O Mundo de Hoje, uma Gigantesca Torre de Babel

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O Mundo de Hoje, uma Gigantesca Torre de Babel? André Francisco Pilon [email protected] Diz a Bíblia que, após o Grande Dilúvio, os sobreviventes decidiram construir uma torre para alcançar os céus, mas Deus, prevendo que, a partir daí, a humanidade, orgulhosa de seus feitos, estaria disposta a tudo, confundiu a linguagem dos construtores, que, não mais se entendendo, se dispersaram pelo mundo. A "civilização", centrada em um futuro compartilhado, em interesses comuns, em propósitos coletivos, permaneceu, desde então, carente dessas condições e, hoje em dia, vê-se defronte a um colapso global iminente, face à corrupção, às desigualdades sociais, à deterioração ecológica, aos interesses politicos e econômicos. As “Torres de Babel” de hoje (os sofisticados arranha-céus que proliferam nas grandes cidades do planeta) atraem os endinheirados de todo o mundo (inclusive aqueles que se enriqueceram graças à frouxidão das leis nos chamados países emergentes), maravilhados pelos prodígios tecnológicos dos orgulhosos engenheiros e arquitetos que as construíram, Megaeventos (geralmente caracterizados por escândalos financeiros), são promovidos por segmentos privilegiados da política e da economia e avidamente disputados por governos em todo o mundo, graças a uma cornucópia financeira, jamais exaurida, que custeia as dispendiosas estadias em palacios sempre mais luxuosos. Enquanto as pessoas comuns são “entretidas”, enormes fortunas florescem da noite para o dia, nas mãos de espertos “entrepreneurs”, que, entretanto, fecham suas mãos quando se trata de recursos destinados à melhoria das condições de saúde, educação, cultura e meio ambiente, cada vez mais precárias em várias partes do mundo. Embora o destino dos mais desfavorecidos continua atolado nos meandros do Poder, os setores mais privilegiados controlam a promulgação de leis que legitimem seus mal feitos, enquanto disfrutam das “torres de Babel” erguidas por sofisticados hotéis, com seus “playgrounds” e piscinas suspensas de mármore importado da Turquia… William E. Rees, co-criador da "pegada ecológica", afirma que as elites privilegiadas não irão abandonar voluntariamente o seu estado exaltado, nem retirar a mão das alavancas do poder; elas já capturaram as agências reguladoras que operariam em prol do interesse público, manipulando os meios de comunicação social, a propaganda, os eventos de massa. As “Torres de Babel” do mundo de hoje são bem mais sofisticadas, não estão restritas fisicamente às grandes edificações; como outras "construções" humanas, apenas expressam os paradigmas vigentes de crescimento, riqueza e poder. Como os rios poluídos, em sua morte lenta, espelham a decadència da “civilização” contemporânea, Inovações tecnológicas, a "revolução dos dados", não transformariam a dinâmica de poder; o processo de mudança implicaria agentes capazes de capturar atributos heterogêneos, comportamentos e interações, a dinâmica dos sistemas a nível populacional, ecológico, politico e econômico (Atkinson, 2015). A transição para um modelo ecossistêmico de cultura sòmente ocorre quando, no planejamento e avaliação das políticas públicas, dos programas de ensino e de pesquisa, é levado em conta o conjunto de todas as dimensões de estar-no-mundo na geração, direção e controle dos eventos: íntima, interativa, social e biofísica (Pilon, 2014).

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Na ausência de uma ética fundamentada na transcendência, na carência de uma filosofia coletiva, (inclusive de fé religiosa), a ciência, a tecnologia, as comunicações e o mercado dirigem agora todos os aspectos da vida (Daniel Bell, 1976), que são facilmente manipulados por interesses comerciais e politicos. “Em uma época em que Deus foi colocado entre parênteses”; prossegue Bell, valores e normas são vistos como subjetivos, os laços sociais são enfraquecidos e, apesar das comunicações instantâneas, as pessoas têm grande dificuldade em estabelecer e manter relacionamentos significativos nas novas torres de Babel do mundo de hoje. Para o “mercado” temos “necessidades não satisfeitas”, cuja colimação depende da desenfreada busca de produtos efêmeros: para ser “sexy”, bonito, feliz, distendido, deve-se consumir cada vez mais, empurrados por uma esteira hedonista, em que corremos sempre mais rápido para fugir de um crescente sentimento de inadequação (Monbiot, 2011). Novos paradigmas de crescimento, poder, riqueza, trabalho e liberdade precisam ser incorporados às instituições educacionais, culturais, sociais, políticas e econômicas; nas nossas sociedades assimétricas, as diferenças de poder entre pessoas físicas e pessoas jurídicas (corporações de negócios) levam à definição fragmentada e reduzida dos problemas, As estratégias de “desenvolvimento”, os mega-projetos, não consideram as necessidades humanas fundamentais; em vez aceitar as tendências atuais e projetá-las para o futuro (estudos descritivos e exploratórios), seria necessário definir previamente as metas desejáveis e buscar novos caminhos para alcançá-las (estudos normativos). Setores públicos e privados, organizações sociais, instituições científicas e técnicas, os chamados “stakeholders”, deixariam de defender os seus interesses particulares em benefício da transformação solidária do atual sistema de coisas, com vistas à integridade, resiliência e beleza dos ambientes naturais e construídos (Brown e Garver, 2009)? Um mundo no qual sistemas internacionais imparciais de governança, agências transnacionais reguladoras, teriam autoridade para implementar um conjunto de normas de Direito, valores e políticas públicas destinadas à salvaguarda do patrinônio natural e cultural e, em última instância, da própria sobrevivência da humanidade? As políticas públicas, os programas de ensino, os projetos de pesquisa estariam dispostos (e preparados) para a transição para um modelo ecossistêmico de cultura, ao invés de ser mais um elemento de reforço do modelo atual (não-ecossistêmico), calcado nos interesses das grandes corporações, que transformam os cidadãos em meros consumidores? Por que sòmente os ídolos do esporte e dos espetáculos de massa são privilegiados, ganham nomes de ruas e praças, espaços sempre maiores na publicidade e nos “media”, enquanto aqueles que se dedicam às artes, às letras, à educação, ao meio ambiente, são colocados em segundo plano, quando não completamente esquecidos? Até quando as mudanças climáticas, a degradação do solo e das águas, o desflorestamento, a violência nos centros urbanos, o controle do planejamento pelo “real estate” (corporações imobiliárias), continuarão a violentar o planeta e as pessoas, enquanto as “torres de Babel” permanecem impávidas? Afinal, somos vítimas ou somos coniventes com o atual sistema de coisas?

André Francisco Pilon tem uma extensa carreira acadêmica e profissional como professor associado da Universidade de São Paulo; como psicólogo, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; como Diretor do Departamento de Educação em Saúde, Ministério da Saúde, como Editor e Articulista da revista Academus. Perfil Público e Publicações: https://usp-br.academia.edu/Andr%C3%A9FranciscoPilon/CurriculumVitae

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