, como a esfera em que pessoas privadas se juntam enquanto um público. (Habermas, 2002: 27) Antes porém do nascimento de uma esfera pública política, ela existiu no seio de um campo – o literário – que, embora ainda de forma incipiente, inicia o seu processo de autonomização neste século das Luzes. Não se tratava ainda de uma esfera distintamente burguesa, pois que abrangia a aristocracia urbana, frequentadora e dinamizadora dos salões e dos teatros. Como explica o filósofo, o termo ‘público’, na França do século XVII, era aplicado aos destinatários e consumidores de arte e literatura, tanto na corte, quanto nos salões aristocráticos e nos teatros. Filipe Carreira da Silva, numa leitura crítica da obra de Habermas, encontra uma síntese muito precisa para esta ideia quando afirma que “a esfera pública burguesa surgiu do encontro entre os herdeiros da sociedade aristocrática e humanista, em que se baseava a esfera pública literária, e a camada intelectual da burguesia, então em ascensão.” (Silva, 2002: 17-‐18). Se olharmos para uma das instituições que mais contribui para a formação e consolidação desta esfera pública – o salão – facilmente percebemos esta ideia habermasiana. Na verdade, o salão que surge em França no século XVII, assume-‐se, desde cedo, como um espaço sócio-‐discursivo de nivelamento ou encontro de classes sociais distintas, em que a burguesia se infiltrava e convivia com a aristocracia. Os critérios de distinção social existentes fora do salão esbatiam-‐se através da conversação, modelo comunicativo igualitário, para James Melton (Melton, 2001). Segundo este estudioso, o salão tem algumas características essenciais da esfera pública do Iluminismo, nomeadamente o facto 4 Como explica João Pissarra Esteves: “Temos, assim, o público da modernidade projectado numa
dupla relação com o privado: em contraposição e em estreita articulação. É esta ambivalência que estabelece o primeiro nível de mediação simbólica concretizada pelo público: a reunião das pessoas num público, o seu encontro num espaço comum (…) de discussão e de acção, começa por ser uma oportunidade de afirmação individual de cada um dos participantes, um espaço de desenvolvimento da interioridade e de afirmação subjectiva de cada um dos membros do público.” (Esteves, 2003: 191)
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de a sua origem se prender com uma crescente autonomia relativamente ao mundo da corte, ser um espaço em que, apesar da preponderância da comunicação oral, a palavra escrita circulava e, finalmente, ser um espaço de nivelamento social em que se esbatia a rigidez e a formalidade da corte: Eminence in the salon also undermined traditional conceptions of nobility based on birth by encouraging a more elastic behavioral definition. Eminence in the salon depended not on blood-‐lines but on the refinement and esprit one exhibited in conversation with others. Politeness and cultivation became qualities to which noble and bourgeois could aspire.” (Melton, 2001: 195-‐225) Quer isto dizer, portanto, que o conceito de público moderno começa por ganhar contornos definidos no âmbito das artes e da literatura, publicitadas e discutidas nos salões, tribunas de legitimação das criações artísticas5. Em Portugal, foi reconhecido o salão de Marquesa de Alorna foco de ebulição cultural, onde se debatem as novas ideias políticas e também as novas correntes estéticas e literárias, frequentado por nomes como os de Bocage e Alexandre Herculano6. Naturalmente que, como explica Habermas, a par dos salões, existiram um conjunto de instituições variadas que em muito contribuíram
para a publicitação de ideias e para a circulação de produtos e de críticas culturais: cafés, ruelles, teatros. Todos espaços urbanos, já que a cidade se configura como o pólo aglutinador destes novos agrupamentos sociais, em que se começa a estabelecer “a paridade entre as pessoas cultivadas procedentes da sociedade aristocrática e as da intelectualidade burguesa” (Habermas, 2002: 70). Estamos, portanto, perante o nascimento de um novo tipo de organização social, em que “a divisão simbólica, fundada em motivos e convicções, (…) se sobrepõe (…) às tradicionais divisões religiosas, étnicas, económicas, etc.” (Esteves, 2003: 194). Na esfera pública burguesa, na perspectiva habermasiana que, como já se disse não reúne consensos, a força da argumentação e os valores simbólicos sobrepunham-‐se a outros recursos de tipo material ou social; para além do mais, dinamiza discussões críticas, com base racional, sobre temas e assuntos até ao momento monopolizados pelo Estado e pela Igreja; um 5
“El salón mantenía, por así decirlo, el konopolio de la primera publicación: um nuevo opus, incluído el musical, tenía que comenzar legitimándose ante esa tribuna.” (Habermas, 2002: 72) 6 “Empossada no título e nos bens do Marquesado de Alorna, fez do seu salão um foco das novas ideias estéticas; a influência que exerceu, como «Staël portuguesa», ressalta do testemunho agradecido de Herculano.” (Coelho, 1994)
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terceiro aspecto inerente a esta esfera pública burguesa diz respeito ao carácter
democrático da participação: todos podiam participar, criticar, julgar bens acessíveis a todos. O desenvolvimento de uma “república das letras” iluminista no século XVIII foi, para Habermas, o fundamento sobre o qual se estabeleceu uma exigência da república política. Para o autor, as redes epistolares tiveram um papel fundamental na constituição desta república das letras e marcam muito bem a transformação de uma esfera pública literária numa esfera pública política, através da reunião de pessoas privadas. Desta reunião nasceram públicos de debate que, em última análise, deram lugar ao espaço público político e o autor realça tanto o papel das cartas para o desenvolvimento da imprensa, como o seu papel na criação do romance epistolar. Segundo Habermas, o ideal iluminista de um espaço público esteve ligado a uma série de fenómenos culturais do século XVIII: desde o desenvolvimento de novos espaços públicos, como o parque, o museu e o café mas também à rápida expansão da indústria da imprensa, bem como à filosofia política liberal que moldou as grandes revoluções do século. Assim, o espaço público existiu na Europa do século XVIII como uma rede discursiva, através da qual os indivíduos pensantes, abstraídos dos interesses privados, chegavam a consensos sobre questões públicas, através das discussões, das cartas, de livros ou de ensaios. Por isso, para Habermas, a sociedade civil, que cresceu em torno da cultura dos cafés e dos salões, resultou numa esfera pública literária que, em última análise, influenciou a esfera pública política. Dá-‐se, assim, origem, na segunda metade do século XVIII, ao aparecimento da opinião pública e à sua institucionalização como campo autónomo de legitimidade: através da opinião pública constitui-‐se o direito inalienável de formação de correntes alargadas de uma razão separada e por vezes contraditória em relação ao Estado. À medida que, desde finais do século XVIII, se forma uma escrita especializada e que aumenta o número de pessoas alfabetizadas, desenvolve-‐se o gosto pelo espaço privado da vida doméstica, cada vez mais confinada à habitação da família nuclear restrita. Foi neste espaço privatizado que foi possível experienciar uma nova forma de individualidade e de subjectividade e foi nessa experiência que, simultaneamente, o conceito de público passou a fazer sentido: o espaço público mantém-‐se público no sentido de que ele só existe pela publicidade, o modo pelo qual as opiniões podem evoluir pela crítica e pelo debate para uma opinião pública.
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Naturalmente que, seguindo aqui a perspectiva feminista, poderíamos objectar, entre
muitas outras coisas, que este carácter igualitário e democrático, apontado por Habermas, excluía as mulheres, pese embora o importante papel que estas desempenharam na dinamização dos salões, e o povo cujos produtos culturais foram totalmente obliterados pelo filósofo. Como comenta Filipe Carreira da Silva, “por detrás da distinção entre público e privado, entre aquilo que pode ser discutido no âmbito da esfera pública política e aquilo que deve ser relegado para a esfera íntima da família, é uma construção social com um objectivo bem definido: a exclusão de todos os grupos que, por razões de ordem sexual, étnica ou económica, diferem do grupo social de referência.” (Silva, 2002: 23) Sublinhe-‐se que esta exclusão contorna aspectos significativos da dinâmica do espaço público, nomeadamente no que à prática epistolar diz respeito. Como já referimos a escrita de cartas era uma actividade eminentemente feminina, facto que se projecta ficcionalmente na própria construção do romance epistolar; para além do papel crucial que as mulheres desempenharam como protagonistas da organização, desenvolvimento e manutenção dos salões. Impõe-‐se, naturalmente, que distingamos aqui a diferença entre estes papéis, nomeadamente enquanto construções dos sujeitos discursivos: a mulher como escritora de cartas é seguramente diferente da mulher anfitriã nos salões. Independentemente desta divergência, defendemos que em ambos os casos, se assiste neste século a uma recuperação de um espaço sócio-‐discursivo por parte da mulher. Como explica James Melton, em contraste com outras instituições da esfera pública do Iluminismo, o salão era constituído à volta da mulher. Apesar de o renome dos grandes salões de Paris, Londres, Viena ou Berlim ter sido construído pelo prestígio e projecção dos homens de letras que os frequentavam, a anfitriã era sempre o seu centro comunicativo e social. Escrita negligente que poucos atributos intelectuais e formais exigia, a escrita epistolar também funcionou como um espaço discursivo ao qual podiam aceder pessoas menos letradas e cultas, como teremos oportunidade de desenvolver posteriormente. Segundo Christine Planté, ao problematizar o epistolar como género feminino, devemos ter em consideração que este rótulo só é compreensível se entendermos o espaço simbólico ocupado pelo epistolar, no campo literário: situado no fundo da hierarquia, na periferia da esfera literária, ele aparece como a literatura dos que não escrevem ou dos que não deveriam escrever (Planté, 1998). 3. O epistolar: um modo de contrastes O texto epistolar, ao contrário de outros tipos de texto, não pode ser descrito por especificidades precisas, nem por características epocais ou históricas. Desde sempre se escreveram cartas, sobre os assuntos mais díspares, desenvolvendo temáticas
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muito heterogéneas, em estilos e formatos igualmente diferenciados. Daí que prefiramos entender o epistolar como um modo discursivo e não como um género textual. Sem nos querermos alongar nesta problemática, sob pena de transcendermos o âmbito espacial desta comunicação, é importante sublinhar que reconhecemos no epistolar um conjunto de atributos que fundamentam a tese de que podemos com propriedade falar em variante modal quando nos referimos à epistolaridade7. Deste modo, e sistematizando, acreditamos que o modo epistolar possui certos predicados essenciais que configuram a sua identidade, garantindo-‐lhe uma certa autonomia. Dentre essas características, salientamos de forma sintética, como as mais relevantes, as seguintes: funda-‐se sempre num registo escrito decorrente de uma ausência, aspecto que tem inúmeras consequências do ponto de vista discursivo, formal e linguístico – a necessidade da presença de certos elementos peritextuais, como a data, a assinatura; a presença da deixis; a polivalência temporal; a inscrição do destinatário no enunciado textual, etc.; tem um forte carácter dialógico, pois a interacção entre os intervenientes no processo comunicativo é fundamental; revela um carácter ritualizado, fundado num pacto – o pacto epistolar – decorrente da estreita articulação entre o individual e o social, o reflectido e o espontâneo; trata-‐se de um modo que possibilita o cruzamento com variados tipos de texto e de modos fundacionais e que se materializa num vasto leque de géneros; dada a sua polivalência e plasticidade, não revela restrições temáticas, permitindo a abordagem a qualquer tema ou assunto; é permeável a qualquer registo linguístico, do mais formal ao mais familiar. De facto, numa tentativa de circunscrição do modo epistolar, deparámo-‐nos com duas questões essenciais: por um lado, a necessidade de rever a definição do epistolar como género, uma vez que preferimos entendê-‐lo como um modo derivado, inclusive tendo em conta as flutuações terminológicas que, desde sempre, afectaram o conceito de género; por outro lado, a constatação de que o conjunto de marcas que, segundo diversos autores, permitem distinguir a carta como um género discursivo específico podem também funcionar em antítese, isto é, a definição da epistolaridade só pode ser feita sob o signo do paradoxo. Citando Janet Altman: 7
Quer isto dizer, portanto, que o epistolar possui uma das características essenciais para a existência de um modo derivado e que é o facto de ele se revelar “de forma subsidiária, em géneros dotados de uma caracterização modal dominante.” (Reis, 1995: 244): o romance O Mistério da Estrada de Sintra complementa o seu modo dominante – o narrativo – com uma propriedade modal, a epistolaridade. Parece-‐nos também que, a partir de alguns traços comuns que a crítica vem sublinhando, é possível definir uma essencialidade ao epistolar que o investe de consistência modal.
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The definition of epistolarity is thus charged with paradox and contradiction. The opposite of almost any important trait can be equally a characteristic of the letter form. (Altman, 1982: 187). O aspecto realçado por Janet Altman – a definição antitética da epistolaridade – se, por um lado, dificulta a tarefa de delimitar e descrever o objecto carta, por outro lado, é o garante da enorme flexibilidade e potencial do modo epistolar. Dentro destes contrastes, interessa-‐nos especialmente, no presente contexto, sublinhar o carácter marginal do epistolar, por um lado, e a sua potencial força em cruzar os campos público e privado. Entendemos a marginalidade do modo epistolar em relação à configuração do campo literário. Se, como referimos, a carta se assume, sobretudo a partir do século XVIII, como o género de escrita de quem não sabe nem pode escrever8, também é verdade que este é o período em que se começa a investir na publicação de inúmeras epistolografias de autores afamados, e em que emerge, dentro do cânone romanesco, o subgénero do romance epistolar que tanta expressividade teve nas principais literaturas europeias. E se olharmos para a circulação de ideias e para os debates públicos a partir desta centúria, percebemos o incontornável papel das cartas públicas na publicitação das ideias iluministas9. Acreditamos, assim, que a dinâmica epistolar que atravessou todo o século XVIII, tanto no domínio da ficção, com a criação do romance epistolar, como no domínio do debate de ideias, é claramente um sintoma da alteração das práticas discursivas públicas, cujo nascimento do espaço público burguês, tal como o define Habermas, é uma das principais consequências. 4. O romance epistolar 8 Inclusivamente, lendo parte do discurso crítico setecentista acerca do epistolar, à luz de uma
teoria do género, facilmente concluiremos que as cartas funcionaram como porta de acesso a um espaço discursivo até então vedado às mulheres que, por exemplo, não tinham acesso aos cafés. Atrevemo-‐nos mesmo a interpretar a desvalorização deste modo discursivo pela crítica setecentista como decorrente de uma postura misógina que não aceitava facilmente a participação das mulheres nos debates públicos, reservando-‐lhes um lugar à parte, circunscrito aos problemas sentimentais e domésticos. 9 Se pensarmos em nomes como os de Voltaire, autor das célebres Lettres Philosophiques, de Diderot
que escreveu entre 1749 e 1751 as Lettre sur les aveugles e Lettre sur les sourds et muets, de Rousseau, autor da Lettre à d’Alembert sur les spectacles datada de 1758, ou de John Locke que publicou em 1689 a Letter on Tolerance, perceberemos que o epistolar é o meio ideal para resgatar a agilidade do pensamento e do raciocínio “sans tomber dans les pesanteurs de «la» pensée.” (Diaz, 1998ª: 33).
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Uma abordagem à carta e às suas diferentes formas de integração no campo da Literatura não pode dispensar a questão da absorção da carta por um subgénero narrativo – o romance epistolar10 – em voga na Europa desde o século XVII, atingindo um período de maturidade e esplendor no decurso da centúria de setecentos, época que, como vimos, se revela muito rica no que à epistolaridade diz respeito. Grande parte dessa riqueza advém precisamente do enorme sucesso que, tanto em Inglaterra, como em França, tiveram os romances epistolares, intimamente ligados à sociedade do século XVIII: As a new relationship between the public and the provate, the bourgeois public sphere thus required what was in effect a transformed literary system. Its characteristic social institutions-‐ the coffeehouse and the salon – emerged at the same moment as widespread disturbances in the traditional genre system that characterizes the moment of the Revolution and Restoration in England.” (Pask, 2004: 2) Desde finais do século XVII (mais concretamente com a publicação, em 1669, em inglês e em francês, da obra Lettres de la réligieuse portugaise11), até ao final do século XVIII (o romance Les Liaisons Dangereuses é um dos paradigmas da maturidade do subgénero), o romance epistolar constitui um caso espantoso de sucesso, conquistando e fidelizando um público leitor durante mais de um século e só terminando à hora do advento do Romantismo que, por exacerbar o egocentrismo, não se revê num género que vive da comunicação interpessoal12. Subgénero paradoxal e multifacetado, resultante de um conjunto muito diversificado de tradições – que vão desde os manuais epistolares e secretários, que começam a aparecer no século XVI, afirmando-‐se como códigos formais e práticos de escrita 10 Seguimos a definição de romance epistolar proposta por Robert-‐Adam Day que o entende como
qualquer narrativa em prosa, longa ou curta, largamente ou integralmente imaginária na qual as cartas, parcial ou inteiramente ficcionais, são utilizadas como veículo de narração ou ocupam um importante papel no desenvolvimento da história (Day apud Versini, 1998: 10). 11 Segundo Linda Kauffman, o impacto desta obra, em Inglaterra e em França, foi tal, que escrever “à la portugaise” tornou-‐se um autêntico código de estilo, de um certo estilo que correspondia à escrita apaixonada, desordenada e autêntica (Kauffman, 1986: 92-‐117). 12 Segundo Laurent Versini: “(…) le roman épistolaire, genre foncièrement sentimental, genre de l’exil, s’efface à l’heure romantique où le sentiment, le moi, la nostalgie envahissent la littérature : c’est que le sentiment s’enferme alors dans une conscience, dans le narcissisme d’un moi qui répute impossible la communication que postulaient l’honnêteté au XVIIe siècle et la sociabilité au XVIIIe.” (Versini, 1998 : 263).
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epistolar, até à poesia amorosa de influência petrarquista, passando pelas Heróides de Ovídio13, pelo romance medieval de Abelardo e Heloísa, pela novela sentimental espanhola, ou pelas recolhas e compilações de cartas de vocação pedagógica – o romance epistolar potencia a ambiguidade e a indefinição da forma epistolar que absorve. Assistimos, assim, a uma génese em muitos aspectos paradoxal que alia o lirismo sentimental ao utilitarismo, a naturalidade e autenticidade ao formalismo codificado, a ficção à realidade. Como diz Laurent Versini, ao comentar a heterogeneidade das raízes do romance epistolar: (…) le roman épistolaire est l’aboutissement de traditions qui ne sont pas toutes ni essentiellement romanesques, et que l’on découvrira en apparence hétérogènes et mêmes contradictoires ; convergent paradoxalement un naturel prétendu, le formalisme pratique des manuels et le lyrisme, le tout faisant voisiner authenticité et fiction, utilitarisme et art.” (Versini, 1998 : 9). Esta génese paradoxal e a encruzilhada de textos e de tradições que a conforma não são de todo estranhas aos paradoxos da sociedade que conduziu este subgénero ao seu apogeu. Como qualquer outro, mas mais ainda o subgénero do romance epistolar, ele está intimamente ligado às especificidades sócio-‐culturais de uma época. Aparece como o reflexo de um período em que as duas grandes formas de sociabilidade eram a conversação e a carta, entendida como uma conversa por escrito; uma sociedade que renega a ficção, privilegiando a autenticidade, reforçada como já se disse pelo romance epistolar, projectando o natural como valor estético mas, simultaneamente, uma sociedade extremamente codificada e normativa, sobretudo relativamente às regras de convivência e mobilidade sociais. Se há género intimamente ligado à sociedade que o acolhe, esse género é o romance epistolar, ao mesmo tempo reflexo e espelho da cultura de sociabilidade e de sensibilidade do século XVIII14. 13 Todos os autores que se interessam pelo estudo da forma epistolar, sobretudo da sua inserção na
narrativa do romance epistolar, são unânimes em referir esta obra de Ovídio como uma referência incontornável da pré-‐história do género. 14 Para Laurent Versini, esta relação profunda entre a sociedade setecentista e o romance epistolar é indiscutível : “Honnêteté, sociabilité: le roman épistolaire les exprime, les véhicule, les répand; avec leur disparition au profit des élans populaires ou de l’individualisme romantique, il disparaît, se soumit, tant il est vrai que ce genre, expression d’une société à laquelle il renvoie son reflet, est un fait de civilisation.” (Versini, 1998 : 49).
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O sucesso do romance epistolar ficou a dever-‐se, sobretudo, a três características que o subgénero absorve da epistolaridade que o estrutura – a autenticidade, a feminilidade e a privacidade (que gera a enunciação da subjectividade) – que o tornam um género mais vivo e factual, construído à imagem da vida real e, por isso, tocando intimamente o leitor que, por intermédio das cartas, acedia directamente à interioridade das personagens e das heroínas, sem a mediação do narrador15. A autenticidade, decorrente, em parte, do facto de a carta ficcional assimilar algumas características da carta real16, nomeadamente o recurso à linguagem corrente e familiar das cartas privadas, era uma característica muito cara ao leitor do século XVIII, época “défiante à l’égard de l’invraisemblance, de la fiction, du romanesque” (Versini, 1998: 50). São diversificadas as estratégias de autentificação e de veridicção do romance epistolar, entre elas, o recurso a uma estética do pormenor – sobretudo pormenores da vida quotidiana – favorecida pela relação que a forma epistolar estabelece com a escrita da vida privada, propícia ao relato do dia-‐a-‐dia; a utilização de discursos colonizados por práticas discursivas correntes, sobretudo pelo tom conversacional e irreflectido da fala quotidiana; finalmente, a referência, normalmente no espaço paratextual do prefácio17, ao autor / compilador / editor que, tendo tido acesso às cartas, as organiza e publica, mascarando assim o acto de criação literária, necessariamente fingida, das cartas. De facto, o romance epistolar, ao contrário de outros subgéneros contíguos, como o diário, as memórias ou as confissões, responde a uma “exigência anti-‐romanesca”, esbatendo as fronteiras entre ficção e real18.
15 “Affranchi de l’intercession du narrateur, le héros prend la parole et dialogue avec une autre
conscience (…) Le je (…) s’affirme en s’efforçant de rendre indistincts le flux affectif ou sentimental et le procès de l’écriture grâce à tous les moyens expressifs (…) Une conjonction s’établit entre cette nouvelle illusion romanesque, et le rêve si souvent déçu du commerce épistolaire de mettre en dialogue destinateur et destinataire sans la médiation du personnage social.” (Beugnot, 1978 : 947). 16 Segundo Susan Wright, a ficção epistolar do final do século XVII e do século XVIII, sobretudo a ficção amorosa, tem muitas similitudes com a epistolaridade real: “Although aparently perceived as simple projection of the real love-‐letter, the ficcional love-‐letter is different from the authentic intimate letters (…) The source of the apparent similarity between real letters and fictional letters seems to be in the marriage of the private language of intimate letters with the linguistic conventions of the day which govern prose writing.” (Wright, 1989: 556-‐557). 17 Janet Altman, referindo-‐se à principal diferença entre as cartas reais e as ficcionais, diz o seguinte : “In fictional letters, where there is no historical “contexte vécu” as in a real correspondence, the illusion that something is going on between the letters or preceding the letters must be created without having the characters tell each other things they already know; this is usually accomplished by editorial footnotes, (…)” (Altman, 1982: 120). 18 Para Janet Altman, as novelas epistolares, como produto da vida real no século XVIII, estabeleceram os quadros editoriais intermédios, de forma a enfraquecer a distinção entre o mundo ficcional dos correspondentes e os mundos históricos e reais dos novelistas e leitores (Altman, 1982: 201).
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Deste modo, o romance epistolar assegurava um pacto de leitura diferente do de outro tipo de ficção: o leitor, mesmo sabendo estar a ler ficção, não o sentia enquanto tal, projectando o romance para a esfera de um conjunto de géneros autênticos. Num artigo sobre o leitor da forma epistolar, Roger Duchêne traça o percurso da leitura nos séculos XVI e XVII, defendendo que se verifica uma evolução no tipo de leitor e sobretudo nas expectativas de leitura: o leitor doutrinado e conhecedor, capaz de admirar as belezas dos grandes mestres, é substituído, gradualmente na viragem da centúria de quinhentos para a de seiscentos, pelo “leitor-‐consumidor” que encara as cartas como um prolongamento da vida social e que procura encontrar nelas uma “mise-‐en-‐scène” de experiências de vida, um texto autobiográfico onde o seu autor deixa marcas vívidas da sua vida e da sua personalidade. Esta evolução, que fez com que as colectâneas de cartas publicadas integrassem e explorassem assuntos do foro privado, mostra bem como a sinceridade e a autenticidade atingiram o patamar dos valores estéticos19. Na nossa opinião, esta alteração da leitura e a deslocação do ponto de interesse da leitura epistolar pode, em parte, explicar o tipo de leitor do romance epistolar setecentista: como um voyeur20, o leitor absorve a ficção, como se de cartas reais se tratasse e, através delas, acede ao mundo interior, íntimo e privado das personagens, aderindo a um jogo perverso entre real e ficção. Como acima referimos, uma das características do romance epistolar que, na nossa opinião, pode justificar o seu sucesso ao longo do século XVIII, é a sua feminilidade. O facto de a maioria das personagens principais serem mulheres e também porque boa parte do seu público leitor era feminino, o certo é que este subgénero está, tal como a escrita epistolar, intimamente ligado ao mito da epistolaridade feminina. Laurent Versini atribui esta ligação ao facto de as mulheres serem vistas, na sociedade da época, como seres mais propensos à sensibilidade do que à reflexão:
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“A la lecture des doctes, fondée sur l’admiration d’une élocution régulière s’oppose ici radicalement celle des mondains, attentifs à la singularité d’un sentiment et à l’originalité de son expression. Sincérité et négligence sont en train de devenir des valeurs littéraires : elles garantissent au lecteur l’authenticité d’un plaisir qui vient aussi de son indiscrétion.” (Duchêne, 1978: 988). 20 Esta ideia de voyeurismo está presente em numerosos autores, entre os quais Janet Altman e Julien Harang. Este último, comentando a dupla enunciação do romance epistolar, afirma que “en découvrant le contenu de lettres intimes qui ne lui sont pas adressées, le lecteur est contraint, para la force même de la fiction épistolaire, d’assumer une certaine forme de voyeurisme. Il n’est jamais que le lecteur «en second» de lettres que s’échangent les personnages.” (Harang, 2002 : 90). Janet Altman, quando comenta as potencialidades de uma análise pragmática da narrativa epistolar, lança a hipótese de se entender a narrativa epistolar como um jogo que desafia os desejos de voyeurismo do leitor (Altman, 1982).
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Moins raisonneuses, par nature et par la faute, pour une fois bénéfique, d’une instruction négligée, les femmes mettent moins de rhétorique dans leurs lettres, y trouvent plus facilement ce style spontané dont les manuels font l’idéal du genre sans parvenir à en donner le secret, et une écriture imagée sans tomber dans les excès du style orné. (Versini, 1998: 59). O que estas palavras reiteram são os mesmos aspectos que as elites masculinas setecentistas e oitocentistas utilizavam para defender a tese da feminilidade da escrita epistolar. Aliás, a tradição do romance epistolar inglês21 – que tem em Richardson, autor de Pamela e de Clarissa, a figura emblemática – cultiva a carta como um dos meios de abordar problemas morais e, sobretudo, uma forma de doutrinar a mulher, dando lições de conduta moral (Versini, 1998). À semelhança do que sucede com a mulher na escrita epistolar, também as heroínas do romance epistolar encaravam a escrita como uma forma de afirmação da sua identidade, um modo de acederem a uma tribuna não silenciada, de darem voz a sentimentos, pensamentos e emoções. Esta relação entre género e o romance epistolar liga-‐se também à autenticidade, naturalidade e negligência veiculadas pelo subgénero e intimamente ligadas à forma epistolar. A mulher aparece como o ser capaz de produzir discursos naturais, aparentemente desordenados e caóticos porque obedecendo à lei das paixões e do sentimento; a autenticidade da sua escrita, decorrente do menor índice de conhecimento de códigos, regras e sistemas, imprime ao romance epistolar a feição de vida vivida, de vida real que tanto agradava ao leitor do século XVIII. Muito ligado a este mito da feminilidade encontra-‐se também o motivo da sensibilidade e da capacidade que a mulher tem em exprimir, de forma verídica e natural, a sua subjectividade. Desde a publicação das cartas da religiosa portuguesa, no fim do século XVII, que a carta é entendida como medium apropriado e adequado à expressão espontânea da intimidade e da paixão. Jean Rousset argumenta que o romance epistolar é o subgénero por excelência da experiência da intimidade, precisamente porque nele o presente se vai 21 Laurent Versini refere a existência de duas tradições no romance epistolar europeu: a inglesa,
representada por Richardson, e a francesa representada paradigmaticamente por Rousseau e Laclos, para citar apenas os grandes nomes. Mostra também como essas tradições são diferentes: o romance epistolar francês é mais sentimental, mais analítico, mais afectado pela “honnêteté”; o inglês tem uma vertente moralizante mais insinuada e tem intuitos pedagógicos, direccionados para o público feminino (Versini, 1998: 77-‐78).
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construindo aos olhos do leitor, sem a intervenção omnisciente de nenhum narrador, desnudando os dois intervenientes em diálogo Il semble qu’avec l’avènement de la forme épistolaire, le romancier pour la première fois dans l’histoire du roman, renonce au récit (…) Ici, l’événement ce sont les paroles mêmes et l’effet à produire au moyen de ces paroles (…) (Rousset, 1995: 74). 5. O romance epistolar em Portugal: um espaço em branco A Literatura Portuguesa, ao contrário das suas congéneres europeias, não é particularmente fértil, no que a este subgénero narrativo diz respeito. Comparando o sucesso que o romance epistolar teve em França e na Inglaterra, a História da Literatura Portuguesa a este nível revela um imenso espaço em branco porque, de facto, não há cultores deste género romanesco. Embora, a epístola tenha conhecido um enorme sucesso, em contexto ficcional, durante os séculos XV, XVI e XVII, com as novelas sentimentais e pastoris, trata-‐se agora de compreender por que motivo o romance epistolar setecentista não penetrou na nossa Literatura nacional, à semelhança de outros países europeus. Não cabe no âmbito desta comunicação aprofundar os motivos desta lacuna, até porque tal resposta necessitaria de uma reflexão muito mais vasta e aprofundada; no entanto, não podemos deixar de nos questionar sobre esta ausência. Começa logo por ser sintomático que o Dicionário de Literatura Portuguesa de Jacinto do Prado Coelho não tenha essa entrada, remetendo-‐se a um circunstanciado artigo sobre epistolografia da autoria de Ester Lemos. Igualmente, a clássica História da Literatura Portuguesa de António José Saraiva e Óscar Lopes, no capítulo sobre a Literatura do século XVIII, intitulado, «O Século das Luzes», passando em revista a produção literária deste período, não refere em momento algum o romance epistolar, nem sequer explica a sua ausência. Num artigo mais recente da autoria de Aníbal Pinto de Castro, é feita uma sinopse da epistolografia em Portugal, sublinhando-‐se o Barroco como a “época áurea” deste género. No entanto, os exemplos dados são os de Rodrigues Lobo que, em Corte na Aldeia, consagra dois diálogos às regras essenciais da epistolografia; o de D. Francisco Manuel de Melo, com as suas Cartas Familiares e o Padre António Vieira. No que diz respeito ao romance epistolar, Aníbal Pinto de Castro, embora sublinhe a sua importância neste período, não explica nem problematiza os motivos da sua ausência na Literatura Portuguesa. Aliás, quando refere a Nouvelle Héloïse de Rousseau como
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modelo europeu paradigmático, adianta que este “daria a autores portugueses, como Camilo Castelo Branco, um meio usado com certa frequência, para, embora nunca de modo exclusivo, variar as estruturas da sua narrativa.” (Castro, 1997: 331) Por outras palavras, o investigador teve de recorrer a um escritor oitocentista para mostrar como a moda da ficção epistolar entrou na nossa Literatura nacional. A hipótese talvez mais consensual para esta lacuna na Literatura Portuguesa prende-‐se, na nossa opinião, com características políticas e sociais do período em causa que ditaram o considerável atraso da nossa cultura em relação à Europa, bem como uma ainda muito incipiente esfera pública. Bastará lembrar que a nossa Revolução Liberal apenas se concretiza na segunda década do século XIX, momento em que a burguesia, afinal a consumidora primeira deste género de literatura, começa a assumir um maior protagonismo. A primeira metade do século XVIII, dominada pelo reinado de D. João V, caracteriza-‐se, como é do conhecimento geral, por uma abundância e exuberância, devidas à exploração mineira da colónia brasileira, que ditou uma aparente contradição: por um lado, as classes sociais tradicionais permaneciam no poder, agregando-‐se em torno do trono absolutista e cultivando o gosto por um barroco “retardatário”; por outro lado, o papel contestatário dos estrangeirados, que, usufruindo de tempos prósperos, emigravam para a Europa, fez com que o país se fosse abrindo às novas ideias técnicas, artísticas e científicas vindas de França e de Inglaterra. Quer isto dizer que, embora a centúria de setecentos tenha visto partir inúmeros homens de letras e de ciência, a fim de abrir o país às ideias europeias, o conservadorismo da sociedade portuguesa, a manutenção do poder nas mãos do clero e da aristocracia, a vida cultural demasiado centrada na corte absolutista e o atraso na modernização e autonomização da burguesia, ditaram a dilação da entrada de um género literário que, como referimos no ponto anterior, simbolizou uma nova dinâmica de produção e recepção da ficção, decorrente de um novo paradigma sociocultural. 6. A carta pública Apesar desta lacuna, no âmbito da ficção, o século XVIII e, particularmente o século XIX, assistiram a uma valorização da escrita epistolar. Se folhearmos os jornais mais conhecidos do século XIX português, verificamos o importante papel ocupado pela carta aberta, enquanto recurso discursivo e textual que proporcionava aos signatários a intervenção pública em áreas que vão desde a Política à Literatura,
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abarcando temas muito amplos e diversificados. Era geralmente a carta, veiculada pela imprensa, que trazia a público posicionamentos, opiniões, através dos quais se alimentavam polémicas de natureza muito heterogénea. A título de exemplo, basta que cotejemos as inúmeras cartas que alimentaram a polémica de encerramento das Conferências do Casino, no Verão de 1871, para termos uma ideia da real importância deste meio de intervenção e de discussão. Também, no artigo dedicado à epistolografia portuguesa do Dicionário de Literatura, é dito com clareza que “o século XIX, tão rico de actividades espirituais, deixou-‐nos muitas cartas interessantes dum ponto de vista histórico-‐literário ou político (é o caso da correspondência de Oliveira Martins, de Antero, de Herculano) – cartas de polémica, cartas abertas publicadas em folheto ou em jornais.” (Coelho, 1994: 297). Não se pense, porém, que a carta pública foi invenção deste século, pois já Rodrigues Lobo, no início do século XVII, num dos diálogos de Corte na Aldeia, dedicado às regras essenciais da epistolografia, contempla como uma categoria possível de carta, a carta pública: estipulando a existência de três géneros de cartas – as cartas de negócios, as cartas entre amigos e as cartas de “matérias mais graves” – insere a carta pública neste último, explicando que “o terceiro, que é mais grave e levantado, contém cartas Reais em matérias de Estado, cartas públicas, invectivas, consolatórias, laudativas, persuasórias e outras (…)” (Lobo, 1990: 103). O recurso ao modo epistolar como forma de intervenção pública é recorrente também noutros contextos políticos e noutros países. Em França, “la naissance du genre coïncide avec les guerres de religion et s’épanouit avec la Fronde, moment de contestation politique dû à l’ébranlement de la confiance accordée au souverain et à toute forme de pouvoir (…) Guez de Balzac peut être considéré comme une figure emblématique de la lettre polémique littéraire au XVIIe siècle.” (Grassi, 1998 : 107). E, no século seguinte, o esclarecido século XVIII, a carta será explorada pelos iluministas franceses “comme le médium essentiel de tous les grands débats qui ont marqué le siècle, et s’impose comme l’indispensable outil formel d’une vaste réflexion épistémologique.” (Diaz, 2002: 43). Já em pleno século XIX, o recurso à carta aberta é muito frequente, nomeadamente em escritores célebres, como Émile Zola que publica, em 1898, a conhecida carta J’accuse a qual, embora dirigida ao Presidente da República, Félix Faure, se destinava a ser lida por todo o povo francês. Também Michael Warner, na obra The Letters of the Republic, em que demonstra o importante papel da imprensa na consolidação de uma esfera pública norte-‐americana, no século XVIII, refere o espaço relevante ocupado pela carta panfleto no debate público sobre questões legislativas e políticas: “In the
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colonial period by far the most popular genres for political debate were the epistolary pamphlet and the dialogue.” (Warner, 1995: 40). Sublinhe-‐se, nesta afirmação, o facto de o modo epistolar concorrer, neste contexto, com um género como o diálogo: o dialogismo inerente à carta está, na nossa opinião, intimamente ligado à sua utilização como forma discursiva de intervenção pública, nomeadamente em debates e polémicas. Esta funcionalidade do género decorre naturalmente da ambivalência da carta e da sua extrema maleabilidade: a carta é uma forma textual híbrida e muito permeável, capaz de absorver um leque de temas e de assuntos muito lato, bem como de assumir funções diversificadas. Como afirma Georges May, a carta é “un moyen d’expression privilégié, promis à un avenir illimité, parce que, n’ayant aucune forme préétablie, aucun modèle absolu, elle est capable de se plier à tous les usages, de s’adapter à tous les besoins, de tout exprimer; parce qu’elle est un mode libre.” (May, 1967: 839). Esta polivalência e a liberdade são visíveis, desde logo, nos primeiros tempos de tráfico de correio, em que, como explica Jürgen Habermas “sirve ya la carta para la correspondencia intelectual así como para la cortesía familiar” (Habermas, 2002: 85). Deste modo, não surpreende que, em pleno século XIX, com o incremento e a massificação do jornalismo, se assista a uma mais fácil divulgação deste tipo de texto, assumindo os jornais o papel de fora de discussão e debate, em que as cartas constituíam peças cruciais, como referimos no segundo capítulo. É sabido que, a partir de meados do século XVIII, e com muito maior incidência no século XIX, a imprensa passa a desempenhar importantes funções na dinâmica de debate da esfera pública, assumindo o papel anteriormente reservado aos cafés e salões. Como defende Habermas, a disseminação da imprensa no século XVIII foi fundamental para a formação de um debate público crítico e para o consequente desenvolvimento de uma esfera pública (Habermas, 2002). Coube, no entanto, aos intelectuais do século XVIII reinventar o papel e a função da carta, contornando a rigidez normativa em que o género havia caído no século precedente. A carta aberta é precisamente um dos tipos impulsionados nesta centúria, em que um conjunto de homens de letras souberam diversificar as práticas epistolares: “en élargissant presqu’à l’infini le champ de la lettre, les épistoliers des Lumières ont radicalisé en quelque sorte les lointaines leçons d’Erasme.” (Diaz, 2002: 44).
7. Conclusões
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Em síntese, podemos afirmar que a dinâmica epistolar que atravessou todo o século XVIII, tanto no domínio da ficção, com a criação do romance epistolar, como no domínio do debate de ideias, é claramente um sintoma da alteração das práticas discursivas públicas, cujo nascimento do espaço público burguês, tal como o define Habermas, é uma das principais consequências. Inclusivamente, lendo parte do discurso crítico setecentista acerca do epistolar, à luz de uma teoria do género, facilmente concluiremos que as cartas funcionaram como porta de acesso a um espaço discursivo até então vedado às mulheres que, por exemplo, não tinham acesso aos cafés. Atrevemo-‐nos mesmo a interpretar a desvalorização deste modo discursivo pela crítica setecentista como decorrente de uma postura misógina que não aceitava facilmente a participação das mulheres nos debates públicos, reservando-‐lhes um lugar à parte, circunscrito aos problemas sentimentais e domésticos. De salientar também, como referimos, que a epistolaridade marcou a organização e a forma dos primeiros jornais, tendo inclusive constituído um dos instrumentos de construção do espaço público, mas também como, ao longo de toda a centúria de setecentos, os jornais se abriram à publicação de cartas de variados tipos: cartas de correspondentes, editoriais em forma de carta, cartas dos leitores, cartas abertas, etc. De facto, podemos afirmar que a carta é o produto de um tipo de escrita decorrente da distância entre os sujeitos do processo comunicativo, pois é precisamente o hiato espacio-‐temporal entre emissor e receptor que desencadeia a escrita epistolar. Nada mais natural, então, num período em que, por razões de ordem económica e comercial, a informação se torna um bem precioso, que as correspondências tivessem funcionado como meios de fazer circular notícias e informações, assumindo-‐se como os primórdios ancestrais do jornalismo. Ora, se pensarmos que, ainda no início do século XIX, antes do aparecimento do telégrafo e dos enviados especiais, os jornais contavam com as correspondências, enviadas de diversas partes do país, para dar conta de informações locais, perceberemos que essa função de fonte de informação, assumida nos primórdios pelas correspondências, perdura, na centúria de oitocentos. Bibliografia: Antunes, Marco António, (s/d), O público e o privado em Hannah Arendt, www.bocc.ubi.pt
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