O MUNDO EM 2016 RUMO À DEPRESSÃO E AO TOTALITARISMO

June 14, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Sociology, Economics, Social Sciences, Political Science
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O MUNDO EM 2016 RUMO À DEPRESSÃO E AO TOTALITARISMO Fernando Alcoforado* Segundo a teoria dos sistemas mundiais desenvolvida pelo sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein e pelo historiador francês Fernand Braudel, o mundo possui um centro que é a área de grande desenvolvimento tecnológico que produz produtos complexos, a periferia que é a área que fornece matérias-primas, produtos agrícolas e força de trabalho barata para o centro e a semiperiferia que se trata de uma região de desenvolvimento intermediário que funciona como um centro para a periferia e uma periferia para o centro como é o caso do Brasil. Pelos dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), organização internacional de 35 países que procura fornecer uma plataforma para comparar políticas econômicas, solucionar problemas comuns e coordenar políticas domésticas e internacionais, as perspectivas da Economia- Mundo Capitalista para 2016 são bastante desanimadoras (Ver o artigo OCDE rebaixa perspectivas de crescimento para 2016 para economia mundial disponível no website ). Segundo a OECD, entre os principais países capitalistas centrais, os Estados Unidos terão crescimento de 3%, enquanto a União Europeia (1,6%) e o Japão (1,7%) terão menor crescimento. Austrália que teve crescimento do PIB de 0,9% e a Nova Zelândia que cresceu o PIB 2,3% em 2015 não apresentam perspectivas de maior crescimento em 2016. Nem mesmo a poderosa Alemanha consegue crescer economicamente como antes em uma União Europeia estagnada. A âncora cambial, representada pelo Euro causa enormes perdas às economias mais frágeis como Grécia, Espanha, Portugal, além de punir fortemente a Itália em eterna paralisia. De 2008 até 2014, apenas Alemanha e França mantiveram crescimento positivo do PIB com baixíssimo índice de crescimento, uma queda comum em 2009 e uma recuperação moderada a partir de 2011. Na outra ponta, a Grécia vive com uma economia que corresponde a 72% do que era em 2008, a Itália com 82%, Espanha e Portugal com 85%. Entre os países semiperiféricos, destacam-se os países integrantes do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que começam a enfrentar forte turbulência com a desaceleração da China e os problemas econômicos da Rússia. Considerando a depressão mundial na qual continuamos a viver, e a baixa probabilidade de haver uma recuperação significativa da economia mundial na próxima década, Immanuel Wallerstein afirma que o futuro dos países do BRICS é bastante duvidoso. Tal como o próprio conceito da globalização, os BRICS podem se revelar como um fenômeno passageiro (Ver o artigo Qual o futuro dos BRICS? Disponível no website ). Para os países periféricos e semiperiféricos, as perspectivas são de baixo crescimento econômico, sendo alguns deles negativo como é o caso do Brasil, à exceção da China (6,5%) e da Índia (7,3%) que continuarão crescendo com taxas elevadas inferiores, entretanto, às obtidas em anos recentes. A situação mais desesperadora entre os países semiperiféricos é a do Brasil e da Rússia, países fortemente dependentes das exportações de matérias-primas, cujos preços caíram vertiginosamente e já estão sofrendo recessões. Pelo exposto, o único país que se salva deste cenário de piora entre os países semiperiféricos é a Índia.

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A desaceleração econômica da China indica que sua economia, “Chão de Fábrica” mundial na era contemporânea, se esgotou. A queda da produção e da produtividade do trabalho na manufatura chinesa é o resultado de corrosiva superacumulação de capital e correspondente queda da taxa geral de lucro. O FDI (Investimentos Externos Diretos) na indústria de manufaturas caiu 14.26% no período janeiro-julho 2014. No mesmo período, os capitalistas japoneses cortaram 45.4% dos seus investimentos na China e os dos Estados Unidos e da União Europeia cortaram 17.4% e 17.5%, respectivamente. Após a crise econômica mundial de 2008 que eclodiu nos Estados Unidos, muitos analistas econômicos previram que a retomada do crescimento da economia mundial apenas se poderia concretizar com o crescimento das economias emergentes do planeta, com particular destaque para a China. No entanto, neste momento, o cenário que se assiste é diferente haja vista que o dinamismo da economia chinesa se esgotou. Na tentativa de salvar a economia-mundo capitalista do colapso que se avizinha estão sendo estruturados três acordos globais de comércio, negociados em sigilo, que ameaçam direitos sociais, o meio ambiente e a própria democracia. Trata-se da nova etapa da globalização mais ampliada do que a levada avante na década de 1990. À margem de qualquer debate democrático e da própria Organização Mundial do Comércio (OMC), três grandes acordos sobre trocas internacionais estão em implementação, em fóruns restritos, neste momento. Seu principal motor é o governo dos Estados Unidos (Ver o artigo O fantasma do ultra-capitalismo disponível no website ). O primeiro desses acordos é o Acordo Comercial Transpacífico (TTP, ou Transpacific Trade Partnership, em inglês) que, se aprovado, terá a participação dos Estados Unidos e dez países asiáticos (entre eles, Japão e Coreia do Sul), quatro latinoamericanos (México, Chile, Peru e Colômbia), mais Austrália e Nova Zelândia. A China, hoje a nação que mais movimenta o comércio internacional, está propositalmente excluída. O segundo acordo é o Acordo Transatlântico de Comércio e Investimentos (TTIP, ou Transatlantic Trade and Investiments Partnership) que reúne a nata do capitalismo mundial (Estados Unidos e União Europeia). Finalmente, o terceiro acordo é o Acordo sobre Comércio de Serviços (TiSA, ou Trade in Services Agreement) que é o mais abrangente e perigoso de todos, incluindo 53 países (Estados Unidos, toda a União Europeia, a maior parte dos membros do TTP, inclusive Japão e Coreia do Sul, mais nações como Turquia, Paquistão, Suíça e, surpreendentemente, Uruguai). O acordo encarna abertamente cláusulas de bloqueio à democracia. Nenhum membro dos BRICS foi convidado. Qual o conteúdo e o sentido político dos acordos? Fala-se em facilitar circulação de riquezas e conhecimentos. Mas impõe-se um preço amargo: o favorecimento das grandes corporações transnacionais, restrição severa da democracia com bloqueio da capacidade das sociedades e Estados para definir suas próprias leis e ataques aos direitos sociais e ao meio ambiente. TTIP, TTP e TiSA tratam, todos, do comércio de serviços – daí sua abrangência e alcance. É, há décadas, em praticamente todo o mundo, o setor mais vasto das economias: 80% do PIB, nos Estados Unidos e União Europeia; 65% no Brasil; 46,8% na própria fábrica do mundo – a China, onde superou pela primeira vez, em 2013, a indústria. Ao contrário da agricultura e atividade fabril, aqui não se produzem bens materiais, mas relações sociais, isto é, Conhecimento, Cultura, Comunicação, Afetos. Um universo amplo de atividades cada vez mais central em todas as economias, que 2

inclui o projeto de engenharia, a canção, o programa de computador, o atendimento psicanalítico, a campanha publicitária, o corte de cabelo, o restabelecimento de uma rede elétrica ou hidráulica, etc. Por sua natureza imaterial e relacional, este vasto arquipélago foi menos atingido, até agora, pela globalização e ultra-concentração empresarial. Quebrar as defesas que protegem o setor de serviços e abrir às corporações internacionais a imensa economia do imaterial são os objetivos declarados dos três acordos. Os acordos TTIP, TTP e TiSA não buscam apenas abrir, em todo o mundo, o setor de serviços às corporações multinacionais. Um segundo objetivo é padronizar as legislações dos países signatários sobre temas cruciais como sistema financeiro, seguridade social, produção e circulação do conhecimento, liberdade na internet, segurança alimentar. Adotada a pretexto de facilitar a “livre circulação” de serviços, esta uniformização atende a reivindicações das transnacionais e atinge direitos sociais e o meio ambiente que ficaria menos protegido. No âmbito da chamada “propriedade intelectual”, sacrifica-se também o direito à livre circulação de cultura e produções artísticas. Tenta-se exigir dos países envolvidos nas negociações que inscrevam, em suas legislações nacionais, medidas ainda mais duras contra quem compartilhar, via internet, música, filmes, vídeos, livros, artigos ou outros bens culturais. Em todos os novos acordos, seções especiais são consagradas ao sistema financeiro. Os bancos e instituições financeiras são, provavelmente, o setor mais favorecido pelo acordo e o que ganha mais poderes para confrontar sociedades e governos. Os Estados nacionais ficam proibidos de estabelecer qualquer restrição ou exigência aos grupos financeiros internacionais que desejem instalar-se em seu território. Não podem limitar seu tamanho. Não podem, sequer, controlar os fluxos de capital privando-se, portanto, de um instrumento decisivo contra ataques especulativos a suas moedas. Perdem o direito de impedir a entrada e saída de recursos para “instituições offshore” ou paraísos fiscais. Esses acordos permitem que empresas (tratadas como “investidores”) processem Estados Nacionais sempre que julgarem que uma nova decisão política provocou redução de lucros mesmo que não tenha atingido nenhum direito adquirido. Segundo os novos acordos, o julgamento das ações judiciais movidas não se faria nos tribunais nacionais, mas sim em tribunais de exceção. Trata-se de “tribunais arbitrais”, onde os processos não são públicos e os “juízes” são, frequentemente, advogados de grandes empresas. No artigo Libre-échange, version Pacifique publicado no Le Monde Diplomatique de novembro de 2014, Martine Bulard afirma que a própria geografia das três áreas de “livre” comércio estabelecidas pelos acordos expõe o interesse e a ação norteamericana, expressa em dois grandes movimentos. O primeiro consiste em ocupar o centro do cenário, na negociação de três tratados, que terão importância capital para o capitalismo do século XXI. Não é à toa que os Estados Unidos são, além de principais impulsionadores do TTIP, TTP e TiSA, o único país presente ao mesmo tempo nas três negociações. O segundo movimento ligado ao anterior, porém mais específico, consiste em isolar a China. Com o TTIP, Washington reforça sua aliança secular com a Europa Ocidental. Mas tanto TTP quanto TiSA visam reforçar o objetivo geopolítico e militar central acalentado pelos Estados Unidos nos últimos anos que implica deslocar-se do Oriente Médio para a Ásia, onde, consideram os estrategistas norte-americanos, que vai se dar a disputa crucial pela hegemonia planetária no século XXI. Os novos tratados são também, portanto, elementos de uma nova “Guerra Fria”. Como frisa Michel Löwy no 3

seu artigo Löwy: quando Capitalismo não rima com Democracia publicado no website e como mostra o que vimos até agora, vivemos um tempo em que o capitalismo procura livrar-se da democracia. No século XXI, na era contemporânea de globalização econômica e financeira, surge o totalitarismo moderno, abarcando todo o planeta. * Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).

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